Capítulo Único
Oi! Aqui é o null. Você sabe o que fazer.
null prendeu a respiração.
Sem dizer nada, continuou na linha.
Céus, por que ele não podia atender?
Mesmo não sabendo o que falar, a garota seguiu esperando. O celular apertado entre os dedos, o olhar fixo na imensidão celestial e sensação de vazio assolando seu peito.
1989
null estava acostumado com perdas.
Embora tivesse apenas sete anos, ele já entendia como a vida funcionava.
As pessoas nasciam.
As pessoas se conheciam.
As pessoas criavam laços.
E as pessoas morriam.
Não tinha nada a ver com praticidade - ele apenas vivenciava a perda mais do que qualquer criança de sua idade.
O lugar que chamava de lar era uma casa de repouso em Chippewa Falls.
No seu primeiro dia de vida, null foi encontrado pela generosa Nora Hall nas escadarias da entrada da casa de repouso.
Nora morava e trabalhava lá - e, como a benevolência simplesmente fazia parte de quem a mulher era, não pensou duas vezes antes de acolher o bebê de angelicais olhos null.
Por mais que a tristeza fizesse morada com frequência no enorme casarão, null havia criado uma exorbitante afeição pelo lugar.
Não, não apenas pelo lugar - por todas as pessoas que por ali passavam. Senhores e senhoras no fim de suas vidas, cheios de histórias para contar e inúmeras coisas para ensinar.
Com Eleanor, uma senhora de oitenta anos que fazia questão de colocar suas melhores roupas e incontáveis jóias para ficar em casa, null aprendeu a tocar piano.
Com o carrancudo senhor Benjamin, passava noites e mais noites ouvindo histórias sobre a guerra, e sobre como Benji foi o único sobrevivente em um barco que colidiu com um submarino alemão.
Lucy o apresentou todos os livros que julgava serem necessários para um pequeno garoto - e null ficou tão encantado pelo Mágico de Oz que insistiu durante dois meses para que Nora adotasse um cachorrinho chamado Totó.
A simpática Clarice, nascida e criada no Brasil, ensinou a null algumas palavras em português e apresentou a ele o que julgava ser o maior tesouro de seu país: a música brasileira. Foi entre Chicos, Caetanos, e Mil Tons que null ouviu sobre o amor pela primeira vez.
E então, um por um, null os viu partir.
Ele se perguntava por que a vida agia assim; enquanto ele era jogado à vitalidade e se sentia mais enérgico a cada verão, os amigos que fizera viam a vida se esvaindo depressa por entre seus dedos, em uma crescente e inquietante letargia, acometendo-os à inércia dia após dia.
Mas havia alguém que, ocasionalmente, trazia consigo a vida de volta para aquela casa.
null.
A menina vinha visitar a avó, Gianna, no último final de semana de cada mês.
null esperava por aqueles míseros dois dias com afinco; ele nunca dissera em voz alta, mas os dias com a pequena null eram, sem sombra de dúvidas, seus dias preferidos.
Eles corriam pelo jardim. Cobriam os móveis da gigantesca sala de estar com lençóis e passavam a noite fazendo planos para o futuro - null se tornaria um ator de sucesso e null uma bailarina de renome.
E ainda seriam melhores amigos, é claro.
- null, talvez eu tenha mudado de ideia. - null apertou os pequenos lábios rosados. - Não sei se quero ser uma bailarina. Acho que quero ser uma fada. Mas não sei se posso ser uma. Quer dizer, como isso funciona?
Sentado no gramado ao lado da menina enquanto brincava distraído com um avião de madeira, o garoto sorriu.
- Minha mãe sempre diz que você é especial, null. Acho que isso quer dizer que você pode ser o que quiser.
A menina abriu um enorme sorriso, sentindo fagulhas que ainda não entendia expandirem seu peito. Era a felicidade, sussurrando para a menina que aquele era o sentimento que o amigo a ela sempre traria.
- Eu juro que não vou voar para longe, null. Com as minhas asas. - ela ajeitou uma mecha dos cabelos dourados atrás da orelha. - Vou usar elas para ficar perto de você.
1994
- Você não tem vontade de sair daqui?
null não hesitou um segundo para responder.
- Não. Eu gosto daqui. Sabe quantos aniversários acontecem por mês?
null soltou uma gargalhada. Os aniversários eram, realmente, uma constante na casa - e o bolo de chocolate de Nora era uma delícia. Até o velho Dale, que odiava aniversários, ficava contente quando Nora assava os seus famosos doces para comemorar o dele.
null e null estavam deitados no jardim, observando as estrelas cintilando no céu. Aos doze anos, eles já não mais brincavam.
null tinha perdido a avó dois anos atrás.
Mas ainda fazia questão de, uma vez por mês, visitar o melhor amigo.
- null, o que você acha de mim?
- O que quer dizer? - o garoto sentou na grama para olhar a menina.
- Meu rosto é engraçado, não acha? - ela sentou ao lado dele. - Meu nariz é pontudo e meus olhos são grandes demais. Acha que alguém vai gostar de mim?
O garoto sorriu, achando graça na preocupação da amiga.
- Seu rosto é perfeitamente esplêndido. Você me lembra uma rosa, null.
A garota sentiu as maçãs esquentarem.
Ela achava que, nem de longe, lembrava uma rosa. E tinha certeza de que null estava dizendo isso apenas para consolá-la.
Mas null não era esse tipo de garoto - viver cercado de pessoas mais velhas havia o ensinado uma coisa: a verdade é uma virtude e é sempre bem-vinda.
Ele achava, de fato, que null podia ser comparada às mais belas flores.
2001
Quando null acenou do outro lado do salão, null sentiu o nervosismo estremecer seu corpo.
Faziam doze verões e doze primaveras desde que os dois eram apenas duas crianças, brincando no jardim do lugar que costumava ser a casa de null.
Doze anos desde que o garoto a fez acreditar que ela podia, de fato, ser o que quisesse.
E ela foi; null havia se tornado bailarina.
Caminhando em direção à garota, null não estava muito diferente; o coração batendo em descompasso, o sorriso inconsciente em seus lábios.
Faziam três anos desde a última vez que havia visto null; e sua lembrança era a de uma garota com um sorriso tímido e o olhar inocente.
Mas null havia deixado a inocência para trás para se tornar uma linda mulher - a mais linda que null já havia visto.
Aos dezenove anos, null trabalhava em um rebocador em Tacoma, e null dançava balé em Nova York.
A Big Apple fora o palco do encontro dos dois. Sentados em uma mesa escondida de um restaurante no Brooklyn, os dois relembraram o passado e conversaram sobre o futuro.
E então null o levou para conhecer a ponte do Brooklyn - para ela, a cidade vista dali era sempre a cidade vista pela primeira vez.
- Eu entendo por que você gosta daqui, null. Uma cidade especial para uma garota especial. - null sorriu, observando a garota admirar as luzes faiscantes da cidade ao longe.
- Ah, null. Só é especial porque você está aqui. - ela o admirou por alguns instantes. - Quer ver uma coisa?
O garoto mal terminou de assentir e null já tirava os sapatos dourados - talvez, inconscientemente, tivesse os escolhidos mais cedo por saber do encanto do amigo por Oz - e sorriu ao sentir a sensação da grama sob seus pés.
null a admirou, mesmerizado, quando o vestido vermelho da menina voou sob a luz do luar.
null fez o que sabia fazer de melhor: deixou seu corpo ondular o ritmo de uma música ali inexistente. Os dedos esguios apontavam para as estrelas, e apenas a ponta dos pés tocavam o chão. O corpo se movia delicadamente, cintura e quadril lampejando contra o vento suave.
null a via flutuar.
Não, não apenas a via. Estava hipnotizado pela garota e mal sabia como processar isso.
Seus olhos acompanhavam cada milímetro do corpo de null. Em seu íntimo, desejava tocá-la.
E era o que estava pensando quando null, ainda esvoaçando com doçura, se aproximou.
A menina não sabia de onde aquela vontade tinha saído.
Não era segredo para ninguém que null havia ficado deslumbrante - os olhos intensamente null, o sorriso atravessado sendo uma constante em seu rosto, o maxilar marcado e os ombros largos, vestidos perfeitamente por uma camisa de botões preta.
Mas null não se sentia atraída apenas por isso - era, também, pelo o que o garoto se tornara. E, principalmente, pela forma como ele a fazia se sentir.
Como se seu corpo estivesse sendo magnetizado pelo amigo, null não conseguiu impedir tocar o seu rosto suavemente com a ponta dos dedos.
null prendeu a respiração.
Katy deixou um sorriso se insinuar em seus lábios.
O garoto sentiu o corpo estremecer ao sentir a respiração da menina bater em seus lábios.
Os narizes roçaram. As texturas se apresentaram.
E então…
- null… Não… - o garoto soprou, uma das mãos pairando levemente nos ombros da garota, a impedindo de continuar.
- Não precisa se preocupar, null. É só por essa noite… - o murmúrio fez o garoto morder o lábio inferior em tentação.
Mas ele não conseguia fazer isso com ela.
null não era garota de uma noite. Não conseguiria dormir com ela e ir embora no dia seguinte. Não conseguiria sequer beijá-la e depois dar as costas.
Reunindo todas as forças de um lugar mais profundo do que gostaria de admitir, null a afastou.
null o encarou com incredulidade. O que havia feito de errado? Era tão repugnante assim para o garoto a ideia de beijá-la?
A menina sentiu uma sensação desagradável subir pelo seu corpo. Não era apenas o fato de ser rejeitada - era, também, a vergonha.
Ela fechou os olhos com força. Sem dizer nada, deu três passos rápidos para trás e pegou seus sapatos jogados no gramado.
E então deu as costas, correndo para longe de null, deixando o garoto com a tristeza transbordando em seus olhos e uma pitada de arrependimento querendo tomar conta de seu coração.
2002
- O que você está fazendo aqui? - ela cruzou os braços, obrigando o corpo a se manter firme
Por dentro, estava prestes a desmoronar.
- Você não atende minhas ligações. - null levantou os ombros, com as mãos enterradas nos bolsos da calça jeans.
- Tem um motivo para isso, não acha? - null começou a fechar a porta. - Não quero ver você, null…
A mão firme do garoto parou a porta no meio do caminho.
- É sobre Nora. - o garoto engoliu em seco, as palavras parecendo vidros atravessando sua garganta. - Ela… Ela faleceu.
O choque percorreu o corpo de null. A garota só então prestou atenção no amigo - seus olhos eram rodeados por duas marcas arroxeadas, seus lábios estavam pálidos e trêmulos. Pela ausência de incandescência em seu olhar, a garota tinha certeza: ele estava bêbado.
null respirou fundo, cada pedaço do seu corpo em brasa para tirar a dor da pessoa com quem mais se importava no mundo inteiro.
Fora necessário apenas um olha para null entender; ele deu um passo para frente, se encaixando no abraço que parecia potencialmente mais eficaz do que o álcool para anestesiar sua dor.
- null, eu sinto muito. - a voz trêmula atingiu em cheio os ouvidos do garoto, que derrubara as lágrimas que tanto havia lutado para segurar.
Deixou qualquer implicância mesquinha e qualquer orgulho de lado, porque era assim que o relacionamento dos dois funcionava. Quando um precisava, independente de pormenores, o outro estava ali.
2004
Soundtrack
Não podia ser ele.
O que ele estava fazendo ali? Ele só vinha para Nova York para vê-la.
Ah, céus. Era ele.
null reconheceria aqueles olhos null em qualquer lugar.
Se esgueirando entre a multidão, com uma ruiva bonita ao seu lado, lá estava null. Ele nunca ia à cidade sem avisá-la.
A garota forçou um sorriso para Heath, que a acompanhava. O garoto alto de cabelos loiros fazia parte da companhia de dança, e havia a convidado para sair no dia anterior.
Não que null estivesse altamente interessada - mas havia aprendido a dar uma chance às oportunidades, mesmo que elas não parecessem convidativas à primeira vista.
Naquele bar um pouco apertado e um tanto escuro, null queria se esconder.
Não queria que null a visse com Heath.
Não queria vê-lo com outra garota.
Sentiu seu peito apertar e, quando pensou em inventar qualquer desculpa para fugir, os olhares se encontraram.
Mesmo de longe, null podia ver a surpresa no olhar do amigo, acompanhada de um leve sorriso que quase a fez seguir até os braços dele.
Não.
De novo, não.
Quando pensou em fugir mais uma vez, ouviu uma melodia conhecida preencher o ambiente. O barulho dos instrumentos sendo arrumados em um pequeno palco no canto do local e a voz melódica de uma cantora que podia facilmente ser confundida com Joni Mitchell.
Heath a segurou pela cintura. Sem conseguir dizer nada, se viu com o rosto apoiado nos ombros do menino enquanto seus olhos voavam para o outro lado do salão - mais precisamente em null, que ouvia algo que a ruiva sussurrava em seu ouvido enquanto os olhos seguiam fixos em null.
And the seasons they go round and round
And the painted ponies go up and down
We're captive on the carousel of time
We can't return we can only look behind
From where we came
And go round and round and round
In the circle game
Como sempre vinha sendo diante da presença de null, null sentiu seu coração apertar; apertar tanto que seus olhos vieram a marejar. Como podia mirá-lo ouvir sobre o passar do tempo e não se emocionar.
Para ela, null era o tempo.
So the years spin by and now the boy is twenty
Though his dreams have lost some grandeur coming true
There'll be new dreams, maybe better dreams and plenty
Before the last revolving year is through
- Desculpe… - a garota sussurrou antes de se desvencilhar dos braços de Heath.
Não olhou para trás, nem mesmo olhou para null. Apenas saiu como um furacão pelas portas, procurando na rua o ar que havia lhe faltado.
null abraçou o próprio corpo, sem entender o que estava sentindo.
Por que havia um nó em sua garganta?
Por que estava com vontade de chorar?
Por que seu coração parecia ter sido esmagado?
Por que…
- null?
A garota levou um susto. Quando ergueu a cabeça, entre os olhos nebulosos, viu um vislumbre de null.
- Você não precisa me ver assim - ela enfiou o rosto entre as mãos.
null tentou se distrair da dor que apertara seus ossos. Ele não aguentava ver a garota daquele jeito.
Quando ousou pensar no que estava fazendo, o garoto já havia segurado as mãos trêmulas da garota e a afastado do rosto.
A ponta do seu nariz estava avermelhada.
Rastros pretos escorriam pelas maçãs.
Ainda assim, estava linda.
Exatamente como uma rosa.
null apoiou os dedos suavemente no rosto da garota, tomando-a para si em um carinho terno. null sorriu, inconsciente, deitando-se na palma da mão do amigo.
Se em um segundo os olhares se ousavam, no outro os lábios roçavam. null pensara estar no paraíso ao sentir a maciez da garota. null atestara, finalmente, que null tinha o gosto adocicado que sempre sonhara.
A colisão de desejos fazia os dois sorrirem.
Sorriam.
E se beijavam.
E então sorriam mais um pouco.
E se beijavam novamente.
A vontade que, tanto tempo, se manteve escondida, aflorava-se no toque das mãos do menino por todo o corpo da garota, descobrindo a textura antes inconscientemente sonhada.
null o abraçava pelo pescoço. Lá no fundo, era uma mensagem silenciosa de que nunca o deixaria ir.
E, de fato, não deixou.
2007
null não sabia o que era amar alguém.
null tinha ouvido, em uma música ou outra, sobre o amor - mas nem de perto era igual ao que sentia pela garota.
O sentimento ia além. Tão grandioso que mal conseguia guardá-lo em seu peito.
Ele irradiava pela casa que, agora, os dois dividiam.
Dois anos mais cedo, no entanto, null deixara passar um detalhe que, naquele ponto, era impossível passar despercebido.
null ainda estava de luto.
Ele sabia, de fato, o que era perder alguém. Mas não sabia o que era perder alguém que, quando partira, levara uma parte dele junto consigo - e era assim que o garoto se sentia em relação à Nora.
null o amava. Sem sombra de dúvidas, o amava.
Os dois dividiam os melhores momentos possíveis juntos - e então, null sabia que precisava estar lá durante os piores também.
Começou aos poucos. Como na noite que ele bateu na porta da menina para avisar sobre o falecimento de Nora, null bebia um pouco demais uma noite ou outra.
Ele dizia que era a maneira mais fácil e mais rápida de aliviar o aperto no peito que sentia.
E como null podia julgá-lo? As pessoas enfrentavam o luto de diferentes maneiras. E ela não sabia o que era perder alguém tão importante quando Nora era para null.
E então, mesmo que, aos poucos, null mal passasse dois dias seguidos sóbrio, null estava lá.
Ela o observava entornar uma garrafa inteira do que quer que tivesse ao alcance do garoto quase todas as noites; e então ele apenas sentava em uma das poltronas da sala, inerte, o olhar fixo em exatamente nada.
Ela ajudava o garoto a tomar banho.
O abraçava até ele adormecer todas as noites.
Essencialmente, estava lá por null - o que, para ele, era a maior prova de amor e cumplicidade que a garota podia dar.
2008
null abriu a porta de casa como se fosse arrancá-la.
Na sala de sua casa, encontrou três amigos de null jogados no sofá, e o cheiro de erva encheu seus pulmões assim que ela entrou no lugar.
- Onde ele está? - a garota rosnou.
Beau, um garoto franzino que null havia conhecido no último ano, apontou o andar de cima.
A garota não respondeu nada.
Ela estava cansada.
Cansada de assistir o garoto se embriagar dia e noite, atirando-se em um abismo cada vez mais fundo.
Cansada de vê-lo desperdiçar o último, preso em algo que ele não podia mudar.
O estopim?
Era a noite de estreia de uma peça de dança que ele havia prometido ir assistir.
Ela queria o namorado lá por ela.
E ele não tivera a decência de, por uma noite, limpar os pensamentos e suprir o apoio que ela precisava.
A garota irrompeu pela porta como um trovão.
null estava deitado na cama, e os olhos letárgicos se moveram com pesar até a garota.
E então, quando o menino viu a namorada ainda vestida com o figurino, um estalo ocorreu em sua mente.
- Amor…
- Não! - a garota gritou. - Chega, null. Eu não aguento te ver fazendo isso consigo mesmo, tá legal? Foda-se a peça e qualquer bem que você podia fazer a mim, estou falando de você. Eu gosto de você demais para te assistir definhando diante dos meus olhos. Você está acostumado em ver as pessoas partindo? Ótimo. Eu não estou e, honestamente, meu namorado já não está aqui faz tempo. Se um dia ele voltar, talvez eu volte também.
Ela não deixou o garoto responder.
O ouviu chamar o seu nome ao longe, mas já estava descendo as escadas.
Aquele não era null. Era apenas uma projeção indolente dele. Ela olhava para o namorado e não o reconhecia mais.
Era preciso de uma decisão drástica para salvá-lo de si mesmo? Então ela não hesitaria antes de tomá-la.
A garota saiu da casa tão rápido quanto entrou. Com as sapatilhas batendo forte contra a calçada, só então pensou que não tinha para onde ir.
- null!
Ela estava prestes a ignorar.
Mas não era null a chamando… Era Beau.
- null, volta aqui!
Ela deu meia volta.
E então encontrou Beau, atônito, parado na porta enquanto olhava para ela e para dentro da casa.
null…
Tudo aconteceu como um borrão.
null sabia, apenas pelo olhar temeroso de Beau, o que encontraria quando passasse pela porta.
Ela correu pelo caminho de volta.
Flashes brancos quase a cegavam e uma náusea insuportável subia por sua garganta.
E tudo piorou quando ela viu null.
Deitado no chão, com os olhos fechados e o corpo tremendo.
Ela queria alcançá-lo. Queria abraçá-lo. Queria pedir desculpas por todas as palavras frias que havia dito.
Mas ela estava imóvel.
Seu corpo não obedecia ao seu cérebro e as lágrimas estavam presas, entalando sua garganta.
Ela queria gritar. Gritar o mais alto que podia.
Como se estivesse no final de um corredor interminável, ouviu a voz de Beau ao longe chamando a emergência.
Mas ela sabia.
De alguma forma, ela sabia que não adiantaria,
E diante dos seus olhos, assistia a vida se esvair do corpo do garoto que havia lhe ensinado a viver.
2010
Oi! Aqui é o null. Você sabe o que fazer.
Dois anos haviam se passado.
Exatos dois anos da morte de null.
E, todos os dias, null discava para o número que seus dedos sabiam de cor.
Enquanto olhava o céu, ouvia as dez palavras vazias daquela gravação, uma breve reminiscência da pessoa que mais amara na vida.
De alguma forma, era reconfortante.
null tinha mil e uma palavras presas em sua garganta - palavras que queria ter dito para ele pela última vez.
E, por mais que ela tentasse, não conseguia as colocar para fora.
Exceto naquele dia.
Quando completaram dois anos que null partiu.
A garota ouviu a canção que falava sobre o passar do tempo e, pela primeira vez em muito tempo, sorriu.
Então foi até a porta de casa - a mesma porta que havia sido o palco do episódio lastimoso - e, finalmente, olhando para o céu, soltara o grito que estava preso em sua garganta há tempos.
Com lágrimas nos olhos, discou o número mais uma vez.
Oi! Aqui é o null. Você sabe o que fazer.
- null… - sua voz saiu em um fio trêmulo. - Faz dois anos que não falo seu nome. É estranho, não acha? - seu olhar se fixou em uma estrela. - Você pode me ouvir? Eu queria dizer que eu sinto muito. Eu não devia ter dito aquelas coisas horríveis pra você, eu… Estava com medo de te perder para vida, e olha só o que aconteceu? Você conhecia bem a morte, mas eu nunca fui amiga dela, null. Eu nunca me preparei para perder você. Eu queria ter dito… Queria ter dito que eu te amo uma última vez. Que você foi a melhor coisa que me aconteceu. Que você levava a vida de um jeito extraordinário, principalmente visto a forma que ela começou. Eu sei que você se foi e eu fiquei aqui, mas… Você levou um pedaço de mim com você, sabia? A felicidade que você me trazia não mora mais em mim. Eu não sei mais o que é isso. E, acredite, se eu realmente pudesse me tornar uma fada eu já teria usado as minhas asas para ir até você - um sorriso triste iluminou seu rosto. - O lugar ao meu lado na cama ainda é seu. A cadeira na ponta da mesa também. Tudo continua do jeito que você deixou, null. Nem mesmo eu mudei. E ainda serei a mesma garota apaixonada por você quando a gente se encontrar.
null sentiu as lágrimas correrem pelo seu rosto. Quando encerrou a ligação, um vento gélido beijou seus lábios.
Ela mal conseguia acreditar que havia conseguido fazer aquilo.
Ela não sabia se acreditava que ele podia ouvi-la - mas gostava de acreditar que sim.
Gostava até de pensar que, se quisesse, ele podia aparecer ali.
Por isso, toda noite, quando ia deitar, null deixava a luz da sala acesa.
Ela colocava O Mágico de Oz para passar na televisão e deixava o piano, no canto da sala, aberto.
null nunca saberia. Mas, naquela noite, quando foi dormir, a estrela que mirara mais cedo deixou de brilhar.
E, pela sua casa, ecoaram do piano os primeiros versos de Somewhere Over The Rainbow.
Na sua janela, pousou a pétala de uma rosa vermelha.
Como num passe de mágica, durante a noite, a culpa se dissipou de seu peito.
Em seu lugar, restou apenas a saudade. E ela sonhou com o sorriso de null.
O de sete anos, deitado no gramado da casa de repouso, lhe dizendo que ela podia ser o que quisesse.
null prendeu a respiração.
Sem dizer nada, continuou na linha.
Céus, por que ele não podia atender?
Mesmo não sabendo o que falar, a garota seguiu esperando. O celular apertado entre os dedos, o olhar fixo na imensidão celestial e sensação de vazio assolando seu peito.
1989
null estava acostumado com perdas.
Embora tivesse apenas sete anos, ele já entendia como a vida funcionava.
As pessoas nasciam.
As pessoas se conheciam.
As pessoas criavam laços.
E as pessoas morriam.
Não tinha nada a ver com praticidade - ele apenas vivenciava a perda mais do que qualquer criança de sua idade.
O lugar que chamava de lar era uma casa de repouso em Chippewa Falls.
No seu primeiro dia de vida, null foi encontrado pela generosa Nora Hall nas escadarias da entrada da casa de repouso.
Nora morava e trabalhava lá - e, como a benevolência simplesmente fazia parte de quem a mulher era, não pensou duas vezes antes de acolher o bebê de angelicais olhos null.
Por mais que a tristeza fizesse morada com frequência no enorme casarão, null havia criado uma exorbitante afeição pelo lugar.
Não, não apenas pelo lugar - por todas as pessoas que por ali passavam. Senhores e senhoras no fim de suas vidas, cheios de histórias para contar e inúmeras coisas para ensinar.
Com Eleanor, uma senhora de oitenta anos que fazia questão de colocar suas melhores roupas e incontáveis jóias para ficar em casa, null aprendeu a tocar piano.
Com o carrancudo senhor Benjamin, passava noites e mais noites ouvindo histórias sobre a guerra, e sobre como Benji foi o único sobrevivente em um barco que colidiu com um submarino alemão.
Lucy o apresentou todos os livros que julgava serem necessários para um pequeno garoto - e null ficou tão encantado pelo Mágico de Oz que insistiu durante dois meses para que Nora adotasse um cachorrinho chamado Totó.
A simpática Clarice, nascida e criada no Brasil, ensinou a null algumas palavras em português e apresentou a ele o que julgava ser o maior tesouro de seu país: a música brasileira. Foi entre Chicos, Caetanos, e Mil Tons que null ouviu sobre o amor pela primeira vez.
E então, um por um, null os viu partir.
Ele se perguntava por que a vida agia assim; enquanto ele era jogado à vitalidade e se sentia mais enérgico a cada verão, os amigos que fizera viam a vida se esvaindo depressa por entre seus dedos, em uma crescente e inquietante letargia, acometendo-os à inércia dia após dia.
Mas havia alguém que, ocasionalmente, trazia consigo a vida de volta para aquela casa.
null.
A menina vinha visitar a avó, Gianna, no último final de semana de cada mês.
null esperava por aqueles míseros dois dias com afinco; ele nunca dissera em voz alta, mas os dias com a pequena null eram, sem sombra de dúvidas, seus dias preferidos.
Eles corriam pelo jardim. Cobriam os móveis da gigantesca sala de estar com lençóis e passavam a noite fazendo planos para o futuro - null se tornaria um ator de sucesso e null uma bailarina de renome.
E ainda seriam melhores amigos, é claro.
- null, talvez eu tenha mudado de ideia. - null apertou os pequenos lábios rosados. - Não sei se quero ser uma bailarina. Acho que quero ser uma fada. Mas não sei se posso ser uma. Quer dizer, como isso funciona?
Sentado no gramado ao lado da menina enquanto brincava distraído com um avião de madeira, o garoto sorriu.
- Minha mãe sempre diz que você é especial, null. Acho que isso quer dizer que você pode ser o que quiser.
A menina abriu um enorme sorriso, sentindo fagulhas que ainda não entendia expandirem seu peito. Era a felicidade, sussurrando para a menina que aquele era o sentimento que o amigo a ela sempre traria.
- Eu juro que não vou voar para longe, null. Com as minhas asas. - ela ajeitou uma mecha dos cabelos dourados atrás da orelha. - Vou usar elas para ficar perto de você.
1994
- Você não tem vontade de sair daqui?
null não hesitou um segundo para responder.
- Não. Eu gosto daqui. Sabe quantos aniversários acontecem por mês?
null soltou uma gargalhada. Os aniversários eram, realmente, uma constante na casa - e o bolo de chocolate de Nora era uma delícia. Até o velho Dale, que odiava aniversários, ficava contente quando Nora assava os seus famosos doces para comemorar o dele.
null e null estavam deitados no jardim, observando as estrelas cintilando no céu. Aos doze anos, eles já não mais brincavam.
null tinha perdido a avó dois anos atrás.
Mas ainda fazia questão de, uma vez por mês, visitar o melhor amigo.
- null, o que você acha de mim?
- O que quer dizer? - o garoto sentou na grama para olhar a menina.
- Meu rosto é engraçado, não acha? - ela sentou ao lado dele. - Meu nariz é pontudo e meus olhos são grandes demais. Acha que alguém vai gostar de mim?
O garoto sorriu, achando graça na preocupação da amiga.
- Seu rosto é perfeitamente esplêndido. Você me lembra uma rosa, null.
A garota sentiu as maçãs esquentarem.
Ela achava que, nem de longe, lembrava uma rosa. E tinha certeza de que null estava dizendo isso apenas para consolá-la.
Mas null não era esse tipo de garoto - viver cercado de pessoas mais velhas havia o ensinado uma coisa: a verdade é uma virtude e é sempre bem-vinda.
Ele achava, de fato, que null podia ser comparada às mais belas flores.
2001
Quando null acenou do outro lado do salão, null sentiu o nervosismo estremecer seu corpo.
Faziam doze verões e doze primaveras desde que os dois eram apenas duas crianças, brincando no jardim do lugar que costumava ser a casa de null.
Doze anos desde que o garoto a fez acreditar que ela podia, de fato, ser o que quisesse.
E ela foi; null havia se tornado bailarina.
Caminhando em direção à garota, null não estava muito diferente; o coração batendo em descompasso, o sorriso inconsciente em seus lábios.
Faziam três anos desde a última vez que havia visto null; e sua lembrança era a de uma garota com um sorriso tímido e o olhar inocente.
Mas null havia deixado a inocência para trás para se tornar uma linda mulher - a mais linda que null já havia visto.
Aos dezenove anos, null trabalhava em um rebocador em Tacoma, e null dançava balé em Nova York.
A Big Apple fora o palco do encontro dos dois. Sentados em uma mesa escondida de um restaurante no Brooklyn, os dois relembraram o passado e conversaram sobre o futuro.
E então null o levou para conhecer a ponte do Brooklyn - para ela, a cidade vista dali era sempre a cidade vista pela primeira vez.
- Eu entendo por que você gosta daqui, null. Uma cidade especial para uma garota especial. - null sorriu, observando a garota admirar as luzes faiscantes da cidade ao longe.
- Ah, null. Só é especial porque você está aqui. - ela o admirou por alguns instantes. - Quer ver uma coisa?
O garoto mal terminou de assentir e null já tirava os sapatos dourados - talvez, inconscientemente, tivesse os escolhidos mais cedo por saber do encanto do amigo por Oz - e sorriu ao sentir a sensação da grama sob seus pés.
null a admirou, mesmerizado, quando o vestido vermelho da menina voou sob a luz do luar.
null fez o que sabia fazer de melhor: deixou seu corpo ondular o ritmo de uma música ali inexistente. Os dedos esguios apontavam para as estrelas, e apenas a ponta dos pés tocavam o chão. O corpo se movia delicadamente, cintura e quadril lampejando contra o vento suave.
null a via flutuar.
Não, não apenas a via. Estava hipnotizado pela garota e mal sabia como processar isso.
Seus olhos acompanhavam cada milímetro do corpo de null. Em seu íntimo, desejava tocá-la.
E era o que estava pensando quando null, ainda esvoaçando com doçura, se aproximou.
A menina não sabia de onde aquela vontade tinha saído.
Não era segredo para ninguém que null havia ficado deslumbrante - os olhos intensamente null, o sorriso atravessado sendo uma constante em seu rosto, o maxilar marcado e os ombros largos, vestidos perfeitamente por uma camisa de botões preta.
Mas null não se sentia atraída apenas por isso - era, também, pelo o que o garoto se tornara. E, principalmente, pela forma como ele a fazia se sentir.
Como se seu corpo estivesse sendo magnetizado pelo amigo, null não conseguiu impedir tocar o seu rosto suavemente com a ponta dos dedos.
null prendeu a respiração.
Katy deixou um sorriso se insinuar em seus lábios.
O garoto sentiu o corpo estremecer ao sentir a respiração da menina bater em seus lábios.
Os narizes roçaram. As texturas se apresentaram.
E então…
- null… Não… - o garoto soprou, uma das mãos pairando levemente nos ombros da garota, a impedindo de continuar.
- Não precisa se preocupar, null. É só por essa noite… - o murmúrio fez o garoto morder o lábio inferior em tentação.
Mas ele não conseguia fazer isso com ela.
null não era garota de uma noite. Não conseguiria dormir com ela e ir embora no dia seguinte. Não conseguiria sequer beijá-la e depois dar as costas.
Reunindo todas as forças de um lugar mais profundo do que gostaria de admitir, null a afastou.
null o encarou com incredulidade. O que havia feito de errado? Era tão repugnante assim para o garoto a ideia de beijá-la?
A menina sentiu uma sensação desagradável subir pelo seu corpo. Não era apenas o fato de ser rejeitada - era, também, a vergonha.
Ela fechou os olhos com força. Sem dizer nada, deu três passos rápidos para trás e pegou seus sapatos jogados no gramado.
E então deu as costas, correndo para longe de null, deixando o garoto com a tristeza transbordando em seus olhos e uma pitada de arrependimento querendo tomar conta de seu coração.
2002
- O que você está fazendo aqui? - ela cruzou os braços, obrigando o corpo a se manter firme
Por dentro, estava prestes a desmoronar.
- Você não atende minhas ligações. - null levantou os ombros, com as mãos enterradas nos bolsos da calça jeans.
- Tem um motivo para isso, não acha? - null começou a fechar a porta. - Não quero ver você, null…
A mão firme do garoto parou a porta no meio do caminho.
- É sobre Nora. - o garoto engoliu em seco, as palavras parecendo vidros atravessando sua garganta. - Ela… Ela faleceu.
O choque percorreu o corpo de null. A garota só então prestou atenção no amigo - seus olhos eram rodeados por duas marcas arroxeadas, seus lábios estavam pálidos e trêmulos. Pela ausência de incandescência em seu olhar, a garota tinha certeza: ele estava bêbado.
null respirou fundo, cada pedaço do seu corpo em brasa para tirar a dor da pessoa com quem mais se importava no mundo inteiro.
Fora necessário apenas um olha para null entender; ele deu um passo para frente, se encaixando no abraço que parecia potencialmente mais eficaz do que o álcool para anestesiar sua dor.
- null, eu sinto muito. - a voz trêmula atingiu em cheio os ouvidos do garoto, que derrubara as lágrimas que tanto havia lutado para segurar.
Deixou qualquer implicância mesquinha e qualquer orgulho de lado, porque era assim que o relacionamento dos dois funcionava. Quando um precisava, independente de pormenores, o outro estava ali.
2004
Soundtrack
Não podia ser ele.
O que ele estava fazendo ali? Ele só vinha para Nova York para vê-la.
Ah, céus. Era ele.
null reconheceria aqueles olhos null em qualquer lugar.
Se esgueirando entre a multidão, com uma ruiva bonita ao seu lado, lá estava null. Ele nunca ia à cidade sem avisá-la.
A garota forçou um sorriso para Heath, que a acompanhava. O garoto alto de cabelos loiros fazia parte da companhia de dança, e havia a convidado para sair no dia anterior.
Não que null estivesse altamente interessada - mas havia aprendido a dar uma chance às oportunidades, mesmo que elas não parecessem convidativas à primeira vista.
Naquele bar um pouco apertado e um tanto escuro, null queria se esconder.
Não queria que null a visse com Heath.
Não queria vê-lo com outra garota.
Sentiu seu peito apertar e, quando pensou em inventar qualquer desculpa para fugir, os olhares se encontraram.
Mesmo de longe, null podia ver a surpresa no olhar do amigo, acompanhada de um leve sorriso que quase a fez seguir até os braços dele.
Não.
De novo, não.
Quando pensou em fugir mais uma vez, ouviu uma melodia conhecida preencher o ambiente. O barulho dos instrumentos sendo arrumados em um pequeno palco no canto do local e a voz melódica de uma cantora que podia facilmente ser confundida com Joni Mitchell.
Heath a segurou pela cintura. Sem conseguir dizer nada, se viu com o rosto apoiado nos ombros do menino enquanto seus olhos voavam para o outro lado do salão - mais precisamente em null, que ouvia algo que a ruiva sussurrava em seu ouvido enquanto os olhos seguiam fixos em null.
And the painted ponies go up and down
We're captive on the carousel of time
We can't return we can only look behind
From where we came
And go round and round and round
In the circle game
Como sempre vinha sendo diante da presença de null, null sentiu seu coração apertar; apertar tanto que seus olhos vieram a marejar. Como podia mirá-lo ouvir sobre o passar do tempo e não se emocionar.
Para ela, null era o tempo.
Though his dreams have lost some grandeur coming true
There'll be new dreams, maybe better dreams and plenty
Before the last revolving year is through
- Desculpe… - a garota sussurrou antes de se desvencilhar dos braços de Heath.
Não olhou para trás, nem mesmo olhou para null. Apenas saiu como um furacão pelas portas, procurando na rua o ar que havia lhe faltado.
null abraçou o próprio corpo, sem entender o que estava sentindo.
Por que havia um nó em sua garganta?
Por que estava com vontade de chorar?
Por que seu coração parecia ter sido esmagado?
Por que…
- null?
A garota levou um susto. Quando ergueu a cabeça, entre os olhos nebulosos, viu um vislumbre de null.
- Você não precisa me ver assim - ela enfiou o rosto entre as mãos.
null tentou se distrair da dor que apertara seus ossos. Ele não aguentava ver a garota daquele jeito.
Quando ousou pensar no que estava fazendo, o garoto já havia segurado as mãos trêmulas da garota e a afastado do rosto.
A ponta do seu nariz estava avermelhada.
Rastros pretos escorriam pelas maçãs.
Ainda assim, estava linda.
Exatamente como uma rosa.
null apoiou os dedos suavemente no rosto da garota, tomando-a para si em um carinho terno. null sorriu, inconsciente, deitando-se na palma da mão do amigo.
Se em um segundo os olhares se ousavam, no outro os lábios roçavam. null pensara estar no paraíso ao sentir a maciez da garota. null atestara, finalmente, que null tinha o gosto adocicado que sempre sonhara.
A colisão de desejos fazia os dois sorrirem.
Sorriam.
E se beijavam.
E então sorriam mais um pouco.
E se beijavam novamente.
A vontade que, tanto tempo, se manteve escondida, aflorava-se no toque das mãos do menino por todo o corpo da garota, descobrindo a textura antes inconscientemente sonhada.
null o abraçava pelo pescoço. Lá no fundo, era uma mensagem silenciosa de que nunca o deixaria ir.
E, de fato, não deixou.
2007
null não sabia o que era amar alguém.
null tinha ouvido, em uma música ou outra, sobre o amor - mas nem de perto era igual ao que sentia pela garota.
O sentimento ia além. Tão grandioso que mal conseguia guardá-lo em seu peito.
Ele irradiava pela casa que, agora, os dois dividiam.
Dois anos mais cedo, no entanto, null deixara passar um detalhe que, naquele ponto, era impossível passar despercebido.
null ainda estava de luto.
Ele sabia, de fato, o que era perder alguém. Mas não sabia o que era perder alguém que, quando partira, levara uma parte dele junto consigo - e era assim que o garoto se sentia em relação à Nora.
null o amava. Sem sombra de dúvidas, o amava.
Os dois dividiam os melhores momentos possíveis juntos - e então, null sabia que precisava estar lá durante os piores também.
Começou aos poucos. Como na noite que ele bateu na porta da menina para avisar sobre o falecimento de Nora, null bebia um pouco demais uma noite ou outra.
Ele dizia que era a maneira mais fácil e mais rápida de aliviar o aperto no peito que sentia.
E como null podia julgá-lo? As pessoas enfrentavam o luto de diferentes maneiras. E ela não sabia o que era perder alguém tão importante quando Nora era para null.
E então, mesmo que, aos poucos, null mal passasse dois dias seguidos sóbrio, null estava lá.
Ela o observava entornar uma garrafa inteira do que quer que tivesse ao alcance do garoto quase todas as noites; e então ele apenas sentava em uma das poltronas da sala, inerte, o olhar fixo em exatamente nada.
Ela ajudava o garoto a tomar banho.
O abraçava até ele adormecer todas as noites.
Essencialmente, estava lá por null - o que, para ele, era a maior prova de amor e cumplicidade que a garota podia dar.
2008
null abriu a porta de casa como se fosse arrancá-la.
Na sala de sua casa, encontrou três amigos de null jogados no sofá, e o cheiro de erva encheu seus pulmões assim que ela entrou no lugar.
- Onde ele está? - a garota rosnou.
Beau, um garoto franzino que null havia conhecido no último ano, apontou o andar de cima.
A garota não respondeu nada.
Ela estava cansada.
Cansada de assistir o garoto se embriagar dia e noite, atirando-se em um abismo cada vez mais fundo.
Cansada de vê-lo desperdiçar o último, preso em algo que ele não podia mudar.
O estopim?
Era a noite de estreia de uma peça de dança que ele havia prometido ir assistir.
Ela queria o namorado lá por ela.
E ele não tivera a decência de, por uma noite, limpar os pensamentos e suprir o apoio que ela precisava.
A garota irrompeu pela porta como um trovão.
null estava deitado na cama, e os olhos letárgicos se moveram com pesar até a garota.
E então, quando o menino viu a namorada ainda vestida com o figurino, um estalo ocorreu em sua mente.
- Amor…
- Não! - a garota gritou. - Chega, null. Eu não aguento te ver fazendo isso consigo mesmo, tá legal? Foda-se a peça e qualquer bem que você podia fazer a mim, estou falando de você. Eu gosto de você demais para te assistir definhando diante dos meus olhos. Você está acostumado em ver as pessoas partindo? Ótimo. Eu não estou e, honestamente, meu namorado já não está aqui faz tempo. Se um dia ele voltar, talvez eu volte também.
Ela não deixou o garoto responder.
O ouviu chamar o seu nome ao longe, mas já estava descendo as escadas.
Aquele não era null. Era apenas uma projeção indolente dele. Ela olhava para o namorado e não o reconhecia mais.
Era preciso de uma decisão drástica para salvá-lo de si mesmo? Então ela não hesitaria antes de tomá-la.
A garota saiu da casa tão rápido quanto entrou. Com as sapatilhas batendo forte contra a calçada, só então pensou que não tinha para onde ir.
- null!
Ela estava prestes a ignorar.
Mas não era null a chamando… Era Beau.
- null, volta aqui!
Ela deu meia volta.
E então encontrou Beau, atônito, parado na porta enquanto olhava para ela e para dentro da casa.
null…
Tudo aconteceu como um borrão.
null sabia, apenas pelo olhar temeroso de Beau, o que encontraria quando passasse pela porta.
Ela correu pelo caminho de volta.
Flashes brancos quase a cegavam e uma náusea insuportável subia por sua garganta.
E tudo piorou quando ela viu null.
Deitado no chão, com os olhos fechados e o corpo tremendo.
Ela queria alcançá-lo. Queria abraçá-lo. Queria pedir desculpas por todas as palavras frias que havia dito.
Mas ela estava imóvel.
Seu corpo não obedecia ao seu cérebro e as lágrimas estavam presas, entalando sua garganta.
Ela queria gritar. Gritar o mais alto que podia.
Como se estivesse no final de um corredor interminável, ouviu a voz de Beau ao longe chamando a emergência.
Mas ela sabia.
De alguma forma, ela sabia que não adiantaria,
E diante dos seus olhos, assistia a vida se esvair do corpo do garoto que havia lhe ensinado a viver.
2010
Oi! Aqui é o null. Você sabe o que fazer.
Dois anos haviam se passado.
Exatos dois anos da morte de null.
E, todos os dias, null discava para o número que seus dedos sabiam de cor.
Enquanto olhava o céu, ouvia as dez palavras vazias daquela gravação, uma breve reminiscência da pessoa que mais amara na vida.
De alguma forma, era reconfortante.
null tinha mil e uma palavras presas em sua garganta - palavras que queria ter dito para ele pela última vez.
E, por mais que ela tentasse, não conseguia as colocar para fora.
Exceto naquele dia.
Quando completaram dois anos que null partiu.
A garota ouviu a canção que falava sobre o passar do tempo e, pela primeira vez em muito tempo, sorriu.
Então foi até a porta de casa - a mesma porta que havia sido o palco do episódio lastimoso - e, finalmente, olhando para o céu, soltara o grito que estava preso em sua garganta há tempos.
Com lágrimas nos olhos, discou o número mais uma vez.
Oi! Aqui é o null. Você sabe o que fazer.
- null… - sua voz saiu em um fio trêmulo. - Faz dois anos que não falo seu nome. É estranho, não acha? - seu olhar se fixou em uma estrela. - Você pode me ouvir? Eu queria dizer que eu sinto muito. Eu não devia ter dito aquelas coisas horríveis pra você, eu… Estava com medo de te perder para vida, e olha só o que aconteceu? Você conhecia bem a morte, mas eu nunca fui amiga dela, null. Eu nunca me preparei para perder você. Eu queria ter dito… Queria ter dito que eu te amo uma última vez. Que você foi a melhor coisa que me aconteceu. Que você levava a vida de um jeito extraordinário, principalmente visto a forma que ela começou. Eu sei que você se foi e eu fiquei aqui, mas… Você levou um pedaço de mim com você, sabia? A felicidade que você me trazia não mora mais em mim. Eu não sei mais o que é isso. E, acredite, se eu realmente pudesse me tornar uma fada eu já teria usado as minhas asas para ir até você - um sorriso triste iluminou seu rosto. - O lugar ao meu lado na cama ainda é seu. A cadeira na ponta da mesa também. Tudo continua do jeito que você deixou, null. Nem mesmo eu mudei. E ainda serei a mesma garota apaixonada por você quando a gente se encontrar.
null sentiu as lágrimas correrem pelo seu rosto. Quando encerrou a ligação, um vento gélido beijou seus lábios.
Ela mal conseguia acreditar que havia conseguido fazer aquilo.
Ela não sabia se acreditava que ele podia ouvi-la - mas gostava de acreditar que sim.
Gostava até de pensar que, se quisesse, ele podia aparecer ali.
Por isso, toda noite, quando ia deitar, null deixava a luz da sala acesa.
Ela colocava O Mágico de Oz para passar na televisão e deixava o piano, no canto da sala, aberto.
null nunca saberia. Mas, naquela noite, quando foi dormir, a estrela que mirara mais cedo deixou de brilhar.
E, pela sua casa, ecoaram do piano os primeiros versos de Somewhere Over The Rainbow.
Na sua janela, pousou a pétala de uma rosa vermelha.
Como num passe de mágica, durante a noite, a culpa se dissipou de seu peito.
Em seu lugar, restou apenas a saudade. E ela sonhou com o sorriso de null.
O de sete anos, deitado no gramado da casa de repouso, lhe dizendo que ela podia ser o que quisesse.
Fim!
Nota da autora: Oi meninas <3
Tô chorando um pouquinho por aqui após terminar essa história hahaha Eu criei tantos plots para essa música que fiquei em dúvida sobre qual seguir, mas, no final, fiquei feliz por ter escolhido esse.
Para quem desconfiou: sim, a história (com exceção do final) foi totalmente inspirada no romance de Benjamin Button.
Confesso que queria ter desenvolvido as cenas um pouquinho mais, mas isso que dá a gente deixar ficstape para última hora, né? Hahaha
E ah, nossa história termina em 2010 apenas porque eu queria iniciá-la em 1989 porque, bom… Taylor hahaha
Espero que vocês tenham gostado! <3
Nos vemos em outras histórias!
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Nota da beta: Eu tô digitando essa nota em meio às lágrimas. De verdade, eu já esperava um final triste, mas a dor que eu senti nas palavras e nos sentimentos da personagem me surpreenderam, eu realmente me envolvi com o momento. Eu amei a história, amei a amizade dos dois e amei a forma que tudo aconteceu. Eu entendo a forma como terminou, mas dói tanto, né? História INCRÍVEL, sério 💙
Qualquer erro nessa atualização ou reclamações somente no e-mail.
Tô chorando um pouquinho por aqui após terminar essa história hahaha Eu criei tantos plots para essa música que fiquei em dúvida sobre qual seguir, mas, no final, fiquei feliz por ter escolhido esse.
Para quem desconfiou: sim, a história (com exceção do final) foi totalmente inspirada no romance de Benjamin Button.
Confesso que queria ter desenvolvido as cenas um pouquinho mais, mas isso que dá a gente deixar ficstape para última hora, né? Hahaha
E ah, nossa história termina em 2010 apenas porque eu queria iniciá-la em 1989 porque, bom… Taylor hahaha
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