Capítulo Único
— Ainda bem que você mandou mensagem, porque se ficasse só na campainha eu não ia ouvir.
— Não tem nem como te julgar.
Não tinha mesmo. Sabe música alta, daquelas que seus vizinhos sem noção colocam pra tocar no domingo de manhã? Triplique. Agora você consegue ter uma mínima noção do quão alto era o volume da música que tocava na casa de . Naquele dia, a família do meu namorado deveria ser a detestada pelo restante da vizinhança — e honestamente? Eu não sou capaz de julgar ninguém por isso. Tava alto demais.
— Tem algum motivo pra hoje estar assim? — quase gritei para que pudesse me ouvir. Depois que ele fechou a porta às nossas costas, o som pareceu ficar ainda pior.
— Meio que sim — pude ouvi-lo responder. — Ai, na boa. Não dá.
Ao invés de subir as escadas e pedir para que o irmão desligasse o aparelho de som — ou, no mínimo, colocasse fones de ouvido —, tornou a abrir a porta e me puxou pelo pulso, levando-me para a calçada do condomínio, logo em frente à casa. Dava pra ouvir a música, mas pelo menos ali poderíamos nos escutar.
— Você sabe que o não é o garoto mais popular da escola...
Concordei com a cabeça. Sim, eu sabia. Ô se sabia!!
O irmão mais novo de tinha um grau de popularidade tão elevado quanto nós dois tínhamos quando também estávamos no ensino médio. Era nulo, quase inexistente. Os intervalos eram solitários e trabalhos exaustivos que geralmente deveriam ser feitos em equipes de 4 a 5 alunos, eram feitos apenas em dupla já que nenhum outro grupo nos acolhia. Éramos os estranhos na sala. Os emos cujas franjas escondiam os olhos; os esquisitos que ouviam My Chemical Romance no MP3 que comportava apenas 10 músicas; aqueles que usavam cintos de rebite quadriculado e não abriam mão do delineado nos olhos quando isso não era uma moda bem vista — especialmente quando se faz isso sendo um menino, como era o caso de .
Por mais que não seja dessa tribo — acredito até que emos nem existem mais, ou ganharam outro nome —, é um garoto tímido que está alguns quilos acima do peso ideal, e isso basta para ser deixado à margem pelo restante da turma.
Adolescentes conseguem ser extremamente cruéis.
— Pois então — prosseguiu. — Pelo que eu entendi, teve alguma festinha nesse último final de semana e ele foi o único da sala que não foi convidado — explicou. — O menino tá magoado.
— Isso é um problema...
Eu e tínhamos um ao outro aos 15 anos. Não tornava nada menos complicado. Doía receber bilhetes anônimos nos xingando de nomes impossíveis de se repetir, e escutar risadinhas maldosas sempre que passávamos nos corredores da escola também era difícil, mas pelo menos não estávamos sozinhos. Quando os braços de um cansavam de remar, o outro estava ali para manter o barco andando em meio ao mar furioso que nos cercava.
Diferente de . Meu cunhado travava uma luta sem escudeiros ou braços direitos. Era um guerreiro, sim, mas quem estaria ali pra segura-lo quando a exaustão chegasse no limite?
— Eu não tenho coragem de ir lá em cima e pedir que ele desligue o som — enterrou as mãos nos bolsos da calça, encarando o chão. — Eu não sei o que fazer, na verdade.
A solução me parecia óbvia.
— precisa de terapia, amor. Tudo isso me parece um pedido de socorro.
A música alta não era o único indício do quão difíceis as coisas vinham sendo. se transformou em um adolescente calado, um comportamento muito distante da criança serelepe que havíamos conhecido. As notas apareciam cada vez mais baixas nos boletins, e era comum vê-lo coberto por casacos mesmo nos dias mais quentes. Seria essa uma tentativa de esconder o próprio corpo?
A verdade é uma só: nosso menino não estava bem.
— Não existe muito o que possamos fazer — continuei a falar. Os olhos de ainda estavam presos no cimento da calçada. — Infelizmente nós não podemos invadir a escola e fazer com que aqueles imbecis deixem de ser cruéis com ele, e só chegar no pra falar que vai ficar tudo bem é pouco. Uma ajuda profissional vai ser mais eficaz.
pode ter um futuro muito diferente do nosso se começar um tratamento psicológico mais cedo. Tanto eu quanto precisávamos de terapia quando éramos mais novos, mas fomos adolescentes em um período que pouco se falava em saúde emocional — mais do que isso, fomos adolescentes em uma época que tudo era visto como drama, quando não, não é.
Tanta negligência resultou em dois jovens adultos com crises existenciais frequentes, onde um era incapaz de exorcizar os fantasmas do outro só na base de conselhos de quem não entendia nada do que realmente estava acontecendo. Psicólogas precisaram ser inseridas nas nossas vidas, ainda que a muito custo.
Podemos poupar de cicatrizes mais profundas, futuramente.
— Vou conversar com meus pais e torcer pra que ele não ofereça nenhuma resistência — dessa vez me olhou nos olhos, os resquícios da tristeza se misturando ao castanho escuro.
Sim, amor. Eu também vou torcer pra que seu irmão não seja teimoso como você foi.
— Hoje nós podemos levá-lo ao cinema, depois passamos pra comer uma pizza. Vai ser bom pra ele sair um pouco daquele quarto — sugeri. — O que você acha?
respirou fundo, as pontas dos lábios subindo em seu rosto.
— Eu acho ótimo.
Sua mão direita deixou o bolso para que seus dedos pudessem se entrelaçar aos meus.
— Obrigado por nunca recusar ajuda a esses irmãos problemáticos, .
Não pude deixar de sorrir também. Não sou nenhuma Moana ou filha de Poseidon pra entender de marés bravas, mas abandonar o barco em que estamos não está nos meus planos.
— Não tem nem como te julgar.
Não tinha mesmo. Sabe música alta, daquelas que seus vizinhos sem noção colocam pra tocar no domingo de manhã? Triplique. Agora você consegue ter uma mínima noção do quão alto era o volume da música que tocava na casa de . Naquele dia, a família do meu namorado deveria ser a detestada pelo restante da vizinhança — e honestamente? Eu não sou capaz de julgar ninguém por isso. Tava alto demais.
— Tem algum motivo pra hoje estar assim? — quase gritei para que pudesse me ouvir. Depois que ele fechou a porta às nossas costas, o som pareceu ficar ainda pior.
— Meio que sim — pude ouvi-lo responder. — Ai, na boa. Não dá.
Ao invés de subir as escadas e pedir para que o irmão desligasse o aparelho de som — ou, no mínimo, colocasse fones de ouvido —, tornou a abrir a porta e me puxou pelo pulso, levando-me para a calçada do condomínio, logo em frente à casa. Dava pra ouvir a música, mas pelo menos ali poderíamos nos escutar.
— Você sabe que o não é o garoto mais popular da escola...
Concordei com a cabeça. Sim, eu sabia. Ô se sabia!!
O irmão mais novo de tinha um grau de popularidade tão elevado quanto nós dois tínhamos quando também estávamos no ensino médio. Era nulo, quase inexistente. Os intervalos eram solitários e trabalhos exaustivos que geralmente deveriam ser feitos em equipes de 4 a 5 alunos, eram feitos apenas em dupla já que nenhum outro grupo nos acolhia. Éramos os estranhos na sala. Os emos cujas franjas escondiam os olhos; os esquisitos que ouviam My Chemical Romance no MP3 que comportava apenas 10 músicas; aqueles que usavam cintos de rebite quadriculado e não abriam mão do delineado nos olhos quando isso não era uma moda bem vista — especialmente quando se faz isso sendo um menino, como era o caso de .
Por mais que não seja dessa tribo — acredito até que emos nem existem mais, ou ganharam outro nome —, é um garoto tímido que está alguns quilos acima do peso ideal, e isso basta para ser deixado à margem pelo restante da turma.
Adolescentes conseguem ser extremamente cruéis.
— Pois então — prosseguiu. — Pelo que eu entendi, teve alguma festinha nesse último final de semana e ele foi o único da sala que não foi convidado — explicou. — O menino tá magoado.
— Isso é um problema...
Eu e tínhamos um ao outro aos 15 anos. Não tornava nada menos complicado. Doía receber bilhetes anônimos nos xingando de nomes impossíveis de se repetir, e escutar risadinhas maldosas sempre que passávamos nos corredores da escola também era difícil, mas pelo menos não estávamos sozinhos. Quando os braços de um cansavam de remar, o outro estava ali para manter o barco andando em meio ao mar furioso que nos cercava.
Diferente de . Meu cunhado travava uma luta sem escudeiros ou braços direitos. Era um guerreiro, sim, mas quem estaria ali pra segura-lo quando a exaustão chegasse no limite?
— Eu não tenho coragem de ir lá em cima e pedir que ele desligue o som — enterrou as mãos nos bolsos da calça, encarando o chão. — Eu não sei o que fazer, na verdade.
A solução me parecia óbvia.
— precisa de terapia, amor. Tudo isso me parece um pedido de socorro.
A música alta não era o único indício do quão difíceis as coisas vinham sendo. se transformou em um adolescente calado, um comportamento muito distante da criança serelepe que havíamos conhecido. As notas apareciam cada vez mais baixas nos boletins, e era comum vê-lo coberto por casacos mesmo nos dias mais quentes. Seria essa uma tentativa de esconder o próprio corpo?
A verdade é uma só: nosso menino não estava bem.
— Não existe muito o que possamos fazer — continuei a falar. Os olhos de ainda estavam presos no cimento da calçada. — Infelizmente nós não podemos invadir a escola e fazer com que aqueles imbecis deixem de ser cruéis com ele, e só chegar no pra falar que vai ficar tudo bem é pouco. Uma ajuda profissional vai ser mais eficaz.
pode ter um futuro muito diferente do nosso se começar um tratamento psicológico mais cedo. Tanto eu quanto precisávamos de terapia quando éramos mais novos, mas fomos adolescentes em um período que pouco se falava em saúde emocional — mais do que isso, fomos adolescentes em uma época que tudo era visto como drama, quando não, não é.
Tanta negligência resultou em dois jovens adultos com crises existenciais frequentes, onde um era incapaz de exorcizar os fantasmas do outro só na base de conselhos de quem não entendia nada do que realmente estava acontecendo. Psicólogas precisaram ser inseridas nas nossas vidas, ainda que a muito custo.
Podemos poupar de cicatrizes mais profundas, futuramente.
— Vou conversar com meus pais e torcer pra que ele não ofereça nenhuma resistência — dessa vez me olhou nos olhos, os resquícios da tristeza se misturando ao castanho escuro.
Sim, amor. Eu também vou torcer pra que seu irmão não seja teimoso como você foi.
— Hoje nós podemos levá-lo ao cinema, depois passamos pra comer uma pizza. Vai ser bom pra ele sair um pouco daquele quarto — sugeri. — O que você acha?
respirou fundo, as pontas dos lábios subindo em seu rosto.
— Eu acho ótimo.
Sua mão direita deixou o bolso para que seus dedos pudessem se entrelaçar aos meus.
— Obrigado por nunca recusar ajuda a esses irmãos problemáticos, .
Não pude deixar de sorrir também. Não sou nenhuma Moana ou filha de Poseidon pra entender de marés bravas, mas abandonar o barco em que estamos não está nos meus planos.
Fim
Nota da autora: E temos aqui uma fic que saiu completamente fora do planejado NFDGJDNN Quando peguei I'm Just a Kid, jurei de pé junto que iria escrever sobre um casal adolescente no auge da época emo, lá em 2005-2007 (ai Gabi, só quem viveu sabe kkk). Eis que esse casal realmente apareceu, mas... de um jeito diferente.
Aproveito para deixar aqui minha principal mensagem: cuide da sua saúde mental, ela é tão importante quanto a física e fazer terapia é maravilhoso <3
Outras Fanfics Finalizadas:
03. Change Your Life (Ficstape: Little Mix)
03. Everybody Knows (Ficstape: McFLY)
03. Lost in Japan (Ficstape: Shawn Mendes)
03. Think About Us (Ficstape: Little Mix)
04. What About Us (Ficstape: P!nk)
07. Preocupa Não (Ficstape: Jorge e Matheus)
08. Innocence (Ficstape: Avril Lavigne)
MV: Dance, Dance (Music Video: Fall Out Boy)
The Royal Wedding (Oneshot)
Aproveito para deixar aqui minha principal mensagem: cuide da sua saúde mental, ela é tão importante quanto a física e fazer terapia é maravilhoso <3
Outras Fanfics Finalizadas:
03. Change Your Life (Ficstape: Little Mix)
03. Everybody Knows (Ficstape: McFLY)
03. Lost in Japan (Ficstape: Shawn Mendes)
03. Think About Us (Ficstape: Little Mix)
04. What About Us (Ficstape: P!nk)
07. Preocupa Não (Ficstape: Jorge e Matheus)
08. Innocence (Ficstape: Avril Lavigne)
MV: Dance, Dance (Music Video: Fall Out Boy)
The Royal Wedding (Oneshot)