04. Daisies

Finalizada em: 31/12/2020

Capítulo Único

I.


As risadas explodiram em meio ao almoço de família. Todos pareceram achar a fala de meu pai engraçadíssima, exceto eu.

— Deixa eu ver se entendi direito — tio Alfredo soltou após recuperar o fôlego, secando os olhos com a ponta da toalha da mesa. — Nossa não vai fazer faculdade porque quer trabalhar com internet?

A pergunta fez com que tia Erminia e vô Adalto retomassem as gargalhadas. Não chora, pensei comigo mesma. Não. Chora.

— Fico feliz em saber que não sou o único a achar isso um absurdo!

Ouvir meu pai, meu próprio pai, exclamar aquilo foi como levar um soco no estômago. Eu tinha pedido para que meus planos não virassem assunto durante o almoço de domingo. Não por medo da falta de apoio — conheço os membros do meu lado paterno bem o suficiente para saber que isso não aconteceria mesmo —, mas por receio de olho gordo. Além de desrespeitar meu pedido, este que chamo de pai ainda o fez por querer apoio de seus familiares para me fazer mudar de ideia sobre meu futuro.

Meu futuro. Meu!

, querida, precisamos conversar sobre isso — foi a vez de tia Erminia tomar a palavra.

— Na verdade, tia, não precisamos não.

E minha fala foi o suficiente para instalar um silêncio sepulcral à mesa. Não poderia me deixar intimidar! Precisava aproveitar que minha voz ainda estava firme para concluir meu raciocínio.

— Eu tinha pedido para meu pai não compartilhar os meus sonhos dessa forma, mas já que fui desrespeitada, vamos até o fim — disse olhando bem nos olhos de meu pai. Sua pele foi tomando um ar avermelhado, e eu sabia que não era de vergonha. Eu estava muito lascada por estar agindo dessa forma, com certeza, mas não dava mais para ficar quieta. — Não vou fazer faculdade no momento por não saber ao certo qual curso seguir. Não quero começar nada que possa me levar ao arrependimento, e acabar perdendo dois ou três anos da minha vida.

Aquelas pessoas não precisavam de satisfação nenhuma, eu sei, mas quando a coragem toma conta de você… bem, você só dá ainda mais força a ela.

— Produzir conteúdo para internet não é piada, muito menos motivo pra risada. É um mercado promissor, e é, sim, a ocupação que escolhi até ter certeza de qual carreira vou seguir no futuro.

Eu não vou contar, no entanto, que já existem marcas de maquiagem interessadas em permutas e parcerias, e que por isso não era a toa que eu acreditava nesse meio. O medo do olho gordo nesse ninho é real.

— Você tá maluca! — exclamou vô Adalto.

Idosos sempre acham que tem carta branca para xingar e ofender, não é mesmo? Mais uma das razões que me levam a detestar esses momentos com o lado paterno. Por sorte fui educada pela minha mãe, e não responderia na mesma moeda.

— Pense como o senhor quiser, vovô. Os meus passos já estão decididos, de toda forma.

! — meu pai tentou me repreender, quase roxo de tanta raiva. Encarei-o com cara de tédio. É verdade que vou me acabar de chorar mais tarde por tudo isso que está acontecendo, mas agora que estou sustentando essa personagem preciso ir até o fim.

— Perdi a fome — soltei, levantando mesmo com o prato ainda cheio e o estômago reclamando em protesto. A fome continuava ali, mas permanecer naquela mesa com pessoas me chamando de louca e rindo dos meus sonhos era demais.

— Senta nessa cadeira agora e termina de comer, garota! — meu pai ordenou.

Ele ainda acha que manda em mim.

Apenas me afastei, em direção à porta. Infelizmente não fui rápida o suficiente para não ouvir um "Abusada igual a mãe!" dito pela vó Emília.

Se eu sou abusada como minha mãe, vó, é sinal de que estou no caminho certo.

II.


II. — Eu teria achado melhor que você não tivesse agido desse jeito.

Arregalei os olhos diante desse posicionamento de minha mãe.

Contei a ela tudo o que havia acontecido durante o almoço, assim que desci do táxi que me trouxera de volta pra casa. Confesso que pensei que receberia apoio.

— Não estou te repreendendo — ela continuou, desviando os olhos dos sabonetes que estava produzindo. Ela escutou toda a minha história enquanto trabalhava nas encomendas que entregaria na semana que está começando. — Conheço a família do seu pai. Justamente por conhecê-los, sei que sua postura deveria ter sido outra. A sua fala não vai mudar em nada a forma de pensar deles, — explicou. — Eles são extremamente conservadores. São fechados para o novo. Seu monólogo não vai fazer com que eles mudem de ideia sobre trabalhar com internet.

— Mas eu não-

— Eu sei — ela me interrompeu. — Eu sei que você não queria mudar a cabeça de ninguém. Você se pronunciou por se sentir desrespeitada. Não está errado se impor, por isso não te repreendo, mas nós precisamos identificar onde vale a pena gastar a nossa energia e onde não vale.

Mamãe não suporta a família do meu pai. É verdade que os dois se amaram muito em algum momento da vida, mas casamento nenhum sobrevive quando os familiares se intrometem na sua vida e seu parceiro não move uma palha pra te defender. Mas sendo muito honesta? A união dos dois não iria durar, mesmo que meus tios e avós não invadissem o espaço da minha mãe. A vida a dois se torna insustentável quando não existe apoio e admiração mútua, e meu pai nunca aceitou a vontade dela em abandonar o emprego para assumir um empreendimento de cosméticos naturais. Onde já se viu, Judite, abandonar o plano de saúde da empresa?! Vale alimentação e transporte?!, eu era uma criança, mas lembro dele fazendo esses questionamentos como se tivesse sido ontem.

Mamãe escolheu viver seu sonho, e que bom. De verdade, que bom que foi assim. Não estamos rodeadas de produtos e essências à toa. Eles nos proporcionam consultas com os melhores médicos, quando precisamos, e a despensa de casa segue bem abastecida. A empresa de minha mãe garante toda a nossa subsistência, conforto e até mesmo luxos, e ela não precisa responder a chefes que abusam de sua mão de obra pra isso. É ela quem dita quanto vai receber de seus clientes.

E é justamente por acreditar no novo que ela sabe que eu não sou nenhuma maluca por apostar nos vídeos. Ao contrário do que acabei de vivenciar, no almoço, dentro de casa eu tenho apoio.

— Foque sua disposição naquilo que importa — ela pediu. — Eu vou finalizar essa encomenda. Depois disso consigo te ajudar a gravar os vídeos, tudo bem?

Dona Judite estava mais do que certa.

— Tudo. Vou separar as maquiagens que quero usar nas gravações, e tomar um banho!

III.


A casa estava uma verdadeira bagunça! Caixas de papelão rasgadas estavam espalhadas por toda a parte, e em uma pilha paralela ao que iria para o lixo reciclável, estavam os produtos que vieram dentro de cada embalagem. Tudo foi aberto diante das câmeras.

— Quem diria, hein falou enquanto guardava os equipamentos. A temperatura na sala ficou levemente mais agradável depois que ele desligou as luzes das soft box. Quando minha mãe tinha muita demanda com os cosméticos, era ele, o meu vizinho, quem me ajudava a gravar. — A menina que dava dicas de maquiagem pras colegas na sala de aula agora recebe esse mundo de coisas!

Receber todos aqueles press kits das marcas era gratificante. Recebidos não pagam contas, mas ser um dos nomes que as empresas destinam seus lançamentos é sinal de que elas acreditam na sua influência. Elas não mandam esses mimos a troco de nada.

— E ainda estamos apenas no começo, Luquinha! — exclamei, animada. Eu acompanhava garotas que faziam o mesmo que eu, no YouTube, e via o mundo de coisas que elas estavam conquistando graças a todo o empenho na internet. Cada uma delas me inspirava a continuar trilhando aquela estrada.

— Quais são os próximos passos para a empresa Produções?

Senti o ar ficar preso nos pulmões por alguns segundos. Recentemente havíamos aberto um CNPJ através do programa Microempreendedor Individual, do Sebrae, para que eu pudesse emitir nota fiscal para as empresas que já estavam fechando contratos comigo, mas ouvir o nome da minha razão social ainda provocava certa euforia em meu íntimo.

Eu tenho 19 anos e já abri uma empresa! UAU!

Recuperei o fôlego. Era hora de contar para o que eu e minha mãe estávamos planejando para o futuro próximo. Com ele eu não temia olho gordo nenhum. é uma das pessoas que acreditam em mim.

— O próximo passo é me mudar para São Paulo, migo!

Vi os olhos de meu vizinho se arregalarem. Eu sabia como ele estava se sentindo!

— SIM!! — gritei, fazendo-o se sobressaltar. — Eu fiz exatamente essa cara quando minha mãe deu essa sugestão!!

— Foi sugestão da tia?! — ele perguntou, a voz esganiçada.

— AHAM!!! — eu não conseguia parar de gritar, tamanha a animação. — São Paulo é onde tudo acontece e minha mãe pode guiar a produção dos cosméticos onde quer que ela esteja. Vamos colocar essa casa pra alugar, e partiremos pra Sampa no início do ano que vem!

Já estávamos no final de outubro. Logo, logo iríamos começar um novo capítulo de nossas vidas.

— Isso é surreal de bom e doido e incrível! — Apesar de ainda parecer um pouco desnorteado, eu podia sentir verdade em cada palavra de . — A garota do interior, que, repito, dava dicas de maquiagem para as colegas de sala de aula, vai se mudar pra uma capital para seguir o sonho de produzir conteúdo pra internet sobre maquiagem. , isso dava um livro.

Não pude conter uma risada.

— Até dava — concordei. — Mas meu talento tá todo em me maquiar e ensinar o que sei sobre o assunto da melhor forma possível. Escrever são outros quinhentos. Mas agora, senhor , sem mais enrolação — levantei-me do chão. Estava sentada desde que encerramos a gravação do dia. — Preciso arrumar essa bagunça, separar o que fica comigo, o que vou passar pra frente e essa papagaiada toda!!

— Eu ajudo — ele se prontificou.

— Você é um lindo, sabia? — imaginava que ele iria oferecer mais essa ajuda. sempre foi extremamente querido. — Só vou te pedir pra não jogar fora as caixas que não foram tão prejudicadas pelos estiletes. Tenho uma mudança pra organizar e elas podem ser úteis!

Já estávamos no final de outubro. Logo, logo iríamos começar um novo capítulo de nossas vidas. A menina do interior realmente ia tentar a sorte na cidade grande.





Fim?



Nota da autora: Última fic escrita em 2020! <3



02. Ignorance (Ficstape: Paramore)
03. Change Your Life (Ficstape: Little Mix)
03. Everybody Knows (Ficstape: McFLY)
03. Lost in Japan (Ficstape: Shawn Mendes)
03. Think About Us (Ficstape: Little Mix)
04. I'm Just a Kid (Ficstape: Simple Plan)
04. What About Us (Ficstape: P!nk)
07. Preocupa Não (Ficstape: Jorge e Matheus)
08. Innocence (Ficstape: Avril Lavigne)
MV: Dance, Dance (Music Video: Fall Out Boy)
The Royal Wedding (Oneshot)



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