Feridas Reais

Última atualização ou Finalizada em: 06/01/2025

Capítulo Único


Os dedos grossos e gelados da costureira amarravam, sem piedade, uma fita métrica ao redor da cintura de Catarina. Seus olhos esbugalhados encaravam o tecido da mesma forma que um médico encara o paciente durante uma operação de vida ou morte — descrição que também se aplicava perfeitamente a um casamento real. Assim como em uma cirurgia, tudo era meticulosamente calculado e planejado: desde o primeiro encontro dos noivos até a joia escolhida para selar o compromisso forçado.
O planejamento era tão minucioso que, em pleno século XXI, a princesa Catarina de Artena, com seus vinte e poucos anos, foi obrigada a aceitar o pedido de casamento do rei Otávio, de Lastrilha. As duas famílias eram amigas há gerações, visto que o reino de Lastrilha era o grande responsável por transformar os morangos brutos do reino de Catarina em produtos adorados por toda a Europa. No entanto, nos últimos anos, o rei Otávio havia dificultado a exportação dos produtos de Artena, buscando privilegiar os produtores de seu próprio reino. A decisão do soberano teve duras consequências para o local onde a jovem de pele morena havia crescido. A solução "brilhante" encontrada pela rainha foi oferecer sua única filha em matrimônio, como se ainda estivessem presos ao século XIX. Era exatamente dessa forma que a moderna e independente princesa se sentia.
— Não se mexa querida, só mais alguns segundos. — A voz rouca da costureira trouxe Catarina de volta ao momento presente.
Depois do que pareceu uma eternidade, as mãos geladas da costureira finalmente tiraram a fita métrica da cintura fina da princesa e ela pôde respirar novamente.
— Acho que essa é minha obra prima! — A senhora de lábios rachados apontou orgulhosa para os panos brancos que cobriam o corpo de Catarina.
A rainha fitava a princesa de cima a baixo, como se estivesse escolhendo uma boneca para comprar, em vez de opinar sobre o vestido de casamento da filha.
— Eu não sei... acho que está um pouco simples. O que você acha? — Indagou, como se realmente se importasse com a opinião da noiva.
— Se eu disser o que eu realmente acho, a senhora vai acabar me deserdando. — A herdeira real se limitou a responder, cruzando os braços para o desespero costureira, que imediatamente começou a arrancar os alfinetes de sua “obra prima”.
Já conhecendo o temperamento forte da filha, a rainha suspirou, buscando um pouco de paciência antes de mandar a costureira sair.
— Você não vai mesmo facilitar, não é? — Sua voz saiu serena, afinal uma rainha nunca perdia a compostura, nem mesmo entre quatro paredes.
— Minha própria mãe está me obrigando a casar com um homem de quarenta anos porque não consegue pensar em uma solução melhor para resolver o problema dos impostos sobre os nossos produtos na lastrilha. É claro que eu não vou facilitar.
— Eu ainda sou sua rainha Catarina. Você me deve respeito.
A fala fria da mãe fez um nó entalado na garganta da jovem finalmente se dissipar.
— Esse é o problema, você sempre pensa em ser a rainha, mas se esquece de ser a minha mãe. Fala sério, quando o Otávio veio, ele me ofereceu um anel gigante sem eu nem saber de nada. Eu não pude escolher meu noivo e estou condenada a uma vida tão miserável quanto a sua. — Acusou em um tom mais firme sem sem se importar se alguém escutava por trás da porta.
Pela primeira vez,o semblante calmo da rainha se transformou.
— Olhe como fala comigo, mocinha! Seu pai ficaria muito decepcionado.
A menção ao rei Augusto foi como uma facada para Catarina. A morte dele havia sido um baque para todo o reino, mas principalmente para a pequena princesa, que tinha apenas cinco anos na época. Para a menina, Augusto não era apenas o rei bondoso e adorado por todos, mas um pai extraordinário, que sempre se fazia presente, mesmo com as inúmeras responsabilidades. A saudade ainda apertava seu peito, especialmente em momentos como aquele.
— Não mencione o nome do papai dessa forma! Ele seria o primeiro a ficar do meu lado, ao contrário de você. Mas quer saber? Não adianta falar, porque eu nunca vou ser ouvida, e estou cansada. Aliás, acabei de decidir que não vou mais fazer parte disso. Se quer tanto agradar o rei Otávio, case você mesma com ele!
Para o desespero da rainha, Catarina rasgou a saia do vestido branco recém-costurado.
— Catarina, você perdeu o juízo? Volte já aqui! — Os gritos da rainha ecoaram pelos corredores. Mas já era tarde. Enquanto a mãe desgastava sua preciosa garganta, a filha estava escondida no enorme jardim do castelo.
As árvores sempre foram um refúgio para Catarina. Desde pequena, era ali que se escondia após fazer alguma travessura, evitando as broncas dos pais. Agora, já adulta, estava novamente entre as folhas úmidas e familiares. Era o único lugar onde se sentia verdadeiramente segura e livre. Ali, finalmente, permitiu que as lágrimas escorressem enquanto se sentava no chão, sem se importar em estragar o que havia sobrado daquele maldito vestido branco — o símbolo máximo de sua prisão. Uma prisão que sua família chamava de tradição e mantinha há séculos.
Catarina podia ser jovem, mas sabia muito bem o que significava essa prisão. Também se lembrava das vezes em que via sua mãe sozinha, consumida por uma tristeza silenciosa. Havia muito sobre Brice, a rainha de Artena, que ninguém contava. Segundo as lendas, a jovem princesa de Alcaluz havia se apaixonado por um plebeu — o maior crime dentro da realeza, mesmo nos tempos atuais. Para evitar o escândalo, os pais de Brice arranjaram seu casamento com o príncipe Augusto de Lurton, selando seu destino em um reino distante, onde ela nunca mais viu o amor de sua vida.
Não que Catarina tivesse expectativas românticas vãs. Sabia que o amor verdadeiro era um sonho distante para qualquer membro da realeza. Mas esperava, ao menos, ter a chance de conhecer seu noivo antes do casamento e, quem sabe, desenvolver uma amizade. Contudo, nem isso lhe foi permitido. Sua mãe apresentou Otávio na mesma noite em que ele fez o pedido, e, como sempre, ela não teve escolha a não ser aceitar.
Suas decisões nunca foram suas; eram sempre baseadas no que era melhor para o reino. Mas agora ela havia decidido que daria um basta. Seria a primeira a se libertar daquela prisão doentia que sua família chamava de lar. Para isso, precisava agir rápido. Certamente, naquele momento, sua mãe já devia ter mandado os guardas procurá-la.
Com os pés doloridos, resultado dos inúmeros sapatos de salto com os quais teve que desfilar, Catarina deu o máximo de si e ordenou que suas pernas se apressassem. Ela correu o mais rápido que seu fôlego permitiu. Contudo, depois de alguns minutos, seu corpo parecia implorar por descanso, mas ela não podia ficar ali. A sorte, no entanto, parecia estar ao seu lado ao colocar em sua frente uma pequena porta de madeira desconhecida.
Catarina hesitou por um instante, afinal não sabia o que a esperava ali dentro. Mesmo conhecendo os gigantes jardins do castelo, ela nunca havia ido tão longe. Porém, naquele instante, seu instinto de liberdade falou mais alto, fazendo-a girar a maçaneta enferrujada. Esta fez a porta se abrir. A escuridão até se revelou servir como esconderijo até que a noite chegasse e ela pudesse fugir.
A poeira fazia seu nariz arder enquanto andava a passos lentos, forçando seus olhos a fim de tentar enxergar algo em meio àquele vão infinito sem cores. A princesa olhava para os lados, sentindo o coração disparado e pronto para agir ao menor sinal de perigo. Mesmo sendo cautelosa, a jovem acabou tropeçando em uma superfície dura que fez seu pé doer. Antes de gritar, no entanto, tampou seus lábios, afinal não queria ser encontrada. Ao olhar para o chão, a herdeira do reino de Artena tomou um susto ao se deparar com um lindo homem de cabelos pretos que caíam sobre os ombros, um semblante sereno, olhos verdes hipnotizantes e um sorriso sedutor. Sua pose passava autoridade, o que a fez deduzir que se tratava de um rei, talvez de um antepassado ali retratado em um quadro. Quem diria tanto sacrifício em governar um lugar para acabar em um quadro em um porão escondido cheio de poeira.
— É, acho que vou trocar de lugar com você, seja lá quem for. Nossa, estou tão desesperada que estou falando com um quadro. — Catarina começou enquanto sentia seus braços doerem ao levantar o objeto.
Agora frente a frente com o homem sedutor, retratado de forma belíssima pelos olhos de algum artista, ela continuou.
— Você parece tão feliz, provavelmente não passou pelo mesmo que eu. Claro que não, afinal hoje em dia os homens ainda têm mais liberdade, quem dirá na sua época. — Ela colocou os cabelos para trás, esquecendo por um instante que o jovem congelado na pintura não podia respondê-la. — Aposto que você, com essa beleza toda, nem precisou de uma noiva arranjada… Sei que vai parecer estranho, ainda mais se for um parente, mas por algum motivo acho que eu mesma me casaria com você sem pensar duas vezes. Mas, ao invés disso, tenho um noivo com o dobro da minha idade e que só vi uma vez na vida. Desculpe te desapontar, mas nada mudou desde a sua época. — Ela cruzou os braços encarando os olhos estáticos do homem de beleza sedutora e caiu em si. — O que é que eu estou fazendo? Falando com um quadro. Ai, realmente acho que esse casamento me deixou maluca… Aqui estou eu, tão miserável que o único homem bonito que já apareceu na minha vida estava preso em uma pintura…
Catarina suspirou esperançosa e pronta para continuar sua caminhada pelo porão misterioso. Contudo, sentiu seu coração virar uma bomba quando uma voz masculina e suave sussurrou.
— Eu agradeço o elogio e, respondendo à sua pergunta, realmente sou assediado por muitas mulheres, mas não pense que minha situação é diferente. Como você, também tive um casamento arranjado.
A herdeira beliscou o braço inúmeras vezes na tentativa de despertar daquele sonho maluco.
— Não pode ser, o que está acontecendo, Catarina? Se recomponha, você está imaginando coisas, esse homem lindo do quadro não acabou de te responder, fica tranquila.
Assustada e sem se lembrar de sua própria situação, Catarina saiu do local às pressas, ainda anestesiada pelo ocorrido. Ela sabia que todos os preparativos para o casamento tinham destruído sua saúde mental, mas não a ponto de fazê-la ter alucinações.
Quando os guardas apareceram, a princesa não teve forças para lutar. Assim, seu plano de fuga foi por água abaixo e, quando se deu conta, lá estava de frente para sua mãe no salão principal do castelo.
Sua mente ainda girava, mas a imagem de sua mãe a fitando de cima a baixo como se estivesse diante de uma aberração não passou despercebida.
— Catarina, minha filha, que bom que está bem, eu estava morrendo de preocupação. — O tom gentil e carinhoso de sua mãe era algo novo.
— Eu estou bem, mãe, só precisava de um pouco de ar. — Sua voz saiu fraca e de forma automática, visto que sua mente ainda estava presa na alucinação de momentos antes.
— Que bom, minha filha, eu sei que às vezes pode não parecer, mas eu te entendo.
Os olhos da princesa se arregalaram com a declaração.
— Como é? — indagou, já retornando ao momento presente.
— Pois é, você já deve ter escutado boatos sobre mim e sobre como eu já tive um verdadeiro amor… E está na hora de eu te contar, minha filha, é tudo verdade, mas eu era jovem e ingênua, assim como você. — Havia resquício de tristeza em seus olhos. — Mas eu fiz o que precisava ser feito e não me arrependo. Sabe por quê? Porque agora estou aqui com a minha filha. Ah, querida, eu sei que nosso dever não é fácil, mas as tarefas mais difíceis são dadas às pessoas mais fortes. Eu não posso ajudar nosso reino sozinha e por isso preciso de sua ajuda. Posso contar com você?
Ainda revoltada com a ideia do casamento arranjado, Catarina fez que sim com a cabeça. Afinal, sua mãe estava certa, esse era um fardo do qual ela infelizmente não podia fugir.
— Ótimo, amanhã vou pedir à costureira para começar um vestido novo. Agora descanse até a hora do jantar.
Em um gesto inédito, a rainha deu um beijo carinhoso na testa da filha antes de sair.
Coberta pelos lençóis, Catarina recordava a voz suave que havia escutado mais cedo. Era tão firme e serena ao mesmo tempo, como a de seu pai. Talvez fosse isso. Naquele momento de desespero, seu subconsciente a fez ouvir a voz de seu pai na forma de um quadro e ela achou que estivesse maluca. Era a única explicação.
De toda forma, a imagem daquele homem sedutor da figura ainda estava presa em sua mente, seus olhos verdes que pareciam esmeraldas, os cabelos negros como a noite que caíam sobre os ombros de forma angelical.
Tão jovem, tão atraente, tão diferente de todos que já a haviam visitado naquele maldito castelo… O que ela estava dizendo? Não era possível que tivesse se sentido atraída por uma pintura.
Durante o jantar, a jovem de cabelos morenos encarava a comida sem apetite. As falas do homem misterioso que a havia encantado ainda ecoavam em sua cabeça em repetição. Por mais que tentasse, não conseguia pensar em mais nada. Afinal, quem era aquele? Por que seu quadro estava naquele lugar? Eram tantas perguntas sem resposta.
— Catarina, você me escutou? — A voz da rainha arrancou à força a filha de seus pensamentos.
— Oi, mãe, me desculpe… — Ela deu uma garfada na carne à sua frente.
— Você parece distraída. O que aconteceu?
A jovem deu um longo suspiro enquanto um dilema pairava sobre sua mente. Se contasse o que acontecera, sua mãe acharia que estava maluca, mas se não tivesse respostas, aí ficaria maluca de verdade.
— Sabe o que é, mãe? Não sei se você ficou sabendo, mas os guardas me encontraram em um porão no meio da floresta.
— Sim, eu fiquei sabendo! — A rainha afirmou, mostrando estar atenta aos próximos passos da filha.
— Então, lá eu vi um quadro de um homem que parece ser um rei antigo, de cabelos pretos. Enfim, só fiquei curiosa.
Catarina engoliu seco enquanto já esperava a repreensão, mas para sua surpresa, a rainha respondeu:
— Ah, aquele porão é um depósito de coisas antigas. O quadro que você viu provavelmente é do rei Afonso de Monferrato.
— Afonso — ela relutou para si mesma. Era um lindo nome para um lindo homem.
— Ele veio visitar Artena quando era governante de seu reino, mas isso foi há séculos atrás. Na verdade, o pequeno país que ele governava, chamado Montemor, já nem existe mais, por isso aquele quadro nem tem mais importância. Não se preocupe.
A herdeira abriu um sorriso involuntário ao fazer uma constatação.
— Espera, se ele é deste reino antigo e veio nos visitar uma vez, não temos nenhum parentesco?
A rainha pensou.
— Não que eu saiba.
Catarina deu um suspiro de alívio para si mesma. Afinal, seria bizarro ter se sentido atraída por seu tataravô.
— Mas é apenas uma história antiga. Você tem coisas muito mais importantes em que se concentrar no momento.
Sua mãe bebericou o vinho em sua taça sem se alongar no assunto, o que não era surpresa. Afinal, tudo que Catarina realmente queria fazer sempre era menos importante ao seu olhar.
— Claro, você está certa. — A jovem forçou os lábios a formarem um sorriso torto.
Os cobertores cobriam os pés de Catarina enquanto ela encarava o teto escuro na tentativa de pegar no sono. Porém, seus olhos insistiam em permanecer abertos enquanto sua mente repassava a imagem do homem misterioso e belo que ela havia conhecido mais cedo e agora sabia o nome. Afonso, um rei antigo de um reino já extinto, ou seja, ele havia vivido anos atrás. Porém, quando escutou sua doce e sexy voz mais cedo, ele parecia mais vivo do que nunca. Sua mente só podia estar delirando. Afinal, não era possível que conseguisse falar com um quadro de séculos atrás, não era?
Mesmo assim, de alguma forma, aquele homem, aquela imagem parecia chamá-la. Era um chamado tão atraente que a herdeira de Artena não podia simplesmente ignorar. Mas era loucura. Bom, talvez não uma loucura maior do que aceitar se casar com um homem muito velho que ela havia acabado de conhecer, somente para conseguir um acordo comercial mais favorável.
Tendo essa ideia em mente, Catarina decidiu pela primeira vez fazer o que seu coração mandava. Colocou um hobby branco por cima da camisola rosada e, na ponta dos pés, atravessou os corredores escuros do castelo usando nada mais do que uma fraca lanterna.
Ela nunca havia estado no jardim durante a noite. O vento balançando as folhas das árvores fazia seu coração disparar e suas mãos tremerem, da mesma forma que acontecia com uma criança de quatro anos. Contudo, ela não deixaria o medo impedi-la. Afinal, sua vontade de ter pelo menos uma noite de liberdade era muito maior do que qualquer sentimento que coubesse em seu peito.
Lá estava ele, com o mesmo sorriso encantador, os mesmos cabelos negros brilhantes e os mesmos olhos de esmeralda.
— Oi, sou eu de novo. Eu posso estar maluca, mas você falou comigo mais cedo. Bom, eu vim te contar que agora já sei seu nome, Afonso, não é? Eu me chamo Catarina, sou a atual princesa do reino de Artena. Não sei se você já ouviu falar, mas que idiota, é claro que já ouviu, afinal esteve aqui. Enfim, se estiver me ouvindo, por favor, me responda e prove que não estou maluca.

A garota chegou mais perto a fim de escutar qualquer sussurro. Suas pernas bambearam com a ideia de ouvir aquela voz novamente. Minutos se passaram e… nada. Os ouvidos ansiosos de Catarina murcharam em decepção.
— Acho que eu me enganei, devo estar mesmo louca. Eu devia saber que um homem tão lindo e uma voz tão atraente era bom demais para estar no meu tempo… Bom, foi um prazer não te conhecer, é melhor eu voltar porque, do jeito que minha mãe está ansiosa com esse casamento, não duvido que ela apareça no meu quarto no meio da noite.
Todavia, quando Catarina estava prestes a colocar o pé para fora, finalmente escutou um sussurro.
— Eu posso não estar no seu tempo, mas de alguma forma eu consigo te ouvir. — Ela encarou o quadro. Como da primeira vez, a imagem permanecia estática, porém claramente era de onde vinha a voz. — O prazer é todo meu, Catarina! — Continuou — Diferente de você, que tem um quadro meu e pode ver o quanto eu sou bonito, segundo suas próprias palavras — brincou — eu não tenho um quadro com a sua imagem, por isso não sei como você é, mas através de um espelho aqui no meu escritório, consigo ouvir perfeitamente sua voz melodiosa, que só pode pertencer a uma mulher radiante!
Por sorte, Afonso não pôde ver suas bochechas cor de maçã por um elogio. Vários príncipes de outros reinos já haviam a cortejado, mas aquela simples frase, vinda de um homem com o qual estava se comunicando por um quadro, era a primeira a fazer seu corpo arrepiar.
— Mesmo?
— Sim.
— Eu não acredito, uau, tem tanta coisa que eu quero saber, mas primeiro, como é o seu reino?
Afonso soltou uma risada deliciosa.
— Por onde começar? Montemor pode ser pequeno, mas é perfeito. As pessoas andam de um lado para o outro alegres, tem muitas festividades, todos se ajudam…
Afonso falava de seu reino com a mesma paixão que seu pai falava de Artena. Dava para ver em poucas palavras o amor que o antigo rei tinha por seu povo, o mesmo amor que ela sentia no rei Augusto, mas que não via em sua mãe. Conversar com Afonso, mesmo que não visse seus lábios perfeitos se movimentarem, de certa forma, trazia um conforto estranho, como se estivesse protegida e tudo fosse dar certo. Era uma sensação maravilhosa que ela não sentia há muito tempo.
A jovem princesa escutou o antigo rei de Montemor falar sobre sua vida, enquanto também falava um pouco sobre si mesma. Diferentemente de quando ia nos eventos chatos que infelizmente fazem parte de sua agenda, o tempo passou em um piscar de olhos e ela só se deu conta que havia amanhecido quando viu uma brecha da luz do sol passar pela porta de madeira. Mesmo querendo ficar ali com Afonso, ela sabia que precisava voltar, por isso, com o coração doendo, se despediu do novo amigo de sorriso perfeito e saiu de volta à dura realidade…
Catarina encarava a janela com um sorriso no rosto enquanto sentia novamente a fita métrica sob sua cintura, mas dessa vez as mãos geladas da costureira não pareciam tão ruins. Na verdade, tudo parecia mais bonito, mais vivo, como se ela mesma tivesse encontrado um novo significado em sua própria existência. Enquanto sua mãe e a mulher de lábios grossos discutiam sobre como deveria ser a saia do vestido de noiva, ela se lembrava das gostosas gargalhadas da noite anterior. Pela primeira vez em muito tempo, ao lado de Afonso, ela se sentiu livre, pois não precisava medir suas palavras ou agir como uma dama perfeita. Naquela noite, ela não era a princesa de Artena, mas apenas Catarina, uma garota com sonhos e desejos, desejos esses tão recentes, mas que ela precisava e queria compreender.
— Catarina, está me ouvindo? — A voz da rainha fez a princesa sair de seu transe.
— Oi, mãe… quer dizer, majestade.
— Você está ainda mais distraída hoje, o que aconteceu?
A herdeira se deliciou com as lembranças que pretendia guardar para si mesma. Afinal, se contasse, sua mãe nunca iria acreditar.
— Ah, eu só estou feliz, sabe?
A rainha se aproximou e, em um raro gesto carinhoso, passou os dedos pelos fios castanhos da filha.
— Então nada de rasgar esse vestido hoje?
Catarina, sem olhar para a janela de forma abobada, se limitou a responder.
— Hoje não…
A jovem princesa andava pelas ruas da cidade cabisbaixa, seus inconfundíveis olhos cobertos por um óculos escuro e seus cabelos negros por um boné. Não havia sido fácil encontrar uma desculpa para escapar dos inúmeros afazeres que sua mãe havia agendado para a parte da tarde. Contudo, Catarina inventou uma indisposição, a desculpa perfeita para ficar trancada no quarto e sair de forma discreta por uma das passagens secretas do castelo, passagens estas com as quais ela já estava familiarizada desde a infância.
Catarina já havia escutado boatos sobre uma vidente que atendia pessoas no subúrbio da cidade. Relatos de seus feitos e previsões corretas haviam chegado aos ouvidos da família real. Sua mãe, como sempre, acreditava que tudo era bobagem. Já a jovem princesa seguia por essa linha de raciocínio, até começar a escutar a voz de Afonso.
Por mais que tentasse se inteirar da situação de seu povo, a herdeira era impedida pelas inúmeras normas ridículas de segurança por sua própria mãe. Esta, ao contrário do rei Augusto, acreditava que o lugar mais seguro era dentro do castelo. Dessa forma, a jovem princesa não estava muito familiarizada com a periferia da cidade. Porém, não estranhou quando viu inúmeras pessoas correndo de um lado para o outro, provavelmente atrasadas para o trabalho, e até mesmo alguns lugares sujos. Era algo do qual iria se encarregar quando assumisse o trono. Quer dizer, se seu marido permitisse. Esse pensamento embrulhava o estômago por inúmeros motivos.
Seus dedos trêmulos tocaram à porta enferrujada. Apenas alguns segundos depois, uma mulher de lábios avermelhados, brincos dourados e cabelos cobertos por um turbante a recebeu com um sorriso.
— Em que posso ajudar? — A vidente gesticulou de forma gentil.
— Eu preciso de uma informação sobre algo que estou vivendo.
— Ah, sim, minha querida, entre, por favor.
Catarina obedeceu e, com os ombros encolhidos, passou pela porta. Inúmeros artefatos de feitiçaria e o chão coberto por um tapete vermelho chamaram a atenção.
A vidente apontou para duas cadeiras e fez um gesto para que Catarina se sentasse em uma delas.
— Diga, em que posso ajudá-la? — A mulher mística cruzou as pernas.
Catarina deu um longo suspiro antes de começar.
— Bom, isso vai soar meio estranho, mas alguns dias atrás eu encontrei um quadro na minha casa. É uma pintura de um homem lindo, que viveu anos atrás, e eu quero dizer muitos anos mesmo, séculos. — Começou omitindo toda a parte relacionada à realeza.
— Entendi…
— É um homem muito bonito, eu fiquei encantada, mas a parte estranha é que ele conversou comigo. Quero dizer, respondeu a todas as minhas perguntas. No primeiro dia, eu achei que estivesse delirando, mas depois voltei até o local e… nós conversamos a noite inteira. — Ao se ouvir em voz alta, a princesa sentiu suas bochechas corarem, sentimento este que a fez pedir: — Por favor, não ache que eu sou maluca.
A vidente soltou uma risada.
— Imagina, querida, claro que não. Eu entendo de misticidade, acredito em você.
— Que bom. Enfim, o que eu quero saber é… como isso é possível? Quero dizer, eu olho para a imagem e só escuto a voz dele, mas não o vejo se mexer. Ele também disse que não consegue me ver.
A mulher mística pigarreou antes de começar a explicar de forma consciente.
— Sua situação não é incomum, já vi alguns casos… Me responda uma coisa, você sentiu uma conexão especial com esse homem, certo?
Era constrangedor falar sobre esse assunto, visto que não conversava sobre sentimentos nem com a própria mãe. Dessa forma, a jovem de cabelos negros se limitou a fazer que sim com a cabeça enquanto mais uma vez sentiu as bochechas arderem, fato que não passou despercebido pela vidente, que segurou as mãos da princesa de forma fraternal.
— Não há do que se envergonhar, querida. É o seguinte: todos nós temos uma alma gêmea, uma pessoa com a qual nos conectamos de imediato. Muitas pessoas têm a sorte de encontrar essa cara metade, mas em alguns casos, essas duas pobres almas nascem em tempos diferentes, como você mesma disse, séculos, e quando isso acontece, o universo dá um jeito de reuni-las através de alguns portais, no seu caso, o quadro.
— Então a senhora está dizendo que esse homem é o meu verdadeiro amor e, como nascemos em séculos diferentes, o universo deu um jeito de nos conectar?
— Senhora está no céu e é isso mesmo, querida!
Catarina sentiu seu coração disparar com a revelação. Ela nunca acreditou em amor à primeira vista, até porque desde a infância foi induzida por sua posição a ver o casamento apenas como um negócio, mesmo no fundo sabendo que era errado e desejando mais para sua própria vida.
Uma lágrima caiu em seu rosto ao se dar conta de que, mesmo prestes a se casar com um homem que não amava, o destino havia lhe apresentado seu verdadeiro amor, mesmo ele estando a séculos de distância.
Mais uma vez, Catarina passou parte da noite encarando o teto. Sua mente estava consumida pelas palavras da vidente. Era fato que ela realmente havia sentido uma conexão especial com Afonso desde o momento em que colocou os olhos no quadro, e essa conexão se tornou ainda mais forte quando escutou sua doce e hipnotizante voz pela primeira vez. Quando passou a noite inteira conversando com ele, então, aí teve certeza. Mesmo não o enxergando de fato, sabia que o antigo rei de Montemor era o homem mais charmoso, bondoso e incrível que ela já havia conhecido, homem este com o qual não importaria nem um pouco em trocar alianças.
Contudo, o fardo da realeza a condenava a passar o resto da vida com um homem bem mais velho, com o qual não havia sentido um pingo de intimidade. Porém, essa condenação não significava que a princesa não pudesse gozar da dádiva do universo e desfrutar de seu verdadeiro amor, mesmo que por um tempo. Com essa ideia em mente, ela se levantou e novamente se pôs a caminho do jardim onde sua alma gêmea do passado a esperava.
Catarina encarava a imagem de Afonso enquanto as palavras da vidente ainda ecoavam em sua mente. Aquele homem da imagem era sua alma gêmea, que infelizmente, por algum motivo ou pegadinha do universo, havia nascido e governado séculos antes.
Ainda assim, a ideia de ter alguém feito para ela fazia seu coração se encher de alegria, mesmo com as circunstâncias inesperadas. Apesar de sua felicidade, no entanto, a garota de cabelos negros não deixava de se questionar se o antigo rei de Montemor sentiria o mesmo. Tudo bem que haviam conversado bastante na noite anterior, mas havia questões que ainda permaneciam em mistério. Por exemplo, ele mesmo havia revelado entender a dor de ter um casamento arranjado. Isso provavelmente significava que o charmoso rei tinha uma esposa. A visão fazia uma sensação estranha subir pela garganta de Catarina, ao mesmo tempo que a herdeira do reino de Artena não conseguia deixar de indagar se ele era tão infeliz em seu casamento quanto ela própria estava condenada a ser com o rei Otávio.
— Eu posso fazer uma pergunta que pode soar um pouco pessoal e até estranha? — A voz de Catarina saiu de forma tímida.
— Claro que pode! — A voz suave do rei charmoso deu permissão.
— Certo… lá vai: você acredita em amor à primeira vista? Quer dizer, você já se apaixonou? — As palavras soaram estranhas ao saírem de sua boca. Afonso, no entanto, não se intimidou.
— Bom, como você, eu cresci na realeza, então também sempre esperei um casamento arranjado, sabe? Meus pais, quando cheguei na idade, começaram uma seleção das princesas do reino e acabaram escolhendo a minha esposa dessa forma.
Catarina sentiu um nó fechar a garganta diante da confirmação de seu maior medo.
— Ah é, você é casado, eu devia ter imaginado… — Ela disfarçou a decepção na voz enquanto agradecia o fato de Afonso não poder ver sua face murcha. — Como ela é?
O rei charmoso deu um longo suspiro antes de revelar:
— Amália é bonita, inteligente, uma ótima rainha. Eu realmente tenho respeito e apreço por ela. Me esforço para oferecer as melhores condições, as melhores joias, o meu carinho. Contudo, a única coisa que nunca pude oferecer é meu amor verdadeiro, então, respondendo à sua pergunta, eu nunca me apaixonei.
A afirmação veio como um alento de alívio e esperança no coração de Catarina, porém ela precisava manter os pés no chão, afinal, isso não significava que ele estivesse interessado nela.
— Eu entendo, quer dizer, como você sabe, estou prestes a me casar com um homem bem mais velho, a fim de formar uma aliança para resolver uma questão prejudicial ao seu reino. Não que o rei Otávio tenha feito algo de mal, ele foi até educado, mas sabe como é…
— Eu fico muito triste em saber que mesmo depois de séculos as mulheres ainda são submetidas a esse tipo de situação…
Catarina abriu um enorme sorriso. Era impressionante como se sentia muito mais acolhida por um homem que estava a séculos de distância do que pela sua própria mãe.
— Finalmente alguém que entende. Quer dizer, claro que agora as mulheres têm liberdade e podem escolher seus maridos, mas principalmente na realeza a situação ainda é essa.
— Eu sinto muito, Catarina, ainda mais porque uma mulher linda como você deve atrair a atenção de vários pretendentes… — Afonso comentou, fazendo os pelos dos braços da princesa se arrepiarem por inteiro.
— Como pode saber que eu sou bonita se não pode me ver?
— Em primeiro lugar, como eu disse na primeira vez que conversamos, a sua voz é como uma melodia calmante para os ouvidos. Em segundo, não estou falando só de beleza física. A sua graciosidade, os seus pensamentos, são lindos. Em duas conversas eu já pude perceber.
Os olhos de Catarina brilharam. Era a primeira vez que alguém enxergava como ela realmente era, não o vestido que estava usando, a coroa. Receber um elogio que não fosse sobre sua aparência era um sonho que parecia impossível.
— Mas falando sobre beleza física, isso até pode ser meio constrangedor. Não que seja importante para mim, mas admito que me peguei imaginando como você é.
Catarina cruzou os braços, interessada.
— Agora fiquei curiosa, como você imagina?
— Bem alta, de pele morena, com longos cabelos negros e olhos lindos. Não apenas porque são grandes e brilham toda vez que você sorri, mas pela sua graciosidade…
Durante os segundos seguintes, a jovem princesa encarou o quadro hipnotizada pelas palavras de Afonso. Conversar com ele era, sem dúvidas, o melhor momento de seu dia. Mas naquele momento, suas mãos tremiam com a precisão com a qual ele a havia descrito.
— Se eu estiver muito errado, por favor, me perdoe…
As desculpas envergonhadas de Afonso a trouxeram de volta à realidade.
— Não, imagina. Quer dizer, eu ia ter gostado de ouvir mesmo que estivesse descrito de forma totalmente diferente, mas você acertou em cheio!
A risada deliciosa de Afonso invadiu seus ouvidos.
Deitada na cama, Catarina ainda se derretia pelas palavras do rei charmoso. Como ele podia tê-la descrito de forma tão exata? As palavras da vidente, como um disco arranhado, voltaram a seus pensamentos. Talvez fosse algo de almas gêmeas. Afonso ainda não sabia, mas eles estavam destinados a se encontrarem, mesmo que o tempo os tivesse tentado separar. Em meio aos lençóis, ela se pegava imaginando como seria acariciar aqueles cabelos negros compridos, ou qual seria a sensação de olhar no fundo daqueles olhos de esmeralda bem de perto. Seria o toque de Afonso tão suave quanto sua voz? Ela daria tudo para saber, mas seu coração doeu quando sua mente fez o favor de lembrar que esses desejos nunca seriam realizados…
Os dias seguintes foram preenchidos com os inúmeros preparativos para o casamento. Catarina os encarava de forma automática, forçava um sorriso e concordava com tudo que sua mãe sugeria. Afinal, não era como se tivesse mesmo muita escolha, já que sua mãe sempre dava um jeito de conseguir o que queria.
No entanto, ela olhava para o relógio, contando as horas até o momento em que todos estivessem dormindo e ela pudesse ir se encontrar com Afonso.
As conversas tornaram-se ainda mais interessantes, as risadas mais frequentes e os dois estavam cada vez mais próximos. Compartilhavam confidências sobre seus povos, medos, sonhos. Afonso relatava costumes de sua época enquanto Catarina, de forma cautelosa, contava a Afonso fatos interessantes sobre o presente e ouvia sua voz empolgada do outro lado.
Porém, ao mesmo tempo em que as conversas com Afonso eram revigorantes e muito prazerosas, estava cada vez mais difícil para a princesa de pele morena se contentar em apenas ouvir sua voz.
Ela queria senti-lo, tocar seu lindo rosto, principalmente sentir o gosto de seus lábios. Não havia mais dúvidas, Catarina tinha se apaixonado. A cada noite, ela se encantava cada vez mais pelas ideias, pela voz e pelo coração do rei de Montemor e cada vez mais estava certa de que ele era sua alma gêmea.
Contudo, ao mesmo tempo em que desfrutava desse amor impossível, o dia de sua condenação, isto é, o casamento com o rei Otávio, se aproximava… A herdeira tentava não pensar nisso e aproveitar a cada instante ao lado de Afonso. Mas tudo mudou quando, alguns dias antes do casamento, o próprio rei de Montemor declarou:
— Catarina, eu sei que é loucura, mas eu te amo, como nunca amei ninguém. Eu não suporto mais a ideia de não poder te tocar, eu quero te sentir, te ver.
— Eu sinto o mesmo, eu também, até mesmo já tentei tocar no outro várias vezes.
— Bom, quem sabe agora?
A jovem se aproximou enquanto Afonso fazia o mesmo, ambos esticando os dedos, mas sem sucesso.
— Deve ter um jeito. — O rei charmoso declarou.
— Sim, eu sei que tem! Sei que você não pode vir viver comigo por causa do seu reino. Então, já decidi, eu vou até você. Sei que tem a sua esposa, mas eu não me importo. Afinal, nada aqui é para mim, além desse maldito casamento arranjado. Só não aguento mais ficar longe da minha alma gêmea.
Mesmo em meio ao desespero, Catarina sabia bem quem poderia ajudá-la novamente. Tomara que sua mãe acreditasse em um mal-estar pré-casamento, pois era hora de escapar mais uma vez.
— Aqui está, querida. Se você jogar esse spray no quadro, isso vai fazer o portal aumentar e será possível passar por ele durante alguns segundos. Mas eu tenho que te alertar, ele só funciona uma vez, isso significa que não haverá volta. Tem certeza de que é isso que você quer? — A vidente advertiu enquanto entregava uma garrafa nas mãos finas de Catarina.
— Eu nunca estive tão certa em toda a minha vida! — A princesa afirmou, não deixando transparecer um pingo de dúvidas. Afinal, se ficasse, no dia seguinte estaria trocando alianças com o rei Otávio e condenando a si mesma a uma vida de aparências e sem amor.
— Se é assim, só posso desejar boa sorte!
— Muito obrigada por tudo.
Mesmo cansados, os pés de Catarina obedeceram à mente da garota e deram seu máximo na volta para o castelo. A porta de madeira já era familiar à herdeira do trono, que entrou no local com um sorriso no rosto.
— Sei que você não pode me ver, mas eu tenho a solução para os nossos problemas! Daqui a pouco estaremos juntos, meu amor! — Ela segurava o spray de forma firme enquanto acariciava a imagem com a outra mão.
— Nem parece real, eu mal posso esperar para te ter aqui comigo.
A resposta de Afonso foi o suficiente para deixá-la ainda mais ansiosa. Contudo, quando estava prestes a usar o spray, uma batida na porta a interrompeu.
— Catarina, eu sei que você está aí! Alguns criados te viram entrando nesse lugar imundo. — A voz familiar de sua mãe soava firme.
A princesa suspirou antes de voltar para a entrada e responder.
— É neste lugar que está o meu amor! Quer dizer, não exatamente nesse lugar, mas agora mesmo estarei com ele. Eu cansei dessa vida de compromissos reais, de sempre ter que abaixar a cabeça.
— Minha filha, você tem os seus compromissos. O casamento com o rei Otávio é amanhã. Oh céus. Mas ele irá entender, posso inventar que teve uma indisposição e te levar a um médico para curar essa loucura.
— Não, mãe, não se preocupe. Eu nunca estive tão sã, e que se dane esse casamento maldito com o rei Otávio. Você que resolva os problemas com a Lastrilha. Porque eu não vou aceitar esse destino. Eu não espero que uma pessoa tão controladora entenda. De todo jeito, não importa, até porque nunca mais iremos nos ver.
As batidas ficaram cada vez mais fortes enquanto a rainha aumentava o tom de voz até suas ordens se tornarem gritos.
— Catarina, abra essa porta agora mesmo, senão eu vou chamar os guardas para arrombar! — Ameaçou a rainha, ainda batendo na porta trancada de forma feroz.
— Pode tentar, mas eu vou ser livre! — Declarou antes de usar o spray no quadro e esticar suas mãos, à espera de encontrar sua alma gêmea, sua felicidade, mas principalmente de se ver livre daquela prisão e de todas as feridas reais que aquela vida a haviam causado.


Fim



Nota da autora: Oi pessoal, essa é uma ideia que vem rondando a minha mente há algum tempo e neste especial vi a chance de finalmente colocá-la no papel.
Espero que gostem do resultado tanto quanto eu!
Beijos, Kelsea!

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