Prólogo
O céu começava a mudar de cor à medida que o mapa indicava que eu estava muito perto de encará-la pela primeira vez depois de tudo. A discussão da semana passada formava um eco na minha mente que só seria resolvido com um isolamento acústico. E isso eu só conseguiria quando colocasse tudo em pratos limpos.
Não suportava a ideia de que o acervo de palavras dela tinha conseguido formar um dicionário de inverdades sobre mim. Porque sim, tudo que ela gritou naquele dia sobre mim era lorota, mas eu não poderia falar o mesmo sobre ela. A dançarina que, no começo de tudo parecia dos sonhos, rodopiava em mentiras, o que me causava insegurança, me fazia duvidar de tudo que vivemos e até de seus sentimentos. Eu estava decepcionado e, apesar disso, aqui estou dirigindo por oito horas ininterruptas em busca de respostas, um fio de esperança nessa avalanche de falsidade.
Talvez eu tenha sido ingênuo. Talvez eu realmente seja egoísta. Talvez seja tudo aquilo que ela gritou para mim. “Arrogante”. “Filho da mãe”. “Medroso demais para ficar sozinho”.
Mas eu me apaixonei. Não, eu a amei! Desde a primeira vez que pus meus olhos nela, naquele corredor.
Eu deveria ter enxergado nas entrelinhas, naquelas linhas tão finas que se romperam quando eu menos esperava. Apesar disso, caí feito um patinho, no auge da meia-idade, quando eu nem imaginava que iria errar novamente em tão pouco tempo.
Estendi minha mão para aumentar o volume da música, na tentativa de fazer com que minha mente internalizasse o que Fleetwood Mac havia escrito há anos.
“And if you don't love me now, you will never love me again”
Aquele era realmente um ultimato. Se ela não me amou durantes todos esses meses, não me amaria nunca mais. Os vocais do blues-rock, The Chain, explodiam em looping nos alto-falantes do carro, me fazendo lembrar da última vez que nos falamos. Bom, que nós brigamos.
Uma semana antes
Suas palavras pareciam engolir todos os neurônios do meu cérebro enquanto eu lia essa carta. Não conseguia acreditar. Meu corpo estava paralisado. Eu sentia que quanto mais tempo passasse naquele sofá, ele me engoliria. Comandei meus pés sustentarem meu corpo, caminhando diretamente para o bar, recolhendo a garrafa de uísque mais cara dali. Afinal, qual motivo mais plausível eu teria para bebê-la, senão este: a pessoa que eu amo não confiou em mim para mostrar todos os lados da sua história.
Despejei o líquido no copo, sem gelo, que não demorou muito para estar na minha boca. A bebida naquele momento não queimava, mal fazia cócegas na minha garganta; eu estava dormente demais para sentir a ardência. E por que queimaria, quando o que queimava era meu coração?
Eu andava de um lado para o outro, quase formando um buraco no chão; triste, furioso, perdido, sem saber o que fazer. Me irritava pensar que eu era uma pessoa tão vulnerável, aberta, e que vivia sendo chutada pela vida. Sentia raiva por ser uma pessoa que acreditava demais. Eu acreditava nas pessoas! E era uma decepção perceber que amei uma pessoa que não existe.
Disquei seu número algumas vezes, o que foi em vão. Claro que ela não teria coragem de escutar minha voz, não teve nem sequer coragem de jogar tudo na minha cara.
Eu tentaria mais uma vez, então desistiria. O toque dos números já parecia alto demais na minha cabeça, indicando um sinal nítido da minha embriaguez.
— Oi, Hazza — ela disse entre um suspiro. Pude sentir as batidas do meu coração acelerando quando ouvi sua voz.
Me mantive em silêncio, até que tomei coragem para falar tudo o que estava engasgado:
— Sua intenção era escrever essa carta e nunca mais ter que falar comigo novamente? — meu tom de voz apertado demonstrava a minha indignação.
— Porque eu me importo com você.
— Você pode parar de mentir agora, ! Eu não acredito em mais nada do que você fala. Como conseguiu esconder isso de mim esse tempo todo? Sou um idiota por não ter percebido. Eu... — paralisei, dando espaço à fragilidade presa em minha garganta.
— Você não é idiota por ser vulnerável, Harry, eu apenas não consegui ser como você. Não sei o que falar além de que sinto muito — a ouvi fungar do outro lado do celular. — Isso tá sendo mais difícil pra mim do que pra você.
— Você não tem o direito de dizer que estou melhor do que você! Você não faz ideia de como estou me sentindo.
— Ok, me desculpe. Por tudo, Hazza. Eu não queria ter te enfiado na minha bagunça.
— Se eu soubesse antes, talvez a escolha de ter sua bagunça fosse minha! O que aconteceu, ? Eu sempre fui uma pessoa totalmente aberta com você, e eu não merecia ser simplesmente avisado por uma carta que você ia embora. O que custava me incluir numa parte tão importante da sua vida? Não confiava em mim?
— Claro que confiava, entenda que você não foi o único. Eu omiti isso de todos os meus amigos.
— Como conseguiu fingir por tanto tempo?
— Eu não estava fingindo com você. Não menti sobre o que sinto.
— Tarde demais pra falar isso quando você me deixa sozinho! EU MERECIA SABER, MELANIE! Eu planejava nossa vida, e se soubesse disso antes, definitivamente teria feito novos planos para nós. Mas você simplesmente assumiu que não era boa o suficiente para mim. Porque é isso que você sempre fez, desde o começo de tudo. Sabe qual é a verdade, ? Você tem medo de nós. Medo do que nós fomos, somos, mas você foi covarde. Você preferiu a escolha segura.
— É, Harry, definitivamente você está sendo um arrogante, filho da mãe, sem coração! Você está bêbado e não sabe do que está falando. Acho que não tenho mais nada com você nesse estado. Você está me machucando falando desse jeito. Sei que é difícil aceitar, mas nosso momento passou. Foi maravilhoso e vou apreciá-lo, mas esse tempo passou. Eu não poderia fugir das minhas responsabilidades, passei muito tempo fugindo delas — ela disse pausadamente, e eu a cortei.
— Eu não merecia acordar sozinho sem você ao meu lado e ler que você simplesmente não vai estar mais aqui! — gritei.
— Eu sei que você não merecia! — ela gritou de volta. — Mas não posso me culpar depois de passar uma vida inteira me condenando por fugir da minha verdadeira vida. Você está sendo muito egoísta em simplesmente cuspir sobre o quão sozinho vai estar, mas poderia pensar um pouco no quanto eu PRECISO estar onde estou agora! Você acha que foi fácil largar tudo o que eu sempre sonhei? Mas não posso mais estar em Los Angeles, esse lugar nunca foi minha casa.
— Se você me amasse, eu seria sua casa e nada do resto importaria. Você iria me incluir em TODOS os aspectos da sua vida. Sinceramente, foda-se as suas mentiras! A gente nunca daria certo. Eu poderia ser a pessoa a quebrar todas as correntes que você se prende, mas realmente, , acho que não sou esse cara.
— Me desculpe, mas você aparentemente não quer ser esse cara agora. Preciso ir, Harry. Adeus. Espero que você seja muito feliz — ela desligou antes que eu pudesse falar mais alguma coisa.
Não suportava a ideia de que o acervo de palavras dela tinha conseguido formar um dicionário de inverdades sobre mim. Porque sim, tudo que ela gritou naquele dia sobre mim era lorota, mas eu não poderia falar o mesmo sobre ela. A dançarina que, no começo de tudo parecia dos sonhos, rodopiava em mentiras, o que me causava insegurança, me fazia duvidar de tudo que vivemos e até de seus sentimentos. Eu estava decepcionado e, apesar disso, aqui estou dirigindo por oito horas ininterruptas em busca de respostas, um fio de esperança nessa avalanche de falsidade.
Talvez eu tenha sido ingênuo. Talvez eu realmente seja egoísta. Talvez seja tudo aquilo que ela gritou para mim. “Arrogante”. “Filho da mãe”. “Medroso demais para ficar sozinho”.
Mas eu me apaixonei. Não, eu a amei! Desde a primeira vez que pus meus olhos nela, naquele corredor.
Eu deveria ter enxergado nas entrelinhas, naquelas linhas tão finas que se romperam quando eu menos esperava. Apesar disso, caí feito um patinho, no auge da meia-idade, quando eu nem imaginava que iria errar novamente em tão pouco tempo.
Estendi minha mão para aumentar o volume da música, na tentativa de fazer com que minha mente internalizasse o que Fleetwood Mac havia escrito há anos.
Aquele era realmente um ultimato. Se ela não me amou durantes todos esses meses, não me amaria nunca mais. Os vocais do blues-rock, The Chain, explodiam em looping nos alto-falantes do carro, me fazendo lembrar da última vez que nos falamos. Bom, que nós brigamos.
Uma semana antes
Suas palavras pareciam engolir todos os neurônios do meu cérebro enquanto eu lia essa carta. Não conseguia acreditar. Meu corpo estava paralisado. Eu sentia que quanto mais tempo passasse naquele sofá, ele me engoliria. Comandei meus pés sustentarem meu corpo, caminhando diretamente para o bar, recolhendo a garrafa de uísque mais cara dali. Afinal, qual motivo mais plausível eu teria para bebê-la, senão este: a pessoa que eu amo não confiou em mim para mostrar todos os lados da sua história.
Despejei o líquido no copo, sem gelo, que não demorou muito para estar na minha boca. A bebida naquele momento não queimava, mal fazia cócegas na minha garganta; eu estava dormente demais para sentir a ardência. E por que queimaria, quando o que queimava era meu coração?
Eu andava de um lado para o outro, quase formando um buraco no chão; triste, furioso, perdido, sem saber o que fazer. Me irritava pensar que eu era uma pessoa tão vulnerável, aberta, e que vivia sendo chutada pela vida. Sentia raiva por ser uma pessoa que acreditava demais. Eu acreditava nas pessoas! E era uma decepção perceber que amei uma pessoa que não existe.
Disquei seu número algumas vezes, o que foi em vão. Claro que ela não teria coragem de escutar minha voz, não teve nem sequer coragem de jogar tudo na minha cara.
Eu tentaria mais uma vez, então desistiria. O toque dos números já parecia alto demais na minha cabeça, indicando um sinal nítido da minha embriaguez.
— Oi, Hazza — ela disse entre um suspiro. Pude sentir as batidas do meu coração acelerando quando ouvi sua voz.
Me mantive em silêncio, até que tomei coragem para falar tudo o que estava engasgado:
— Sua intenção era escrever essa carta e nunca mais ter que falar comigo novamente? — meu tom de voz apertado demonstrava a minha indignação.
— Porque eu me importo com você.
— Você pode parar de mentir agora, ! Eu não acredito em mais nada do que você fala. Como conseguiu esconder isso de mim esse tempo todo? Sou um idiota por não ter percebido. Eu... — paralisei, dando espaço à fragilidade presa em minha garganta.
— Você não é idiota por ser vulnerável, Harry, eu apenas não consegui ser como você. Não sei o que falar além de que sinto muito — a ouvi fungar do outro lado do celular. — Isso tá sendo mais difícil pra mim do que pra você.
— Você não tem o direito de dizer que estou melhor do que você! Você não faz ideia de como estou me sentindo.
— Ok, me desculpe. Por tudo, Hazza. Eu não queria ter te enfiado na minha bagunça.
— Se eu soubesse antes, talvez a escolha de ter sua bagunça fosse minha! O que aconteceu, ? Eu sempre fui uma pessoa totalmente aberta com você, e eu não merecia ser simplesmente avisado por uma carta que você ia embora. O que custava me incluir numa parte tão importante da sua vida? Não confiava em mim?
— Claro que confiava, entenda que você não foi o único. Eu omiti isso de todos os meus amigos.
— Como conseguiu fingir por tanto tempo?
— Eu não estava fingindo com você. Não menti sobre o que sinto.
— Tarde demais pra falar isso quando você me deixa sozinho! EU MERECIA SABER, MELANIE! Eu planejava nossa vida, e se soubesse disso antes, definitivamente teria feito novos planos para nós. Mas você simplesmente assumiu que não era boa o suficiente para mim. Porque é isso que você sempre fez, desde o começo de tudo. Sabe qual é a verdade, ? Você tem medo de nós. Medo do que nós fomos, somos, mas você foi covarde. Você preferiu a escolha segura.
— É, Harry, definitivamente você está sendo um arrogante, filho da mãe, sem coração! Você está bêbado e não sabe do que está falando. Acho que não tenho mais nada com você nesse estado. Você está me machucando falando desse jeito. Sei que é difícil aceitar, mas nosso momento passou. Foi maravilhoso e vou apreciá-lo, mas esse tempo passou. Eu não poderia fugir das minhas responsabilidades, passei muito tempo fugindo delas — ela disse pausadamente, e eu a cortei.
— Eu não merecia acordar sozinho sem você ao meu lado e ler que você simplesmente não vai estar mais aqui! — gritei.
— Eu sei que você não merecia! — ela gritou de volta. — Mas não posso me culpar depois de passar uma vida inteira me condenando por fugir da minha verdadeira vida. Você está sendo muito egoísta em simplesmente cuspir sobre o quão sozinho vai estar, mas poderia pensar um pouco no quanto eu PRECISO estar onde estou agora! Você acha que foi fácil largar tudo o que eu sempre sonhei? Mas não posso mais estar em Los Angeles, esse lugar nunca foi minha casa.
— Se você me amasse, eu seria sua casa e nada do resto importaria. Você iria me incluir em TODOS os aspectos da sua vida. Sinceramente, foda-se as suas mentiras! A gente nunca daria certo. Eu poderia ser a pessoa a quebrar todas as correntes que você se prende, mas realmente, , acho que não sou esse cara.
— Me desculpe, mas você aparentemente não quer ser esse cara agora. Preciso ir, Harry. Adeus. Espero que você seja muito feliz — ela desligou antes que eu pudesse falar mais alguma coisa.
Capítulo 1 – Head, head on the wall
— Todos prontos? Em seus lugares! Um… dois… três…
A palpitação do meu peito imitava as batidas ritmadas do single “Don’t Start Now” que ecoava por todo o auditório do Microsoft Theater. O suor que se encaminhava da minha têmpora até meus cílios declarava que aquela era a vigésima vez que passávamos a coreografia. Pisquei algumas vezes na tentativa frustrada de melhorar minha visão para não ter que desviar dos passos coreografados, mas quando escutei que deveríamos voltar para o camarim, passei o ombro no meu rosto e me livrei da transpiração.
Caminhando pelos corredores, eu guardava cada detalhe daquela primeira grande conquista, que faria questão de riscar das minhas metas profissionais para aquele ano. A maturidade que eu havia ganho em tão pouco tempo morando em Los Angeles definitivamente era algo que eu esperava, mas não tão rápido.
Antes que pudesse chegar ao camarim para o descanso, tentei bisbilhotar um cantinho livre para dançar livremente, me soltando um pouco antes da apresentação final. Um corredor ao lado do palco principal parecia tentador demais, então encaixei meu headphone que silenciou a passagem de som de outra banda, permitindo assim a melodia frenética de Juice, da Lizzo, invadir meus ouvidos.
Consegui sentir meu corpo todo respondendo a cada batida da música. De olhos fechados, mexi minha cabeça com os ombros de um lado para o outro, enquanto meus braços se cruzaram na frente do meu corpo. Senti os movimentos soltos e desconexos ao rodopiar, quando meu rosto bateu contra a parede.
— AI!
Ainda com os olhos fechados, levei minha mão em direção à testa, amenizando a dor local. Quando pausei a música que ainda tocava o refrão final, me assustei ao ouvir uma gargalhada alta. Girei meu corpo para procurar quem seria o autor do riso escandaloso e acabei encarando por tempo demais o homem alto à minha frente, que agora segurava o riso. Me percebi tímida por um momento – algo que não acontecia há algum tempo –, mas o moreno era bonito demais para que eu não ficasse assim. Senti um leve rubor pelas minhas bochechas aumentar à medida que não parávamos de nos encarar e o silêncio crescia entre nós.
— Me desculpa, não fique com vergonha. Eu estava te admirando alguns minutos atrás. Você estava maravilhosa dançando, mas não consegui não rir desse incidente — ele disse, tentando conter o sorriso. E que sorriso! — Você se machucou? — ele analisou mais de perto a minha testa. Perto demais, eu diria. Meus pés deveriam ter recuado, mas até eles estavam assustados com sua proximidade.
— Não, não, estou bem, obrigada. Definitivamente essa parede só tá aqui pra eu não ultrapassá-la — falei, rindo levemente sem graça. Tentei parecer menos envergonhada ao olhar para aqueles olhos esverdeados. — Ééer… Bom, vou indo... Não tente esse passo em casa, ok? — sorri e olhei para baixo, já que o tinha encarado o suficiente, ou talvez fosse vergonha dessa piada horrível que acabei de falar. Ultrapassei-o e me dirigi para o camarim.
— Hey, qual era mesmo a música que você estava escutando? Parecia que estava se divertindo — ele tocou meu ombro, o que me fez virar o tronco para encará-lo novamente. Seu toque, mesmo que rápido, me fez me sentir atraída quase que imediatamente.
— Juice, da Lizzo!
Nada da sua aparência demonstrava que ele seria uma pessoa tímida, ou que ficasse desconcertado em momentos como esse. Mas sorri como ele estava sem jeito ao me abordar novamente e segui meu caminho pelo corredor.
Meu mísero interesse pela vida dos artistas e minha memória de Dory me impedia de reconhecer quem estava há poucos segundos conversando comigo, mas definitivamente aquele era alguém que eu conhecia. Segui na correria para entrar no camarim, fazer a maquiagem e a troca de roupa para a apresentação.
Era um sonho. Tudo que minha mente assimilava naquele momento era de que eu estava realizada, ao mesmo tempo que tentava me concentrar em todos os mínimos detalhes para não cometer nenhum erro. Eu passava meus olhos em todas as particularidades daquele momento pré-performance; os profissionais faziam o último retoque de maquiagem na Dua Lipa enquanto outros ajeitavam o retorno de ouvido em sua roupa. Sendo a primeira vez participando de uma premiação musical, eu gostaria de guardar tudo em uma piscada para que pudesse surtar quando estivesse finalmente assimilando tudo aquilo no sofá de casa.
Don’t Start Now – Dua Lipa
Quando ouvimos o anúncio, as luzes se apagaram.
Entramos desfilando junto dela. Meus braços conseguiam sentir toda a energia que eu depositava neles enquanto os deslizava por todo meu corpo, até chegar em minha cintura e finalizando ao rebolar. Definitivamente a sensação de se apresentar para um grande número de pessoas – e muitas delas famosas – realmente era a mais desafiadora de toda a minha carreira até agora. Eu conseguia ser sentida de um fio de cabelo da cabeça até os dedos dos meus pés; a temperatura subia, causando explosão pelos meus poros. Sentia como se estivesse levitando, e aquilo não era nem um pouco desconfortável. Toda luta, ensaios pesados, machucados, calos e esforço me levaram até o atual momento.
If you wanna believe that anything could stop me
Íamos de um lado para o outro, em movimentos cruzados, nos separando e nos encontrando novamente no centro, direcionando nossas mãos em direção à cantora. Os holofotes mudaram de amarelo para vermelho, o que complementava nossos movimentos mais frenéticos do refrão. A cada batida, meus poros conseguiam sentir a emoção de estar ali. Cada pêlo existente no meu corpo arrepiado aumentava minha disposição de dar o melhor de mim naquela performance.
Don't start caring about me now
Walk away, you know how
Don't start caring about me now
Com uma postura curvada, desfilamos à acelerada do ritmo. Fazíamos movimentos cruzados ao lado da artista enquanto ela se direcionava para as cadeiras mais à frente do palco, dando continuidade à segunda parte da música. Meus olhos brilhantes e levemente marejados eram resultado de toda a energia da plateia muito animada à nossa frente.
Com um sorriso largo no rosto, conduzimos o final da performance reunindo todas as dançarinas ao redor da cantora, deslizando os pés de um lado para o outro, batendo palma similar à batida. Os rebolados sincronizados com os ombros iam acalmando meus nervos. Mas foi quando jogamos os braços para cima, formando uma ovação, que eu conseguia assimilar mais que eu estava, sim, em cima daquele palco, me sentindo simplesmente abençoada por toda essa experiência.
Não era uma novidade para mim estar em um palco, mas a ansiedade e o medo sempre se pareciam como na primeira vez que performei para muitas pessoas, principalmente estando em carreira solo. Não estar com meus colegas de banda era assustador. Em toda performance, o nervosismo exercia tanto poder sobre mim que eu sempre corria para o corredor mais próximo para vomitar. E, naquele dia em específico, não pude fazê-lo. Tinha me deparado com uma garota de cabelos longos, altura mediana, com seus fones de ouvido em seu próprio mundo.
Bom, o mundo dela definitivamente não era igual ao meu, mas intrigante para mim.
Ela dançava livremente naquele espaço minúsculo ao som de alguma batida instigante, até que, num rodopio, bateu a cabeça na parede. Como não consegui guardar minha risada escandalosa, ela direcionou seu olhar para mim e eu tive que me desculpar por invadir seu espaço.
— Me desculpa, não fique com vergonha. Eu estava te admirando alguns minutos atrás. Você estava maravilhosa dançando, mas não consegui não rir desse incidente — falei, contendo meu riso. Sorri para tentar deixá-la mais confortável com o meu atrevimento. — Você se machucou? — cheguei mais próximo dela para analisar seu rosto. Senti seu corpo travar um pouco, o que me fez perceber que estava invadindo seu espaço.
— Não, não, estou bem, obrigada. Definitivamente essa parede só tá aqui pra eu não ultrapassá-la — ela disse, rindo levemente enquanto olhava para mim. Eu podia sentir o quão envergonhada ela estava pelo seu tom de voz baixo. — Ééer… Bom, vou indo... Não tente esse passo em casa, ok? — falou enquanto eu continuava paralisado, admirando seu sorriso caloroso. Ela caminhou em minha direção e desviou para o corredor ao lado.
— Hey, qual era mesmo a música que você estava escutando? Parecia que estava se divertindo — perguntei, tocando em seu ombro para alcançá-la antes que sumisse.
— Juice, da Lizzo! — ela sorriu desconcertada, então se foi.
Permaneci alguns minutos em transe, me lembrando de como a garota se movimentava descontraída, quando escutei alguém da minha equipe me chamar para o restante do ensaio. Segui para o palco para os últimos retoques da apresentação de Sign Of The Times, percebendo que aquele incidente havia evitado meu enjôo pré-show, e por aquilo eu seria eternamente grato à dançarina desconhecida.
Antigamente, eu era acostumado a ter a companhia dos meus colegas de banda. Porém, me sentia um pouco deslocado nessas premiações sem eles, então Jeffrey e Glenne sempre se mostravam felizes em me acompanhar. Enquanto a minha performance não era anunciada, estávamos sentados na segunda fila assistindo às apresentações dos outros artistas. Minha amiga gargalhava de alguma piada que seu namorado contava, que por um momento tentei escutar – algo que foi em vão –, então voltei minha atenção para o palco.
Confesso que nenhuma performance havia captado minha atenção – até aquela. Mas não pela cantora, e sim pela dançarina. A mesma que eu tinha esbarrado mais cedo. Apesar de longe, eu conseguia enxergar seu sorriso largo que não negava o quanto ela estava feliz de estar naquela posição; além do seu olhar brilhante – aquele tipo de olhar que eu conhecia muito bem – de quem estava realizando um sonho. Ela esbanjava graça e poder em seus movimentos, com linhas tão perfeitas que, se eu fechasse os olhos, conseguiria ler perfeitamente a partitura da música.
Poderiam ter mais vinte dançarinas ao seu lado, mas em cada passo meus olhos permaneceram adorando-a por todo o tempo que ela ficou naquele palco.
Eu estava atônito!
— Harry? Harry! Você está aqui ou em Marte?
Saí do transe e me direcionei para Jeff.
— Foi mal, estava distraído. Já está na hora? — perguntei e ele assentiu.
— No que você estava pensando? — perguntou Glen antes de eu me levantar para ir ao palco.
— Que estou apaixonado. Mas papo para outra hora. PERFORMANCE TIME! — corri para os bastidores antes que ela me parasse para alguma pergunta a mais.
Me encaminhei para o camarim cumprimentando algumas pessoas que eu encontrava pelos corredores. Assim que entrei, troquei rapidamente de roupa e me sentei na cadeira da maquiadora. Enquanto aquecia minha voz, repassei na minha cabeça tudo o que pudesse me deixar mais calmo naquele momento. Logo alcancei meu celular que estava no bolso e o desbloqueei, então passei meus olhos pela timeline do Twitter e li alguns comentários e desejos de boa sorte que meus fãs sempre mandavam. Mesmo não sendo uma pessoa que costumava documentar minha vida nas redes sociais, eu fazia questão de ler tudo, apesar de saber que em algum momento alguma crítica besta poderia me atingir. Mas tentava apenas focar nas palavras de carinho de quem realmente se importava comigo, daqueles que admiravam meu trabalho.
A parte mais desafiadora de me expor como um cantor solo era a expectativa criada em cima disso. As pessoas esperavam atitudes diferentes, posicionamentos por questões em que eu nem sequer imaginava estar envolvido, além do estilo das minhas músicas e até o modo como eu iria me vestir. Isso tudo passava a ser algo que trazia inseguranças em mim, mesmo não tendo vergonha do meu passado. Atualmente, eu não representava Harry Styles da One Direction.
Afastei aqueles pensamentos da minha mente quando minha banda entrou no camarim, prontos para subir no palco.
— Prontos? — perguntei, me levantando da cadeira.
— Estamos! — eles responderam em um coro.
Caminhamos em direção ao palco, parando perto da escada, e antes que pudesse finalmente subir, girei meu corpo para conseguir olhar para cada um deles.
— Queria agradecer muito a Deus por poder conseguir reunir pessoas com tanto talento para agregar à minha arte. Me sinto muito abençoado por vocês fazerem parte disso comigo. Deixemos toda a negatividade para trás e que possamos dar o máximo como sempre. Eu amo vocês — finalizei e nos abraçamos antes de subir no palco para o que seria a última performance da noite.
Um pouco trêmulo, me posicionei em frente ao microfone, encaixei o fone de retorno e, em poucos segundos, escutei a introdução da música.
— Sua performance foi maravilhosa, assim como você. Mas quero saber, por quem você está apaixonado?
Mal chegamos no after party e Glenne estava no meu encalço, claramente empenhada para descobrir por quê falei aquilo tão abismado.
— Glenne, eu falei que estava apaixonado, mas não é esse tipo de paixão que todo mundo conhece. Não é por uma pessoa. Como artista, me apaixono por coisas que se movimentam. Na velocidade que o mundo imprime sobre a gente, eu acabo me apaixonando por coisas que se movimentam como a gente. Nasce e morre igual uma estrela.
Ela fez várias caretas confusas ao tentar entender o que eu havia acabado de falar.
— Eu disse que ele ainda estava com o pensamento na loirinha, amor. Pode me dar meus vinte dólares — Jeff disse, dando um tapinha nas costas dela.
— Vocês realmente apostaram se eu estava apaixonado por alguém? — perguntei com cara de assustado.
— Amor, não conte vantagem antes do tempo. Harry, não entendi absolutamente nada do que você falou. Você estava observando o palco paralisado... Você não é assim. Pode falar, a Dua Lipa é perfeita, mas ela não faz seu estilo — Glenne disse e eu suspirei, porque, conhecendo minha amiga, ela ia me vencer pelo cansaço.
— O que eu falei é totalmente verdade, sabe? Semana passada me apaixonei quando um pássaro pousou no meu ombro — eu disse, sentindo minhas bochechas se moverem num início de uma gargalhada quando ela deu um tapa no meu braço. — OK! Eu estava observando uma das dançarinas que estava performando com a Dua Lipa. Eu a encontrei antes da apresentação nos corredores enquanto ela dançava para se distrair, e não sei explicar muito bem, mas fiquei entorpecido quando a vi dançar. Eu meio que esperava vê-la aqui nessa festa, mas, aparentemente, ela não está aqui — passei meus olhos pelo salão e encontrei apenas rostos diferentes do que eu esperava ver.
— Pode passar os vinte dólares na minha mão agora — disse Glenne enquanto eu revirava os olhos para os dois.
— Vou falar com algumas pessoas, volto já — falei, me retirando.
Geralmente, eu curtia as festas pós-premiação apenas quando eram de amigos. Porém, essa em específico tinha pouquíssimas pessoas que eu conhecia, logo, parte do intuito dela seria conhecer novas pessoas.
A cada cinco minutos eu parava para cumprimentar alguém, mas tudo que eu desejava era o gosto de alguma bebida em minha boca para aliviar a tensão. Observei o salão um pouco, tentando encontrar o bar mais próximo. Ao olhar para o lado, por um momento senti meu corpo esbarrando em alguém, e um líquido gelado escorreu pela minha roupa. Olhei para baixo e vi o estrago, até que olhei para a garota na minha frente.
Capítulo 2 – Don’t you know that only fools are satisfied?
— Nossa! Me perdoe, por favor. Sou muito desastrada e acho que fiquei atônita por ser você — ela disse, pegando um guardanapo de pano e passando pela roupa.
— Tá tudo bem, é só um terno. Não precisa se preocupar, deixa que eu limpo — peguei o guardanapo de sua mão e passei pela roupa, tentando amenizar o estrago.
— Desculpa perguntar, mas você poderia tirar uma foto comigo? — ela pediu, juntando ambas as mãos, implorando. Não pude deixar de rir de seu drama.
— Não peça desculpa, claro que sim! — peguei seu celular e fiz uma selfie. — Bom, vou indo... — esperei que ela dissesse seu nome.
— Kelsey. Estava tão atrapalhada que nem disse meu nome. Mas me perdoa novamente, Harry, e obrigada pela foto! — ela disse rapidamente, sumindo da minha vista em segundos.
Voltei para onde meu casal de amigos estava, quando peguei um copo de whisky com o garçom que passou por mim. Aquele seria o único copo que eu beberia hoje, recordando que, pela manhã, precisaria pegar o primeiro voo com destino a Dallas para dar continuidade à turnê. Caminhei em direção a eles e sugeri que fôssemos embora, ao que prontamente concordaram.
Seguimos todo o caminho de volta em silêncio, e, quando o carro parou em frente à minha residência, me despedi deles rapidamente. Peguei as chaves no bolso da calça, tirei os sapatos, me arrastei pelo porcelanato frio e fui diretamente para o banheiro na felicidade de poder tomar um banho quente, relaxante e demorado. Me despi, entrando no box de cabeça baixa, deixando que a água escorresse pela minha nuca até meus ombros, numa urgência de tirar um pouco do peso que sentia devido ao cansaço. Fechei meus olhos e minha mente viajou para a mulher que eu tinha visto hoje mais cedo.
Eu não sabia seu nome; tudo que conhecia sobre ela era o quão extasiado, admirado e surpreendido eu havia ficado com sua felicidade. E talvez não se tratasse da sua dança. Não, eu sabia que não se tratava disso, mas sim da paixão que ela demonstrava ao desenhar seus passos em cada batida daquela música. Eu precisava saber mais sobre ela e daria um jeito nisso.
Desliguei o chuveiro e enrolei a toalha na cintura. Caminhei até a cama sem ao menos colocar um pijama antes, notando o sono chegar ao encostar minha cabeça no travesseiro.
Pisquei algumas vezes antes de finalmente abrir meus olhos. Me espreguicei na cama e senti todos os músculos existentes do meu corpo dolorido, mas meus lábios se alargaram em um sorriso ao me lembrar do dia anterior, o que me fez esquecer da dor rapidamente.
Levantei da cama, dando passos largos até chegar na cozinha atrás de uma xícara de café. Procurei o pó da bebida e, em seguida, depositei na cafeteira, esperando alguns minutos até que ficasse pronto. Bebi um gole do líquido preto, degustando o sabor amargo enquanto ele fazia seu papel de despertar meus pensamentos. Me sentei na varanda, sentindo o vento soprar nos meus cabelos, e observei os pássaros que passavam no momento.
Coloquei meus fones e escutei a melodia de Vienna iniciar nos meus ouvidos. Não sei para quem Billy Joel havia escrito aquela música, mas era definitivamente atemporal e me representava de inúmeras maneiras. A autossabotagem já estava inerente na minha personalidade, principalmente quando eu realizava algo a mais na minha carreira. Sempre queria mais do que eu tinha, sempre faltava algo. E se eu era boa em algo, era fingir que não sabia o que se passava comigo. Então, me despertava desses pensamentos seguindo em busca da próxima meta até me sabotar novamente.
Desacelera, , você é ainda muito jovem. Desacelera, , você tá indo bem. Desacelera, , você não sabe que apenas tolos se contentam? Eu sabia, claro que sabia, mas até quando Vienna poderia esperar por mim?
— Escutando Vienna e metaforizando a vida? — uma voz me tirou do meu devaneio e eu direcionei minha cabeça para encarar minha amiga.
— Você sabe que sim — sorri um pouco triste, e ela veio se sentar ao meu lado.
— Eu tenho muito orgulho de você, , e acho que você deveria se dar mais crédito. Você esquece o quanto lutou para estar onde chegou. Você merece tudo o que está conquistando, porque foi tudo mérito seu! — ela falava olhando dentro dos meus olhos e, em seguida, me abraçou. Talvez era tudo que eu precisava naquele momento.
— Obrigada, Amber. Eu amo você.
Ela se levantou e me deu um beijo na testa, o que era a confirmação que também me amava.
— Mas agora me conta. Como foi tudo por lá? — perguntou, se escorando na bancada da cozinha e se servindo de uma xícara de café.
— Foi simplesmente IN-CRÍ-VEL. Sabe aquela sensação de levitar que você me falava? Eu me senti assim. Às vezes nem acredito que aquilo aconteceu mesmo. Tô muito feliz, realizada com tudo isso, e você sabe que eu devo muita coisa a você.
— Para com isso! Fico desacostumada com tantos elogios — ela se deitou no meu colo e eu comecei a fazer cafuné em sua cabeça. — AH! Você foi pro after party? Diz que sim, preciso de alguma fofoca de famoso.
— Na verdade, não fui, mas a Kelsey foi. Você pode perguntar para ela quando… – ouvimos uma terceira voz me interromper e falar eletricamente.
— Já estou aqui, pronta pra mostrar algo inédito! Belo! Exuberante! — Kelsey correu e se sentou no meio de nós duas. — Fui para o famoso after party e estava caminhando lindamente, como quem não quer nada, até que me esbarrei numa pessoa que sou fã HÁ MUITO TEMPO! — ela continuou fazendo suspense enquanto estávamos balançando as pernas, curiosas.
— Fala logo quem foi! — Amber pediu, agoniada.
Kels pegou seu celular e abriu a galeria de fotos para nos mostrar sua selfie.
— HARRY STYLES!
Em choque, peguei o aparelho de suas mãos e analisei a foto. O corte de cabelo era igual. O charme do sorriso estava ali, anunciado em sua bochecha. Como eu não reconheci essa famosa covinha?
Era ELE!
O homem que havia me visto passar uma das maiores vergonhas da minha vida. Meu membro favorito da boyband da minha adolescência! Eu sabia que o conhecia de algum lugar, que era alguém famoso. Como não pude reconhecer o MEU CRUSH DA ADOLESCÊNCIA? Como não tinha o identificado prontamente no momento em que pus meus olhos nele?!
— Eu esbarrei nele também — falei, depois de sair do meu surto interno. As meninas me olharam.
— CADÊ A FOTO? COMO FOI? — Kels perguntou com os olhos ansiosos em minha direção.
— Então... Eu não tinha o reconhecido até você me mostrar essa foto com ele — expliquei, levantando-me nervosa do sofá.
— COMO ASSIM, MELANIE? — foi a vez de Amber reagir. — Mas o que foi que rolou?
— Então, vocês sabem que antes de alguma apresentação eu gosto de me soltar um pouco, sozinha e longe de tudo. Fui pra um corredor próximo do palco principal, mas em algum momento me desequilibrei, bati o rosto na parede e ouvi uma risada. Quando me virei para ver quem era, acho que estava com tanta vergonha que nem raciocinei direito. Ele pediu desculpas, eu fiquei super sem graça, perguntou qual música eu estava escutando… Depois, só saí andando pelo corredor e nem quis olhar pra trás — contei, repassando toda a cena na minha cabeça e sentando-me novamente no meio delas.
— Meu Deus! Vocês conversaram e você não se tocou que era ele? — perguntou Amber. — Como isso é possível?
— Não sei, amiga. Eu estava muito envergonhada, só queria me esconder — respondi, olhando mais uma vez para a foto.
— Eu, além de tirar a foto, derrubei bebida no terno dele — Lockwood disse, enchendo a gente de risadas.
— Tinha que ser você, Kelsey! Eu não imaginaria outro jeito possível de você conhecer um dos seus ídolos. Mas e aí? Vai postar a foto?
— É claro. E vou marcar ele várias vezes, pelo menos umas dez. Dizem que ele não vê nenhuma marcação pelo Instagram, mas acho que tudo é questão de ser perseverante. Vai que ele me nota e me leva pra algum show dele — ela disse, e eu a observei caminhar até a cozinha. — Então, tirando todo esse acontecimento, minha apresentação foi incrível. A Ariana é muito simpática e as outras dançarinas eram bem legais também. E se eu tivesse conseguido te encontrar, , tinha te arrastado pro after party e você teria encontrado o Harry também.
— O destino não quis isso, infelizmente — respondi um pouco triste.
— Talvez você não tenha usado o destino a seu favor, . Você costuma ser desatenta aos sinais que ele te dá — disse Amber, levantando as mãos como se estivesse jogando toda a verdade na minha cara.
— Enfim, mudando de assunto... Onde ficava o camarim? — perguntei, passando meus olhos pelas minhas fotos e decidindo qual iria postar.
— Era próximo do refeitório, acho que do lado oposto do seu. Vocês querem? — ouvimos a voz da nossa amiga, que despejava panquecas pela bancada.
— Você ainda pergunta? O cheiro está divino!
Nos sentamos e avistamos uma montanha de panquecas com frutas e mel.
— Então, nós vamos para o aniversário do Chad? — questionei às meninas.
— Claro que sim. Estamos precisando de álcool, e você, de dar uns beijos — comentou Kels.
— Parem com isso! Já falei que não é nada disso, nós somos amigos.
— Que se beijam.
Sorri e continuei a comer panquecas.
A extroversão conduzia minha vida da maneira que eu mais amava. Apesar de não ser vulnerável no lado amoroso, eu conseguia dirigir minha energia tendo contato com vários tipos de pessoas. Essa minha qualidade me permitia fazer amigos muito fácil, desde a infância, mesmo que alguns tivessem seus ciclos terminados cedo demais, o que era natural da vida.
No momento que pisei nessa cidade, não foi muito diferente, mas enxerguei a amizade de uma perspectiva contrária da que eu conhecia. Depois de conviver com eles, me considerei sortuda o suficiente tendo amigos que eu podia chamar de família. Estar com eles sem ter nada para vegetar me fazia bem; às vezes me deixava tão eufórica de pensar nisso que eu esquecia até qualquer mísero problema existente na minha vida.
Bem, no amor, confesso que eu era uma pessoa difícil de lidar. Não conseguia acreditar que eu pudesse passar tanto tempo amando alguém que me tornasse vulnerável, a ponto de, num piscar de olhos, tudo pudesse sumir da minha vista, me deixando quebrada por dentro. Por essa razão e muitas outras, nunca namorei, e seguia acreditando que nunca, em hipótese alguma, eu teria um relacionamento.
Apesar disso, meu corpo permitia se mostrar desimpedido, colecionando um tanto de amizades coloridas pela vida. Muitas vezes dava tudo completamente errado, mas, em algumas outras, a pessoa com quem eu me envolvia estava vibrando na mesma energia caótica que a minha, que era o caso do Chad.
Amber nos apresentou através do seu namorado. Eles dividiam apartamento e, numa noite aleatória, bebendo socialmente, começamos a conversar. Claro que primeiro reparei na sua beleza, que foi algo totalmente esquecível nos minutos seguintes. Fazíamos tudo juntos; nossa amizade fluiu de uma maneira que nunca tinha fluído com nenhuma outra pessoa que eu havia conhecido. Se um dia duvidei de almas gêmeas, chamas gêmeas e todas essas possibilidades místicas, eu não duvidava mais. Éramos tão parecidos… Nossa química era tão forte que, às vezes, ficava inevitável não dar um beijo ou dois.
Eu o admirava primeiro pela sua dança, segundo pela sua paixão pela vida, mundo e pôres do sol. Segundo ele, aquilo o deixava quente por dentro e por fora – era mais uma carga de energia que ele carregava dentro de si, emanando toda aquela luz para todas as pessoas ao seu redor.
Chad estava focado em deixar a dança de lado por um momento e seguir o caminho da atuação, e nada poderia atrapalhá-lo. Por isso, sua ideia de relacionamentos era parecida com a minha: não se apegar a ninguém para que nada saia dos planos principais. No fim das contas, era esse o nosso esquema. Sempre que surgia uma vontade, tesão, ou o que quer que fosse essa química, a gente ficava.
— Feliz aniversário, meu bem! — pulei em Chad e o abracei assim que ele abriu a porta.
— Tô tão feliz que você tá aqui. Obrigado, abelhinha — ele deu um beijo na minha cabeça e, depois, cumprimentou as meninas.
Fui em busca de uma bebida, cumprimentando algumas pessoas conhecidas pela festa. Passei os olhos pelo ambiente enquanto pegava um copo de cerveja: a decoração do aniversário estava repleta de pisca-piscas, mistletoes e uma árvore de Natal no canto do sala. O que poderia ser mais aleatório do que aquele lugar? Caminhei em direção ao Chad e o abracei por trás.
— O que uma árvore de Natal está fazendo no meio dessa festa? — perguntei com meu rosto encaixado em seu ombro.
— Eu não tinha uma decoração de aniversário, então coloquei uma natalina, cheia de luzes. Ficou bonitinha, não? — ele disse super sério, e eu comecei a rir.
— Você é a pessoa mais estranha do universo!
— Tu gosta de mim desse jeitinho — ele me abraçou, me apertando.
— Eu amo você! Agora vamos dançar — puxei-o para a pista de dança.
Vaina Loca – Ozuna
Dançamos em sintonia com a música até o momento que tocou nosso estilo favorito: reggaeton. Chad segurou minha mão com nossos corpos frente a frente, guiando a dança, deslizando os pés lado a lado enquanto eu rebolava ao som da melodia. Até que ele colou nossos corpos num segundo, me puxando pela cintura e encaixando sua perna na minha. Subi meus olhos para os seus enquanto ele se arriscava a me rodopiar e a cruzar nossos passos, ficando por trás de mim enquanto eu me movimentava em sincronia.
— Isso que eu chamo de um aniversário memorável — Chad colocou a mão na minha cintura enquanto eu ia rebolando contra seu corpo ao som da melodia do refrão.
— Fico feliz que você esteja gostando da sua festa — falei, me virando. Então, cravei meus olhos nele. — Você quer seu presente agora?
Ele suspirou e abriu um sorriso.
— Vem aqui.
Em meio aos nossos sorrisos, joguei minhas mãos por cima dos seus ombros e aproximei nossos lábios. Chad brincou com eles por um tempo até finalmente me beijar. Sua língua dançava com a minha lentamente, contrariando o ritmo da música que ia se dissipando ao fundo. Ele foi me arrastando pela festa sem se desgrudar de mim, até que senti a parede bater nas minhas costas, o que grudou mais ainda nossos corpos.
— Deveríamos sair daqui? — me afastei por um momento, levantando meus olhos para os dele.
— Temos dez minutos até darem falta do aniversariante — ele respondeu pausadamente enquanto eu mordiscava seu pescoço.
— Considere-se sortudo pelo melhor momento da sua noite — falei, puxando-o pelo corredor e jogando-o para o quarto mais próximo dali.
— Obrigado, Dallas. Vocês foram maravilhosos hoje à noite. Vejo vocês na próxima! — admirei as luzes na plateia, dei um sorriso largo e saí do palco.
Comecei a caminhar até o camarim, agradecendo as pessoas que eu via no caminho, então abri a porta e me sentei no sofá com um suspiro cansado, mas aliviado de mais um show cumprido. Peguei uma garrafa de água no frigobar ao lado e dei um gole, esperando que a frieza do líquido aliviasse minha garganta. Passei meus olhos pelo ambiente em busca do meu celular; desbloqueei a tela, abrindo o Instagram numa busca por comentários, marcações de vídeos e fotos sobre o show. Era algo que eu sempre fazia, me deixava extremamente feliz ver os registros dos meus fãs.
— Conferindo os cliques impecáveis dos seus fãs? — ouvi a voz de Sarah e direcionei meu olhar para ela, que estava entrando com o resto da banda.
— Você sabe que sim! Na verdade, eu estava mesmo querendo falar com você — respondi, e ela se sentou junto a mim.
— Sou toda ouvidos para você — ela sorriu.
— Preciso encontrar alguém no Instagram — dei meu celular para ela.
— Qual o nome dela?
— Não sei. A única coisa que sei é que estava na premiação do final de semana e no balé da Dua Lipa — forcei um sorriso para encorajá-la.
— Você quer eu stalkeie a garota sem nem saber o nome dela? — perguntou, incrédula, e eu balancei a cabeça muito animado. — Você é Harry Styles. Por que não contrata um detetive particular?
— Acho que ficaria meio bizarro, não? Além do mais, acredito mais no seu potencial de stalker. Já soube de umas histórias de que, antes de você e o Mitch namorarem, você ficava de olho onde… — ela tampou minha boca e deu um sorriso forçado na direção do Mitch.
— Ok! Cala boca! Eu vou te ajudar — Sarah falou rápido, quase num sussurro. Dei um abraço apertado nela e pulei em comemoração.
— Agora quero saber o que você fazia antes de nós namorarmos — Mitch soou desconfiado.
— Não fazia nada. Sou uma pessoa muito equilibrada — ela lançou um olhar fatal para mim. — Vamos entrar no Instagram da cantora primeiramente — Sarah digitou o nome do usuário, entrou rapidamente na página que exibia todas as fotos da Dua Lipa. Ela abriu a última publicação, onde dava para visualizar o balé atrás dela.
— Olha ela aqui! Do lado direito — apontei na tela.
— Ela é linda! Mas não tem nenhuma marcação nessa foto, ou seja, nada feito. Vamos ver se nos comentários tem algo — Sarah passou cada comentário, tentando analisar a foto do perfil para checar alguma semelhança com a garota de cabelos pretos.
— Pode ver as fotos marcadas também.
— Você é bom nisso, hein?
Dei de ombros, convencido, não desviando os olhos da tela. Eu observava cada clique que minha amiga dava.
— Olha, tem essa com uma garota com a roupa idêntica, mas nenhuma das meninas marcadas é ela — Sarah foi abrindo cada perfil marcado para analisar os comentários e as curtidas, mas parecia que essa garota sabia se esconder. — Harry, acho que vai ser difícil.
Desviei minha atenção da sua fala para algumas notificações que, de repente, chegaram muitas vezes seguidas.
— Espera aí! Deixa eu abrir essa DM — ao clicar na tela, identifiquei a mesma menina que tinha esbarrado em mim no after party. Ela tinha me marcado pelo menos dez vezes na mesma foto, e sorri ao lembrar o quão desastrada ela era.
— Quem é essa? — perguntou Sarah.
— Ela pediu uma foto comigo na festa após a premiação, logo depois de esbarrar um drink no meu terno — expliquei calmamente enquanto minha amiga puxava o celular da minha mão para analisar o perfil da garota.
Levantei-me do sofá, caminhando até o banheiro para que pudéssemos ir para o hotel o mais rápido possível. Eu sabia que deveria ter perguntado seu nome, não era algo difícil de se fazer. Mas eu posso ser distraído às vezes, então me contentaria que era uma possibilidade nunca mais esbarrar na garota que exibia sentimentos em seus rodopios dançantes. Afinal, eu ainda não estava pronto para me jogar de cabeça em algo novo agora, embora me questionasse que talvez eu precisasse exatamente disso! Do despertar de sentimentos novos. Diferentes experiências para destravar traumas que pareciam rondar meus relacionamentos. Porém, agora existiria a dúvida do que poderia ser, já que eu não conseguiria encontrá-la.
Deixei o banheiro passando a camisa pela minha cabeça até que se encaixasse em meu corpo, o que me impediu de notar que Sarah ainda permanecia no camarim.
— Você ainda tá aqui, Sarinha? Cadê o resto do pessoal? — perguntei, pegando minha mochila e olhando para ela.
— Acho que encontrei a sua garota — ela me olhou com aqueles olhos gigantes demonstrando felicidade.
Corri em sua direção e puxei o celular de sua mão para conferir o que ela tinha acabado de me falar. Meus olhos passearam pela tela vendo cada foto e vídeo existente em seu perfil.
— É ela, não é?
— É ELA!
Capítulo 3 – Stalker or Singer?
O que falam sobre a crise dos vinte e tantos é verdade, mas, no meu caso, começou exatamente aos vinte. É nessa época que as pessoas costumam estar em diversos estágios da vida numa mesma idade. Alguns se casam e têm filhos, outros nem sequer imaginam ter uma vida a dois. Uns estão na faculdade, outros nem sequer sabem o que querem fazer com a própria vida. E a gente se compara mesmo, é natural. A comparação se torna inevitável, porque estamos começando a vida e não queremos começar errando. Mas essa insistência de se encontrar muitas vezes acaba nos frustrando, nos causando uma sensação de desencanto com a própria vida.
Em uma dessas crises, decidi que era hora de me mudar para Los Angeles – o que não foi nada fácil, principalmente para minha mãe. Fiz de tudo para não demonstrar que eu estava receosa com a decisão, mesmo ela sabendo que eu iria evoluir muito na minha profissão. A Cidade dos Anjos era o lugar onde as oportunidades eram criadas, e, no final de tudo, ela conseguiu entender. Mas existia o medo, a inquietação, as dúvidas, as incertezas, e você fica se perguntando se vale a pena sair da sua zona de conforto para viver um sonho. E o que posso falar até agora é que vale tudo para transformar ficção em realidade. Fazer uma mudança súbita saindo da adolescência é a coisa mais desafiadora que você pode fazer por si mesma. E digo com convicção: é a melhor escolha que fará na sua vida, porque não existirá um momento em que você será mais verdadeira e honesta – ou com motivos mais puros – do que agora. Se é isso que te empolga, então se arrisque e confie na sua intuição, porque há um grande risco de tudo se tornar real demais.
Atualmente eu dançava na Millennium Dance Complex, um estúdio de estreia de dançarinos no mundo da dança comercial, mundialmente conhecido como o “lugar onde tudo acontece”. A missão do Millennium era desenvolver paixão e técnicas de jovens talentos para, logo em seguida, os jogarem num mar de oportunidades. Era engraçado como eu lembrava como se fosse hoje quando conheci Kelsey nos corredores e ela me disse: “você está no lugar certo, . Estar aqui é como esfregar a lâmpada mágica, e pelo menos três de seus desejos serão realizados.” Desde então eu não desgrudei dela um segundo sequer.
O programa que escolhi estar envolvida era para grupos que já tinham vivência naquele mundo. Semanalmente eram desenvolvidas milhares de coreografias com nossos conselheiros para nos orientar, e, cada dia mais, desenvolver nossa base na dança. Foi por causa desse lugar que consegui me apresentar no American Music Awards, mais precisamente por meio de uma indicação do nosso conselheiro, o famoso Brian Friedman. dançarino e coreógrafo que já desenvolveu muitas coreografias para artistas como Britney Spears e Michael Jackson.
Como de costume, ao chegar no estúdio, tive a oportunidade de iniciar a aula fazendo um solo da minha apresentação. Isso acontecia quando o dançarino conseguia se apresentar em algum evento, então Brian me deixou no comando da turma.
— Como vocês sabem, não poderia ser diferente, hoje é o dia do solo da , e vocês podem acompanhá-la em seguida. A aula é sua, ! — disse Brian, seguido do som das palmas. Então, me pus no meio do estúdio.
O público era diferente, mas a sensação de formigamento era a mesma. Era um julgamento diferente e, talvez, mais desafiador. Movendo ritmicamente à medida que a música tocava, um filme passava-se na minha cabeça, conseguindo me lembrar de todas as sensações que senti ao longo daquele dia, inclusive do momento em que encontrei Harry. Na verdade, me lembrei especificamente do seu sorriso, e aquilo incrivelmente me acalmou. Lembrei do som da sua risada alta e, no momento em que pus meus olhos nele, vi seu sorriso aberto, marcante, formando covinhas juntamente às linhas perto de seus olhos, que definiam o quão sincero era aquele riso. Se eu tivesse outra oportunidade de vê-lo, com certeza falaria para ele que seu sorriso, sem dúvidas, foi o mais sincero que eu havia visto em anos.
E por que eu pensava nisso enquanto dançava? Talvez porque todo solo era uma experiência de sinceridade; pelas expressões naturais que se via em cada rosto na plateia, de vulnerabilidade por se mostrar sozinha para todos, tendo que confiar que seu corpo saberá o próximo movimento e seus músculos lembrarão exatamente o que fazer em seguida, sem ninguém ao seu lado para seguir. Rodopiei pela sala, mexendo meus quadris, e Brian me acompanhou também, finalizando o trecho da música e dando espaço para que os outros grupos fizessem suas apresentações.
— Soube que sua apresentação foi um sucesso — escutei a voz de Brian enquanto postava o vídeo da minha performance solo nas redes sociais.
— Sim! Obrigada por me indicar, não conseguiria sem você — respondi ao direcionar meu corpo para ele e abraçá-lo.
— Tudo isso é resultado do seu esforço, eu apenas fiz meu trabalho. Logo menos você estará em alguma turnê.
— Você acha mesmo? — perguntei com uma feição surpresa.
— Tenho certeza que sim! Agora preciso ir. Te vejo na próxima aula — ele se despediu.
Fui em direção às minhas amigas, perguntando se elas iriam voltar comigo, e recebi uma resposta negativa.
— Vou para o apartamento do Brian — disse Amber.
— E eu vou junto, achei que o Chad tinha te chamado — interrompeu Kels.
— Ah, ele falou comigo, mas esqueci de responder. Mas vou pra casa mesmo, amigas, ok? — respondi, e elas assentiram. Nos abraçamos e eu segui meu caminho.
Uma playlist aleatória de pop tocava nos alto-falantes do carro enquanto eu dirigia. Os moradores da cidade deixavam claro que não importava o clima, a cidade sempre transpirava verão – as mulheres sempre com roupas curtas ou biquíni, esbanjando seus belos corpos; os homens com suas camisas abertas, exibindo seus abdomens treinados. E sempre, a cada esquina, via-se vestimentas cada vez mais estilosas, e isso era algo que sempre me atraiu para Los Angeles quando finalmente decidi me mudar da casa onde vivi parte da minha infância.
Antes que eu pudesse me perder demais nos meus pensamentos, meu celular tocou e logo apareceu no visor o nome do Chad. Prontamente atendi.
— Hey, lindo! — falei, animada.
— Hey, abelhinha. Você vive me dando vácuo, decidi te ligar. Você não vem? — ele indagou.
— Dessa vez eu vou passar, estou um pouco cansada. Mas a gente pode sair no domingo pra alguma praia, o que acha? — sugeri, contornando a situação.
— Você me abandona muito facilmente, mas tudo bem — ouvi seu tom manhoso. — A gente vai se falando, beijos.
— Beijos, dramático — ouvi sua risada antes de desligar.
Sweet Creature – Harry Styles
Ao encerrar a ligação, pude ouvir o som reiniciar numa música que eu nunca tinha escutado antes. As primeiras frases foram ditas de forma tão leve, tão suave que parecia uma canção de ninar. Dava vontade de cantar junto, mesmo não sabendo a letra.
Ficava claro que era uma canção sobre duas pessoas que não estavam mais juntas, teimosas o suficiente para não permanecerem como casal. Mas que se amaram o suficiente para saber que um era a casa do outro, independente de onde estivessem. O refrão, carregado de sentimentos e de sonoridade romântica, me remetia à atmosfera melódica de alguma música triste dos Beatles. Os poucos elementos sonoros da canção faziam com que todo o foco da música fosse para a voz do cantor.
Ao chegar em casa, olhei para o painel do carro e visualizei o cantor: Harry Styles. Tinha um fundinho do meu ser que acreditava conhecer aquela voz, mas tinha uma diferença gritante em seu tom – estava mais grave, mais rouca, mais madura. Então o dono daquela voz que suplicava romance era dele. Chegavam a ser engraçadas as coincidências da vida; logo eu que não acreditava em romance, me derretendo por uma letra cheia dele. Sorri com meus pensamentos e desci do carro, caminhando para a entrada do apartamento.
Deitada de bruços e absorta em meus pensamentos, senti meu celular vibrar. Arrastei meu braço para baixo do travesseiro e procurei pelo aparelho, então virei meu corpo e coloquei o celular na altura do meu rosto, fixando meu olhar na tela. Bloqueei e desbloqueei-o repetidas vezes, na tentativa de observar se era algum tipo de miragem… mas todas as vezes ficava mais claro que as notificações eram verdadeiras.
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Parecia que eu estava vendo tudo em câmera lenta, mas saí do meu surto interno e finalmente desbloqueei o celular, passando o dedo pela tela. Abri o aplicativo e li novamente a notificação em que ele escreveu amar a performance na premiação do American Music Awards. Como poderia ser possível Harry Styles ter encontrado meu Instagram?
Quem poderia imaginar que ele fazia o tipo que stalkeava alguém, não é mesmo? Nunca passaria pela minha cabeça que isso poderia acontecer, mas a única coisa que eu tinha a meu favor era a minha personalidade atrevida. E se tinha algo que eu nunca deixava passar na vida era oportunidades, principalmente por não ter me tocado de que era ele na minha frente naquele dia. Então, prontamente curti duas fotos antigas e mandei um direct.
Nunca passou pela minha cabeça que era você naquele dia hahaha e de qualquer forma, obrigada por elogiar minha performance. 2:30pm
Entre o emaranhado de sentimentos resultantes do término da turnê/relacionamento, eu tentava achar um equilíbrio dentro de mim. Apesar de saber como aquilo fluía com o tempo, o ser humano nunca estava preparado para terminar ciclos. Isso exigia habilidade, assim como o amor precisava de pessoas habilidosas para não cair nas suas armadilhas entusiásticas da paixão – e eu podia dizer com todas as letras que eu não gozava dessa habilidade. Turnês eram realmente difíceis, relacionamentos também e, mesmo tentando manter a fama fora da equação, todos deram errados por diferentes razões. Mas em todos eles o denominador comum era eu.
Ainda que a vida a dois trouxesse certos comodismos que a vida de solteiro não permitia, sua mente sempre vai estar dividida entre correr riscos ou permanecer na zona de conforto.
Eu nunca, por hipótese alguma, permanecia em inércia.
Por isso, mesmo sem práticas para flertar, minha autoconfiança destravou truques antigos de flerte como faziam os incas. Tateei o celular pela cama e encontrei o nome dela nas últimas pessoas pesquisadas. Rolei pelo perfil da , curti fotos antigas e comentei o último vídeo que parecia de uma performance recente dela, coincidentemente da música que eu a vi dançar na premiação. Demorei ainda observando seu perfil e, logo em seguida, decidi tirar um cochilo.
Senti meu celular vibrar ao me despertar e olhei para o visor, anunciando uma ligação que prontamente atendi.
— Hey!
— Vamos sair para jantar às 5:00 p.m. Você vai conosco? — ouvi a voz do Mitch indagar.
— Claro que sim. Estarei no lobby.
— Tente não se atrasar, bad boy — ele finalizou a ligação antes que eu pudesse responder.
Passei as mãos nos olhos para me despertar rapidamente, então verifiquei as notificações pela tela do celular.
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Em pouco tempo me vi tentado checar se havia alguma mensagem no meu direct. Sorri ao ler, então respondi.
Nunca passou pela minha cabeça que era você naquele dia hahaha e de qualquer forma, obrigada por elogiar minha performance. 2:30pm
Harry
Sua testa está bem? Espero que não tenha batido em mais nenhuma parede por aí! 4:40pm
E mesmo sendo leigo, apenas apreciador da arte, amo o jeito que você dança. 4:40pm
Você tem paixão, ! 4:40pm
Sua testa está bem? Espero que não tenha batido em mais nenhuma parede por aí! 4:40pm
E mesmo sendo leigo, apenas apreciador da arte, amo o jeito que você dança. 4:40pm
Você tem paixão, ! 4:40pm
Hahaha minha testa e eu estamos bem, obrigada. 4:45pm
E eu realmente amo o que faço, por isso tants paixão. 4:45pm
Escutei hoje uma música sua... “Heavenly Creature” 4:47pm
Harry
Eu acho que você quis dizer “Sweet Creature” hahaha 4:50pm
Eu acho que você quis dizer “Sweet Creature” hahaha 4:50pm
Meu Deus! hahahaha que gafe! Tô tão envergonhada. 4:55pm
“SWEET CREATURE”!!! Prometo não esquecer 4:55pm
Quando você vem performar em L.A.? 4:56pm
Harry
Na semana que vem... Por quê? Você quer ir? 4:57pm
Na semana que vem... Por quê? Você quer ir? 4:57pm
Eu com certeza irei, Sr. Styles 😏 4:58pm
Sorri com o flerte. Em seguida, olhei para o canto de cima do visor e reparei que já estava atrasado o suficiente para o jantar. Me levantei da cama, correndo direto para o banheiro, me banhei em poucos minutos e coloquei uma roupa casual. Antes que pudesse dar um jeito no meu cabelo, ouvi o toque do meu celular, já sabendo que seria a banda me apressando. Recolhi minha carteira e celular e segui para o elevador do hotel.
— Vinte minutos atrasado — ouvi Sarah falar assim que a porta do elevador abriu.
— Tenho uma boa desculpa para tal acontecimento — falei, me colocando no meio dos dois em um abraço. — Poderemos falar sobre isso no jantar — sorri de lado e olhei ao nosso redor, procurando a quarto membro do nosso grupo. — Ué, cadê a Clare?
— Ela disse que não ia, estava cansada — assenti ao ouvir Adam responder.
Nova Iorque continuava agitada assim como da última vez que estive aqui. Estávamos hospedados no DoubleTree Hilton, que ficava localizado em plena Manhattan, próximo de qualquer ponto badalado da cidade. Apesar de ter um apartamento em Nova Iorque, eu ainda não estava completamente pronto e, vindo com a banda, preferia que todos ficassem no mesmo ambiente para não haver atrasos.
Conhecer restaurantes com culinárias diferentes era o que eu mais gostava de fazer por aqui. Decidimos ir para um restaurante tailandês que ficava na Midtown West, chamado OBAO. No caminho, falamos sobe o quanto estávamos empolgados pelo primeiro show na cidade com a minha banda, e nossas expectativas eram as mais altas possíveis. Assim que nos sentamos na mesa do restaurante, o assunto não poderia ser outro senão o motivo do meu atraso.
— Só nos conte logo, estou super curiosa. E sei que você nunca se atrasa, então deve ser muito bom o motivo — disse Sarah, demonstrando ansiedade na sua voz.
— Ok! Curiosos para ouvir? — sorri abertamente, encorajando eles e esperando a confirmação. — Estava conversando com a !
— JURA? Não achei que você fosse tomar iniciativa agora — Sarah falou, espantada.
— Na verdade, eu apenas curti e comentei algumas coisas, ela que tomou a iniciativa de me chamar na DM — falei, com sorriso um presunçoso no rosto.
— Ela é uma garota de ação! Já gostei dela — ouvi Adam se pronunciar enquanto fechava o cardápio.
— E sobre o que vocês conversaram? — indagou Mitch.
— Ela disse que amou minha música, “Heavenly Creature” — falei, esperando a reação da mesa, que foram gargalhadas infinitas. Não me contive ao me contagiar por elas.
— Eu já amei ela, podemos conhecê-la? Poooor favoor! — suplicou Sarah.
— Claro, ela estará no show de Los Angeles. Eu a convidei.
Todos ficaram surpresos ao ouvir sobre o convite, e eu sabia o motivo.
— Então a loirinha já foi superada? — Mitch indagou com certa preocupação.
— Sabia que vocês iam citar ela — grunhi com a voz baixa, um pouco chateado.
— É só porque nos preocupamos com você — Sarah disse com sua voz doce.
— Eu sei, gente. Não tem problema. Mas estou tratando tudo isso como casual, só quero conhecer pessoas novas — falei, descontraído.
— A gente sabe que você é cuidadoso, mas tem coisas que não se controla — finalmente Adam se pronunciava.
— Eu só consigo me lamentar uma única vez sobre uma situação. A partir da segunda, já estou escolhendo sofrer. Então, já me lamentei pelo término e não posso reverter a situação. Não sei como responder se eu realmente superei, mas sendo completamente honesto comigo, só quero que tudo seja novo. Quero poder ser uma pessoa nova e começar tudo de novo — finalizei, sendo completamente verdadeiro com meus sentimentos. Acho que eu precisava falar aquilo em voz alta para finalmente dar um ponto final, pelo menos dentro de mim.
Dei um gole na minha bebida e me perdi em meus pensamentos, enquanto a conversa mudava de rumo.
Eu assistia a cena do sofá em câmera lenta, passando meu olhos de Kelsey para Amber numa velocidade frenética. Minhas amigas passavam o dedo pela tela para desbloqueá-la, em seguida arregalando os olhos em surpresa ao ler as mensagens e notificações. Eu ouvia a falação exagerada em forma de surto de uma forma divertida.
— — Kels gritou, e eu voltei meus pensamentos para o surto delas.
— Você flertou com ele! Você é uma vadia, garota! — gritou Amber.
— Eu não perdoo ninguém. Caiu na rede da sereia, aqui é peixe, meu amor. Você acha mesmo que vou perdoar um homem lindo desses? Até parece! — falei, me achando.
— E se ele te procurou, algum interesse tem... Não iria ser do nada — ouvi a voz de Kels, duvidosa.
— Também parti totalmente desse princípio! Ainda curte fotos antigas? Talvez ele seja apenas um homem comum com desejos sexuais — peguei meu celular da mão de Kels e o bloqueei.
— Definitivamente você venceu na vida — ela continuou.
— Mas como ele te encontrou? — indagou Amber.
— Não perguntei, e ele não puxou mais assunto. Vou esperar ele falar algo — dei de ombros.
— É, espera. Ele deve estar ocupado — ela disse e eu assenti, enquanto as duas seguiram cada uma para seu quarto e eu segui para o meu.
Fiz minha rotina noturna de skincare e me joguei na cama. Antes que pudesse escolher alguma comédia romântica que eu colocaria toda minha atenção na tela de uma TV, senti o celular vibrar, e lá estava uma notificação que me tirou um sorriso.
Harry
Posso fazer um pedido? 00:35am
Claro, Mr. Styles. 00:36am
Harry
Na verdade, são dois... 00:36am
Eu queria te ver dançar uma música minha 00:37am
Na verdade, são dois... 00:36am
Eu queria te ver dançar uma música minha 00:37am
Pedido aceito 00:37am
E o segundo? 00:38am
Harry
Posso ter seu número? 00:39am
Posso ter seu número? 00:39am
Pensei que nunca pediria 00:40 AM
+(1) (341) 7355-013 2 00:40 AM
Depois de alguns minutos sem resposta, resolvi dormir, mas o celular custou a vibrar pela última vez naquela noite.
Unknown number
Boa noite, Mrs. 00:45 AM
Boa noite, Mrs. 00:45 AM
Bons sonhos, Mr. Styles 00:46 AM
Sorri com aquela mensagem e me virei de lado, finalmente encontrando o sono.
O dia ensolarado de domingo pedia movimentação, e foi isso que eu havia decidido fazer naquele dia: seja ir à praia, um passeio ao ar livre, caminhar pelo calçadão de Venice Beach ou apenas algo que me tirasse dos meus próprios pensamentos. A mensagem que chegou em meu celular para que eu ficasse pronta em poucos segundos me tirou de um demasiado tédio.
— Salvou meu domingo, honey — falei assim que entrei no carro.
— Eu salvo a sua vida e você não admite — Chad me olhou enquanto eu retribuía seu sorriso convencido, sabendo que ele tinha dito a verdade.
Alguns minutos se passaram enquanto eu observava o mundo janela afora. Falar sobre sentimentos era a coisa mais difícil de sair da minha própria boca, mas eu precisava admitir: mesmo que fosse a coisa mais difícil a se fazer, sabia que minha amizade com ele tinha me salvado de inúmeros momentos que pensei em desistir de tudo. E falo de experiência de vida ou morte, as quais muitas vezes eu não conseguia tirar um bom motivo para permanecer ali. E um mais simples cuidado, um abraço, um chamego ou até mesmo um “sinto sua falta” conseguia me tirar um sorriso em meio a qualquer crise existencial. Chad mantinha minha mente sã por muitos momentos, e ele nem conseguia imaginar tamanha sua importância.
Observei-o estacionar o carro extremamente concentrado, mas desviei o olhar logo em seguida, para que não tivesse a impressão errada sobre encará-lo.
— Hello, Venice Beach! Só gente linda nesse lugar — ele disse, colocando seus óculos de sol e não disfarçando nenhum olhar para as garotas que passavam por ali, que eu também não deixava de notar.
— Essa praia nunca decepciona!
— O que quer fazer? — Chad me perguntou.
— Só queria ficar quietinha na areia mesmo — respondi, e ele assentiu.
— Mas antes... — eu sabia que ele não precisaria concluir a fala para saber o que falaria.
A gente sempre tinha o poder de saber o que o outro estava pensando só de se olhar e, por isso, caminhamos até a Abbot Kinney, a rua mais descolada e incrível que existia em Venice Beach, onde tudo exala moderninho e sofisticado demais. “The coolest block in America”, eu costumava dizer. Quando vinha com as meninas, era puro banho de loja que nos fazia perder a cabeça. Mas, quando vinha acompanhada de Chad, a Madmen era a nossa parada obrigatória. Conhecida como a “Starbucks da maconha”, era uma loja onde se encontrava vários produtos à base de Canabidiol. Esperei-o do lado de fora como sempre, ou iria passar muito tempo olhando algo desnecessário.
— Agora podemos ir — ele colocou a mão no bolso, e fomos caminhando pelas ruas até sentirmos a areia nos pés.
Sentamos embaixo da guarita de salva-vidas para fugir do sol e ter um pouco de sossego. Chad se sentou e abriu as pernas, indicando que eu deveria me colocar entre elas. Encostei minha cabeça em seu peito e esperei que ele acendesse o beck. Eu não precisava olhá-lo para saber que ele fechava os olhos a partir do momento que encostou seus lábios na seda para finalmente tragá-lo. Senti seu peito subir e descer atrás de mim, e ele me repassou o cigarro. Inalei a fumaça tão forte que senti imediatamente toda a ansiedade dando espaço para que meu corpo ficasse mais relaxado e tranquilo.
Toda vez que eu fumava maconha era diferente da anterior. Combinava sempre com meu humor atual. Hoje eu só queria sentir literalmente nada, fugir dos meus pensamentos e deixar que minha mente ficasse cada vez mais vazia, só aproveitando o momento. Mas, ainda sim, senti meus olhos ficarem cada vez menores, e meu sorriso cada vez maior. Observei o mar à minha frente e soltei um suspiro. Chad beijou meu pescoço e eu me arrepiei com sua respiração quente.
— No que está pensando? — ele indagou.
— Literalmente nada, e isso me faz sentir maravilhosamente bem — sorri.
— Eu não consegui passar naquele teste — ele falou de repente em meio a um suspiro.
— O que seu amigo te indicou?
— Sim, eu sabia que tinha ficado muito nervoso.
— Mas tenho certeza que você vai se dar muito bem. É só uma questão de tempo — me virei em sua direção.
— Eu não sei.
— Eu acredito em você. Estou sentindo que falta pouco para você conseguir algo gigantesco, e você nem imagina — olhei para ele, que assentiu.
— Obrigado por acreditar em mim — disse, olhando em meus olhos.
— Fecha os olhos — pedi e ele resistiu, mas assim o fez. — Faz um desejo e coloca em seu coração.
— Ok — virei meu corpo para ficar de frente para ele, admirando as rugas que seu rosto fazia ao perceber que eu estava o observando.
— Fez? Agora, acredita bem no fundo que ele pode se tornar realidade — observei-o assentir, ainda com os olhos fechados. — Eu tenho fé de que tudo que você acredita fielmente está perto de acontecer, e se você abre a mente e o coração para a possibilidade disso, então só resta esperar.
Ele abriu os olhos e me apertou em um abraço. Coloquei meus braços em seu pescoço e beijei toda a lateral do seu rosto.
— Te amo, caralho!
— Eu também
Eu amava relembrar aos meus amigos o quão inteligentes e merecedores eles eram dos seus sonhos, mesmo que parecesse longe da realidade. Senti suas mãos emoldurarem meu rosto, e todo o calor da ponta dos seus dedos me fizeram arrepiar. Apertei seus braços e observei sua pupila já dilatada olhando para meus lábios entreabertos. Passei a ponta da língua, umedecendo-os, gerando um convite para que ele unisse nossas bocas com diversos selinhos, até eu lentamente tomar a iniciativa de beijá-lo. Nossas línguas entrelaçaram-se lentamente, tornando o beijo profundo e intenso, o que me fez soltar um leve gemido, tornando o momento mais prazeroso. Mordisquei seus lábios e o senti dar uma risada separando os seus, ocupando-os novamente com o beck.
Ficamos ali por tempo suficiente para observar o sol se pondo em suas nuances alaranjadas, aproveitando a presença um do outro. Quando já era um pouco mais tarde, meu celular vibrou, nos despertando dos nossos devaneios e indicando que já era hora de ir.
— Quem é? — perguntou Chad.
Levantei-me da areia e peguei meu celular, que encontrava-se no bolso de trás da minha calça. Desbloqueei a tela e vi a seguinte mensagem:
Harry
Hey, ! Eu queria saber se devo colocar acompanhantes com você na lista do show 5:51pm
Hey, ! Eu queria saber se devo colocar acompanhantes com você na lista do show 5:51pm
— É a Amber preocupada. Vamos? — respondi assim que li a mensagem e bloqueei o celular novamente.
Não sabia por qual motivo eu havia mentido naquele momento para Chad, mas me senti estranha assim que o fiz. Afinal, éramos amigos, e ele sempre soube de tudo o que se passava em minha vida.
Durante todo o caminho até em casa, jogamos conversa fora, mas eu não conseguia puxar muito assunto. Senti que finalmente pude respirar quando pus meus olhos na frente do meu apartamento.
— Tem certeza que não quer dormir lá em casa? — ele perguntou, colocando a mão na minha coxa.
— Tenho. Amanhã de manhã tenho que acordar cedo, e você vai fazer essa tarefa ser impossível — sorri e deixei um beijo em sua bochecha. Saí do carro e fechei a porta, até que ele me chamou. — Esqueci algo?
— Não, mas só uma coisa que está na minha mente.
— O quê?
— Sinto que nossa vida vai começar a mudar drasticamente em pouco tempo — ele soltou, parecendo que sabia de algo.
— Eu também sinto isso, Chad — respondi e o vi arrancar com o carro em poucos minutos.
Subi as escadas martelando aquela frase na minha cabeça, acreditando fielmente que algo estava prestes a mudar. Mas eu não tinha certeza se poderia ser algo bom ou ruim.
Capítulo 4 – THE show
— Eu gostaria de algo que não fosse o hip hop comum essa semana, acho que falta um pouco de ousadia em vocês. Quero algo que me surpreenda! Vejo vocês amanhã — disse Brian, saindo do estúdio e nos deixando um pouco dispersos por toda a sala.
— Vou ficar por aqui até tentar tirar água de pedra, meninas — falei para elas. — Apareço mais tarde em casa.
— Ok, se cuida! Vê se come alguma coisa.
— Tá bem.
Era a semana da criatividade no Millennium Dance Complex, e era nossa obrigação mostrar um pouco de audácia em qualquer mínimo passo que faríamos. Fui colocada com Josh e Rick, que eram tão novos quanto eu no estúdio. Perguntei se eles estariam dispostos a testar algo novo naquele dia, e eles aceitaram.
Eu acreditava que, recentemente, ninguém tenha feito um pop rock alternativo com uma pegada dos anos 90 nas rotinas de dança. Então calhou de eu estar escutando o álbum do Harry para o show que aconteceria no final de semana e estar simplesmente viciada em Kiwi, que era bem diferente do restante do álbum.
Coloquei a música para tocar, e os garotos logo perceberam o que eu tinha imaginado para a coreografia.
— Tem esses riffs de guitarra durante toda a música... — comecei a explicar, ilustrando as batidas com a minha mão.
— Cada riff tem que ser marcado por um novo movimento — Josh continuou.
— Exatamente! E como ela é bem agitada, os movimentos tem que ser rápidos...
— Até antes de iniciar a batida — Rick concluiu, e eu assenti.
— Topam?! — perguntei e eles sorriram, alegres.
Na maioria das vezes, uma coreografia não precisava ser da música completa, apenas das partes que eram mais enérgicas da letra. Nessa em específico era o pré-refrão e o refrão.
— A gente pode iniciar marcando na cintura e girando. Chegando no “I’m kind of into it”, já dá pra tornar a dança mais sensual, sabe? Deslizando a mão pela virilha e, logo em seguida, jogar o corpo para trás.
— Quando chegar no refrão, acho que deveríamos fazer uma pegada mais sensual para dar um significado à letra, tipo assim — Rick se jogou no chão, fazendo movimentos com o quadril para baixo, abrindo e fechando as pernas
— Eu ameeeei! — falei, pulando com eles.
Tentamos reproduzir do pré-refrão e demos continuidade a todos os outros movimentos de uma forma mais livre, do jeito que vinha em nossas mentes. E, então, juntamos tudo.
— No trecho “it's getting crazy”, poderíamos usar a mão na frente, girando e, logo em seguida, puxando para a cabeça como se estivéssemos literalmente tirando a loucura do ambiente, sabe? — falei, demonstrando tudo lentamente para eles.
— E trazendo para perto, né? — Rick continuou.
— Isso!
— Poderíamos usar movimentos repetitivos com os pés e braços logo em seguida, porque ele repete duas vezes a mesma frase “I think I’m losing it”.
— PERFEITO! E depois podemos juntar com a parte mais sensual que Rick disse com o quadril.
Fizemos aquela rotina durante a tarde praticamente toda, e agradeci imensamente a eles porque toparam minhas ideias e agregaram muito também. Era sempre importante ter pessoas naquele ambiente que somavam para o seu crescimento. Era literalmente aquela famosa frase: “se quiser chegar mais rápido, vá sozinho. Se quiser ir longe, vá em grupo”.
Dei carona para eles e cheguei em casa querendo apenas uma taça de vinho, me jogar no sofá e conversar sobre qualquer besteira com as garotas. Ao entrar em casa, encontrei-as no sofá com mais duas companhias que eu amava: Chad e Brian.
— Vocês não têm casa? — perguntei assim que abri a porta.
— Feliz que gostou de me ver — Chad levantou-se do chão e veio me abraçar, e eu retribuí.
— Ela gosta de ser ácida às vezes, né? — abracei Brian também.
— É apenas meu jeitinho — fiz uma cara de fofa. — Vou tomar banho e já volto pra ficar aqui com vocês.
Segui para o meu quarto, jogando minha bolsa num canto e indo diretamente para o banheiro descarregar o cansaço debaixo do chuveiro. Coloquei a playlist que eu amava para cantar no chuveiro, mas não demorei muito. Lavei o cabelo rapidamente e, depois de três músicas, desliguei o registro.
Abri a porta e me deparei com Chad deitado na minha cama.
— Bela cantoria — disse ele.
— Eu sei. Acredita que eu estava pensando em desistir da dança e me aventurar nesse mundo? Acho que levo jeito — falei, com o riso preso.
— Não se arrisque tanto assim, talvez você morra de fome.
Revirei meus olhos, sabendo que ele amava me provocar.
— Inclusive, você é folgado, hein? Tá fazendo o quê esparramado na minha cama? — tirei a toalha do cabelo e joguei-a em seu rosto, escutando sua risada abafada.
— Você sabe como é... Vim apreciar a vista — ele soltou e eu me desequilibrei um pouco, tentando colocar a calcinha na perna.
— Você NÃO presta! — gargalhei. Peguei uma camisa oversize que eu gostava de usar como pijama às vezes e me joguei na cama ao seu lado.
— Tá cansada?
— Muito! Quero uma massagem nos pés — me endireitei na cama e dei meu pé na direção de Chad, que rapidamente o pegou. — Grata! Você é um amorzinho — apertei suas bochechas, e ele me mostrou a língua em sinal de convencimento.
— Semana de criatividade?
— Você sabe que sim! Mas até que eu consegui desenrolar bem.
— Claro que sim. Você não tem um defeito, abelhinha. Mas eu não gosto de ficar te elogiando muito, porque você já começa a se achar mais.
Joguei meus cabelos para trás, gargalhando e me gabando um pouco.
— Vamos pra sala. Preciso de uma taça de vinho gelado descendo pela minha garganta.
Nos levantamos e fomos para a sala, enquanto estavam todos entretidos com algo no celular.
— O que vocês tanto gritam?
— Eu já falei que NECESSITO de uma pizza de pepperoni, e esses dois não querem! Preferem marguerita — disse Kels, desesperada, indo para o outro lado da sala em busca de outra garrafa de vinho.
— Gente! Queijo com tomate? Me respeitem! Pepperoni... ÓBVIO! E sem discussões.
— Chad? — Brian se pronunciou.
— Pepperoni — ele disse por fim, e minha amiga gritou um “yes” animado da cozinha.
— Pega uma taça pra mim, por favor!
Sentei no sofá, esperando que minha amiga me trouxesse a taça e, assim que estava em minhas mãos, bebi metade dela.
— HEY! — Amber gritou. — Calminha, amanhã tem rotina.
— Eu sei, mas eu estava pensando nesse líquido perfeito o dia todo!
— Foi difícil?
— Não. Na verdade, foi muito tranquilo. Rick e Josh são simplesmente maravilhosos.
— Eu sabia que você ia gostar deles.
— E qual música você escolheu? — perguntou Brian.
— Kiwi, do Harry Styles — falei rapidamente e Kels bebericou o vinho, tentando preencher a boca para não falar besteira.
— Não é o cantor que vocês vão ver no final de semana? — Brian perguntou novamente.
— Ele mesmo! — Amber respondeu.
— Não estava sabendo disso. Quando vai ser? — indagou Chad com uma feição confusa.
— No sábado, em Inglewood.
— GIRLS TRIP! — pronunciou Kels.
— Eu acho um absurdo isso, vamos ter que fazer uma BOYS TRIP — gritou Chad.
— Menos, querido, bem menos. Até porque Inglewood é aqui do lado — fiz um sinal com a mão, pedindo para ele baixar a bola.
A campainha tocou, em sinal de que nosso jantar havia chegado, e eu me levantei para atender. Entreguei o dinheiro, peguei as pizzas e fechei a porta com os pés. Coloquei-a no meio de nós, no chão, e cada um pegou o seu pedaço. Fiquei um bom tempo em silêncio, apenas apreciando a comida enquanto eles continuavam um papo aleatório, o que me dava tempo de me perder em pensamentos.
Me levantei por um momento e fui até a cozinha pegar o restante de vinho e encher minha taça. Encostei meu corpo na bancada, apoiando meus cotovelos em cima dela e pegando meu celular em seguida. Fiquei tentada a enviar uma mensagem para Harry o dia inteiro, porém relutei por vários momentos, porque não queria soar aduladora. Ele devia ter milhares de pessoas o bajulando o tempo todo, então talvez me tornasse chata, e essa nunca seria a minha intenção. Entretanto, minha personalidade impetuosa não me permitia prolongar aquela vontade e agir com prudência. Nunca tive paciência para rodeios, e não ia mudar porque o cara era famoso.
Curiosa pra saber o que você vai achar da coreografia que fiz pra uma de suas músicas 8:45pm
Harry
Você gosta de provocar a curiosidade alheia... 8:46pm
Você gosta de provocar a curiosidade alheia... 8:46pm
É o meu principal charme 8:46pm
Harry
Quando poderei admirar a obra de arte? 8:46pm
Quando poderei admirar a obra de arte? 8:46pm
Amanhã! 8:47pm
Na verdade, a música me deu uma grande ajuda pra rotina dessa semana 8:47pm
Harry
A minha obra de arte está ajudando outra arte... 8:47pm
Algo normal na minha existência 😎 8:47pm
A minha obra de arte está ajudando outra arte... 8:47pm
Algo normal na minha existência 😎 8:47pm
Sabia que você era um pouco narcisista. Sua sorte é que você é bonito! 8:48pm
Harry
Você sabe que um narcisista reconhece outro, não é? 8:48pm
Lisonjeado pelo elogio. Você também não é de se jogar fora, ! 8:49pm
Ou acha que te segui à toa? 8:49pm
Você sabe que um narcisista reconhece outro, não é? 8:48pm
Lisonjeado pelo elogio. Você também não é de se jogar fora, ! 8:49pm
Ou acha que te segui à toa? 8:49pm
Isso era óbvio! Você não tem cara que dá ponto sem nó, Styles. 8:50pm
Mas achei que saberia me elogiar melhor. O narcisismo te deixa desconfortável com belezas maiores que a sua? 8:50pm
Harry
Odeio me sentir assim, mas sim?? Hahaha 8:50pm
Mas, na verdade, eu gosto de inovar nos meus elogios 8:50pm
Odeio me sentir assim, mas sim?? Hahaha 8:50pm
Mas, na verdade, eu gosto de inovar nos meus elogios 8:50pm
Okay... Agora fiquei curiosa 8:51pm
Harry
, além de encantadora, você sabe exatamente o que quer, e não tem nada mais bonito em uma mulher do que a confiança 8:51pm
, além de encantadora, você sabe exatamente o que quer, e não tem nada mais bonito em uma mulher do que a confiança 8:51pm
— ! — ouvi meu nome num tom um pouco mais alto do que o comum e tirei os olhos do celular, olhando para Kelsey na minha frente. — A gente tá te chamando há séculos, o que você tanto faz aí?
— Tava conversando aqui. O que houve?
— Vamos assistir um filme, vem!
Você também sabe o que faz, Styles 8:55pm
Boa noite 8:55pm
Deixei o celular de lado e caminhei até o quarto, pegando um edredom para estender no chão em frente à televisão.
— Passa uma almofada, por favor! — estendi meu braço em direção ao sofá e senti o objeto na minha mão em alguns segundos. — Grata.
— O que vamos ver? — perguntou Brian.
— Qualquer coisa menos terror — disse Chad.
— Ah, pelo amor de Deus. Você tem quantos anos? Dez? — soltei para ele, o provocando e recebendo uma revirada de olho.
— Comédia? — Amber sugeriu.
— Não! — Kels negou.
— Suspense, então — falei.
Em poucos minutos, eu estava deitada com Chad abraçado comigo, porque ele não gostava desse tipo de filme.
— Faz cafuné em mim — senti sua cabeça roçar na região da minha barriga.
— Tá carente?
— Sim, e você não me dá atenção — ele fez um biquinho.
— Ah! Para de besteira.
— Você prefere ficar no celular!
— Dramático!
Fiz o cafuné que ele pediu, e, em poucos minutos, praticamente todos estavam dormindo. Por isso preferi escolher o gênero que eu gostava, porque eu assistia até o fim, e foi o que fiz. Quando os créditos passaram pela tela, despertei todos, que foram para seus devidos quartos. Levei as caixas de pizza e taças para a cozinha antes que pudesse finalmente ir para minha cama.
Encontrei Chad já sem camisa estirado nela, e logo me pus ao seu lado, puxando um pouco do edredom para mim.
Affection – Cigarettes After Sex
— Você já está com o meu lado favorito da cama, podia deixar um pouco de edredom pra mim, né?
— Vem pra mais perto que não precisamos ficar nessa briga de espaço — senti a mão dele procurar minha cintura, me trazendo para mais perto.
Ele virou o rosto em minha direção, dessa vez mais próximo que antes, e ficamos nos olhando por alguns segundos. Senti sua mão acariciar minhas costas e subir para o meu pescoço, o que me fez arrepiar um pouco. Eu era fraca quando provocada ou tocada, então me aproximei de seus lábios assim que o vi fechar os olhos.
A prática de exteriorizar o amor – seja por meio de palavras, gestos, demonstrando proteção com alguém querido, nutrindo uma relação de carinho – era afeição. Eu e Chad éramos pura afeição. Não era apenas sexual. Era uma amizade melhor e aprofundada.
Entrelacei minhas pernas nas dele, roçando na sua intimidade, sentindo que ele já estava duro. Apertei seu braço em resposta às mordiscadas que estava sentindo por toda extensão da minha mandíbula, que desciam pelo meu pescoço. Afastei meu corpo por alguns segundos e me pus em cima dele, colocando as pernas uma de cada lado do seu quadril. Suas mãos passeavam por dentro da minha camisa, subindo da cintura e indo de encontro com meus seios. Chad sabia os lugares exatos onde me tocar. Ele sabia o que eu gostava, principalmente depois de beber algumas taças de vinho. Sabia exatamente o que estava fazendo quando demorava nos meus seios, apertando-os com mais força do que o normal.
Era sexual! Mas também era afeição.
— Você sempre sabe o que faz.
— Sei? — vi seu rosto sacana iluminado apenas pela luz do abajur.
— Hmmm — fechei meus olhos quando ele puxou meu mamilo.
Chad puxou minha camisa para cima, e eu levantei os braços para que ele pudesse retirá-la, vendo-o jogá-la em qualquer parte do quarto. Inclinei meu corpo para frente e o beijei profundamente, sentindo seu membro pulsar embaixo de mim enquanto eu rebolava em seu colo. Senti suas mãos apalparem minha bunda, seguido de um tapa que me fez dar um pulo. Era pura libertinagem. Luxúria. E vício. É, eu era viciada em seu sexo, e nenhuma parte do meu corpo mentia isso.
— Gostosa! — ele disse, repetindo o tapa e me fazendo gemer.
Saí de cima dele por um instante e o ajudei a puxar sua calça para baixo, exibindo seu membro para mim. Tudo que consegui fazer a partir dali foi estender minha mão para a gaveta ao lado da cama e alcançar a camisinha. Num segundo ele colocou, afastou minha calcinha e me pôs em cima dele novamente, cavalgando-o. Lentamente. Eu subia e descia devagar, sentindo sua intimidade me preencher. Tentei acelerar o movimento, mas ele forçou para que permanecesse lento. Pôs seu tronco mais perto do meu, nos aproximando mais e juntando nossos lábios num beijo cheio de desejo, fazendo um carinho na minha bochecha. Ficamos alguns minutos assim, até que atingi o ápice. Mas ele continuou, dessa vez acelerando o quadril e me forçando a rebolar na mesma velocidade, o que já me deixava duas vezes mais excitada e me direcionava para um segundo orgasmo seguido.
Era carnal, mas também não era.
— ... — ouvi seu gemido chamar meu nome.
Senti seu pau pulsar dentro de mim, enquanto meu corpo começava a tremer. Estava prestes a explodir, então senti seus lábios encontrarem os meus, desesperados para abafar o gemido. Ele gemeu uma última vez, e eu senti meu líquido escorrendo. Nossas respirações encontravam-se descompassadas. Senti o cansaço tomar meu corpo, e relaxei em cima dele. Coloquei minha cabeça em seu ombro para descansar um pouco, ainda sentindo-o dentro de mim.
Senti suas mãos procurando afastar alguns fios de cabelo que estavam no meu rosto e, na sequência, dando alguns selinhos nos meus lábios. É, ás vezes não era erótico. Só às vezes, o que poderia ser perigoso com o tempo. Mas era AFEIÇÃO. Eu e Chad era afeição.
Saí de cima dele e me joguei de lado, puxando o lençol para cima do meu corpo. Me virei de lado para dormir, mas senti seus braços me puxando para perto. Virei novamente meu corpo e ele me puxou para seu peito, me envolvendo em seus braços.
— Não vai me deixar dormir, garoto? — dei um tapa leve em seu peito.
— Só queria ficar admirando sua beleza um pouco.
Olhei em seus olhos e não encontrei a luxúria de quando estávamos transando. Notei algo diferente.
— Eu sou linda, eu sei.
— Mais linda ainda quando te faço gozar — ele disse, depositando um beijo nos meus lábios.
Encontrei seus olhos e aprofundei o beijo, na tentativa de me dar mais tempo para disfarçar minha vergonha com aqueles elogios repentinos. Eu não sabia o quê ou como teria que responder àqueles elogios depois do sexo, principalmente com ele. Bom, era afeição entre a gente, mas às vezes o Universo criava situações favoráveis para sermos mais afetuosos uns com os outros.
A gente tinha bebido vinho, e isso nos rendeu um momento mais relaxado do que em outras vezes – o que justificava, inclusive, ele ter gemido meu nome. Isso nunca havia acontecido antes, mas eu sabia que, quando isso acontecia, a pessoa estava interessada em algo além do carnal. Mas isso era comum, não era? Às vezes, coisas escapam durante o sexo por puro tesão. Se uma situação amplifica o desejo, o amor e o carinho, seja da forma que for, certamente nos rendemos a ela. Então, entre nós continuava sendo afeição, não é?
Despertei pela manhã um pouco atrasada. Me desvencilhei dos braços de Chad que contornavam minha cintura e fui direto para cozinha tomar meu café da manhã. Decidi comer um kiwi que estava na geladeira e me sentei na bancada. Minutos depois, as meninas estavam acordadas e fazendo algo para comer.
— Vocês estão prontas? — indaguei.
— Sim! — as duas responderam.
— Vou me trocar rapidinho.
Me encaminhei para o quarto, direto para o banheiro. Em menos de cinco minutos, eu estava bagunçando o guarda-roupa e escolhendo qual roupa iria vestir.
— Você já vai?
Virei meu corpo na direção da voz.
— Já! Estou atrasada, inclusive — respondi, colocando um casaco por cima do cropped preto. — A gente se fala depois, ok? Deixa a chave no tapete.
— Ok… Boa aula, abelhinha...
Chad estava com os cotovelos apoiados na cama, o corpo em minha direção. Esperei que ele concluísse sua fala, mas, observando sua cara pensativa, percebi que ele desistiu de falar o que havia pensado.
— Obrigada. Bom dia, meu bem — caminhei até ele e fui em direção para dar um beijo em sua bochecha, mas ele desviou o rosto e tocou meus lábios rapidamente.
Atônita, acenei para ele e andei até a sala. Peguei minha bolsa que estava no sofá e me direcionei para a porta, tentando sair de casa o mais rápido possível.
— Vamos? — perguntei às meninas.
— Sim! — elas responderam sincronizadas.
Entramos no carro em silêncio e, durante boa parte do caminho, apenas o som preencheu o ambiente, o que era estranho para nós.
— Eu perdi algo? — Amber soltou.
— Não entendi, você perdeu o quê? — olhei para ela ao meu lado, com a cara confusa.
— Você tá calada demais. O que perdi nesse meio-tempo?
— Achei que só eu estava notando isso... — finalizou Kels.
— Tô normal, só tô me concentrando para apresentar a rotina hoje — falei, prestando atenção no trânsito.
— Você transou ontem?
— Sim.
— Entendi tudo.
Olhei para Amber, mais confusa ainda.
— O que você sabe que eu não sei? — questionei.
— O que você percebeu que não nos contou?
— Foi um pouco estranho ontem… Não o sexo em si, mas os olhares. No final, ele quis me manter por perto. A gente não costuma conversar depois, não sei explicar... Ele nem me elogia carinhosamente, só fala do sexo em si — disparei, e ela suspirou ao meu lado. — Agora fala o que você sabe, né!
— Brian disse que ACHA que Chad pode estar balançado por você. Ele não ouviu nada e nem mesmo conversou com Chad sobre isso, mas percebeu que ele tá mais carinhoso com você.
— Mas ele sempre foi. A gente sempre foi carinhoso um com o outro... Ah, lembrei de outro detalhe... Agora pela manhã, quando fui me despedir, Chad me deu um selinho.
— Isso é MUITO íntimo — gritou Kels.
— EU SEI! — gritei de volta.
— Já tô prevendo o caos que vai ser. E a gente sabe que ele sempre foi carinhoso, mas olha o que você acabou de falar, amiga... Tem algo mudando, e vocês já ficam há um bom tempo, .
— A gente falou pra você uns tempos atrás já, mas você não percebeu — Kels completou a amiga. — O que vai fazer?
— Que droga! — bufei enquanto estacionava. — Nada! Vou fingir que isso não está acontecendo. Apenas fingir que nada está acontecendo é sempre a melhor solução.
Saímos do carro e elas se entreolharam, achando que eu não notaria. Em fingir eu sou ótima, então fingiria que aquilo não estava acontecendo até pelo menos quando a situação exigisse de mim uma reação. Por enquanto ele não havia falado nada, então eu manteria isso como estava.
Quando entramos no estúdio, o primeiro grupo já estava se apresentando. Me pus ao lado de Josh e Rick, esperando que fosse nossa vez.
— Desculpem o atraso — passei minha mão suada na minha calça de moletom.
— Relaxa, já avisamos a Brian qual seria a música e ele adicionou na playlist.
— Ótimo!
Depois de alguns grupos se apresentarem, fomos chamados para a frente da sala e nos posicionamos antes de escutar o começo da música. Tentei colocar minha cabeça naquele momento. Naquela dança.
Kiwi – Harry Styles
Hard liquor mixed with a bit of intellect ♪
And all the boys, they were saying they were into it ♪
Such a pretty face on a pretty neck ♪
E como toda boa dança dependia de uma sequência de acontecimentos pelo caminho para levar o corpo à sua verdadeira expressão, deixei que toda energia de raiva e indignação passasse pelos meus poros. Começamos girando o quadril do jeito que tínhamos ensaiado.
But I'm into it, but I'm into it ♪
I'm kinda into it ♪
It's getting crazy ♪
I think I'm losing it, I think I'm losing it ♪
Fechei meus olhos e me deixei levar pela melodia. Como escutava pela letra, eu realmente achei que estava enlouquecendo e fora de mim, só pelo fato de algo não estar caminhando como eu imaginava. E isso me deixava extremamente irritada. Por que Chad queria complicar as coisas, colocando sentimento em algo que não tinha?
I'm having your baby ♪
It's none of your business ♪
Com movimentos elaborados e rápidos, conduzi meu corpo para aqueles passos que passamos a tarde repetindo. Eu conseguia mentir e fingir, mas o meu corpo não. Eu era péssima em demonstrar meus sentimentos falando, mas era boa com meu corpo. Muitas vezes achamos que as palavras carregavam mais força do que qualquer outra coisa, mas o que ninguém sabia era que nossos corpos podiam ser muito mais convincentes e expressivos do que qualquer verbo antes inventado nesse mundo.
It's none of your business ♪
(It's none of your, it's none of your) ♪
A parte mais sensual e energizante da música era aquela, então me concentrei nos movimentos sinuosos e sensuais que aquele trecho trazia. Minha cabeça girava um pouco pela confusão que eu sentia, mas foquei em certo momento no sexo de ontem, para que pudesse expressar mais um pouco da libertinagem que essa música apresentava também. Nesse momento – já no final da coreografia –, ouvi em uma altura maior os gritos da galera na sala: “isso aí!”, “que fogo é esse!”, “caralhooo”, o que me tirou um sorriso. Aquela era uma das melhores coisas da rotina de dança: a animação da galera em volta.
It's none of your business (oh) ♪
I'm having your baby (hey!) ♪
It's none of your, it's none of your ♪
E finalizamos, girando nosso corpo e apontando para frente, dando alguns segundos antes de ouvirmos as palmas. Nos levantamos e eu abracei os meninos em cada lado do meu corpo. As pessoas vieram nos cumprimentar, nos parabenizando pela coreografia.
— Foi isso que eu pedi! — disse Brian para a sala toda. — Parabéns, , Josh e Rick. Agora o que acham de repassar a coreografia para todos?
— Claro! Será um prazer — respondi.
Ficamos pela manhã toda passando os passos para a turma antes que eu pudesse ir para casa descansar.
Postei o vídeo da coreografia no feed antes de conseguir tirar meu tão merecido cochilo da tarde. Despertei no começo da noite, logo tateando meu celular pela cama. Vi que havia algumas mensagens pela barra de notificações.
[Instagram] chadgreco curtiu seu vídeo
[Instagram] chadgreco comentou seu vídeo “Você sempre consegue surpreender, abelhinha”
[Instagram] chadgreco comentou seu vídeo “on fire 🔥”
[Instagram] curtiu seu vídeo
[Instagram] comentou seu vídeo “eu acho que virei seu fã”
Abri o meu WhatsApp e lá estavam algumas mensagens deles também. Não sabia se caía na gargalhada ou chorava, porque conseguia sentir onde eu iria me meter num futuro próximo. Mas eu também conseguiria levar aquilo tudo como uma brincadeira, então rapidamente respondi os dois.
Chad
Que vídeo foi aquele? De nada, inclusive. Eu sei que você ficou inspirada depois de ontem. 2:07pm
Que vídeo foi aquele? De nada, inclusive. Eu sei que você ficou inspirada depois de ontem. 2:07pm
Alguém já te avisou que você é convencido? Eu tenho sex appeal, garoto! 5:55pm
Harry
Meu eu narcisista veio na humildade dizer que você conseguiu melhorar a música cem vezes mais com essa coreografia 3:35 PM
Meu eu narcisista veio na humildade dizer que você conseguiu melhorar a música cem vezes mais com essa coreografia 3:35 PM
E você ainda tem dúvidas de que é meu fã 5:56 PM
Apenas admita, Styles 😉 5:56 PM
Os números eram engraçados. Eles tinham o poder de medir você, medir seu tempo e também te analisar. O que eu quero dizer é que números sempre fizeram parte das nossas vidas, principalmente da minha. A minha capacidade como artista era medida por charts ou pela quantidade de ingressos que vendia, e isso conseguia me afligir antes de começar a turnê. Bom, apenas inseguranças de início, mas, depois de algum tempo, eu não pensava mais nisso. Pensava apenas em fazer o melhor show e divertir as milhares de pessoas que sempre faziam de tudo para estar ali, me prestigiando.
O que eles não conseguiam medir era o tamanho de um sonho, um desejo, um coração.
Um flashback de inseguranças, medos e angústias, antes de a turnê começar, passou pela minha cabeça quando soube que eu precisaria de mais de um dia para dar adeus ao trabalho do meu primeiro álbum. A The Forum, situada em Inglewood, tinha capacidade para 17.505 pessoas, e os ingressos haviam esgotado em minutos desde o dia que anunciamos que voltaríamos para Los Angeles novamente. Por isso decidimos fazer um segundo dia de show, para fechar a turnê de maneira épica.
A primeira noite havia sido fantástica, e eu estava me preparando para a segunda fazendo um café da manhã com torradas, ovo mexido e um smoothie proteico. Não demorou muito até que Jeffrey entrasse pela cozinha.
— O fim de uma era! Como se sente, Styles? — ele perguntou assim que se sentou à mesa.
— Fizemos um bom trabalho — direcionei minha mão, dando um soco com a dele.
— O que tem para mim?
— Nada? Você sabe que nunca faço nada pra você.
— Achei que pelo menos hoje você ia me mimar.
— Sonhou! Eu que tenho que ser mimado, já viu as minhas olheiras?
Jeff bufou em resposta e foi em direção à cozinha fazer algo.
— Vai ter after party ou não?
Meus amigos de L.A. estavam insistindo em fazer uma comemoração de final de turnê, mas eu ainda não havia decidido se queria. Porém, conhecendo eles, eu teria que ir para a festa “surpresa” que fariam.
— Pra ser bem sincero, talvez eu decida de última hora, mas a vontade é de não ir. Só queria me jogar na cama e dormir por dias seguidos.
— Você sabe que isso não vai acontecer — ele disse, voltando a se sentar na mesa. Bufei em resposta.
— Conseguiu minhas passagens para o México?
James Corden comemoraria seu aniversário de quarenta anos numa viagem para Cabo, e eu não poderia deixar de ir. Além de aproveitar um pouco para descansar, poderia estar ao lado de alguns amigos que não via há muito tempo.
— Sim, daqui a duas semanas. São três dias, e depois... você acha que já tem material para começar o novo álbum?
Dei um gole no café e tentei responder o mais rápido possível. Imaginei que emendaria um álbum no outro. Eu tinha alguns rabiscos e sentimentos que precisava colocar no papel, mas ainda não tinha conseguido escrever nada concreto.
— Não tenho nada em mente ainda, Jeff. Digo, sei o que quero fazer e o que quero escrever, mas não acho que consigo para agora. Só tô muito cansado... Quero tirar um tempo para mim — olhei para ele e percebi que meu empresário entendia tudo o que eu estava falando.
— Tudo bem, eu te dou essas férias. O que acha de três meses? Mas claro, de vez em quando vai aparecer algum trabalho ou outro. Tudo bem assim?
Era muito bom ter seu empresário como seu amigo, porque eu poderia ser honesto e fazer o que eu quisesse dentro dos limites, claro. Levantei-me da cadeira e o abracei.
— OK! Agora pode me largar.
— Eu gosto de abraços — apertei-o novamente e, depois, o soltei quando escutei o toque do meu celular.
Caminhei até a sala de estar e vi o aparelho jogado no sofá. Peguei-o e quase tomei um susto com o nome que aparecia na tela.
— Quem é? — ouvi a voz de Jeff, agora um pouco longe.
— Camille — respondi mais baixo que o normal, ainda atônito.
— Quem?
Não consegui responder novamente, mas atendi o telefone antes que a chamada caísse. Estava curioso pelo motivo que ela estaria me ligando.
— Coucou... Harry?! — aquele maldito sotaque francês.
— Hey... — respondi, depois de uns segundos paralisado.
— Você está bem?
— Sim, só não estava esperando ouvir de você — tentei disfarçar um pouco a voz.
— Onde você está agora?
— Estou em Los Angeles para o último show da turnê.
— Você vai arrasar, sei o quanto gosta desse lugar.
— Sim, acho que você tem grande parte do meu amor por essa cidade…
Ela permaneceu em silêncio por alguns segundos, até que finalmente me tirou o chão:
— Estou saindo com alguém — ouvi o barulho que ela fazia com a boca quando falava algo que estava guardando há muito tempo.
— Tudo bem... — tentei não transparecer que eu me importava.
— E eu só liguei porque você merece saber por mim, e não por qualquer tabloide inconsequente…
— Você estando feliz, para mim é o que importa — a interrompi. — Obrigado por se importar.
— Estou feliz sim, obrigada. Eu só queria... — ela parou por um momento. Foi quando pude ouvir uma voz masculina ao fundo e senti meu estômago revirar um pouco. — Je vais, bébé... Desculpa. Então, só queria que soubesse por mim. A gente sempre se respeitou muito, e acho que você merecia saber. Tenho que ir agora.
— Tudo bem. Fico feliz que se lembre da gente com respeito, e eu só desejo que você seja feliz.
— Obrigada, bom show! Bisou — e desligou.
Sentei no sofá e joguei o celular o mais longe possível, para que eu não atendesse mais ninguém que me tirasse a paz. Camille estava em um relacionamento, e tudo que consegui dizer era que eu estava feliz por ela – afinal, não era isso que se dizia nessas situações?
Eu odiava aquilo. Odiava que ela já tinha me superado. Apoiei meus cotovelos nas pernas e abaixei a cabeça nas minhas mãos. Pude ouvir os passos de Jeff aproximando-se de mim, e senti o meu lado do sofá afundar um pouco, sabendo que ele havia se sentado.
— Era Camille? — senti suas mãos no meu ombro e balancei a cabeça, afirmando e tentando não chorar na frente dele.
— Ela está saindo com alguém e me ligou para avisar.
— E o que você disse?
— Que estava feliz por ela, como poderia responder o contrário? Eu estraguei tudo...
— Os dois têm culpa nesse término. Acho que você se cobra demais por algo que duas pessoas foram responsáveis. Camille era um pouco problemática...
— Eu sei — pausei por um tempo.
Nossas ideologias realmente se diferenciavam em muitos pontos, mas isso não era importante. O que é importante quando você ama alguém?
Camille só me fazia bem, e eu ignorava todo o resto. Com o término, meus amigos citaram muitas coisas que abriram minha mente para algumas situações, para me fazer enxergar que términos traziam clareza. Mas, naquele momento, eu não conseguia ver coisas ruins. Só conseguia pensar que fui substituído, e isso doía MUITO. Sempre queremos ver o outro bem, mas não melhor que a gente – egoísta, eu sei, mas era a mais pura verdade – pelo menos quando falamos de ex-namoradas.
— Acho que preciso escrever — falei, depois de alguns segundos em silêncio.
— Vou te deixar sozinho. Mando o carro mais tarde, você tem que fazer a passagem de som às três horas.
— Tudo bem.
Observei Jeff sair pela porta rapidamente e subi para o meu quarto. Peguei o violão, meu caderno de canções e fui me sentar na cama, dedilhando alguns acordes.
Eu não estava bem. Me sentia péssimo como não havia me sentido há muito tempo. E queria saber de tudo. Queria perguntar para ela como aconteceu. Eles já estavam se encontrando quando ainda estávamos juntos? Porque não fazia sentido chamá-lo de “bébé” se tinham pouco tempo de relacionamento. Eram tantas perguntas que rondavam a minha mente naquele momento que eu só queria escrever tudo, e foi o que fiz com as frases que choviam em minha mente.
“Don't you call him baby, we're not talking lately... Don't you call him what you used to call me”.
Desarmado. Vulnerável. Nunca tive medo de ser aberto para quaisquer que fossem as situações. Elas eram parte de quem eu era como artista. Eu tinha que estar nessa posição de fragilidade, mas doía como um inferno! Não queria que Camille estivesse bem. Eu odiava que ela estivesse bem, odiava que ela estivesse feliz. Queria que ela estivesse fodida como eu. Odiava que tudo me lembrava dela, odiava que essa merda dessa cidade me lembrava ela. Até o jeito de me vestir me lembrava Camille!
“I, I confess I can tell that you are at your best. I'm selfish, so I'm hating it.”
Mas eu sabia que nós não funcionaríamos do mesmo jeito. As brigas pisavam no amor. Minha dor era mais uma ferida do que um amor não resolvido. Não era mais amor. Quando algo ocorre e demora a passar, não é mais amor, é só um calo. Incomoda às vezes, mas passou. Eu sempre a amaria, mas eu não a amava mais.
Não conseguia mais escrever sobre aquilo, pelo menos não agora. Mas já havia feito mais que o bastante por hoje. Deixei de lado o violão e a caneta e fui decidir o que eu iria vestir na noite de hoje. Eu estava feliz que alguns dos meus amigos estariam presentes. Talvez eu devesse me divertir um pouco essa noite e tranquilizar minha mente.
Eu merecia.
Enquanto resolvia outros detalhes, o dia passou rápido, e, exatamente às duas horas da tarde, o carro encontrava-se para me buscar. O caminho até Inglewood não era demorado, e em pouco tempo eu já me encontrava na passagem de som, um pouco distraído, mas consegui desenrolar.
— Tá sentindo-se melhor, Styles? — ouvi Jeff assim que escutei a porta do camarim ranger.
— Sim! Pode confirmar o after, inclusive. Ninguém vai precisar mais implorar pela minha ilustre presença — respondi de bom humor enquanto passava meu olhar pelo Instagram. Então, parei em uma foto da .
— Ela vem para o show? — Jeff já estava bisbilhotando o meu celular.
— Vem sim, com duas amigas. Vão ficar no camarote com o restante dos convidados.
— Eu e Glenny podemos puxar assunto com ela tranquilamente. Você sabe que Glenny não vai querer perder a oportunidade de conhecer a “dançarina dos sonhos” — ele fez uma voz de apaixonado, me zoando.
— Vocês passam a noite transando ou pensando uma forma de me irritar sobre isso? — provoquei, contendo o sorriso.
— Você sabe a resposta, até porque teremos o resto das nossas vidas para transar.
Caí na gargalhada, porque eu sabia que eles falavam disso antes de dormir. Eu conseguia imaginar perfeitamente a cena, e balancei a cabeça em sinal de negação. Logo depois, Jeff saiu do camarim e me mandou direto para maquiagem, cabelo e afins para eu começar a me arrumar para o show.
Fui de canto a canto daquele backstage, até que finalmente tirei um tempo para me alimentar antes que o show pudesse começar. Aqueci a minha voz nesse meio-tempo, então fui chamado para entrar no palco em alguns minutos.
Desde a hora que cheguei, consegui abraçar todos os funcionários que havia visto no dia de hoje, e agradeci imensamente o carinho e o trabalho que tiveram comigo durante toda essa trajetória.
— Sem vocês todos que estão aqui, nada disso seria possível, e eu sou extremamente grato por não terem desistido em nenhum momento. Cada um com saudade da família, dos filhos… Sei que não é nem um pouco fácil esse trabalho, mas também somos uma família e conseguimos durante um ano inteiro nos dedicar a esse projeto. Eu amo vocês!
A equipe estava toda reunida nos bastidores minutos antes do show começar, e precisei daquele momento para agradecer a todos novamente. Não era algo fácil de se fazer. Por vezes, eu achava que a parte mais fácil era minha – só bastava eu subir no palco e cantar –, mas toda a estrutura por trás... isso sim era pesado.
Nos abraçamos coletivamente, e caminhei pela parte do palco enquanto ajeitava meu microfone e o fone de retorno.
A performance sempre foi minha parte favorita de estar na indústria musical. Era excitante. Todas as noites, o cansaço conseguia ser vencido só de poder ver sorrisos de todas as partes do mundo.
Vi a banda se posicionar cada um em seu lugar. Então, me pus no meio do palco, esperando o som da minha própria voz falando a famosa frase: “Should we just search romantic comedies on Netflix?”.
Sabia que era ali onde meu trabalho começava.
Inglewood ficava a poucos minutos de West Hollywood, mas como tudo era motivo para uma road trip, assim fizemos. Passaríamos uma noite em um hotel e, no dia seguinte, voltaríamos para nossa casa. Fazia um bom tempo que não tínhamos esses momentos só nossos, porque na maioria das vezes estávamos com os garotos.
— Quer parar de ficar trocando a música antes que ela acabe?! — pedi, irritada, quando vi Kels mexendo novamente no som.
— Quero que você escute as músicas em velocidade rápida, máxima. Você não sabe todas as canções dele ainda.
— O que é totalmente normal. É só eu ficar abrindo minha boca alfabeticamente de A a Z e vai parecer que eu sei qualquer letra.
— Você ainda acha que isso ENGANA alguém, ? Por favor, preste atenção nas músicas!
— Pelo amor de Deus, Kels, deixa em uma música. Eu juro que você vai ter um treco hoje, e eu não tenho curso de primeiro socorros — Amber disse por fim, e nossa amiga ficou quieta até chegarmos no hotel.
E fomos assim o caminho inteiro. Prometi aprender a maioria das músicas para que eu conseguisse aproveitar o show da melhor forma possível, e devo confessar que me surpreendi com elas.
“Como assim Harry Styles, um jovem ícone da música visto como um símbolo sexual por muitas mulheres, poderia sofrer tanto assim por amor?”, foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça. Talvez fosse a ironia de tudo isso. Talvez ele quisesse se mostrar tão humano como qualquer outra pessoa, e eu conseguia sentir a certeza de que ele odiava como as pessoas o enxergavam. Mais da metade do álbum eram músicas tristes e profundas, que eu jamais imaginaria. Infelizmente – ou felizmente – foram as que mais gostei, visto o meu encanto por letras cheias de emoção, devoção, com muita história envolvida.
Passei a semana escutando o bendito álbum e já sabia a maioria das canções. Só gostava de encrencar com a Kelsey, porque ela conseguia deixar qualquer pessoa louca às vezes. Ela me obrigou a decorar até os covers que ele faz no show, e pasmem: a maioria deles eram baladinhas românticas.
Chegamos em Inglewood no final da tarde e fomos direto para o hotel descansar. O show começaria às dezenove horas, e, por termos acesso pelo camarote, não precisaríamos chegar muito cedo como fazíamos em outros shows.
Eu estava ansiosa como nada havia me deixado nos últimos tempos. Eu era muito fã de qualquer tipo de entretenimento, principalmente de shows e festivais de músicas. Era algo que realmente tocava minha alma e complementava a minha arte, de certa forma. Nunca tinha lido em nenhum lugar, mas com certeza ir em shows aumentava a expectativa de vida humana. Acredito que tenha a ver com a proximidade de pessoas ao redor e um amor compartilhado tanto pelo artista quanto pela família e amigos, que é quem geralmente levamos para compartilhar esses momentos.
Além de tudo, eu precisava disso. Eu pegava um pouco pesado comigo mesma. Colocava uma pressão desnecessária para buscar a perfeição nas coreografias, então era sempre bom ter a minha mente distraída por alguns momentos.
Me levantei antes das meninas e comecei a me arrumar, com medo de me atrasar. Não fiz nada de mais no meu rosto, apenas um esfumado marrom, uma pele deslumbrante que já me deixava realizada e um gloss para finalizar tudo.
— Você já está arrumada? — ouvi a voz de Amber.
— Só a maquiagem. Podem agilizar tudo pra gente não se atrasar.
— Alguém está ansiosa... — soltou Kels, antes de entrar no banheiro.
— Um pouco, claro — me levantei da cadeira em frente ao espelho e fui em direção à minha mala.
Me vesti com uma calça jeans destroyed, um cropped preto e uma bota preta de cano baixo – tudo o mais confortável possível. Meu cabelo estava liso e apenas coloquei a franja um pouco para trás, deixando alguns fios soltos contornarem o meu rosto.
— O que você achou? — virei meu corpo quando vi Amber me observar pelo espelho.
— Eu acho que você está uma gata! Por quê? — ela jogou o celular para o lado e veio ao meu encontro.
— Não sei...
— Você é linda, meu bem! — ela disse, me abraçando por trás.
— Só falta as suas jóias — escutei Kels saindo do banheiro. — Coloque um colar, brincos e seus amados anéis.
— É, acho que falta isso.
Me olhei no espelho pela milésima vez antes de sairmos, então fomos em direção à entrada do hotel para esperarmos o carro de aplicativo. A arena que aconteceria o show ficava a poucos minutos do hotel que escolhemos, então chegamos rápido no local, que estava repleto de gente por todos os lados.
— Acho que temos que ir por aqui — apontei para o escrito “Acesso VIP”. — Harry disse que o empresário dele iria nos encontrar na entrada.
Andamos até o acesso VIP e encontramos um segurança na porta.
— Boa noite, senhorita, qual seu nome? — ele me encarou.
— Boa noite. Sou , e essas são minhas amigas Amber Knight e Kelsey Lockwood — o observei verificar a caderneta em sua mão, procurando os nomes.
— Algum problema, Bruce? — ouvi uma voz masculina atrás dele.
— Essas garotas estão com os nomes na lista, mas não consigo encontrá-las.
O homem atrás dele era mais baixo que o segurança. Ele tinha uma barba por fazer, usava uma camisa social e um crachá com o nome “Jeff Azoff”, seguido da sua função “Manager”.
— Você é ? — Jeff direcionou sua atenção para mim.
— Sim.
— Elas estão comigo, pode deixar — ele disse, então assisti o segurança nos dar passagem para entrar na arena. — Desculpe pelo imprevisto. São muitas pessoas para pôr na lista, às vezes passa batido. A propósito, sou Jeff, empresário e amigo do Harry — ele me estendeu a mão, e eu a apertei em seguida.
— Não tem problema... Sou e essas são minhas amigas, Amber e Kelsey — apontei para elas, que sorriram seguido de um “oi” tímido.
— Muito prazer, meninas. Podem me seguir e ficar à vontade no camarote. O show vai começar em instantes, e, no final, Harry pediu para levar vocês para o backstage. Beleza?
Assentimos e seguimos o homem pelo corredor pouco iluminado, não muito longo. Fomos encaminhadas para o camarote rapidamente, onde estavam presentes outras pessoas, inclusive famosos como Shawn Mendes, Kendall Jenner e Jen Atkin.
— Fiquem à vontade, vou chamar a minha namorada para vocês conhecerem. Com licença — Jeff saiu, indo em direção a uma mulher de cabelos castanhos com a estatura semelhante à sua.
A arena estava barulhenta como deveria estar, e os fãs ansiosos cantavam as músicas do seu ídolo na ansiedade de vê-lo em poucos minutos. Observei ao redor e parei quando vi o empresário caminhando em nossa direção novamente, com sua namorada ao seu lado. Ele falou algo em seu ouvido, e a vi mexer a cabeça em minha direção.
— Oi, sou Glenne. Você deve ser a dançarina dos sonhos — ela me envolveu em um abraço inesperado, o que me assustou um pouco. Mas retribuí, sentindo sua calorosidade.
— Sou , muito prazer — falei ao olhar para ela novamente. — Mas... dançarina dos sonhos?
— A gente te chama assim quando estamos com o Harry — ela sorriu, ainda segurando minhas mãos.
— Harry vai matar a gente falando disso... — Jeff passou a mão pela cintura da namorada. — , só esquece o que você ouviu, ou nosso amigo vai desfazer uma amizade de anos.
— Já esqueci, então — gargalhei com Glenne. — Ah, essas são minhas amigas, Amber e Kelsey — apontei para as meninas.
— Feliz que as trouxe. Muito prazer, meninas — ela tratou de abraçá-las também. — O show já vai começar. Vou ficar com o pessoal por um tempo, depois volto pra ficar com vocês, tá bem?
— Podem ficar à vontade, nem se preocupem. Estamos muito bem aqui!
Observei eles irem de encontro com as outras pessoas do lado oposto do camarote. O ambiente foi ficando mais escuro, indicando que estava mais próximo do começo do show. Eu realmente não esperava esse acolhimento em nenhum momento, mas que bom que estava sendo surpreendida positivamente. Achei que ficaríamos encolhidas em um canto sem conseguir interagir com ninguém.
— Você vai sair daqui melhor amiga dos melhores amigos dele — Kels disparou. — Já te disse o quão sortuda você é?
— Eles estão sendo simpáticos, apenas. Para de inventar fanfic! — falei rapidamente.
— Eu não estou nem aí pra isso, quero saber é se posso tietar o Shawn Mendes. O homem é um gostoso! Que meu namorado nunca escute isso... — Amber se benzeu, e eu ri de seu desespero.
— Acho que podemos, mas não agora, né? Fica muito na cara.
— E aquela é nada mais nada menos do que Kendall Jenner, senhoras e senhores — Kels apontou com o olhar. — Vocês sabiam que ela namorou Harry?
— Sim, eu lembro dos tempos da One Direction, cada namorada dos garotos — soltei, um pouco insegura. — Mas você acha que eles ainda têm algo?
— Não! Ele estava namorando recentemente, mas nunca se sabe... Vai que a amizade deles é tipo a sua com o Chad — ela deu de ombros. Fiquei pensativa, observando de soslaio a modelo que conversava animada com Jen Atkin.
— Gente, vai começar! — Amber nos cutucou.
Um grande cubo mágico apareceu no telão com uma melodia conhecida e, logo em seguida, acompanhada da frase “Should we just search romantic comedies on Netflix?”. Pronto. Depois dessa frase memorável, começava a introdução de Only Angel. E a arena inteira eram gritos e choros acompanhados de “eu te amos” por aquele artista que era tão esperado naquela noite.
Harry surgiu com um terno preto repleto de detalhes dourados. Definitivamente ele estava brilhante naquela noite. Caminhou pelos dois lados do palco, soltando beijos para os fãs antes de começar a cantar. Ele estava enérgico, dançando de um lado para o outro sempre com simpatia, cumprimentando seus fãs e com vocais perfeitos, assim como ele. No final da primeira música, pedia mais palmas e gritos com um sorrisinho convencido, que, com certeza, já era comum dele.
A segunda música foi logo emendada, Woman, com letra melancólica e acordes sensuais. Uma mistura bem a cara dele e diferente do restante de suas músicas. Ao final dela, Harry resgatou seu violão e introduziu seu primeiro speech da noite:
— Boa noite, Los Angeles. Bem vindos ao último show. Meu nome é Harry...
— Eu não entendo por que ele sempre fala o nome dele quando claramente todo mundo sabe — Kelsey gritou nos nossos ouvidos, e eu ri em resposta.
— Ele gosta de se autoafirmar — eu disse, sorrindo.
— … Nós temos um único trabalho essa noite, e é entreter vocês. Prometo que faremos nosso melhor. Vocês também têm um trabalho de ter a melhor noite das suas vidas. Se quiserem cantar, dançar, por favor, sintam-se livre para fazerem o que quer que seja e serem quem vocês são essa noite.
Eu conseguia entender a euforia de todas aquelas meninas, porque, na época da One Direction, eu me sentia exatamente assim quando qualquer um daqueles garotos eram fofos. Mas Harry parecia um lorde com aquelas falas. Ele realmente tinha se transformado num verdadeiro artista, um verdadeiro rockstar.
As próximas músicas foram lentas, com letras cheias de histórias. Ever Since New York foi tocada com ele na guitarra acústica. Durante os versos, Styles dava pequenos sorrisos que ampliaram suas covinhas, o que deixava aquele ser humano mais bonito ainda.
Em Two Ghosts, ele trocou a guitarra por um violão preto e alguns detalhes roxos, com a mesma voz rouca e apaixonante. Eu acompanhava a letra no meu mundo, de olhos fechados. Amava aquelas letras mais calmas. Mas logo Harry emendou com Carolina, mais agitada, fazendo a arena ficar mais animada – se é que poderia ficar mais –, principalmente quando ele chegou perto de Mitch, e os dois tocaram juntos o final da canção.
— ... Como estão se sentindo? — ele perguntou, acompanhado de gritos. — … Se vocês lembrarem dessa música, por favor, cantem comigo.
E quando os acordes de Stockholm Syndrome iniciaram, eu pulei empolgada, remetendo aos meus dias de adolescente directioner. Cantava com todo ar que tinha no meu pulmão, feliz da vida com aquela letra. Segurei minhas amigas pelo pescoço enquanto cantávamos juntas, sendo completamente livres naquele momento.
— Dessa eu me lembro nitidamente! — gritou Amber.
— A próxima música eu escrevi alguns anos atrás, quando a entreguei para uma mulher cantar lindamente. Mas, Los Angeles, hoje irei tomá-la de volta... Essa é Just a Little Bit of Your Heart.
Era uma música escrita por Harry que foi dada para Ariana Grande e que tinha uma letra tão linda que dava vontade de estar apaixonada. Sabe aquelas histórias que você é um completo tolo pela pessoa, metendo-se num triângulo amoroso? Pelo menos era como eu conseguia ler a música.
Em seguida, os acordes mudaram novamente para algo mais pesado. Sexy. Libertino. Ele despejava todo seu desejo sexual naquela música. Era excitante ouvir o jeito que ele cantava, sua voz um pouco rouca falando sobre sexo oral. Harry dava pequenos sorrisos safados durante vários trechos, porque ele sabia o que causava nas milhares de garotas/mulheres – e homens – naquele recinto. Aparentemente, essa música não estava no álbum…
— Tá me dando vontade de transar — falei para as meninas, com uma cara desesperada.
— Nem me fale, essa música cantada por ele exala sexo. Vou correr pro meu namorado quando chegar em casa — disse Amber um pouco transtornada, o que nos fez rir.
Meet Me in the Hallway foi tocada e era uma das minhas favoritas, por ser dolorosa e mostrar o quão vulnerável Harry era, mesmo parecendo o contrário. Eu até gostaria de saber a história por trás daquela. Como ele poderia sentir tanta dor por alguém a ponto de precisar de morfina para amenizá-la?
Ele passeou pelo meio dos fãs após a canção, até que senti uma mão pegar meu braço. Olhei para o lado e vi Glenne sorrindo.
— O que está achando do show? — ela perguntou.
— Estou adorando, precisava disso para me distrair um pouco.
— É para isso que Harry faz isso! — ela apontou para ele, que estava caminhando cheio de flores em seus braços.
— Ele é sempre assim? Digo, na vida real? — perguntei, atônita com tudo que estava vendo.
— Gentil, sexy e amoroso? — ela perguntou novamente, e eu assenti. — Sem tirar nem pôr...
Os acordes de Sweet Creature tocaram e eu me lembrava de quando a escutei pela primeira vez. E do mico que paguei quando disse o nome da música errado.
— O que você faz da vida? — indaguei a Glenne, que estava observando o show. Ela direcionou seu olhar para mim.
— Sou líder de negócios de relações com artistas da Apple Music. Basicamente, minha missão é criar estratégias de comunicação junto com a equipe para atrair o público para a empresa.
— E você também tem que manter uma relação com o artista para que ele não “perca interesse” pela empresa?
— Também! Demanda muita paciência, sabe? Mas eu amo o que faço — seus olhos eram bastante expressivos e parecia que sorriam junto quando ela falava.
— Imagino que sim!
— Eu já sei o que você faz, mas posso perguntar algo?
— Claro que sim.
— O que você ama sobre ser dançarina?
— Acho que ninguém nunca me perguntou isso, mas acho que o poder de me expressar através do meu corpo... Não sou muito boa com as palavras, então a dança ajuda — dei de ombros.
— Duvido, . Só com essa resposta, você prova que é boa com elas — Glenne completou, sorrindo, me fazendo pensar que talvez ela estivesse certa.
Passamos mais algum tempo conversando. Glenne era uma mulher incrível e conseguia me levar a assuntos que eu jamais pensaria em conversar durante um show, como por quê ela e Jeff não poderiam ter um cachorro no momento atual de suas vidas profissionais; ou quando estava relatando a história de quando viajou sozinha pela primeira vez à trabalho, passando vinte minutos conversando com alguns clientes com a camisa social aberta, mostrando praticamente todo seu sutiã. Ela parecia tímida em alguns momentos, mas senti que a amiga de Harry queria me fazer sentir confortável naquele ambiente.
Paramos para aproveitar um pouco o show quando Styles estava cantando Girl Crush no meio do palco entre os fãs, o que deixava tudo mais incrível. Ele tinha um carisma de dar inveja a qualquer famoso, isso era inegável.
Não deixei de perceber que ele interagia sempre com os fãs, inclusive algumas brasileiras que estavam perto do palco.
— Vocês vieram do Brasil? Então posso dizer... “Boa tarde? Beleza? Obrigado? Obrigada?”
— Você é daqui de Los Angeles? — perguntei a Glenne.
— Sim! Desde sempre, e você?
— Na verdade, sou meio brasileira e meio americana. Me lembrei um pouco do meu pai quando vi o Harry falando agora com aqueles fãs.
— Eu nunca fui, mas falam sempre tão bem do Brasil para mim. Quero passar férias lá um dia.
— Você vai adorar, principalmente se gostar de praias. As do nordeste são as melhores, mas ninguém nunca fala delas para os estrangeiros.
— Você já pode ser minha guia turística quando eu for!
Já no final do show, a música Sign Of The Times deixou um tom mais melancólico, principalmente quando o público gritou mais alto a parte “Welcome to the final show”, o que fez Harry se emocionar um pouco. E antes que passasse para a próxima música, ele quis novamente falar mais um pouco com a plateia:
— Primeiro de tudo, tem algumas pessoas que não vemos no palco. Eles chegam bem antes da minha chegada e saem bem depois da minha partida. Eles trabalham incontáveis horas, e a hora que eles dormem é muito, muito contável. Se essas pessoas do backstage não existissem, esse show não aconteceria. Eu não aconteceria. Então, por favor, batam palmas para toda minha equipe fora e dentro do backstage!
E toda a arena fez o maior barulho para homenagear todos os funcionários que trabalhavam duramente para que todo aquele espetáculo acontecesse.
— … E para terminar, eu gostaria de agradecer aos meus amigos, minha família e meu manager, Jeff, por acreditar em mim. A primeira vez que ele me trouxe para o The Forum foi em janeiro de 2014. Era o show do Eagles, e ele passou para a passagem de som. Entramos por aquele corredor e foi a coisa mais bonita que eu vi na minha vida. Naquele momento, eu sabia que queria me apresentar aqui algum dia. E isso me leva ao quarto agradecimento e mais importante. Esse tipo de coisa não acontece para pessoas como eu na vida real, e a única razão pela qual eu consigo fazer esse trabalho é por cada um de vocês que estão aqui hoje, ou para aqueles que estiveram em alguma arena pelo mundo durante essa turnê. Meus verdadeiros fãs, eu amo vocês. Muito obrigado, vocês mudaram a minha vida. Obrigado, obrigado, e eu prometo que vou voltar em algum momento próximo.
— Assim fica fácil se apaixonar...
— Eu sei... — respondeu Glenne ao meu lado, sorrindo, e eu só queria arrumar um buraco para me esconder.
— Meu Deus! Eu disse isso em voz alta? — passei minhas mãos pelo rosto, tentando esconder a vergonha.
— Fica tranquila! Eu não conto pra ele — ela deu uma piscadela.
Harry tocou mais algumas músicas antes de terminar o show, mas foi a última que mais me chamou atenção e me tirou a lucidez. Ele deu todo o fôlego que ainda lhe restava para cantar três vezes Kiwi. Eu sabia a letra tão decorada, com a coreografia tão vívida na minha memória, que não deixei de cantar o mais alto que pude. Talvez ele tenha lembrado do meu vídeo para cantar tantas vezes, ou talvez só não queria que a turnê acabasse! E eu imaginava o porquê. Depois de ver o que Harry fazia no show, acho que ficava um vazio dentro de si, sem ver tanta gente gritando suas músicas do fundo do coração.
Glenne despediu-se de mim por enquanto para falar com algumas pessoas, e eu voltei a ficar ao lado de Kelsey e Amber. Foi quando, mais uma vez, escutei Styles despedindo-se dos fãs:
— Beijinho. Obrigado por nos assistirem, foi um prazer tocar para vocês. Estou saindo para escrever mais algumas músicas, espero vê-los novamente em breve. Agradeço a minha banda, equipe e todos que tornaram essa turnê tão incrível. Trate as pessoas com bondade. Adeus por agora. Eu amo todos vocês.
E ele se despediu juntamente com a banda e deixou o palco. As meninas cochichavam atrás de mim, e eu não entendi o porquê.
— Posso passar, por favor? — ouvi uma voz um pouco fina atrás de mim. Virei meu corpo para ver quem era e me deparei com Kendall.
— Claro, fique à vontade — respondi com um tom irritado pela forma que ela falou.
Observei a amiga dela sorrir para a gente, nos cumprimentando, e eu acenei de volta com um sorriso enquanto elas passavam por nós.
— Agora é o momento de pedir foto para o Shawn, e vocês não vão me segurar — disparou Kels.
— Eu também quero! — disse Amber.
O cantor estava tirando foto com alguns fãs que conseguiam entregar seus celulares para ele, e ele gentilmente tirava as selfies. Quando Shawn passou por nós, nos cumprimentou educadamente, e as meninas logo o emboscaram.
— Você poderia tirar foto com a gente? — perguntou Kels.
— Claro que sim! — ele disse, sorrindo. E que sorriso!
Shawn tomou o celular que Kelsey entregou em sua mão e pôs o braço no alto para tirar a foto.
— Obrigada pelo carinho, garotas! Boa noite.
— Boa noite, Shawn — respondemos em conjunto.
Ficamos conversando por mais alguns minutos enquanto a arena começava a esvaziar em pouco tempo. Observei o camarote ficar vazio, e Glenne e Jeff passaram por nós.
— E aí meninas, gostaram do show? — o homem perguntou.
— Amamos! — Kels respondeu, e todas assentimos.
— Podemos ir para o backstage, se vocês quiserem.
— Claro!
Ele seguiu caminho com Glenne em seu encalço pelo corredor à direita, e eu os acompanhei. Olhei para trás e vi as meninas ainda paradas, o que achei estranho.
— Vamos, gente! — chamei por elas.
— Amiga, a gente tava conversando e decidimos ficar te esperando aqui fora — falou Kels.
— Ué, por quê? — demonstrei confusão, olhando para as duas.
— Sei lá, amiga — continuou Amber. — Acho que é um momento seu com Harry. Ele que te convidou. Sério, a gente fica aqui tranquila te esperando.
— Tá bem, me avisem qualquer coisa.
A namorada do manager me puxou pela mão e me guiou por dentro da arena, até eu visualizar um corredor maior com várias portas. Muitos funcionários andavam de uma lado para outro, arrastando equipamentos e desmontando o lugar o mais rápido possível para poderem ir para casa. Imagino que deveriam estar loucos por alguns meses sem ter que estar todo dia na estrada.
Paramos numa porta que tinha uma plaquinha branca colada com o nome do Harry em preto. Jeff bateu na porta e ouvimos a voz do cantor anunciando que poderíamos entrar. Jeff se afastou e acenou para que as mulheres entrassem primeiro.
— Oi, Harryzinho... — a morena foi em direção a ele, o abraçando.
— Hey, Glen... — ele retribuiu o abraço com os olhos fechados, e, quando os abriu, notou a minha presença.
— Hey, dono da noite! — sorri e acenei, e ele veio em minha direção para um abraço.
— Você veio!
Harry vestia uma camisa branca de manga curta e uma calça pantalona da mesma cor. O cabelo estava um pouco bagunçado, mas sempre impecavelmente arrumado e lindo. Inalei parte de seu perfume quando nos abraçamos, e acho que nunca senti um homem tão cheiroso em toda a minha vida.
— Claro que sim, ou acha que iria perder você cantando Sweet Creature? — inclinei a cabeça e sorri, já sabendo o que ele falaria em seguida.
— Você realmente aprendeu o nome da música, estou simplesmente chocado — gargalhou, e as malditas covinhas apareceram.
— Harry, vamos nos despedir de algumas pessoas. Quando quiser ir embora, você fala, ok? — Jeff falou atrás da gente. Virei meu corpo em direção a eles, me colocando ao lado de Styles.
— Sim, acho que vou ficar um tempo ainda com o pessoal no backstage.
— Tudo bem. , foi um prazer... — o homem falou novamente.
— Gente, o prazer foi meu. Obrigada por terem me recebido tão bem no camarote, de verdade.
— Não foi nada, dançarina dos sonhos. Não suma! Adorei você — Glenne disse com um sorriso sapeca no rosto e, por fim, eles saíram do recinto, nos deixando sozinhos.
— Poderia saber o porquê da “dançarina dos sonhos”? — perguntei a Harry, com a cara confusa.
— A Glenne é assim mesmo, vem, senta aqui — ele tratou logo de mudar de assunto e mostrou o sofá branco que estava a alguns centímetros da gente.
Agora que estava sentada, passei meus olhos pelo camarim e percebi que tinha muitas coisas pessoais dele espalhadas pelo local. Acredito que ele fazia aquilo para se sentir mais confortável e “em casa”.
— Você quer uma cerveja ou água? — Harry ofereceu, ao lado do frigobar.
— Uma cerveja, por favor.
— Cadê suas amigas? — ele perguntou, me entregando uma cerveja e sentando-se ao meu lado.
— Obrigada! — agradeci pela cerveja. — Na verdade, elas quiseram esperar lá fora, acho que vamos sair depois. Viemos para Inglewood hoje à tarde e voltamos amanhã à noite.
— E o que pretendem fazer? — ele deu um gole na água quando também dei um na minha cerveja.
— Acho que vamos beber algumas cervejas, nada de mais. Mas então, eu preciso perguntar ou vou me esquecer…
— Pode me perguntar qualquer coisa, — ele estava inclinado em minha direção; o cotovelo apoiado no sofá, e suas mãos, fechadas em sua frente. Seus dedos, por sinal, estavam cheios de anéis lindíssimos.
— Como você sai de uma música extremamente triste para outras tão enérgicas e, inclusive, bem sexuais em tão pouco tempo? Eu achei surreal de incrível — dei mais um gole na minha bebida.
— Como você se cura de um coração partido? — ele me perguntou, abrindo um sorriso lateral.
Seus olhos não desviavam dos meus em nenhum momento. Eu conseguia fazer suposições da personalidade de alguém me baseando se elas nos olham nos olhos ou se desviam o olhar durante uma conversa, e devo dizer que o homem na minha frente estava passando no teste. Eu não sabia se ele era sempre assim, mas Styles me olhava com o corpo totalmente inclinado para mim, como se ele estivesse interessado na conversa. Isso era algo que eu admirava, porque eu mesma era assim com a maioria das pessoas.
— Faz tempo que isso aconteceu comigo, mas com sexo — comentei. Ele simplesmente deu de ombros, com um riso tímido entre os lábios enquanto concordava com minha resposta.
— Você é uma heartbreaker, ? — sorriu.
— Nunca! Por que acha isso de mim, Styles? Eu sou um anjo — coloquei minha mão livre embaixo do meu queixo, numa tentativa de mostrar fofura.
— Eu não estou acreditando muito nisso — ele gargalhou.
— Você fala como se não tivesse quebrado diversos corações ao redor do mundo...
— Eu nem sou isso tudo — ele não se gabou e, naquele momento, desviou o olhar, algo que me intrigou. Porém, logo tratou de mudar de assunto: — Mas o que achou do show? Cantei Kiwi mais de uma vez. Além de ser uma das favoritas dos fãs e mais enérgicas, sabia que você gostava.
— Eu não queria jogar meu lado narcisista para jogo hoje, mas acho que eu sabia.
Harry gargalhou e eu o acompanhei.
— Por que eu sentia que você ia trazer isso à tona?
— Porque nós temos essa personalidade egoica em comum — respondi, e ele balançou a cabeça, concordando.
— AH! Tem uma música que eu tenho certeza que deve estar em qualquer playlist de sexo no Spotify... Algo sobre sonhar com seu gosto ao dormir... — falei e ele sorriu, já sabendo qual seria a música.
— É Medicine. Ela nunca foi lançada, eu apenas canto nos shows. Então você gostou dela? — Styles colocou um sorriso safado no rosto. Eu ri em resposta, colocando a boca da garrafa nos lábios ao me lembrar da cena de vê-lo cantando.
— Claro! Eu gosto de músicas que afloram as minhas emoções.
— Faz sentido. O jeito que você dançou Kiwi… Eu fiquei chocado! O que estava se passando em sua cabeça?
— Isso não posso responder, mas você pode imaginar — sorri timidamente, deixei a cerveja de lado e voltei para ele de novo.
Ficamos um tempo nos encarando. Harry umedeceu os lábios, passando a língua entre eles. Era a segunda ou talvez terceira vez que eu citava a palavra sexo nessa conversa ou insinuava algo de teor sexual. Não era algo que eu planejava, mas, quando ficava nervosa nesse tipo de situação – na qual me sentia atraída fisicamente por alguém –, sempre me recorria para a parte carnal. Isso poderia assustar as pessoas, ou não. Era um risco que eu corria.
Senti a mão dele retirar o fio de cabelo que estava na frente do meu olho e senti a frieza dos seus anéis tocar rapidamente o meu rosto, o que me causou um certo arrepio. Não consegui desviar meus olhos dele por nenhum momento. Senti seu corpo se inclinar mais próximo do meu, e fiz o mesmo em sua direção. Mas, ao ouvir a porta ranger, nos afastamos.
— Desculpa, Harry, não sabia que estava com alguém — vi uma mulher com olhos arredondados e verdes bem claros, com o corpo ainda atrás da porta.
— Não tem problema. Entra, Sarah! — ele se levantou do sofá e a puxou pela mão até mim, então também me levantei para cumprimentá-la. — Essa é .
— E você é a dona da banda e o Harry só canta nela. Acertei? — ela olhou de mim para ele.
— Eu já amei ela! — falei e Styles gargalhou, revirando os olhos.
— Eu sei quem você é. Eu que te encontrei no Instagram para esse daqui — Sarah apontou para ele. Em seguida me abraçou, e eu retribuí.
— E eu achando que ele que teve todo trabalho de me stalkear.
— Ah, mas ele fez isso depois e...
— Ok, só esquece isso que ela falou! — Harry a puxou para perto, tentando fazê-la não falar mais nenhuma besteira. Eu só conseguia rir. — O que você precisava me falar, Sarah?
— Na verdade, estávamos atrás de você para ficar pelo backstage mesmo, antes de todos irem embora. Nada de mais, já vou voltar pra lá.
Olhei a hora no meu celular e vi as notificações das meninas, o que me fez despertar para não me demorar mais.
— Eu vou pra lá depois — Styles avisou, e a mulher assentiu.
— Vou indo. Foi um prazer te conhecer, ! — ela disse e saiu pela porta, fechando-a.
— Harry, não quero te atrapalhar. Você deveria ir, as meninas estão me esperando lá fora...
— Você não está atrapalhando, . Não vá agora...
— Tá tudo bem, eu realmente tenho que ir. Muito obrigada pelo convite, foi maravilhoso. Você é um artista incrível! — o abracei pelo pescoço e senti suas mãos nas minhas costas. Ele me apertou um pouco mais próximo, até que nos soltamos.
— Obrigado por vir. Podemos nos encontrar qualquer dia desses?
— Claro, a gente combina algo! Tchau — falei, dando uma última olhada nele. Depois, saí pela porta.
— Vocês estavam muito perto? Tipo, MUITO? — Kels gritava no meio do bar.
Estávamos na Three Weavers Brewing Company, uma famosa cervejaria artesanal da região. O local era rústico, com praticamente todos os móveis feitos de madeira. Decidimos ficar ao ar livre para aproveitar mais a brisa noturna, onde tinha uma maior concentração de gente e onde podíamos interagir com outras pessoas.
— Sim, amiga, mas acho que o melhor que poderia ter acontecido foi a Sarah entrar naquele camarim. Ia ser muito precipitado — dei um gole grande na minha cerveja, terminando o restante do copo.
— Muito estranho você falar isso, mas devo concordar — disse Amber.
— Vocês sabem como eu fico quando estou nervosa.
— Só fala de sexo! — Kels comentou.
— Exatamente. Parecia que eu não tinha mais nada para falar além daquilo. Não sei nem se ele vai falar comigo de novo.
— Mas as pessoas que estavam ao redor dele pareciam conhecer você. Então Harry falou de você para eles, acho que isso já é alguma coisa.
— Eu nem sei por que tô tão preocupada com isso. Enfim, vou pegar outra cerveja, volto já — me levantei do banco que estávamos e segui para a parte interna do bar.
Segui em direção às torneiras e pus meu cartão no visor, esperando que a bebida fosse liberada logo em seguida. Esperei que o copo enchesse e passei meus olhos pelo ambiente, parando em uma mulher que me encarava a alguns metros. Aparentemente estava sozinha, sentada próximo ao balcão de atendimento. Tinha a minha altura, olhos curiosos e um cabelo loiro de dar inveja. Terminei de encher meu copo e fui em direção ao balcão, sendo acompanhada pelo olhar dela.
— A gente se conhece de algum lugar? — perguntei, quando a vi virar o corpo em minha direção.
— Não, eu estava flertando com você mesmo — ela sorriu sem mostrar os dentes.
— Uau! Você é direta! — gargalhei.
— Peter! Traz duas doses de tequila, por favor — ela sinalizou para o barman, que logo colocou os dois copinhos em nossa frente.
— Qual seu nome?
— Sol, e você?
— Pode me chamar de .
— Ok, . Tome sua dose, coloque o sal na mão — ela colocou o sal na parte de cima da minha mão. — O limão você não vai precisar.
— Por quê? — achei estranho.
— Só confia em mim, esse é meu jeito de tomar tequila. Saúde!
Passei a língua no sal e, em seguida, coloquei o líquido para dentro, sentindo minha garganta arder um pouco. Senti uma mão na minha cintura, olhei para frente e a loira estava mais próxima de mim. Encarei seus olhos azuis brilhantes e ela me beijou. Seus lábios eram tão macios que pareciam um algodão-doce. O sabor do seu gloss se misturava com o álcool que havíamos acabado de ingerir, trazendo um doce para minha boca. Coloquei uma mão em seu pescoço, enquanto a outra acariciava sua cintura por baixo do casaco, onde pude sentir sua pele se arrepiar. Antes que pudesse aprofundar o beijo, Sol me puxou para um corredor atrás dos banheiros e me prendeu na parede.
— O limão foi trocado pelo beijo, então? — perguntei.
— Sim, gostou?
— Acho que eu nunca teria uma ideia tão genial!
Trocamos mais alguns olhares e eu a beijei novamente, já sentindo o calor subindo por todo meu corpo. Eu não saberia identificar se era a tequila no meu organismo ou simplesmente o tesão que estava sentindo. Ela aprofundou sua língua na minha boca quando passei minhas mãos da sua cintura para sua bunda, que era tão linda que parecia um pêssego. Até que ouvimos algumas vozes e nos separamos.
— Acho que devemos voltar — falei, olhando para seus lábios inchados.
— Ok — ela me deu um selinho.
— Estou com duas amigas numa mesa, você quer sentar conosco?
— Não, na verdade, eu já vou. Bebi demais por hoje, e amanhã tenho um voo cedíssimo.
— Ok, qualquer coisa, esse é meu número — puxei o celular dela de seu bolso e digitei o meu contato.
— Qualquer dia que eu estiver por L.A., te ligo — Sol piscou para mim e andamos até o lado de fora.
Quando cheguei na mesa, acenei para ela e vi as caras irritadas das minhas amigas.
— Me perdoem — pus minhas mãos juntas, pedindo para que elas me desculpassem.
— Você tem que ter uma justificativa muito boa, sério! — Amber disse num tom ríspido.
— Eu estava beijando aquela mulher que acabou de falar comigo.
— Tá desculpada! — as duas responderam rápido, e eu gargalhei em resposta.
— Acho que podemos ir, já bebemos o bastante por hoje — Kels falou e concordamos.
Pagamos tudo e chamamos o Uber, chegando no hotel em poucos minutos. Tirei toda a minha maquiagem e escovei os dentes enquanto passava o olho pelo meu feed. Harry havia postado uma foto despedindo-se da turnê. Ele estava com um óculos rosa grande demais para seu rosto e mandava um beijo para a câmera. Curti rapidamente e bloqueei a tela.
Deitei na cama gostosa do hotel e senti o celular vibrar. Era uma mensagem dele.
Harry
Você está livre no sábado? 1:30am
Sim, para onde vamos? 1:31am
Capítulo 5 –I’ve had the time of my life
A primeira vez que dancei para uma plateia relativamente grande – de quinze pessoas –, eu sabia que seria péssima e iria errar. Mas lembro como se fosse hoje o que o professor me aconselhou: “Se você errar, faça uma expressão facial de acerto e ninguém saberá que errou”. Então, eu tentava manter em mente que um primeiro encontro era exatamente do mesmo jeito.
Não me lembrava nitidamente da última vez que me submeti a um date, e sempre que tive a oportunidade de evitar essas situações, acredite, eu as evitava. Porque os encontros sempre teriam essa atmosfera embaraçosa, sempre seriam chatos ou sufocantes demais; no entanto, aquele me parecia diferente de alguma maneira.
— Primeiro... — Kels começou a aconselhar.
— Nunca pare de sorrir — Amber continuou.
— E segundo, sempre esteja preparada...
— … para algo inesperado — eu concluí.
— Aprendeu direitinho — Kels bateu palmas, claramente mais animada que eu mesma para o date. Eu estava um pouco nervosa, mas não de um jeito desesperador.
Segui até a cozinha com elas em meu encalço, enchendo minha cabeça de dicas e ideias de papos, e eu sabia que não precisaria disso. Sentia que ia tudo muito bem e obrigada dentro da minha cabeça.
Harry não fazia o tipo que eu precisaria pensar em ideias mirabolantes de histórias para manter uma conversa. Não precisaria disso para preencher algum silêncio. Ia fluir.
Abri a geladeira e procurei a tequila que mantínhamos ali para ocasiões de emergência.
— Não me diga que você vai... — Ambs nem precisou terminar de falar para que eu colocasse o bico da garrafa na boca e tomar um gole.
— Você está ficando maluca?
— Eu precisava ficar mais leve, vocês tão falando muito, tá me deixando estressada. Tava tudo tranquilo antes de todos esses conselhos.
— Você que pediu e precisava, até porque, , você nunca vai em encontros…
— Eu sei de tudo isso, mas sempre vou fazer o contrário do que vocês falam, então... — dei outro gole na bebida e a coloquei de volta na geladeira.
— Pronta?
Pisquei algumas vezes, tentando lembrar de algo que poderia ter esquecido.
— Acho que sim! Me desejem sorte — peguei minha bolsa e saí pela porta.
First dates costumavam ser constrangedores, então o que quebraria gelo numa situação assim, se não um lugar exótico? Não imaginei outro lugar quando ele me pediu uma sugestão. No primeiro instante, Harry achou que eu estava brincando, mas o convenci quando lhe contei um pouco de como aquele lugar era apenas ousado em relação aos demais.
— Você não planejou me matar e enterrar aqui, né? — Harry parou de caminhar e me olhou desconfiado.
— Com certeza, já imaginou? Você sendo enterrado ao lado de Johnny Ramone?
— É uma honra, realmente... Mas isso pode esperar mais um pouco — pronunciou, brincalhão.
Era estranho que um lugar onde enterravam-se pessoas fizesse tanto sucesso a ponto de virar atração turística, mas em Los Angeles tudo era possível. Localizado em Santa Monica Boulevard, Hollywood Forever era um dos cemitérios mais famosos dos Estados Unidos, onde as maiores estrelas da Era de Ouro de Hollywood descansavam depois da morte. O lugar vasto possuía uma área verde admirável, e passou a ter um roteiro turístico contando as histórias de algumas celebridades que descansavam ali. Inclusive, aos sábados, quando o sol se punha, o cemitério transformava-se em um cinema ao ar livre, onde os espectadores exibiam suas toalhas vermelhas de piquenique estiradas na grama bem cuidada para assistir aos filmes antigos.
— Pronto para nossa mini tour? — minha voz saiu um pouco mais alta pela empolgação.
— Por que mini? — ele levantou uma das sobrancelhas.
— Eu só conheço duas histórias de falecidos — sorri tímida, admitindo.
— Tudo bem, estou pronto! — esfregou as mãos, mostrando estar ansioso.
Estávamos andando pela área de concreto. Ao nosso redor, as sepulturas se tornavam belas ao misturar-se nas árvores altas, robustas e mais verdes que eu pudesse imaginar. Os arbustos e canteiros de flores bem cuidados traziam cores a mais ao local. E, de longe, dava para avistar a grande parede branca onde passavam-se os milhares filmes do Cinespia.
— Como falamos dos Ramones, você sabe da história do triângulo amoroso que ocorreu na banda? — paramos em frente à sua sepultura.
— Não, por que não me conta? — perguntou com sua voz mansa.
— Você sabe como era a personalidade deles?
— Sim, Joey era um hippie complexo, de esquerda, enquanto Johnny era republicano de direita. Eles eram literalmente opostos, nem sei como se suportavam!
— Eu também não sei como funcionava essa amizade. Até o jeito deles se portarem na banda tinha essa diferença discrepante. Mas voltando pro triângulo... Uma linda mulher chamada Linda Daniele começou a namorar Joey. Ela era conhecida pela banda desde um show que foi realizado na cidade de Nova Iorque, mas foi quando eles lançaram o filme Rock 'n' Roll High School que engataram um romance.
— E o plot da história?
Eu gargalhei em resposta.
— Vem agora! Depois de três anos de namoro, de repente Johnny se aproximou de Linda e ela trocou o vocalista pelo guitarrista. Segundo eles, não rolou traição, mas nunca se sabe… Daí eles se casaram e permaneceram juntos até a morte dele.
— É por isso que chamavam ela de Yoko Ramone? — Harry estreitou os olhos, e eu assenti com a cabeça, gargalhando.
— Uma bela associação de personalidades, hein? Pois bem, os “amigos” — levantei as mãos para indicar as aspas —, mesmo não se falando, mantiveram-se na banda por doze anos.
— Inacreditável você conseguir trabalhar com alguém dessa forma, sem falar uma mísera palavra... Deve ter sido por isso que Zayn não quis continuar na banda, você sabe... — assenti, o encorajando a continuar. — Ele não tinha mais o vínculo de antes com a banda. Claro que não foi nada com mulheres, mas era um sentimento esquisito, um ambiente estranho, sei lá, não conseguiria definir.
— Você ainda mantém contato com ele?
— Não, não. Eu sou muito transparente, . A maneira como tudo aconteceu não me deixou nada feliz, porque parecia ser o motivo de toda a angústia que ele sentia, mas não era isso. A atmosfera toda daquela indústria pesava o clima, mas a gente merecia muito mais como amigos dele, sabe? — senti sua voz trêmula; a situação definitivamente ainda era um ponto frágil para ele.
— A ingratidão é um dos piores sentimentos que alguém pode sentir por alguém.
— Eu concordo com você — ele soou pensativo. — Bom, você tem tempo de mais uma história antes do filme começar — disse, checando o relógio.
— Judy Garland!
— Dorothy Gale em O Mágico de Oz — ele respondeu.
— Exatamente! Ela fez outros trabalhos, mas esse especificamente alavancou sua carreira ao mesmo tempo que, infelizmente, foi a ruína dela. A mãe de Judy era muito controladora, e a partir do momento que ela conseguiu o papel como Dorothy, a agência tinha que mantê-la sempre numa silhueta infantil por causa do personagem. Então, ela fazia uma dieta restritiva ao extremo, na qual ingeria um bowl de sopa de frango e café preto.
— Só?! — Harry indagou, assustado.
— Sim, infelizmente, e ela fumava muito pra despistar a fome. Tipo quatro maços de cigarro por dia, sabe?
— MEU DEUS! Que absurdo! Eu acredito que hoje em dia existe isso, mas não nesse nível... — ele cobriu a boca com as mãos, abismado com a história.
— É, hoje em dia existe uma abertura maior para pautas desse tipo, mas no mundo da dança ainda existe muita pressão estética em relação ao peso.
— Em geral, pessoas que trabalham com a imagem devem estar esteticamente padronizadas, e isso acaba com a saúde mental das pessoas. É bizarro...
— Também acho! E é sempre o mesmo papo de que, se você não se manter num padrão específico, você não consegue alguns papéis em filmes. Na dança, você não conseguiria realizar determinado movimento e claramente não é assim. As pessoas adoecem outras com suas concepções loucas!
— Judy morreu de overdose, tô certo? — o observei coçar o nariz, me distraindo um pouco.
— Ah, sim! Overdose de barbitúrico aos 47 anos — parei um pouco para admirar o pavilhão dedicado à atriz. — O ritmo de trabalho dela era sinistro, tanto que chegou a ficar três dias seguidos trabalhando. O que a mantinha em pé era anfetamina e adrenalina. Quando ela acabava as gravações, sempre estava muito acelerada, ligadona, sabe? Então ela necessitava de mais drogas para dormir, no caso dela: barbitúricos. Mas era um sono entre quatro e cinco horas, e após acordar, já entupiam ela de mais drogas pra voltar a trabalhar.
— A vida dela foi horrível, e pensar que tudo o que ela queria era viver um sonho.
— Pois é…
— O que você quer escrever? — Harry parou em frente ao livro de visitas e esperou que eu chegasse ao seu lado.
— Hmmm... — pus meus olhos na vitrine com os objetos dela. — Não sei — olhei de lado, observando que ele já escrevia algo. — Você que é bom com as palavras, até escreve umas músicas — gargalhei, quando ele revirou os olhos e sorriu. — Pode adicionar que eu torço para que ela esteja em um lugar de paz.
Me aproximei dele, passando meus olhos pelo caderno em nossa frente, e tudo que consegui notar do seu recado foi “All the love, + ” ao final. Sorri refreado quando senti seu braço me envolver de lado e me arrastar para o lado de fora do pavilhão.
Nunca fui acostumada com carinhos repentinos ou aproximações corporais. A verdade é que atitudes como essas me deixavam extremamente desconfortáveis. Eu não saberia explicar o porquê, mas era como eu me sentia com demonstrações de afeto.
Mas naquele momento não.
Talvez porque Harry sempre fazia questão de prestar atenção em tudo que eu falava, e, consequentemente, eu me via nessa ambiência confortável. Talvez porque sabia que aquela aproximação não tinha uma intenção carnal. Sentia que era por uma gentileza, cuidado, e isso que me deixava surpresa. Eu estava confiantemente liberta, independente de como eu agisse e falasse, porque ele me permitia. Harry conseguia dar essa janela de possibilidade para um simples momento.
E a ansiedade que eu sentia antes de chegar naquele date tinha ido embora naquele instante – ou tenha ido antes –, mas tomei consciência quando seu braço me abraçou de lado.
— Tudo bem se ficarmos aqui?
O local era afastado do restante das pessoas que estavam ali, mas eu entendia o fato de Harry não querer ficar no meio da multidão.
— Claro! E podemos nos encostar nessa parede — indiquei a superfície cinza com minha mão.
Eu tinha planejado levar algumas frutas e sanduíches para aquele momento, e fiz questão de levar um morango à minha boca assim que o coloquei em cima da toalha quadriculada. O ambiente já estava bem lotado, com pessoas espalhadas por todo gramado. Um pouco mais distantes, eu e Harry estávamos sentados, esperando o filme começar.
— Trouxe isso para nós — ele tirou um vinho branco de sua mochila.
— Não creio! Eu amo — meu sorriso veio de orelha a orelha.
— Ufa! Que bom que acertei — pôs a mão no peito, mostrando estar mais leve com a decisão.
— Quer que eu abra? — ofereci, e ele estendeu o vinho para mim enquanto vasculhava a bolsa à procura das taças. Felizmente a garrafa tinha uma rosca para facilitar sua abertura.
A cor do céu transformava-se a todo momento; de azul e amarelo passou para um arroxeado laranja, até que o telão do Cinespia clareou a parede. A introdução de Be My Baby, de The Ronettes, tocava quando ainda estávamos distraídos conversando.
— MEU DEUS! Isso é Dirty Dancing? — fixei meu olhar na tela até comprovar a minha suspeita.
— Um marco na história, eu amo esse filme — observei seu entusiasmo com um sorriso ao falar.
— Acho que escolhi o que ia fazer da vida por causa desse filme. Acho que eu tinha sete anos!
— Uma criança prodígio — ele comentou, me fazendo sorrir envergonhada. Então, prestamos atenção no filme.
O que alguém poderia falar mal de um clássico contemporâneo dos anos oitenta do século vinte? Nada! Dirty Dancing foi um dos melhores filmes da história do cinema. A trama do casal encantou qualquer pessoa que assistiu, além de todo o desenrolar dramático envolvendo pautas extremamente essenciais para a época, talvez até chocantes – preconceito de classes, relações entre pais e filhos, gravidez não plenejada e aborto ilegal.
— Isso era um estilo de dança da época ou fabularam o ritmo quente? — ouvi Harry se pronunciar, me tirando de órbita.
— Então... Bem sensual, não é? — gargalhei.
— Sensual não seria a palavra certa. Talvez… sexo dançante — seu sorriso malicioso de lado fez sua covinha se rebelar.
— Hahaha! E eu aposto que você queria aprender esse ritmo, Styles — estreitei os olhos com lábios risonhos.
— Eu tenho minhas próprias habilidades dançantes — ele remexeu seu quadril ao mesmo tempo que os braços, me fazendo rir de sua tentativa. — Viu? — apontava para sua cintura.
— Nada mal, Johnny! Teremos tempo para melhorar esse seu lado dançarino — dei dois tapinhas em seu braço.
— Olha só a cara da Baby — o observei apontar com o queixo para tela. — Quem carrega uma melancia para um baile? — ele riu e eu o acompanhei.
Meu olhar também acompanhava atenciosamente cada passada de mão que ele dava para alinhar seu cabelo teimoso, que insistia em cair na lateral de sua testa. Eu poderia disfarçar, mas minha cara lisa não deixaria de admirar a beleza dele estando ao seu lado. O momento dessa tarde inteira seria carregar minha memória ocular para surtar tranquila em casa o quanto quisesse.
— Você sabia que eles não se davam bem? Essas risadas não foram ensaiadas, muito menos o aborrecimento de Patrick — revelei quando passava a cena em que eles ensaiavam para a apresentação de dança.
— Jura? Incrível como algumas cenas improvisadas muitas vezes enriquecem os filmes!
— Acho fascinante também, porque parece que foi tão bem pensada, quando na verdade não passa de uma mera coincidência ou erro no set.
Eu era apaixonada por esse filme, nem só por ele trazer minha arte favorita ou um casal real que encanta gerações. A roteirista, Eleanor Bergstein, trouxe algumas experiências pessoais para ele e vários traços feministas, como a sororidade de Baby em relação a Penny, que me deixava nas nuvens. Infelizmente, não é algo que estamos acostumados hoje em dia, e assistir a personagem nunca hesitarem em oferecer apoio à instrutora de dança me trazia uma ponta de esperança no mundo.
— O aborto já era legalizado nessa época, né? — Harry perguntou.
— Sim, apenas no filme que não, porque se passa nos anos sessenta.
— Estamos em 2018 e alguns países não entendem que as mulheres têm total direito sob seus corpos.
— Eu odeio ter que pensar nisso, é um verdadeiro absurdo. Mas acredito que o pior é quando, mesmo legalizado, algum louco religioso trata a situação como pecado — revirei meus olhos. — Algumas pessoas próximas a mim já passaram por isso, então me tira um pouco do sério.
— Essas situações têm a obrigação de revoltar qualquer um. Ninguém vai sentir a dor do outro, mas as pessoas só precisam se colocar um pouco no lugar dos outros. O mundo precisa de mais empatia e bondade...
— Você sabe que definiu a Baby inteira, não é? — ele assentiu. — E foi exatamente isso que fez Johnny se apaixonar por ela — sorri. — Ela foi tão empática pela instrutora de dança e nem quis saber da história para isso. Ela simplesmente ajudou Penny! — eu falava empolgada. — É por isso que é um dos meus filmes favoritos, e ela não precisou fingir ser alguém que não é para conquistar o bonitão! Só sendo ela mesma — concluí.
— É o que você faz para conquistar corações? — ele jogou a cabeça na lateral, e eu percebi seu olhar risonho.
— Você não tem jeito — ri, negando com a cabeça. — Desculpa se tagarelei demais agora.
— Nem precisa, eu gosto de ouvir as pessoas falarem de seus amores — Harry sustentou seu olhar risonho no meu.
— Tenho algo a confessar sobre esse dia.
— O quê?
Estávamos andando até o estacionamento, e tudo que podíamos ouvir naquele momento era nossas vozes, nossos passos arrastados e alguns grilos solitários.
— Eu bebi dois shots de tequila antes de encontrar com você — escondi um pouco meu rosto, e Harry paralisou com as mãos na cintura quando ouviu a minha resposta.
— QUÊ?! Você achou que o date ia ser péssimo? Silêncio constrangedor e tudo de pior que ocorre em primeiros encontros?
— Nããão, claro que não! Só que eu não me lembrava da última vez que tinha ido a um. Talvez eu tenha ficado nervosa com o tanto de conselhos das minhas amigas que vão a encontros. Não estou acostumada com isso. Sendo bem sincera, eu odeio!
— Agora você ama... — ele sorriu, convencido.
— Você se acha muito — dei um tapinha em seu braço. — Mas, I’ve had…
— … the time of your life — ele abriu os braços, ainda brincalhão, e eu revirei os olhos em resposta.
— Tá, trazendo o tema à tona, me fala o melhor momento da sua vida — pedi enquanto ele destravava o carro e abria a porta para mim em seguida.
— Hmmm... Deixa eu pensar.
Esperei Harry dar a volta e se sentar ao meu lado no banco do motorista. Seu braço estendeu para ligar o carro enquanto eu o observava pensativo.
— Posso ser clichê? — levantou a sobrancelha, esperando minha resposta, então assenti. — Quando ouvi que seria uma banda e conseguiria de alguma forma conseguir realizar meu sonho de cantar.
— Eu sabia que você diria isso... mas agora, um não tão clichê.
— Quando tive a oportunidade de pagar uma viagem para minha mãe e minha irmã.
— E vocês foram para onde?
— Nice, na França. Eu me senti realizado em poder proporcionar isso para elas, sabe? Acho que qualquer pessoa se sente.
— É, eu entendo o que você fala. Minha família sempre foi grande, é um pouco difícil proporcionar momentos de lazer. Então, sempre que posso, tento dividir meu tempo entre meu irmão mais novo e minha mãe.
— Você tem quantos irmãos?
— Tenho três, dois homens e uma mulher. O único que sempre vem me visitar é meu irmão mais novo, Oliver.
— Seus irmãos são ciumentos?
— Não, eles são bem tranquilos. Eu não dou trabalho — dei uma piscadela para ele, que sorriu.
Chegando mais perto de casa, minha mente analisava cada mínimo detalhe daquele dia, que tinha sido exatamente o oposto do que havia imaginado. Em determinado momento da vida, eu havia parado de colocar expectativas nas pessoas e até mesmo nas situações que me aconteceriam no futuro.
Eu sempre estaria tentando me blindar de tudo que tinha a possibilidade de me deixar sem fé.
Era isso.
Todos os dias da minha vida estou tentando ter menos expectativas em relação a tudo! Porque todos os dias parecia que a vida estava me incentivando a reduzir as minhas perspectivas.
Então, de repente, a vida me presenteou com esse dia, me convidando a enxergar que o mundo ainda me proporciona conhecer pessoas autênticas, com uma aura incrível que deixava todos os pensamentos negativos flutuarem para longe, no momento que surgiam na minha mente.
As palavras tinham uma incrível conexão com sua habilidade de ser visto como atraente ou confiante. Harry sempre as usava a seu favor. Ele era essa pessoa engraçada sem precisar estar sempre contando uma piada. Ele era inteligente sem precisar estar sempre falando algo de cunho intelectual. Ele só precisa estar naquele ambiente com sua incrível confiança, calma e amor.
— E o melhor momento da sua vida? — indagou e continuou. — Além desse dia comigo, claro — disse, convencido.
— O que te faz ter tanta certeza disso? Posso chegar em casa e falar mal de você para minhas amigas.
— Tsc, tsc, tsc — negou com a boca. — Fora de cogitação — me examinou com o olhar e seu sorrisinho convencido, o que me fez rir nasalado com sua convicção mais que certa, por sinal.
— O dia do AMAs foi muito importante para mim — respondi, por fim. — A sensação de que um sonho se concretizou me deixou com um sentimento de realização.
— Você parecia nervosa quando te encontrei no corredor.
— É, eu estava mesmo. Mas aquele ritual sempre ajuda a me manter sã. Coloco meus fones e foco na música... Você parecia fugido naquele dia também.
— Eu estava nervoso, mas de alguma forma te encontrar fez a ansiedade ir embora — seus olhos verdes estacionaram em mim, enquanto meus lábios tentavam conter o riso.
— Não creio que você gosta de cantadas baratas, Styles.
Sutilmente sua boca transformava-se num sorriso sedutor. Ele claramente estava se divertindo com isso.
— Essa foi, né? — ele mudou sua postura ao admitir. — Mesmo assim, é verdade o que eu disse.
Olhei para o lado, tentando não demonstrar felicidade ao ouvir aquela frase. Quem não gostaria de saber que sua presença trouxe leveza num momento de nervosismo, sem nem sequer se conhecer?
— É esse prédio do lado direito — apontei para a fachada branca e ele estacionou em poucos segundos. — Obrigada pelo dia, — o abracei pelo pescoço assim que retirei o cinto. Seu perfume levemente adocicado atingiu minhas narinas, enquanto minha mente dava maior importância para suas mãos, que apertavam um pouco minha cintura.
— Eu que agradeço a companhia, estava precisando de um dia assim — nos afastamos e permanecemos em um silêncio de poucos segundos. Ele puxou a minha mão, depositando um beijo no dorso, o que não me deixou disfarçar meu sorriso. — A gente se vê, pode falar comigo a qualquer hora!
— Tá bem, pode deixar! — abri a porta do carro e caminhei até o portão de entrada. Antes de abri-lo, dei uma última olhada para ele, percebendo que ainda permanecia ali.
Ouvi a buzina e acenei um tchau em resposta.
Capítulo 6 – Drunk on a feeling
Era cansativo chegar a perfeição.
Dançar era fácil, era o que eu mais amava fazer. Mas treinar para ser perfeito... era difícil.
Minha mente tinha o poder de me sabotar a todo segundo, por isso eu procurava me distrair com exercício físico ou algo do tipo. Inclusive, pude descobrir um tempo atrás que, para a vida manter-se equilibrada, você tinha que deixar seu corpo se cansar pelo menos uma vez na semana. Apenas algo que deixava seu corpo mais leve. Sabe toda aquela energia acumulada que não te deixa realizar nenhum dos seus afazeres direito? Nenhuma ideia sua se torna concreta porque o estresse suprime qualquer mínima criatividade que você teve para desenvolver algo? Então, pegue esse conselho: se canse.
Pode ser transar!
— O que deu em você hoje? — Chad perguntou, tentando estabilizar a respiração.
Saí de cima dele e joguei meu corpo ao seu lado. Vez ou outra, usamos o intervalo do almoço para nos cansar. Uma escapadinha durante a semana.
— Raiva, porque eu não conseguia fazer um simples rebolado — bufei.
— Aí você veio destravar o quadril em cima de mim? — ele passou a mão na minha barriga e eu acompanhei seu sorrisinho malicioso.
— Claro, sinta-se lisonjeado por esse momento — me levantei da cama, passei a camisa pela minha cabeça e tratei de me vestir rapidamente. — O que vamos almoçar?
— Esse já não foi nosso almoço?
Olhei para sua cara debochada.
— LEVAAANTA! Eu quero almoçar! Alimente seu dragão, Chad — esperneei, passando a calça pela minha bunda e caminhando para o banheiro em seguida.
— Você bem que podia fazer aquela salada que eu amo, né?
— Você tá com preguiça? — coloquei minha cabeça na brecha da porta e o observei assentir com carinha de cachorro sem dono. — Tudo bem, então vamos comer alguma coisa no restaurante perto do estúdio.
— Combinado!
Não demorou muito para que estivéssemos no carro e, em menos de dez minutos, estávamos no restaurante.
— Obrigada! — respondi para o garçom quando ele pôs a caesar salad na minha frente.
O SunCafe Organic tornava-se a cada dia um dos meus lugares preferidos. Eu sempre tentava experimentar uma opção vegana diferente. As mesas de madeira tinham meu coração em qualquer decoração, ainda mais naquele ambiente rústico do pátio que eu amava. Fazia questão de sentar ao ar livre sempre que frequentava, para apreciar a refeição com o toque da brisa fresca de L.A. em meu rosto.
O homem à minha frente estava calado até demais. Quase pude adivinhar quando estava na iminência de caçar alguma informação da minha vida, o que já era comum de se fazer.
— Para onde você foi no sábado? As meninas foram lá pra casa, senti sua falta.
Diante de sua pergunta, aproveitei para encher minha boca com mais uma garfada e dar tempo para processar alguma resposta.
— Foi ossostor om folme — murmurei com a boca cheia de salada, recebendo uma risada dele em resposta.
— Sem pressa, Fiona, termine de mastigar.
Semicerrei os olhos, puta pelo apelido. Arremessei um guardanapo nele, tentando cessar sua gargalhada
— Fui assistir um filme com uma amiga.
— Amiga, hein? — Chad me olhou desconfiado, mas dei de ombros.
— Entenda como quiser — dei um sorrisinho lateral.
— Você é uma safada! — ele arremessou o guardanapo de volta.
— E o que fez o final de semana inteiro? — tratei rapidamente de reverter a conversa.
— Ficamos conversando, tomando cerveja... nada de mais — disse a última frase com um tom de chateação.
— Achei que iriam para a Exchange...
— Íamos, mas de última hora todo mundo desistiu. Eu não ia sozinho. Minha única companhia possível estava num date, então fiquei com as mãos atadas — ele conseguiu voltar ao assunto em menos de um minuto, era tempo recorde para Chad. Quando ele tinha virado tão atento a tudo?
— Pare de choramingar, nós podemos ir para alguma nesse final de semana.
— Promete?
— Eu já dei pra trás com algum rolê com você? — o observei puxando a mão para contar nos dedos. — Olhe bem o que você vai falar, hein, garoto! Você quer ir na sexta?
— Na sexta estarei na sua porta! — ele estendeu a mão e eu correspondi com um soquinho.
— Brian, por que estamos fazendo isso? — finalmente me pronunciei quando algumas pessoas já saiam da sala após o ensaio.
— Achei que ninguém perguntaria — ele pressionou os lábios, puxando um dos lados num sorriso presunçoso.
— Aaah, então realmente era um teste — gargalhei com sua técnica para que algum aluno mostrasse indignação por aquele dia louco.
Claramente aquela batida repetitiva me parecia mais um sample de My Favorite Things do musical da Broadway “The Sound of Music”. Mesmo sem nenhuma letra, era impossível não reconhecer a melodia.
— Sim, parabéns! Passou na primeira fase do teste — Brian juntou as mãos com palminhas.
— E qual seria a segunda? — arqueei a sobrancelha, curiosa.
— Você conhece Hannah Lux Davis?
— Deveria? — pronunciei em tom baixo, com medo da resposta.
— Não me faça uma pergunta dessas. Claro que sim, ! Ela é a diretora da maioria dos clipes da Ariana Grande e me pediu para selecionar alguns dançarinos da Millennium.
Franzi o cenho, tentando absorver todas as informações.
— Isso quer dizer que... — eu precisava da palavra final para não criar falsas esperanças.
— Vou passar seu contato para os coreógrafos do clipe — ele completou sutilmente ao pegar sua mochila, e, antes que pudesse sair pela porta, o surpreendi com um abraço.
— OBRIGADA, BRIAN. OBRIGADA, OBRIGADA!
Ele envolveu o braço que estava livre em minha cintura em resposta.
— Você está fazendo um ótimo trabalho, garota! Não me decepcione — disse por fim e deixou o recinto.
Busquei meu celular enquanto caminhava para o carro e disquei os únicos números que eu conhecia de cor da minha lista de contatos. Além do mais, sentia falta da sua voz, que sempre dizia com todas as letras que acreditava em mim.
— ?
— Oi, mãe! Como você está?
— Estou bem. Seu irmão já gritou aqui dizendo que você se esqueceu dele.
— Ele só pode estar de sacanagem, o lembro de tomar banho todos os dias — escutei sua risada no fundo; que saudade estava dessa risada.
— E você, como está?
— Estou bem, liguei para contar uma novidade.
— Me diga, então!
— Vou participar de um clipe da Ariana Grande! — minha voz saiu mais alto do que esperava, e eu culpava meu entusiasmo.
— Isso é incrível, meu bem! Estou muito feliz, mas você sempre me orgulha... Venha dar os parabéns para sua irmã, ela vai participar de um clipe — escutei sua voz mais alta chamando Oliver. — Ariana Grande?! Você é simplesmente foda! Existe algo que você ainda não fez? — afastei o celular do ouvido antes que ficasse surda com seu grito.
— Meu ouvido, garoto! — ouvi sua risada do outro lado. — Obrigada, maninho, vejo você em breve.
— Você escolheu certo, . Confie no seu potencial, isso tudo é fruto do seu esforço — suspirei com a voz da minha mãe novamente.
— Obrigada, dona Amélia.
— Tenho que terminar o jantar, mas ligue mais vezes. Sinto saudades de escutar sua voz. Te amo! — sorri ao ouvir aquilo.
— Também te amo, beijos.
Me sentia agradecida e abençoada sabendo do apoio que eu tinha da minha mãe, porque era somente o que eu precisava naquela época. Não foi fácil tomar aquela decisão, nunca foi, mas colocar todas as minhas roupas na mala para correr atrás dos meus sonhos nesta cidade onde eu não conhecia absolutamente ninguém era uma coragem totalmente minha. Era nítido que era uma preocupação da minha família. Mesmo com o coração encolhido dentro do peito, eles deixaram de lado qualquer opinião, porque no fundo sabiam que, se eu continuasse em Virginia, seria a garota mais triste daquela cidade. Ninguém aguentaria me ver triste todos os dias da minha vida, assim como eu não suportaria todas as pessoas tentando me tirar daquela atmosfera de tristeza.
É claro que eu tinha medos e angústias, porque tudo seria completamente novo. Porém, eu fazia questão de chutar para longe qualquer pensamento negativo em relação àquilo. Poderia ter meu pessimismo sobre qualquer outra área da minha vida, menos daquilo.
Los Angeles parecia sempre tão corrida que eu nunca parava para apreciar as coisas. Por esse único motivo, quando tinha oportunidade de passar um tempo na praia, fazia questão de fazer isso. Os raios solares de Los Cabo aparentavam sempre mais quente do que em qualquer parte do mundo, o que justificava minha pele pinicar por falta de protetor solar. Três dias bebendo margaritas e jogando conversa fora parecia o sonho destas mini férias, embora, na maioria das vezes, qualquer saída parecesse uma extensão de networking nessa indústria.
— Você aceitaria ser host do programa em dezembro? — James soltou no meio da nossa conversa, o que me surpreendeu de certa forma.
— Claro que sim! Mas de onde surgiu essa ideia? — coloquei meu drink de lado e foquei no que ele dizia.
— Você lembra quando Charlotte nasceu? — assenti. — Desde então, eu e a equipe pensamos em te trazer de volta, e agora que sua turnê está concluída, por que não?
— E eu achei que era one time only— gargalhamos, lembrando da minha promessa ao vivo. — Seria uma honra, de verdade!
James fez questão de me abraçar em agradecimento.
— Como estão as coisas, mate? — perguntou enquanto eu bebericava mais do meu drink.
— Eu conheci uma pessoa.
Percebi sua postura mudar um pouco, curioso com a minha frase.
— Isso é bom, não?
Parei um pouco para refletir, algo que talvez ainda não havia feito, pelo menos não com tanta cautela.
— Acho que sim? — respondi com uma pergunta. — Fomos a um encontro no final de semana, e ela é incrível! Super enérgica, inspirada quando fala das coisas que ama.
— Mas... — ele me esperou completar.
— Mas não estaria cedo demais? — suspirei.
— Você gostou de sair com ela? — questionou, e eu afirmei com a cabeça. — Então apenas aproveite o momento. Vocês se falaram após o encontro?
— Ainda não.
— Então fale! Parece que você esquece das suas lições de vida — James deu uns tapinhas em minhas costas antes de se levantar e falar com seus outros convidados.
Senti meu celular vibrar no bolso.
Aproveitando seus dias de sol? 14:46pm
Alcancei um sombrero colorido, arrumei-o em minha cabeça e estendi meu braço para tirar uma selfie.
Harry
📸 [enviou uma foto] 14:49pm
📸 [enviou uma foto] 14:49pm
Esse sombrero lhe caiu bem! 14:50pm
Só queria saber como você estava, divirta-se! 14:51 pm
Harry
Lembrei de você quando bebi tequilas ontem 👀 14:51pm
Lembrei de você quando bebi tequilas ontem 👀 14:51pm
Eu realmente não deveria ter lhe dito hahaha 14:52pm
Agora estou envergonhada 14:52pm
Harry
Nós deveríamos beber tequila juntos, assim eu esqueço disso 14:52pm
Nós deveríamos beber tequila juntos, assim eu esqueço disso 14:52pm
Você vai estar em L.A. no final de semana? 14:53pm
Harry
Sim, chego na sexta. 14:53pm
Sim, chego na sexta. 14:53pm
Então vou te levar no meu bar favorito no sábado, o que acha? 14:54pm
Harry
Combinado! 14:54pm
Combinado! 14:54pm
Vou voltar para o ensaio 14:54pm
Te vejo no sábado, 😘 14:55pm
Harry
Beijos, 🍸 14:55pm
Beijos, 🍸 14:55pm
Os convidados de James estavam por todo lado, mas foram se dispersando quando ele anunciou que voltaria a se reunir no hall do resort para jantar. Larguei meu celular de lado, fazendo questão de me deitar em uma das espreguiçadeiras que estava em minha frente. O céu estava terrivelmente limpo, sem uma nuvem sequer, e mantive o chapéu que ainda estava em minha cabeça mesmo sabendo que aquilo não me faria escapar de ficar queimado do sol.
Podendo desfrutar de horas ociosas até o jantar, decidi ficar por ali e ler um livro, inclusive em busca de ocupar a cabeça. Alain de Botton deixava mais que claro, todas as vezes que eu folheava suas páginas, que a chave da felicidade era ser vulnerável, seja com amigos ou prováveis envolvimentos amorosos. Porém, tratando de relacionamento, você só não espera ser bom nisso? Seria muito mais fácil se fosse um simples dom, mas não. Estar em um relacionamento real com alguém demandava uma habilidade que eu certamente não possuía, tendo em vista meu último fracasso.
Por hora eu ainda me via pensando se foi mesmo um fiasco ou seria minha mente me sabotando outra vez. Bom, vez ou outra Camille ainda passeava pelos meus pensamentos, mesmo sabendo que bagunçou alguns princípios, clareou meus certos e errados. Aspirava também nunca me esquecer, principalmente dos erros, porque, além disso, esperava que esse sentimento de lucidez e discernimento fosse duradouro, porque foi resistente até que perdeu-se a força, significativo até que perdeu-se o sentido e belo até que perdeu-se o encanto.
No entanto, depois dela eu estava mais aberto, e o que de ruim poderia resultar nisso?
— Você nem teve tempo pra falar como foi o encontro no sábado — Amber soltou de repente, enquanto eu retocava o batom no espelho do banheiro depois do jantar.
— Nem vou falar agora, né? — virei a cabeça em sua direção e olhei discretamente de soslaio para a sala onde podíamos ouvir as vozes de Chad, Brian e Kels.
— Esqueci totalmente de te perguntar, mas foi bom? — ela nunca conseguiria disfarçar sua curiosidade, o que me fez rir.
— Foi sim, amiga. Inclusive, amanhã sairemos novamente.
— Mas amanhã não era a Girls’ Night?
Tomei um susto e paralisei, me concentrando.
— Eu esqueciiii! E agora? — choraminguei um pouco enquanto observava Ambs revirar os olhos.
— Eu te perdoo por ele ser gato, você pode sair com ele! — a abracei enquanto ela tentava se desvencilhar de mim. — Tá tudo bem, pode me largar agora. Podemos combinar outro dia.
— CALMA! Tenho uma ideia melhor… — vi suas sobrancelhas se levantarem, calculando o que eu estava prestes a falar. — Vocês deveriam ir comigo!
— Pirou?! — ela agitou seus braços em direção à cabeça, me indicando estar louca.
— Por que a pirou? — Kels apareceu na porta do banheiro, provavelmente para nos chamar, já que estávamos atrasadas.
— Amanhã ela tem um encontro com você-sabe-quem… — indicou com a cabeça para os meninos, para que ela não falasse alto.
— MENTIRA! — gritou baixo.
— Mas eu sei que tínhamos marcado nossa saída e sugeri vocês irem também para o date — observei a minha amiga serelepe olhar devagar para a cacheada.
— AH, NÃO!
— Que besteira, Amber.
— Assim, o encontro é seu. Você tem total responsabilidade se der errado ou muito certo.
— Você vai avisar a ele? É o mínimo — ela perguntou, e eu assenti.
— E vamos de encontro quádruplo com Harry Styles! — Kels comemorou, e eu caí na gargalhada.
— Vamos logo! Já estamos atrasadas.
Caminhamos até a sala, chamamos os garotos e nos separamos nos carros para ir até a balada. Durante o trajeto, mandei mensagem para Harry, explicando a situação que eu já tinha algo marcado para o sábado, mas havia esquecido. Logo ele fez uma piada perguntando se era uma nova estratégia minha, com medo do encontro não ficar parado ou sem diálogo, o que me fez gargalhar e responder negativamente. No final, ele aceitou numa boa a proposta de Amber e Kelsey estarem conosco para que eu não desmarcasse com ninguém, e também mostrou-se feliz em conhecer minhas amigas.
Impecável: era o que eu pensava sempre que pisava em uma balada diferente em Los Angeles. Para ser mais específica, em Hollywood, agora que estávamos em uma. Nem só de calçada da fama ou até mesmo o famoso letreiro vivia a cidade, mas todo um reduto de música eletrônica e serviço VIP de bebidas do circuito de boates espalhadas de qualquer esquina. Esse era o poder da Cidade dos Anjos – enquanto uns amam fazer um piquenique em trilhas naturais em colinas, outros amavam a agitação dos clubes.
Naquele dia da semana em específico – sexta-feira – era comum que tivessem alguma celebridade convidada para performar na Playhouse. Marshmello estava presente no recinto, então era de se imaginar como estava a atmosfera daquele lugar.
— Como vai ser o esquema hoje? — Chad perguntou antes de colocar a boca na garrafa de champanhe.
— Siga a proposta do ambiente, Chad! Divirta-se na casa de jogos — pisquei para ele e tomei a bebida da sua mão.
Meu conjunto prateado destacava-se no meio de tantos vestidos pretos naquele ambiente. Meus olhos famintos não demoraram em rastrear todos que resolveram aproveitar a TBA Fridays da Playhouse, assim como eu. Pedimos alguns shots de tequila para começar a noite, antes de seguir para a pista de dança.
— …AL DENTRO! — gritei, tomando o líquido em seguida. — NOSSA! Por que eu sempre escolho tequila mesmo? — fiz uma careta quando coloquei o limão nos lábios.
Conseguimos uma mesa assim que chegamos por pura sorte, além de um balde com bebidas. Brian encontrou alguns amigos – gatos, diga-se de passagem – que agregou mais ao nosso grupo. Depois de alguns drinks e conversas jogadas fora, nos distanciamos um pouco do grupo.
— Vamos dançar! — Kels nos arrastou para o meio da pista de dança.
Wolves (Said The Sky Remix) – Selena Gomez, Marshmello
Joguei meus braços para cima, sentindo meu corpo ficar mais livre enquanto a energia da música me possuía aos poucos. Suor, excitação e euforia já faziam parte de mim. Assistir minhas amigas sorrindo e se divertindo me deixava feliz – estar com elas me fazia a pessoa mais incrível do mundo, e aquilo ali, para mim, já era suficiente para a noite ser perfeita.
O som começou a ficar abafado e dissipado quando senti o peso de estar sendo observada. Rastreei com os olhos quem estava me examinando e encontrei um par de íris castanhas claras num corpo de um homem de altura mediana, moreno, que estava em nossa mesa minutos atrás.
Andei em sua direção, não desviando por nenhum minuto nossos olhares.
— Você tem cara de problema — disparei assim que cheguei perto o suficiente para que ele ouvisse.
— Se você quiser que eu seja… — ele estendeu a mão enquanto me pus a assistir seu olhar safado, e, num perigo iminente, o puxei para mim.
Seus lábios estavam gelados quando me propus a aquecê-los. Senti suas mãos urgentes procurarem tatear meu corpo, parando um pouco acima da bunda. Eu gostava da sensação de beijar pessoas desconhecidas, que talvez nunca precisaria encontrá-las novamente. Era só pura atração e diversão. Sua barba por fazer encostava na minha pele, me arrepiando um pouco. Sua língua encostava na minha como se pudesse, de alguma forma, prendê-la com a sua. Depois de algum tempo, nos afastamos e seguimos para lados diferentes.
Decidi voltar para ficar um pouco com as meninas; porém, quando cheguei em nossa mesa, percebi alguns rosto diferentes. Inclusive de uma garota com traços finos, corpo esguio que usava um vestido rosa, talvez o único dentre todas as mulheres desse lugar. Puxei papo com todos um pouco enquanto bebericava uma dose de whisky, sentindo seus olhos pesarem em mim. Amber estava ao seu lado e logo percebeu onde aquilo daria, me dando alguns olhares cúmplices e cochichando com Brian em alguns momentos. Minha mente não conseguia desviar do propósito de beijar aqueles lábios; por essa razão, fiz questão de passar para o outro lado da mesa, logo colocando a mão em sua cintura.
— Posso saber seu nome? — ouvi a garota de cabelos cacheados se direcionar a mim antes que eu pudesse pronunciar algo.
— Agora ou depois do nosso beijo? — indaguei e, quando ela sorriu, aceitei aquilo como uma porta de entrada para tocá-la.
Apesar de seus lábios cheios me conectarem a olhá-los, a sensação deles nos meus foi o que me fez querer beijá-la. Dessa forma, meu instinto me fez tocar levemente seu rosto, afastando os cachos de seu cabelo que insistiam em cair. Nossas línguas tinham uma sincronia incrivelmente gostosa, onde eu poderia passar uma eternidade. Por ser um pouco mais baixa que eu, seu corpo se encaixou com o meu, deixando nosso contato mais próximo. Senti sua unha arranhar meu pescoço, me fazendo arfar durante o beijo. Deslizei minha mão pela lateral do seu corpo e apalpei sua bunda de leve, fazendo-a sorrir. Depositei um selinho em seus lábios antes de me afastar dela.
— Eva — ela disse quando abriu os olhos.
— — sorri quando ela me roubou um beijo novamente. — Acho que você é meu pecado essa noite, Eva — pronunciei, e nos beijamos mais algumas vezes naquela noite antes que ela fosse embora.
Durante a noite, não sei se minha mente totalmente bêbada estava enxergando nitidamente, mas percebi Chad com cara de poucos amigos todas as vezes que eu direcionava algum assunto para ele. Tentei relevar a maior parte da noite, porém não por muito tempo. Me encostei nele e cochichei no seu ouvido.
— O que posso fazer para animar sua noite? — sorri, tentando animá-lo.
— Nada, tô de boa. Só não deveria ter vindo.
Tomei um susto com aquela resposta.
— Ué, o que aconteceu pra você tá com essa cara de cu?
— Nada, . Tá tudo tranquilo, vai aproveitar a noite — ele movimentou a mão para a pista de dança, me indicando para dançar.
— Sério que você não vai me dizer? — me pus em sua frente e puxei seu rosto para me olhar.
— Não vou dizer. Depois você descobre, quando estiver sóbria — ele tirou minha mão do seu rosto e se afastou um pouco, o que deixou puta.
— Agora FUDEU! Eu estar bebendo é um problema?! — questionei, exaltada.
— Esse seria o menor dos problemas, — Chad pronunciou calmamente, com olhar fixo no meu.
— Como você é idiota! Não vou ficar puxando seu saco, fica aí com sua cara de tacho — saí da mesa e fui até o bar. No meio do caminho, senti uma mão agarrar meu pulso. Olhei para trás e o vi com uma feição arrependida.
— Me desculpe, vamos dançar! — ele tentou me puxar para perto. Uma tentativa falha, diga-se de passagem.
— Dá um tempo, Chad, você seria a última pessoa que eu dançaria hoje — puxei meu pulso e me perdi na multidão.
Não saberia em qual momento, mas as meninas me puxaram para o carro que nos levaria para casa. No entanto, lembro vagamente de ainda ter passado um bom tempo bebendo em consequência da raiva que senti do Chad.
Ao abrir meus olhos naquela tarde, me direcionei direto para a geladeira à procura de água. Minha garganta seca revelava que eu não havia bebido pouco na noite anterior.
— Se hidrate bem mesmo, porque mais tarde tem mais — a voz de Amber saiu alta o suficiente para eu tomar um susto.
— Não me lembre, e será tequilas novamente — coloquei a mão na cabeça depois que lhe entreguei a garrafa para que ela pudesse tomar. — Como chegamos em casa ontem?
— Você não lembra?
— Deveria?
— Não teve nada de mais, só não sabia que tinha bebida o suficiente para não lembrar.
— A tequila faz essas coisas comigo, amiga. Eu realmente tenho uma perda de memória com algumas bebidas.
Esperamos Kelsey acordar para decidir o que almoçaríamos. Enquanto isso, notei no meu celular algumas mensagens e ligações repetidas de Chad. Não conseguia entender o porquê daquilo.
— Pra quê o desespero de Chad? — mostrei o visor para Ambs.
— Você não percebeu ainda, não é? — ela perguntou, mas a olhei confusa.
— O quê, exatamente? Eu juro que tô lembrando pouco, acho que senti raiva dele por algum motivo.
— Não sobre ontem, mas acho que ontem ficou muito nítido que ele sente ciúmes de você. Brian e eu fofocamos a noite inteira sobre vocês…
— O casal mais fofoqueiro que eu conheço — revirei os olhos. — Ciúmes? — balancei a cabeça, tentando negar. — Mas o que mais eu fui pauta na fofoca?
— Chad passou a festa encarando você beijar todos — ela revelou, e pisquei muitas vezes, tentando entender.
— Ele beijou alguém ontem? — sondei.
— Não…
Parei um pouco para analisar a noite anterior, e algumas memórias passearam pela minha mente. Chad havia passado a noite inteira grudado na mesa, bebendo. Não o vi beijar ninguém em momento algum e, quando eu me aproximei dele, lá estava a cara de poucos amigos. Lembrei que ele me tratou mal. Mesmo tentando se desculpar, eu já estava embriagada para conversar sobre qualquer pequeno detalhe.
— Acho que tô lembrando vagamente que nos desentendemos.
— É, sobre o quê?
Me joguei no sofá e passei minha mão pelo rosto em desespero para lembrar de tudo.
— Ele estava chateado com algo, mas não quis me contar. Achou ruim eu ter bebido e disse que sóbria eu perceberia tudo. Amber, me ajuda… Que porra o Chad quer de mim? — questionei, desesperada, esperando uma resposta diferente da que eu ouviria a partir dali.
— Você só quer que eu confirme, não é? — assenti. — Ele está apaixonado por você, !
Capítulo 7 – I'll find a place inside to laugh
— POR QUÊ? — olhei incrédula para as meninas. — Por que ele tá apaixonado por mim?!
— Como diabos eu vou saber disso?! Agora não dá pra evitar, converse com ele e pergunte você mesma. A gente já vinha te avisando pra tomar cuidado e conversar, mas agora a merda já está feita e exposta — Amber respondeu firme, quase como se estivesse brigando comigo, e nossa amiga apenas concordou com a cabeça.
Eu acreditava que pela primeira vez na vida esse acordo de “amigos com benefícios” daria totalmente certo, porque finalmente aparentava que eu tinha conhecido uma pessoa igual a mim. Literalmente igual. Mas em que mundo Chad estava morando? Se enquanto no meu, eu simplesmente só o via como um amigo?
Reconhecer um erro: talvez essa seja a situação mais difícil que eu tinha que lidar na vida. Contudo, existia uma parcela frágil nessa equação em que eu não poderia mais empurrar com a barriga. Possivelmente, eu tenha percebido nas entrelinhas muito antes dos avisos prévios, mas a preguiça de procurar uma nova amizade colorida me pegou de jeito, muito antes da minha consciência me alertar o quão errada eu estava pensando daquela forma. Então, eu não poderia fazer isso com Chad. Não mais. Existe um limite e eu havia ultrapassado.
— Eu sei o que eu tenho que fazer, e lá vamos nós… — peguei meu celular em seguida.
— Você vai falar com ele agora? — Kels perguntou.
— O quanto antes melhor, não? Eu prefiro, ele já me ligou muitas vezes hoje. Vocês vão sair agora à tarde?
— Se você quiser que a gente saia… — Amber respondeu.
— Acho que seria melhor, se vocês não se importarem. Obrigada — as abracei e fui em direção ao meu quarto. Me joguei na cama, agarrei meu travesseiro e puxei o celular para a orelha, escutando a chamada ser atendida.
— Alô?
— Oi, Chad, sou eu.
— Hey, , graças a Deus é você. Me desculpe por ontem, eu… — ele falou mais rápido que o normal.
— Acho melhor conversarmos pessoalmente. Tô te esperando aqui em casa — falei antes que ele começasse a justificar suas atitudes.
— Tá bem, chego aí daqui a pouco — senti sua respiração pesada antes de desligar a chamada.
Deixei o celular de lado, virando meu corpo encolhido na tentativa de me ninar. Ok. Isso seria mais difícil do que eu imaginava. Na verdade, já estava sendo difícil ter que decepcionar uma pessoa que eu gostava tanto.
As meninas ficaram enrolando um pouco até que Chad chegasse, para que eu não ficasse sozinha com meus pensamentos. Quando disse que já estava próximo, trataram logo de sair do apartamento para me deixar a sós com ele.
— ?! — reconheci a voz masculina um pouco longe.
— Tô aqui no quarto! — gritei de volta.
Chad vestia uma calça moletom cinza com uma camisa branca, e tinha um rosto cansado da ressaca da noite anterior.
— Nossa, qual a placa? — sorri para ele, que me deu língua em resposta.
— Você também não tá bonita de ressaca, não, garota — se jogou na cama ao meu lado, colocando as mãos atrás da cabeça.
Ficamos um tempo em silêncio, só nos olhando. Seus olhos estavam confusos, tristes, evitando iniciar a conversa, até que minha consciência insistiu finalmente a formar a pergunta mais direta de toda a minha existência:
— Quando você começou a se sentir assim por mim? — meu olhar analisava cada movimento dele.
— Talvez desde o começo? — ele pronunciou, desconfiado. — Seria difícil eu não me apaixonar por você, . Você é minha melhor amiga. Tudo é fácil, estar com você é fácil, e por que não tentar? — ele apontou para nós.
— Chad, eu… — travei minha fala, um pouco com medo de magoá-lo, o que era inevitável. — Eu não sinto a mesma coisa. Desde o começo eu te disse que não mudaria de opinião, porque eu gosto das coisas desse jeito: descomplicado, casual e cômodo.
— Cômodo? — ele riu sem graça. — Tô me sentindo um merda agora… — sua voz soou zombadora.
— Não, não, não! Você entendeu o que eu quis dizer — me irritei um pouco quando percebi seu tom de voz debochado. — Tudo isso que nós temos é muito cômodo, sim. É conveniente, Chad! Não preciso me esforçar pra nada acontecer. Se qualquer um de nós quisermos beijar, transar ou simplesmente ir a um cinema sem querer estar só, não precisamos ir a encontros tediosos. Eu te disse antes de tudo isso começar que era muito mais simples transar com amigos porque não precisaria começar tudo do zero, e você concordou com tudo o que eu falei — meu tom de voz saiu alto demais.
— É, mas aparentemente você esquece de qualquer mínima coisa que você diz.
— E o que eu disse de tão errado, Chad?
— Lembra quando fizemos o luau na praia? — assenti e o deixei continuar. — Você fez questão de me beijar na frente de todos, sabendo que havia uma garota que eu queria ficar — suas mãos inquietas quase me faziam desconcentrar da minha fala. Era nítido o quanto ele estava nervoso de expor tudo o que sempre sentiu.
— Ela era uma péssima pessoa — dei a única desculpa pela qual eu havia feito tal ação. — E você sabia disso!
— Isso não vem ao caso! Depois dessa cena, você lembra o que me disse ou sua memória é curta demais? — Chad questionou. Fiquei parada esperando, porque realmente não me recordava de tantos detalhes da gente quanto ele. — Você me disse que eu seria a pessoa perfeita pra você porque eu te entendia. Porque eu conhecia você como a palma da minha mão, . Quem em sã consciência fala isso sem a intenção?
Observei seus olhos marejados, então senti o nó se formando no meu estômago.
Eu me sentia culpada por não me lembrar com tantos detalhes de muitos momentos que, para ele, foram essenciais para florescer esse sentimento por mim. A bebida sempre explanava pensamentos tão contidos no meu subconsciente que eu não imaginava que tinha. Era possível que, sim, eu sentia que Chad seria uma pessoa maravilhosa para me relacionar, porque ele era uma pessoa incrível como ninguém nunca havia sido. Mas dentro do meu coração tudo permanecia o mesmo.
— Me desculpe se te fiz enxergar algo que não existia, mas você criou uma imagem de mim que não existe. Eu não lembro desse dia, não lembro principalmente das palavras que te disse, mas pra mim nada mudou, entende? — eu não tirava meus olhos dele, mas me doeu vê-lo desviar o olhar. — Chad, nunca fomos reféns de sentimentos com ninguém antes. Por que você acha que eu seria essa pessoa que faria tudo mudar?
— Você me mudou! — ele segurou meu rosto, tão convicto daquilo que chegava a me assustar.
— Agora eu que estou me sentindo uma merda por não te corresponder — senti algumas lágrimas molharem meu rosto. — Me desculpa, meu bem. Me desculpa se eu te magoei, não era minha intenção. Por que não me disse antes? Eu não quero que nossa amizade acabe.
— Eu achei que você enxergaria… Tá tudo bem, — ele me abraçou enquanto eu molhava toda sua camisa. — Eu que fui um idiota por achar que isso daria em algo.
De repente, me desvencilhei dos seus braços e fixei meu olhar no seu, marejado.
— Não, você não foi. Você é um cara incrível e merece alguém que queira você por inteiro! — sorri, vendo-o puxar a lateral da boca e tentar um sorriso que parecia triste demais para ele, que vivia me fazendo rir. — Não seria justo te fazer insistir em algo que não vai pra frente — me afastei dele, sustentando minhas mãos em seu rosto e observando sua feição triste e decepcionada.
— Podemos não ficar estranhos, por favor? — Chad pediu.
— Por favor!
Ficamos abraçados durante um tempo, mas depois ele disse que iria para casa ficar um pouco sozinho. Nos despedimos com aquela cara de enterro por algo que havia sido de fato cravado, torcendo para que nossa amizade não tivesse ido junto.
💃💃💃
Eu bebericava uma cerveja encostada na bancada da cozinha enquanto esperava Kelsey e Amber ficarem prontas. Rolava meus olhos pelo Instagram, mas de fato eu não estava olhando absolutamente nada, apenas passando o tempo.
— Nossa, gente, que demora!
— Já vamos! — escutei as vozes abafadas de ambas.
Esperei mais cinco minutos antes de entrarmos no carro de aplicativo, que não demorou no percurso; ele nos deixou na esquina da rua. O The Cave era definitivamente o meu bar favorito de todos, de qualquer lugar existente no mundo. Havia dois cenários: o subsolo era de fato uma caverna, onde do lado direito tinha a bancada para se fazer pedidos, e do lado esquerdo, uma espécie de pista de dança, em que alguns momentos um DJ desconhecido tocava aquelas músicas pop dos anos 2000. Em outros, o jukebox fazia seu papel de preencher o ambiente com melodias antigas perfeitamente.
Eu gostava da sensação de estar naquele bar intimista, que proporciona esse abraço na alma quando eu apenas gostaria de sentar e conversar sobre a vida; embora algumas conversas sempre saíssem profundas demais.
— Como foi com Chad? — Kelsey se mostrou curiosa no momento em que sentamos na mesa dos fundos.
— Foi uma conversa sincera, sabe? Acho que ficou tudo bem. Ele realmente queria tentar algo comigo, disse que eu mudei a forma dele de enxergar relacionamentos. Enfim, prometemos não ficar estranhos e espero que realmente seja assim.
— Eu acho que ele vai se afastar um pouco — Amber disse, mostrando-se duvidosa.
— Já eu não acho, isso só aconteceria se começasse a tratá-lo de forma diferente. Não tendo mais intimidade… — Kels se posicionou oposta à nossa amiga.
— Mas eu não pretendo mais ficar com ele — eu a interrompi.
— Não dessa forma, digo intimidade da amizade mesmo. Você não mudaria com ele e nem é a sua intenção — ela continuou.
— Ah, sim, claro. Não pretendo mudar dessa forma, e deixei isso claro.
Joguei meu cabelo para o lado, tirando boa parte do franjão da minha visão, bebericando a cerveja em seguida. A mesa de repente ficou num silêncio esquisito, o que me fez tirar os olhos do vidro verde em minha frente para as meninas em transe.
— Ué, já estão bêbadas?! — questionei sem entender, observando a feição delas mudar para abobalhadas.
— Espero que não. Vocês precisam ficar bêbadas comigo! — olhei lateralmente para cima quando ouvi um tom de voz masculino conhecido por mim. Harry estava na ponta da mesa, vestia uma camisa básica branca de botão e uma calça de alfaiataria preta. Como poderia ficar tão lindo com algo tão simples?
Me levantei para abraçá-lo e senti suas mãos percorreram minhas costas. Seus dedos pareciam querer conhecer minha pele quando os senti pressionar um pouco ao redor da minha cintura. Mesmo querendo demorar naquele toque, me afastei dele para apresentá-lo às garotas.
— Hey! Encontrou fácil o lugar?
— Sim! Não demorei, não é? — ele perguntou ainda com as mãos no meu braço, preocupado com sua pontualidade britânica. Demorei uns segundos para respondê-lo enquanto processava seu perfume em minha mente.
— Não, chegamos há pouco tempo. Então, essas são Kelsey e Amber — apontei para cada uma antes de sentar no booth, o observando abraçar cada uma delas.
— Kelsey, mais conhecida como garota do drink! — ouvi ele dizer quando se sentou ao meu lado.
— MEU DEUS! Você se lembra disso?! — ouvi a gargalhada nervosa de Kels contaminar a mesa.
— Claro! E as trezentas notificações que me marcou naquela foto pós-catástrofe — Harry expôs um sorriso brincalhão.
— Você fez mesmo isso, Kels? Achei que estivesse brincando! — eu indaguei, perplexa. Poderia jurar que havia falado da boca para fora, mas acho que estava tão atordoada naquele dia que me esqueci como Kelsey poderia ser um pouco fora do normal.
— Em minha defesa, eu nem imaginava que você veria, Harry. Só queria deixar claro que sou uma pessoa totalmente normal, apenas muito fã do seu trabalho — ela abriu um sorriso sincero.
— Bom, obrigado por isso. Se não fossem as notificações, eu não teria encontrado a dançarina dos sonhos — senti a mão de Harry tocar a minha, que estava estacionada ao lado da minha coxa. Ele estava fazendo de tudo para me tocar desde que havia chegado, e eu estava adorando tudo isso.
Meu novo apelido saindo pela sua boca não me era estranho, mas por enquanto eu deixaria essa informação guardada no fundo da minha mente. Ele, com um sorriso ladino todo galanteador, repousou seus olhos em mim sabendo que sua tacada de mestre havia me atingido em cheio. Styles fazia o tipo misterioso, mas quando queria deixar algo claro, ele diria com todas as letras. E estava deixando tudo muito mais que nítido!
HARRY
Os lugares que escolhemos frequentar trazem mais informações sobre nossas personalidades, talvez mais do que possamos imaginar. Ou até mesmo em que fase nos encontramos. Você envelhece e passa a nem querer passar perto de alguns locais – Beachwood Cafe que me perdoe –, mas esse era o natural da vida. Nada permanecia o mesmo, principalmente a gente.
Passeando meus olhos pelo ambiente, eu conseguia entender um pouco como era , como ela escolhia viver sua vida. Não que ao pé da letra isso signifique que ela seja definida por esse lugar, mas à medida que você gasta parte da sua vida em alguns ambientes, mais ele tende a falar sobre você. Mais ele passa a significar você.
— Vocês vêm sempre aqui? Eu adorei esse lugar! — perguntei, admirando uma guitarra pendura à minha esquerda.
— Sim, é nosso safety place. A gente sempre vem aqui pra chorar as pitangas! — respondeu, afirmando o que eu já esperava. O ambiente intimista a ajudava sempre recorrer a ele para se sentir bem.
— Qual pitanga quer chorar pra gente hoje, Harry? — Amber me questionou.
— Não estou conseguindo escrever — cocei minha nuca, desconfortável por ser sincero até demais.
— Jura? Nada mesmo? — a morena continuou me ouvindo desabafar.
— Na verdade, uma linha ou duas. Algumas palavras desconexas, mas nada concreto que se possa chamar de música — concluí um pouco chateado.
— Não se pressione, talvez você só esteja cansado demais da turnê — a cacheada me direcionou o papo enquanto continuava me observando sem falar nada.
— Também acho, relaxe um pouco. Você precisa de uma noite divertida, regada de bebidas, sem falar de trabalho! — ela disse por fim, talvez sabendo que eu não falaria muito além disso.
— OWEN! — gritou para o garçom, que logo surgiu ao meu lado. — Traz uma rodada de tequila?
— É pra já, ! — como um foguete, o homem saiu e voltou em questão de segundos.
— Entenda, Harryzinho, regra número um desse rolê: não falar de trabalho!
Gostei de como meu novo apelido soava na boca de , e acompanhei as regras que faziam parte, talvez, de sua personalidade.
— Regra número dois — ela continuou —, beber sem pensar no amanhã.
Encarei-a sorrindo, vendo seu rosto se transformar maliciosamente ao falar aquilo.
— Estou pronto para viver pelas suas regras hoje, !
Observei-a distribuir os copinhos entre nós. Ela definitivamente se sentia à vontade naquele lugar, diria até que fosse seu habitat natural. Estar em volta das suas amigas, vivendo como se não houvesse amanhã; talvez fosse exatamente disso que precisasse naquele momento.
Esperei as garotas colocarem o sal em suas mãos primeiro e repeti o mesmo gesto, posicionando o limão e esperando o brinde.
— Entenda, Harryzinho, o álcool pode não nos dar um futuro, mas dá um passado inesquecível! — ela ergueu a bebida, finalizando com tintilar dos copos.
Passei a língua em minha mão, sentindo o gosto salgado, em seguida trouxe a bebida para minha boca sem demora, engolindo todo líquido que insistia em arder. Julgando que estava sendo observado, me senti lento demais naquela situação quando por fim chupei o limão.
— Ou estou um pouco enferrujado nisso ou vocês bebem muito rápido.
— Eu temo que seja a primeira opção, Styles — Kelsey balançou a cabeça, um pouco decepcionada que talvez eu fosse fraco para bebida.
— Mas vamos mudar isso hoje, não se preocupe — passou a mão pelo meu ombro, me acalentando. Eu sabia que estava me zoando, então ri baixinho.
— Você está adorando isso, não é? — cheguei mais próximo dela, sussurrando em sua orelha. Quando percebi seu corpo travar um pouco com minha proximidade, agradeci internamente por saber que ela demonstrava estar atraída por mim, assim como eu estava por ela.
— E você parece que adora me deixar sem resposta — respondeu baixinho antes que eu me afastasse dela. Seu olhar parou no meu por alguns bons segundos, então franzi a testa com um sorriso convencido.
— Então, como vocês se conheceram? — voltei o assunto para o resto da mesa, me mostrando estar curioso em saber mais sobre como as garotas tinham virado amigas.
Amber era um pouco mais centrada do que as outras – não de um jeito ruim, mas em diversas situações ela aparentava sempre ter opiniões mais concretas sobre diversos assuntos. Kelsey era o tipo de pessoa que faria uma simples ida à padaria ser divertida. Um pouco louquinha, mas com o coração gigante.
— Primeiro eu conheci a Amber. Estava desesperada para sair da casa dos meus pais há um tempo, então quando vi o anúncio de roommate no quadro de avisos do estúdio, não pensei duas vezes. Então, quando apareci no endereço, era essa mulher linda que estava me esperando — ela abraçou carinhosamente a amiga que estava ao seu lado. — Mas foi difícil, porque ela me fez uma entrevista de uma hora! Foi mais fácil passar no vestibular do que morar com ela.
— Em minha defesa, eu tive uma roommie com mania de organização. Eu simplesmente não tinha paz! Então, não poderia deixar de saber todas as manias de Kelsey antes de permitir que morasse comigo — Amber respondeu.
— E você, ? — tornei minha atenção para ela, que tinha acabado de terminar sua cerveja.
— Bom, quando decidi me mudar, a única certeza que eu tinha era que iria estudar na Millennium, o resto eu pensaria quando chegasse aqui. Mas omiti isso da minha família e não pensei duas vezes. Então, quando cheguei em L.A., dormi por quase duas semanas no estacionamento do estúdio. Até que Kelsey me encontrou no carro numa noite aleatória, bateu no vidro e quase me causou um infarto, porque eu podia jurar que ia ser expulsa do estacionamento. E logo me convidou para dormir com ela naquela noite.
— Depois desse dia, ela nunca mais saiu do nosso lado — completou Amber, estendendo a mão para , que sorriu para ela numa forma de gratidão por terem a acolhido tão bem.
— Lindo que você teve essa coragem, . Tenho certeza que o universo enxerga esse atrevimento, e a vida retribui com pessoas maravilhosas no caminho para te apoiar — falei dando uma piscadela para as garotas, que estavam todas sorrindo de orelha a orelha.
Era fácil entender por que a amizade delas funcionava agora, porque elas se apoiaram. Em uma situação normal, as personalidade delas nunca se encontrariam naturalmente, mas a vida fez com que nada dependesse disso. Apenas do amor incondicional entre elas, de um elo quase que superior.
— Obrigada, Harry — um pouco tímida, pressionou seus lábios, desviando seu olhar de mim logo depois.
A cada gole, uma nova risada preenchia nossas conversas, até que alguns shots depois meu corpo já estava inebriado o suficiente para passar a reparar demais em . Em como ela jogava sua cabeça para trás quando estava rindo demais, dando uma visão para seu pescoço que era quase impossível evitar olhar.
Por pura sorte, resolvemos buscar as bebidas no balcão, já que estavam demorando mais que o normal. Paramos no meio do caminho para colocar alguma música naquele aparelho milenar. Apalpei meu bolso em sinal de alguma moeda para alimentar a jukebox, não encontrando nenhuma.
— Eu tenho moeda! — ela fuçou sua bolsa um pouco, me estendendo sua mão aberta com alguns centavos.
— O que quer escutar? — coloquei as moedas no lugar indicado, esperando sua resposta.
— Alguma música que você gosta muito e tem certeza que eu nunca ouvi — ela respondeu, sentando-se em um dos bancos do balcão.
— Bem específica, já sei qual colocar — vasculhei o catálogo e selecionei a canção.
♫ Coloque essa música para tocar ♫
Almost Cut My Hair – Crosby, Stills, Nash & Young
A melodia me preenchia em cheio todas as vezes que eu a escutava. Me fazia teletransportar para quando ainda nem imaginava todas as mudanças que aconteceriam comigo pós-fama. Meu padrasto, que sempre esteve presente na minha vida, brincava com o sentido da música: “Você mal tem cabelo para cortar”, eu brincava com ele, e ele fazia questão de responder que eu talvez ainda fosse novo demais para entender o significado daquilo. O cabelo na música era só uma metáfora para o crescimento. Estávamos em constante evolução, seja por dentro ou por fora, especialmente naquele ambiente em que a todo segundo eu poderia ser consumido pela fama, sofrendo tantas pressões externas que poderiam me tirar a essência.
— Acho que seu gosto musical tem alma de idoso, Styles! — disse sorridente, me provocando.
— Ouch! — coloquei a mão no coração, fingindo estar ofendido. — Mas o que posso fazer se no primórdio dos tempos as músicas eram pura poesia?
— Acho que você pode ter razão — ela respondeu, me chamando para ocupar o banco que estava ao seu lado. — O que fala essa música? — virou seu corpo em minha direção; seus joelhos descobertos tocavam minha perna. Reparei pela primeira vez que ela estava usando uma saia que deixava à mostra parte de sua coxa.
Concentre-se, Styles.
Voltei meus olhos para , espelhando sua posição e encarando-a de frente. Porra! Ela era linda! Seus lábios estavam ainda preenchidos por algum gloss brilhante que me prenderam por tempo demais neles. A bebida amplificou tudo que eu já achava interessante nela.
— Sei que não é simplesmente sobre cortar um cabelo — me tirou um pouco do transe com a última frase.
— Depois de anos analisando, eu identifiquei novos significados.
— Me fale o primeiro que vem à sua mente.
— A mística inteira da música envolve transformações da vida. As coisas não estão acontecendo do jeito que a pessoa imaginava. O que ela sente por dentro não está tão legal, por isso ela não consegue estar em relacionamentos profundos — expliquei e se mexeu um pouco no banco, ainda me encarando. — Mas de alguma forma ela sabe que só depende dela mesma tornar isso melhor, prometendo não se entregar ao medo.
— “I'll find a place inside to laugh” — a ouvi repetir logo depois que a música acabou. — É uma bela música, Styles. Acho que gosto do seu estilo musical, prometo nunca mais reclamar dele — seus olhos gigantes estavam brilhando. Parecia que, de alguma maneira, o que eu falei havia significado muito para ela.
As palavras que tinham acabado de sair da minha boca nem sequer tinham passado pela minha mente antes. Talvez eu fosse aquela pessoa da música que precisasse de uma transformação. As coisas não estavam do jeito que eu imaginava; na verdade, nada nunca vai estar exatamente do jeito que imaginamos, e de alguma forma eu devia a mim mesmo uma mudança.
— Owen! — gritou para o atendente, que estava um pouco distante.
— E aí, ! O que vai querer? — ele surgiu em nossa frente com um pano pendurado em seu ombro, pousando o olhar atento na dançarina.
— Seis shots de tequila, por favor — pediu, e arregalei os olhos para ela, assustado. — Esse homem precisa da melhor tequila que esse bar tem! — continuou animada enquanto me passava pela cabeça que eu chegaria em casa, no mínimo, sendo carregado.
— Você vai matá-lo antes de conseguir chegar na cama dele — o barman soltou de repente, me fazendo cair na gargalhada enquanto as bochechas dela se tornavam vermelhas.
— MEU DEUS! PARE! Só coloque as bebidas rápido, pare de me envergonhar — aumentou a voz, rindo de nervoso com ele. — Finja, por favor, que não escutou o que esse loiro oxigenado acabou de falar — ela posicionou suas mãos juntas como se eu fosse um Deus e estivesse orando para que eu apagasse aquilo da memória. Eu nunca faria aquilo, queria guardar essa cena para sempre na minha mente para provocá-la num futuro próximo.
— O que ele falou mesmo? — entrei em sua brincadeira, colocando a mão no meu ouvido e fingindo surdez. Gargalhei logo em seguida.
O loiro colocou os copos enfileirados na bancada, reunidos com limão e sal à nossa frente.
— Espere um minuto, vou entregar dois para as meninas! — ela tomou em sua mão, deixando apenas quatro na minha frente.
— Eu vou morrer hoje, Owen? — levantei meu olhar para o homem que ainda estava parado em minha frente e observei assentir com a cabeça.
— não tem muito limite quando está festejando, acostume-se com isso — ele deu de ombros, zoando um pouco a garota. — Principalmente porque você é o primeiro homem que ela traz pra cá — Owen trouxe aquela informação casualmente, mas de certa forma me deixou com uma pulga atrás da orelha. Porém, não me deu tempo suficiente para tirar mais nenhuma informação dele.
— Voltei! Onde estávamos? — ela se posicionou em minha frente de novo, pegou os copos e me estendeu um, brindando logo em seguida.
Observei passar a língua em sua mão, tirando todo o sal que depositou no meio do seu polegar e indicador. Me arrependi no mesmo instante! Repeti seus movimentos e engoli o líquido rápido, na tentativa de esquecer a cena.
Tentativa falha.
Estacionei meus olhos nela quando fez a mesma coisa em seu segundo shot seguido, mas, dessa vez, cravou seus olhos em mim enquanto o fazia. Olhos estes que pareciam estar se divertindo; diria até que percebiam minha falta de ar repentina, minha boca seca e minha vontade de agarrá-la bem ali. Ela sabia exatamente o que estava fazendo.
Bebi o outro copo para desviar meu olhar de , ou eu morreria de tesão na frente de todos daquele bar.
— Vem aqui! — a puxei pela mão, levando a mulher em forma de tentação até uma mini-pista de dança que permanecia tocando alguma playlist de músicas antigas demais. Girei no mesmo lugar, puxando-a para próximo de mim logo em seguida.
— Uau! Você é bom nisso — sua boca abriu em surpresa.
— Tenho passos que nunca viu, zinha — sussurrei em seu ouvido, sabendo exatamente o que lhe causaria.
— Você gostou do seu apelido novo, não é? Tanto que está me imitando — ela sorriu convencida enquanto eu ria, sabendo que estávamos na mesma página. Nós dois estávamos nos provocando, puxando até o limite daquela tensão sexual.
Entrelacei nossas mãos de um lado, enquanto a outra estava na metade de suas costas, guiando nossa dança.
— Eu gosto como ele soa em sua boca — respondi, depositando um beijo bem na curva do seu pescoço. Ouvi sua respiração falhar por um instante, então voltei a olhá-la. Estava na iminência de dizer algo.
— Lembra mais cedo quando você disse que não estava conseguindo escrever? — ela indagou e eu assenti, a incentivando a continuar. Nossos corpos estavam próximos demais, e nossas bocas, longe demais. — Às vezes, quando não consigo criar uma coreografia ou todos os passos parecem simples ou bobos demais, eu me jogo no mundo. Então, com minha humilde sugestão, acho que você deveria deixar a vida te surpreender um pouco e viver, Harryzinho.
Essa era a deixa.
Minha mão passeou do meio de suas costas para a região da lombar. Seu corpo fez um impulso, se unindo mais ao meu, e agora sua respiração estava perto o suficiente para interagir com a minha. Encontrei seus olhos desesperados pelo meus, quando entrelaçou seus braços pelos meus ombros. O roçar dos nossos lábios me lembrava por que eu deveria viver.
Até que seus lábios já não estavam mais tão próximos. Nem mesmo seu corpo.
— Me perdoem! Mas a Kels está passando mal. Eu posso voltar com ela, mas só precisava avisar a você, amiga — avistei Amber puxando-a para conversar com ela.
— Não vou deixar você ir com ela sozinha — respondeu .
Olhei para ela, que já estava um pouco afastada, com uma expressão chateada. Seus lábios diziam “me desculpe” sem emitir som, então respondi para ela que estava tudo bem e as segui até a saída do bar.
Com Amber ao seu lado, Kelsey já estava sentada em um banco do lado de fora; estava no meio da rua tentando parar algum táxi que as levassem para casa. Me aproximei dela, que me olhou assim que pus minha mão em sua cintura, a abraçando lateralmente.
— Querem voltar comigo? O motorista pode deixar vocês em casa — ofereci, mas sua cabeça negou de primeira.
— Não quero atrapalhar você, Harry. Além do mais, o táxi já está parando — ela acenou a mão para outro, que dessa vez parou.
— Tudo bem, mas por favor, lembre-me de dizer se chegaram bem. Ok?
— Claro. Vamos, amiga!
Observei sua amiga dormindo no ombro da morena, impossibilitando-a de andar. Caminhei até o banco e passei meu braço por suas costas enquanto o outro envolvia suas pernas, carregando-a até o carro. Posicionei a garota e coloquei o cinto de segurança, me afastando para as outras entrarem.
— Harry, muito obrigada. Desculpe por tirar a dançarina dos seus braços — Amber riu sem graça antes de me abraçar.
— Tudo bem, Ambs. Amei conhecer vocês!
surgiu em minha frente antes de entrar também naquele carro que a levaria para longe dos meus lábios.
— Me desculpe, novamente — sua voz soou chateada.
— Aceita jantar comigo? — perguntei, ignorando seu milésimo pedido de desculpas e vendo-a abrir um sorriso.
— Claro! Vou adorar, prometo não envolver tequila dessa vez — disse brincalhona.
— Pelo menos estaremos em casa se um de nós passar mal — juntei uma mecha de seu cabelo atrás da orelha que o vento insistia em bagunçar.
— Você vai cozinhar? — seus olhos estavam confusos, então dei de ombros só para alimentar sua curiosidade. — Tudo bem, misterioso. Vou indo! — ela se afastou demais, o que me fez sentir o vazio do espaço que seu corpo não ocupava mais.
— Tchau, zinha.
Num ato inesperado, seu corpo – que já estava de costas para mim – girou em minha direção. O vazio era ocupado novamente pelo seu corpo esguio. Perto o suficiente. Suas mãos contornaram meu rosto quando seus lábios grudaram nos meus. Apenas encostaram, sem conversar. Nem precisavam. Mas depois dali, eles queriam viver.
— Tchau, Harryzinho.
— Como diabos eu vou saber disso?! Agora não dá pra evitar, converse com ele e pergunte você mesma. A gente já vinha te avisando pra tomar cuidado e conversar, mas agora a merda já está feita e exposta — Amber respondeu firme, quase como se estivesse brigando comigo, e nossa amiga apenas concordou com a cabeça.
Eu acreditava que pela primeira vez na vida esse acordo de “amigos com benefícios” daria totalmente certo, porque finalmente aparentava que eu tinha conhecido uma pessoa igual a mim. Literalmente igual. Mas em que mundo Chad estava morando? Se enquanto no meu, eu simplesmente só o via como um amigo?
Reconhecer um erro: talvez essa seja a situação mais difícil que eu tinha que lidar na vida. Contudo, existia uma parcela frágil nessa equação em que eu não poderia mais empurrar com a barriga. Possivelmente, eu tenha percebido nas entrelinhas muito antes dos avisos prévios, mas a preguiça de procurar uma nova amizade colorida me pegou de jeito, muito antes da minha consciência me alertar o quão errada eu estava pensando daquela forma. Então, eu não poderia fazer isso com Chad. Não mais. Existe um limite e eu havia ultrapassado.
— Eu sei o que eu tenho que fazer, e lá vamos nós… — peguei meu celular em seguida.
— Você vai falar com ele agora? — Kels perguntou.
— O quanto antes melhor, não? Eu prefiro, ele já me ligou muitas vezes hoje. Vocês vão sair agora à tarde?
— Se você quiser que a gente saia… — Amber respondeu.
— Acho que seria melhor, se vocês não se importarem. Obrigada — as abracei e fui em direção ao meu quarto. Me joguei na cama, agarrei meu travesseiro e puxei o celular para a orelha, escutando a chamada ser atendida.
— Alô?
— Oi, Chad, sou eu.
— Hey, , graças a Deus é você. Me desculpe por ontem, eu… — ele falou mais rápido que o normal.
— Acho melhor conversarmos pessoalmente. Tô te esperando aqui em casa — falei antes que ele começasse a justificar suas atitudes.
— Tá bem, chego aí daqui a pouco — senti sua respiração pesada antes de desligar a chamada.
Deixei o celular de lado, virando meu corpo encolhido na tentativa de me ninar. Ok. Isso seria mais difícil do que eu imaginava. Na verdade, já estava sendo difícil ter que decepcionar uma pessoa que eu gostava tanto.
As meninas ficaram enrolando um pouco até que Chad chegasse, para que eu não ficasse sozinha com meus pensamentos. Quando disse que já estava próximo, trataram logo de sair do apartamento para me deixar a sós com ele.
— ?! — reconheci a voz masculina um pouco longe.
— Tô aqui no quarto! — gritei de volta.
Chad vestia uma calça moletom cinza com uma camisa branca, e tinha um rosto cansado da ressaca da noite anterior.
— Nossa, qual a placa? — sorri para ele, que me deu língua em resposta.
— Você também não tá bonita de ressaca, não, garota — se jogou na cama ao meu lado, colocando as mãos atrás da cabeça.
Ficamos um tempo em silêncio, só nos olhando. Seus olhos estavam confusos, tristes, evitando iniciar a conversa, até que minha consciência insistiu finalmente a formar a pergunta mais direta de toda a minha existência:
— Quando você começou a se sentir assim por mim? — meu olhar analisava cada movimento dele.
— Talvez desde o começo? — ele pronunciou, desconfiado. — Seria difícil eu não me apaixonar por você, . Você é minha melhor amiga. Tudo é fácil, estar com você é fácil, e por que não tentar? — ele apontou para nós.
— Chad, eu… — travei minha fala, um pouco com medo de magoá-lo, o que era inevitável. — Eu não sinto a mesma coisa. Desde o começo eu te disse que não mudaria de opinião, porque eu gosto das coisas desse jeito: descomplicado, casual e cômodo.
— Cômodo? — ele riu sem graça. — Tô me sentindo um merda agora… — sua voz soou zombadora.
— Não, não, não! Você entendeu o que eu quis dizer — me irritei um pouco quando percebi seu tom de voz debochado. — Tudo isso que nós temos é muito cômodo, sim. É conveniente, Chad! Não preciso me esforçar pra nada acontecer. Se qualquer um de nós quisermos beijar, transar ou simplesmente ir a um cinema sem querer estar só, não precisamos ir a encontros tediosos. Eu te disse antes de tudo isso começar que era muito mais simples transar com amigos porque não precisaria começar tudo do zero, e você concordou com tudo o que eu falei — meu tom de voz saiu alto demais.
— É, mas aparentemente você esquece de qualquer mínima coisa que você diz.
— E o que eu disse de tão errado, Chad?
— Lembra quando fizemos o luau na praia? — assenti e o deixei continuar. — Você fez questão de me beijar na frente de todos, sabendo que havia uma garota que eu queria ficar — suas mãos inquietas quase me faziam desconcentrar da minha fala. Era nítido o quanto ele estava nervoso de expor tudo o que sempre sentiu.
— Ela era uma péssima pessoa — dei a única desculpa pela qual eu havia feito tal ação. — E você sabia disso!
— Isso não vem ao caso! Depois dessa cena, você lembra o que me disse ou sua memória é curta demais? — Chad questionou. Fiquei parada esperando, porque realmente não me recordava de tantos detalhes da gente quanto ele. — Você me disse que eu seria a pessoa perfeita pra você porque eu te entendia. Porque eu conhecia você como a palma da minha mão, . Quem em sã consciência fala isso sem a intenção?
Observei seus olhos marejados, então senti o nó se formando no meu estômago.
Eu me sentia culpada por não me lembrar com tantos detalhes de muitos momentos que, para ele, foram essenciais para florescer esse sentimento por mim. A bebida sempre explanava pensamentos tão contidos no meu subconsciente que eu não imaginava que tinha. Era possível que, sim, eu sentia que Chad seria uma pessoa maravilhosa para me relacionar, porque ele era uma pessoa incrível como ninguém nunca havia sido. Mas dentro do meu coração tudo permanecia o mesmo.
— Me desculpe se te fiz enxergar algo que não existia, mas você criou uma imagem de mim que não existe. Eu não lembro desse dia, não lembro principalmente das palavras que te disse, mas pra mim nada mudou, entende? — eu não tirava meus olhos dele, mas me doeu vê-lo desviar o olhar. — Chad, nunca fomos reféns de sentimentos com ninguém antes. Por que você acha que eu seria essa pessoa que faria tudo mudar?
— Você me mudou! — ele segurou meu rosto, tão convicto daquilo que chegava a me assustar.
— Agora eu que estou me sentindo uma merda por não te corresponder — senti algumas lágrimas molharem meu rosto. — Me desculpa, meu bem. Me desculpa se eu te magoei, não era minha intenção. Por que não me disse antes? Eu não quero que nossa amizade acabe.
— Eu achei que você enxergaria… Tá tudo bem, — ele me abraçou enquanto eu molhava toda sua camisa. — Eu que fui um idiota por achar que isso daria em algo.
De repente, me desvencilhei dos seus braços e fixei meu olhar no seu, marejado.
— Não, você não foi. Você é um cara incrível e merece alguém que queira você por inteiro! — sorri, vendo-o puxar a lateral da boca e tentar um sorriso que parecia triste demais para ele, que vivia me fazendo rir. — Não seria justo te fazer insistir em algo que não vai pra frente — me afastei dele, sustentando minhas mãos em seu rosto e observando sua feição triste e decepcionada.
— Podemos não ficar estranhos, por favor? — Chad pediu.
— Por favor!
Ficamos abraçados durante um tempo, mas depois ele disse que iria para casa ficar um pouco sozinho. Nos despedimos com aquela cara de enterro por algo que havia sido de fato cravado, torcendo para que nossa amizade não tivesse ido junto.
Eu bebericava uma cerveja encostada na bancada da cozinha enquanto esperava Kelsey e Amber ficarem prontas. Rolava meus olhos pelo Instagram, mas de fato eu não estava olhando absolutamente nada, apenas passando o tempo.
— Nossa, gente, que demora!
— Já vamos! — escutei as vozes abafadas de ambas.
Esperei mais cinco minutos antes de entrarmos no carro de aplicativo, que não demorou no percurso; ele nos deixou na esquina da rua. O The Cave era definitivamente o meu bar favorito de todos, de qualquer lugar existente no mundo. Havia dois cenários: o subsolo era de fato uma caverna, onde do lado direito tinha a bancada para se fazer pedidos, e do lado esquerdo, uma espécie de pista de dança, em que alguns momentos um DJ desconhecido tocava aquelas músicas pop dos anos 2000. Em outros, o jukebox fazia seu papel de preencher o ambiente com melodias antigas perfeitamente.
Eu gostava da sensação de estar naquele bar intimista, que proporciona esse abraço na alma quando eu apenas gostaria de sentar e conversar sobre a vida; embora algumas conversas sempre saíssem profundas demais.
— Como foi com Chad? — Kelsey se mostrou curiosa no momento em que sentamos na mesa dos fundos.
— Foi uma conversa sincera, sabe? Acho que ficou tudo bem. Ele realmente queria tentar algo comigo, disse que eu mudei a forma dele de enxergar relacionamentos. Enfim, prometemos não ficar estranhos e espero que realmente seja assim.
— Eu acho que ele vai se afastar um pouco — Amber disse, mostrando-se duvidosa.
— Já eu não acho, isso só aconteceria se começasse a tratá-lo de forma diferente. Não tendo mais intimidade… — Kels se posicionou oposta à nossa amiga.
— Mas eu não pretendo mais ficar com ele — eu a interrompi.
— Não dessa forma, digo intimidade da amizade mesmo. Você não mudaria com ele e nem é a sua intenção — ela continuou.
— Ah, sim, claro. Não pretendo mudar dessa forma, e deixei isso claro.
Joguei meu cabelo para o lado, tirando boa parte do franjão da minha visão, bebericando a cerveja em seguida. A mesa de repente ficou num silêncio esquisito, o que me fez tirar os olhos do vidro verde em minha frente para as meninas em transe.
— Ué, já estão bêbadas?! — questionei sem entender, observando a feição delas mudar para abobalhadas.
— Espero que não. Vocês precisam ficar bêbadas comigo! — olhei lateralmente para cima quando ouvi um tom de voz masculino conhecido por mim. Harry estava na ponta da mesa, vestia uma camisa básica branca de botão e uma calça de alfaiataria preta. Como poderia ficar tão lindo com algo tão simples?
Me levantei para abraçá-lo e senti suas mãos percorreram minhas costas. Seus dedos pareciam querer conhecer minha pele quando os senti pressionar um pouco ao redor da minha cintura. Mesmo querendo demorar naquele toque, me afastei dele para apresentá-lo às garotas.
— Hey! Encontrou fácil o lugar?
— Sim! Não demorei, não é? — ele perguntou ainda com as mãos no meu braço, preocupado com sua pontualidade britânica. Demorei uns segundos para respondê-lo enquanto processava seu perfume em minha mente.
— Não, chegamos há pouco tempo. Então, essas são Kelsey e Amber — apontei para cada uma antes de sentar no booth, o observando abraçar cada uma delas.
— Kelsey, mais conhecida como garota do drink! — ouvi ele dizer quando se sentou ao meu lado.
— MEU DEUS! Você se lembra disso?! — ouvi a gargalhada nervosa de Kels contaminar a mesa.
— Claro! E as trezentas notificações que me marcou naquela foto pós-catástrofe — Harry expôs um sorriso brincalhão.
— Você fez mesmo isso, Kels? Achei que estivesse brincando! — eu indaguei, perplexa. Poderia jurar que havia falado da boca para fora, mas acho que estava tão atordoada naquele dia que me esqueci como Kelsey poderia ser um pouco fora do normal.
— Em minha defesa, eu nem imaginava que você veria, Harry. Só queria deixar claro que sou uma pessoa totalmente normal, apenas muito fã do seu trabalho — ela abriu um sorriso sincero.
— Bom, obrigado por isso. Se não fossem as notificações, eu não teria encontrado a dançarina dos sonhos — senti a mão de Harry tocar a minha, que estava estacionada ao lado da minha coxa. Ele estava fazendo de tudo para me tocar desde que havia chegado, e eu estava adorando tudo isso.
Meu novo apelido saindo pela sua boca não me era estranho, mas por enquanto eu deixaria essa informação guardada no fundo da minha mente. Ele, com um sorriso ladino todo galanteador, repousou seus olhos em mim sabendo que sua tacada de mestre havia me atingido em cheio. Styles fazia o tipo misterioso, mas quando queria deixar algo claro, ele diria com todas as letras. E estava deixando tudo muito mais que nítido!
Os lugares que escolhemos frequentar trazem mais informações sobre nossas personalidades, talvez mais do que possamos imaginar. Ou até mesmo em que fase nos encontramos. Você envelhece e passa a nem querer passar perto de alguns locais – Beachwood Cafe que me perdoe –, mas esse era o natural da vida. Nada permanecia o mesmo, principalmente a gente.
Passeando meus olhos pelo ambiente, eu conseguia entender um pouco como era , como ela escolhia viver sua vida. Não que ao pé da letra isso signifique que ela seja definida por esse lugar, mas à medida que você gasta parte da sua vida em alguns ambientes, mais ele tende a falar sobre você. Mais ele passa a significar você.
— Vocês vêm sempre aqui? Eu adorei esse lugar! — perguntei, admirando uma guitarra pendura à minha esquerda.
— Sim, é nosso safety place. A gente sempre vem aqui pra chorar as pitangas! — respondeu, afirmando o que eu já esperava. O ambiente intimista a ajudava sempre recorrer a ele para se sentir bem.
— Qual pitanga quer chorar pra gente hoje, Harry? — Amber me questionou.
— Não estou conseguindo escrever — cocei minha nuca, desconfortável por ser sincero até demais.
— Jura? Nada mesmo? — a morena continuou me ouvindo desabafar.
— Na verdade, uma linha ou duas. Algumas palavras desconexas, mas nada concreto que se possa chamar de música — concluí um pouco chateado.
— Não se pressione, talvez você só esteja cansado demais da turnê — a cacheada me direcionou o papo enquanto continuava me observando sem falar nada.
— Também acho, relaxe um pouco. Você precisa de uma noite divertida, regada de bebidas, sem falar de trabalho! — ela disse por fim, talvez sabendo que eu não falaria muito além disso.
— OWEN! — gritou para o garçom, que logo surgiu ao meu lado. — Traz uma rodada de tequila?
— É pra já, ! — como um foguete, o homem saiu e voltou em questão de segundos.
— Entenda, Harryzinho, regra número um desse rolê: não falar de trabalho!
Gostei de como meu novo apelido soava na boca de , e acompanhei as regras que faziam parte, talvez, de sua personalidade.
— Regra número dois — ela continuou —, beber sem pensar no amanhã.
Encarei-a sorrindo, vendo seu rosto se transformar maliciosamente ao falar aquilo.
— Estou pronto para viver pelas suas regras hoje, !
Observei-a distribuir os copinhos entre nós. Ela definitivamente se sentia à vontade naquele lugar, diria até que fosse seu habitat natural. Estar em volta das suas amigas, vivendo como se não houvesse amanhã; talvez fosse exatamente disso que precisasse naquele momento.
Esperei as garotas colocarem o sal em suas mãos primeiro e repeti o mesmo gesto, posicionando o limão e esperando o brinde.
— Entenda, Harryzinho, o álcool pode não nos dar um futuro, mas dá um passado inesquecível! — ela ergueu a bebida, finalizando com tintilar dos copos.
Passei a língua em minha mão, sentindo o gosto salgado, em seguida trouxe a bebida para minha boca sem demora, engolindo todo líquido que insistia em arder. Julgando que estava sendo observado, me senti lento demais naquela situação quando por fim chupei o limão.
— Ou estou um pouco enferrujado nisso ou vocês bebem muito rápido.
— Eu temo que seja a primeira opção, Styles — Kelsey balançou a cabeça, um pouco decepcionada que talvez eu fosse fraco para bebida.
— Mas vamos mudar isso hoje, não se preocupe — passou a mão pelo meu ombro, me acalentando. Eu sabia que estava me zoando, então ri baixinho.
— Você está adorando isso, não é? — cheguei mais próximo dela, sussurrando em sua orelha. Quando percebi seu corpo travar um pouco com minha proximidade, agradeci internamente por saber que ela demonstrava estar atraída por mim, assim como eu estava por ela.
— E você parece que adora me deixar sem resposta — respondeu baixinho antes que eu me afastasse dela. Seu olhar parou no meu por alguns bons segundos, então franzi a testa com um sorriso convencido.
— Então, como vocês se conheceram? — voltei o assunto para o resto da mesa, me mostrando estar curioso em saber mais sobre como as garotas tinham virado amigas.
Amber era um pouco mais centrada do que as outras – não de um jeito ruim, mas em diversas situações ela aparentava sempre ter opiniões mais concretas sobre diversos assuntos. Kelsey era o tipo de pessoa que faria uma simples ida à padaria ser divertida. Um pouco louquinha, mas com o coração gigante.
— Primeiro eu conheci a Amber. Estava desesperada para sair da casa dos meus pais há um tempo, então quando vi o anúncio de roommate no quadro de avisos do estúdio, não pensei duas vezes. Então, quando apareci no endereço, era essa mulher linda que estava me esperando — ela abraçou carinhosamente a amiga que estava ao seu lado. — Mas foi difícil, porque ela me fez uma entrevista de uma hora! Foi mais fácil passar no vestibular do que morar com ela.
— Em minha defesa, eu tive uma roommie com mania de organização. Eu simplesmente não tinha paz! Então, não poderia deixar de saber todas as manias de Kelsey antes de permitir que morasse comigo — Amber respondeu.
— E você, ? — tornei minha atenção para ela, que tinha acabado de terminar sua cerveja.
— Bom, quando decidi me mudar, a única certeza que eu tinha era que iria estudar na Millennium, o resto eu pensaria quando chegasse aqui. Mas omiti isso da minha família e não pensei duas vezes. Então, quando cheguei em L.A., dormi por quase duas semanas no estacionamento do estúdio. Até que Kelsey me encontrou no carro numa noite aleatória, bateu no vidro e quase me causou um infarto, porque eu podia jurar que ia ser expulsa do estacionamento. E logo me convidou para dormir com ela naquela noite.
— Depois desse dia, ela nunca mais saiu do nosso lado — completou Amber, estendendo a mão para , que sorriu para ela numa forma de gratidão por terem a acolhido tão bem.
— Lindo que você teve essa coragem, . Tenho certeza que o universo enxerga esse atrevimento, e a vida retribui com pessoas maravilhosas no caminho para te apoiar — falei dando uma piscadela para as garotas, que estavam todas sorrindo de orelha a orelha.
Era fácil entender por que a amizade delas funcionava agora, porque elas se apoiaram. Em uma situação normal, as personalidade delas nunca se encontrariam naturalmente, mas a vida fez com que nada dependesse disso. Apenas do amor incondicional entre elas, de um elo quase que superior.
— Obrigada, Harry — um pouco tímida, pressionou seus lábios, desviando seu olhar de mim logo depois.
A cada gole, uma nova risada preenchia nossas conversas, até que alguns shots depois meu corpo já estava inebriado o suficiente para passar a reparar demais em . Em como ela jogava sua cabeça para trás quando estava rindo demais, dando uma visão para seu pescoço que era quase impossível evitar olhar.
Por pura sorte, resolvemos buscar as bebidas no balcão, já que estavam demorando mais que o normal. Paramos no meio do caminho para colocar alguma música naquele aparelho milenar. Apalpei meu bolso em sinal de alguma moeda para alimentar a jukebox, não encontrando nenhuma.
— Eu tenho moeda! — ela fuçou sua bolsa um pouco, me estendendo sua mão aberta com alguns centavos.
— O que quer escutar? — coloquei as moedas no lugar indicado, esperando sua resposta.
— Alguma música que você gosta muito e tem certeza que eu nunca ouvi — ela respondeu, sentando-se em um dos bancos do balcão.
— Bem específica, já sei qual colocar — vasculhei o catálogo e selecionei a canção.
Almost Cut My Hair – Crosby, Stills, Nash & Young
A melodia me preenchia em cheio todas as vezes que eu a escutava. Me fazia teletransportar para quando ainda nem imaginava todas as mudanças que aconteceriam comigo pós-fama. Meu padrasto, que sempre esteve presente na minha vida, brincava com o sentido da música: “Você mal tem cabelo para cortar”, eu brincava com ele, e ele fazia questão de responder que eu talvez ainda fosse novo demais para entender o significado daquilo. O cabelo na música era só uma metáfora para o crescimento. Estávamos em constante evolução, seja por dentro ou por fora, especialmente naquele ambiente em que a todo segundo eu poderia ser consumido pela fama, sofrendo tantas pressões externas que poderiam me tirar a essência.
— Acho que seu gosto musical tem alma de idoso, Styles! — disse sorridente, me provocando.
— Ouch! — coloquei a mão no coração, fingindo estar ofendido. — Mas o que posso fazer se no primórdio dos tempos as músicas eram pura poesia?
— Acho que você pode ter razão — ela respondeu, me chamando para ocupar o banco que estava ao seu lado. — O que fala essa música? — virou seu corpo em minha direção; seus joelhos descobertos tocavam minha perna. Reparei pela primeira vez que ela estava usando uma saia que deixava à mostra parte de sua coxa.
Concentre-se, Styles.
Voltei meus olhos para , espelhando sua posição e encarando-a de frente. Porra! Ela era linda! Seus lábios estavam ainda preenchidos por algum gloss brilhante que me prenderam por tempo demais neles. A bebida amplificou tudo que eu já achava interessante nela.
— Sei que não é simplesmente sobre cortar um cabelo — me tirou um pouco do transe com a última frase.
— Depois de anos analisando, eu identifiquei novos significados.
— Me fale o primeiro que vem à sua mente.
— A mística inteira da música envolve transformações da vida. As coisas não estão acontecendo do jeito que a pessoa imaginava. O que ela sente por dentro não está tão legal, por isso ela não consegue estar em relacionamentos profundos — expliquei e se mexeu um pouco no banco, ainda me encarando. — Mas de alguma forma ela sabe que só depende dela mesma tornar isso melhor, prometendo não se entregar ao medo.
— “I'll find a place inside to laugh” — a ouvi repetir logo depois que a música acabou. — É uma bela música, Styles. Acho que gosto do seu estilo musical, prometo nunca mais reclamar dele — seus olhos gigantes estavam brilhando. Parecia que, de alguma maneira, o que eu falei havia significado muito para ela.
As palavras que tinham acabado de sair da minha boca nem sequer tinham passado pela minha mente antes. Talvez eu fosse aquela pessoa da música que precisasse de uma transformação. As coisas não estavam do jeito que eu imaginava; na verdade, nada nunca vai estar exatamente do jeito que imaginamos, e de alguma forma eu devia a mim mesmo uma mudança.
— Owen! — gritou para o atendente, que estava um pouco distante.
— E aí, ! O que vai querer? — ele surgiu em nossa frente com um pano pendurado em seu ombro, pousando o olhar atento na dançarina.
— Seis shots de tequila, por favor — pediu, e arregalei os olhos para ela, assustado. — Esse homem precisa da melhor tequila que esse bar tem! — continuou animada enquanto me passava pela cabeça que eu chegaria em casa, no mínimo, sendo carregado.
— Você vai matá-lo antes de conseguir chegar na cama dele — o barman soltou de repente, me fazendo cair na gargalhada enquanto as bochechas dela se tornavam vermelhas.
— MEU DEUS! PARE! Só coloque as bebidas rápido, pare de me envergonhar — aumentou a voz, rindo de nervoso com ele. — Finja, por favor, que não escutou o que esse loiro oxigenado acabou de falar — ela posicionou suas mãos juntas como se eu fosse um Deus e estivesse orando para que eu apagasse aquilo da memória. Eu nunca faria aquilo, queria guardar essa cena para sempre na minha mente para provocá-la num futuro próximo.
— O que ele falou mesmo? — entrei em sua brincadeira, colocando a mão no meu ouvido e fingindo surdez. Gargalhei logo em seguida.
O loiro colocou os copos enfileirados na bancada, reunidos com limão e sal à nossa frente.
— Espere um minuto, vou entregar dois para as meninas! — ela tomou em sua mão, deixando apenas quatro na minha frente.
— Eu vou morrer hoje, Owen? — levantei meu olhar para o homem que ainda estava parado em minha frente e observei assentir com a cabeça.
— não tem muito limite quando está festejando, acostume-se com isso — ele deu de ombros, zoando um pouco a garota. — Principalmente porque você é o primeiro homem que ela traz pra cá — Owen trouxe aquela informação casualmente, mas de certa forma me deixou com uma pulga atrás da orelha. Porém, não me deu tempo suficiente para tirar mais nenhuma informação dele.
— Voltei! Onde estávamos? — ela se posicionou em minha frente de novo, pegou os copos e me estendeu um, brindando logo em seguida.
Observei passar a língua em sua mão, tirando todo o sal que depositou no meio do seu polegar e indicador. Me arrependi no mesmo instante! Repeti seus movimentos e engoli o líquido rápido, na tentativa de esquecer a cena.
Tentativa falha.
Estacionei meus olhos nela quando fez a mesma coisa em seu segundo shot seguido, mas, dessa vez, cravou seus olhos em mim enquanto o fazia. Olhos estes que pareciam estar se divertindo; diria até que percebiam minha falta de ar repentina, minha boca seca e minha vontade de agarrá-la bem ali. Ela sabia exatamente o que estava fazendo.
Bebi o outro copo para desviar meu olhar de , ou eu morreria de tesão na frente de todos daquele bar.
— Vem aqui! — a puxei pela mão, levando a mulher em forma de tentação até uma mini-pista de dança que permanecia tocando alguma playlist de músicas antigas demais. Girei no mesmo lugar, puxando-a para próximo de mim logo em seguida.
— Uau! Você é bom nisso — sua boca abriu em surpresa.
— Tenho passos que nunca viu, zinha — sussurrei em seu ouvido, sabendo exatamente o que lhe causaria.
— Você gostou do seu apelido novo, não é? Tanto que está me imitando — ela sorriu convencida enquanto eu ria, sabendo que estávamos na mesma página. Nós dois estávamos nos provocando, puxando até o limite daquela tensão sexual.
Entrelacei nossas mãos de um lado, enquanto a outra estava na metade de suas costas, guiando nossa dança.
— Eu gosto como ele soa em sua boca — respondi, depositando um beijo bem na curva do seu pescoço. Ouvi sua respiração falhar por um instante, então voltei a olhá-la. Estava na iminência de dizer algo.
— Lembra mais cedo quando você disse que não estava conseguindo escrever? — ela indagou e eu assenti, a incentivando a continuar. Nossos corpos estavam próximos demais, e nossas bocas, longe demais. — Às vezes, quando não consigo criar uma coreografia ou todos os passos parecem simples ou bobos demais, eu me jogo no mundo. Então, com minha humilde sugestão, acho que você deveria deixar a vida te surpreender um pouco e viver, Harryzinho.
Essa era a deixa.
Minha mão passeou do meio de suas costas para a região da lombar. Seu corpo fez um impulso, se unindo mais ao meu, e agora sua respiração estava perto o suficiente para interagir com a minha. Encontrei seus olhos desesperados pelo meus, quando entrelaçou seus braços pelos meus ombros. O roçar dos nossos lábios me lembrava por que eu deveria viver.
Até que seus lábios já não estavam mais tão próximos. Nem mesmo seu corpo.
— Me perdoem! Mas a Kels está passando mal. Eu posso voltar com ela, mas só precisava avisar a você, amiga — avistei Amber puxando-a para conversar com ela.
— Não vou deixar você ir com ela sozinha — respondeu .
Olhei para ela, que já estava um pouco afastada, com uma expressão chateada. Seus lábios diziam “me desculpe” sem emitir som, então respondi para ela que estava tudo bem e as segui até a saída do bar.
Com Amber ao seu lado, Kelsey já estava sentada em um banco do lado de fora; estava no meio da rua tentando parar algum táxi que as levassem para casa. Me aproximei dela, que me olhou assim que pus minha mão em sua cintura, a abraçando lateralmente.
— Querem voltar comigo? O motorista pode deixar vocês em casa — ofereci, mas sua cabeça negou de primeira.
— Não quero atrapalhar você, Harry. Além do mais, o táxi já está parando — ela acenou a mão para outro, que dessa vez parou.
— Tudo bem, mas por favor, lembre-me de dizer se chegaram bem. Ok?
— Claro. Vamos, amiga!
Observei sua amiga dormindo no ombro da morena, impossibilitando-a de andar. Caminhei até o banco e passei meu braço por suas costas enquanto o outro envolvia suas pernas, carregando-a até o carro. Posicionei a garota e coloquei o cinto de segurança, me afastando para as outras entrarem.
— Harry, muito obrigada. Desculpe por tirar a dançarina dos seus braços — Amber riu sem graça antes de me abraçar.
— Tudo bem, Ambs. Amei conhecer vocês!
surgiu em minha frente antes de entrar também naquele carro que a levaria para longe dos meus lábios.
— Me desculpe, novamente — sua voz soou chateada.
— Aceita jantar comigo? — perguntei, ignorando seu milésimo pedido de desculpas e vendo-a abrir um sorriso.
— Claro! Vou adorar, prometo não envolver tequila dessa vez — disse brincalhona.
— Pelo menos estaremos em casa se um de nós passar mal — juntei uma mecha de seu cabelo atrás da orelha que o vento insistia em bagunçar.
— Você vai cozinhar? — seus olhos estavam confusos, então dei de ombros só para alimentar sua curiosidade. — Tudo bem, misterioso. Vou indo! — ela se afastou demais, o que me fez sentir o vazio do espaço que seu corpo não ocupava mais.
— Tchau, zinha.
Num ato inesperado, seu corpo – que já estava de costas para mim – girou em minha direção. O vazio era ocupado novamente pelo seu corpo esguio. Perto o suficiente. Suas mãos contornaram meu rosto quando seus lábios grudaram nos meus. Apenas encostaram, sem conversar. Nem precisavam. Mas depois dali, eles queriam viver.
— Tchau, Harryzinho.
Capítulo 8 – This is called edging!
Encarei a porta, alta o suficiente para me deixar com dor na lateral do pescoço, quando tentei medir seu tamanho com os olhos. Os números metálicos indicavam que eu estava na casa certa. Alisei meu vestido vermelho como se aquilo melhorasse o amassado dele, posicionei os franzidos do busto, levantando um pouco meus seios, e foi ali que percebi que as garotas tinham o escolhido bem. Fazia um tempo que eu não o usava, tanto que não me incomodava mais com o fato de as flores amarelas da estampa serem pequenas demais, até levantou minha autoestima depois dessa semana desgastante. Eu estava uma gata!
Estendi a mão para tocar a campainha e, em poucos segundos, a porta se abriu. Uma ruiva surgiu à minha frente, o que me pegou de surpresa.
— Oi, ! Como você está? — ela escancarou a porta antes de seus braços me surpreenderem.
— Oi, dona da banda! Estou bem, e você?
— Estou cansada de ajudar os homens na cozinha, ainda bem que você chegou! — a mulher entrelaçou seu braço ao meu, me puxando para dentro da casa. — Trouxe o quê? — ela espiou minha mão esquerda.
— Chardonnay. Espero que gostem! — estendi o vinho em sua direção.
— Eu amo!
Andamos por um corredor de pedra com infinitos bambus de jardim nas laterais, transformando-as em uma falsa parede verde. A casa era toda em uma pintura minuciosamente branca, e, apesar de estar escurecendo, a piscina ainda refletia uma das variações azuladas da água. Quando chegamos no patamar da escada, que dava acesso à sala de estar, tirei meu tênis e o posicionei ao lado de todos os outros calçados que estavam ali.
Meus olhos admiravam a decoração aconchegante daquela casa à medida que eu seguia Sarah. As almofadas geométricas em preto e bege talvez fossem a única coisa que alegravam o sofá cinza, posicionado à frente da lareira. O janelão à esquerda dava uma bela vista aérea da cidade de Los Angeles.
— Oi, cozinheiros! — aumentei minha voz quando vi que eles discutiam algo sobre o tempero certo do que parecia ser um risoto. Os dois pararam no mesmo momento para olhar para mim, me lançando um sorriso.
— ! Que bom que chegou! — Harry me cumprimentou. Cheguei mais perto para abraçá-lo, mas ele se distanciou. — Nããão, estou com um cheiro péssimo de fumaça.
— Larga de ser besta, eu não ligo — passei meus braços pela sua cintura, e logo senti um beijo na minha cabeça.
— Chegou para nos ajudar, dançarina? — Mitch me lançou sua mão para bater num soquinho em saudação.
— Claro, o que vocês precisam? — examinei a panela que emanava um cheiro cítrico. Devia ser risoto de limão.
— Prova aqui, me diz o que falta no tempero — Harry pegou uma colher e colocou um pouco do arroz, direcionando para minha boca. Então, pousei minha mão em seu punho para encaixar a colher em meus lábios. — Cuidado, tá quente! — ele avisou um pouco tarde, já que minha língua queimava um pouco. É, definitivamente era de limão siciliano, dava mais personalidade ao prato.
— Hmmm… Está uma delícia, mas tá faltando um pouco de pimenta — falei, vendo os olhos curiosos dos dois homens que pareciam ter clareado a mente com a minha fala.
— Nossa! Eu achei que faltava sal — disse Mitch, um pouco chateado.
Observei o movimento do cantor, que ainda estava em minha frente pegando o moedor de pimenta e depositando em cima do arroz. Sarah surgiu ao meu lado, me estendendo uma taça de vinho branco.
— Obrigada, Sarinha — beberiquei, sentindo um sabor adocicado invadir minhas papilas. — Delícia!
— Gostou? Esse já estava aberto, o outro você pode beber com Harry mais tarde — ela lançou uma piscadela, e eu ri com sua feição brincalhona. — Senta aqui, , enquanto observamos esses homens se atrapalharem na cozinha.
Senti a cadeira preta e acolchoada me abraçar quando sentei, e logo a baterista se posicionou ao meu lado. Tínhamos uma visão de face a face para os cozinheiros, mas a bancada de mármore negro nos distanciava do cooktop do lado oposto.
— Você sabe que cozinhamos melhor que você, Jones! — o cantor respondeu.
— “Sarah, pelo amor de Deus, venha com Mitch me salvar dessa enrascada que eu me meti” — a ruiva ao meu lado engrossou a voz com a mão em forma de telefone, imitando Harry, o que me fez gargalhar. Sua provocação respondia a pergunta que rondava a minha cabeça: por que eles estariam ali, se eu podia jurar que Harry havia me dito que seríamos apenas nós dois?
— Pare de envergonhar ele, amor, ou a dançarina vai deixá-lo antes do camarão dourar — disse o guitarrista sob o olhar fulminante do cacheado.
— Se tenho amigos como vocês, para quê teria inimigos, não é mesmo? — ele balançou a cabeça, envergonhado.
— Então, o que quer escutar, ? — Sarah me direcionou o celular, me permitindo digitar na barra de pesquisa.
Big Yellow Taxi – Joni Mitchell
— Hey! Eu amo essa música! — Harry pronunciou quando a introdução de Big Yellow Taxi tocou nos alto-falantes.
A batida folk da música que escolhi os incentivou a continuarem a cozinhar e a dançarem juntos, balançando os braços próximo às cabeças, exibindo uma dancinha engraçada. Durante pelo menos uns trinta minutos ainda, eles conduziram o jantar enquanto Sarah me mantinha entretida com uma girlie talk, me oferecendo queijos e outros aperitivos para sustentar a fome até que o prato ficasse pronto.
— O que você acha de sermos asiáticos por uma noite comendo ali? — a ruiva apontou para a mesa de centro próxima ao sofá.
— Amei a ideia!
Enquanto Mitch e Harry ainda estavam no banho, arrumamos a mesa e nos sentamos logo em seguida com nossas taças em mãos. Em pouco tempo, Harry ocupou o espaço vazio ao meu lado, permitindo que o cheiro confuso do pós-banho, tabaco e notas frutadas do seu perfume preenchesse o ambiente. Acho que aquele já era meu cheiro favorito.
— Demorei? — o ouvi inspirar e passar a mão pelo nariz. Aquilo definitivamente já era uma mania sua. Então, neguei com a cabeça enquanto já bebia a terceira taça de vinho, o que me deixava inebriante.
— Podemos comer agora? Dolly está reclamando de fome — Sarah disse alisando sua barriga, e eu arregalei os olhos.
— Dolly? Você não está…? Está?
Todos riram da minha reação enquanto eu ainda esperava uma resposta.
— Não, é apenas um ser que existe dentro da Sarah. Achamos que é um alienígena que suga toda a comida que ela coloca pra dentro — Mitch passou a mão na barriga dela, beijando-a em seguida.
— Só tenho bastante fome, apesar do meu corpinho pequeno — ela resmungou.
— Eu podia jurar que ia ser o nome do filho de vocês e que ele já se encontrava em sua barriga — suspirei em alívio, ainda causando algumas gargalhadas.
— Ainda não, mas é algo que pretendemos, né, amor? — a ruiva jogou o papo para o namorado.
— Sim! Acho que, imaginando nosso histórico, talvez em algum momento aleatório você me diga de repente, “ei, o suco verde está pronto e estou grávida!” — ele disse descontraidamente, imitando a voz de Sarah.
— É a cara de vocês mesmo! — continuou Harry.
— Como começou tudo com vocês? — perguntei, demonstrando curiosidade.
— Eu tenho meu ponto de vista! — Harry se empolgou para falar. O casal começou a rir e lhe cedeu a fala. — Obrigado! Eu amo contar isso! Vamos lá! — posicionou suas mãos juntas, estalou seus dedos reunidos e preparou-se para contar a história. — Quando formei a banda para a carreira solo, Mitch se mudou para Londres, para o meu antigo apartamento, então apresentei ele aos meus amigos que moravam no andar de cima. Todos os dias eles falavam, “nossa! Mitch estava muito louco ontem, você tinha que ter visto”. Certo dia, eu questionei “E, aí? O que Mitch aprontou ontem?”, então me responderam que não tinham saído com ele, o que me deixou intrigado. Eu, com o espírito de velha fofoqueira, perguntei para onde ele tinha ido, e ele respondeu que havia convidado Sarah pra jantar. Fiquei me sentindo um pouco cupido depois disso — Harry terminou se gabando por ter sido a pessoa que apresentou eles dois.
— E foram poucos dias depois de eles se conhecerem? — questionei.
— Sim, acho que uma semana, talvez. Foi muito rápido.
— E a versão de vocês?
— Nem sequer imaginava que ele estava interessado em mim, até me chamar pra sair. Eu aceitei porque achava bonitinho esse jeito tímido dele — a baterista disse, fazendo carinho no rosto dele. — Passamos o jantar inteiro falando dos nossos interesses musicais, e a noite inteira em sua cama.
— Nããão, pula essa parte, eu não quero saber! — Harry soou desesperado ao meu lado, o que me faz gargalhar e o casal revirar os olhos.
— Continuando… Acho que foi o mais natural possível. Foi leve! Já tinha passado por relacionamentos conturbados, mas Mitch mudou isso e não precisamos ficar estabelecendo limites, apenas quando estávamos trabalhando. Pouco tempo depois, estávamos namorando.
— Eles eram muito fofos no começo, porque Mitch ficava se virando toda hora para olhar para Sarah nos ensaios — Harry o imitou, virando o corpo algumas vezes.
— Eu gostava de tocar admirando-a — Mitch disse desconcertado, dando um selinho na namorada.
Era engraçado como ele passava a maior parte do tempo inexpressivo. Juro! Nada o faria mudar sua feição para que demonstrasse qualquer tipo de sentimento, a não ser que estivesse se dirigindo a Sarah, porque era aí que ele fazia questão de sorrir para ela. A baterista, por sua vez, não se parecia tanto com ele. Ela se expressava até demais com seu jeito fofo e mandão ao mesmo tempo, o que fazia esse casal ficar tão interessante aos meus olhos. A dinâmica deles era diferente dos casais que eu conhecia. De longe aparentava ser óleo e água, que nunca se misturariam, mas observando suas interações, era perceptível que personalidades diferentes poderiam criar uma bela química, até porque não era por essa razão que duas pessoas davam certo. Era muito mais que isso.
Após bater mais algum papo, nos direcionamos para a cozinha para lavar os pratos. Harry tentou me impedir de fazer isso, mas eu podia ser persuasiva quando queria e tive ajuda de Sarah para isso.
— E você, ? Já namorou? — ela me perguntou.
— Não, acho que não sirvo pra isso — fui sincera.
— Ora, não fale besteira! Talvez só não tenha encontrado alguém bom o suficiente.
— É, talvez você tenha razão — sorri para ela.
— O amor não é preto no branco, sabe? Ele não precisa ser definido, só precisa ser. Existe aquela pessoa especial que chega num momento aleatório e trocamos sintonia, seja de natureza sexual ou intelectual. Ela nos leva a um nível de intimidade que pode nos causar estranheza no começo, mas depois esse sentimento nos causa paz. Bem, o que quero dizer é que o amor é só uma pontinha do iceberg, o desenvolvimento do relacionamento que é gostoso.
— Eu acho que fujo antes que chegue no nível “intimidade” — admiti quase que para mim.
— Tente não fugir na próxima vez que surgir a oportunidade — ela guardou o último copo que estava em sua mão.
Pouco tempo depois de nos sentarmos na varanda, o guitarrista chamou sua namorada para ir embora, que rapidamente aceitou. Me despedi deles com um abraço e os assisti sair da minha vista. Enquanto Harry os levava até a porta, levantei-me do banco e caminhei até o vidro de proteção, me debruçando nele enquanto iluminava meus olhos com a vista da cidade. As luzes das casas vista de cima assemelhavam-se a constelações de estrelas, algo que nunca tinha presenciado. Senti uma mão contornar minha cintura e, assustada, logo virei para encarar Harry, que me servia outra taça de vinho todo sorridente.
— Linda vista, não? — me perguntou, olhando para frente assim como eu.
— Sim, tenho quase certeza que se decidiu por essa casa quando olhou para ela.
— Touché! De fato, foi o que me fez comprar. É estranho saber que, daqui de cima, tudo é extremamente calmo. Talvez o único som que se escute seja de algum pássaro, e Los Angeles de perto é um caos total.
— Você não gosta do caos?
— Prefiro a quietude na maioria das vezes, tenho até reconsiderado minha estadia aqui.
— Como assim? Achei que você gostasse da cidade — beberiquei meu vinho, examinando seu rosto.
— Não a odeio, mas sinto que meu relacionamento com L.A. mudou muito. Aceitei que não tenho mais que viver aqui para alcançar alguns trabalhos, algo que por muito tempo acreditei para que as coisas ficassem bem. Acho que pode ser saudades de casa, enfim.
— Bem, eu sinto saudades de casa, mas infelizmente, ou felizmente, a cidade me proporciona oportunidades realmente quase perfeitas.
— É, acho que você tem razão — ele demorou-se um pouco, parecendo processar o que eu havia acabado de falar. — Olha, inclusive, me desculpa por Mitch e Sarah estarem aqui. Eu me atrapalhei na cozinha e fiquei desesperado.
— Você poderia ter me pedido ajuda, Hazza.
— É, seria mais simples, mas eu queria fazer algo legal sem que você tivesse nenhum trabalho. Mas fiquei chateado por saber que seria mais uma situação em que pessoas iam nos atrapalhar.
— Pode acreditar que fiquei chateada no mesmo nível na semana passada. Inclusive, obrigada de novo por ter ajudado Kels no outro dia.
— Não foi nada de mais — disse, fazendo pouco caso da sua atitude de carregá-la até o carro. Fiquei repassando essa cena na minha cabeça quase durante a semana inteira.
— Bom, se não fosse isso, já estaríamos habituados hoje e eu poderia te beijar sem precisar do momento certo — disparei com a coragem de quem havia tomado praticamente uma garrafa de vinho.
— E qual seria o momento certo? — ele sorriu ladino, mostrando sua covinha mais do que gostaria que tivesse.
— Você vai encontrá-lo até o fim da noite — dei uma piscadela, me dirigindo até o banco acolchoado. Harry balançou a cabeça e sorriu, me acompanhando. Logo pude sentir sua presença ao meu lado novamente.
— Tudo bem, eu lido bem com desafios.
Por um momento, desviei da conversa e passei a observar cada movimento que ele fazia. Sua perna esquerda estava dobrada enquanto a outra estava esticada, alcançando o chão – aquilo permitia que seu corpo ficasse virado totalmente para mim. Harry segurava perfeitamente a taça de vinho, pelo caule, mas o que me prendia a ele, na verdade, era assistir seus lábios temporariamente molhados a cada gole e seu rosto se tornar avermelhado, sereno e relaxado.
— Por que não me conta como escolheu a dança? — graças a sua pergunta, ele me desviou de fitar sua boca por tempo demais.
— Vou ser muito clichê se falar que ela me escolheu? — tombei a cabeça para o lado, rindo um pouco.
— Gosto de clichês — ele sorriu, me incentivando a continuar.
— Eu era uma criança muito ativa, e isso mobilizou meus pais a me matricular no Jazz¹. Essa foi minha primeira experiência com a dança, mas com o passar do tempo, era nítido que eu sempre fui muito liberta, amava criar passos. Então, quando pude me reconhecer como dançarina, me encontrei melhor no Street Dance².
— E como veio parar nessa cidade?
— Lembra que te disse que a única certeza que eu tinha era que ia estudar na Millenium? — perguntei, ao que ele assentiu. — Bem, eu havia participado de uma convenção de dança com um dos professores do estúdio, Brian Friedman. Não tinha nada de cunho competitivo, apenas de aprendizado mesmo. Porém, aos poucos, ele foi captando alguns dançarinos que tinham se destacado mais no final de semana.
— E é claro que você se destacou. Nem precisa ser profissional para notar você, . Eu te vi.
Pressionei meus lábios com um sorriso tímido. Me sentir acanhada por elogios não era comum, mas Styles parecia fazer isso perfeitamente bem.
— Apesar disso, eu não fui imediatamente para Los Angeles — continuei. — Demorei uns anos para maturar a ideia na cabeça, ajeitar a minha vida…
— Algo aconteceu que te impedisse de vir?
— Eu… eu… quebrei meu pé logo após essa oportunidade — falei após hesitar um pouco —, além do falecimento do meu pai. Então, eu não conseguia sair de perto da minha família imediatamente.
— Nossa, sinto muito pelo seu pai. Nunca perdi ninguém da minha família, pelo menos não tão lúcido com minha idade. Mas sinto muito, mesmo — ele respondeu, quase se desculpando por não saber.
— Obrigada, Hazza, de verdade — respondi, sincera. — Mas depois de uma maré de depressão, minha mãe implorou para que eu reagisse e fosse atrás do meu sonho. Por mais que fosse duro me ter longe de casa somado ao luto, a minha felicidade compensaria a saudade, sabe?
— Deve ser muito difícil para os pais enxergarem o quão triste podemos ficar se não conseguimos o que tanto queremos.
Concordei com a cabeça, analisando um pouco tudo que eu tinha passado.
— O papo pesou do nada, né? — ri um pouco. — Culpa sua que me veio com uma pergunta profunda!
— Euuuu? Sou apenas um apaixonado por histórias! — ele brincou. — Quer mais? — levantou a garrafa de vinho em minha direção, que prontamente aceitei.
— Estou brincando. Mas é sempre bom lembrar sobre algo que me fez crescer, e fazia um tempo que ninguém me perguntava sobre isso — admiti. — Você já teve esses momentos, de se pegar pensando sobre uma época que te impulsionou para frente?
— É claro! Inclusive, acho que estou vivendo isso agora. Sabe quando algo vai muito bem e seus pensamentos imediatamente se voltam para “o que vem a seguir”? Tudo se move tão rápido que muitas vezes não temos a chance de parar e pensar, “caramba, isso foi realmente incrível.” Finalizei a turnê, estou feliz, mas fico sempre pensando adiante e além, enquanto eu simplesmente posso pensar que foi ótimo.
— Ainda não conseguiu escrever nada? — indaguei, e ele negou com a cabeça.
— Não, mas é isso que estou internalizando. Essa vida de turnê, shows, entrevistas, não é a minha vida real, entende? É apenas o meu trabalho, que é incrível, por sinal. Só uma extensão de mim — Harry soou pensativo, talvez sincero até demais, como se estivesse processando essa concepção sobre sua vida. — E agora eu quero me impulsionar para a vida real, não sei se faz sentido…
— Sim, eu entendi seu ponto. Mas nunca havia parado para pensar sobre isso — beberiquei o vinho. — Sigo com o meu conselho de antes… — falei presunçosa.
— Viver? — ele perguntou e eu assenti. — Você vai me ajudar com isso? Tipo, você literalmente vai ser Baby, acreditando fielmente em realidades paralelas, e eu Johnny, que não consegue mais enxergar um palmo além da sua realidade frustrada?
— Claro! Me sinto lisonjeada com o desafio — gargalhei. — Agora, por que você tinha que filosofar com Dirty Dancing? — fiz uma cara confusa, não acreditando no que ele tinha relacionado.
— Vou confessar — ele sussurrou, como se estivesse contando um segredo. — Durante aquela semana, eu assisti ao filme novamente.
— QUÊ? Não acredito, Harry! Já é seu filme favorito? — perguntei em meio às risadas, animada com a possibilidade.
— Não fique tão confiante, esse posto continua sendo de Diário de uma Paixão — ele sorriu inabalável com a hipótese.
— Tudo bem… Agora, já que trouxe o filme à tona, tenho algo a confessar — levantei as sobrancelhas, um pouco hesitante com o que ia falar.
— Ok… Todo a ouvidos.
— Nunca consegui reproduzir aquela cena, sabe? Tenho esse sonho desde a primeira vez que assisti o filme.
— Que cena? Ah, não, não me diga que é a cena da dança final.
— Exatamente!
— Uau! Quê? Como não? Em todos seus anos de carreira, como isso nunca aconteceu? — ele falava perplexo com a informação.
— Ah! Ninguém nunca foi forte o suficiente para me segurar — falei um pouco chateada.
— Alexa! Play I’ve Had The Time Of My Life.
(I've Had) The Time Of My Life – Bill Medley, Jennifer Warnes
Em poucos segundos, pude ouvir a assistente virtual concordar com Harry e começar a introdução da música. Seu corpo se moveu como um vulto e ele ficou de pé, logo se adiantando e indo em direção à sala de estar, me deixando sozinha.
Deixei a taça ao lado da sua e também me pus em pé, observando seus passos.
— Calma, o quê? — por um instante, parecia que meu queixo havia atingido o núcleo da Terra. Coloquei a mão na boca, escondendo minha risada baixinha de nervosismo. Ele não podia estar falando sério, não é?
— Venha!
Harry voltou até a varanda para me puxar para a sala quando me viu parada como uma estátua, incrédula com aquela ideia de jerico. Tentar o lift³ após algumas taças de vinho só poderia resultar em queda. Abri a boca, tentando falar alguma coisa enquanto o assistia se posicionar de frente para mim, numa distância que me permitia correr até ele quando fosse a hora.
— Você não tá falando sério, está?
— Nunca falei tão sério em toda a minha existência, . Vamos lá! — ele começou a alongar seus braços como fazia antes de fazer algum exercício físico.
— Ok, calma! Você já fez isso? — questionei, sentindo todas as minhas juntas tensionadas.
— Bem, uma vez fiz uma tentativa, mas eu devia ter uns dezoito anos.
— E como se saiu? — estudei sua mão ir até sua nuca, sabendo da resposta seguinte.
— Deu certo… até certo ponto. , tenha um pouco de fé, ok? Agora tenho braços mais fortes de um homem, e não de um adolescente! — ele esticou seu braço e forçou o bíceps, me fazendo gargalhar.
— Tá bem… Tá! Mas acho que deveríamos arrastar um pouco essa mesa — apontei, e em segundos Harry tratou de retirá-la da nossa vista.
— Está chegando a hora… — ele juntou suas mãos em frente ao corpo, me chamando, perto da ponte final da música. — Vamos lá!
— Ok… — joguei a cabeça um pouco para o lado, ainda um pouco desconfiada. — Você tem certeza?
— Tenho, vamos! Tô pronto! — Harry abaixou parte do seu tronco e olhou em minha direção, com a perna direita de apoio e mãos à frente, só esperando pelo meu corpo ficar mais próximo.
Balancei meus braços freneticamente, tentando ficar menos nervosa. Olhei para ele, dei alguns pulinhos para me aquecer, o assisti rindo da minha preparação e, com mais alguns incentivos, eu estava pronta.
— Por Deus, Harry! Me segure ou vamos passar o resto da noite num hospital!
— Vou me agarrar a essa possibilidade e te segurar firme. Venha!
Em meio a alguns gritinhos empolgados e assustados, corri em sua direção, observando seu corpo ficar mais ereto enquanto ia chegando mais perto. Sustentei minhas mãos em seus ombros para me equilibrar enquanto as suas agarraram as extremidades de cada lado da minha cintura com força. O vento soprava nos meus cabelos enquanto ele me rodopiava em círculos; seus olhos verdes estavam atentos em mim e em me manter firme pelo tempo que fosse.
— Aaaah, sinto que estou voando, Harry! — gritei com a voz um pouco trêmula por medo e excitação.
— Tente manter suas pernas retas ou vamos nos desequilibrar — ele falou, precisando um pouco de esforço. — Oops…
— O que houve? — senti seu braço tremendo ao mesmo tempo que minhas pernas flexionaram.
— Cãibra no braço direito. AI!
Rapidamente, seus passos começaram a ficar pesados, pendendo pouco a pouco para trás. Sua panturrilha bateu na beirada do sofá, e caímos com um grito fino meu.
O corpo de Harry parecia ser puxado para baixo, mas ele fez questão de agarrar minha cintura com um dos braços para que eu não sentisse a queda. Pousamos no assento com um baque. Minhas mãos espalmaram em seu peitoral, tentando não machucá-lo com o choque de nossos corpos.
— Acho que a ideia do hospital ainda pode ser válida — ouvi sua voz baixinha, além de ver seu cenho franzido de dor.
— Por Deus, Harry! Onde machucou? — perguntei, preocupada.
— A-HÁ! Te peguei! — ele gritou, me tirando de transe.
— Que susto! — estapeei fraco seu braço enquanto ele ria de mim. Sua risada escandalosa evidenciava as rugas perto de seus olhos, e foi nesse momento que percebi o quão próximos estávamos.
— Estou bem, não se preocupe — ele cutucou minha cintura, me incentivando a ficar calma. Então, finalmente consegui aliviar a tensão do momento, me contagiando com sua risada.
Deslizei meu corpo para o lado, para não pesar mais em cima dele, mas seu braço me impediu de reagir. Levantei meu olhar para o dele e senti sua mão deslizar pela minha lombar, me causando sensações que não saberia pará-las. Não se ele continuasse a me tocar.
— Sabe aquele papo de momento certo? — ele me perguntou, e eu só assenti. — Acho que encontrei ele — sussurrou.
Encostei minha testa na dele, admirando seu olhar esverdeado luxuriante. Meu corpo agora estava sentado em cima de sua cintura, mais próximo, sem o mínimo esforço em estar mais perto de Harry. Minhas pálpebras pesaram quando sua mão pressionou a lateral da minha cintura, e esperei o beijo que nunca veio.
— O que houve? — o vi se afastar, olhando para ambos os lados, o que me deixou confusa.
— Me certificando que ninguém vai nos atrapalhar — ele disse brincalhão enquanto eu assentia, rindo nasalado.
— Não precisamos mais perder tempo, só temos eu e você aqui! — respondi, não demorando para sentir o choque de nossas bocas.
living room flow – Jhené Aiko
Minhas pálpebras se fecharam quando senti seus lábios tocarem os meus. Tinham a mesma maciez que eu lembrava quando pulei em seus braços e roubei um selinho seu na semana passada. Entreabri a boca, permitindo que nossas línguas se conectassem como um ímã, dançassem pelo tempo que nossas respirações conseguissem se manter. Minha pele esquentava a cada toque dele, me deixando assustada, porque não imaginava quanto tesão eu havia acumulado em tão pouco tempo. Escutei um suspiro sôfrego sair da minha boca quando uma trilha de beijos ia sendo distribuída do meu maxilar até o meu pescoço.
Puxei sua cabeça para cima novamente, sentindo falta da sua boca na minha. Seu corpo se levantou um pouco, ficando mais próximo do meu. Me encaixei melhor em sua cintura, me remexendo de propósito para sentir o seu volume encostar em mim. E foi nesse momento, como música para os meus ouvidos, que um gemido escapou da sua boca, me fazendo morder seu lábio inferior.
— Vamos lá pra cima — Harry murmurou. O calor da sua respiração me tensionou. Nossos olhos encaravam ambas as bocas que estavam mais que atrativas naquele milésimo de segundo.
Utilizei minhas mãos pressionadas em seu peito para me sustentar e deslizar meu corpo para fora do sofá. Ele me conduziu pela casa até seu quarto com nossos dedos entrelaçados. Nada do que meus olhos viam eu lembraria, mesmo assim eu observava cada quadro pendurado na parede do corredor. Obras de arte que tinha certeza que foram escolhidas a dedo, cada uma delas.
Quando dei de cara para sua cama a alguns mínimos metros de distância, ouvi a porta se fechar atrás de mim. Suas mãos empurraram as alças do meu vestido, e eu o observava percorrer meu corpo até finalmente cair no chão. Seus lábios úmidos deixavam rastros de desejo passando pelo meu pescoço, travando no meu ombro.
— Sua pele é tão macia que eu poderia passar a noite toda beijando ela — Harry sussurrou em meu ouvido.
— Não me faça implorar!
A luz suave e tênue do quarto ainda me permitia ver o desenho que seu toque traçava pelo meu corpo, descobrindo cada pedacinho de pele que se arrepiava com suas mãos. Mas foi quando apertou minha cintura que meu desejo tiniu. Virei meu corpo em sua direção e levantei meu olhar até seus olhos, que declaravam libertinagem e tentavam revezar, percorrendo ora por meus seios, ora por minha boca. Juntei nossos lábios, sentindo todo meu tesão por ele me aquecer, ao passo que suas mãos tratavam de apalpar minha bunda e me levantar para seu colo. Entrelacei minhas pernas em sua cintura enquanto Harry nos guiava para o destino final.
Minhas costas bateram na superfície macia do colchão, me fazendo sentir sua falta no instante em que ele se levantou um pouco para tirar a camisa. Seus braços cruzados em frente ao seu corpo seguraram a barra do tecido e a puxaram para cima, dando uma bela visão de suas perfeitas tatuagens negras. Me sustentei em meus cotovelos enquanto meus olhos analisavam os desenhos por tempo demais; no entanto, os ramos desenhados próximos de sua virilha me atraíam em maior grau naquele segundo, além daquela linha de pelos que o dividiam. Na verdade, conduziam meu olhar para o caminho da perdição, e eu não via a hora de Harry tirar a cueca para que eu finalmente me perdesse nele.
Harry se aproximou novamente, levantando minha perna em sua direção, o que o permitiu distribuir uma trilha de beijos molhados do meu pé até o meu joelho, me deixando desnorteada. Com um sorriso dançante nos lábios, seu rosto se aproximava da minha intimidade enquanto seus dedos roçavam minha pele levemente, me deixando cada vez mais quente, cada vez o querendo mais.
Harry puxou minha calcinha parecendo querer se demorar na provocação, o que se confirmava à medida que a arrastava por minhas pernas, lentamente. Fechei meus olhos, controlando toda minha vontade de simplesmente gritar excitação, e só os abri quando senti sua língua quente lamber meu clitóris.
A intensidade que seus olhos emanavam declarava que ele amava fazer aquilo. Dar prazer!
Arqueei minhas costas quando senti um de seus dedos me penetrar enquanto me chupava, torturando cada parte de mim. Meus gemidos longos preenchiam o quarto cada vez que o vai-e-vem da sua língua pressionava perfeitamente meus nervos.
Suas mãos apertavam minha cintura cada vez que eu rebolava em seu rosto para senti-lo cada vez mais. Os lábios que eu estava desejando durante todo o jantar agora estavam me pressionando para me fazer gozar.
Meu sangue começou a ferver quando Harry começou a me sugar em um movimento mais rápido, levantando involuntariamente meu quadril em sua direção.
— Hmmm — soltei um gemido longo, sentindo minhas pernas automaticamente fecharem em seu rosto quando senti meu corpo ferver em meu ápice. — Porra!
— Guarde um pouco desse fogo pra mim, — ele disse, trazendo seu rosto para perto e me roubando um beijo intenso, mas rápido.
Senti minha coxa arder com um tapa que ele me deu antes de se levantar bruscamente em busca do que eu acreditava ser a camisinha. Levantei parte do meu corpo para obter a visão dos sonhos: Styles tirando sua cueca box preta. E era algo que eu nunca reclamaria da sua demora em tirá-la, só para observá-lo por tempo demais.
Supliquei com meu olhar para que Harry voltasse para cima de mim, e foi o que ele fez em tempo recorde. Suas mãos em cada lado do meu corpo me prendiam para encarar aqueles olhos flamejantes e esverdeados que brilhavam de volúpia, e não consegui desviar. Enrosquei meus braços em seu pescoço e o puxei para colar nossos lábios, o que não durou muito tempo, já que seu anseio era beijar toda minha pele, mapeando cada espaço que estava vazio antes dele. Foi quando minha língua passeou pelo seu pescoço e, naquela fração de segundo que cada nervo do meu corpo sentiu, ele deslizou para dentro de mim.
Senti sua mão projetar meu quadril para cima, para que pudesse ir mais fundo, e ouvi nossas respirações descompassadas a cada movimento mais acelerado. Me joguei um pouco para cima para mordiscar seu lábio inferior, e logo sua boca tomou a minha para um beijo. Nossas línguas entrelaçadas se mantiveram unidas até que nossos gemidos deram espaço para amplificar o choque de nossas intimidades. E quando ele tinha achado o lugarzinho que me faria gozar, tirou de dentro de mim.
— Volte aqui, Harry! — soei chateada por não tê-lo mais em mim, apenas aumentando a energia sexual que estava emanando desde que começou a noite.
Harry trilhou beijos molhados dos meus seios para minha barriga, lambendo e usando a mão para apertar os lugares certos. Minhas costas arquearam a cada toque, e seus olhos pesados me observavam me contorcer de excitação.
Eu precisava de mais, precisava estar no controle.
— Deixa eu sentar em você — sussurrei, me aproximando dele. Seu sorriso malicioso anunciava que tinha gostado da ideia.
Ele deslizou seu corpo para o lado e me puxou para ficar em cima dele. Minhas mãos se sustentaram em seu peitoral enquanto eu provocava sua entrada, até que finalmente me senti preenchida.
— Gostosa!
Comecei cavalgando Harry lentamente, provocando o tanto quanto ele tinha me provocado antes. Ele posicionou suas mãos em minha bunda, me incentivando a não parar e aumentar o ritmo. Seu olhar ressacado, cada vez que um gemido escapava da minha boca, pronunciava que seu tesão por mim estava no mesmo nível que o meu.
Seu quadril levantado acelerava a rapidez das estocadas, fazendo meus músculos internos contrair no seu pau.
— Devagar, zinha. Você não quer gozar agora — ele levantou meu quadril, saindo de dentro de mim um pouco, esfriando meu clímax.
— Por queee não? — soei desesperada, porque eu estava. Como assim eu não queria gozar agora? Como assim ele não ia terminar o que estava fazendo, bem ali, no meio das minhas pernas?
— Calma, . Temos a noite toda… — Harry sussurrou em meu ouvido.
— Só não me faça implorar, Harryzinho — e foi quando ele movimentou seu quadril me preenchendo novamente. — Hmmm, não pare mais!
As sensações voltaram a se intensificar, aumentando gradualmente nossas respirações densas. Deitei por cima do seu corpo para poder beijá-lo e por pura safadeza sentir a fricção do meu clitóris em sua pele quente.
— Você quer gozar, ? — murmurou contra minha boca. Gemi em seguida. — Vou entender isso como um sim.
Eu estava quase lá novamente; minhas pernas fraquejaram, me impedindo de continuar sentando nele. Então, Harry aumentou a velocidade, trazendo tudo que eu queria dele desde o momento que o vi. Minhas estruturas tremiam, se contraindo nele, e demoradamente senti o orgasmo invadir meu corpo em ondas. Eufórica, entrelacei nossas línguas, chupando de vez em quando, ainda sentindo minha intimidade arder do ápice.
— Agora eu quero que você goze pra mim, Harry — murmurei em sua boca e mordisquei seu maxilar, o incentivando a continuar me penetrando.
— Repete pra mim — sua voz saiu baixa, sem força.
— Goza pra mim.
Suas mãos apertaram cada lado da minha bunda com força. Ouvi ele arfar a cada movimento, sentindo-o tremer embaixo de mim.
— Eu vou… caralho!
Fechou os olhos e finalmente relaxou.
Joguei meu corpo e me deitei ao seu lado; sua mão passou por cima da minha cintura ainda em silêncio. Nossas respirações foram se retomando gradualmente, e os sentimentos de satisfação, calma e cansaço abraçavam meu corpo.
— O que foi aquilo quando você parou várias vezes do nada só para me tirar do ápice? — questionei quando já conseguia formar uma frase.
— Gostou, né? — ele disse rindo e me provocando. Respondi com um tapa em seu braço.
— Estou curiosa, sim — dei língua.
— Edging! — respondeu. Franzi a testa confusa, ainda sem respostas.
— Vou precisar de mais que uma palavra solitária, Styles.
— Posso te explicar depois com palavras… — ele veio se aconchegando por trás de mim, já sentindo sua ereção em minhas costas. — Ou… na prática, novamente. Assim você vai entender melhor.
Seu perfume de baunilha, agora misturado com cheiro do nosso sexo, invadia minhas narinas. Me virei mais ainda de lado enquanto sentia seus beijos pelos meus ombros. Nunca negaria segundas, terceiras, ou quartas vezes com ele, então esperava minha aula sobre o assunto depois.
1. Jazz Dance: é uma dança que surgiu nos EUA, na mesma época do gênero musical jazz. Nasceu da cultura negra no século passado e recebe influências de diversos outros estilos e princípios técnicos do ballet e da dança contemporânea.
2. Street Dance: é um estilo de dança que teve sua origem nos guetos americanos na década de 30. Mistura estilo e toda realidade de gestos harmoniosos e coordenados, reproduzindo uma comunicação com a música.
3. Lift: do inglês, a elevação. No filme ‘Dirty Dancing’ , é a cena icônica e o passo que Johnny levanta Baby e a sustenta sobre seus ombros.
Capítulo 9 – Interrupted Night
Inegável. Impossível negar a nossa química carnal. Era o que passeava em minha mente todas as vezes que eu me permitia pensar sobre , e dirigir até Beverly Hills mantinha viva minhas ruminações mentais. Talvez naquele dia eu estivesse pensando nela para me distrair dessa reunião repentina que meu empresário e amigo havia solicitado. Mas a quem eu estava querendo enganar, se no instante que acordei, Harryzinho sabia que ficaria sem seu desejo matinal?
“Tive um ensaio muito cedo, não quis te acordar”, dizia o bilhete que ela havia deixado em cima da escrivaninha.
— Bom dia! — saudei pela milésima vez desde que entrei no prédio da CAA. Mas dessa vez foi para Jeff, que estava sentado em sua sala me esperando. — Já estou aqui, sou curioso. Necessito saber o porquê desse compromisso tão cedo — atravessei seu escritório para lhe dar um abraço antes de me aconchegar na cadeira em sua frente.
— Por isso marquei cedo, pra você não ficar matutando sobre o que seria. Quer café? — ele perguntou antes de discar um número no telefone que estava em sua mesa.
— Preto, por favor.
— Vamos para a sala de reunião, já estão nos esperando lá.
— Inclusive, você arranjou uma data pra me encaixar como host no programa do James?
— Eu dei o feedback pra ele antes de falar com você. Esse novo projeto que pensei não te permitiria fazer o Late Late Show agora. O que acha de fazer isso quando for divulgar o segundo álbum?
— Ah, tudo bem. Faz mais sentido, na verdade — assenti, seguindo Jeff pelos corredores gigantescos da agência.
Reparei em como todas aquelas pessoas nunca paravam seus trabalhos nem por um segundo, sempre com olhares atentos em inúmeros papéis ou em seus monitores tecnológicos. Eu quase me sentia um tanto desinteressante todas as vezes que vinha aqui. Os vidros fumê que cobriam a maior parte daquele lugar eram tão impecavelmente limpos que pude estreitar meus olhos num menor esforço para enxergar uma figura conhecida por mim, de longa data.
— Não acredito! O que você está fazendo aqui? — o abracei assim que cheguei perto o suficiente para isso.
— E aí, cara! Tudo bem? Vim direto do aeroporto — ele deu alguns tapinhas nas minhas costas como sempre fez.
— Como foi o vôo, Ben? — Jeff finalmente o cumprimentou com um aperto de mão.
— Cansativo, como sempre. Não imaginava que Los Angeles estivesse tão quente. Como se acostumou tão rápido a viver aqui, Harry?
— No começo foi bem difícil. Mas agosto é a temporada mais quente, então você veio num péssimo mês — respondi, mas minha curiosidade faltava sair do meu corpo e pular nele. O que Ben estava fazendo ali?
Finalmente nos sentamos enquanto Jeff começou a organizar o que parecia ser uma videoconferência. Balancei a perna, esperando que ele começasse a falar sobre o assunto, quando ouvi a porta sendo arrastada.
— Seu café, sr. Styles!
— Obrigado, Ester, mas me chame de Harry, por favor — comentei e ela sorriu, se retirando logo depois. — Estou surpreso com sua presença. Como está minha afilhada? — me dirigi ao meu amigo novamente.
— Acredite, estou tão surpreso quanto você. Daqui a pouco você vai entender… Mas Ruby está tão esperta, Harry. Você viu o vídeo que te mandei?
— Claro, como ela pode já estar andando?! — movimentei as mãos, completamente abismado. — Na minha cabeça, ela saiu da maternidade mês passado. Ah, me deu saudades dela!
— Quando for visitar Anne, por favor, vá lá em casa. Sentimos saudades de você.
Sorri, me lembrando do quão em casa me senti quando morei com ele e Meredith por um tempo.
— Claro, eu vou sim… — paralisei um pouco, então olhei para os dois integrantes naquela sala e esperei finalmente saber o que era o mistério todo em cima dessa reunião. — Eu vou infartar se vocês não abrirem a boca. Que mistério todo é esse?
Winston, então, dirigiu seu olhar para Jeff, que concordou para que ele começasse a falar.
— Bom, outro dia estava conversando com uns produtores sobre quando você morou comigo por uns dezoito meses, e acho que nunca tinha compartilhado essa história com pessoas fora do meu ciclo de amizade — Ben explicou enquanto eu bebericava o líquido preto, sentindo a cafeína despertar meu corpo. — Então, eles levantaram a ideia de como isso daria um ótimo enredo para um sitcom.
— Uau! Isso é simplesmente incrível, Ben! Sabia que eu ia trazer benefícios — dei um murrinho em seu braço, e ele gargalhou. — Mas ainda não entendi como estou envolvido nisso. Você pode usar, sim, a nossa história. Não tenho problema com isso, foi parte da nossa vida — respondi, ainda um pouco confuso.
— Você aceitaria ser produtor executivo da série?
— Cof! Cof! — o café fez questão de entrar no lugar errado pela surpresa daquela notícia, me fazendo espirrar um pouco na mesa. — Me desculpem, mas… O QUÊ? — olhei atônito para Jeff, que abriu os braços quase como um tom de “avisei que levantar cedo era algo bom”. — Definitivamente, sim! — respondi, sorrindo.
Uma série sobre parte da minha vida? Hell yes! Levantei para pegar um guardanapo que estava no canto da sala para limpar a proeza que eu havia feito.
— Sabia que ele aceitaria, Winston! — respondeu o homem à nossa frente.
— Perfeito, então agora temos uma reunião com o restante dos produtores e criadores do show — ele continuou.
— Eles não conseguiram vir até a agência hoje, por isso vamos fazer uma chamada de vídeo com eles — Azoff prosseguiu enquanto eu só repassava tudo na minha cabeça.
Depois de muitas apresentações, não tive dúvidas que aquela série seria fantástica, e eu definitivamente gostaria de fazer parte dela. A história não era centrada no meu personagem, e talvez isso tenha me agradado mais – principalmente porque o conceito todo do show seria sobre relacionamentos e relacionabilidade, além do tipo de família que as três pessoas principais fariam. O astro famoso, na verdade buscando uma normalidade, ajudaria o casal a se reconectar com seus “eu’s” mais jovens, fazendo-os buscar alguma excitação em suas vidas.
Seguindo o caminho de volta para casa naquela tarde, minha mente viajou um pouco no tempo. Exatamente para aquele garoto de doze anos chamado Harry Styles. Aquele que, se eu sentasse por um instante para contar sobre seu futuro, jamais acreditaria. Em muitos momentos eu tinha a sensação que alguém, a qualquer momento, tocaria meu ombro e diria: “acabou a farsa ou palhaçada, seu tempo acabou”, me tirando dessa realidade paralela que a vida tinha me dado.
Eu ainda me sentia esse garoto.
Além de precisar ser ele, porque tudo parecia irreal demais, grande demais para tocar. Por essa razão, apesar de ter sido um pé no saco para um casal recém-casado naquela época, foi a minha ânsia de me sentir normal que me fez demorar para sair daquela casa. Eles me fizeram enxergar o quão importante é ter o pé no chão. E apesar de tudo que a fama pôde proporcionar, os momentos familiares – muito mais que simples – preenchiam meu coração.
Respirar. Preciso lembrar de respirar. Se eu não respirar, vou passar mal.
Parei e respirei um pouco para continuar. Só precisava adestrar meu psicológico para que ele entendesse que meu corpo aguentava mais um pouco do que eu imaginava. Estava sozinha naquela tarde no estúdio, depois de algumas dicas do meu professor. Na verdade, eu nem precisava estar ali – até porque, como ele mesmo disse, eu não deveria focar muito na minha perfeição de dançar, o foco sempre seria o artista. Nós brilhamos do nosso jeito, mas no final do dia, somos apenas figuração.
Já era final de tarde quando cheguei em casa, me deparando com minhas amigas provando roupas.
— O que é isso? Los Angeles Fashion Week? — me joguei no sofá, assistindo-as passearem pela sala.
— O que você achou? — Amber chegou mais próximo de mim com uma saia longa plissada e um cropped manga longa
— Você parece que está indo pra igreja — respondi e ela bufou, entrando no quarto à procura de outro look.
— Nem vou perguntar sobre o meu, porque sei que está perfeito — Kels disse. — Inclusive, pode ir escolher o seu.
— Eu não vou, tô muito cansada. Só preciso da minha cama e uma grandiosa taça de vinho.
— Vamos, ! Faz um tempo que não saímos todos juntos — ela suplicava com a doçura do seu tom de puro convencimento.
Analisei todas as estatísticas daquele rolê sair completamente errado. Além de não saber como dizer “não” para as argumentações da minha dupla dinâmica de amigas, todas as minhas justificativas estariam nulas pelo simples motivo que teríamos folga no dia seguinte.
— Eu combinei de sair com Harry — disparei, porque era a única frase que estava pulando na minha cabeça no momento.
— Você disse no almoço que não tinha marcado nada com ele — Amber chegou na sala com o contra-argumento perfeito. Pressionei meus lábios, sabendo que tinha sido pega em uma mentira. — Por que você não diz o motivo pelo qual você não quer ir?
— Ah, gente! Tô sendo verdadeira quando falo que estou cansada.
— E…
— Faz bastante tempo que não falo com Chad, e eu não quero mais pisar na bola com ele — fui finalmente sincera.
Odiava ter que pisar em ovos com alguém. Odiava saber que eu tinha o magoado de alguma forma. E me odiaria para sempre saber que, com um simples toque em meio a um simples abraço, eu poderia dar a ele alguma brecha de esperança, sem perceber. A verdade era que eu não fazia ideia de como ia me portar perto de Chad.
— Não se prenda tanto a essas minhocas que você coloca na sua cabeça. Vocês já conversaram, está tudo esclarecido.
— É, além do mais… acho que ele vai levar alguém pra festa.
— Uau, por essa eu não esperava. Tudo bem, fico mais tranquila. Vou me arrumar!
Conduzi meu corpo para o quarto e vasculhei alguma roupa minimamente limpa para a ocasião, o que me lembrava: eu deveria ter lavado roupas no final de semana para ter vestimentas limpas para a viagem no sábado.
Era uma social numa casa de amigos, então não precisava me arrumar tanto. Um pouco de corretivo, um pouco de gloss e eu estaria com carinha que quem não havia passado a semana inteira uma pilha de nervos, ensaiando.
— Estou pronta, vamos?
— Antes, tome isso! — Amber me passou um copinho — Precisamos terminar essa garrafa de tequila, de qualquer forma — ela deu de ombros, em seguida engolindo seu líquido. Fiz o mesmo.
— Deus! Quem em sã consciência acha isso gostoso? — fechei os olhos e coloquei a mão na minha boca, evitando que a bebida voltasse.
— Ok, vamos. Os garotos estão lá embaixo nos esperando.
Não saberia diferenciar se minhas entranhas estavam protestando junto com meu fígado a bebida que eu havia acabado de ingerir, ou se estava apenas nervosa de reencontrar Chad depois de algumas semanas.
Assim que cheguei mais perto do carro, pude perceber que ele estava com o cabelo cortado e vestia uma camisa em tom gelo que evidenciava sua aparência cansada. Seus olhos castanhos bateram em mim, e não desgrudaram até que eu o cumprimentasse de longe. Amber pulou para o banco do fundo com Brian enquanto Kelsey me fez companhia. Sentei bem atrás de Chad, que estava no carona. Em certo momento, sua mão passou pela lateral e alcançou a minha, puxando-a para seu corpo. Senti seus lábios no dorso dela, beijando-a. Logo depois, fomos em silêncio em meio aos olhares dos nossos amigos, assistindo toda aquela cena que parecia constrangedora até para o motorista que nem nos conhecia.
O amigo de Brian morava próximo a uma república, o que indicava que teriam muitos universitários naquele recinto. Que ótimo! Mais uma evidência de que eu deveria ter ficado em casa.
— Senti sua falta! — Chad disse quando ficou a sós comigo enquanto nossos amigos iam na frente, nos deixando retardatários na caminhada.
— Também senti a sua — sorri para ele, que não parava de me fitar. — Você parece abatido, está tudo bem?
— Sim, só estou cansado. Tive uma semana intensa no curso de teatro. E você?
— Estou bem, também muito cansada.
— EI! Venham! — gritou Kels na entrada.
Eu e Chad nos olhamos e demos um abraço desajeitado antes de entrar.
O lugar estava lotado como imaginava. A música alta, que fazia questão de disputar território com o falatório daqueles universitários, cessou um pouco meus pensamentos. Pedi licença algumas vezes e passei pelo mar de corpos suados até chegar onde as garotas estavam. Brian nos apresentou a várias pessoas, no mínimo interessantes, e nos ambientou por toda a festa, mas decidimos ficar próximo do beer pong, já que era o único atrativo naquele ambiente.
— Ei, gente, essa é Emily! — Chad surgiu em nossa vista depois de sumir por uns dez minutos.
— Podem me chamar de Ems — ela sorriu simpática.
— Oi, Ems! — respondemos em um coro, o que fez ela rir.
— Vou pegar sua bebida, o que quer? — ele perguntou, tocando sua cintura rapidamente.
— Cerveja está ótimo — ela respondeu dando um sorriso para ele.
A garota tinha cabelos longos, castanhos avermelhados, e um pouco mais baixa que eu, mas podia jurar que seu jeito de se vestir se assemelhava ao meu. Porém, nunca comentaria isso até que alguém me confirmasse.
— Onde conheceu Chad? — Kelsey foi a primeira curiosa, amava essa garota! Eu também queria muito saber essa história pelo meu espírito fofoqueira.
— Minha fraternidade deu uma festa duas semanas atrás, e eu como sou desastrada derramei todo meu drink verde em cima dele. Ele ficou parecendo o Hulk!
— Você tem foto disso? Por favor, diz que sim! — implorei, a abraçando um pouco de lado.
— Vocês querem usar como chantagem depois, não é? — Emily indagou, e concordamos com a cabeça com sorrisos abertos que beiravam a psicopatia. Ela riu um pouco e tirou seu celular do bolso. — Vamos ver… ACHEI!
Então, a garota colocou a tela na altura dos nossos olhos, e fizemos um círculo em volta dela para esconder a relíquia. Na imagem, Chad estava vestindo uma camisa branca, claramente completamente verde, com um sorrisão no rosto – que também estava um pouco verde – e com o braço envolvendo o pescoço de Emily, que estava escondendo seu rosto.
— MEU… DEUS… DO… CÉU! — Amber foi a primeira a gritar. O resto de nós conduzia o que parecia uma sinfonia de gargalhadas.
— Airdrop já está ligado, por favor, me passa! — consegui dizer, um pouco sem ar.
— O que vocês estão fazendo? — Chad se enfiou no meio de nós duas. Estendeu o copo para Emily, que lhe agradeceu com um selinho.
— Ems estava nos mostrando o cachorro dela — Kels soltou em seguida. Eu nunca pensaria em algo tão rápido.
— Mas ela não tem cachorro, a fraternidade não… — ele pareceu ponderar as palavras, como se estivesse ligando algo em sua mente. — Você mostrou pra elas, né? — Chad fixou seu olhar nela, que estava pressionando os lábios numa tentativa de prender seu riso.
— Elas pareciam inofensivas, mô! Me prendi na carinha delas, são muito lindas e simpáticas.
Eu tinha amado o elogio, mas Emily tinha chamado Chad de amor no diminutivo?
Desviei meu olhar para o lado, encontrando Amber me encarando. Sustentei aquilo um pouco, e conversamos naquela mínima troca de olhares. Olhei para o outro lado; Kelsey não disfarçava muito bem e eu lhe cutuquei.
— Relaxa, Chadzinho. Vamos manter essa foto no sigilo — voltei para a conversa, tentando despistar nosso espanto com a intimidade dos dois. — Por enquanto — sorri maquiavélica.
— Oh gosh! Estou fudido.
Nós, mulheres, gargalhamos enquanto ele fazia um pouco de drama. Os dois se fecharam um pouco no mundinho deles, enquanto a gente se afastou um pouco para poder falar em paz.
— MÔ? — Ambs soltou, indignada. — Eles se conhecem há duas semanas!
— Gente, e não é só isso. O fato que ela se veste bizarramente igual a Mel?! — Kels me confirmou o que eu estava pensando desde o começo.
— Sabia que estava lembrando de alguém olhando para ela — Amber continuou analisando. — Chad poderia ser menos óbvio, não?
— Ainda bem que são vocês falando, porque eu não vou dizer um pio sobre isso até que esteja em um lugar seguro.
— Então a gente fala por você!
— Ela é tão legal, por que tinha que esbarrar logo com nosso amigo?
— Ei, parem de fofocar, mulheres! Venham jogar — Brian nos chamou para a Terra, nos dividindo entre os dois lados. O mais novo “casal” ficou com ele enquanto eu, Kelsey e Amber ficamos do lado oposto.
Além de fazer questão de fazer arremessos perfeitos para deixar Chad bêbado o mais rápido possível e ir embora para casa, eu me esforçava ao máximo para não esboçar nenhuma reação quando ele e a garota comemoravam de um jeito meloso cada jogada em que a bola caía dentro do copo.
Depois do final do jogo, em que claramente minhas meninas ganharam, passei o resto da noite evitando os dois, que pareciam não se desgrudar, mas de uma maneira ridícula. Minha boca permaneceria selada até que chegasse em casa e pudesse desabafar com minhas amigas sobre a ceninha patética que Chad estava fazendo. Todas as vezes que ele a beijava, me lançava olhares que minha mente traduzia como: “você me perdeu”, ou sorrisos que insinuavam um “olhe aqui pra nós, é ela que vai para minha cama hoje”.
Porém, a gota d’água foi quando a garota foi ao banheiro, permitindo que Chad chegasse bem perto de mim, soltando a seguinte frase:
— O apê vai estar vazio hoje, já que Brian vai dormir com Amber.
Olhei incrédula para ele, já esperando que vinha a seguir.
— Eu posso dar uma desculpa qualquer pra Ems quando ela voltar, então podemos ir juntos — ele insistiu, e eu continuei o encarando. — Ninguém precisa saber — Chad passou a mão na minha cintura. Aquilo poderia ter feito um mínimo de arrepio em mim no passado, ou até em outra situação, mas não com aquelas circunstâncias.
— Chad, pare. Vai curtir a festa. Além do mais, Emily é muito gente boa, não seja canalha.
— Eu não gosto dela, . Eu gosto de você.
Era aquela minha deixa para ir embora. Me distanciei dele o mais rápido possível. Não queria fazer cena, não queria ter que dizer para ele acordar para vida – pelo menos não na situação em que estava embriagado, com sua acompanhante na iminência de voltar do banheiro a qualquer momento. Procurei minhas amigas com os olhos para fugir da situação e acabei avistando Kelsey conversando com um homem lindo, diga-se de passagem, então não iria incomodá-la.
— Ei! Está tudo bem? — a voz de Ambs parecia música aos meus ouvidos. Ela estava com Brian em seu encalço.
— Ééer… não estou me sentindo bem. Acho que vou pra casa — contei uma meia-verdade.
— Eu vou com você, se quiser.
Naquele momento, o meu celular vibrou. Era uma mensagem de Harry perguntando se eu ainda estava acordada. “Deus realmente cuida dos mínimos detalhes”, foi o que pensei. Ele pareceu adivinhar a situação grotesca em que eu me encontrava e me salvou lindamente, quase como quando o príncipe resgatou Rapunzel da torre.
— Acho que não vai precisar de companhia, já que arranjou uma — Amber sorriu para mim.
— Devo ir? — perguntei um pouco receosa.
Depois daquele jantar em sua casa, aquela deveria ser, talvez, a quinta vez que nos encontrávamos casualmente. Eu estava sem expectativa nenhuma de continuar encontrando Harry, mas sempre que meu celular apitava pós-jantar, eu não conseguia dar uma resposta negativa. Da mesma forma que eu não conseguia negar meu despertador matinal, que havia sido renovado e transformado em uma linda versão duplicada de nós dois com tesão. Eu sempre saía desesperada com medo de me atrasar para os compromissos, além de tudo, desesperada quando caía em consciência de que havia dormido outra vez ao lado dele – algo que eu nunca fazia normalmente, já que isso significava uma intimidade que nunca gostaria de ter com ninguém.
— Em dúvida sobre transar ou continuar numa festa que você está odiando?
— Alguém falou transar? — Brian aguçou o ouvido, se mostrando interessado na conversa.
— Você é um fofoqueiro. Só prestou atenção nisso, né?
— Claro que sim. É gata ou gato?
— Gato.
— Uma foto do gato e eu pago seu Uber.
Hesitei por um momento. Olhei para Amber, que deu de ombros, indicando que não insistiria se eu não quisesse mostrar. Enfim abri a conversa com Harry, mostrando a foto em sequência.
— Deixa de brincadeira, — Brian bufou. — O cara é feio, por isso você não quer mostrar, né? Não tem problema, os feios também transam…
Amber permaneceu em silêncio e analisou a reação do namorado, que, quando olhou em seus olhos, se espantou.
— Você não… QUÊ?! Como isso aconteceu? Vai, vai, vai, agora. Vou chamar seu Uber!
Nós gargalhamos com aquela reação. Seu desespero para me ver longe dali era genuína, de uma maneira boa, por isso não me senti ofendida.
— Vejo vocês amanhã — abracei os dois ao mesmo tempo e continuei sorrindo até a saída.
No minuto que o carro chegou, senti meu braço sendo agarrado com força. Virei meu corpo, puxando meu braço de volta para mim, e fuzilei com os olhos o idiota que fez isso.
— Pirou de vez?! — gritei.
— Não vai, por favor. Me desculpa pelo que falei. Me desculpa. Você está indo embora por isso? Eu só tô muito bêbado, não sei o que tô sentindo. Tá tudo uma merda, e eu sinto sua falta PRA CARALHO.
Passei alguns minutos até processar o que eu faria a partir dali. Chad tinha olheiras, lágrimas nos olhos e um olhar perdido em si que mostrava não ter ideia do que ele estava fazendo.
— Entra no carro! — falei com toda a raiva que eu sentia naquele momento.
— Mas…
— Só não fala nada, você já me irritou o suficiente hoje — continuei incisiva, e seus ombros caíram. Chad piscou rapidamente e assentiu em silêncio. Entrei junto com ele e logo pedi para Brian mudar a rota para minha casa, sem dar maiores explicações, e ele prontamente o fez.
O corpo de Chad amoleceu ao meu lado e foi lentamente caindo em cima de mim. Ajeitei sua cabeça no meu colo e, em poucos minutos, ele estava adormecido. Minha raiva se misturava com compaixão, o que me fez fazer carinho em seus cabelos até a chegada. Mexi em seu corpo quando avistei a entrada do apartamento, que logo se assustou e despertou.
Agradeci ao motorista, saindo com Chad me seguindo em completo silêncio. O único barulho que se podia ouvir naquele momento era o tinir da chave abrindo a porta. Tirei meu tênis, o deixando do lado de fora do apartamento, e minha sombra fez o mesmo. Caminhei até o quarto, procurei uma toalha nova para ele usar e a deixei em cima da cama antes de entrar no banheiro.
Tentei me demorar no banho, no anseio de que a água quente me fizesse esquecer do dia de hoje. Minha intuição havia me avisado: eu não deveria ter ido. No instante em que fechei os olhos, lembrei que não havia avisado a Harry que não iria mais. Que vacilo!
Me enrolei na toalha e saí do banho, dando de cara com o meu estraga-prazeres em forma de amigo.
— … — sua voz pronunciou baixa.
— Depois a gente conversa, Chad. Eu não estou com raiva de você, não se preocupe. Você ainda está bêbado, precisa de um banho, comer e dormir — o interrompi antes que continuasse com suas desculpas, e ele assentiu e passou por mim, se trancando no banheiro.
Coloquei meu pijama confortável lavanda para dormir, plenamente cheirosa, e fui para a cozinha fazer algo para comer. Decidi por um misto-quente antes de resgatar o celular que estava no meu bolso para me desculpar com Harry.
Não te dei um bolo, prometo! 2:34am
Surgiu uma emergência, me desculpe. 2:34am
Coloquei o sanduíche no prato e ouvi o celular tocar. O nome do cantor brilhava na tela, e por um breve momento me perguntei se deveria atender.
— Oi.
— Ei, fujona, liguei pra saber se estava tudo bem. Espero que a emergência não tenha sido tão grave.
— Ah, não foi. Um amigo bebeu demais e eu era a mais sóbria pra cuidar da situação.
— Menos mal, fiquei preocupado.
Aquela frase me derreteu. Ele se preocupou?
— Obrigada, mesmo. Muito triste que não poderei usar sua vela de baunilha hoje — brinquei com ele, mas era com fundo de verdade. Era um dos pontos altos da noite sempre que eu o visitava.
— Você pode usá-la na sexta, não tem problema.
— Hmm... É que no sábado eu vou viajar. Vou fazer as malas na sexta.
— Ok, agora está confirmado que está fugindo de mim — seu tom de voz soou brincalhão.
— Prometo que não, mas tenho a gravação do clipe, lembra que te falei? É em São Francisco, vou ter que sair bem cedo.
— Ah, lembro, está perdoada! Está nervosa?
— Uma pilha de nervos — suspirei.
— Você vai se sair bem. Mas se mudar de ideia, posso te desestressar na sexta, com direito a vela de tangerina.
— Por que não a de baunilha? É minha preferida, poxa!
— Porque a de tangerina tem propriedades calmantes.
— Você está quase me convencendo…
— Que bom! Era essa a intenção. Além do mais, você pode viajar daqui.
— Tudo bem, nos vemos na sexta. Eu queria muito te ver hoje…
— Eu também — Harry suspirou, assim como eu, com a libido nas alturas. — Mas te vejo na sexta, ok?
— Sim! Obrigada por ligar. Beijo.
Além de gostoso, era atencioso. Como eu odeio ter ido para aquela festa!
Equilibrei o copo embaixo do prato para conseguir alcançar o interruptor da cozinha e apagar a luz. Caminhei pelo corredor e pude jurar que avistei o que parecia ser o calcanhar de Chad na porta do quarto.
— Vai formar um buraco no chão desse jeito — falei, o sentindo tremer um pouco com a minha voz, como se não estivesse esperando que eu estivesse por perto. Sua expressão não estava das melhores, mas eu não iria perguntar mais nada. Estava cansada demais para qualquer conversa, seja de qual âmbito for. — Toma! Para diminuir a ressaca de mais tarde — pronunciei, lhe entregando o prato.
— Obrigado, abelhinha — agradeceu com seu sorriso forçado.
Passamos algum tempo em silêncio, até que ele falou:
— A Emily me deu um fora.
— Bem merecido, por sinal.
— Você nem falou nada sobre ela, achei que ia palpitar sobre.
— Não tenho direito de falar sobre sua vida amorosa, Chad. Pelo menos não por agora. Você mesmo deixou claro que minhas opiniões interferiam em suas escolhas.
— Eu sei, mas meio que me importo com o que você acha. Eu quero que você aprove alguém um dia.
— Se eu perceber que você gosta de verdade da pessoa e não está usando ninguém para me provar alguma coisa, eu vou aprovar — disse firme, e ele assentiu.
Reuni os utensílios, levei-os para a cozinha e voltei para o quarto rapidamente. Senti o fofinho da cama me abraçar quando finalmente pude deitar nela. Puxei o lençol sobre o meu corpo, virando para o lado oposto do meu amigo. Quando minhas pálpebras já não aguentavam mais ficar abertas, senti seu corpo me envolver; no entanto, estava muito cansada para protestar. E me permiti dormir.
Capítulo 10 – San Francisco, Part I
Naquela manhã, pisquei infinitas vezes até finalmente conseguir manter meus olhos abertos. O despertador tocou às quatro da manhã, porém, nada me faria despertar por completo naquela hora. Mesmo em minha leseira matinal, rapidamente me arrumei para seguir viagem, e quando estava totalmente pronta, dei de cara com um homem lindo com cabelo desgrenhado me oferecendo um café preto para viagem.
— Obrigada! — sorri sem mostrar os dentes, tentando ser meiga naquele horário.
— Te ajudo a colocar a mala no carro — ele disse, pegando rapidamente o peso que eu carregava do lado esquerdo. O segui até o lado de fora e acionei o botão para abrir o veículo, observando Harry dispor a mala no banco de trás. Me aproximei dele, não sabendo como me despedir. — Isso nunca aconteceria se eu tivesse simplesmente ido embora na madrugada.
Decidi por deixar um beijo em sua bochecha. Meu corpo deve ter travado um pouco quando sua mão pousou ligeiramente em minha cintura, mas logo tratei de me afastar, sentando em frente ao volante.
— Me desculpe por te acordar tão cedo — ajustei minha voz para que ele me perdoasse.
— Tudo bem, eu gosto de acordar cedo. Nos vemos quando você voltar — Harry sustentou seu olhar em mim, deu um meio sorriso e se afastou da janela.
Girei a chave na ignição, sem respostas do motor iniciar. Aquele era finalmente o dia em que iria para São Francisco para a gravação do meu primeiro clipe, de uma artista que tinha diversas músicas emplacadas nas paradas musicais – aquela era uma oportunidade de ouro para mim. Não iria surtar, pelo menos ainda não. Desliguei, esperei uns segundos e repeti o movimento na chave. NADA! Era tudo que eu precisava naquele momento.
— Quer ajuda? — a voz de Harry surgiu ao meu lado; olhei para ele e assenti com a cabeça. Abri a porta, pus meus pés para fora do carro e empurrei meu corpo para fora. Ele entrou logo em seguida, fazendo os mesmo movimentos na chave. Sem respostas, também. — Você deixou alguma luz do carro ligada esses dias?
— Não que eu me lembre…
— As luzes do painel estão fracas, acho que pode ser a bateria.
— Tenta ligar o som — apontei para o aparelho e ele estendeu a mão para o botão de ligar. A iluminação do painel de som acendeu, mas logo apagou.
— É, acho que é a bateria. Tem que acionar o seguro.
— Ai, que droga! Logo hoje tinha que dar tudo errado! — soei desesperada e encostei minhas costas na porta traseira. Harry saiu do carro e se colocou de frente para mim, com suas mãos em meus ombros, me obrigando a encarar seus olhos verdes.
Vacilei um pouco. Eu estava quase indo a lágrimas.
— Isso é fácil de se resolver, fica calma.
— Eu sei, mas o problema é o clipe. Não posso perder, Harry. É muito importante pra mim! — choraminguei.
— Você pode ir no meu carro, ok? — ele disse com a maior tranquilidade.
— O quê? — fiquei assustada com sua proposta. — Não, jamais poderia pegar seu carro emprestado. Fora de cogitação — me agitei, andando de um lado para o outro enquanto ele me observava.
— E como você pretende ir?
— Trem e ônibus? — falei como se fosse óbvio, e ele revirou os olhos.
— , olha pra mim — Harry prendeu minha atenção nele. — Um trecho que você poderia fazer em seis horas de carro — jogou o número formado em seus dedos bem no meu rosto — você prefere passar onze horas em um trem, com a certeza de que vai chegar atrasada no seu compromisso por mera formalidade e teimosia? — concluiu, ainda com o cenho franzido. Ele tinha se esforçado muito para formular aquele argumento o mais rápido possível.
Bufei em resposta. Harry sorriu de lado, sabendo que tinha ganhado.
— Eu sei que é impossível ir de transporte público, mas eu realmente não me sinto confortável em dirigir seu carro. Não porque seja seu, mas eu não dirijo carro de outras pessoas. Tenho medo que aconteça algo.
Ele me olhou atentamente como se estivesse planejando mais um argumento, e talvez eu não tivesse como dizer não para o próximo.
— Então eu te levo, e não aceito um “não” como resposta — colocou a mão na cintura, esperando minha objeção.
— Tudo bem. Tenho outra escolha? — perguntei sorrindo, um pouco esperançosa.
— Infelizmente, não. Vou arrumar uma mala de mão e já saímos — ele disse antes de voltar para dentro da casa, me deixando surtada com minhas neuras.
E assim começava um turbilhão de pensamentos que mal me deixavam respirar. Eu iria passar um final de semana inteiro com Harry. Claro que hoje ficaria o dia inteiro trabalhando, mas teríamos o restante da noite, além do dia inteiro no domingo juntos, fazendo programas de um casal de turistas? Eu estava definitivamente numa enrascada! E se alguém me perguntasse se eu saberia onde estava me metendo, a resposta seria negativa, para não ter que responder o óbvio.
Enquanto Harry se organizava, liguei para o seguro para resgatar o carro, porém, precisaria que uma pessoa estivesse no local para acompanhar o trajeto até a oficina. Disponibilizei o endereço para eles e dei o nome da única pessoa que me salvaria nesses momentos, mesmo antes de ligar para ela.
Rapidamente disquei seu número.
— Oi, sou eu.
— Eu sei, tem seu nome gravado no meu celular — Amber respondeu. Bufei.
— Preciso da sua ajuda, urgente, rápido.
— Sou toda ouvidos.
— Meu carro quebrou e eu não tenho tempo para esperar o reboque. Você pode, por favor, vir acompanhar ele?
— E onde o carro está?
— Na frente da casa do Harry, vou te mandar o endereço.
— Tá bem, achei que estava no meio da estrada.
— Obrigada, você é a maior!
— Eu sei! — disse convencida, o que me fez rir um pouco.
— A chave reserva está na caixinha que fica em cima da escrivaninha, tá bem?
— Ok, mas espera… Como você vai para São Francisco?
— Harry meio que vai comigo… — falei em voz baixa como se estivesse sussurrando um segredo, mesmo que ninguém pudesse escutar.
— O QUÊ?
— Surtei, né? Mas não tive como dizer não, e eu estava meio desesperada. Era isso ou dirigir o carro dele. Eu não iria simplesmente levar o carro dele embora, a gente se conheceu ontem praticamente, e já vou sair por aí pegando o carro emprestado do cara — comecei a tagarelar sem parar tudo o que eu estava pensando desde quando tinha aceitado isso. — Eu não teria tempo para pegar um ôni…
— ! — ouvi o grito de Amber que me colocou um pouco nos eixos. Talvez eu tenha surtado mesmo.
— Oi?
— Apenas divirta-se! Seu carro estará seguro.
— Eu te amooo! — suspirei aliviada.
— Eu sei. Beijos — ela se despediu antes que eu tagarelasse mais ainda.
Escutei passos próximos e, quando olhei para trás, vi Harry me chamando com a cabeça para irmos. Peguei minha mala no banco traseiro, tranquei o carro e o segui até a garagem. Dei de cara com seu Jaguar conversível – belíssimo, por sinal – em alguma versão vintage que eu não saberia identificar especificamente. Nos acomodamos e, antes de rumar para São Francisco, paramos numa cafeteria que ficava próximo à sua casa para comer algo durante a estrada.
— Bom… — Harry parou um pouco de falar para morder o sanduíche. — Precisamos de uma playlist para a viagem, o que quer ouvir? — ele me olhou de rabo de olho rapidamente, esperando minha resposta.
— Qualquer uma que me tire de órbita do estresse que já passei hoje.
Got To Be Real – Cheryl Lynn
A escolhida foi uma música irritantemente feliz, mas pela sua empolgação, balançando o corpo de um lado para o outro, meu humor mudou instantaneamente. Parte do seu cabelo estava preso com uma piranha no topo da cabeça, mas a maioria dos fios insistiam em voar na direção do vento que soprava contra a janela. Eu não conseguia conter minha gargalhada, porque sabia que Harry estava sendo ele mesmo quando tentava literalmente me tirar da realidade, como eu mesma havia pedido.
— Ah, vamos lá! Dance comigo, — ele me pediu para acompanhá-lo com um sorrisinho faceiro.
— Você quer me fazer estacionar nos anos setenta, mesmo?
— Não consegui ser tão discreto, né? — ele riu. — Mas, além dessa missão, disco music são as melhores para dirigir.
— What you fiiiind, ah! — cantei uma parte fácil que decorei, chacoalhando meus ombros em sua direção. Aquilo poderia ser divertido, no final de contas.
— What you feeeel, ah! — ele me acompanhou, jogando sua cabeça um pouco para trás enquanto ria.
Tudo era rosa. As luzes, os shorts das dançarinas, até os casacos de pelos tinham um tom mais pastel do rosado. Parecia que eu havia sido jogada dentro de qualquer filme do Universo Barbie, só pela quantidade de tons daquela cor enjoativa presente em qualquer mínimo elemento. Eu estava usando uma viseira branca – que com certeza era para destoar do meu casaco rosa-choque sintético – e muitos, mas muitos acessórios exagerados, assim como todas as outras pessoas presentes no clipe. Porque essa era a estética: tudo extremamente exagerado de jóias, ou mais precisamente, diamantes usados em cada dedo anelar das seis amigas da Ariana.
— Vocês precisam estar se divertindo enquanto estão gravando, então lembrem-se disso, garotas! Muito obrigada por terem aceitado fazer isso comigo — a cantora disse antes que a equipe de produção começasse a gravar. — Ah, dêem carinho ao Toulouse, ele não quer largar de mim — ela acariciou seu cachorro que estava ao seu lado e arrancou risos de todos que estavam ali.
A primeira cena a ser gravada em grupo reunia suas amigas em um sofá; Ariana se encontrava no meio delas enquanto as dançarinas se espalhavam nos espaços vazios do cenário principal. Eu estava posicionada em frente à mesa central, e tudo que deveríamos fazer era interagir como se estivéssemos numa festa, dançando e bebendo champanhe. Até que Grande passeasse por todo o espaço e parasse em frente à câmera, mais especificamente ao meu lado, agachada e fazendo twerking.
Nos movemos para a cena seguinte, na qual ficaríamos em zigue-zague em toda a extensão da escada enquanto a cena mostrava a cantora distribuindo champanhe sobre uma torre de taças. Gritavamos e ríamos enquanto ela se divertia assistindo o líquido dourado suave sendo distribuído por todos os andares, até que a torre caiu com o peso.
Tivemos um intervalo no final da tarde enquanto Ariana filmava todos os takes individuais que precisaria para a construção do clipe. Quando o céu já estava anunciando a escuridão, Scott indicou nossas posições; logo depois, repassamos os passos da parte final da música, na qual realmente teríamos algum tipo de dança minimamente coreografada. Ariana estaria no meio com todas as suas amigas ao seu redor, enquanto as dançarinas estariam um pouco mais distais. O cenário tinha a casa de fundo completamente rosa pelas luzes, dois carros brancos grafitados, um sofá, algumas cadeiras e um varal com roupas que finalizavam os elementos de um bairro do subúrbio. E o que não poderia faltar também: uma casinha de cachorro rapidamente improvisada, já que o cachorrinho da cantora insistia em estar no meio da gravação. Então, ele teria seu momento de estrela.
— Ok! Todas posicionadas. Nesse começo eu quero sensualidade, garotas — Hannah gritou. — AÇÃO!
Eu me encontrava em cima de um dos carros do lado esquerdo, concentrada para não cair daquela altura. A música incorporava a melodia de “my favorite things” mixado com um toque de hip hop, o que facilitava muito a memorização de alguns passos.
— Sabe, nessa parte de “gee, thanks” parece realmente que vocês estão falando umas com as outras, então vocês têm que maximizar os movimentos e os carões, porque é a pegada da música! Esse empoderamento feminino. Tá ficando tudo muito especial! DE NOVO!
Durante toda a música, nossa perna direita quebrava o rebolado contínuo. Mantendo os pés afastados na altura dos ombros e o quadril empinado, jogando de um lado para o outro no ritmo.
— Quando ela canta “the way it shiiine”, empinem o bumbum e deixem o movimento completo, sem quebrar! — Scott continuava a nos lembrar o tempo todo dos tempos da música.
Depois de diversos takes, o vento gelado da madrugada já se pronunciava quando ouvimos que havíamos concluído as gravações.
— That’s a fucking wrap! — Ariana gritou, confirmando.
Tiramos algumas fotos por todos os cenários, com a galera da produção e a artista. Em seguida, fomos liberados para voltar para o hotel.
Me sentia um pouco inconsequente se eu fosse parar para pensar na escolha que tinha feito naquele dia. A verdade era que tudo o que eu queria era ser inconsequente e viver o final de semana sem ficar ruminando trezentas ideias do que aquilo poderia significar.
As horas que tínhamos que matar até o destino final foram bem aproveitadas com a minha playlist para dirigir. Apesar de ouvir algumas reclamações ao longo do caminho por monopolizar o som, eu tinha a sensação de que adorava qualquer tipo de novidade. A mordida na lateral dos lábios e os olhos semicerrados fixos num nada eram indícios de que ela estava concentrada ouvindo aquelas músicas novas para seu mundo. “Desculpe, às vezes consigo visualizar uma dança na mente quando me concentro em entender a letra”, ela disse quando fiz uma pergunta e não obtive resposta por quase um minuto. Já tinha captado alguns detalhes dela, que a partir de hoje não passariam despercebidos por mim – e, além de tudo, eu passaria a ser apegado a eles para extrair o maior número de informações que pudesse sobre ela. Sentia que boa parte da sua comunicação era corporal. E a maioria de seus pensamentos não eram verbalizados, mas existia uma mensagem em tudo que fazia.
Deveria ser finalzinho da tarde quando decidi pôr meu fone de ouvido e caminhar até uma cafeteria próximo do hotel, com meu caderno de bolso.
— Um café preto, por favor — pedi no balcão e, em poucos minutos, o copo estava em minha mão. Segui para uma mesa mais afastada com um janelão do lado esquerdo.
Beberiquei o líquido preto, observei o local para ter certeza que não tinha ninguém me observando e levantei meus óculos escuros, posando-os no topo da cabeça. Abri meu caderno e li as últimas frases escritas de um mês atrás. Eram sobre ela. Sobre Camille.
Passei a mão no rosto, frustrado por estar tão travado. Precisava de inspiração. Peguei meu celular, deslizei pela galeria e encontrei um vídeo antigo no qual eu havia gravado ela conversando com um amigo.
“Cocou, tu dors?” (Oie! Você está dormindo?)
“Oh, j'suis désolée.” (Oh, me desculpe.)
“Bah non.” (Ah, não.)
“Nan, c'est pas passé, l'moment.” (Não, não é importante.)
“On jouait, on était à la plage, et maintenant…” (Bem, então, nós fomos à praia e agora nós…)
“Parfait, allez!” (Perfeito, vamos!)
Ouvir sua voz me fez sentir estranho novamente. Minha boca ficou seca, de repente. Mas não ia parar por aí, eu deveria me torturar mais um pouco. Abri seu Instagram e deslizei pelas postagens até parar em um vídeo preto e branco em que ela acendia um cigarro entre seus lábios. O vapor que saía da ponta do cigarro e do sopro do seus lábios se difundia homogeneamente no ambiente, na frente do seu rosto e em alguns pontos pretos específicos onde era possível ver o desenho que a fumaça fazia. Na sua mão direita, especificamente no dedo anelar, estava meu anel de rubi vermelho – eu me lembrava do dia que havia lhe emprestado. E então, sua risada! Deus, como eu sentia falta.
FEVEREIRO DE 2018
Eu segurava sua mão com muita firmeza próximo ao meu peito enquanto caminhávamos pelas ruas escuras, onde a maioria da iluminação da cidade era composta pelas luzes dos estabelecimentos em que passávamos. Chegando na galeria do seus pais, ela soltou minha mão e foi vasculhar a bolsa atrás da chave.
— Como você conseguiu essas chaves, mesmo? — perguntei, novamente curioso.
— Por que você quer tanto saber? — ela respondeu, abrindo a porta e me puxando para dentro.
— Porque eu não quero ter que responder aos policiais amanhã sobre o que estou fazendo pelado no meio da galeria.
Camille gargalhou e eu comecei a tirar nossa “cama” da mochila. Estendi os milhares edredons pelo chão enquanto ela colocava as velas ao redor. Puxei os mini travesseiros que estavam enrolados na sua bolsa e os coloquei em seu devido lugar. Camille caminhou até outro cômodo da galeria, vindo com duas taças em uma mão e uma garrafa de vinho branco na outra.
— Sabia que você iria esquecer — ela agitou a garrafa na minha frente, e eu a puxei pelo pulso para beijá-la. — Hmm — ela resmungou durante o beijo. — Aguente mais um pouco, vou buscar os queijos.
Peguei as taças de sua mão e depositei o vinho em cada uma delas, colocando-as no chão e me sentando em seguida.
Em pouco tempo, Camille estava retirando seu casaco e se sentando ao meu lado. Passei minha mão pela sua coxa e, então, ela me olhou. Aqueles lindos olhos azuis, gigantes, que carregavam calor e ternura, estavam me examinando. Enquanto eu estava a admirando, alisei seu rosto com a mão livre, afastando os fios loiros da sua boca. Ela sorriu.
— Feliz seis meses! — disse, sustentando sua cabeça sobre meu peito.
— O que você quer de presente?
— Nada, isso está perfeito.
— Tem certeza?
— Bem que você poderia me emprestar esse anel — ela puxou minha mão, indicando o anel em homenagem a Ruby.
— Uma semana, só — tirei-o do meu dedo e encaixei em seu anelar.
Cherry – Harry Styles
Balancei minha cabeça, espantando minhas lembranças, então assisti mais uma vez o vídeo e li a legenda: “Filme de @williamstrobeck’s ‘Cherry’ (orgulhosa de dizer que estou no sétimo mês sem cigarros)”. Fechei a tela do celular; aquilo tudo já era o suficiente para que eu escrevesse.
Abri o caderno, puxei a caneta do meu bolso e li o começo da página.
Don't you call him what you used to call me
Eu lembrava do sentimento que senti quando ela me ligou. Puro ciúmes! E logo abaixo continuava:
I'm selfish, so I'm hating it
Camille estava feliz, mas eu era honesto demais com meus próprios sentimentos para saber que estava me auto depreciando por ela ter seguido em frente tão rápido.
Take it as a compliment
Ela deixou seus traços em mim, e acho que isso era bom de certa forma.
We're not talking lately
Don't you call him what you used to call me
Eu conseguia entender as perdas, além de perder Camille. Eram pequenas coisas que faziam falta no dia a dia. Os amigos dela, que agora eram meus, obviamente escolheriam lados. Mas ainda mantinham contato.
I just miss your accent and your friends
Did you know I still talk to them?
Does he take you walking 'round his parents' gallery?
Eu estava leve. Fechei o caderno, coloquei no bolso, paguei o café e voltei para o hotel.
Senti o colchão afundar lentamente, esfreguei meus olhos antes de abri-los e virei meu rosto, observando deslizar seu corpo para dentro do edredom.
— Oh, te acordei? Me desculpe — ela me lançou um meio sorriso, colocando sua mão embaixo do travesseiro e apoiando a cabeça em minha direção.
— Tá tudo bem. Você comeu? Trouxe comida para você.
— Obrigada, foi a primeira coisa que fiz quando vi seu bilhete perto da embalagem — ela se aproximou de mim. Eu podia sentir o cheiro de menta da pasta de dente escapar por sua respiração tão próxima. , então, selou nossos lábios. Não esperava por aquilo. — O que fez o dia todo?
— Fiz nosso roteiro de amanhã, andei um pouco pela cidade e escrevi uma música — falei despretensiosamente a última frase, levantando os ombros. Ela abriu a boca, espantada.
— Isso é ótimo, Hazza! Sobre o que escreveu? — perguntou empolgada.
— Algo sobre baterias pifadas e revisões anuais de carro — respondi sério, esperando sua reação. Ela abriu um sorrisão quando finalmente entendeu.
— Engraçadinho… Mas é muito cedo para eu ser sua musa — respondeu, dessa vez, me fazendo rir. — Mas, sério, sobre o que escreveu?
Ponderei sobre o que poderia falar. Não imaginei que ela me questionaria sobre isso, pelo menos não agora. Seus olhos grandes pareciam mais atraentes agora que me fitavam, esperando uma resposta. Então, respirei fundo antes de me jogar para o desconforto.
— Bem… Hm… Sobre términos e perdas, em geral — pausei um pouco, recebendo ainda um olhar curioso de . Então ,senti que precisava sofisticar minha resposta: — Sobre… quando um relacionamento termina, por motivos plausíveis, mas qualquer término gera um tipo de “buraco” emocional. E… você perde muitas coisas com o final, além da pessoa que você se relaciona. Coisas bobas, mas que fazem falta. Sabe?
Ela assentiu, mas senti que eu havia enrolado mais do que respondido.
— Hm, acho que entendi. Pareceu intenso… — me observou. Notei sua testa enrugada; ela estava preocupada? — Bom, não sei como é estar em um relacionamento, mas acho que posso entender o fim de algo que você colocou amor por muito tempo — ela deu um sorriso meio sem graça, talvez um pouco envergonhada do que tinha acabado de revelar.
— É, acho que é mais ou menos isso.
— Se sente melhor depois de escrevê-la? — indagou. Deixei escapar um sorrisinho afetuoso, sem deixar que ela notasse, só pelo fato de saber que se preocupava.
— Sim. Precisei resgatar alguns sentimentos, por isso estou um pouco melancólico — me justifiquei, com medo do que ela poderia interpretar daquilo.
— Sinto muito que alguém tenha partido seu coração — ela fez carinho em meu rosto, o que me fez fechar os olhos por um instante.
— Tudo bem, acho que quebrei o coração dela também — finalmente assumi para mim mesmo, acima de tudo. permanecia com os olhos atentos, apesar de estarem quase se fechando.
— Então isso deixa os dois perdoados, não?
— É, acho que sim.
Antes que eu pudesse perguntar sobre como havia sido seu dia de trabalho, senti seu corpo se aconchegando mais ao meu. Sua respiração profunda batia em minha nuca, então olhei para ela. Seus olhos tremiam, protestando para se manterem abertos. Entrelacei nossas pernas e a abracei pela cintura, me sentindo confortável ao seu lado.
— Obrigada por vir comigo — escutei murmurar antes que eu fechasse os olhos.
Dormi sorrindo.
Capítulo 11 – San Francisco, Part II
A sensação dos seus lábios macios sobre a minha pele estendia o calor por todo o meu corpo. Eu estava fervendo. “Se toca olhando pra mim”, ele disse, a ponta de sua língua passeando pela parte interna da minha coxa. Antes de se afastar completamente de mim, ele apenas passou a me observar de longe, mas eu ainda sentia que poderia explodir de excitação.
Meu coração estava acelerado, minha respiração estava falhando – pude até sentir suor pelo meu pescoço quando passei a mão nele rapidamente. Apertei os olhos algumas vezes ao perceber que estava no hotel, totalmente desnorteada. O quarto ainda estava escuro, mas alguns raios de sol insistiam em transpassar pelo blackout, formando uma meia-luz no ambiente. Senti um olhar pesado sobre mim – olhei para o lado e vi Harry com seu corpo virado em minha direção, o braço apoiado pelo cotovelo e a cabeça descansando em sua mão. Ele estava com a testa franzida, como se estivesse preocupado, mas tinha algo diferente na forma como estava me observando.
— O que houve, ? Parece que correu uma maratona — ele disse enquanto a curva dos seus lábios se transformavam em um sorriso pervertido. — Sonhou comigo? — passou a mão pela minha barriga, subindo a camisa.
— Sonhei — respondi despreocupada. Seu queixo caiu! Ele se jogou para trás, gargalhando muito. — Pare! Estou com vergonha — dei um tapa de leve em seu braço.
— Ok, ok! Sem tapas… — ele tentava parar de rir. — Oh! Tiveram tapas? — se sentou ao meu lado, interessado.
— Descubra! — respondi, tirando meus pés de baixo do edredom e indo em direção ao banheiro.
— Ei! Volte aqui! — sua voz gritou do outro cômodo enquanto eu me despia para tomar banho.
Liguei o chuveiro e me coloquei embaixo d’água. Estendi meu braço para pegar o sabonete líquido e senti uma mão me impedir.
— Estávamos molhados no sonho? — Harry sussurrou no meu ouvido. Meu corpo travou quando colou no seu, seus braços contornando minha cintura, e uma de suas mãos passeou por mim até chegar na minha virilha. Me segurei para não gemer, virando meu corpo para encará-lo.
— Eu estava… — fiquei na ponta dos pés para ficar mais próxima dele. — Mas não tanto quanto agora — murmurei em sua boca. Ele fechou os olhos com um sorrisinho travesso e me prensou na parede, ficando embaixo do chuveiro.
A água fazia um caminho tortuoso pelo seu corpo. Desci meu olhar, interessada em saber o quão excitado ele estava, e sorri safada ao ver sua ereção. Explorei seu abdômen com minhas unhas, sentindo sua musculatura se enrijecer a cada parte tocada, e envolvi seu volume com minha mão. Um gemido interrompido saiu do fundo de sua garganta – ele estava tentando se controlar.
— Você já está tão duro, e eu mal contei do meu sonho — continuei a masturbá-lo enquanto não tirava meus olhos dos seus. Sua mão apertou muito forte minha bunda, me fazendo grudar meu corpo no dele de novo.
— É porque a realidade é bem melhor, zinha — Harry sussurrou em minha boca antes de beijá-la com força. Puxei alguns fios de cabelo quando minha mão livre o segurou pela nuca; nossas línguas se enroscavam vorazmente, buscando cada vez mais proximidade. De repente, ele tirou bruscamente minha mão do seu pau. — Se você continuar a me tocar, eu não vou durar muito — disse, ofegante.
Seus lábios estavam vermelhos, me dando vontade de devorá-los novamente. O alcancei mordendo a parte inferior, que logo se transformou num beijo molhado – e desesperado. Sentia que meu corpo ia explodir em combustão a qualquer momento, até que ele introduziu dois de seus dedos dentro de mim. Entravam e saíam, me alargando, preparando o terreno. Harry passou a língua quente pelo meu lábio inferior, me provocando numa vontade de chupá-la, mas ele desceu para extensão do meu pescoço e passeou pela minha clavícula, alcançando meu seio que estava carente de atenção. Sua mão apertava minha cintura com força enquanto ele devorava de vez meu mamilo duro, realizando uma sucção gostosa nele. E logo pulou para o lado direito, que também esperava para ser chupado.
— Eu amo o que sua língua faz comigo — gemi para ele —, mas eu preciso de você dentro de mim.
Então, supliquei com meu olhar, que já estava mais que pronta para Harry.
Ele tirou seus dedos de mim e girou meu corpo, me deixando livre para brincar com seu volume. Eu estava com tanto desejo que parecia um pouco desesperada no quanto estava rebolando contra ele. Sua mão grande deu um tapa na minha bunda, enquanto seu pau brincava com a minha entrada.
— Você é uma safada, — Harry murmurou próximo do meu ouvido, quase se deitando contra minhas costas. Olhei de lado e alcancei sua boca num beijo rápido.
— Por favor…
— Por favor, o quê? — ele introduziu o começo do seu volume lentamente. Como sabia me excitar!
— Me foda.
No meio de um suspiro pesado, ele abriu mais minhas pernas com seus pés e afundou dentro de mim. A água do chuveiro escorria das minhas costas até minha bunda, criando faíscas de excitação. O choque do seu quadril contra mim fazia meus peitos ficarem pesados de tanto balançar. Estava calor, e ao mesmo tempo que eu estava molhada, minha respiração vacilava a cada estocada. Harry puxou meu cabelo, colando minhas costas contra seu peito. Desci minha mão na tentativa de alcançar meu clitóris, mas fui impedida quando ele prendeu minha mão para trás.
— Sem trapacear — demandou, me dando um tapa mais forte que o anterior.
— Então me faça gozar, Harry.
Eu me sentia mais apertada que nunca, ou talvez fosse minha entrada se apertando contra seu volume duro. Eu estava pulsando. Ele estava pulsando dentro de mim, e eu sentia tudo. Estava perdendo as forças, mas Harry me agarrou pela cintura e protestou contra meu pescoço, rangendo os dentes, segurando o máximo para não gozar naquele momento. Sua mão livre finalmente passou a massagear meu ponto de prazer, e era aquilo que faltava para que eu gozasse bem ali. Meus gritos aumentaram quando sua frequência para me fuder ficou mais rápida, e ele fez questão de afundar com mais força, sabendo que eu estava perto.
— Goza pra mim, zinha — disse ofegante, gemendo contra meu ouvido.
E eu tremi contra seu pau.
A energia do orgasmo já me atingia em cheio, mas ele continuou até que eu gozasse também. Rebolei em seu pau até sentir sua última estocada contra mim. Puta merda. Se eu precisasse sonhar para ter um sexo desse, iria sonhar sempre. Harry sustentou sua cabeça nas minhas costas, me abraçando por um tempo até que nossas respirações se normalizassem.
— Posso tomar banho agora? — falei sorrindo, me virando para ele, que riu com minha pergunta.
Suas mãos ainda estavam nas laterais da minha cintura, e ele se inclinou para grudar nossos lábios em um beijo caloroso antes de finalmente me ensaboar. Minha bunda com certeza ficaria com marcas, de tanto que sua mão a apertava e lhe tapeava.
— O que acha de pular nosso passeio turístico e ficar no quarto o dia inteiro? — Harry indagou em meu ouvido; sua voz rouca começava a me arrepiar novamente. Desde quando era possível sentir tanto tesão por alguém?
— Apesar de achar essa proposta tentadora, tô curiosa pra conhecer a cidade com você como guia — roubei a bucha de banho que estava encharcada de sabão e passei em seu peitoral. Harry me fitou por alguns segundos, então levantei meus olhos para ele, que logo me conduziram a olhar para baixo. — Talvez possamos atrasar um pouco — continuei com um sorriso travesso que atravessou meu rosto.
Sem nenhum aviso prévio, ele me colocou no colo, me levou para fora do banheiro e em segundos estávamos na cama nos entregando a mais um momento de luxúria. Conseguimos sair daquele looping de sexo um pouco antes da hora do almoço, então arrumamos as nossas malas e seguimos para andar pela cidade.
Era um belo dia para se turistar. O céu estendia-se em um só tom de azul, mas o vento frio permanecia para nos avisar de que aquela bola amarela chamada Sol não nos enganaria. Nossa primeira parada seria Chinatown!
Perdidos no mar de balões vermelhos, qualquer lugar na Chinatown aparentava ser o mesmo. A arquitetura dos prédios permaneciam clássicas, com características muito próprias; espaços retangulares, telhados curvos e cores marcantes. Tudo era harmonioso. Desviando dos corpos que pareciam atropelar a gente, paramos um pouco num mercado com muitos atrativos banais, o que eu amava.
— Como eu amo poder comer todas essas comidas que não sei ler o rótulo — peguei o pacote do que parecia ser um salgadinho agridoce.
— Você não acha que já tem o suficiente para a viagem? — Harry apontou para a cesta azul, assustado com o quanto de comida eu havia colocado ali.
— Comidas estranhas que podemos provar nunca é demais, Harryzinho — dei um tapinha em seu ombro para acalmá-lo. Mas meus olhos deram uma segunda parada na cesta. Vários pacotes coloridos, muitos doces diferentes, uns chicletes. — É, acho que está bom, né? — coloquei a mão na cintura, dando um sorriso sem graça. Talvez eu tenha exagerado mesmo.
— Como cabe tanta comida dentro de um ser tão pequeno? — ele cutucou minha cintura enquanto íamos para o caixa. Desviei em meio a risadas. Não podia vacilar e sentir cócegas no meio do mercado.
— Esses doces esquisitos eu vou provar em casa com as meninas — tirei-os da cesta, levantando para seus olhos, então os coloquei na esteira para pagar. — O resto é nosso.
Levamos pouco tempo pagando em comparação ao que passamos escolhendo os produtos – eu era a culpada –, mas o que eu poderia fazer? Sou um pouco obcecada com esses mercados asiáticos.
O cheiro de diversos temperos revirou nossos estômagos, nos recordando que ainda não havíamos almoçado. Seguimos o perfume convidativo, que acabou nos levando a um restaurante na rua principal. Havia uma pequena fila de espera, mas logo conseguimos ser atendidos.
— Ah! E você não sabe… O dia inteiro o cachorrinho dela a seguia, então Toulouse acabou fazendo parte do elenco também — contava animada sobre o clipe que havia feito no dia anterior. Eu nunca tinha visto suas mãos tão agitadas para ilustrar as situações.
— Então você gostou da sua primeira experiência num videoclipe?
— Adorei! A Ariana é um amor de pessoa, então acho que isso ajudou um pouco. Eu estava muito nervosa — ela mordeu o lábio inferior.
— Ela é maravilhosa. Escrevi uma música para ela, uma vez.
— Eu lembro de você cantando no show! É muito linda — ela sorriu antes de preencher sua boca com mais uma garfada.
Esperando a conta chegar na mesa, não conseguia conter a ansiedade de abrir os biscoitos da sorte. Seus dedos fizeram pressão para quebrar o biscoito e todos os pedacinhos caíram no prato. O papel estava quase todo aberto, mas ela o deslizou para desamassá-lo.
— “Sua visão se tornará mais clara apenas quando conseguir olhar para dentro do seu coração” — estava semicerrando os olhos, como se estivesse procurando algo para encaixar naquela frase. Seu lábio inferior impulsionou para frente, formando um bico. — Essas reflexões nunca me atingem, não consigo me conectar com nada. Como assim olhar pra dentro do meu coração? — ela bufou; antes estava apenas emburrada. Eu ri com sua indignação, porque era nítido que ela não tinha paciência para pensar. — E o seu? — perguntou ao abrir os olhos, curiosa.
Ao contrário dela, levei o biscoito até minha boca, mastigando metade dele. Deixei a outra metade sob o prato, enquanto desenrolei o papel com meus dedos.
“Pare de procurar eternamente; a felicidade está bem ao seu lado.”
Pude sentir um sorriso se formar no meu rosto, além de uma risada baixa voando pelos meus lábios. Reli algumas vezes, evitando olhar para , que mantinha sua curiosidade em mim.
— Ei, não vai ler? Eu li essa besteira em voz alta, você também tem que fazer — ela disse, toda mandona. Eu adorava essa sua personalidade, mas mal sabia que aquela frase passava longe de ser uma besteira.
Amassei o papel, apontei para a lixeira e fingi que tinha arremessado o papelzinho, depois o guardei no bolso do meu casaco.
— UÉ? Por que você jogou fora?
— Ah, era algo que eu já sabia, mas concordo com você. Só tem besteiras nessas mensagens. Quer abrir mais uma? — lancei um sorriso, apesar de saber que estava indignada por eu não ter lido a minha.
— Tudo bem, mas eu vou ler a sua agora, antes que jogue no lixo — me mostrou a língua como faria uma criança de quatro anos. — Não traga lenha para apagar o fogo.
— Isso parece ter sido para você, um pequeno aviso de não repetir o que fez comigo hoje pela manhã.
— E o que seria?
— Você sonhou comigo, daí vem a analogia do trazer a lenha. Seguido da sua atitude de não me contar sobre ele…
— E onde que eu apaguei seu fogo, Styles? Fiz exatamente o contrário — disse, convencida.
Realmente, acho que eu tinha interpretado aquela mensagem errada. Um choque tomou conta de mim quando senti seu pé subir e descer pela minha perna. Ela ia mesmo me provocar no meio do restaurante?
— Não faça isso, …
— Diga que eu tenho razão — parecia que seus olhos, cheios de assanhamento, iam me engolir.
— Você tem razão — respondi. Ela sorriu convencida, então aproveitei para me afastar do seu gracioso pé, infelizmente.
SanFran, como era apelidada por seus amantes e moradores, era uma cidade que respirava movimentos beat e hippie. Demos adeus a Chinatown e dirigimos até o bairro mais alternativo, o Haight-Ashbury. Comecei a contar um pouco do que sabia a enquanto caminhávamos pelas milhares de casas vitorianas coloridas:
— Vamos lá… Em meados de 1967, um movimento social tomou conta de várias partes do mundo, chamado Summer of Love. Mas esse bairro, especificamente, foi o epicentro de maior destaque, por isso São Francisco passou a ser considerada a capital dos hippies.
— Então foi aqui essa onda de paz e amor, todo mundo feliz utopicamente, coberto de flores em qualquer acessório do corpo? — ela perguntou, quase zombando da tentativa da paz e amor irrealizável. Eu ri um pouco.
— Foi, mas essa seria uma visão um pouco estereotipada do movimento, zinha — passei o braço por seu ombro, gesticulando com a mão. Ela sorriu.
— Ok, Professor Styles, me explique melhor.
— A verdade era que o movimento hippie questionava todos os males da sociedade de alguma forma. Pautas como o racismo, destruição do meio ambiente e liberdade sexual, mas tudo isso num mantra de “fazer amor, não guerra”. Ganhar as pessoas pelo amor e gentileza, sabe?
— Entendi… Eu não sabia disso com tantos detalhes. É uma bela maneira de pensar, mas no mundo de hoje você acredita nisso?
— Ah, eu acredito! Não posso fazer um grande movimento, mas posso contaminar as pessoas ao meu redor com essa ideia e fazer nossa parte no dia a dia.
— Deus, se você tivesse nascido naquela época, você estaria no meio das passeatas, criando músicas hippies pro movimento — ela revirou os olhos, sorrindo. Eu sabia que estava apenas me zoando.
— Você estaria lá também, dançando — dei de ombros, falando o óbvio.
— Nossa, é mesmo! — ela deu uma gargalhada. — Tenho que parar de zoar você.
— Sua linguagem do amor é provocação, . Por isso você não me leva a sério.
Ela jogou seu cabelo para o lado, comprovando minha fala.
— Como descobriu? — perguntou com uma voz arrastada. Tirei meu braço ao redor do seu ombro de propósito e ela agarrou meu braço pelo cotovelo. Sorri sem mostrar os dentes, gostando disso. — Estou brincando, Harryzinho. Você precisa me contagiar mesmo com sua visão do mundo, eu sou meio desacreditada dele.
— Então vamos até Amoeba Music!
Dobramos na Haight St 1855, quase chegando ao Golden Gate Park, onde estava a gigantesca loja de discos, com a fachada completamente branca e um letreiro vermelho que ainda não estava aceso. A loja era pequena comparada à de Los Angeles, mas isso não significava que a quantidade de discos eram inferiores. Acredite, já me perdi nas sessões várias vezes. Quase como um paraíso para mim, naquele mar de gêneros musicais, também tinham alguns livros, camisas de banda e outros merchans para fãs.
— Que lugar incrível, Hazza! — disse . Seus olhos brilhavam ao contemplar a loja.
— Sabia que ia gostar. Tenho uma proposta… — pausei um pouco e ela assentiu sem olhar para mim. Continuava a andar pelas sessões, observando tudo com um sorriso de canto a canto do rosto. — O que acha de cada um de nós escolher um vinil? Eu escuto sua escolha e você escuta a minha.
— Calma, eu escolho um vinil pra você escutar?
— Sim!
— Ok, amei essa ideia!
— Certo, temos um minuto para isso. Ah, tem que ser dos anos setenta. Vamos ver se você consegue esse feito, zinha.
— Nossa, você é um pé no saco! Acho pouco tempo, talvez dois minutos — ela juntou suas mãos, implorando, e aquilo me fez sorrir.
— Tudo bem, você tem razão. Na contagem. Um…
— Dois…
— Três… — Antes do “já”, ela já estava correndo para o corredor do gênero pop. Tão previsível, mas eu poderia me surpreender com sua escolha.
Caminhei pela sessão de rock, me deparando com os clássicos Fleetwood Mac, Queen, Pink Floyd, Beatles e muitos outros. Mas foi uma banda um pouco menos conhecida que me chamou atenção. Alcancei o disco, observei a música que eu gostaria que escutasse e olhei no relógio – ainda faltavam uns trinta segundos. Ela examinava com atenção cada capa quando, de repente, sua feição foi de preocupação para excitação, levantando um disco e vindo em minha direção.
— ACHEI! Onde vamos escutar?
— Ali naquela cabine — virei meu corpo e apontei para a porta de vidro que estava a alguns metros de nós.
Gimme! Gimme! Gimme! – ABBA
Entramos no cubículo todo revestido de madeira clara. À nossa esquerda estava a vitrola, também amadeirada, mas num tom mais forte. virou o corpo para mim e me entregou o disco de vinil.
— Eu não sei como se faz — ela deu um sorriso meio sem graça. Peguei o disco, observando pela primeira vez sua escolha.
— ABBA? Confesso que estou surpreso! — sorriu genuinamente, com orgulho de si mesma. — Qual música é pra tocar?
— Acho que fica no lado B.
Deslizei o disco do estojo para o centro da minha mão, até encontrar o buraco no meio, onde posicionei meu dedo. pegou o estojo e eu consegui colocar as mãos na lateral do disco. Posicionei-o no centro do prato, ajustei a velocidade do aparelho e dei play.
— Eu adoro essa música. Me traz a sensação de que estou numa discoteca na época do Dance Music.
— É a dança do Disco Music?
— Basicamente isso. Primeiro veio a dança de salão no século XX, que ganhou popularidade entre a classe trabalhadora. Depois, na década de trinta, surgiu a era Swing. Posteriormente veio o Rock ‘n’ Roll nos anos cinquenta, e logo após a música Soul e o R&B… Junta tudo isso e nos anos setenta a oitenta temos a Dance e Disco Music — dissertou com todo seu fôlego. Ela sorria contente por estar falando sobre algo que amava.
— Incrível como você é uma enciclopédia da dança — respondi, admirado.
— Roubei o posto de professora por cinco minutos — declarou, dando uma piscadela.
— Oh, tudo bem. E o que me diz sobre Saturday Night Fever?
— UAU! Alguém aparentemente fez seu dever de casa — ela respondeu, brincando — O filme deu uma popularidade incrível para o gênero musical, além de tudo fez uma crítica da forma como o gênero era visto. É bem claro que ficamos super felizes escutando uma música dessa, sabe? Igual Tony, quando dançava nos finais de semana.
— Qual crítica tem no filme? Não lembro muito bem…
— Lembra que Tony venceu o concurso? — ela perguntou.
— Sim, eu lembro.
— Então, ele achou que os segundos colocados mereciam mais que ele, e sente que só não levaram o prêmio por serem latinos. E assim, depois de um tempo, o gênero musical começou a sofrer preconceito nos Estados Unidos, porque ele tinha suas raízes africanas e hispânicas também, além daquelas que eu citei.
— Nossa, eu não devo ter pegado essa minúcia quando vi, sabe? Do racismo e da xenofobia.
— Além dessa cena do concurso, Tony era imigrante italiano também e só trabalhava em subempregos…
— Nossa, verdade! Como um filme tão antigo continua sendo tão atual, né?
— Pois é, os problemas da sociedade nos perseguem — ela disse e parou por um segundo. — Gimme, gimme, gimme a man after midnight, there’s not a soul out there — cantou de repente, jogando os braços para cima e me puxando para dançar com ela naquele espaço minúsculo enquanto caímos na gargalhada. Como essa garota ia de um assunto sério para me distrair em menos de um segundo?
— O seu disco agora! — pedi, animada. — Qual a história dessa banda?
— A banda Free foi formada em 1968, mas seu sucesso foi a partir dos anos setenta. Suas referências tem um pouco de blues, além do rock — ele colocava a vitrola para funcionar enquanto eu admirava a capa do disco; a estética dos integrantes com aqueles cabelos longos com franjas, bem despojados.
All Right Now – Free
— Esse estilo de cabelo fica mais bonito nas mulheres, porém entendo completamente que eles eram estrelas do rock — apontei para a capa do estojo e Harry riu, concordando comigo.
Demorou um pouco para a música começar, mas logo a bateria e a guitarra a introduziram. Ela me cativou de imediato – talvez tenha sido a melodia ou a letra em si –, mas eu estava concentrada para entendê-la. No entanto, não o suficiente, já que era a primeira vez que eu experienciava o olhar de Harry tão atento a mim. Desviei do local que fitava fixamente para encarar seus olhos verdes, claros demais e demasiadamente lindos. Os lábios rosados e pouco molhados de quem havia passado a língua naquele instante. O cabelo um pouco frisado de quem não tinha feito questão de ajeitar depois da nossa manhã inquieta. E ele era tão mais alto que eu; um pouco desajeitado, mesmo assim continuava sendo o homem mais atraente que eu já havia visto. E, bem, eu gostava de sentir que ele estava me admirando ou talvez estudando meus jeitos quando eu desviava o olhar.
Are you tryin' to put me to shame?
I said, slow, don't go so fast, don't you think that love can last?
Harry comprimiu os lábios e olhou para algum ponto mais baixo, talvez para a vitrola. Eu voltei a me concentrar no meu ponto fixo só para tê-lo me olhando novamente.
Now you're tryin' to trick me in love
Aquele cubículo de repente pareceu menor do que eu havia reparado. A temperatura do meu corpo estava mais quente que o normal, o que porra era aquilo? Passei os dedos pelo meu cabelo, os jogando para trás, e usei as duas mãos para amarrá-lo em um coque mal feito, na tentativa de sentir o oxigênio voltar para meus pulmões.
— Então, o que achou? — ele indagou, retirando o disco, e pegou o estojo da minha mão para guardá-lo. Demorei um pouco para sair do transe.
— Eu adorei! — dei um sorriso tímido. — Tive a impressão que você escolheria rock.
— Somos mais previsíveis do que parecemos, — ele soltou, rindo. Senti que aquela frase significava outra coisa para Harry, mas resolvi deixar esse sentimento enrustido. — Vamos? Já é tarde. Ainda tem um lugar para te levar antes de irmos — ele puxou o celular do bolso para checar a hora.
— Sim, vamos!
Saímos da cabine de música, passando por aquele mar de discos, e próximo ao caixa tinha alguns souvenirs, camisetas, ecobags, livros e até algumas velas esquisitas que, chegando mais perto, identifiquei alguns famosos estampadas nelas.
— Olha isso que bizarro, tem o Elvis como um santo numa vela — apontei na direção para que Harry identificasse o objeto.
— Se você soubesse o tanto de bizarrice que as pessoas fazem com os famosos, você ficaria assustada — ele respondeu, observando cada uma. Estreitei meus olhos na esperança de ter alguém conhecido.
— MEU D-E-U-S! Harry, tem você! — peguei na prateleira uma vela gigantesca com seu rosto. — É VOCÊ num CORPO de um SANTO! — a risada vinha em ondas, eu não conseguia controlar.
— , deixa isso aí — ele disse num sussurro, mas eu não parava de rir. Senti minha bochecha arder, com certeza eu já deveria estar vermelha.
— Não, essa vela na minha cabeceira já é uma realidade — falei pausadamente, tentando respirar. — Nem é tão feia, vai! — levantei a vela na altura dos seus olhos. — Você tá tão jovenzinho nessa foto — observei de perto a imagem. Ele deveria ter uns quatro anos a menos, vestido com um manto azul e vermelho, segurando um coração.
— Você vai mesmo comprar? — indagou, e desviei meu olhar de admiração da vela para ele. Estava com a mão na minha cintura, fazendo um sinal negativo com a cabeça, como quem não aprovava aquela atitude.
— É claro! Já estou pensando no que vou pedir em oração — respondi, toda animada. — O que acha de orgasmos múltiplos? — voltei a gargalhar, e Harry não conseguiu segurar dessa vez.
— Você tem um parafuso a menos, sério! Não é possível, — ele cutucou minha cintura, a apertando no meio do corredor. Não tinha ninguém nos observando naquele momento, e acho que minha gargalhada afugentou todo mundo depois de um tempo. — Podemos ir agora?
— Sim, pode ir pro caixa, vou só pegar um CD que achei.
Saí caminhando para encontrar o setor de rock alternativo, identifiquei o disco de The Fray e em minutos eu já estava pagando minhas compras tão significativas para mim, ainda escutando os protestos de Harry.
O letreiro já estava aceso quando saímos da loja de discos, indicando que estava próximo do sol se pôr. Nossa última parada era a California Street, por algum motivo misterioso que meu companheiro de viagem se negava a falar. A rua estava com um amontoado de pessoas olhando em apenas uma direção. A mão de Harry me guiava pela multidão; atravessamos a rua rapidamente e chegamos até o meio da avenida, onde uma faixa vermelha permitia que os pedestres ficassem dentre os bondinhos que passavam vez ou outra.
— Eu descobri aleatoriamente que hoje seria um dia raro na cidade — Harry se pôs atrás de mim, com uma mão apoiada nos meus ombros e outra apontada para o horizonte.
A montanha-russa de teleféricos parecia ter parado no tempo ao apreciar aquela vista. Meu fôlego havia sido retirado de mim pela segunda vez naquele dia. As mãos de Harry, que agora contornavam minha cintura, faziam com que um estranho conforto me habitasse. Descansei minha cabeça em seu peito enquanto admirava as cores laranja e amarelo se misturarem no céu. O sol no meio do horizonte era gigantesco em comparação a qualquer coisa ao redor.
— O sol se alinha perfeitamente com a rua, acontece apenas duas vezes ao ano. Eles chamam de São Franciscohenge — ele explicou próximo ao meu ouvido, sua voz rouca me aqueceu.
— Semelhante ao de Manhattanhenge.
— Você já conhecia, então?
— Sim, quando fui para Nova Iorque com minha família. Mas esse é simplesmente… não sei explicar. É um pôr do sol perfeitamente dourado, sabe?
— Não é meio engraçado como todas as outras coisas ao redor do sol se tornam meio inúteis? — discorreu ele, como se estivesse lendo meus pensamentos.
— Eu estava pensando exatamente isso. Olha a estrutura da ponte como se torna um pouco transparente com tanta luz em volta.
Fiquei mais um tempo vislumbrando a paisagem, mas notei que Harry ficou em silêncio. Ainda estávamos abraçados, e por um momento meu único desejo era olhar em seus olhos, para ter um indício do que poderia estar passando em seus pensamentos. Precipitadamente, virei minha cabeça para olhá-lo.
A luz do sol refletia em seus olhos verdes, os deixando num tom mais claro, servindo perfeitamente para amplificar sua beleza. Seu olhar desviou para o meu, e Harry me encarou com tanta intensidade que talvez tenha sido a terceira vez no dia em que eu perdi a respiração. Droga. Seus lábios logo se transformaram em um sorriso afetuoso, e em segundos estavam pressionados na minha testa. Fechei os olhos, aproveitando aquele momento, mas eu não sabia o que tinha ali.
Ou será que eu tinha medo de descobrir?
Capítulo 12 – We're coming close and then even closer.
— falando.
— Nossa, como ela é formal! — identifiquei a voz do meu irmão do outro lado da linha.
— Ei, pirralho!
— Você sabe que eu já tenho dezoito anos, não sabe?
— Eu sei, mas não ligo. Você continua sendo meu pirralho. — Ouvi ele bufar, irritado. — Então, a que devo a honra da sua ligação?
— Nada, apenas saudades. Pensando em te visitar mês que vem, o que me diz? — Oliver disparou num tom animado. Eu amaria tê-lo por perto alguns dias, estava precisando ser muito mimada pelo meu irmão.
— Oh, isso seria incrível! Estou tão saudosa do meu irmão preferido… — me levantei da cama, abrindo a cortina admirando o dia naquela sexta-feira.
— Nossa, como pode ser tão persuasiva! Eu levarei a torta de morango da mãe, não precisa me bajular, abelhinha.
— Awn, que fofo! Te criei tão bem — soei como uma mãe orgulhosa. — Bem que você poderia trazer a Grace, estou sentindo muito a falta dela — sugeri a ele. Caminhei em direção ao banheiro para fazer minha rotina matinal.
— Ela pergunta de você todos os dias, eu posso dar um jeito nisso!
— Vou ligar para Madison para implorar também, faz tempo que não nos falamos — respondi com um pouco de dificuldade enquanto escovava os dentes, lembrando que fazia uns dois meses que não falava com a minha irmã.
— Faça isso! Seu rostinho pode convencer melhor que o meu.
— Como é lindo quando você admite que eu sou a mais bonita da família.
— Não conte para ninguém, sua convencida! Tenho que ir, te vejo em algumas semanas.
— Tudo bem, eu te amo.
— Não mais que eu.
Coloquei o celular colado ao meu peito, um pouco nostálgica e saudosa. Fui em direção à sala e, observando que não tinha ninguém em casa, me joguei no sofá. Deixei o celular no braço do sofá e imaginei em como convencer minha irmã para que minha sobrinha viesse passar um tempo comigo. Sentia saudades de ter a inocência de uma criança ao meu redor desde que havia me mudado para Los Angeles, e acho que estava precisando daquilo.
A primeira vez que pedi para que ela passasse uns dias comigo, Maddy havia sido curta e grossa. “Ela ainda é muito pequena para andar de avião sozinha”, e eu concordava com isso. Mas, agora, minha sobrinha tinha quatro anos de idade e não viria sozinha – nosso irmão poderia ser o responsável dela. Dessa vez eu teria alguns argumentos que poderiam ajudar a causa.
Saí dos meus devaneios quando ouvi o barulho de chaves, em seguida assisti a porta de entrada ser destrancada e meu casal de amigos surgir em minha frente.
— Olha quem está acordada! Trouxemos seus favoritos da padaria — Amber ergueu as sacolas ao passar por mim, indo em direção à cozinha.
— Slow roasted pork, cheesecake e limonada de goiabada? — levantei a sobrancelha, desconfiada.
— Exatamente, além de um café preto.
— Isso me parece mais uma armadilha do que um agrado para a essa amiga que vos fala, mas eu vou aceitar esse café dos deuses.
Os dois se entreolharam e eu confirmei minha tese.
— Vou arrumar a mesa pra gente se sentar — Amber seguiu para a cozinha com nós dois em seu encalço. Sentei no banco que ficava no canto da mesa, e me deixei admirar a vista de fora pela janela.
— Vou precisar do café preto primeiro, certo? — perguntei, e Brian empurrou o copo em minha direção. — Obrigada.
— Fiquei sabendo da razão que fez você desviar o caminho do Uber naquele dia.
Olhei para ele, percebendo que estava jogando uma conversa fiada até chegar ao assunto principal.
— Ah, ele te disse? — zombei um pouco, colocando um gole do líquido preto na boca.
— Disse isso e muito mais.
— Hm, o que mais?
— Chad sabe que você está saindo com alguém.
Arregalei os olhos e engoli o café tão rápido que senti minha garganta queimar.
— MAS COMO? Não acredito que vocês abriram a boca! — aflita, deixei o copo de lado e parei para refletir. Fazia total sentido ele não ter falado comigo nesses últimos dias, mas também fazia sentido a teoria de que estava com vergonha da cena que tinha feito da última vez que nos encontramos.
— Nós não falamos nada, nem a Kelsey — Brian disse.
Espremi meus olhos, não acreditando muito na parte da Kels, já que ela conseguia ser a maior boca de sacola entre nós três.
— Eu juro, perguntei a ela. Kels não mentiria sobre isso — Amber confirmou a versão do namorado.
— Então como ele descobriu? — olhei para os dois e percebi que Brian estava quieto demais. — Desembucha, Brian! O que ele te falou?
— Por que sempre sou eu que me meto no meio dessas coisas?
— FALA!
— Chad escutou você conversar pelo telefone — ele disparou. — E, claro, ele não tem certeza de nada. Eu não confirmei, apenas mudei de assunto.
Coloquei a mão na testa, me sentindo a maior idiota por ter sido tão amadora. Naquele dia, fiquei com a impressão de que Chad havia saído do quarto por um instante, mas deixei essa ideia de lado e fui dormir.
— É, faz sentido. Harry realmente me ligou naquele dia, mas eu vim pra cozinha atender. — Ambs finalmente havia colocado a mesa do café da manhã, então dei um gole na limonada para compensar o ardido remanescente na garganta. — De qualquer forma, aparentemente o universo está me dando uma oportunidade aqui, não é?
— É, converse com ele. Ele ficou se perguntando por que você não contou nada, mas fica relaxada que eu dei uma bronca nele. Chad só precisa do tempo dele para entender as coisas.
— Ele está bem, então?
— Claro que está, afinal, ele é o Chad. Quando aquele garoto está triste?
— Ótimo, menos um pepino para eu resolver.
— Existe algum para resolver?
— Não tem, não, só estou sendo dramática — dei um sorrisinho. — Deveríamos viajar, não acham?
— Você já não anda viajando bastante? — Amber soltou uma de suas indiretas. — San Francisco não supriu suas necessidades aventureiras? — ela continuou provocando.
— Nunca estou suprida, se é que me entendem — dei uma piscadela para ambos e eles fizeram cara de nojo.
— Falando de algo sério agora, como está esse rolo pra você? — Brian questionou. As meninas não tinham me perguntado sobre isso ainda, já sabiam qual seria minha resposta.
— Exatamente o que você falou: um rolo — respondi, taxativa.
— Eu adoro quando a acha que engana alguém além dela mesma — disse Amber enquanto eu me deliciava com meu sanduíche. Aproveitei que estava impossibilitada de responder com a boca e revirei meus olhos.
— Mas é a verdade, Ambs. Estamos apenas saindo, não tocamos no assunto nenhuma das vezes que ficamos juntos. Vocês já sabem como eu sou. Não espero nada de ninguém, avalie de um homem livre como Harry.
— Você pode se surpreender como um homem livre se porta quando está apaixonado. — ela disse com firmeza e olhei torto em sua direção. — Eu só estou dizendo o que eu sei, pode tirar essa carranca do rosto!
— Eu concordo com minha gata!
— Óbvio que você concorda — respondi —, caso contrário, vai ficar sem transar por uma semana.
Meu casal de amigos adorava me irritar em relação a isso – eu já estava acostumada a ser alvo daquelas piadinhas –, mas acho que pela primeira vez eu fiquei incomodada, de fato. Sentimentos eram um desconforto para mim, e não saber o que estava sentindo tornava tudo ainda mais maçante.
— Acredito que o papel deveria ser do Felix Mallard. A audição dele foi maravilhosa, e além de tudo, ele se parece um pouco com meu eu mais adolescentado.
Estávamos em mais uma das milhares de reuniões sobre o sitcom, essa em específico para a conclusão de quais atores estariam no projeto. Logo de cara, assistindo as audições, gostei do ator australiano que já havia atuado em uma telenovela. Eu enxergava potencial de ascensão em sua carreira, além de se assemelhar bastante comigo mais jovem.
— Eu concordo com você, o sotaque americano dele é excelente!
— Mas eu ainda acho que ele fazendo um sotaque australiano traria mais originalidade pro papel — continuei.
— Vamos começar as filmagens com o sotaque americano, mas quem sabe não podemos fazer esse teste?! — um dos diretores sugeriu.
— Ok por mim — me dei por vencido, por enquanto. Mas esperava que em determinado momento, eles fossem acatar a minha visão.
— Por mim também. Nos vemos na semana que vem? — meu amigo perguntou para o grande grupo.
— Claro! — os outros produtores responderam em uníssono.
— Você me dá uma carona? — Ben cochichou para mim quando nos levantamos.
— Claro!
Tagarelamos todo o caminho sobre como estava sua família e seus projetos, então prometi novamente que passaria em sua casa no final do ano para visitar minha afilhada. Ao deixá-lo no hotel, meu dedo pairou sobre o teclado do celular. Sempre que pensava em , tinha essa constante vontade de conhecê-la e de estar com ela, mas apesar disso, eu me esforçava bastante para não mandar mensagem perguntando se ela estava livre para sair – além de me esforçar para não parecer um bobo sempre que estava em sua presença, o que era uma missão impossível. Acho que eu já era um tolo total por ela.
Harry
Ei, por onde você anda? 7:40pm
Quer fazer algo hoje? 7:40pm
Ei, por onde você anda? 7:40pm
Quer fazer algo hoje? 7:40pm
Queris der caoaz de sixer qur aim 7:42pm
Harry
Você está bêbada? 7:42pm
xim 7:44pm
Harry
Está tudo bem? 7:44pm
N? 7:45pm
Demorei apenas um milésimo de segundo até escutar sua voz na ligação:
— Heeeyyyyyyyy — empolgada ao me atender, ela confirmava que estava bem altinha.
— O que houve, ?
— Já te disse que você é FOFO quando se preocupa?
Contive o riso, percebendo que ela havia desviado da minha pergunta.
— Você devia tentar falar isso sóbria algum dia.
— Nah! Não tem a mesma graça — respondeu, desdenhosa.
— O que houve, ? — questionei novamente.
— Você já perguntou isso.
— E você não respondeu…
— Hmm, só não estou bem hoje.
— Tudo bem, nem todos os dias são bons.
— É, por isso vim chorar minhas pitangas no meu lugarzinho.
— Só não deixe suas pitangas dirigirem sua vida.
— Ok, Mr. Styles.
— Você está bem pra ir sozinha pra casa?
— Estou, eu consigo achar o caminho de casa — ela bufou, além de eu ter certeza que estaria revirando os olhos.
— Não consegue, não! Pode vir buscá-la, Harry — ouvi uma terceira voz conhecida, um pouco mais longe.
— Hey, Owen! Estou indo, não a deixe sair daí.
— Não precisa, Harry!
— Bem, eu vou mesmo assim. Te vejo já.
— Não acredito que você fez isso! — a escutei falando com Owen antes de desligar a ligação.
Mudei o caminho de casa para o The Cave, e em poucos minutos eu já estacionava na primeira vaga que avistei próximo à entrada. Coloquei um boné para me disfarçar e caminhei até o balcão. De longe avistei sentada no banco enquanto sacudia o copo na frente de Owen, exigindo mais bebida. Enquanto o loiro negava com a cabeça, ela gesticulava milhares de vezes, com muita raiva, pelo barman não fazer suas vontades.
— Owen! POR FAVOOOR!
— Obrigado, Owen! Eu cuido daqui — cheguei próximo ao balcão e o cumprimetei com um soquinho na mão.
— Hey, man! Bom te ver, cara.
— Oi pra você também. Por que você veio? Eu conseguiria chegar em casa, Mr. Styles.
— Eu sei que você é super independente e tudo mais. Porém, eu quis vir até aqui te buscar.
— Hm, com saudades de mim já?
— Dois mais dois é uma pergunta mais difícil do que essa.
Observei travar um pouco com minha sinceridade. Ela desviou seu olhar e mudou a posição em que estava sentada para ficar de frente para o balcão.
— Tchau, loiro oxigenado — ela acenou para o barman.
— Tchau, . Juízo!
Acenei para Owen enquanto a dançarina pulava do banco com dificuldade. Saiu andando na minha frente rapidamente, tropeçando em seus próprios pés, mas nem ao menos olhava para trás para conferir se eu a estava seguindo. Eu não conseguia entender como a maioria das pessoas poderiam ficar mais vulneráveis quando estavam alcoolizadas, porque continuava impassível e mais teimosa do que nunca.
Desviei a atenção da estrada algumas vezes para olhá-la, e em todas seu rosto estava virado para janela, imóvel, encarando a estrada. Era engraçado que a cada dia que passava, eu compreendia cada traço seu nos mínimos detalhes. Ela odiava ser contrariada e estava odiando cada segundo, do momento em que eu disse que iria buscá-la, passando para quando pisei no bar até agora. No entanto, aquela era uma das formas que eu encontrava de demonstrar afeto e, apesar disso, eu lhe devia um pedido de desculpas.
— Me desculpe por invadir seu espaço, eu só estava preocupado — falei, esperando que ela virasse o rosto para mim, o que não aconteceu. — É só a minha forma de mostrar que me importo com você, e quanto a isso, eu não vou pedir desculpas — suspirei, retornando minha atenção para o volante. — E tudo bem se estiver com raiva, logo vai passar.
— Eu não… não estou com raiva de você — ela respirou fundo. — Obrigada por me buscar.
continuou encarando a janela, então entendi que aquele era o máximo de abertura que eu conseguiria hoje.
Permaneci em silêncio até estacionar em frente ao seu edifício; continuava parada e olhando para o nada. Desliguei o carro. Algo não estava certo. Nunca tinha a visto assim, quieta, por tanto tempo.
Alguma coisa séria devia ter acontecido, mas a dançarina claramente não queria falar sobre. Hesitante, conduzi minha mão até sua perna, apertando seu joelho, e senti quando meu toque a tirou do transe. Então, seu olhar se conduziu até o meu.
— Está bem para subir sozinha?
— Estou, sim. — ela disse rapidamente. Seu corpo se inclinou para mim, levando seus lábios a pressionarem os meus.
— Te ligo amanhã, ok? — avisei, e assentiu e saiu do carro, mas parou logo em seguida. Abaixou para ficar na altura da janela, e se sustentou ali, me olhando por alguns segundos.
— Você quer subir? — sua voz saiu quase como um sussurro, mas consegui entender. Num ato de nervosismo, ela pressionou seus lábios um no outro, esperando uma resposta.
— Você quer que eu suba?
concordou com a cabeça e se distanciou da janela. Tranquei o carro e comecei a segui-la, andando em direção à entrada do prédio, e então, do apartamento. Percebi que ela estava cambaleando um pouco, dando indícios de que a bebida ainda permanecia em seu sistema sanguíneo. Acelerei o passo para sustentá-la pela cintura e ajudá-la a andar. Ela se moveu para procurar a chave em sua bolsa e a deixou cair logo em seguida.
— Eu pego — me agachei para alcançar o molho de chaves. — Qual delas abre a porta? — perguntei e script>document.write(Mel) apontou para uma de cor roxa, que parecia ser pintada por um esmalte.
Sem dificuldades, abri a porta e ela seguiu para seu quarto, deixando seus pertences por cada parte da casa. fez tudo isso sem acender uma única luz, então o que consegui enxergar foi apenas seu corpo em movimento, o que me fez rir sozinho. Em seguida, tirei meus sapatos, deixei-os ao lado da porta e a segui para dentro de seu apartamento também.
A única luz acesa era do abajur. estava virada para o banheiro, e sua camisa estava presa em sua cabeça e braços. Corri para ajudá-la – puxei sua camisa para cima, pendurando em seguida no cabideiro que estava do lado direito da cama. Fiz o mesmo com sua calça e a vi pisar nela para tirar por completo. Seus olhos me analisavam a cada movimento, e, numa oportunidade, senti seus braços me abraçarem pelo pescoço. Segurei sua cintura com firmeza e a puxei para cima, encaixando suas pernas no meu quadril, a conduzindo para o banheiro.
Soltei dentro do box, abri o registro e deixei que a água fizesse um caminho de sua cabeça até seu corpo, na esperança que ela logo ficasse sóbria. Deixei-a sozinha por alguns minutos para vasculhar os armários atrás de uma toalha. Quando voltei, me apoiei na parede próximo ao box e esperei que ela terminasse o banho, a observando – estava de costas, passando as mãos pelos cabelos enquanto retirava o condicionador com aroma de fruta. Ela virou seu corpo em minha direção, os olhos fixos em mim.
Seu olhar oblíquo indicava todas as cartas que gostaria de fazer comigo, bem ali, naquele cubículo. Caminhou lentamente até mim e colocou suas mãos em meu peito, mãos que em poucos segundos estavam passeando pelo meu corpo e indo parar na minha cintura, graças a Deus ainda coberta pela camisa. Agarrei suas mãos delicadamente para afastá-la de mim, então a enlacei com a toalha.
— Vou tomar banho agora, você consegue se trocar? — perguntei, e ela demorou um pouco para assimilar que eu não ia cair nos seus encantos hoje.
concordou com a cabeça.
Retirei minha camisa e joguei-a em cima do vaso, e foi nesse momento que, de soslaio, vi que estava retirando o restante de suas peças, sutiã e calcinha. Virei meu corpo e o anjinho do mal estava me encarando. Cravei meus olhos unicamente em seu rosto, que desenhava um sorriso safado, e devolvi um sem graça, reagindo ao seu flerte porque subestimei sua teimosia. Qualquer mínimo olhar dela me deixava atraído, isso era um fato!
Mas hoje eu não conseguia pensar em sexo.
Havia uma razão pela qual estava mal hoje, e talvez fosse viagem da minha cabeça, mas ela sempre encontrava uma rota de fuga para não falar sobre o que estava sentindo. Mais cedo estava num bar, e agora ela queria usar o sexo como mais uma válvula de escape. Porém, hoje, ela não me usaria como uma.
— Argh, Harry! Me dê algo que eu possa dormir tranquilamente. Você está tão difícil hoje — ela enrolou-se novamente na toalha, sentando-se no vaso para se enxugar por completo.
— Te dou um beijo de boa noite antes de dormir, o que acha? — falei e ela revirou os olhos.
— Achei sem graça. Apenas se o beijo for em outro lugar além da boca… — arqueou as sobrancelhas.
— Vai ter que se contentar sendo na boca hoje, ok? — respondi e ela bufou.
— Tudo bem, chato. Posso dormir com sua camisa? — seu olhar pairou sobre mim enquanto sua boca fazia um biquinho pidão.
— Pode, meu bem.
jogou a toalha para mim, pegou minha camisa e a vestiu. Meus olhos percorriam suas coxas, boa parte estava coberta, mas ainda assim meu cérebro sabia o que tinha ali embaixo. Vê-la pela primeira vez com uma roupa minha me fez perder o fôlego, e essa era uma das cenas que eu poderia guardar por muito tempo na minha mente. Estava claramente grande para seu corpo pequeno – a gola da camisa mostrando o começo do seu peitoral e a manga deslizando por seu ombro. Linda e desengonçada.
Logo ela saiu do banheiro, para minha paz.
Tomei meu banho rapidamente, me enxuguei e logo estava de volta ao quarto. estava com o corpo inclinado para o lado direito, suas mãos apoiadas embaixo do travesseiro e, pelo movimento do seu tronco, aparentemente estava dormindo. Sentei-me na beirada da cama em silêncio, tentando não fazer movimentos bruscos para não acordá-la. Puxei meus pés para dentro do edredom, aproveitando para cobri-la também. Ela se moveu um pouco e, quando parei para olhá-la, seus grandes olhos verdes já estavam me observando.
— Achei que estivesse dormindo.
— Estou aguardando meu beijo — ela sorriu sapeca. Sorri com ela.
Passei minha mão em seu rosto, tirei uma mecha de cabelo e coloquei atrás de sua orelha. Meu polegar acariciava sua pele macia e seus olhos se fecharam com o carinho. Me inclinei para frente em direção aos seus lábios. Estavam úmidos, quentes e necessitados. Minha língua entrou em contato com a sua e um choque me atingiu por inteiro quando suas unhas arranharam minha nuca lentamente. Seu corpo se aproximou do meu; minha mão percorreu suas costas e pararam na cintura, a afastando de mim, provocando um ruído frustrado.
— Harry… — ela disse meu nome manhosa, num sussurro, e isso teve um resultado tão intenso em mim que eu poderia tomar outro banho frio para me acalmar.
— Boa noite, — me aproximei e pressionei meus lábios em sua testa.
As frestas da janela ajudaram-me a despertar um pouco mais cedo do que meu corpo estava pedindo. Me espreguicei por um tempo antes de abrir os olhos e lá estava ela. Acordada e me observando.
— Oi. — estava apoiando sua cabeça nas mãos, e eu tinha plena certeza que aquele era o jeito mais confortável que ela encontrava para dormir.
— Estava me admirando, zinha?
— Você sabia que a sua barba é uma combinação de pelos loiros e castanhos com toques de ruivos? — ela passou a mão na minha barba enquanto a descrevia. Gostava de saber que era observadora.
— Eu achava esquisito antes, principalmente porque tem essas falhas em alguns lugares, sabe?
— E esse é um dos seus charmes — ela piscou, mas logo olhou para baixo, um pouco tímida por ter se aberto um pouquinho ali para mim. — Então… me desculpe se deixei entender que não queria que você me buscasse, ou se fui rude com você em algum ponto da noite. Estou acostumada a lidar com minhas broncas sozinha.
— Bem, isso pode ser um pouco solitário, não acha?
— Acho que sim — disse ela com um sorriso amarelo.
— E não acho que ficar procurando alívios instantâneos seja uma boa ideia, porque eventualmente você vai ter que lidar com seja lá o que estiver acontecendo na sua vida.
— Tentei transar com você bêbada ontem, né? — ela cobriu o rosto, envergonhada. Retirei sua mão, fazendo-a me olhar.
— Está tudo bem, te perdoo por querer usar meu corpinho — dei uma piscadela e pressionei meus lábios em sua testa. — Estou aqui se você quiser ou se precisar de mim.
me olhou, assentindo em silêncio. Deu um longo suspiro, levantou seu tronco e apoiou-se no cotovelo.
— Eu tenho uma sobrinha. O nome dela é Grace — disparou.
— É um nome lindo… — dei uma pausa, observando seu corpo travar um pouco, então continuei. — Quantos anos ela tem?
— Ela vai fazer quatro anos. Grace é um amor de criança e eu sinto muita falta dela, sabe? — assenti, identificando que havia uma certa angústia em sua voz. — Então, liguei para minha irmã para que ela pudesse passar uns dias comigo e a resposta foi negativa, outra vez!
— Ela já negou a vinda dela outras vezes?
— Sim. Na época era entendível porque Grace não teria um responsável a acompanhando no avião. Mas como meu irmão está vindo em algumas semanas para me visitar, pensei que seria uma oportunidade de ela vir com ele.
— Mas qual a razão de ela negar agora? — me senti confuso, já que não fazia o menor sentido. suspirou alto, fazendo questão de se sentar na cama rapidamente, apoiada na cabeceira. Imitei seu movimento, um pouco mais lento.
— Já passei por uns maus bocados, Hazza. Houve uma época da minha vida que foi difícil para me levantar da cama, sabe? Então, num dia aleatório, Madison precisou deixar Grace comigo. E apesar de amar passar um tempo com ela, eu não me sentia bem o suficiente para cuidar de mim, avalie cuidar de um serzinho que precisava cem por cento de atenção minha — algumas lágrimas acumularam em seus olhos. Peguei em sua mão e apertei, dando forças para que ela continuasse a falar. — Maddy implorou para mim, e por consequência da pressão, aceitei cuidar de Grace por algumas horas. Brinquei com ela um pouco, a alimentei e depois a coloquei no berço quando a bebê estava prestes a dormir.
pausou por um momento, desviou seu olhar para o lado, evitando cruzar com o meu. Ela fazia isso com frequência, com medo de demonstrar fraqueza, talvez? Se soubesse o poder que ela demonstrava apenas por falar sobre algo que a machucou, nunca ficaria envergonhada de demonstrar sentimentos ou falar sobre eles.
— Tudo bem se não estiver confortável para falar sobre isso, ok?
— Não. Eu… eu quero — gaguejou um pouco. — Acho que preciso tirar esse peso das minhas costas… — ela tornou a me encarar. — Bem, deu a hora de tomar meu antidepressivo, fui até a cozinha pegar água e voltei para o quarto rapidamente. Grace permaneceu dormindo. O remédio me deixava bastante lenta, e em determinado momento eu estava lutando bastante contra o sono, mas não resisti. Eu dormi. Eu dormi, Harry! — ela falou mais alto em meio a soluços. — Por uns cinco minutos, apenas! Grace escalou o berço nesse meio tempo e caiu. Ela chorou bastante, então eu despertei, totalmente desesperada. Fomos para o hospital correndo, mas nada aconteceu com ela. Foi só um susto, mas Maddy nunca mais me deixou ficar com ela sozinha depois desse episódio, e eu não a julgo.
— , essas coisas acontecem o tempo todo. Bebês são muito ativos, muito espertos, saem escalando qualquer coisa. Eles caem e vão cair muitas vezes, até aprenderem a ficar em pé. É normal. Não se culpe tanto. Se perdoe por isso. Se perdoe por ter passado por essa fase ruim, também. Seu corpo estava diferente. Sua mente estava num lugar sombrio, se acostumando com o remédio, tentando voltar para seu estado natural. Você precisa externar esse sentimento para sua irmã, tenho certeza que se conversar com ela sobre isso, ela vai entender.
— É, preciso fazer isso mesmo. Me sinto tão culpada ainda, porque parece que eu criei esse abismo entre nós, sabe? Apesar de ela ter me perdoado, eu sinto que Maddy tem muito medo que aconteça novamente.
— Você deveria ligar para ela.
— Agora?
— Se quiser ligar agora, eu posso te deixar sozinha.
pausou um pouco, analisando se seria uma boa ideia.
— Não precisa ser agora, acho que eu gostaria de repassar o que tenho pra falar na minha mente ainda. Mais tarde eu ligo.
— Promete?
— Sim, obrigada por isso — ela deu um meio sorriso, com seu nariz vermelho de chorar. E continuava adorável ainda.
— Eu sou seu amigo, . Pode me contar qualquer coisa.
Ela sorriu, tímida, e me arrependi no mesmo segundo de ter citado a palavra “amigo”. O maior vacilo do dia já foi feito por mim, agora eu precisava me redimir de alguma forma.
— Está se sentindo melhor? — perguntei. Nossas mãos estavam entrelaçadas ainda, então a soltei e direcionei para seu rosto, limpando suas lágrimas.
— Estou, sim. Não gosto de ficar triste por muito tempo, então vou me levantar e escovar os dentes. Tenho uma escova nova pra você! — saiu do meu lado e andou até o banheiro; escutei o barulho da água escoar pela torneira e logo depois cessar.
Say When – The Fray
Observei o quarto ao meu redor, parando em um objeto que não via há bastante tempo. Estiquei meu braço para pegar um discman que estava em sua mesa de cabeceira. O objeto era prata e já estava com o fone plugado nele. Coloquei-os no meu ouvido e dei play, ouvindo o toque do piano, misturando com o som pesado da guitarra de uma música que eu também não ouvia há muito tempo. Ela não estava no começo, talvez da metade para o final.
We bring it in but we go no further
O que eu mais gostava nas músicas daqueles caras era a melodia, as batidas, os rifles de guitarra. Porque sempre vinham carregadas de sentimentos e reviravoltas, como se estivesse contando uma história somente através do som.
Will comfort you tonight, tonight
retornou para o quarto com a boca tomada pela espuma, me oferecendo uma escova ainda embalada. Saí do meu transe quando a vi balbuciando algo, mas a música estava muito alta. Retirei os fones para escutá-la.
— Desculpe, o que disse?
— O que está fazendo? — ela repetiu, e sua voz finalmente se acertou na minha leitura de lábios mal sucedida anteriormente. — Escutando música? — sua testa franziu, confusa.
Levantei, logo alcançando sua mão.
— Você comprou o CD de The Fray naquele dia? — perguntei, e me olhou através do espelho, assentindo enquanto lavava o rosto. — Não sabia que gostava dessa banda.
— Tem muitas coisas que você não sabe sobre mim, Harryzinho — ela pegou a toalha, se enxugando. Passou os olhos por mim, travando na minha cintura para baixo por alguns segundos.
— Aparentemente… e você não para de me surpreender — eu completei, recebendo um sorriso faceiro.
Sem falar nada, a dançarina logo saiu do banheiro e me deixou sozinho. Vesti minha calça que estava pendurada em algum lugar por ali e voltei para a cama. estava divagando em seu celular, se distraindo quando me viu ao seu lado novamente.
— Qual música você estava escutando?
— Say When.
— Adoro essa! Do que você acha que ela está falando?
— Ah, , não sei… Acho que sobre as trocas de energias de um casal, onde existe uma profunda emoção não correspondida — comecei explicando com ela atenta ao meu discurso, então resolvi brincar. — O cara sempre está vulnerável para ela, esperando que ela esteja pronta para falar sobre seus problemas — continuei, e se mexeu desconfortável, com a testa franzida, desviando um pouco o olhar. — …Que, inclusive, ela esconde muito bem — fiz questão de dar ênfase nessa parte, sorrindo de lado. — E independente de se algum dia ela se abrir pra ele ou não, ele está ali esperando “um quando” para confortá-la.
— Isso foi uma indireta?
— Interprete como quiser — levantei as mãos, jogando a bola mais uma vez para ela.
— Pare de causar com minha cara, Styles.
Caí na gargalhada antes de um travesseiro me atingir em cheio.
— Ok, ok. Parei — joguei o travesseiro de volta para ela. — E o que você acha da música, zinha?
Os olhos dela se estreitaram, tentando buscar alguma pista que eu estava brincando, mas eu a incentivei a falar. Cutuquei sua cintura e a vi sorrir comigo.
— Eu achava que era unicamente sobre um casal e a relação conturbada deles, mas depois que eu entendi a ponte, algo mudou pra mim, sabe?
— Qual parte?
— Quando ele canta “maybe God can be on both sides of the gun, never understood why some of us never get it so good”, é como se todos os conflitos, sejam eles em guerras ou em relações humanas, sempre tivessem dois lados certos, ou nenhum dos lados estivesse cem por cento errados — ela pausou um pouco. — E, assim, os conflitos pessoais são os mesmos, só mudam as pessoas. Assim como as guerras. E nunca é sobre “eu sou a única certa” ou “o nosso lado é o certo da história”.
— UAU!
— Eu posso estar simplesmente viajando MUITO nessa teoria, então, não leve a sério — ela abanou sua mão para que eu esquecesse o que falou.
— Mas eu não te levo a sério… — a provoquei, e ela fez um “o” com a boca, em choque com a minha fala, quase vacilando um sorriso.
— Tirou o dia para implicar comigo, hein?
— É gostoso te ver com esse rostinho indignado — apertei seu nariz levemente e lhe dei um selinho. — Mas se quer saber a verdade, ninguém nunca vai saber o real significado de uma música, apenas a pessoa que escreveu. Lembre-se disso! — pisquei para ela. — E nós dois podemos estar certos, ou nenhum de nós pode estar cem por cento errados.
— É isso aí, serve pra tudo! — ela confirmou animadamente, sabendo que eu havia entendido sua teoria. — As pessoas nunca acertam o significado das suas letras, então?
— Minhas letras não são tão enigmáticas a esse ponto. A maioria acerta, sim — dei de ombros. — Então, eles são tipo sua banda favorita?
— Tipo isso.
— Por quê?
— Porque eles nunca fazem músicas comerciais, e todas as letras deles são sobre histórias deles mesmo ou amigos ou grandes questões filosóficas da vida. Isso é bom por um lado. Porém, por ser mais difícil vender músicas não-comerciais, consequentemente é difícil eles fazerem shows. E, sendo realista, o auge deles foi quando bombaram com o single em Grey’s Anatomy uns anos atrás, então…
— Eu te entendo, é difícil gostar de bandas mortas. Mas eles ainda fazem shows, certo?
— Ei! Eles não estão mortos, são apenas velhos — apontou para mim, me condenando por matar sua banda favorita. Respondi “desculpas” com a boca. — E sim, eventualmente eles fazem uns shows perdidos!
A luz entrava tímida pela janela, anunciando que ainda era muito cedo. Seu rosto estava marcado com linhas de quem havia dormido com o rosto pressionado no travesseiro. Eu podia me acostumar com aquela visão tão, mas tão fácil que chegava a me assustar. Seus olhos estavam com tom bem vívido, e eu podia morrer olhando para eles, que apesar de cansados, demonstravam a beleza da intimidade que havia sido compartilhada por ela desde que havia acordado.
— Eu gostava do seu look anterior — a dançarina disse num tom provocativo, como ela bem sabia fazer.
— Bem que eu te vi me admirando pelo espelho.
— E por que não fez nada a respeito disso? — ela perguntou bem no pé do ouvido. Minha mão não resistiu ao puxá-la para meu colo em seguida.
, com todo seu atrevimento, rebolou contra o meu quadril, intensificando meu desejo por ela. Agora era meu momento de redenção por ter falado que eu era seu amigo. Como eu podia ser apenas amigo dessa mulher que tinha preenchido todos os meus pensamentos, desde do dia que esbarrou em mim?
— Adoraria minha camisa de volta — pedi num tom de voz aveludado.
— Agora?
— Nesse exato momento. Por favor, tire — mandei.
Ela riu de nervoso; seus olhos estavam brincalhões, despertando meu corpo por completo. Coloquei minhas mãos em sua coxa, sustentando seu olhar severo, e segurou a bainha da camisa, puxando-a por cima da cabeça exibindo seu corpo nu. Admirei suas curvas, passando a mão pelo seu corpo antes de soltar um suspiro pesado.
— Puta merda — murmurei fraco.
A morena se inclinou para frente, segurou meu rosto com as duas mãos e me fitou por alguns segundos antes de me beijar. Nossas línguas eram lentas, cheias de assanhamento. O que eu estava sentindo naquele momento era uma atração descomunal por ela, e a conversa sobre parte de sua vida me deixou ainda mais atraído. Aquela foi a primeira vez que se abriu para mim, e isso me fez desejá-la mais do que as outras vezes. Mais do que eu poderia imaginar.
Minhas mãos passavam lentamente por sua coluna, desenhando uma linha até chegar em sua bunda, onde lhe apertei. Senti sua intimidade encostar mais na minha, me deixando duro.
— , você está acor… — escutei uma voz feminina abafada e logo em seguida a porta se abrir. Peguei rapidamente o edredom para nos cobrir para proteger , que se jogou para o meu lado.
— KELSEY! — o grito dela quase estourou meus tímpanos, fiz uma careta como se fosse me livrar do incômodo. percebeu que gritou e moveu seus lábios silenciosamente, me pedindo desculpas.
— AI, DEUS! MIL DESCULPAS. DESCULPAS! — Kelsey falou desesperada, seguido de um barulho alto de porta batendo.
— Você não trancou a porta ontem?! — gritou novamente num tom contido, quase em desespero por ter sido pega.
— Como eu ia lembrar de fazer isso? Eu estava preocupado com você — argumentei.
— Argh, eu vou ser zoada pelo resto da semana! — ela pôs as mãos no rosto, se escondendo e aninhando-se a mim. Tirei a manta de cima dos nossos rostos, deixando coberto ainda nossos corpos.
— Vamos precisar de um momento até que eu consiga aparecer na sala — falei sutilmente, e sua cabeça voltou a se enfiar embaixo da coberta para conferir o que eu estava dizendo. Sua risada abafada me contagiou, fazendo-me rir. Quando a cutuquei pela cintura, ela voltou à superfície.
— Eu posso te ajudar a superar esse momento tão difícil — levantou as sobrancelhas sugestivamente, com um sorriso sagaz no rosto.
— Você pode deixar essa ajudinha para depois, porque eu tenho uma sugestão melhor para nós agora.
— Hmm… e o que seria ? — ela apoiou seu queixo em meu peito para me olhar angelicalmente.
— Vou te levar num lugar que eu adoro passar os dias de sol.
se levantou rapidamente, indo direto para o guarda-roupa procurar o que vestir. Passou alguns minutos vasculhando, depois se virou para mim, perdida, sem saber o que procurar.
— Vista algo esportivo, é a minha única dica.
Amava estar ao ar livre. Sentir o vento bater no meu rosto. Aproveitar o calor do sol aquecendo minha pele. Fechar os olhos e ter a sensação que estava sendo abraçada pelo Universo, como uma forma de agradecimento por ter deixado a minha cama quentinha para aproveitar o dia.
Estávamos caminhando por algumas horas pelas trilhas do Griffith Park, desfrutando do cheirinho de folhas e da paisagem de vegetação arbustiva, que nos confirmava que estávamos num ambiente montanhoso. Havia poucas pessoas nas trilhas que fomos. Imaginava que Harry fosse ali com frequência, e sabia quais trilhas ele conseguia frequentar. Aquela seria nossa última antes de descansarmos um pouco na área de piquenique – sim, ele fez questão de trazer a toalhinha quadriculada e as frutas –, onde essa em específico nos levava até o cume do Monte Hollywood, que nos dava uma visão perfeita da bacia de Los Angeles.
— Valeu a pena a subida — eu disse depois de alguns minutos admirando a vista.
— Te disse! Eu adoro vir aqui. Na verdade, adoro a sensação de estar em lugares distantes onde eu possa ficar sozinho.
— Imaginei — desviei meu olhar da paisagem para ele por um momento, então voltei a observá-la. — Estou com a sensação de que sou muito pequena olhando para o tamanho dessa cidade.
— É esquisita essa sensação, né? Em projeção, você é uma parte muito, mas muito pequena da cidade, avalie do planeta.
Eu continuaria a filosofar com Harry, quando meu celular começou a tocar. Puxei-o do bolso e olhei para o nome que estava na tela. Não esperava ter que lidar com aquilo tão cedo, mas eu não poderia adiar.
— É a minha irmã — desviei da tela para o homem que me olhava, curioso.
— Você deveria atender. Posso ir andando na frente enquanto você conversa com ela.
Assenti e ele saiu caminhando. Apertei o ícone verde seguindo Harry de uma distância segura.
— Comprei a passagem da Grace — ouvi Maddy falar logo que coloquei o celular no ouvido.
— Jura?! — questionei, incrédula, visto que toda uma situação ainda nos rondava.
— Ela está super animada pra passar uns dias com a tia favorita dela.
Parecia que eu conseguia ouvir quando minha irmã sorriu no meio da frase, o que já era um avanço entre nossa relação.
— Ela só tem a mim, é claro que eu tenho que ser a favorita — soei divertida para quebrar o gelo. — Posso falar com ela?
— Acabou de dormir, mas eu ligo mais tarde quando ela acordar.
— Ah, tudo bem — respondi num muxoxo.
Houve uma pausa quase que intensa, como se muitas palavras não ditas estivessem reverberando no ar.
— Onde você está? Estou ouvindo barulho de pássaros — Maddy questionou.
— Ah, estou num parque fazendo caminhadas. Vamos sentar agora para comer algo — deixei escapar que não estava sozinha.
— Hmm… “Vamos” do verbo “tô num date”? — ela riu um pouco sem graça, como se estivesse se esforçando para aquela nossa jogada de conversa fora. — Se você diz… Bem, divirta-se com o ou a “não é nada”. Depois nos falamos, ainda precisamos conversar sobre como é o dia a dia da Grace.
Sorri, pensando como nossos irmãos eram diferentes, porque se fosse o Oliver descobrindo que eu estava com alguém, ele com certeza ia exigir um relatório completo da pessoa ali mesmo.
— Tudo bem. Lembre-se de me ligar quando a Grace acordar.
Ela suspirou. Parecia sem paciência, e aquilo me alertou de algo.
— Lembro, sim. Tchau — foi sucinta.
— Éer… Maddy?
— Oi?
— Está tudo bem entre a gente? — indaguei com medo da resposta.
— Falamos disso depois. Tenho que ir — minha irmã falou rapidamente e desligou, me deixando com vários questionamentos sobre quando poderíamos ter uma relação normal novamente.
Guardei o celular no bolso, divagando ainda sobre a conversa enquanto observava um Harry muito atrapalhado tentando colocar a toalha quadriculada no chão. Corri para ajudá-lo e logo estávamos deitados nela.
— Você acha? Não precisa mentir, pelo menos não para mim — ele me lançou um olhar carinhoso e acolhedor.
Eu adorava aquilo nele. Não importava o assunto, Harry faria de tudo para estar atento ao que eu estava falando. Não era apenas para me responder ou perguntar algo em cima da minha fala. Ele queria me escutar.
— Ela não falou quase nada, mas algo deve estar bem para Maddy ter deixado a Grace vir. Acho que eu só quero me apegar a isso no momento. Enfim, você quer conhecê-la? Tudo bem se não quiser…
— Claro que eu quero! Modéstia à parte, as crianças me amam — ele deu de ombros, bem convencido do seu dom.
— Veremos — ri com sua convicção.
— E não se preocupe, . Vocês são irmãs, algum momento vão se acertar.
— Eu sei… — demorei um pouco para pensar no que responder, mas na verdade, eu não queria prolongar aquele tópico. — Podemos falar de outra coisa? — implorei com os olhos e Harry assentiu.
— Te disse que estou produzindo um sitcom?
— Jura? Sobre o quê?
— Na verdade, sobre minha vida. Na época em que eu estava na banda, comprei meu primeiro apartamento, mas precisava de um lugar para ficar até que ele fosse reformado. Então, morei com meu produtor, Ben, quando ele tinha recém-casado com a esposa. Passei um bom tempo morando lá até meu apartamento ficar pronto. Então vai ser nessa ambientação toda.
— UAU! Estou louca para ver. Acho que vai ser muito legal ver isso numa visão cômica. O que você está sentindo com isso tudo?
— Estou amando me descobrir em outras áreas. Qualquer tipo de novidade sempre vai atrair meu interesse, e apesar da minha função ser mais burocrática, de planejamento financeiro, eu consigo me meter na parte técnica da obra. Então está sendo um desafio.
— Acho que tem tudo a ver com você se aventurar nisso, afinal, você é o aquariano mais aquariano que eu já conheci em toda a minha vida.
Ele gargalhou com minha fala, concordando. Harry continuou falando sobre o projeto, mas em determinado momento, o silêncio assolou-se entre nós. Mas não foi constrangedor. Ficamos apenas olhando o sol se pôr no horizonte.
— Queria te perguntar algo — ele quebrou o silêncio, e por algum motivo, gelei. Eu não fazia ideia do que poderia sair da sua boca. Tentei estudar seu rosto, mas não encontrei nenhum rastro de pista; apenas percebi pela sua feição que Harry estava ponderando se deveria ou não fazer a pergunta.
— Pergunte — o incentivei, e ele desviou do horizonte para me olhar. Apertou os lábios, abrindo a boca algumas vezes. Seus olhos passaram um tempo me examinando.
Antes que ele respondesse, meu celular disparou algumas mensagens, que me deixaram ansiosa. Pensei se deveria ou não dar uma olhada. O cantor me indicou com a cabeça que estava tudo bem eu verificar o celular, então me levantei do colo dele e mexi na bolsa para encontrá-lo. Imaginei que poderia ser a minha irmã falando que Grace acordou e queria falar comigo.
Havia muitas mensagens não lidas, mas uma me chamou mais a atenção do que outras. E não, nenhuma delas eram de Maddy.
Sol
Ei, sumida! 17:14pm
Estou na cidade, quer me encontrar? 17:14pm
Ei, sumida! 17:14pm
Estou na cidade, quer me encontrar? 17:14pm
Minha expressão facial deve ter deixado Harry curioso, porque ele logo perguntou se estava tudo bem. Respondi que sim. Menti que minha irmã estava me mandando informações do voo, mas que eu não precisava responder naquele momento.
— Me desculpe, sou toda ouvidos. Me faça a pergunta — tentei voltar ao tópico anterior, como uma grande curiosa que eu era.
— Friends ou How I Met Your Mother? — ele jogou a pergunta e sua boca se curvou num sorriso convincente.
Harry era muito bom em disfarçar, no entanto, eu tinha certeza que a partir do minuto em que pediu permissão para fazer a pergunta até o momento de fazê-la, ele teve tempo para ponderar se deveria ou não realmente perguntar o que realmente gostaria.
— Isso é uma pergunta séria? — arqueei as sobrancelhas, lhe desafiando.
— Mas é claro que é. Escolha sabiamente, , pois a partir daqui teremos um divisor de águas em nossa relação — ele apertou os lábios, prendendo o riso.
Harry disse “relação”, eu não estava louca. Manterei isso em stand-by por enquanto.
— Eu adoro Friends, mas tenho apego emocional com How I Met Your Mother.
— OOH, MY EARS! MY EARS! — ele gritou dramático, tampando os ouvidos, fazendo referência a Phoebe Buffay em uma de suas cenas icônicas.
Me deleitei com suas palhaçadas pelo restante do dia, tentando me manter presente no momento, mas a mensagem que eu havia recebido não saía da minha mente. Estava sentindo um misto de curiosidade em sair com Sol para conhecê-la melhor, já que tivemos um curto momento, da mesma forma que me sentia esquisita por fazer aquilo, já que estava saindo com Harry. Mas isso nunca tinha sido um problema antes. Eu ficava com várias pessoas ao mesmo tempo, apesar de ser um pouco preguiçosa e sempre ter alguém fixo. Mas eu ficava.
Ou pelo menos costumava ficar.
E era justamente por essa razão que eu deveria aceitar o convite dela. Precisava voltar a me reconhecer.
Capítulo 13 – Teleporting feelings
Caminhei por aqueles corredores sentindo quase uma sentença de morte vindo à tona. Não sabia a razão de tanto nervosismo por um simples encontro. Aparentemente eu ainda tremia com a ideia deles, porque foram necessários quatro shots. Sim, quatro shots. Isso foi o dobro de shots virados desde da última vez que precisei usar esse artifício para sair com alguém. Para não prolongar meu sofrimento, na hora de sair apenas escolhi um vestido preto simples com uma fenda lateral e um coturno da mesma cor, acessórios pratas e maquiagem mais natural possível.
Hospedar-se no Hollywood Roosevelt dizia muitas coisas sobre você – uma delas era o desejo de desfrutar do melhor que a cidade podia te proporcionar, e eu tinha certeza que essa era a ideia de Sol. Avistei a loira no que aparentava ser um Lounge Bar, onde tinha algumas pessoas reunidas. Parecia mais uma festa privada.
— Ah, minha dupla chegou! — ela falou mais alto quando me capturou com o olhar. Sorri quando todos os rostos voltaram para me olhar. — Essa é .
Ela saiu me apresentando a muitas pessoas, as quais seria difícil me lembrar de todos os nomes, mas fiz questão de decorar uns dois para fingir estar presente no momento.
— Então, sou sua dupla em quê?
— Boliche, o que acha?
— Eu acho que vamos ganhar — dei uma piscadela para ela.
— Vou pegar uma bebida pra você — Sol falou rapidamente e saiu da minha vista.
Sentei no sofá próximo à pista que íamos jogar para colocar os sapatos especiais. Assim que não estava mais ocupada, seus amigos me mantiveram entretida enquanto Sol não voltava. Eles faziam várias perguntas sobre mim, como se eu estivesse num talk show. Por sorte, a loira não demorou muito – sorteamos qual seria a ordem das duplas e começamos a primeira partida.
Logo de primeira, ela fez um strike e comemoramos com um high-five. Sua expressão era alegre, mas também permanecia misteriosa. Seus eletrizantes olhos azuis quase sempre estavam em mim, e tudo que eu fazia era tentar desviar deles, porque estranhamente eu não estava me sentindo bem.
Eu não sabia nada da vida de Sol. Quando nos esbarramos em Inglewood, não tivemos tempo de trocar nenhum papo, apenas saliva e nossos números – o que não foi nada ruim. Porém, uma parte de mim sentia que aquilo não era certo.
— Sua vez! — ela tocou minha cintura de um jeito despretensioso, passando a bola para mim.
A minha jogada fez com que ganhássemos a rodada. Seus braços envolveram meu pescoço num rápido abraço e um leve toque de lábios, que me pegou totalmente desprevenida. Seu jeito confiante foi algo que notei na primeira vez que a encontrei, mas de alguma forma, aquilo pareceu me incomodar agora. Pisquei algumas vezes, levantei meu olhar para Sol quando ela se afastou de mim e lhe lancei um sorriso para tentar disfarçar. Algumas pessoas se despediram após o jogo, outras foram se dispersando pelo ambiente, nos deixando sozinhas pela primeira vez naquela noite.
— Vou pegar algo pra gente! — ela disse e se afastou rapidamente, me deixando pensar com meus botões em alguma rota de fuga daquela noite.
Sentei no que parecia uma cabine individual, com estofado de camurça vermelho e uma mesa de madeira escura como apoio no centro. Tentei relaxar enquanto observava a loira pular o bar, voltando com uma garrafa de Pinot Noir em sua mão direita e duas taças na outra.
— Esse vinho é meu favorito, espero que goste! — Sol despejou o líquido arroxeado em ambas as taças, me entregando uma. Dei um belo gole para aliviar a tensão, o que não passou despercebido por ela. Seus lábios, que agora estavam com menos batom, fizeram curva para zoar do meu nervosismo. Eu me odiava por ter transparecido isso para ela.
— Take it easy, ! Temos a noite inteira ainda — ela brincou e eu gargalhei sem graça.
— O que te trouxe até a cidade neste fim de semana? — questionei para tirar sua atenção de mim.
— Você — ela disse, flertando com os olhos ao bebericar novamente o vinho.
— Pare, estou falando sério — respondi, desviando de seu olhar.
— Eu também. A verdade é que eu nem estava escalada para essa viagem, mas quando soube que seria aqui, sabia que tinha que vir para te ver de novo.
— Você tá me deixando sem graça, Sol.
Senti minhas bochechas começarem a ficar mais quentes, talvez pelo vinho, talvez pela sua sinceridade que havia me tirado do eixo. Eu adorava ser paquerada, ser bajulada até que estivesse na cama de alguém, tendo um orgasmo atrás do outro. E aquela era a deixa perfeita para que isso acontecesse, mas nada me deixava presente no momento.
Percebi que, agora, estávamos completamente sozinhas. As luzes do ambiente foram diminuindo, tornando tudo perfeitamente propício para que tirássemos as roupas ali mesmo, sem nem ao menos termos nos beijado. Sol era simplesmente linda, carismática, enérgica, e tudo que me vinha na cabeça não era ela. Não era a noite que eu poderia passar com ela, mas eu havia aceitado esse encontro por um único motivo, então eu precisava que ele valesse a pena.
— Faz tudo parte do meu plano — ela disse suavemente, deixando a taça de lado. — Quero te deixar sem graça até você estar sem roupa na minha cama.
Seu corpo se aproximou do meu ao mesmo tempo que suas mãos passeavam pela parte desnuda da minha perna, apertando bem ali, na lateral da minha bunda. Eu estava completamente fodida e com tesão. Seus olhos não saíam dos meus, filmando cada nuance da minha respiração. Sua boca estava convidativa, então para finalmente tirar aquele peso da minha consciência que estava me destruindo durante toda a noite, fui de encontro aos seus lábios. Degustei-os calmamente antes que sua língua invadisse minha boca, tornando tudo muito gostoso. Aquele era um beijo bom, mas não fantástico como da outra vez, e não passava de um simples beijo.
A sensação era de que algo havia morrido para mim.
Eu temia que fosse minha essência libertina, e era. E como num passe de mágica, aquele momento de intimidade se tornou um momento de desconexão comigo mesma. Continuamos o amasso por algum tempo, mas enquanto seus lábios passeavam pelo meu pescoço, eu estava torcendo por uma brecha para ir embora.
Sol se afastou com seus olhos expressivos, que eu podia jurar que estavam me lendo como ninguém.
— Podemos terminar esse vinho lá em cima, o que acha? — ela bebericou mais um pouco da sua taça, esperando minha resposta.
Mas eu travei. Passei um tempo assimilando o que estava sentindo, mas eu mal sabia o que era aquilo.
— T-Talvez não seja uma boa ideia — falei pausadamente.
— Oh! — Sol se mostrou um pouco surpresa com a minha resposta, e parecia tentar desvendar o que eu estava escondendo. — Você conheceu alguém!
Demorei um pouco para processar o que havia saído de sua boca. Agora quem se mostrou surpresa fui eu. A mulher à minha frente começou a tamborilar suas unhas na taça num claro sinal de inquietude. E com meu mínimo conhecimento de linguagem corporal, percebi que ela estava decepcionada.
— Não, eu não…
De repente, seu corpo se afastou por completo do meu:
— , está tudo bem se estiver. Você não me deve nada, de verdade.
— Mas eu não estou com ninguém, ao contrário, não estaria aqui — fui clara.
— É claro que pode estar aqui ficando com outra pessoa, mas talvez não tenha percebido que algo mudou em você. Na última vez que nos vimos, você se mostrou uma pessoa bem aberta, e desde que chegou, não percebi isso. Por essa razão, eu tomo a conclusão de que você não diria não para uma foda repentina — Sol vomitou todas as verdades na minha cara, de uma vez, de forma simples e sucinta. Pisquei atordoada enquanto absorvia todas as palavras, reconhecendo meu próprio desconforto com tudo aquilo.
— Talvez eu deva ir embora — olhei para a loira, esperando que falasse algo que me impedisse de ir. Ela apenas assentiu, me trazendo uma certa tranquilidade.
— Tudo bem.
— Me desculpe… se fiz você perder seu tempo.
— Não se preocupe, . Só abra seu coração para a possibilidade!
Sorri sem mostrar os dentes e me distanciei rapidamente dela, sem nenhum contato físico como despedida.
Não conseguia passar mais nenhum minuto naquele bar. Eu me sentia sufocada, acuada, desnorteada. Só precisava ir para casa e organizar os sentimentos que aparentemente eu vinha negando que tinha.
É, eles existiam.
Peguei o primeiro táxi que vi na avenida, que graças ao horário, passou por todos os sinais vermelhos, e em poucos minutos cheguei em casa.
— Ué, achei que você não viria pra casa hoje.
Amber estava deitada no sofá com Brian, os dois completamente jogados e abraçados.
— Eu também imaginava isso — respondi sem vontade. Tirei meus sapatos e os deixei ao lado da porta, então segui para a cozinha.
— O que aconteceu? — ela continuou curiosa enquanto Brian observava tudo calado.
— Nada — peguei um copo, o enchendo na torneira.
— Tá bom, vamos fingir que você consegue mentir pra mim.
Revirei os olhos, apesar de saber que Amber estava certa.
— Não estou a fim de falar sobre — me encostei na pia, olhando diretamente para eles enquanto bebia minha água.
— Essa resposta foi melhor que a anterior — ela sorriu como se tivesse ganho algum tipo de discussão, se é que aquilo era uma. O casal me olhava esperando que eu fizesse algum desabafo, mas como sempre, eu os decepcionei.
— Beijo pra vocês que ficam, estou indo pra minha cama pois preciso ser abraçada por ela hoje — deixei o copo de lado e segui para meu quarto.
— Qualquer coisa pode gritar, estaremos aqui! — Brian gritou, finalmente quebrando seu silêncio.
Tranquei a porta do quarto e joguei a bolsa em algum canto enquanto tirava meu vestido. Me joguei na cama apenas de calcinha, me cobrindo com meu edredom felpudo na tentativa de me reconfortar.
Bastou encostar minha cabeça no travesseiro para sentir aquele incômodo de querer mandar uma mensagem para Harry. Talvez me ajudaria a entender o que quer que eu estivesse sentindo, ou talvez seria muito precipitado da minha parte fazer isso.
Que droga!
Sentia que minha cabeça fosse explodir a qualquer momento, então decidi agir de forma racional. Eu não sabia o que estava sentindo, era um fato. E todos costumam mentir quando confundem o que está sentindo. Reações com uma carga emocional grande geravam resultados lamentáveis, e eu não gostaria que Harry e eu fôssemos lamentáveis.
Senti meu sono chegar, fechei minhas pálpebras e, ainda com a mente agitada…
Adormeci pensando nele.
DUAS SEMANA DEPOIS
Eu sentia. Sentia todo aquele arrepio da ponta dos meus pés até o último fio do meu cabelo. Me sentia fora do controle do meu próprio corpo, e não de um jeito ruim, mas maravilhosamente bom. Eu definiria esse sentimento como LIBERDADE.
Não era como a vida, que temos que estar milimetricamente planejando para nada sair errado. E se saísse algo errado, faria muito mais sentido no próximo passo. Era assim que eu via a dança. Dança me fazia feliz e me completava como ser. Era o que fazia meus olhos brilharem.
Quando eu estava sob pressão, as coreografias pareciam mais perfeitas do que eu havia repassado na minha mente, o que era ótimo, visto que naquele momento eu estava disputando uma vaga em uma turnê.
Sim.
Uma turnê.
— Ok, isso já foi o suficiente. Obrigado… — um dos coreógrafos da bancada falou, me fazendo parar a dança na hora. Coloquei minhas mãos no joelho, jogando meu tronco para frente e esperando minha alma voltar pro corpo enquanto ele lia meu nome. — .
— Obrigada, até mais! — peguei minha mochila e saí do estúdio.
Reparei que as garotas estavam encostadas no carro batendo papo. Para me divertir um pouco, ativei o alarme e as vi pulando assustadas, desencostando do carro logo em seguida e se virando em minha direção com olhares fulminantes.
— Not funny, girl!
— Tudo é engraçado se me faz rir — respondi, ainda contendo minhas risadas. — Então, para onde vamos? — questionei antes de começar a dirigir.
— Não tem almoço em casa, então vamos para casa dos garotos para almoçar.
— Ok.
Estava animada para conversar com Chad hoje. Fazia um bom tempo que eu nem sequer o via, mas foi tudo em nome da nossa amizade. Kelsey como sempre estava ao meu lado mexendo no som, procurando uma música que lhe agradasse. Resultado: chegamos na casa dos nossos amigos e não escutamos uma música completa.
— Na ida para casa você vai atrás, sem tocar nem dar sugestão de música, Kelsey!
— Que absurdo! — ela protestou.
Tocamos a campainha e escutamos uma voz gritando “já vai” um pouco longe da porta.
— Absurdo é a gente escutar uma palavra das dez músicas que você passou. É bem capaz da gente conseguir criar um refrão com todas as palavras que eu escutei — Amber argumentou quase como num protesto.
— Mas vocês já estão brigando? — Chad perguntou assim que abriu a porta.
— Nós não brigamos… — respondi, sendo interrompida.
— … Apenas discutimos — as outras duas responderam em uníssono.
— Espero que o almoço esteja pronto para receber as rainhas — Amber falou já agarrada ao seu amado.
— Você fez minha salada de damasco? — questionei Chad, curiosa.
— Claro que sim! Eu nunca esqueço, abelhinha.
— Então vamos comer que estamos sem energia! — Kels falou, já se arrastando para a mesa.
— Como foram os testes? — Brian perguntou.
— Eu particularmente gostei bastante. — Amber falou primeiro.
— Não sei se dei meu melhor, muitas pessoas fizeram a audição — Kels finalizou, demonstrando um pouco de insegurança.
— Vamos ter que aguardar, mesmo. Não dá pra ficar se martirizando com isso — concluí, tentando me manter positiva por mim e por elas.
— Quando vocês vão ter a resposta? — Chad perguntou.
— Daqui a duas semanas — Kelsey respondeu.
— Sabe do que vocês precisam? — ele continuou super animado, prestes a dar uma ideia. Olhamos para ele esperando uma resposta. — Vocês não vão adivinhar a minha proposta?
— Não — respondemos juntas.
— Nossa, como são chatas, mas vamos lá… O que vocês acham de acamparmos?
— Genial, cara! — os dois garotos se deram um soquinho.
— Eu odiei. De onde você tirou essa ideia? — Kelsey revelou seu descontentamento.
— Ah, eu gostei da proposta! Topo sim! — nossa outra amiga respondeu.
— Só falta você votar, ! — meu melhor amigo falou com um olhar esperançoso de que eu aceitasse.
— Eu adorei! Quando vamos?
Todos estávamos muito animados com a ideia, menos Kelsey, mas ela iria mesmo assim. Ela gostava de luxar, estar com seus kits de skincare perfeitamente alinhados na bancada do banheiro, então eu entendia ela odiar a proposta. Mas acreditava que fosse gostar.
Discutimos várias opções, mas para agradar todo mundo, decidimos que ficaríamos em um camping com um pouco mais de conforto para que Kels aproveitasse ao máximo.
— Você vai convidar o Harry? — Brian perguntou, me deixando um pouco tensa.
Olhei para ele tentando demonstrar que odiei que tivesse perguntado aquilo. Desviei para Chad, que me olhava esperando uma resposta, mas antes que eu respondesse, ele balançou a cabeça num sinal positivo, como se falasse que tudo bem se eu convidasse.
— Acho que sim.
💃💃💃
Dei longas tragadas antes de descansar o beck entre meus dedos. Chad estava me observando com sua olhada lateral, esperando que eu me pronunciasse primeiro porque ainda estava com vergonha de mim. Isso estava claro desde que o assunto envolvendo “convite” e “Harry” havia surgido no almoço, já que depois disso ele fez pequenos comentários na mesa.
— O que está pensando? — questionei.
— Eu sou um idiota.
— Não posso negar esse fato — soltei uma risada e o vi revirar os olhos na minha direção.
— A gente pode ficar bem, tipo, de verdade?
— Nós estamos bem, Chad! — eu concluí, já que não havia mais nada a ser conversado. — Eu estou bem, mas preciso que você também fique bem, sem essa balela de falar que está bem sem estar. Deu pra entender?
— Acho que sim. Comunicação não é um forte seu, mas eu entendi.
— Eu conheci uma pessoa, tem uns dois meses — comecei a contar, mas dei uma pausa. — Não é nada sério, mas minha única preocupação é sobre essa viagem.
— Relaxa, tá tudo bem por mim — ele deu de ombros, dando mais um trago. — Agora, um porém nisso tudo: você não acha que pra você estar me falando isso já não torna a coisa mais séria?
Pronto. Aquela foi a última gota para transbordar o copo cheio dos pensamentos que vinham rondando minha cabeça desde o encontro com Sol. As afirmações que ela fez. Os sentimentos que senti. Tudo começou a pular na minha mente quase como milhos estourados se tornando pipocas.
— Eu não tenho uma resposta exata para isso, por isso prefiro ficar calada. Na verdade, eu não sei o que estou sentindo. É tudo que posso oferecer como resposta para sua pergunta agora.
— Então vá para casa dormir e analise muito bem minha pergunta, porque eu não posso respondê-la pra você.
— Você está me expulsando?
— Aham — ele se levantou de onde estava, me puxando para ficar de pé. E me empurrou até a sala. — Você pode até levar outro beck que eu tenho aqui pra poder refletir melhor na sua vida.
— Salvou a noite, mas assim… Você não quer perguntar nada sobre ele?
— Não acho que você esteja pronta pra me falar tudo. Do contrário, estaria tornando tudo mais real, e não acho que é isso que você quer.
— Como você se tornou tão inteligente?
— Eu sempre fui, você que não me valoriza, garota!
Antes de Chad me expulsar de vez do seu quarto, o puxei para dar um abraço caloroso. Daqueles que só eu e ele conseguíamos compartilhar. Eu estava com saudades de fazer isso, de me sentir segura sabendo que qualquer besteira que eu fizesse, ele me ajudaria a superar.
— Te vejo no acampamento.
— Tudo bem, levarei a erva — ele piscou e fechou a porta em seguida.
Joguei a chave para uma das garotas dirigir o carro, porque não estava possibilitada naquele momento. Amber se sentou no banco do motorista, Kelsey ao seu lado e eu fui para o banco de trás aproveitar meu momento.
Meu corpo parecia finalmente relaxado depois de duas semanas intensas, em que meu mental e meu físico estavam sofrendo bastante. Minhas pernas estavam dobradas na altura do meu peito; deitei minha cabeça no topo dos meus joelhos e coloquei minha mão para fora da janela, sentindo o vento tocar minha pele.
De repente, meu pensamentos foram parar em Harry. Uma música com toque suave me fez fechar os olhos e pensar em como ele me fazia rir, como seus olhos eram tão verdes que intimidavam os meus. Também pensei em como me sentia conectada e feliz sempre que estava com ele. Pouco a pouco, minha mente me levou a emoções conflitantes, então comecei a me perguntar o que era aquilo que eu estava sentindo. Eu realmente sentia algo? Ou estava apenas imaginando tudo? Eu deveria falar sobre isso com Harry? Ou deveria esperar mais um pouco para ter certeza? Conforme essas questões iam sumindo, outras iam surgindo para tirar minha paz.
E se ele não sentisse nada? E se ele estivesse saindo com outra pessoa além de mim? Ou simplesmente não estava tão interessado assim? E se ele ainda estivesse com o mesmo pensamento do começo, de curtir sem pensar no futuro?
Talvez tudo aquilo fosse pura ilusão. Talvez eu só estivesse imaginando coisas, me deixando levar pelo efeito da verdinha. A melodia continuava ao fundo – aparentava estar longe dos meus ouvidos, mas eu sentia todas as notas e cada palavra penetrando em mim. Em certo momento, me senti teletransportada para um novo lugar, onde tudo era realizável, onde nada importava. Era ali que eu queria ficar, porque ali eu não precisava me preocupar com nenhum conflito bobo que existia só na minha cabeça.
Alguns minutos depois, ouvi uma voz feminina me chamar. Abri os olhos e vi minhas duas amigas me olhando, avisando que havíamos chegado em casa.
Caminhei até minha cama rapidamente, sabendo que quanto mais rápido eu chegasse nela, mais rápido eu fecharia meus olhos novamente para viver feliz dentro dos meus pensamentos. No lugar onde tudo era possível. No lugar onde eu não precisava decidir nada em relação a Harry.
Senti o edredom me cobrir, o que me fez fechar os olhos novamente. Meus devaneios viajaram novamente para um lugar onde estavam andando juntos o medo, o desconforto e a incerteza. Mas existia ainda a alegria, depois de passar por todos esses sentimentos. Fiz questão de sorrir, porque sentia que a alegria era a única emoção real, apesar de todas as outras.
Hospedar-se no Hollywood Roosevelt dizia muitas coisas sobre você – uma delas era o desejo de desfrutar do melhor que a cidade podia te proporcionar, e eu tinha certeza que essa era a ideia de Sol. Avistei a loira no que aparentava ser um Lounge Bar, onde tinha algumas pessoas reunidas. Parecia mais uma festa privada.
— Ah, minha dupla chegou! — ela falou mais alto quando me capturou com o olhar. Sorri quando todos os rostos voltaram para me olhar. — Essa é .
Ela saiu me apresentando a muitas pessoas, as quais seria difícil me lembrar de todos os nomes, mas fiz questão de decorar uns dois para fingir estar presente no momento.
— Então, sou sua dupla em quê?
— Boliche, o que acha?
— Eu acho que vamos ganhar — dei uma piscadela para ela.
— Vou pegar uma bebida pra você — Sol falou rapidamente e saiu da minha vista.
Sentei no sofá próximo à pista que íamos jogar para colocar os sapatos especiais. Assim que não estava mais ocupada, seus amigos me mantiveram entretida enquanto Sol não voltava. Eles faziam várias perguntas sobre mim, como se eu estivesse num talk show. Por sorte, a loira não demorou muito – sorteamos qual seria a ordem das duplas e começamos a primeira partida.
Logo de primeira, ela fez um strike e comemoramos com um high-five. Sua expressão era alegre, mas também permanecia misteriosa. Seus eletrizantes olhos azuis quase sempre estavam em mim, e tudo que eu fazia era tentar desviar deles, porque estranhamente eu não estava me sentindo bem.
Eu não sabia nada da vida de Sol. Quando nos esbarramos em Inglewood, não tivemos tempo de trocar nenhum papo, apenas saliva e nossos números – o que não foi nada ruim. Porém, uma parte de mim sentia que aquilo não era certo.
— Sua vez! — ela tocou minha cintura de um jeito despretensioso, passando a bola para mim.
A minha jogada fez com que ganhássemos a rodada. Seus braços envolveram meu pescoço num rápido abraço e um leve toque de lábios, que me pegou totalmente desprevenida. Seu jeito confiante foi algo que notei na primeira vez que a encontrei, mas de alguma forma, aquilo pareceu me incomodar agora. Pisquei algumas vezes, levantei meu olhar para Sol quando ela se afastou de mim e lhe lancei um sorriso para tentar disfarçar. Algumas pessoas se despediram após o jogo, outras foram se dispersando pelo ambiente, nos deixando sozinhas pela primeira vez naquela noite.
— Vou pegar algo pra gente! — ela disse e se afastou rapidamente, me deixando pensar com meus botões em alguma rota de fuga daquela noite.
Sentei no que parecia uma cabine individual, com estofado de camurça vermelho e uma mesa de madeira escura como apoio no centro. Tentei relaxar enquanto observava a loira pular o bar, voltando com uma garrafa de Pinot Noir em sua mão direita e duas taças na outra.
— Esse vinho é meu favorito, espero que goste! — Sol despejou o líquido arroxeado em ambas as taças, me entregando uma. Dei um belo gole para aliviar a tensão, o que não passou despercebido por ela. Seus lábios, que agora estavam com menos batom, fizeram curva para zoar do meu nervosismo. Eu me odiava por ter transparecido isso para ela.
— Take it easy, ! Temos a noite inteira ainda — ela brincou e eu gargalhei sem graça.
— O que te trouxe até a cidade neste fim de semana? — questionei para tirar sua atenção de mim.
— Você — ela disse, flertando com os olhos ao bebericar novamente o vinho.
— Pare, estou falando sério — respondi, desviando de seu olhar.
— Eu também. A verdade é que eu nem estava escalada para essa viagem, mas quando soube que seria aqui, sabia que tinha que vir para te ver de novo.
— Você tá me deixando sem graça, Sol.
Senti minhas bochechas começarem a ficar mais quentes, talvez pelo vinho, talvez pela sua sinceridade que havia me tirado do eixo. Eu adorava ser paquerada, ser bajulada até que estivesse na cama de alguém, tendo um orgasmo atrás do outro. E aquela era a deixa perfeita para que isso acontecesse, mas nada me deixava presente no momento.
Percebi que, agora, estávamos completamente sozinhas. As luzes do ambiente foram diminuindo, tornando tudo perfeitamente propício para que tirássemos as roupas ali mesmo, sem nem ao menos termos nos beijado. Sol era simplesmente linda, carismática, enérgica, e tudo que me vinha na cabeça não era ela. Não era a noite que eu poderia passar com ela, mas eu havia aceitado esse encontro por um único motivo, então eu precisava que ele valesse a pena.
— Faz tudo parte do meu plano — ela disse suavemente, deixando a taça de lado. — Quero te deixar sem graça até você estar sem roupa na minha cama.
Seu corpo se aproximou do meu ao mesmo tempo que suas mãos passeavam pela parte desnuda da minha perna, apertando bem ali, na lateral da minha bunda. Eu estava completamente fodida e com tesão. Seus olhos não saíam dos meus, filmando cada nuance da minha respiração. Sua boca estava convidativa, então para finalmente tirar aquele peso da minha consciência que estava me destruindo durante toda a noite, fui de encontro aos seus lábios. Degustei-os calmamente antes que sua língua invadisse minha boca, tornando tudo muito gostoso. Aquele era um beijo bom, mas não fantástico como da outra vez, e não passava de um simples beijo.
A sensação era de que algo havia morrido para mim.
Eu temia que fosse minha essência libertina, e era. E como num passe de mágica, aquele momento de intimidade se tornou um momento de desconexão comigo mesma. Continuamos o amasso por algum tempo, mas enquanto seus lábios passeavam pelo meu pescoço, eu estava torcendo por uma brecha para ir embora.
Sol se afastou com seus olhos expressivos, que eu podia jurar que estavam me lendo como ninguém.
— Podemos terminar esse vinho lá em cima, o que acha? — ela bebericou mais um pouco da sua taça, esperando minha resposta.
Mas eu travei. Passei um tempo assimilando o que estava sentindo, mas eu mal sabia o que era aquilo.
— T-Talvez não seja uma boa ideia — falei pausadamente.
— Oh! — Sol se mostrou um pouco surpresa com a minha resposta, e parecia tentar desvendar o que eu estava escondendo. — Você conheceu alguém!
Demorei um pouco para processar o que havia saído de sua boca. Agora quem se mostrou surpresa fui eu. A mulher à minha frente começou a tamborilar suas unhas na taça num claro sinal de inquietude. E com meu mínimo conhecimento de linguagem corporal, percebi que ela estava decepcionada.
— Não, eu não…
De repente, seu corpo se afastou por completo do meu:
— , está tudo bem se estiver. Você não me deve nada, de verdade.
— Mas eu não estou com ninguém, ao contrário, não estaria aqui — fui clara.
— É claro que pode estar aqui ficando com outra pessoa, mas talvez não tenha percebido que algo mudou em você. Na última vez que nos vimos, você se mostrou uma pessoa bem aberta, e desde que chegou, não percebi isso. Por essa razão, eu tomo a conclusão de que você não diria não para uma foda repentina — Sol vomitou todas as verdades na minha cara, de uma vez, de forma simples e sucinta. Pisquei atordoada enquanto absorvia todas as palavras, reconhecendo meu próprio desconforto com tudo aquilo.
— Talvez eu deva ir embora — olhei para a loira, esperando que falasse algo que me impedisse de ir. Ela apenas assentiu, me trazendo uma certa tranquilidade.
— Tudo bem.
— Me desculpe… se fiz você perder seu tempo.
— Não se preocupe, . Só abra seu coração para a possibilidade!
Sorri sem mostrar os dentes e me distanciei rapidamente dela, sem nenhum contato físico como despedida.
Não conseguia passar mais nenhum minuto naquele bar. Eu me sentia sufocada, acuada, desnorteada. Só precisava ir para casa e organizar os sentimentos que aparentemente eu vinha negando que tinha.
É, eles existiam.
Peguei o primeiro táxi que vi na avenida, que graças ao horário, passou por todos os sinais vermelhos, e em poucos minutos cheguei em casa.
— Ué, achei que você não viria pra casa hoje.
Amber estava deitada no sofá com Brian, os dois completamente jogados e abraçados.
— Eu também imaginava isso — respondi sem vontade. Tirei meus sapatos e os deixei ao lado da porta, então segui para a cozinha.
— O que aconteceu? — ela continuou curiosa enquanto Brian observava tudo calado.
— Nada — peguei um copo, o enchendo na torneira.
— Tá bom, vamos fingir que você consegue mentir pra mim.
Revirei os olhos, apesar de saber que Amber estava certa.
— Não estou a fim de falar sobre — me encostei na pia, olhando diretamente para eles enquanto bebia minha água.
— Essa resposta foi melhor que a anterior — ela sorriu como se tivesse ganho algum tipo de discussão, se é que aquilo era uma. O casal me olhava esperando que eu fizesse algum desabafo, mas como sempre, eu os decepcionei.
— Beijo pra vocês que ficam, estou indo pra minha cama pois preciso ser abraçada por ela hoje — deixei o copo de lado e segui para meu quarto.
— Qualquer coisa pode gritar, estaremos aqui! — Brian gritou, finalmente quebrando seu silêncio.
Tranquei a porta do quarto e joguei a bolsa em algum canto enquanto tirava meu vestido. Me joguei na cama apenas de calcinha, me cobrindo com meu edredom felpudo na tentativa de me reconfortar.
Bastou encostar minha cabeça no travesseiro para sentir aquele incômodo de querer mandar uma mensagem para Harry. Talvez me ajudaria a entender o que quer que eu estivesse sentindo, ou talvez seria muito precipitado da minha parte fazer isso.
Que droga!
Sentia que minha cabeça fosse explodir a qualquer momento, então decidi agir de forma racional. Eu não sabia o que estava sentindo, era um fato. E todos costumam mentir quando confundem o que está sentindo. Reações com uma carga emocional grande geravam resultados lamentáveis, e eu não gostaria que Harry e eu fôssemos lamentáveis.
Senti meu sono chegar, fechei minhas pálpebras e, ainda com a mente agitada…
Adormeci pensando nele.
DUAS SEMANA DEPOIS
Eu sentia. Sentia todo aquele arrepio da ponta dos meus pés até o último fio do meu cabelo. Me sentia fora do controle do meu próprio corpo, e não de um jeito ruim, mas maravilhosamente bom. Eu definiria esse sentimento como LIBERDADE.
Não era como a vida, que temos que estar milimetricamente planejando para nada sair errado. E se saísse algo errado, faria muito mais sentido no próximo passo. Era assim que eu via a dança. Dança me fazia feliz e me completava como ser. Era o que fazia meus olhos brilharem.
Quando eu estava sob pressão, as coreografias pareciam mais perfeitas do que eu havia repassado na minha mente, o que era ótimo, visto que naquele momento eu estava disputando uma vaga em uma turnê.
Sim.
Uma turnê.
— Ok, isso já foi o suficiente. Obrigado… — um dos coreógrafos da bancada falou, me fazendo parar a dança na hora. Coloquei minhas mãos no joelho, jogando meu tronco para frente e esperando minha alma voltar pro corpo enquanto ele lia meu nome. — .
— Obrigada, até mais! — peguei minha mochila e saí do estúdio.
Reparei que as garotas estavam encostadas no carro batendo papo. Para me divertir um pouco, ativei o alarme e as vi pulando assustadas, desencostando do carro logo em seguida e se virando em minha direção com olhares fulminantes.
— Not funny, girl!
— Tudo é engraçado se me faz rir — respondi, ainda contendo minhas risadas. — Então, para onde vamos? — questionei antes de começar a dirigir.
— Não tem almoço em casa, então vamos para casa dos garotos para almoçar.
— Ok.
Estava animada para conversar com Chad hoje. Fazia um bom tempo que eu nem sequer o via, mas foi tudo em nome da nossa amizade. Kelsey como sempre estava ao meu lado mexendo no som, procurando uma música que lhe agradasse. Resultado: chegamos na casa dos nossos amigos e não escutamos uma música completa.
— Na ida para casa você vai atrás, sem tocar nem dar sugestão de música, Kelsey!
— Que absurdo! — ela protestou.
Tocamos a campainha e escutamos uma voz gritando “já vai” um pouco longe da porta.
— Absurdo é a gente escutar uma palavra das dez músicas que você passou. É bem capaz da gente conseguir criar um refrão com todas as palavras que eu escutei — Amber argumentou quase como num protesto.
— Mas vocês já estão brigando? — Chad perguntou assim que abriu a porta.
— Nós não brigamos… — respondi, sendo interrompida.
— … Apenas discutimos — as outras duas responderam em uníssono.
— Espero que o almoço esteja pronto para receber as rainhas — Amber falou já agarrada ao seu amado.
— Você fez minha salada de damasco? — questionei Chad, curiosa.
— Claro que sim! Eu nunca esqueço, abelhinha.
— Então vamos comer que estamos sem energia! — Kels falou, já se arrastando para a mesa.
— Como foram os testes? — Brian perguntou.
— Eu particularmente gostei bastante. — Amber falou primeiro.
— Não sei se dei meu melhor, muitas pessoas fizeram a audição — Kels finalizou, demonstrando um pouco de insegurança.
— Vamos ter que aguardar, mesmo. Não dá pra ficar se martirizando com isso — concluí, tentando me manter positiva por mim e por elas.
— Quando vocês vão ter a resposta? — Chad perguntou.
— Daqui a duas semanas — Kelsey respondeu.
— Sabe do que vocês precisam? — ele continuou super animado, prestes a dar uma ideia. Olhamos para ele esperando uma resposta. — Vocês não vão adivinhar a minha proposta?
— Não — respondemos juntas.
— Nossa, como são chatas, mas vamos lá… O que vocês acham de acamparmos?
— Genial, cara! — os dois garotos se deram um soquinho.
— Eu odiei. De onde você tirou essa ideia? — Kelsey revelou seu descontentamento.
— Ah, eu gostei da proposta! Topo sim! — nossa outra amiga respondeu.
— Só falta você votar, ! — meu melhor amigo falou com um olhar esperançoso de que eu aceitasse.
— Eu adorei! Quando vamos?
Todos estávamos muito animados com a ideia, menos Kelsey, mas ela iria mesmo assim. Ela gostava de luxar, estar com seus kits de skincare perfeitamente alinhados na bancada do banheiro, então eu entendia ela odiar a proposta. Mas acreditava que fosse gostar.
Discutimos várias opções, mas para agradar todo mundo, decidimos que ficaríamos em um camping com um pouco mais de conforto para que Kels aproveitasse ao máximo.
— Você vai convidar o Harry? — Brian perguntou, me deixando um pouco tensa.
Olhei para ele tentando demonstrar que odiei que tivesse perguntado aquilo. Desviei para Chad, que me olhava esperando uma resposta, mas antes que eu respondesse, ele balançou a cabeça num sinal positivo, como se falasse que tudo bem se eu convidasse.
— Acho que sim.
Dei longas tragadas antes de descansar o beck entre meus dedos. Chad estava me observando com sua olhada lateral, esperando que eu me pronunciasse primeiro porque ainda estava com vergonha de mim. Isso estava claro desde que o assunto envolvendo “convite” e “Harry” havia surgido no almoço, já que depois disso ele fez pequenos comentários na mesa.
— O que está pensando? — questionei.
— Eu sou um idiota.
— Não posso negar esse fato — soltei uma risada e o vi revirar os olhos na minha direção.
— A gente pode ficar bem, tipo, de verdade?
— Nós estamos bem, Chad! — eu concluí, já que não havia mais nada a ser conversado. — Eu estou bem, mas preciso que você também fique bem, sem essa balela de falar que está bem sem estar. Deu pra entender?
— Acho que sim. Comunicação não é um forte seu, mas eu entendi.
— Eu conheci uma pessoa, tem uns dois meses — comecei a contar, mas dei uma pausa. — Não é nada sério, mas minha única preocupação é sobre essa viagem.
— Relaxa, tá tudo bem por mim — ele deu de ombros, dando mais um trago. — Agora, um porém nisso tudo: você não acha que pra você estar me falando isso já não torna a coisa mais séria?
Pronto. Aquela foi a última gota para transbordar o copo cheio dos pensamentos que vinham rondando minha cabeça desde o encontro com Sol. As afirmações que ela fez. Os sentimentos que senti. Tudo começou a pular na minha mente quase como milhos estourados se tornando pipocas.
— Eu não tenho uma resposta exata para isso, por isso prefiro ficar calada. Na verdade, eu não sei o que estou sentindo. É tudo que posso oferecer como resposta para sua pergunta agora.
— Então vá para casa dormir e analise muito bem minha pergunta, porque eu não posso respondê-la pra você.
— Você está me expulsando?
— Aham — ele se levantou de onde estava, me puxando para ficar de pé. E me empurrou até a sala. — Você pode até levar outro beck que eu tenho aqui pra poder refletir melhor na sua vida.
— Salvou a noite, mas assim… Você não quer perguntar nada sobre ele?
— Não acho que você esteja pronta pra me falar tudo. Do contrário, estaria tornando tudo mais real, e não acho que é isso que você quer.
— Como você se tornou tão inteligente?
— Eu sempre fui, você que não me valoriza, garota!
Antes de Chad me expulsar de vez do seu quarto, o puxei para dar um abraço caloroso. Daqueles que só eu e ele conseguíamos compartilhar. Eu estava com saudades de fazer isso, de me sentir segura sabendo que qualquer besteira que eu fizesse, ele me ajudaria a superar.
— Te vejo no acampamento.
— Tudo bem, levarei a erva — ele piscou e fechou a porta em seguida.
Joguei a chave para uma das garotas dirigir o carro, porque não estava possibilitada naquele momento. Amber se sentou no banco do motorista, Kelsey ao seu lado e eu fui para o banco de trás aproveitar meu momento.
Meu corpo parecia finalmente relaxado depois de duas semanas intensas, em que meu mental e meu físico estavam sofrendo bastante. Minhas pernas estavam dobradas na altura do meu peito; deitei minha cabeça no topo dos meus joelhos e coloquei minha mão para fora da janela, sentindo o vento tocar minha pele.
De repente, meu pensamentos foram parar em Harry. Uma música com toque suave me fez fechar os olhos e pensar em como ele me fazia rir, como seus olhos eram tão verdes que intimidavam os meus. Também pensei em como me sentia conectada e feliz sempre que estava com ele. Pouco a pouco, minha mente me levou a emoções conflitantes, então comecei a me perguntar o que era aquilo que eu estava sentindo. Eu realmente sentia algo? Ou estava apenas imaginando tudo? Eu deveria falar sobre isso com Harry? Ou deveria esperar mais um pouco para ter certeza? Conforme essas questões iam sumindo, outras iam surgindo para tirar minha paz.
E se ele não sentisse nada? E se ele estivesse saindo com outra pessoa além de mim? Ou simplesmente não estava tão interessado assim? E se ele ainda estivesse com o mesmo pensamento do começo, de curtir sem pensar no futuro?
Talvez tudo aquilo fosse pura ilusão. Talvez eu só estivesse imaginando coisas, me deixando levar pelo efeito da verdinha. A melodia continuava ao fundo – aparentava estar longe dos meus ouvidos, mas eu sentia todas as notas e cada palavra penetrando em mim. Em certo momento, me senti teletransportada para um novo lugar, onde tudo era realizável, onde nada importava. Era ali que eu queria ficar, porque ali eu não precisava me preocupar com nenhum conflito bobo que existia só na minha cabeça.
Alguns minutos depois, ouvi uma voz feminina me chamar. Abri os olhos e vi minhas duas amigas me olhando, avisando que havíamos chegado em casa.
Caminhei até minha cama rapidamente, sabendo que quanto mais rápido eu chegasse nela, mais rápido eu fecharia meus olhos novamente para viver feliz dentro dos meus pensamentos. No lugar onde tudo era possível. No lugar onde eu não precisava decidir nada em relação a Harry.
Senti o edredom me cobrir, o que me fez fechar os olhos novamente. Meus devaneios viajaram novamente para um lugar onde estavam andando juntos o medo, o desconforto e a incerteza. Mas existia ainda a alegria, depois de passar por todos esses sentimentos. Fiz questão de sorrir, porque sentia que a alegria era a única emoção real, apesar de todas as outras.
Capítulo 14 – Creating bonds
— Você não vai acreditar na vergonha que eu passei.
Harry começou a ligação com o entusiasmo matinal dele, como de praxe. Nunca estava mal-humorado pela manhã, e segundo ele, é motivador para qualquer pessoa que esteja ao seu redor, mas eu sempre me perguntava como ele conseguia. Estava sendo difícil para mim identificar se era a minha saudade falando mais alto ou se ele realmente estava incrivelmente atraente naquele projeto de bigode que ele insistia em crescer.
Harry tinha uma carinha amassada de travesseiro e vestia um moletom branco com capuz, que deixava seu cabelo escondido, apesar de alguns fios sempre escaparem por sua testa.
— Ah, do jeito que você é distraído, eu já consigo imaginar. Me conte!
— Bem, depois de tantas burocracias, eu só queria conhecer a cidade de um jeito diferente, sabe? Então resolvi alugar uma bicicleta numa loja perto do hotel — Harry começou explicando, já me dando uma vontade de rir ao imaginar uma de suas peripécias. A única coisa que eu tinha conhecimento era que ele estava fechando um contrato de uma casa na Itália, consequentemente, estava passando uns dias por lá.
O cantor sempre fazia questão de falar tudo com muitos detalhes, pausadamente – comecei a captar essa particularidade nos últimos tempos –, mas eu nunca ficava entediada com suas histórias. Harry conseguia ser naturalmente engraçado, e eu não conseguia identificar exatamente o que era, mas talvez fosse o modo como ele falava, que sempre deixava escapar uma minúcia de risada.
— Eiii, espere a história completa para rir de mim.
— Ok, ok, prometo ficar quietinha!
— Hmm, então, meu fone estava muito alto e eu não escutava quase nada dos ruídos externos. Em algum momento minha irmã me ligou para contar uma fofoca da família, e eu estava tão entretido que não percebi quando desviei da ciclovia e fui parar no gramado.
— Oh, meu Deus!
— E como eu não estava escutando nada, não escutei quando alguém começou a gritar comigo — ele fez uma pausa dramática.
— GRITAR O QUÊ? Deixe de suspense!
— Um cachorro simplesmente atravessou na minha frente, correndo atrás de um frisbee! Mas não era qualquer cachorro, era um São Bernardo, você sabe? — ele parou para saber se eu tinha noção, abrindo suas mãos para representar o tamanho do cachorro, algo que seria impossível de fazer.
— Aham, eles são gigantes! Meu Deus!
— Exatamente!
— Mas peraí, não me diga que você o atropelou? Ah, coitadinho, Hazza.
— Coitadinho, ? Coitadinho de mim que fui parar num arbusto com tudo! — ele falou indignado porque eu estava sentindo pena do cachorro.
— NÃO!? — reagi, mas a risada veio em ondas. A crise foi tão forte que as pessoas que passavam por mim me olhavam torto.
— Eu segurei a bicicleta com uma mão e me sustentei nos galhos com a outra para não cair de vez, mas foi totalmente em vão. Argh, é vergonhoso só de lembrar — ele fechou os olhos e colocou as mãos no rosto, se escondendo.
— Espere — continuei rindo com a imagem de Harry caindo na minha mente. — Oh, agora posso respirar. E o cachorro? — o questionei quando estava recuperando o fôlego.
— Estou bem agora, obrigado por perguntar — ele rolou os olhos. — O Francisco está ótimo também e me ignorou completamente! Eu me ralei inteiro, senhorita ! Porque o arbusto estava cheio de espinhos afiados — ele falou mostrando seus braços, além de ter levantado a camisa e mostrado outros arranhões pelo corpo. Observei atentamente seu abdômen, me perdendo alguns segundos admirando seus gominhos. Nossa, como estava saudosa de passear naquela pele novamente. — Um pouco de empatia pelo seu… por mim! — Harry vacilou e quase disse outra coisa.
Minha mente começou a trabalhar de forma rápida, quase como um raio durante uma tempestade intensa. Ele ia realmente falar “seu homem ou seu namorado”? Pois eu tinha absoluta certeza de que ele não substituiu o “por mim” à toa.
— Me desculpe, eu posso cuidar de você quando chegar, prometo — respondi, afastando qualquer assunto sobre a magnitude dos sentimentos acerca de Harry, que ainda estavam confusos, apenas por aquele momento. Dei uma piscadela para ele, que sorriu envergonhado.
— Vou cobrar! Mas enfim, a Paola me ajudou a me libertar do arbusto — ele respondeu e senti uma pontada no meu coração.
Paola? Não havia escutado o nome dela antes. Ele estava andando de bicicleta com alguém?
— Quem é Paola? Me perdi na história, eu acho — tentei não parecer desesperada por uma resposta para não entregar tanto meus pontos.
— Ah, é a dona do Francisco. Ela me pagou um suco verde como um pedido de desculpas — Harry respondeu relaxado, dando de ombros. Ele respondeu tão calmamente que meu inconsciente me gritou, me chamando de surtada.
— Hm, isso foi gentil da parte dela — disse aquilo engolindo seco, meus milhões de questionamentos presos na minha garganta. — Você fez amizade com o Francisco depois?
— Sim, viramos melhores amigos depois — Harry respondeu com um sorriso largo, mostrando seus dentes. Argh, que ódio! Como um homem conseguia ser tão adoravelmente lindo? — Já falei demais sobre mim. E você, o que fez nessas semanas?
— Nada de mais, participei da audição que eu te falei. Lembra?
— Claro que lembro, já recebeu o resultado?
— Ainda não. Acho que vai demorar um pouco para sabermos — respondi, incluindo que ele também gostaria de saber dessa notícia.
Eu estava inquieta, mal conseguia falar sobre meus dias para Harry. Estava esperando por Oliver e Grace, sentada naquele banco desconfortável, por tempo demais – culpa da minha ansiedade chegar cedo. Vez ou outra meus olhos percorriam a multidão de passageiros que se revelavam pelo portão de desembarque.
— Está preocupada com algo? — Harry voltou minha atenção para ele.
— Só estou um pouco ansiosa.
— Percebi, sua ansiedade está transparecendo pela tela.
— Que bom que tenho você para me distrair, acho que não consigo falar nada agora. Quer continuar falando dos seus dias pra mim?
Olhei novamente para uma gama de pessoas que estava saindo pelos portões, algum voo devia ter acabado de pousar. Num vislumbre, reconheci um olhar familiar que não via há muito tempo. A estatura esguia e magra do meu irmão permanecia a mesma, apenas uma barbicha diferenciava sua fase adolescente da atual. Ele equilibrava uma mala do lado esquerdo, e seu lado direito estava preenchido por uma criança gostosa e fofa que segurava sua mão firme.
Senti imediatamente meu coração pulsar de alegria.
Uma voz no meu ouvido chamou minha atenção. Harry estava falando sozinho por um tempinho e agora estava perguntando o que havia acontecido.
— Argh, me desculpe Hazza, vou precisar desligar agora. Estou avistando a coisa mais fofa e pequena que já vi na vida — olhei para ele, que me respondeu com um sorriso, assentindo.
— Eu te perdoo se me deixar conhecê-la.
— Você quer? — perguntei querendo a confirmação, porque ele já havia dito uma vez, mas por algum motivo Harry pode ter dito apenas momentaneamente.
— Claro que quero. Nos vemos no final de semana? — ele perguntou, e eu respondi com a cabeça.
— Estou com saudades — disse antes de me despedir dele. Eu realmente estava depois de tantas confusões mentais, e conseguia admitir pelo menos isso para mim.
— Eu também. Muita — ele respondeu me mandando um beijo. Deus ajude meu pobre coração a aguentar.
Travei o celular e o guardei no bolso da calça antes de correr em direção a eles. Abri meus braços e me ajoelhei para ficar na altura de Grace enquanto a observava correr em minha direção. Ela estava linda, com um vestido lilás e All Star branco em seus pés. Sua franja estava presa com um laço do mesmo tom do vestido, e seus cachinhos caíam para trás. Senti seus bracinhos envolverem meu pescoço. Que saudades eu estava disso.
— Oi, auntie — ela falou primeiro.
— Oi meu amor, você está enorme! — me afastei dela para admirar sua altura.
— Mamãe está colocando fermento na minha comida.
— Eu aposto que está!
Me levantei e fui imediatamente abraçar meu irmão. O apertei por tempo demais até ele reclamar que eu estava o sufocando.
— Você vai esmagar meus ossos, sua maluca — sua voz saiu abafada, e sem ar. Soltei uma risada e me afastei. Coloquei minhas mãos em seu rosto para admirá-lo, reparando em mudanças sutis desde a última vez que o havia visto.
— Estava saudosa.
— Eu também — ele depositou um beijo na minha bochecha. — Leva aqui pra mim, estou cansado — Oliver estendeu sua mala de costas para mim. Segurei com uma mão e, na outra, peguei a mãozinha de Grace para irmos até o carro.
Admirei os cachinhos dela, que estavam crescidos, quase batiam no final das suas costas. Ela balançava nossas mãos para frente e para trás, pulando animada, demonstrando estar feliz de estar num lugar novo. Seu sorriso estava radiante e o meu também.
💃💃💃
Estávamos sentados no sofá enquanto Grace tirava seu cochilo da tarde; Oliver me contava sobre suas aventuras ainda na nossa cidade natal, aquela onde ninguém poderia ter uma vida que viraria uma fofoca. Por muito tempo pensei que, quando viesse para Los Angeles, em alguns anos ele me acompanharia nessa jornada de sair de casa, sem olhar para atrás – mas por incrível que pareça, Oliver ainda continuava lá e eu não entendia o motivo.
Assim como eu, sua paixão pela dança começou cedo, tendo a mim como sua grande inspiração. Por muito tempo nossa mãe ficou receosa por essa escolha, e não era por todas as implicações de ter uma profissão que não trouxesse uma estabilidade financeira, até porque isso nunca foi uma questão em nossa casa, mas era principal e unicamente por um estigma de gênero. A dança ainda é majoritariamente associada a mulheres, então seria um ambiente em que Oliver sentiria alguma resistência social com sua escolha. Porém, meu pai sempre foi muito sábio e adorava convencer mamãe com seus argumentos prolixos.
— Você não quer vir morar comigo?
— De novo esse papo?
— Eu sei que sou insistente, mas você se daria muito melhor do que trabalhando naquele espaço minúsculo dando aulas de dança.
— Entendo sua preocupação, mas tudo está indo conforme a dança — ele fez um trocadilho idiota, que me fez rir. — Mas já que você está tão preocupada, tenho uma novidade para te contar.
— Ah, me conte, me conte! Sou sedenta por notícias.
— No começo do ano que vem, estarei indo morar em Nova Iorque.
— NÃO!
— SIM! Vou para Julliard no outono.
— Estou tão feliz por você — joguei meus braços em torno do seu pescoço, lhe abraçando com força. Aquilo era tão lindo. Ele tinha sonhado por tanto tempo com aquilo que eu achei que já tinha desistido. Senti que algumas lágrimas teimosas invadiram meu rosto, e por aquele momento só deixei elas virem, porque eu estava feliz.
— Peraí… você está chorando? — ele se distanciou um pouco para me olhar. Eu quase nunca choro, principalmente em frente às pessoas.
— Argh, me dê um desconto, Oliver! Sou uma irmã orgulhosa, sabe? Como se você estivesse voando para o mundo — as lágrimas continuavam a rolar pelo meu rosto.
Abracei-o por um tempo, mas logo ele se soltou de mim. Ficou me encarando enquanto eu limpava minhas lágrimas com as mãos, rindo do meu momento sensível. Ultimamente parecia que todos os meus sentimentos estavam à flor da pele, como se eu não conseguisse mais manter todos dentro de mim.
— É só por isso que está chorando?
— Você me conhece tão bem…
— Desembucha, !
— Acho melhor eu te mostrar — suspirei, pegando o celular do meu bolso. Deslizei pela galeria, encontrando uma foto minha e de Harry para mostrá-lo. Achei a mais recente, em que estávamos juntos na trilha da última vez que nos vimos; eu deitada em seu colo, sorrindo, e ele olhando para a tela com seus óculos-escuros um pouco rebaixados.
Oliver olhou para a foto por um momento e, depois de analisar bem, percebeu que era eu na foto. Seus olhos se arregalaram em completo choque.
— Isso é você?
— Aham.
— No colo de um homem.
Assenti com um sorriso nervoso congelado na minha face.
— Sim, do Harry.
— Por que sinto que eu conheço ele de algum lugar?
— Talvez da minha parede quando eu tinha doze anos.
Meu irmão arregalou os olhos ainda mais.
— Você só pode estar brincando comigo…Styles? Harry Styles?
— Para mim ele é só Harry — dei de ombros, sendo sincera.
A verdade era que há muito tempo eu não o via da mesma forma. Um nome comum atrelado a um sobrenome de estrela que brilhava em todos os holofotes espalhados por todo o mundo. Não conseguia lembrar do momento exato em que tirei-o do pedestal que ele costumava ocupar. Talvez tenha sido num vislumbre de um olhar quando meus ouvidos atentos o escutavam contar suas milhares de histórias cotidianas, ou talvez o tom de preocupação que transparecia em sua voz ao falar com sua mãe ao telefone numa manhã qualquer. Mas também no momento em que seu olhar atencioso cruzou com o meu na manhã da ida a São Francisco; ali eu consegui vê-lo, além da fachada, o homem que ele era: prestativo, humano e real.
— Ok, nenhum evento que ocorra em sua vida me choca mais.
— A próxima frase que eu vou te falar talvez te choque mais uma vez. Eu acho que estou apaixonada.
— , vai sair uma câmera de algum lugar? Estou num programa de pegadinha?
Gargalhei.
— Eu tô muito assustada com tudo, preciso de conselhos.
— Nunca te vi apaixonada por alguém — meu irmão começou falando e pausou, parecendo pensar em algo. — Bem, teve aquela vez…
— … Que não se pode citar — me movi um pouco desconfortável.
— Enfim, não tenho conselhos, só quero dizer que vocês parecem felizes juntos.
— Obrigada.
— Mas o que te incomoda?
— O medo? — fiz uma pergunta para mim mesma.
— Ah, Abelhinha. Não fuja disso como você sempre faz. Se dê um pouco de liberdade para viver novas coisas — Oliver suspirou, me encarando com um sorriso tímido. — Lembra do primeiro concurso de dança que você participou?
— Uhum.
— Você ensaiou muito, me fez decorar todos os passos com você. E eu sabia o tanto de medo que você estava. Ansiosa, não dormiu por noites, mas tudo isso te fez ganhar mais confiança, e no final fez um ótimo trabalho.
— E o que isso tem a ver com o medo de me apaixonar, Oliver?
— O medo rouba nossas memórias, . E a maioria dessas são de felicidade.
Aquilo havia me atingido em cheio. Tão simples como dois mais dois são quatro, percebi o quanto o medo passou a controlar todas as minhas decisões, agindo como um ladrão que rouba a noite. Era como se uma chave tivesse aberto uma porta secreta que estava há muito tempo fechada, e ali dentro, por trás daquela porta, estavam todos os momentos que eu deixei de ter, as memórias que eu poderia ter tido se o medo não tivesse se jogado na frente do meu coração. Aquele parecia um despertar, uma nova compreensão de mim mesma e do mundo ao meu redor.
Isso era libertador.
— O amor é pra quem tem coragem, e ele não precisa de ensaios como numa apresentação de dança. Ele só precisa ser vivido.
Fiquei por bastante tempo absorvendo cada palavra que ele havia dito, mesmo quando começou a contar que, durante o final de semana, iria encontrar uns amigos que estavam morando aqui em Los Angeles.
Logo depois, também explicou que minha irmã havia mandado uma lista de cuidados que deveriam ser tomados com Grace. E nessa lista tinha tanta coisa absurda que eu estava começando a achar que tudo não passava de uma brincadeira de mal gosto.
— Tá de brincadeira que isso tudo é informação sobre a menina, né? — perguntei incrédula, examinando a parte em relação a alimentação dela. — “O leite deve estar exatamente na temperatura de 37 graus Celsius. Nem mais, nem menos.” — Parei de falar e olhei para ele com olhos arregalados, abrindo minhas mãos em um claro sinal de perplexidade.
— Eu não vou me meter nisso.
— Ah, mas olha só essa. “Cortar os alimentos em formas geométricas: as cenouras devem estar em cubinhos, as batatas em retângulos, os tomates em círculos (sem sementes)”. Sério?! — exclamei, sem acreditar que aquilo estava acontecendo comigo. — O que é isso? Art Attack?
— É só você dizer que fez tudo isso, tenho certeza que a Grace não vai chegar falando sobre essas coisas.
— Mas criança fala tudo o que acontece.
— Tenho certeza que ela vai ter coisas mais legais pra falar do que se ela comeu a cenoura quadrada — ele debochou.
— Tá, Oliver. Mas se algo acontecer, você vai ter que ficar do meu lado. Não aguento mais me envolver em confusão e não vou mais aceitar tudo calada.
— Só estou aconselhando a deixar essa besteira de lado e curtir a Grace.
Bufei, sem querer gastar mais da minha energia com isso.
HARRY
— “Quando eu era um pouquinho mais velho que você, eu caí andando de bicicleta e cortei meu joelho. Nesse dia, eu sangrei verde e dourado.”
Contei a história com muita intensidade, apesar do riso estar prestes a escapar da minha garganta. e eu estávamos acomodados no gramado enquanto Grace estava em nossa frente, completamente envolvida com o que eu dizia. Seus olhos eram gigantes e atentos; seu cabelo liso tinha um tom castanho claro que descia em tranças até a metade das suas costas. Seu sorriso era preenchido por uns dentinhos pequenos, onde um espaço no meio deles se destacava, uma lembrança de seu primeiro dente de leite recém-caído.
— UAU! E doeu?
— Doeu bastante, sim — falei com um tom dramático até demais. olhava para mim balançando a cabeça negativamente, incrédula com minha atuação, mas com um sorrisinho dançante nos lábios.
— E por que o meu sai vermelho? — Grace perguntou baixinho, como se estivesse divagando sobre isso. — Auntie, eu quero que meu sangue saia dourado igual ao do tio Harry.
Meu olhar admirado captou quando ela soltou uma gargalhada contagiante, jogando sua cabeça para trás enquanto seu cabelo seguia o mesmo movimento. Deus tenha piedade de mim, mas estava cada vez mais difícil fingir que eu não estava apaixonado por essa mulher. Vê-la assim, em sua versão mais crua e amorosa com sua sobrinha me fazia pensar em um futuro concreto, algo que até o presente parecia incerto demais.
Não muito tempo atrás, algumas – muitas – letras começaram a pipocar em minha mente. Todas eram sobre ela. Tudo era sobre ela. Eu gostaria de conhecê-la mais; fazer pasta enquanto dançamos como dois adolescentes um novo gênero musical, um que ela tenha conhecido recentemente; passar todas as nossas noites acordados, conversando sobre absolutamente tudo ou nada, e quando acordasse depois de poucas horas de sono, seus olhos cansados estivessem em mim.
— Talvez você ainda não tenha descoberto seu superpoder ainda, meu amor — lhe disse dando um beijinho em sua bochecha gordinha.
— Não tem problema, Grace. Todos temos um superpoder, o meu é esse. Acho que o seu é … correr bem rápido — brinquei, fazendo menção que ia correr, mas permaneci no lugar enquanto a garota disparou pelo gramado, rindo seus pulmões afora.
— Ih, o tio Harry está ficando um velho cansado — zombou de mim.
— Em outras ocasiões você não diz isso — lancei um sorrisinho malicioso.
Seus olhos verdes, os mesmos que há pouco me observavam através do rosto infantil e angelical de sua sobrinha, tão semelhantes, se abriram em surpresa. A vergonha ficou estampada em seu rosto, que se transformou em um tomate em poucos segundos.
— Tem criança no ambiente, Mr. Styles.
Minha mão direita contornou sua cintura, puxando-a para mais perto de mim. Deixei um beijo suave na curva de seu pescoço, observando-a se contorcer. Era impraticável o quanto eu não conseguia resistir quando estava por perto, como se ela fosse um ímã, e eu me sentia irresistivelmente atraído para seu campo magnético, sendo puxado cada vez mais para perto.
— Vocês se parecem.
— É, a genética da nossa família é forte. Todos herdamos os olhos verdes do meu pai, menos Oliver, que tem olhos castanhos.
— Você não fala muito do seu pai, né? Isso te dói ainda?
— Acho que nunca parei pra pensar muito nisso, mas agora que você perguntou, talvez eu fuja mesmo de falar sobre ele para não lembrar.
— É, às vezes, lidar com memórias através do luto pode ser difícil. Mas se algum dia você quiser compartilhar algo comigo, estou aqui para ouvir.
— Obrigada, Hazza. Talvez eu tenha mesmo que enfrentar meus sentimentos ao invés de evitá-los.
demorou nos meus olhos, e por algum motivo aquela resposta parecia vir com um duplo sentido. As possibilidades me atravessaram de tal forma que eu não conseguia pensar em mais nada além de uma vontade absurda de dizer que eu a adorava. Queria adorá-la por bastante tempo. Perguntar se ficou com alguém além de mim durante esse tempo. Se tudo que a gente vive é passageiro. Se ela queria ser casa ou temporada. E eu bem sabia que não era uma mulher que prendia sua atenção facilmente em alguém, mas ela não precisava de algo que a prendesse. Apesar de sentir que correntes invisíveis a envolviam o tempo todo, ela ainda exalava esse desejo de se sentir livre.
— Tio Harry, seus dedos são legais — a garotinha me tirou de transe quando olhou para minhas mãos. — Posso pintar suas unhas?
Sorri para a garota, impressionado como ela conseguia ser tão extrovertida e aberta para novas pessoas, já que algumas crianças passam por um processo longo até se abrirem para um adulto. Ou talvez eu seja um encantador delas.
— Claro, Grace, eu adoraria!
Ela já segurava com entusiasmo um mini kit de manicure que tinha tirado da bolsa; nele tinha três cores chamativas.
— Que cor você quer pintar, tio?
— Sua tia deveria escolher para mim. Estou ficando bonito para ela, mesmo.
Grace colocou a mão na cintura por um tempo, como se estivesse pensando, e chegou bem perto de para lhe falar algo.
— Auntie, você deveria escolher o rosa — Grace cochichou bem pertinho do ouvido de .
Olhei para o céu, fingindo que não estava escutando nada para manter a surpresa no ar. Segundos depois, ouvi o pigarro de .
— Acho que rosa vai cair bem em você, tio Harry — estampou um sorriso gigante. Estava ferrado demais com elas.
— Adorei. Estou pronto, senhorita — estiquei meus dedos para a garotinha, que abriu o esmalte no mesmo instante.
Estava tão admirado com sua atenção e cuidado que eu não conseguia disfarçar o sorriso bobo. Grace deixou alguns borrões, que qualquer pessoa faria, mas também estava deixando tudo muito bonitinho. também parecia encantada, questionando como ela faria os corações na unha depois de passar o esmalte.
— Grace, amei seu trabalho — elogiei em meio a um sorriso orgulhoso, olhando para minhas mãos. — Queria que você pintasse toda semana para mim.
A garota parou um pouco, fazendo uma careta.
— Infelizmente, tenho muitos afazeres, tio. Tenho que ir pra escola, aí de tarde tenho que dormir, aí tenho que lanchar, aí tenho que fazer a tarefa de casa.
— Nossa, você parece muito ocupada. Sua tia vai ter que pintar pra mim, então.
Grace suspirou, triste, como se estivesse com o peso do mundo em suas costas. Não pude deixar de olhar para e compartilhar um sorriso por todo seu drama infantil.
— É, vai ter que ser.
— Mas eu não conto a ela que você é a melhor pra titia não ficar triste, né? — cochichei em seu ouvido.
Grace deu um sorrisinho tímido, me abraçando em seguida com seus bracinhos pequenos.
Minhas bochechas chegavam a doer de tanta alegria que não cabia em mim. Passei o dia com um sorriso caloroso no rosto, um sorriso que transbordava o que estava sentindo no coração. De todos os momentos que compartilhei com Harry, aquele foi o dia mais significativo para mim, porque eu sentia o quão precioso era para ele desenvolver uma conexão genuína com Grace. Ele também compreendia o quão importante era para mim. O jeito que conversava com ela e entrava completamente em seu mundo infantil. Como ele se jogava numa brincadeira de esconde-esconde, rindo juntos quando os dois me encontraram escondida no jardim. Sua paciência infinita em ajudá-la com um quebra-cabeça quando ela não estava conseguindo montar. Toda sua atenção nos mínimos detalhes a fez sentir a criança mais amada do mundo. Isso era o que eu mais amava nesse homem, desde a primeira vez em que pus meus olhos nele. Foi isso que me cativou e agora também parecia ter cativado minha sobrinha. Cogitei até que agora ela preferiria o tio Harry a mim.
— Você é realmente um encantor de crianças.
— É o que dizem por aí — disse orgulhoso, com um sorrisinho nos lábios. — Grace é incrível, tenho certeza que ela não vai esquecer dessa mini férias com a tia dela.
— Ah, não sei, não. Acho que ela gosta mais de você que de mim, agora.
Harry me admirou com um brilho travesso nos olhos. Eu poderia me revelar completamente apaixonada por ele bem ali, mas não teria um lugar para me enfiar depois.
— Sem ciúmes, meu bem. Sou apenas o “tio divertido” por enquanto. Mas você merece o crédito de tia legal.
Harry segurou minha mão e me puxou para mais perto dele. Conduzi minhas mãos para seu pescoço, o encarando com um sorrisinho dançante nos lábios. Nenhum de nós queria dizer nada, apesar de estar tudo estampado em nós.
— Estou ansioso para nosso acampamento.
— Eu também — parei um pouco, medindo as palavras que gritavam para sair da minha boca. — Harry?
— Hm? — murmurou, me pedindo para continuar. Sua mão colocou uma mecha do meu cabelo que voava pelo meu rosto. Poderia me derreter bem ali no meio da rua com aquele gesto carinhoso.
— Isso não é só sexo, é?
— Não, . Pelo menos não para mim.
Seus olhos intensos gritavam tudo que eu estava escondendo nesses últimos meses. Ele se inclinou em minha direção e depositou um beijo suave nos meus lábios, que correspondi por alguns segundos. Quando olhei para o lado, percebi Grace se mexer um pouco na cadeira, e por um momento saí daquele transe.
— Tudo bem, tenho que ir. Te vejo em alguns dias — disse lhe encarando por alguns segundos. Ele sorriu suavemente e acenou com a cabeça. Sua mão apertou um pouco minha cintura antes de me soltar.
No fundo estava claro para mim há algum tempo, e mais cristalino ainda era o fato de que eu deveria ter falado algo. Deveria ter confirmado de que para mim também já não era casual, não era sexo. Mas a única coisa que tive capacidade de fazer foi virar a chave da ignição o mais rápido possível antes do meu mundo colapsar. Levantei meus olhos para o retrovisor e lá estava ele, relaxado, com as mãos no bolso acompanhando meu trajeto até virar a rua.
Harry começou a ligação com o entusiasmo matinal dele, como de praxe. Nunca estava mal-humorado pela manhã, e segundo ele, é motivador para qualquer pessoa que esteja ao seu redor, mas eu sempre me perguntava como ele conseguia. Estava sendo difícil para mim identificar se era a minha saudade falando mais alto ou se ele realmente estava incrivelmente atraente naquele projeto de bigode que ele insistia em crescer.
Harry tinha uma carinha amassada de travesseiro e vestia um moletom branco com capuz, que deixava seu cabelo escondido, apesar de alguns fios sempre escaparem por sua testa.
— Ah, do jeito que você é distraído, eu já consigo imaginar. Me conte!
— Bem, depois de tantas burocracias, eu só queria conhecer a cidade de um jeito diferente, sabe? Então resolvi alugar uma bicicleta numa loja perto do hotel — Harry começou explicando, já me dando uma vontade de rir ao imaginar uma de suas peripécias. A única coisa que eu tinha conhecimento era que ele estava fechando um contrato de uma casa na Itália, consequentemente, estava passando uns dias por lá.
O cantor sempre fazia questão de falar tudo com muitos detalhes, pausadamente – comecei a captar essa particularidade nos últimos tempos –, mas eu nunca ficava entediada com suas histórias. Harry conseguia ser naturalmente engraçado, e eu não conseguia identificar exatamente o que era, mas talvez fosse o modo como ele falava, que sempre deixava escapar uma minúcia de risada.
— Eiii, espere a história completa para rir de mim.
— Ok, ok, prometo ficar quietinha!
— Hmm, então, meu fone estava muito alto e eu não escutava quase nada dos ruídos externos. Em algum momento minha irmã me ligou para contar uma fofoca da família, e eu estava tão entretido que não percebi quando desviei da ciclovia e fui parar no gramado.
— Oh, meu Deus!
— E como eu não estava escutando nada, não escutei quando alguém começou a gritar comigo — ele fez uma pausa dramática.
— GRITAR O QUÊ? Deixe de suspense!
— Um cachorro simplesmente atravessou na minha frente, correndo atrás de um frisbee! Mas não era qualquer cachorro, era um São Bernardo, você sabe? — ele parou para saber se eu tinha noção, abrindo suas mãos para representar o tamanho do cachorro, algo que seria impossível de fazer.
— Aham, eles são gigantes! Meu Deus!
— Exatamente!
— Mas peraí, não me diga que você o atropelou? Ah, coitadinho, Hazza.
— Coitadinho, ? Coitadinho de mim que fui parar num arbusto com tudo! — ele falou indignado porque eu estava sentindo pena do cachorro.
— NÃO!? — reagi, mas a risada veio em ondas. A crise foi tão forte que as pessoas que passavam por mim me olhavam torto.
— Eu segurei a bicicleta com uma mão e me sustentei nos galhos com a outra para não cair de vez, mas foi totalmente em vão. Argh, é vergonhoso só de lembrar — ele fechou os olhos e colocou as mãos no rosto, se escondendo.
— Espere — continuei rindo com a imagem de Harry caindo na minha mente. — Oh, agora posso respirar. E o cachorro? — o questionei quando estava recuperando o fôlego.
— Estou bem agora, obrigado por perguntar — ele rolou os olhos. — O Francisco está ótimo também e me ignorou completamente! Eu me ralei inteiro, senhorita ! Porque o arbusto estava cheio de espinhos afiados — ele falou mostrando seus braços, além de ter levantado a camisa e mostrado outros arranhões pelo corpo. Observei atentamente seu abdômen, me perdendo alguns segundos admirando seus gominhos. Nossa, como estava saudosa de passear naquela pele novamente. — Um pouco de empatia pelo seu… por mim! — Harry vacilou e quase disse outra coisa.
Minha mente começou a trabalhar de forma rápida, quase como um raio durante uma tempestade intensa. Ele ia realmente falar “seu homem ou seu namorado”? Pois eu tinha absoluta certeza de que ele não substituiu o “por mim” à toa.
— Me desculpe, eu posso cuidar de você quando chegar, prometo — respondi, afastando qualquer assunto sobre a magnitude dos sentimentos acerca de Harry, que ainda estavam confusos, apenas por aquele momento. Dei uma piscadela para ele, que sorriu envergonhado.
— Vou cobrar! Mas enfim, a Paola me ajudou a me libertar do arbusto — ele respondeu e senti uma pontada no meu coração.
Paola? Não havia escutado o nome dela antes. Ele estava andando de bicicleta com alguém?
— Quem é Paola? Me perdi na história, eu acho — tentei não parecer desesperada por uma resposta para não entregar tanto meus pontos.
— Ah, é a dona do Francisco. Ela me pagou um suco verde como um pedido de desculpas — Harry respondeu relaxado, dando de ombros. Ele respondeu tão calmamente que meu inconsciente me gritou, me chamando de surtada.
— Hm, isso foi gentil da parte dela — disse aquilo engolindo seco, meus milhões de questionamentos presos na minha garganta. — Você fez amizade com o Francisco depois?
— Sim, viramos melhores amigos depois — Harry respondeu com um sorriso largo, mostrando seus dentes. Argh, que ódio! Como um homem conseguia ser tão adoravelmente lindo? — Já falei demais sobre mim. E você, o que fez nessas semanas?
— Nada de mais, participei da audição que eu te falei. Lembra?
— Claro que lembro, já recebeu o resultado?
— Ainda não. Acho que vai demorar um pouco para sabermos — respondi, incluindo que ele também gostaria de saber dessa notícia.
Eu estava inquieta, mal conseguia falar sobre meus dias para Harry. Estava esperando por Oliver e Grace, sentada naquele banco desconfortável, por tempo demais – culpa da minha ansiedade chegar cedo. Vez ou outra meus olhos percorriam a multidão de passageiros que se revelavam pelo portão de desembarque.
— Está preocupada com algo? — Harry voltou minha atenção para ele.
— Só estou um pouco ansiosa.
— Percebi, sua ansiedade está transparecendo pela tela.
— Que bom que tenho você para me distrair, acho que não consigo falar nada agora. Quer continuar falando dos seus dias pra mim?
Olhei novamente para uma gama de pessoas que estava saindo pelos portões, algum voo devia ter acabado de pousar. Num vislumbre, reconheci um olhar familiar que não via há muito tempo. A estatura esguia e magra do meu irmão permanecia a mesma, apenas uma barbicha diferenciava sua fase adolescente da atual. Ele equilibrava uma mala do lado esquerdo, e seu lado direito estava preenchido por uma criança gostosa e fofa que segurava sua mão firme.
Senti imediatamente meu coração pulsar de alegria.
Uma voz no meu ouvido chamou minha atenção. Harry estava falando sozinho por um tempinho e agora estava perguntando o que havia acontecido.
— Argh, me desculpe Hazza, vou precisar desligar agora. Estou avistando a coisa mais fofa e pequena que já vi na vida — olhei para ele, que me respondeu com um sorriso, assentindo.
— Eu te perdoo se me deixar conhecê-la.
— Você quer? — perguntei querendo a confirmação, porque ele já havia dito uma vez, mas por algum motivo Harry pode ter dito apenas momentaneamente.
— Claro que quero. Nos vemos no final de semana? — ele perguntou, e eu respondi com a cabeça.
— Estou com saudades — disse antes de me despedir dele. Eu realmente estava depois de tantas confusões mentais, e conseguia admitir pelo menos isso para mim.
— Eu também. Muita — ele respondeu me mandando um beijo. Deus ajude meu pobre coração a aguentar.
Travei o celular e o guardei no bolso da calça antes de correr em direção a eles. Abri meus braços e me ajoelhei para ficar na altura de Grace enquanto a observava correr em minha direção. Ela estava linda, com um vestido lilás e All Star branco em seus pés. Sua franja estava presa com um laço do mesmo tom do vestido, e seus cachinhos caíam para trás. Senti seus bracinhos envolverem meu pescoço. Que saudades eu estava disso.
— Oi, auntie — ela falou primeiro.
— Oi meu amor, você está enorme! — me afastei dela para admirar sua altura.
— Mamãe está colocando fermento na minha comida.
— Eu aposto que está!
Me levantei e fui imediatamente abraçar meu irmão. O apertei por tempo demais até ele reclamar que eu estava o sufocando.
— Você vai esmagar meus ossos, sua maluca — sua voz saiu abafada, e sem ar. Soltei uma risada e me afastei. Coloquei minhas mãos em seu rosto para admirá-lo, reparando em mudanças sutis desde a última vez que o havia visto.
— Estava saudosa.
— Eu também — ele depositou um beijo na minha bochecha. — Leva aqui pra mim, estou cansado — Oliver estendeu sua mala de costas para mim. Segurei com uma mão e, na outra, peguei a mãozinha de Grace para irmos até o carro.
Admirei os cachinhos dela, que estavam crescidos, quase batiam no final das suas costas. Ela balançava nossas mãos para frente e para trás, pulando animada, demonstrando estar feliz de estar num lugar novo. Seu sorriso estava radiante e o meu também.
Estávamos sentados no sofá enquanto Grace tirava seu cochilo da tarde; Oliver me contava sobre suas aventuras ainda na nossa cidade natal, aquela onde ninguém poderia ter uma vida que viraria uma fofoca. Por muito tempo pensei que, quando viesse para Los Angeles, em alguns anos ele me acompanharia nessa jornada de sair de casa, sem olhar para atrás – mas por incrível que pareça, Oliver ainda continuava lá e eu não entendia o motivo.
Assim como eu, sua paixão pela dança começou cedo, tendo a mim como sua grande inspiração. Por muito tempo nossa mãe ficou receosa por essa escolha, e não era por todas as implicações de ter uma profissão que não trouxesse uma estabilidade financeira, até porque isso nunca foi uma questão em nossa casa, mas era principal e unicamente por um estigma de gênero. A dança ainda é majoritariamente associada a mulheres, então seria um ambiente em que Oliver sentiria alguma resistência social com sua escolha. Porém, meu pai sempre foi muito sábio e adorava convencer mamãe com seus argumentos prolixos.
— Você não quer vir morar comigo?
— De novo esse papo?
— Eu sei que sou insistente, mas você se daria muito melhor do que trabalhando naquele espaço minúsculo dando aulas de dança.
— Entendo sua preocupação, mas tudo está indo conforme a dança — ele fez um trocadilho idiota, que me fez rir. — Mas já que você está tão preocupada, tenho uma novidade para te contar.
— Ah, me conte, me conte! Sou sedenta por notícias.
— No começo do ano que vem, estarei indo morar em Nova Iorque.
— NÃO!
— SIM! Vou para Julliard no outono.
— Estou tão feliz por você — joguei meus braços em torno do seu pescoço, lhe abraçando com força. Aquilo era tão lindo. Ele tinha sonhado por tanto tempo com aquilo que eu achei que já tinha desistido. Senti que algumas lágrimas teimosas invadiram meu rosto, e por aquele momento só deixei elas virem, porque eu estava feliz.
— Peraí… você está chorando? — ele se distanciou um pouco para me olhar. Eu quase nunca choro, principalmente em frente às pessoas.
— Argh, me dê um desconto, Oliver! Sou uma irmã orgulhosa, sabe? Como se você estivesse voando para o mundo — as lágrimas continuavam a rolar pelo meu rosto.
Abracei-o por um tempo, mas logo ele se soltou de mim. Ficou me encarando enquanto eu limpava minhas lágrimas com as mãos, rindo do meu momento sensível. Ultimamente parecia que todos os meus sentimentos estavam à flor da pele, como se eu não conseguisse mais manter todos dentro de mim.
— É só por isso que está chorando?
— Você me conhece tão bem…
— Desembucha, !
— Acho melhor eu te mostrar — suspirei, pegando o celular do meu bolso. Deslizei pela galeria, encontrando uma foto minha e de Harry para mostrá-lo. Achei a mais recente, em que estávamos juntos na trilha da última vez que nos vimos; eu deitada em seu colo, sorrindo, e ele olhando para a tela com seus óculos-escuros um pouco rebaixados.
Oliver olhou para a foto por um momento e, depois de analisar bem, percebeu que era eu na foto. Seus olhos se arregalaram em completo choque.
— Isso é você?
— Aham.
— No colo de um homem.
Assenti com um sorriso nervoso congelado na minha face.
— Sim, do Harry.
— Por que sinto que eu conheço ele de algum lugar?
— Talvez da minha parede quando eu tinha doze anos.
Meu irmão arregalou os olhos ainda mais.
— Você só pode estar brincando comigo…Styles? Harry Styles?
— Para mim ele é só Harry — dei de ombros, sendo sincera.
A verdade era que há muito tempo eu não o via da mesma forma. Um nome comum atrelado a um sobrenome de estrela que brilhava em todos os holofotes espalhados por todo o mundo. Não conseguia lembrar do momento exato em que tirei-o do pedestal que ele costumava ocupar. Talvez tenha sido num vislumbre de um olhar quando meus ouvidos atentos o escutavam contar suas milhares de histórias cotidianas, ou talvez o tom de preocupação que transparecia em sua voz ao falar com sua mãe ao telefone numa manhã qualquer. Mas também no momento em que seu olhar atencioso cruzou com o meu na manhã da ida a São Francisco; ali eu consegui vê-lo, além da fachada, o homem que ele era: prestativo, humano e real.
— Ok, nenhum evento que ocorra em sua vida me choca mais.
— A próxima frase que eu vou te falar talvez te choque mais uma vez. Eu acho que estou apaixonada.
— , vai sair uma câmera de algum lugar? Estou num programa de pegadinha?
Gargalhei.
— Eu tô muito assustada com tudo, preciso de conselhos.
— Nunca te vi apaixonada por alguém — meu irmão começou falando e pausou, parecendo pensar em algo. — Bem, teve aquela vez…
— … Que não se pode citar — me movi um pouco desconfortável.
— Enfim, não tenho conselhos, só quero dizer que vocês parecem felizes juntos.
— Obrigada.
— Mas o que te incomoda?
— O medo? — fiz uma pergunta para mim mesma.
— Ah, Abelhinha. Não fuja disso como você sempre faz. Se dê um pouco de liberdade para viver novas coisas — Oliver suspirou, me encarando com um sorriso tímido. — Lembra do primeiro concurso de dança que você participou?
— Uhum.
— Você ensaiou muito, me fez decorar todos os passos com você. E eu sabia o tanto de medo que você estava. Ansiosa, não dormiu por noites, mas tudo isso te fez ganhar mais confiança, e no final fez um ótimo trabalho.
— E o que isso tem a ver com o medo de me apaixonar, Oliver?
— O medo rouba nossas memórias, . E a maioria dessas são de felicidade.
Aquilo havia me atingido em cheio. Tão simples como dois mais dois são quatro, percebi o quanto o medo passou a controlar todas as minhas decisões, agindo como um ladrão que rouba a noite. Era como se uma chave tivesse aberto uma porta secreta que estava há muito tempo fechada, e ali dentro, por trás daquela porta, estavam todos os momentos que eu deixei de ter, as memórias que eu poderia ter tido se o medo não tivesse se jogado na frente do meu coração. Aquele parecia um despertar, uma nova compreensão de mim mesma e do mundo ao meu redor.
Isso era libertador.
— O amor é pra quem tem coragem, e ele não precisa de ensaios como numa apresentação de dança. Ele só precisa ser vivido.
Fiquei por bastante tempo absorvendo cada palavra que ele havia dito, mesmo quando começou a contar que, durante o final de semana, iria encontrar uns amigos que estavam morando aqui em Los Angeles.
Logo depois, também explicou que minha irmã havia mandado uma lista de cuidados que deveriam ser tomados com Grace. E nessa lista tinha tanta coisa absurda que eu estava começando a achar que tudo não passava de uma brincadeira de mal gosto.
— Tá de brincadeira que isso tudo é informação sobre a menina, né? — perguntei incrédula, examinando a parte em relação a alimentação dela. — “O leite deve estar exatamente na temperatura de 37 graus Celsius. Nem mais, nem menos.” — Parei de falar e olhei para ele com olhos arregalados, abrindo minhas mãos em um claro sinal de perplexidade.
— Eu não vou me meter nisso.
— Ah, mas olha só essa. “Cortar os alimentos em formas geométricas: as cenouras devem estar em cubinhos, as batatas em retângulos, os tomates em círculos (sem sementes)”. Sério?! — exclamei, sem acreditar que aquilo estava acontecendo comigo. — O que é isso? Art Attack?
— É só você dizer que fez tudo isso, tenho certeza que a Grace não vai chegar falando sobre essas coisas.
— Mas criança fala tudo o que acontece.
— Tenho certeza que ela vai ter coisas mais legais pra falar do que se ela comeu a cenoura quadrada — ele debochou.
— Tá, Oliver. Mas se algo acontecer, você vai ter que ficar do meu lado. Não aguento mais me envolver em confusão e não vou mais aceitar tudo calada.
— Só estou aconselhando a deixar essa besteira de lado e curtir a Grace.
Bufei, sem querer gastar mais da minha energia com isso.
— “Quando eu era um pouquinho mais velho que você, eu caí andando de bicicleta e cortei meu joelho. Nesse dia, eu sangrei verde e dourado.”
Contei a história com muita intensidade, apesar do riso estar prestes a escapar da minha garganta. e eu estávamos acomodados no gramado enquanto Grace estava em nossa frente, completamente envolvida com o que eu dizia. Seus olhos eram gigantes e atentos; seu cabelo liso tinha um tom castanho claro que descia em tranças até a metade das suas costas. Seu sorriso era preenchido por uns dentinhos pequenos, onde um espaço no meio deles se destacava, uma lembrança de seu primeiro dente de leite recém-caído.
— UAU! E doeu?
— Doeu bastante, sim — falei com um tom dramático até demais. olhava para mim balançando a cabeça negativamente, incrédula com minha atuação, mas com um sorrisinho dançante nos lábios.
— E por que o meu sai vermelho? — Grace perguntou baixinho, como se estivesse divagando sobre isso. — Auntie, eu quero que meu sangue saia dourado igual ao do tio Harry.
Meu olhar admirado captou quando ela soltou uma gargalhada contagiante, jogando sua cabeça para trás enquanto seu cabelo seguia o mesmo movimento. Deus tenha piedade de mim, mas estava cada vez mais difícil fingir que eu não estava apaixonado por essa mulher. Vê-la assim, em sua versão mais crua e amorosa com sua sobrinha me fazia pensar em um futuro concreto, algo que até o presente parecia incerto demais.
Não muito tempo atrás, algumas – muitas – letras começaram a pipocar em minha mente. Todas eram sobre ela. Tudo era sobre ela. Eu gostaria de conhecê-la mais; fazer pasta enquanto dançamos como dois adolescentes um novo gênero musical, um que ela tenha conhecido recentemente; passar todas as nossas noites acordados, conversando sobre absolutamente tudo ou nada, e quando acordasse depois de poucas horas de sono, seus olhos cansados estivessem em mim.
— Talvez você ainda não tenha descoberto seu superpoder ainda, meu amor — lhe disse dando um beijinho em sua bochecha gordinha.
— Não tem problema, Grace. Todos temos um superpoder, o meu é esse. Acho que o seu é … correr bem rápido — brinquei, fazendo menção que ia correr, mas permaneci no lugar enquanto a garota disparou pelo gramado, rindo seus pulmões afora.
— Ih, o tio Harry está ficando um velho cansado — zombou de mim.
— Em outras ocasiões você não diz isso — lancei um sorrisinho malicioso.
Seus olhos verdes, os mesmos que há pouco me observavam através do rosto infantil e angelical de sua sobrinha, tão semelhantes, se abriram em surpresa. A vergonha ficou estampada em seu rosto, que se transformou em um tomate em poucos segundos.
— Tem criança no ambiente, Mr. Styles.
Minha mão direita contornou sua cintura, puxando-a para mais perto de mim. Deixei um beijo suave na curva de seu pescoço, observando-a se contorcer. Era impraticável o quanto eu não conseguia resistir quando estava por perto, como se ela fosse um ímã, e eu me sentia irresistivelmente atraído para seu campo magnético, sendo puxado cada vez mais para perto.
— Vocês se parecem.
— É, a genética da nossa família é forte. Todos herdamos os olhos verdes do meu pai, menos Oliver, que tem olhos castanhos.
— Você não fala muito do seu pai, né? Isso te dói ainda?
— Acho que nunca parei pra pensar muito nisso, mas agora que você perguntou, talvez eu fuja mesmo de falar sobre ele para não lembrar.
— É, às vezes, lidar com memórias através do luto pode ser difícil. Mas se algum dia você quiser compartilhar algo comigo, estou aqui para ouvir.
— Obrigada, Hazza. Talvez eu tenha mesmo que enfrentar meus sentimentos ao invés de evitá-los.
demorou nos meus olhos, e por algum motivo aquela resposta parecia vir com um duplo sentido. As possibilidades me atravessaram de tal forma que eu não conseguia pensar em mais nada além de uma vontade absurda de dizer que eu a adorava. Queria adorá-la por bastante tempo. Perguntar se ficou com alguém além de mim durante esse tempo. Se tudo que a gente vive é passageiro. Se ela queria ser casa ou temporada. E eu bem sabia que não era uma mulher que prendia sua atenção facilmente em alguém, mas ela não precisava de algo que a prendesse. Apesar de sentir que correntes invisíveis a envolviam o tempo todo, ela ainda exalava esse desejo de se sentir livre.
— Tio Harry, seus dedos são legais — a garotinha me tirou de transe quando olhou para minhas mãos. — Posso pintar suas unhas?
Sorri para a garota, impressionado como ela conseguia ser tão extrovertida e aberta para novas pessoas, já que algumas crianças passam por um processo longo até se abrirem para um adulto. Ou talvez eu seja um encantador delas.
— Claro, Grace, eu adoraria!
Ela já segurava com entusiasmo um mini kit de manicure que tinha tirado da bolsa; nele tinha três cores chamativas.
— Que cor você quer pintar, tio?
— Sua tia deveria escolher para mim. Estou ficando bonito para ela, mesmo.
Grace colocou a mão na cintura por um tempo, como se estivesse pensando, e chegou bem perto de para lhe falar algo.
— Auntie, você deveria escolher o rosa — Grace cochichou bem pertinho do ouvido de .
Olhei para o céu, fingindo que não estava escutando nada para manter a surpresa no ar. Segundos depois, ouvi o pigarro de .
— Acho que rosa vai cair bem em você, tio Harry — estampou um sorriso gigante. Estava ferrado demais com elas.
— Adorei. Estou pronto, senhorita — estiquei meus dedos para a garotinha, que abriu o esmalte no mesmo instante.
Estava tão admirado com sua atenção e cuidado que eu não conseguia disfarçar o sorriso bobo. Grace deixou alguns borrões, que qualquer pessoa faria, mas também estava deixando tudo muito bonitinho. também parecia encantada, questionando como ela faria os corações na unha depois de passar o esmalte.
— Grace, amei seu trabalho — elogiei em meio a um sorriso orgulhoso, olhando para minhas mãos. — Queria que você pintasse toda semana para mim.
A garota parou um pouco, fazendo uma careta.
— Infelizmente, tenho muitos afazeres, tio. Tenho que ir pra escola, aí de tarde tenho que dormir, aí tenho que lanchar, aí tenho que fazer a tarefa de casa.
— Nossa, você parece muito ocupada. Sua tia vai ter que pintar pra mim, então.
Grace suspirou, triste, como se estivesse com o peso do mundo em suas costas. Não pude deixar de olhar para e compartilhar um sorriso por todo seu drama infantil.
— É, vai ter que ser.
— Mas eu não conto a ela que você é a melhor pra titia não ficar triste, né? — cochichei em seu ouvido.
Grace deu um sorrisinho tímido, me abraçando em seguida com seus bracinhos pequenos.
Minhas bochechas chegavam a doer de tanta alegria que não cabia em mim. Passei o dia com um sorriso caloroso no rosto, um sorriso que transbordava o que estava sentindo no coração. De todos os momentos que compartilhei com Harry, aquele foi o dia mais significativo para mim, porque eu sentia o quão precioso era para ele desenvolver uma conexão genuína com Grace. Ele também compreendia o quão importante era para mim. O jeito que conversava com ela e entrava completamente em seu mundo infantil. Como ele se jogava numa brincadeira de esconde-esconde, rindo juntos quando os dois me encontraram escondida no jardim. Sua paciência infinita em ajudá-la com um quebra-cabeça quando ela não estava conseguindo montar. Toda sua atenção nos mínimos detalhes a fez sentir a criança mais amada do mundo. Isso era o que eu mais amava nesse homem, desde a primeira vez em que pus meus olhos nele. Foi isso que me cativou e agora também parecia ter cativado minha sobrinha. Cogitei até que agora ela preferiria o tio Harry a mim.
— Você é realmente um encantor de crianças.
— É o que dizem por aí — disse orgulhoso, com um sorrisinho nos lábios. — Grace é incrível, tenho certeza que ela não vai esquecer dessa mini férias com a tia dela.
— Ah, não sei, não. Acho que ela gosta mais de você que de mim, agora.
Harry me admirou com um brilho travesso nos olhos. Eu poderia me revelar completamente apaixonada por ele bem ali, mas não teria um lugar para me enfiar depois.
— Sem ciúmes, meu bem. Sou apenas o “tio divertido” por enquanto. Mas você merece o crédito de tia legal.
Harry segurou minha mão e me puxou para mais perto dele. Conduzi minhas mãos para seu pescoço, o encarando com um sorrisinho dançante nos lábios. Nenhum de nós queria dizer nada, apesar de estar tudo estampado em nós.
— Estou ansioso para nosso acampamento.
— Eu também — parei um pouco, medindo as palavras que gritavam para sair da minha boca. — Harry?
— Hm? — murmurou, me pedindo para continuar. Sua mão colocou uma mecha do meu cabelo que voava pelo meu rosto. Poderia me derreter bem ali no meio da rua com aquele gesto carinhoso.
— Isso não é só sexo, é?
— Não, . Pelo menos não para mim.
Seus olhos intensos gritavam tudo que eu estava escondendo nesses últimos meses. Ele se inclinou em minha direção e depositou um beijo suave nos meus lábios, que correspondi por alguns segundos. Quando olhei para o lado, percebi Grace se mexer um pouco na cadeira, e por um momento saí daquele transe.
— Tudo bem, tenho que ir. Te vejo em alguns dias — disse lhe encarando por alguns segundos. Ele sorriu suavemente e acenou com a cabeça. Sua mão apertou um pouco minha cintura antes de me soltar.
No fundo estava claro para mim há algum tempo, e mais cristalino ainda era o fato de que eu deveria ter falado algo. Deveria ter confirmado de que para mim também já não era casual, não era sexo. Mas a única coisa que tive capacidade de fazer foi virar a chave da ignição o mais rápido possível antes do meu mundo colapsar. Levantei meus olhos para o retrovisor e lá estava ele, relaxado, com as mãos no bolso acompanhando meu trajeto até virar a rua.
Continua...
Nota da autora: Oioi, deixando mais um capítulo quentinho e cheio de sentimentos confusos da nossa querida pp. Pf, me digam o que acharam nos comentários ou no instagram. Beijos ❤️
PS: A autora que vos fala escreveu uma das músicas do ficstape do Harry's House. O link está abaixo junto com outras histórias, leiam e comentem! Foi escrita com muita delicadeza de sentimentos, literalmente um antídoto pro coração fanfiqueiro ❤️
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