Última atualização:08/05/2020

Capítulo 1

If you... If you could return?


Seis meses tinham se passado desde que ele saiu pela porta com sua mala, e não mais voltou. Três meses foi o tempo que levou para que entendesse que o pai não voltaria para casa. Dois meses foi o que ele precisou para colocá-la em meu lugar.
Denise me telefonou várias vezes, embora a ideia do divórcio fosse contra seus princípios moralistas, ela tentou me apoiar e convencer a voltar atrás. Mas, não foi uma decisão minha. Foi um cansaço nosso. Foi o extremo de anos com o copo gotejando. Uma hora, não dá mais. E quando eu vi a foto de Priyanka deitada ao lado dele naquela cama, no que deveria ser uma viagem de negócios, eu estava exausta. Eu estava tão exausta de tudo!
Pode ser que Nicholas não me dera motivos. Pode ser que eu tenha exagerado nas 99 vezes que o acusei. Mas, naquela única fotografia havia toda a razão para eu surtar outras 99. Eu não havia de fato o acusado 99 vezes, mas... Foram muitas, declaradas. As acusações não declaradas, os surtos mentais que eu sofri em silêncio, estes se não chegaram a tal número foram até superiores.
Minha mãe passou um mês em minha casa. Eu não tinha forças para seguir em frente, nem mesmo por , minha menininha de três anos. O divórcio é como um luto por alguém que se foi. Realmente, literalmente, é uma morte. Uma perda. O fim, onde só restarão as memórias. As minhas memórias com Nicholas haviam sido turbulentas.
Quando nos conhecemos e nos envolvemos, numa situação casual de dois estranhos se conhecendo, jamais pensei que chegaria onde estou. Eu, uma mulher simples. Apenas uma microempresária, cujo pequeno bistrô não chegara a três estrelas. Ele, um cantor internacional.
Eu estava há dois anos nos Estados Unidos com um negócio recém-aberto. Francesa e formada na Le Cordon Bleu, aventuras eram a meta que eu buscava. E não sei por que naquela época, eu julgava que não as encontraria na França. Talvez, porque a grama do vizinho é sempre a mais verde. Era mais um dia ameno de poucos clientes, porém fiéis. A caneta no canto da minha boca, com a ponta já estragada era sinal de um mau hábito que eu tinha quando estava estudando. Alex estava atendendo as mesas, e eu concentrada nas anotações de uma nova receita. Quando ele interrompeu-me dizendo que “um famoso entrou no restaurante”, eu imediatamente pulei da cadeira e corri para a cozinha. Vesti meu avental, me ajeitei e caminhei até a mesa para receber Nicholas Jonas.
Ele não deu importância à chef presente, mas não foi mal educado em momento nenhum. Estava acompanhado com outras pessoas, das quais eu só saberia mais tarde, serem companheiros de trabalho. Fez os pedidos e a partir dali, sua figura era visita constante em meu bistrô. Assim, nos envolvemos pouco a pouco.
Na época, ele estava noivo de Priyanka Chopra. Ele estava cansado de ser Nicholas Jonas, embora amasse seu trabalho. Ele estava no auge e na corda bamba. No auge da carreira. No auge da mídia. No auge da popularidade. Lembro-me de Priyanka entrar ao bistrô num dia, em que eu e ele apenas conversávamos enquanto ele aguardava o seu pedido, e a mulher fora extremamente simpática comigo. Então eu saí dali, deixando-os a sós e olhei discretamente para os dois antes de entrar à cozinha. Ele me encarava.
Eu sabia que algo estava estranho no meu coração, e sabia que algo estava estranho entre eles. Nicholas estava no auge de muitas mulheres também, e os rumores constantes vieram após o fim do noivado. Meu coração doía, porque aquele não era um cara comum. E eu era uma mulher comum que não saberia lidar com nada daquilo. Nicholas Jonas estava na corda bamba do amor, na corda bamba das certezas de sua vida, na corda bamba da mídia e tudo em sua vida era muito. Era intenso.
Então decidi que precisava ter o foco total no meu negócio. Afinal, eu estava ali para aventuras. Passei três semanas imersas no restaurante, dormindo entre o balcão de atendimento e as mesas, madrugadas a fio estruturando receitas e cardápios. Eu precisava de algumas estrelas a mais. Alex, meu braço direito ali, deu-me todo o apoio. No dia em que os críticos da gastronomia vieram avaliar o cardápio, a fim de emitirem uma nota nas colunas sociais – que poderiam enaltecer ou destruir meu bistrô –, Nicholas Jonas entrou pela porta do restaurante. Não me deixei abalar por sua presença.
Ele não surgia há algum tempo e eu não sabia o resultado da crítica logo que os críticos saíram do restaurante, me possibilitando respirar, mas estava satisfeita com meu trabalho. Nicholas e eu conversamos. Ele me desejou sorte, e eu o aconselhei quanto a algumas dificuldades que passava. Deveria ter parado ali.
Quando o resultado da crítica saiu foi o meu sonho. As minhas três estrelas vieram daquele dia. Eu estava no hall das colunas gastronômicas. E Nicholas deu um apoio depois daquilo recomendando o lugar em pequenas entrevistas. Foi o suficiente para especulações maldosas de nosso relacionamento – até então inexistente – surgirem e colocarem minhas estrelas quase na berlinda. Ele se afastou. Mas não foi suficiente.
Na França, a morte precoce de meu padrasto caiu, como uma bomba em minha cabeça. Eu tinha ao meu pai, ao qual eu amava muito e tinha uma excelente relação, mas o meu padrasto também esteve comigo nos momentos em que eu mais precisei, uma vez que nós morávamos com ele e minha mãe. Com seu falecimento, eu fechei o restaurante no meu auge. Eu estava no auge da gastronomia, no auge da carreira, no auge da realização. E de repente me vi na corda bamba da vida. Viajei para a França, e por lá permaneci dois meses. Alex insistiu para que eu não desistisse, insistiu para que eu retornasse. Encarreguei-o de reabrir o bistrô, eu ainda não queria voltar. Mas, uma hora eu voltei.
E quando voltei, Nicholas me esperava. Demonstrou ali que estava envolvido por mim, mas que sabia que não poderia ser suficiente para mim. Turnês marcadas, premiações, campanhas... Eu lhe disse para partir tranquilo, afinal, eu também estava me reestruturando. Deveria tê-lo dispensado, mas na verdade deixei a porta aberta. Eu já estava tolamente envolvida com a fantasia que era o Jonas na minha mente
. A família dele passou a frequentar o restaurante. Passaram a me conhecer. Passaram a fazer parte de uma rotina. E eu também.
O que não sabíamos era que o namoro conturbado por fofocas, sonhos divergentes, ciúmes, incompatibilidade de agendas, e uma fase terrível de estrelismo do Jonas, já deveriam ser prenúncio suficientes para pararmos. Mas, eu estava completa e perdidamente apaixonada por ele. E ele, se dizia apaixonado por mim, o que não fez possível que alguém com o mínimo de lucidez e sensatez, rompesse com o mal pela raiz.
Seis meses tinham se passado desde que ele saiu pela porta com sua mala, e não mais voltou. No trigésimo dia daquele semestre, as fotos estavam encaixotadas. Nenhum porta-retratos. sorria como se estivesse acostumada àquela rotina nova. Eu não chorava, e também não sorria. Apenas reagia. Era necessário. Eu estava tentando recomeçar.

— Bom dia Denise. – cumprimentei minha ex-sogra que aguardava na porta da minha casa.
— Como está, ?

Ela perguntou tomando em seu colo.

— Bem, e você?
— Igualmente. Tem certeza que não deseja vir conosco?
— Eu agradeço, mas eventos familiares não mais me cabem.
— Por você precisa ser mais flexível, querida.
— É o aniversário de Frankie, e não o de . Mande meus cumprimentos ao caçula.

Denise assentiu em silêncio, e eu direcionei-me à minha filha. Beijei-a e a abracei. As duas seguiram para o carro de Denise, e eu para minha garagem.
A parte da manhã era tão movimentada quanto à noite. Tiffany se encontrava no anexo do salão fechado, o limpava e distribuía bem as mesas. Alex organizava as reservas na recepção. Os poucos clientes na parte do café estavam sorrindo alegres, enquanto eram atendidos. Eu adorava entrar no meu bistrô, naqueles momentos. A vida corrida lá fora também corria lá dentro, mas de um modo tão aconchegante que desacelerava o tempo, me fazia ter uma percepção de poucos ou nulos problemas.
Respirei fundo deixando a desanimada para fora do restaurante e entrei distribuindo cumprimentos animados e atenciosos aos clientes e funcionários. Deixei minha bolsa em meu pequeno escritório, e já fui colocando o avental em seguida caminhando rápida à cozinha. O burburinho dos meus chefs auxiliares e o tilintar das panelas me contagiavam.

— Bom dia chef!
— Bom dia cozinheiros! Como tudo está? – perguntei indo de panela em panela, de mãos em mãos.
— Tudo em ordem, as anchovas frescas chegaram mais cedo esta manhã e pedi para o fornecedor tentar manter o horário, pois nos adiantou muito o serviço, chef.
— Excelente Jackson! Depois eu reforçarei o pedido.

Minhas mãos erguiam as mangas de meu uniforme, quando Alex apareceu na porta da cozinha.

antes de sujar as mãos magnificamente, eu preciso avisá-la que os franqueadores esperam-na.
— Oh céus, eles realmente vieram?

Reclamei e as risadas na cozinha e a face entediada de Alex, me fizeram resolver aquele assunto de uma vez por todas.
Uma empresa de cafés da manhã queria fornecer-me equipamentos e estruturas a fim de tornar o meu café uma franquia deles. Eu já havia dito que não havia interesse em terceirizar uma parcela dos meus serviços. Aquilo era inadmissível! Além de roubar a personalidade, iria contra a missão do meu negócio.
As pessoas enxergavam meu restaurante, com menos valor do que suas estrelas apontavam, e tudo devido aos escândalos com o nome Jonas no passado. Tudo por que eu não me dediquei suficientemente em transformar o bistrô em algo para a alta elite. Eu não queria que ele fosse contaminado por rótulos, ou excludente por ser frequentado por públicos famosos, ricos e apenas isso.
No De La’ todos eram público. Um espaço para aqueles que quisessem desfrutar de boa culinária e bons momentos. Infelizmente, para as franquias em sua maioria, o bistrô tinha um potencial por ter meu nome vinculado ao Nicholas e as minhas três – mas potenciais – estrelas. E para mim, as franquias eram as sanguessugas no meu negócio.
Assim que os dispensei retornei à cozinha. Encarei todos que pararam curiosos para me observar, em busca de uma reposta sobre aquilo. Ergui minhas mãos à frente de todos que estavam atentos, e bati uma na outra como se as limpasse. As gargalhadas e expressões de obviedade e alívio se fizeram presentes. Balancei a cabeça de um lado ao outro, negativa, e sorri. Logo estava com meu avental sujo, e as mangas do uniforme limpas, como uma chef que se preze.


Capítulo 2

“Don't let it burn. Don't let it fade.”


Minhas costas queimavam. Havia sido um dia cheio, e uma noite movimentada no restaurante, graças a Deus. Desprendi meu cabelo do coque preso por uma caneta. Quem me visse naquele momento, me julgaria como uma garçonete exausta ao invés de chef, embora ambos trabalhem exaustivamente. Telefonei para Antoine enquanto pegava minha bolsa no escritório, e ele atendeu quando eu fechava o bistrô.

— Hey! Está em casa? – perguntei.
— Ah! Desculpe ! Eu me esqueci completamente!

Revirei os olhos e joguei a cabeça para trás, ainda parada na porta do meu estabelecimento já fechado.

— Tudo bem, Antoine. Nicholas te ligou?
— Não. Se tivesse feito eu não teria me esquecido de buscar a .
— Certo, nos falamos depois irmão. Vou resolver isso.

Ele despediu-se e eu me apressei ao meu carro. Antoine havia dito que poderia buscar no apart-hotel em que Nicholas estaria hospedado após a festa da família, no entanto, aquele incômodo seria inevitável. Mandei uma mensagem ao pai de minha filha antes de dar partida no carro. Dirigia tranquila, mas ágil, quando a chamada de Nicholas no visor me preocupou e rapidamente atendi:

— Olá, estou dirigindo. Não se preocupe, eu estou a caminho do hotel. Ela está dormindo?
— Boa noite . Tudo bem? – ele perguntou calmo.

Eu detestava quando Nicholas era educado comigo apenas para me irritar como estava fazendo.

— Me desculpe, mas Antoine teve um imprevisto. Só soube agora que saí do bistrô.
— Tudo bem, eu estranhei a demora dele e como sei que você não permitiria minha filha dormir comigo sem um planejamento prévio, eu a trouxe à sua casa. Ela está dormindo. – falou como sempre, alfinetando a minha postura rígida quanto a assuntos referentes à .
— Certo, eu não me demoro.
! Venha com cuidado, não precisa correr. Se não se importar... – ele parou de falar ponderando algo.
— Nicholas eu estou dirigindo, seria ótimo evitar ocupar-me muito na linha, então, por favor, seja breve.
— É que eu ainda tenho a chave. – disse sem rodeios.
— Então entre, coloque-a na cama dela e me espere chegar, por favor.

Desliguei a chamada rapidamente. Minha mente tentava imaginar os motivos pelos quais ele ainda tinha a minha chave. Eu claramente não a pedi de volta, pois o contato entre nós era mínimo. E desde que o divórcio saiu e Nicholas abriu mão da nossa casa para que eu vivesse com , acreditava que aquilo não era o tipo de coisa que ele ainda teria.
Minha cabeça ameaçava doer. Dei seta ao identificar o retorno na estrada e me apressei para chegar logo em casa. O perfume de Nicholas Jonas naquela casa de novo era algo que eu não conseguiria lidar após começar a me recuperar.
Abri o portão automático da garagem e estacionei. Ele surgiu na porta de entrada com os braços cruzados e vê-lo ali na soleira daquele modo... Era como uma visão do passado. Só faltava o sorriso. Não o encarei para evitar lembranças a mais.
Abri a porta traseira do carro, e retirei a caixa com as sobras de verduras, e alguns legumes. Esporadicamente eu trazia alguns proveitos para casa. No restaurante reaproveitamos tudo, até as cascas. E o que fabricávamos disto, era doado para instituições, para os funcionários que quisessem levar, e para a minha casa.
Nicholas caminhou até mim sem que eu percebesse e tirou a caixa de minha mão, sorrindo educado. O cumprimentei com “boa noite” sem sorrir, e agradeci a ajuda. Bati a porta do carro trancando-o e me afastando. Nicholas seguiu-me para dentro. Joguei minha bolsa no sofá e retirei minha jaqueta. Deixei a jaqueta no sofá, enquanto Nicholas entrava.

— Ponha a caixa na cozinha, por favor.

Retirei meus sapatos deixando-os jogados perto do sofá também. Nicholas encarava-me apoiado no balcão da cozinha americana. Assim que senti meus pés no chão, levei as mãos aos cabelos, aliviada os sacudindo.

— Você está mais magra. – ele disse cortando o silêncio.

Olhei-o de lado, desconfiada. Minha blusa era curta. Era uma blusa antiga do Ramones, de quando eu ainda era adolescente. Era uma blusa que Nicholas adorava. Pigarreei e disse mudando de assunto:

— Vou ver a e já volto.

Caminhei até o quarto e a pequena criança dormia angelical, mal sabia que os pais estavam novamente, após tanto tempo, sob o mesmo teto.
Beijei a testa de minha filha e acariciei seus cabelos agachada à sua cama. Quando levantei para sair, Nicholas nos olhava da porta do quarto. Desviei-me de seu olhar que percorreu meu corpo parando na blusa. Eu estava mais magra, realmente. Não tive fome por três meses. Passei por ele na porta, que mal fez questão de se afastar para me dar passagem.
De volta à sala, Nicholas sentou-se no sofá e eu o encarei descontente. Eu estava cansada, e não acreditava que ele ficaria ali fazendo aquele tipo de jogo, como se fossemos amigos.

— Desculpe o incômodo em trazê-la. – falei sentando-me relaxada no sofá.
— Ela é minha filha. Não é um incômodo, não se preocupe.

Suspirei cansada. Não estava com forças para iniciar uma discussão com ele.

— Por que não foi ao aniversário de Frankie?
— Por que deveria ir? – respondi.
— Não precisa cortar os laços com a minha família.
— Não cortei. E eles sabem disso. Apenas não sou obrigada a frequentar eventos familiares em que não me sinta confortável.

Um silêncio incômodo se pôs, e eu aproveitei para me afastar. Fui à cozinha guardar os alimentos que havia trazido. Nicholas se pôs de pé observando em volta.

— Você... Está bem?
— Não pareço bem? – perguntei diretamente.
— Está mais magra. – ele repetiu pela segunda vez aquela noite.
— Me desculpe se não me entupi de chocolates e me tornei gorda o suficiente para deixar de ser atraente.
— Você nunca deixará de ser atraente, .

Fechei a porta da geladeira bebendo meu copo de água e ao ouvi-lo bati o copo sobre a pia.

— O que está tentando fazer Nicholas?
— Estou apenas tentando conversar.
— Não tente. Nossos assuntos dizem respeito à , apenas.
— Me preocupo com você. É meu dever de pai também, já que ela mora com a mãe.

Bufei numa risada sarcástica.

— Estou ótima, Nicholas. Não pense que vou falhar com minha filha.
. Não precisa ser assim. Tivemos uma história que deve ser respeitada, não seja tão dura, ok?
— Não venha me falar de respeito... Francamente! O que você quer afinal? Que sejamos grandes amigos depois de tudo?
— Quero apenas que nos demos bem, por .
— Eu considero que estamos nos dando bem demais. Não temos que conviver um com o outro para isso.
— Certo... Bem, se cuide .

Ele encaminhou-se à saída sem muita demora, mas rapidamente voltou lembrando-se de me devolver a cópia da chave. Eu estava perto da porta, para trancá-la e ele pegou minha mão e depositou a chave na minha palma dizendo apenas uma frase:

— A decoração era melhor com os porta-retratos.

Tive vontade de batê-lo. O que ele pretendia? De que adiantam as fotografias espalhadas, deixando rastros de lembranças se aquelas imagens mentiam?

“I'm sure, I'm not being rude, but it's just your atitude. It's tearing me apart, it's ruining everything”.


Eram três e vinte da madrugada, quando eu liguei para Antoine, alarmada. estava gemendo de dor e apresentava palidez. Eu tocava a barriguinha dela e ela chorava ainda mais, a dor parecia ser tanta que minha filha não conseguia parar de chorar. Em desespero liguei para Antoine que se dispôs a nos levar ao hospital, mas eu já estava preparando tudo para ir o mais rápido possível. Só pedi que ele me encontrasse lá. Na emergência, vazia, o médico avaliavam que ainda chorava. Antoine nos aguardava do lado de fora do quarto.
Quando saímos do quarto para conversar o médico e eu, deixamos medicada e sonolenta sendo acompanhada pela enfermeira infantil. Antoine se aproximou preocupado me abraçando, e atento ao que o médico iria dizer.

— Você é o pai dela? – perguntou ao meu irmão, ao qual ele não havia conhecido ainda.

Iríamos responder, mas a voz de Nicholas atrás de nós me fez congelar.

— Não. Eu que sou.

Ele se aproximou estendendo a mão em cumprimento para o médico, e eu encarei Antoine com uma expressão confusa.

— Obrigada por me ligar, . – ele disse ao meu irmão e me olhou preocupado: — Como ela está?
— Agora está medicada e o Dr. já ia nos explicar o que aconteceu.
— Desculpe, mas... Não era o Dr. Hunter o pediatra dela? – Nicholas perguntou incisivo para o médico como se ele tivesse alguma culpa.
— Há mais de três meses o Dr. Hunter se aposentou Nicholas. vem cuidando de desde então.

Era inacreditável a postura do Jonas. No entanto, toda vez que ficava nervoso, Nicholas era impulsivo. Desculpei-me discretamente com o médico que me olhava com paciência e compreensão.

— Acho que você quis dizer Dr. , não é ? – Nicholas perguntou diretamente para mim, de forma julgadora.
— Não. Eu disse , que é o nome do médico que cuida da nossa filha há mais de três meses.

Minha resposta foi suficiente para fazer Nicholas sentir que passou dos limites. Antoine e eu não entendíamos nada, e apenas ajeitou o jaleco concentrando-se em nos dar as notícias:

— É um prazer, finalmente conhecê-lo senhor Jonas. A falou muito de você em todas as últimas consultas.

Nicholas confirmou num aceno de cabeça e estava envergonhado por sua postura. Pude notar pela maneira como seu olhar era reto e o sorriso falso. Eu sorri discreta. Não havia um movimento de Nicholas que eu não conhecesse, nem um pensamento que eu não adivinhasse. Certamente ele estaria murmurando em sua cabeça “desnecessário Nicholas”, como dizia todas as vezes que se pegava cometendo uma atitude, realmente, desnecessária.

— Bem, eu preciso explicar algumas questões mais complexas a vocês, por isso, eu gostaria que me acompanhassem ao meu consultório. – falou me olhando como se esperasse resposta.
— Antoine, pode fazer companhia à enquanto nós conversamos com o Dr. ?

Perguntei e meu irmão prontamente afirmou me abraçando e indo para o quarto da pequena. Acompanhei o médico que se pôs a caminhar na frente, e Nicholas veio em seguida nos observando. Assim que ele notou que o médico já me dizia algumas coisas, ele apressou os passos chegando ao meu lado.

— Então pode ser isso? – perguntei ao médico no momento que Nicholas se aproximou.
— Pode . Mas, eu vou explicar melhor para vocês.

Suspirei e entrei no consultório sendo seguida por Nicholas. Sentamo-nos nas cadeiras frente à mesa, e sentou-se também em sua cadeira. Retirou o estetoscópio do pescoço o pousando na mesa, e relaxou ao nos falar:

— Como você me informou no mês passado, a tem histórico de diabetes na família, e conforme os últimos exames, nós estávamos atentos a esta possibilidade.
— O quê? Eu não entendo. – Nick perguntou diretamente a mim.
— O último exame de rotina da , demonstrou que ela estivesse numa possível “pré-diabetes” Nicholas, por isso o Dr. e eu temos nos atentado aos sintomas. Entramos com uma dieta mais específica e os cuidados necessários, mas a chance de desenvolver a doença, você sabe...
— Pode me explicar por que eu não soube disso ? – me encarou arrogante.
— Onde você estava no último mês?
— Eu estava em turnê, mas isso significa que você possa esconder de mim este tipo de coisa?
— Eu não escondi nada, controle-se. Eu conversei com os seus pais, e eles pediram para eu não lhe falar até você retornar. Afinal, você não poderia fazer nada e nós não tínhamos um diagnóstico concreto. Porém, na casa da sua família, todos estavam cientes e colaborando no tratamento preventivo. Foi a sua mãe que me deu maior apoio inclusive, já que ela passou pela mesma situação com você.

Minha fala calma e consciente fez com que, Nicholas mais uma vez, percebesse o momento errado de lavar a roupa suja. No fundo, todos nós pensamos em não prejudicá-lo e cuidar da melhor forma de .

— Nicholas. – o médico o chamou o fazendo parar de me encarar: — A está desenvolvendo insuficiência pancreática, ainda no início e nós vamos continuar o tratamento, ok, ? Eu já pedi novos exames e vou reavaliar os resultados para ver se nós tivemos alguma melhora, ou se de fato é um caso progressivo à Diabetes tipo um.
— Não acredito. – Nicholas falou arrasado.

Naquele momento eu o encarei com um zelo que há muito eu não tinha. Ponderei antes de levar a mão ao seu ombro, mas o fiz e recebi um olhar confuso de volta. O Dr. continuou falando.

— Não é algo grave, mas também não deve ser ignorado. Você deve saber como é, a me contou que você tem diabetes tipo um. O que faremos agora é garantir a boa nutrição de como temos feito, porque a falta de algumas vitaminas e o mau funcionamento do pâncreas pode comprometer a saúde de uma forma geral. É importante também, pais, que vocês comecem a estimular a aos hábitos ativos de vida, que ela se movimente e faça algum exercício físico frequente. No geral, , não vai mudar muita coisa. Continuaremos com os horários de alimentação, e caso haja a necessidade de acordo com o resultado dos novos exames, eu irei prescrever a reposição de algumas enzimas.
... – falei diretamente me aproximando mais da mesa: — Me diz, na maneira como ela está... Eu devo começar a me preocupar que a diabetes vai ser inevitável ou ainda podemos reverter isso?

Nicholas que me encarava desde a hora que o soltei e me aproximei da mesa do médico para fazer aquela pergunta, sacudiu levemente a cabeça e prestou atenção ao que seria dito.

— Como eu disse, só diante os novos resultados eu saberei se ela está num quadro reversível da insuficiência, ou se isso já é uma sequela da diabetes.

Suspirei pesadamente olhando para o teto. Denise já havia me contado tudo o que passou com Nicholas na infância. E saber que eu não estaria sozinha com aquela doença que era novidade para mim, apesar de ter sido casada com um diabético, me tranquilizava. Nicholas sempre foi independente com seu tratamento, e tudo o que eu sabia era sobre a necessidade possível de ter que socorrê-lo.
Como era saudável até então, eu não tinha me preocupado em me preparar para aquilo. Aliás, quem faria isso? O que me deixava mais “conformada” era que, desde bebê tivera um estilo de vida saudável, que eu tomei sempre muito cuidado em manter, então o fato de apresentar as suspeitas da doença, já me mostravam que era um fator genético. Por isso, eu não precisaria da resposta dos exames para entender que eu deveria começar a conversar com ela sobre aquilo.

, eu sei o que está pensando e acho que você deve realmente, conversar com a e começar a explicar a ela. A consulta com a psicóloga pode ajudar. – disse o Dr. sorrindo amigável.
— O que você está pensando? – Nicholas me perguntou incomodado por parecer que tinha muita coisa naquele diálogo que ele não sabia.
— Em explicar para ela o que é a Diabetes e contar que existe a possibilidade dela ter, claro, com toda a pedagogia para uma criança da idade dela.
— Eu também posso te ajudar se quiser.

Dr. ofereceu a ajuda, e Nicholas levantou de súbito dizendo colérico:

— Não vai ser preciso, doutor. Eu sou o pai, eu tenho a doença, fui eu quem deixou esse vestígio no DNA da minha filha, eu sei como é receber o diagnóstico, então eu converso com a .
— Nicholas não seja rude, o só falou que pode auxiliar para explicar os termos clínicos. Ele não disse que vai educar a sua filha no seu lugar, até porque a obrigação é sua. – respondi me levantando tranquila.

Estendi a mão para que sorria nada afetado por Nicholas, e caminhamos os três para fora da sala. Antoine estava nos aguardando ansioso com dormindo tranquilamente. Expliquei tudo para meu irmão e Nicholas acariciava a filha.

— Ela vai ficar até quando? – perguntei num canto para .
— Eu vou dar a alta dela logo pela manhã, o material para o exame foi coletado. Não vou pedir uma ecografia endoscópica de novo.
— Se for necessário pode fazer, quero que ela faça todos os exames.

Falei preocupada e tocou meu ombro sorrindo e me acalmou dizendo:

— Realmente, não é necessário por enquanto, tem menos de dois meses que ela fez estes exames. Fique tranquila. Ela permanece em observação esta madrugada, mas amanhecendo vocês podem ir para casa. Mantenha uma dieta leve com ela, principalmente amanhã devido à crise e assim que os resultados saírem eu te telefono.
— Obrigada .

Agradeci tocando a mão do médico, que desde que iniciou seus acompanhamentos com minha filha dispensou as formalidades. Nicholas surgiu ao meu lado e o médico o encarou sorrindo.

— Obrigada pelo cuidado com a nossa filha. – ele estendeu a mão ao médico em cumprimento.

nos acompanhou até o quarto e se despediu brevemente. Antoine se disponibilizou a ficar para eu ir descansar, mas insisti que ele fosse para casa. Eu acompanharia minha filha aquela noite no hospital, e Nicholas, insistente também decidiu ficar.
Eu estava sentada numa cadeira e recostada à cama dela, observando-a dormir e Nicholas mexia em seu celular sentado à poltrona do outro lado.

— Nicholas, pode ir para casa. Amanhã eu te informo quando sairmos. E sua mãe também chegará cedo.
— Eu não vou te culpar porque eu sei o quanto, a senhora Denise é convincente, . Mas, por favor, nunca mais me esconda nada sobre a independente se eu serei prejudicado ou não. O maior prejuízo é não acompanhar a vida da minha filha.

Falou a última frase me encarando diretamente e eu concordei pensativa:

— Você está certo, eu deveria ter ido contra o conselho de toda a sua família.
— Minha mãe não tem a obrigação de cuidar dela, eu que sou o pai.
— Sua mãe só quis proteger você e a neta, não seja tão duro.
— Por que não me contou que o médico de aposentou?
— Qual parte do “você estava em turnê, seus pais assumiram as responsabilidades” você não entendeu?
— É realmente esta a questão?
— Qual seria a outra? – falei já nervosa pela audácia de Nicholas com aquele interrogatório.
— Não acha que você e o médico estão informais demais?

Eu comecei a rir sarcástica.

— Tenha misericórdia, Nicholas Jonas! O que isso tem a ver com a ? Aliás, o que isso tem a ver com você?
— Só acho que se você estiver saindo com este cara, eu deveria saber.
— Como é que é? Não me faça rir com este ciúme a esta altura do campeonato, Jonas!
— Não é ciúme, é cautela. vai conviver diretamente com seus futuros namorados.
— Primeiramente tire o nariz de onde não te interessa e a minha vida amorosa não o interessa. Depois, eu não estou num relacionamento com ninguém e, portanto, não será atingida. O contrário de você que não preparou a sua filha para o fato de estar namorando. E se for para levar em consideração o que você está dizendo: certifique-se de ter cuidado nas escolhas das suas namoradas.
— Eu não contei a porque acabei de retornar da turnê. E como você sabe?
— Você se esqueceu de quem você é? Aliás, você se esqueceu de quem sou eu?
— A maníaca de ciúmes. – ele resmungou fazendo meu sangue ferver.

Encarei-o com os olhos marejados de raiva, e a expressão mais decepcionada do mundo. Então Nicholas coçou a nuca e abriu a boca para se desculpar, mas eu o interrompi:

— Não me interessa com quem você fica ou deixa de ficar. O tempo de me preocupar com isso, já acabou. Mas, jamais coloque a sua filha numa disputa pela sua atenção com outra mulher, como fez comigo. Jamais minta como fez comigo. E jamais a julgue como está fazendo comigo.

Levantei-me e discretamente enxuguei os olhos, deixando-o arrependido pelo que disse.

— Fique com ela, por favor.
— Espera , desculpa. – ele segurou meu punho pedindo baixo.

Soltei-me o ignorando e saí pela porta do quarto. Respirei fundo. Deixei escorrer a lágrima grossa. E caminhei devagar pelo corredor me abraçando para espantar o frio do ar condicionado.

— Está tudo bem?

Ouvi a voz de que passava por mim no corredor com um prontuário em mãos.

— Sim. – falei disfarçando o embargo na voz.
— Eu tenho que ir ver um paciente, mas se quiser conversar pode me aguardar em meu consultório.

Ele falou depois de se aproximar cauteloso. Neguei com a cabeça e sorri me despedindo. O Dr. sempre foi muito gentil com e eu.

FLASHBACK


— Olá, bom dia senhoritas. Eu sou o Dr. e estarei com vocês a partir de agora. Como você é bonita, !

O médico novo da minha filha entrou ao seu consultório e se abaixou à altura dela para cumprimentá-la.
não se habituava fácil aos médicos, mas aquele em especial, parece tê-la conquistado pelo sorriso. A menina não parecia assustada, talvez porque o Dr. era tão jovem quanto eu. Ele examinou-a, e antes de finalizar a consulta me passou as recomendações, que eu até já sabia.

— Senhorita... Jonas? – ele perguntou e eu apenas neguei com a cabeça.
— Apenas .
— Tudo bem, . Aqui no prontuário consta que ela tem histórico de diabetes familiar, correto?
— Sim, o pai dela.
— Eu gostaria que ele viesse na próxima consulta, se possível.
— Não será possível, Dr. . Ele é um cantor e está em turnê. E bem... Estamos em processo de divórcio então... Nicholas está ocupado o suficiente. Mas, Denise, minha ex-sogra pode vir.
— Ah claro. Desculpe-me a indelicadeza, eu só pedi porque compreender a situação de saúde dele pode nos manter mais atentos às crises hepáticas de .

Eu sorri automaticamente. O médico não tinha por que saber que Nicholas não viria. Eu ainda estava anestesiada com tudo, mas o importante é que, acompanhou todos aqueles meses. Ele foi um bom confidente para meus dias de revolta pelo divórcio, para meus dias solitários de mãe aflita no corredor do hospital, e para os dias tristes de onde a falta do pai a fazia visitar o hospital com mais frequência do que o necessário.

FIM DO FLASHBACK.


Peguei um copo descartável na parede do corredor em que eu estava escorada, e caminhei ao bebedouro próximo. Meu celular apitou uma mensagem do Dr. .
Dr. : “Parei no corredor antes de ver o paciente para compartilhar uma canção que eu escutei ontem pela noite. Não sei se ela mais perturbará você do que ajudará, mas... Bem, tem uma boa mensagem”.
Sorri ao ler o nome da música. Eu conhecia aquela canção e sabia que o gosto peculiar e nostálgico que o médico demonstrava, poderia ser naquele momento confirmado. Dei play no link do vídeo enviado com a mensagem, mas não ouvi a canção toda.

Tocar: Angel By The Wings

Old soul, your wounds they show
(Velha alma, suas feridas estão à mostra)
I know you have never felt so alone
(Eu sei que você nunca se sentiu tão sozinho)
But hold on, head up, be Strong
(Mas aguente, levante a cabeça, seja forte)
Oh hold on, hold on until you hear them come
(Oh, espere, espere até ouvir eles vindo)
Here they come, oh
(Aí vêm eles, oh)
Take an angel by the wings
(Pegue um anjo pelas asas)
Beg her now for anything
(Implore por qualquer coisa agora)
Beg her now for one more day
(Implore agora por mais um dia)
Take an angel by the wings
(Pegue um anjo pelas asas)
Time to tell her everything
(É hora de contá-lo tudo isso)
Ask her for the strength to stay
(Peça-o força para ficar)
You can, you can do anything, anything
(Você pode, você pode fazer qualquer coisa, qualquer coisa...)
Look up, call to the sky
(Olhe para cima, clame aos céus)
Oh, look up and don't ask why, oh
(Oh, olhe para cima e não pergunte por quê, oh)


E depois de ouvir o primeiro trecho da música eu sorri. Então apenas respondi ao médico antes de voltar ao quarto de :
: “Não sabia que médicos também sabiam arrancar sorrisos. Obrigada, ”.
Caminhei para dentro do quarto e Nicholas se levantou da poltrona, e se aproximou de mim, que estava em pé ao lado do leito da nossa filha.

...
— Você pode ir Nicholas. – eu o interrompi — deve dar alta para ela, logo de manhã.
— Eu não vou. Eu quero ficar aqui.
— Você não tem que pegar voo para nenhum lugar? – falei irônica.
— Eu estou no meu lugar.

Encarei a expressão cansada dele e respirei fundo com a sobrancelha arqueada. Dei as costas a ele e me sentei na outra poltrona de acompanhante. Fechei os olhos evitando enxergar Nicholas.

xxxx


Pela manhã, Joseph estava ali sussurrando algo com o irmão, e eu abri meus olhos, um pouco desnorteada. Percebi o casaco de couro de Nicholas sobre meu tronco, pelo qual eu estava me aquecendo.

— Ei! Acordou! – Joe falou vindo abraçar-me.
— Ei Joe... – correspondi e retirei o casaco pousando-o no braço da poltrona — Com licença um momento.

Eu disse saindo em direção ao banheiro do quarto para lavar o rosto, a boca e me recompor minimamente. Na porta, antes de retornar ao quarto percebi que os irmãos sussurravam ao pé da cama de , e decidi que precisava sair dali e não dar motivos para acharem que eu estivesse ouvindo escondida.

— Bom dia. – falei formal aos dois e me direcionando ao pai da minha filha, perguntei: — já veio aqui, Nicholas?
— Durante boa parte do tempo. Entrava e observava as duas, como se eu não existisse aqui, e saía.

O tom de voz incomodado dele já estava me irritando logo cedo.

— Refiro-me à previsão de alta médica.
— Não.
— Vou procurar informações com ele. – falei me encaminhando à maçaneta do quarto.
— Ei, . Eu posso ficar para você. – Joe alertou-me e Nicholas franziu o cenho contrariado.
— Não é preciso, Joe. Obrigada. Eu deixei Alex informado, e ele dá conta de tudo no restaurante em minha ausência. Vocês podem ir, me garantiu que daria alta para pela manhã.
— Eu vim para render o Nick de qualquer forma, você pode ir também se quiser. – Joe informou e Nicholas de novo o encarou contrariado.
— Tudo bem Joe, eu só vou procurar o .
. – Nicholas alcançou-me chamando por meu nome e iniciando as explicações: — Eu deixei alguns compromissos meio ao avesso ontem, então, eu só preciso sair para resolvê-los.
— Eu já falei desde ontem Nicholas, você não precisava ter ficado. E logo mais, e eu iremos embora, então, pode ir.

Eu falei cansada para Nicholas que me encarou silencioso, mas profundamente.

... Não podemos nos tratar com menos frieza?
— Nicholas... Ainda é tudo muito recente para querer que nos tornemos bons amigos, não?
— Não era para termos deixado de ser bons amigos. Era você quem eu procurava no restaurante quando meu mundo ia desabar, lembra? Em que momento nós deixamos de ser quem éramos?

Ele declarou e passou a mão em meu rosto. Saiu dali cabisbaixo e contemplativo. Eu não pude evitar algumas lágrimas que caíram. E caminhei até a recepção da enfermaria. A alta de estava ali, assinada. Retornei ao quarto dela, e enxuguei as poucas lágrimas que haviam deixado rastro. Joe me perguntou se estava tudo bem, e eu apenas desconversei. Ele me fez companhia até acordar e nós três seguirmos cada um para o seu trajeto.


Capítulo 3

“I swore. I swore I would be true. And honey, so did you”.

Eu havia conversado com a respeito das razões pelas quais ela foi parar, mais uma vez, no hospital. A reação da minha filha era incomum para uma criança da idade dela. Era consciente demais, era receptiva demais. Se não fossem seus pequenos olhos castanho-esverdeados a me pedirem colo, eu diria que minha filha não era uma criança. Eu esperava que uma menina de três anos, não entenderia nada do que estava acontecendo, mas reagiu como se entendesse exatamente que não poderia comer tudo o que quisesse sem perguntar antes.
Já havia se passado quatro dias desde o ocorrido. Nicholas não apareceu novamente, mas telefonou incontáveis vezes para falar com a filha. Joe e Kevin apareceram em nossa casa, pelo contrário. Disseram para mim que Nicholas pensava no retorno da banda. Eu não poderia ficar menos do que feliz, por eles. Os meus ex-cunhados então, explicaram para que futuramente ficaria um pouco mais difícil de vir com tanta frequência à nossa casa, mas que ela poderia estar com a tia le e as primas sempre na casa de Kevin, ou com a vovó Denise e o vovô Paul. Afirmaram a ela que, em cada brecha possível eles iriam se ver.
não se sentiu triste ou chateada, ela como eu disse, era muito madura. Parecia compreender que algumas coisas não iriam correr como a gente gostaria, e isso era um pensamento referente à situação de divórcio entre o pai dela e eu. fazia acompanhamento com psicóloga infantil, e era algo que a preparava muito bem para lidar com diversas situações. Muitas vezes, eu sabia que a criança conseguia lidar com muitas questões graças à terapia, como por exemplo, a confusão que era hora ver o pai, hora não.
Eu havia pedido a para levá-la à casa de Kevin naquele dia, já que havia sido combinado entre tio e sobrinha da última vez que ele estivera em nossa casa. E a pequena estava tão animada para brincar com as primas que mal se despedira de mim. Eu sorria acenando até que o carro do meu irmão tomou certa distância.
O fim da tarde caiu e eu me apressei em ir para o restaurante. O pôr-do-Sol batendo no para-brisa de meu carro era uma das minhas visões favoritas. Estacionei na vaga restrita a mim no estacionamento do meu estabelecimento. E Alex estava rindo animado com os demais funcionários que já haviam preparado quase tudo para a abertura da noite.

— Estamos muito animados, que maravilha! – eu falei sorrindo enquanto entrava ao Bistrô.

Todos me cumprimentaram, e enquanto eu ia até a parte de trás do balcão do bar para pegar um dos meus livros de anotações diárias do restaurante, Alex me perguntou se a playlist da noite estava apropriada. E logicamente eu aprovei a lista seleta e de bom gosto de Alex, que sempre me cativava. O meu aparelho celular tocou em meu bolso, e rapidamente eu o puxei de minha calça jeans. Preocupei-me com a chamada e atendi com anseio.

— Dr. ? Boa noite, tudo bem?
— Boa noite . Tudo bem sim, e com você?
— Apreensiva por esta chamada, não aconteceu nada mesmo com a , não é? Ela está na casa dos tios, então...
...
– ele me interrompeu com um risinho compreensivo — Eu só estou telefonando para dizer que o resultado do exame dela saiu. E eu gostaria de conversar com os pais. Estou à uma hora de sair do meu plantão, posso recebê-los se possível virem.
— Ah... Nicholas não poderá ir, ele está em viagem, mas... Há algum problema falarmos sobre, fora do consultório? –
perguntei encarando o relógio do bistrô.
— Está no trabalho, não é? Faça uma reserva para mim então, e poderemos conversar se não houver nenhum problema para você.
— Ótimo. Obrigada. – falei sorrindo e anotando o nome dele no livro de reservas — Às vinte horas?
— É um bom horário para você?
— Certamente, a casa estará cheia. O bistrô graças a Deus é bem frequentado. Mas, eu não terei problemas em lhe dar atenção.
— Tudo bem, às vinte horas então. Reserva para dois.
— Claro...

Anotei as informações um pouco confusa com a informação, e riu do outro lado da linha.

— Para dois, claro, se você não se importar em jantar comigo.

Meu olhar pousou sobre as letras escritas no papel, e minha boca entreabriu. Eu não havia entendido o que estava acontecendo ali. Ele e eu nos tornamos amigos, mas por alguma razão, eu me senti numa situação diferente do comum.

— Algum prato que gostaria de pedir de uma vez? – falei ainda confusa e notei a voz do médico mudar do outro lado, havia certo constrangimento em sua voz.
— Não se preocupe, eu verifico pessoalmente. Até mais tarde, então, senhorita .

Despedi-me cortês do médico, e estranhei os modos formais aos quais ele me direcionou. Certamente, havia um constrangimento ali. E eu não sabia identificar se eu havia sido grosseira com ele ou não.
Chamei Alex o informando da nova reserva e explicando que era o médico de , portanto eu não poderia estar à cozinha. Peguei os livros que eu havia ido buscar ao chegar ali, e conferi se todos os afazeres diários haviam sido realizados. Peguei o livro de balanço da noite anterior e fui até meu escritório. Deixei meus pertences em meu armário, como era hábito. Sentei-me à mesa e conferi a parte burocrática que eu havia me esquecido de conferir nos últimos dias.
Quando terminei, levantei da mesa e peguei meu dolman vestindo-o. Ao pegar meu aparelho celular, ponderei se deveria avisar ao Nicholas que me informou que os resultados saíram e que eu iria encontrá-lo para ter mais respostas. Mas, provavelmente Nicholas ficaria perturbando-me entre uma brecha e outra do seu horário para saber informações que eu ainda não tinha. Logo, decidi avisá-lo quando terminasse de conversar com o médico.
Adentrei a cozinha observando o movimento apressado e natural do lugar, a fumaça já subia sendo engolida por todos os exaustores, sorri pela mistura de cheiros que me davam diariamente água na boca. Os tilintares de talheres e taças, me deixavam doida para trabalhar.

— Pessoal, às oito horas eu estarei em reunião no salão, então García você será responsável pelos meus pedidos, ok?

Informei ao meu chef auxiliar que sorriu em resposta. Todos já estavam habituados a lidar com a minha ausência esporádica na cozinha. Eu tinha uma equipe maravilhosa de trabalho. Uma segunda família, que eu amava um por um. Tiffany, a minha garçonete, adentrou afirmando que os primeiros pedidos haviam chegado e nós começamos o trabalho.
As dezenove e trinta, Alex informou que Dr. havia chegado. Estranhei o horário e lavei as mãos indo até o salão. Ele conversava com o mâitre finalizando seu pedido, numa mesa da área mais reservada do bistrô. Levantou-se de sua mesa quando me viu e sorriu.

— Boa noite, .

Seu sorriso impecável com os olhos que se reuniam em pequenas rugas ao canto demonstrava que o constrangimento havia desaparecido.

— Bem vindo novamente, .
— Eu nunca me canso de me encantar com o De La’ . É um lugar muito aconchegante.
— Obrigada. Eu também acho. – sorri orgulhosa — Sinta-se sempre convidado a voltar.
— Talvez, eu vá fazer daqui meu ponto oficial para refeições.
— Eu vou adorar. – falei sincera e rimos.
— Me desculpe se eu soei invasivo ao convidá-la para jantar, . Apenas achei que seria prudente, já que teremos que conversar e você fará uma pausa.
— Ah, bem... Eu realmente fui pega de surpresa.
— Não entenda mal o meu convite, por favor. Não quero problemas com o Sr. Nicholas.
— Não estrague nossa noite, . – o olhei sarcástica.

Era óbvio que fazia piada pelas atitudes grosseiras de Nicholas ao encontrá-lo.

— Bem, eu vou retornar à cozinha para finalizar alguns pratos. E pontualmente retornarei.
— Eu já fiz o meu pedido, se você puder prepará-lo, será uma honra. Eu tenho a noite livre, então não se preocupe com o horário.
— Ótimo, então eu mesma prepararei o seu jantar.

Sorri e me coloquei novamente ao meu posto. Afirmei ao meu auxiliar que eu iria cozinhar o pedido da mesa treze antes de me ausentar. O cação ao molho de alcaparras, pedido por não demorou muito a ficar pronto. Então, eu estava dando os últimos retoques na sobremesa que eu já havia preparado também por conta da casa. Coloquei a tela de melaço sobre o petit-gateau à La e levei-o ao refrigerador para sobremesas frescas.
Caminhei até meu escritório retirando o dolman, ajeitei cabelos e maquiagem, e saí pela porta social em direção à mesa de . Quando ele me viu chegar, levantou-se rapidamente e fez às honras de puxar a cadeira para mim.

— Você é mesmo um gentleman. – sorri o encarando.
— Minha mãe certamente me deserdaria se eu esquecesse as boas maneiras.

Chamei meu mâitre pedindo-o para servir-me uma taça de vinho branco e Tiffany trouxera o pedido da mesa.

— Espero que aprecie o jantar.
— Com este aroma, este lugar e esta companhia, eu teria como não apreciar? – ele perguntou com um sorriso prazeroso em seu rosto.
— Bem, eu não sei quais as notícias então... Melhor comermos primeiro, não é? – falei.

Os olhos de mudaram a sua expressão concordando. Pusemo-nos a saborear o jantar e conversar sobre tudo o que não fosse o assunto principal que o levara ali.

— Como está a pequena? – ele perguntou após algumas garfadas.
— Ela está na casa das primas Alena e Valentina. Irá dormir por lá já que o tio não poderá vê-la por um tempo.
— É bom que ela tenha este contato com a família do pai, você faz muito bem. Tenho pacientes de pais separados, que... Posso afirmar, estão doentes porque a cabeça e o coração também estão.
— Eu jamais irei privar de viver o que ela poderia viver, se Nicholas e eu, continuássemos casados.
— E como vocês estão?

A pergunta de não me afetava. Ele e eu havíamos nos tornado bons amigos desde que ele chegou ao prontuário de , na fase onde nós duas estávamos enfrentando tanta coisa, sozinhas. Muitas vezes eu havia desabafado sobre Nicholas com ele, e , apesar de nunca ter se casado, tinha os melhores conselhos e as mais confortáveis palavras.

— Eu creio que ele está muito bem! Nicholas já foi um homem de sofrer por amor. Mas... Há anos não é assim. E eu... Não posso dizer que superei totalmente, você sabe que eu ainda me culpo.
— E precisa parar de culpar-se... – ele me encarou como alguém que já havia me dito aquilo várias vezes — Mas, eu me referia a vocês dois. Como um casal.

Olhei para diretamente e confusa, beberiquei meu vinho com um sorriso irônico e descrente. Não conseguia entender que raio de pergunta era aquela.

— Não me olhe assim. Não fui eu que demonstrei ciúmes com a sua proximidade ao médico da sua filha. – ele ria explicando.
— Oras, chega a ser um ultraje você pensar que Nicholas sentiu ciúme de nós.
— Por que, posso saber? – me olhou em tom de ofensa.
— Porque o problema de Nicholas é não ter as coisas sobre o seu controle. Este é o problema, e não o fato de eu seguir em frente supostamente ou não.
— Reconheço um homem ameaçado quando vejo um. E embora ele não tenha razões concretas para sentir alguma ameaça em mim, eu sei que ele sente. Talvez vocês possam...
— Nem termine . Ou vai estragar o sabor desta refeição. – adverti o interrompendo.

Ele riu e retornou sua atenção à comida enquanto eu movimentava minha cabeça, afetada por tamanho disparate. Não era absurdo pensar em e eu como um casal normal, embora não houvesse interesse dele em mim, ou o oposto. Mas, sim, um disparate era pensar que Nicholas e eu poderíamos reaver uma relação.
Depois de um jantar de risos e conversas tranquilas, suspirou pesadamente e fez o que de fato, havia ido fazer.

— Bem... O diagnóstico de . Precisamos conversar.
— Certo, já me distraí o suficiente dos problemas por hoje e obrigada por isso.
... Ela está em quadro diabético. Mas, a insuficiência pancreática está apresentando melhoras graças ao tratamento precoce que fizemos, no entanto só vai realmente melhorar, quando equilibramos o quadro da diabetes. Senão é jogar tempo e dinheiro fora.

Fechei os olhos pesadamente e apoiei cotovelos à mesa apertando minhas têmporas. pegou uma das minhas mãos, fazendo-me encará-lo.

— Não é o fim do mundo, por mais que possa parecer. Ela vai ficar bem, no final das contas. Acredite... Você tem mais motivos para agradecer do que reclamar.
— Eu já imaginava também... O problema é que... Por incrível que pareça, não estou lamentando pela doença. Estou lamentando por ter que explicar isso para ela, sem o Nicholas aqui.
— Ele faz questão?
— Muita. E isso vai dar uma confusão, que você não faz ideia. Denise vai se antecipar ao filho, eu tenho certeza.
— Bem, mas isso não é problema seu. É dele. Você tem a obrigação de contá-lo sobre isso, e ele de decidir como vai lidar com isso junto a vocês duas.
— Só que eu sei que ele vai querer que eu o espere voltar para falar com a , e eu não posso fazer isso, .
— Novamente, isso é algo que ele tem que resolver. Se ele fizer questão, dará um jeito de estar com a filha conversando sobre isso, não importa a distância.
— É verdade, mas o que você não sabe é que Nicholas não é dono de suas ações. Tem toda uma equipe que controla a agenda e as prioridades dele.
— Hm... Então, façamos assim. Jogue a culpa em mim.
— Como? – eu encarei confusa ao semblante tranquilo dele.
— Leve ao consultório, eu converso sobre isso com ela, explico e você diz que não sabia que eu faria dessa forma. Assim, nem você, nem Denise e nem ele terão tido responsabilidade em explicar o quadro clínico de a ela, afinal essa é a minha função também.
— Eu não vou meter você no palco para que Nicholas arme o espetáculo. Isso ele fará independente de quem forem os atores.

Meu celular estava sobre a mesa de jantar e eu havia chamado Tiffany pedindo-a para trazer a sobremesa que eu preparei. Quando encarei fazendo gestos satisfeitos e sorrindo por saber que ganharia uma sobremesa de cortesia minha, foi impossível não rir.

— Pediatras passam muito tempo com as crianças.
— E por isso eu sou um. Não suportaria deixar a minha criança interior crescer.
— Peter Pan. – falei zombando dele e antes que ele dissesse algo, meu telefone denunciou a chamada de meu ex.

Peguei o aparelho não acreditando e mostrei para que fez sinal para eu atender.

— Olá Nicholas, boa noite.
— Boa noite , eu estou ligando para saber se há alguma novidade sobre os exames de .


Suspirei sem acreditar que o destino fosse tão sacana.

— Na verdade, você parece ter adivinhado. Acabei de saber pelo .
— Dr. , você quis dizer.
— A maneira como eu e nos tratamos formal ou informalmente não é o ponto que deveria interessar-lhe.


As sobremesas chegaram e me encarava com um sorriso travesso, e pondo-se a saborear a sua sobremesa.

, sobre isso nós falaremos depois.
— Não senhor, eu não devo este tipo de explicação a você. Aliás, você quer o quê com esta ligação mesmo?
— Bem, quando ele te deu o diagnóstico?
– Nicholas entendeu minha pergunta e focou-se ao assunto principal.
— Agora mesmo. E eu es...
— Está no hospital? Pelo barulho achei que estivesse no bistrô.
– ele perguntou me interrompendo.
— Estamos o e eu no bistrô sim, falando sobre a . Agora, você quer ou não quer saber o diagnóstico?

A respiração de Nicholas era a única coisa que eu escutava, e cheguei a olhar a tela do meu aparelho verificando se a chamada estava ativa ainda.

— Nicholas?
— Qual diagnóstico?
desenvolveu a diabetes.
— Droga...
– ele murmurou desanimado e culpado do outro lado.
— Nicholas. Não se culpe. Olha... Mais tarde eu posso te ligar para conversamos sobre como você irá conversar sobre isso com ela? No momento eu estou...
— Ocupada, suponho. Eu te retorno.


Ele me interrompeu dizendo e desligou a chamada na minha cara.

— Olha... Nunca se case . – falei para o homem atento à minha frente.

Ele riu divertido e apontou para meu prato posto, indicando que eu deveria comer.

— Adoce o paladar um pouco com esta sobremesa divina que você preparou.
— Gostou então?
— É o petit-gateau mais diferente e delicioso que já provei. Como se chama?
Petit-gateau à lá . Nada criativo eu sei, mas... Foi a primeira sobremesa que eu criei.
— É maravilhoso. Um nome simples para um sabor requintado.
— Obrigada . De verdade, obrigada por todo o apoio que tem me dado. – falei o fazendo me encarar ameno.
— Somos amigos não?
— Com certeza, . – falei com absoluta certeza.
— Então, eu não poderia fazer diferente. Ah... Aliás, ia receber alta da psicóloga, mas eu vou solicitar que continue a terapia até termos certeza de como ela vai encarar o diagnóstico.
— Obrigada, eu acho ótimo. Ela tem lidado com tudo tão bem por causa disso.
— É eu percebi também. Agora... Estarei de folga amanhã e depois. Logo, você tem dois dias para conversar com ela. E com o Nicholas. Mas, se quiser minha ajuda me ligue. Eu vou marcar a consulta dela para meu primeiro dia pós folga ok?
— Como quiser doutor.

sorriu para mim e nos despedimos. Eu precisava retornar ao meu trabalho, e embora ele pudesse continuar apreciando o local, ele estava cansado. Insistiu em pagar a conta, e eu pedi ao Alex que retirasse algumas coisas da comanda dele, como o meu consumo, sem que ele soubesse.
O movimento no bistrô havia cessado, os funcionários terminavam de arrumar tudo e aos poucos foram saindo até que eu e Alex estivéssemos sós. Nicholas havia me telefonado e tínhamos discutido. Como eu imaginara, ele pediu para não contar à até que ele pudesse vir, e eu era contra aquilo. Ela precisava começar o tratamento logo, e ele precisava aprender a lidar com as prioridades na vida dele.

— Nicholas. A minha parte é informar você e ser transparente com a minha filha. A sua parte é lidar com a paternidade e suas questões. Então, resolva-se. Eu não vou esperar você chegar para só então começar a explicar para da Diabetes dela. Ela só tem três anos, e esta nova condição não vai ser entendida imediatamente.

Desliguei a chamada e encarei Alex. Ele estava parado observando tudo, e já tinha em mãos minha bolsa e meu casaco.

— Pare de deixar-se sucumbir pelas discussões com Nicholas, . – ele falou abraçando-me.
— Eu não sei... Acho que eu transformo toda conversa simples com ele, em algo pesado e doloroso demais, sabe Alex?
— Que bom que você reconhece a isso. Vocês precisam superar os erros um do outro, e tentarem conviver melhor por .
— Eu sei. Eu sei, é só que... Eu só o queria do meu lado sabe? Para lidar com estas questões. Eu sei que não é nada absurdo o diagnóstico dela, mas...
— Você queria se sentir segura nos braços do seu ex-marido. – Alex afirmou me interrompendo.

Eu me deixei chorar sem esforço no abraço do meu melhor amigo.

— Você tem tantos braços para se segurar ... – ele falou me fazendo o encarar — Os meus, os do , da sua mãe, da própria . Tem os braços da Denise e do Paul, embora ache que não... Do Kevin e do Joe... Enfim... Tem até os braços do Dr. . Pare de querer estar nos braços da única pessoa que não te faz bem.

Sorri. Alex estava certo. Eu precisava parar de desejar que Nicholas reagisse como um porto seguro que lutaria por nós até o fim. Se não havia mais um “nós” a razão era porque, nós decidimos que não teria mais. Aliás, fora eu quem o retirou da minha vida. Apesar de todos os erros, fui eu quem desgastou meu relacionamento ano após ano, crise após crise.
Enxuguei os prantos e respirando fundo, estufei o peito. Peguei minhas coisas e saí do bistrô acompanhada por Alex que me fez prometer que não iria mais pensar naquilo ao chegar em casa. Ele acenou de seu carro para o meu, e ambos saímos do estacionamento do bistrô até nossos destinos.
dormiria na casa de Kevin aquela noite, e eu pude relaxar em minha casa. Porém, na manhã seguinte, estava sendo acordada no susto, por uma torrente de sinos da campainha. Desci descabelada, assustada e sem me lembrar de pegar meu hobby para jogar por cima da camisola.
Abri a porta de casa afoita, e não acreditei quando vi a figura de Nicholas segurando as grades do portão de cabeça baixa. Esfreguei os olhos e caminhei até meu jardim da frente. Alguns vizinhos passavam na rua e não perceberam o que acontecia ali. Assim que me aproximei do portão, a senhora Baker passou pela calçada com sua sacola de pães e me encarou surpresa. Sorri sem graça para ela, que àquela altura certamente imaginava que Nicholas havia voltado para casa.

— Está sem juízo? – falei e só então ele me percebeu.
— Bom dia.
— Vá fazer escândalos na campainha da sua casa, Nicholas Jonas! Tem noção do quanto acordei assustada? – briguei abrindo o portão e dando passagem a ele.
— Desculpe , eu queria chegar antes que o escolar da já tivesse partido.
— E isso é razão para descontar na campainha? Ela não tem aula hoje, é conselho de classe.

Falei adentrando a sala da minha casa e sendo seguida por Nicholas que me aguardava.

— Ótimo. Peguei o avião mais rápido até aqui.
— Finalmente priorizou a coisa certa... – sussurrei.
— O que disse? – ele perguntou sentando-se no sofá.
— Me aguarde, eu vou me recompor já que você me jogou para fora da cama.
— Eu vou ver a .

Ele levantou-se rápido caminhando atrás de mim, e eu não tinha percebido então parei de andar e me virei para falar com ele, mas nos trombamos na mesma hora. As mãos dele seguravam meus braços e encaramos os olhos um do outro, tão próximos como há muito tempo não fazíamos. Eu me soltei dele então, passando a mão nos cabelos e indo até meu quarto deixando-o parado ali.

— Ela não está.
— Como assim, não está? – perguntou bravo entrando em meu quarto.
— Dormiu na casa de Kevin.

Ele coçou a cabeça sem graça e se retirou. Quando retornei à sala, ele me perguntou se eu havia dito alguma coisa a ela. Fui preparar o café da manhã, mas Nicholas já havia passado o café e posto à mesa. O olhei em dúvida.

— Eu não tomei café. – ele falou óbvio — Não posso mais cozinhar na sua casa também?

Não liguei para o comentário e fui servir-me respondendo a pergunta anterior dele:

— Eu não estive com ela. Ontem Kevin buscou-a pela manhã, e eu te disse isso por mensagem, que ela ficaria lá. Então, à noite e eu conversamos. Logo, eu não estive com ela ainda para contar.
— Que bom então, assim falaremos juntos.

Não esbocei nenhuma reação e dei uma colherada em meu iogurte e Nicholas quebrou o silêncio observador ao qual me dedicava, para perguntar sobre o que eu já imaginava que não demoraria a perguntar.

— Por que o Dr. foi falar com você no bistrô?
— Porque eu não poderia sair para ir ao consultório àquela hora, e porque é um admirador da minha comida, como tantas outras pessoas.
— Então ele é um frequentador assíduo do De La’ ?
— Qual o problema? – perguntei desafiadora.
— Desde quando você e esse médico ficaram tão próximos?
— Desde que você saiu por aquela porta e eu tive que lidar com um mundo totalmente diferente, e despreparada. Mas, onde isso é da sua conta?

Nicholas ficou em silêncio, inexpressivo e suspirou pesadamente me dizendo:

, foi você quem quis isso.
— E eu não estou te cobrando nada Nicholas, apenas respondi a sua pergunta. E não falei nenhuma mentira. Agora, onde isso é da sua conta?
— Eu só quero saber se...
— Se o que Nicholas? – interrompi — Se eu já superei tudo e coloquei outra pessoa em seu lugar? Eu não entendi ainda, até onde isso é da sua conta. Ponha-se no seu lugar de pai da , e só.
— Eu quero o bem de vocês duas. Eu amo as duas, e não é porque separamos que isso vai deixar de existir. Só é outro tipo de amor e preocupação.
— Então está dizendo que as minhas relações sociais devem interessar a você, por zelo? Jura?
, eu realmente quero que você seja feliz, mas acho que não é bom para a que você se relacione com o médico dela.
— Vá se danar, Jonas. Eu não acredito que você disse isso. Tem tantos erros nessa frase, que eu mal posso contar.
... – ele tentava pacientemente me explicar o que não tinha explicação.
— Nicholas! Eu não estou num relacionamento com , e se estivesse seria maravilhoso já que o adora! E por favor, não seja hipócrita em seus argumentos. Você não pensou momento algum no bem estar da sua filha quando decidiu relacionar-se com a mulher que causou o divórcio dos pais dela. Aliás! Eu estou sendo injusta com a Priyanka, quem causou nosso divórcio fui eu. Mas, de qualquer forma, você não está sendo sincero com a sua filha. Eu jurei ser sincera a você Nicholas, mas você também jurou.

Ele me olhava como alguém que não tinha respostas. Eu continuei meu café da manhã, realmente triste por ele não responder. O silêncio de Nicholas demonstrava que eu estava certa.

— Eu vou buscá-la. Você vem comigo?
— Não. Ela não deveria ver os pais chegando juntos na casa do tio. Não quero criar imagens falsas na mente da minha filha.
— Está exagerando.
— A psicóloga dela não acharia isso.
— Ela não recebeu alta ainda? – perguntou preocupado.
— Nem vai. Diante do quadro, acha prudente ela permanecer na terapia mais um tempo.
... Por que ele não me informa as coisas?
— Porque é o meu telefone primário de responsabilidade por no prontuário dela, e na minha falta, é o da sua mãe que está lá.
— Estou indo buscar minha filha. – ele disse bravo dando-me as costas.
— Nicholas! – ele virou-se para me olhar — Se quiserem ficar mais um pouco com Kevin e as meninas, fiquem. Se puder e quiser passe o dia com sua filha. Ela precisa disso.
— Você não quer conversar com ela? Sobre o diagnóstico.
— Esse é um momento de vocês, e eu vou falar com ela quando estiver com ela.

Ele se acalmou e sorriu saindo.


Capítulo 4

“So why were you holding her hand? Is that the way we stand? Were you lying all the time? Was it just a game to you?”.


à medida do que sua idade permitia, estava ciente de que era diabética, e que alguns hábitos mudariam, outros nem tanto. Nicholas conversou e passou todo o dia com ela, e no dia seguinte fui eu quem conversou a respeito. No dia da consulta com , novamente o médico explicou a ela a situação, do jeito clínico pediátrico e respondeu às perguntas da menina.
Um mês havia se passado desde então. continuava vindo constantemente ao bistrô, e os Jonas já estavam novamente preparando-se para o retorno. Pelo volume de trabalho aumentado, Nicholas estava mais próximo, com poucas viagens e concentrando-se em trabalhos publicitários e na preparação do novo álbum de retorno com os irmãos.
Ele e Priyanka haviam assumido publicamente, e ele também tinha conversado com . Eu estava surtando. Não bastasse não aceitar a união dos dois, eu teria que suportar a ideia da minha filha conviver com a namorada do pai. Caminhávamos e eu cantarolando até a entrada do De La’ , e a menina gritou alegre ao ver Joseph com Sophie, sua namorada, esperando-nos no balcão do bar conversando com Alex. Ela correu até o tio e eu sorri simpática e surpresa.

— Que surpresa! – falei cumprimentando-os amigável.
— Eu disse ao Joe que deveríamos aguardar vocês abrirem , mas sabe como ele é, não é? – Sophie justificou.
— Até parece Sophie, vocês podem vir quando quiserem e ele sabe disso. Não é, ? – perguntei e a menina concordou risonha — Abriremos agora também.

Olhei para o relógio e sorri.

— Alex pode ver uma mesa para vocês, querem? – perguntei.
— Por favor, cunhadinha, hoje iremos jantar Sophie e eu no melhor restaurante desta cidade! – Joe disse convencido.
— E eu titio? – perguntou triste.
— Oh! Sophie, e eu hoje iremos jantar no melhor restaurante desta cidade! – ele refez a frase enchendo a sobrinha de beijos.
— Alex, acomode-os, por favor. Com licença queridos, e , comporte-se. – eu falei me retirando.

Entrei à cozinha e fui ao meu trabalho, uma vez que Tiffany já havia aberto a porta do bistrô.
O molho de tomate escorria de uma panela para o tabuleiro e aquele cheiro de manjericão subia em meu nariz me fazendo viajar entre os sabores que eu poderia combinar. Entretanto, o prato já estava formulado e agora, iria gratinar ao forno.
surgiu na cozinha pela porta do escritório. Ela sabia que não podia entrar na cozinha sem minha autorização, e sempre que quisesse falar comigo, que fosse pelo escritório. Ali havia uma espécie de gradezinha que impedia a menina de entrar diretamente na cozinha. Gritou-me da porta e os meus funcionários riam e brincavam com a menina.

— Mamãe!
— O que houve filha? – perguntei me aproximando.
— Tio . – ela falou e saiu correndo.

Adentrei ao escritório retirando minhas vestes e indo até o salão de jantar. Vi com no colo, e os dois riam e conversavam animados. Sorri em direção a eles, e notei Joe e Sophie encarando a cena, surpresos.

— Já foi atendido pela nossa nova hostess ? – perguntei para cutucando a barriga de .
— Ah sim, ela já ia me levar até minha mesa. – ele falou brincando.

desceu de seu colo e o puxou pela mão, levou-o a mesa treze e em seguida chamou George, o mâitre.

— Mamãe! Atendi o tio . – disse a pequena que havia corrido até mim risonha.
— Sim filha, você foi impecável. Agora pare de correr pelo salão, está bem?
— Tá bom! – ela retornou caminhando elegante até a mesa de Joe, que me olhava rindo.

Sorri e fui até a mesa de .

— Como está?
— Estou preocupado. – ele falou com semblante sério.
— Por quê? – perguntei, sentando-me à mesa dele.
— Você estará encrencada se descobrirem que está explorando trabalho infantil, aqui.

Ele disse e nós rimos.

— Ela parece muito bem, . – ele afirmou ainda rindo.
— Sim, está. Graças a Deus. Eu vou chamar Tiffany para atendê-lo. — Obrigada , bom trabalho.

Cumprimentamo-nos cordialmente e pedi a Tiffany que se aproximasse. Em seguida fui à mesa de Joe e Sophie.

— Estão satisfeitos com o jantar? – perguntei aproximando-me.
— Este foi o melhor jantar de toda a minha vida. – Joe falou rindo — Diga-me que aceita preparar o Buffet de nosso casamento.
— Ora, será uma honra Joe.
— De forma alguma ! – Sophie falou repreendendo — Você será convidada e não vai trabalhar no nosso casamento.
— Eu posso ao menos preparar o bolo, e minha equipe toma conta do Buffet, que tal?
— Perfeito! – ela disse.
— Aquele é o médico da , ? – Joe perguntou-me.
— Sim, é cliente frequente aqui. – respondi.
— Como não seria não é mesmo? – Sophie disse encarando Joe de um modo discreto.
— Tio é muito legal. – falou e Joe se fingiu de afetado.
— Mocinha! Ele é mais legal do que eu? O tio mais legal que você tem?
— Não tio Joe, você que é. – ela falou rindo.

Todos nós sorrimos e eu pedi licença a eles e fui a outras mesas cumprimentar aos clientes. Antes de voltar à cozinha, Joe e Sophie já estavam levantando-se de saída. veio até mim dizendo que iria brincar na “salinha”, que nada mais era do que o meu escritório. Abraçou ao tio e sua namorada e saiu caminhando devagar, sob nossos olhares atentos.

, obrigada pelo jantar. Estava maravilhoso. – Sophie disse abraçando-me e chamando a minha atenção para si.
— Eu quem agradeço a presença.
... – Joe abraçou-me também e soltou-se devagar e cauteloso.
— Vocês não vieram só jantar, não é? – perguntei o encarando ao perceber sua cautela.

Ele coçou a cabeça e me estendeu um envelope dourado.

— Nicholas estará num evento, e prometeu a que a levaria. Mas, mamãe achou prudente que ela fosse com você que é a mãe, já que...
— Denise não estará. – conclui.
— Ela estará. E le e eu estaremos também, . – Sophie disse tão cautelosa quanto Joe.
— Entendi, certamente é melhor que esteja em um evento assim com a mãe. – constatei desanimada.
— É importante para ele que a vá, por favor, considere . – Joe afirmou.
— Eu vou pensar a respeito. Não me importa que esteja no evento do pai desde que ela seja bem cuidada e vigiada, agora... Peça ao Nick para da próxima vez, conversar diretamente comigo. Ele não pode se meter na minha vida quando quer, e em situações que dizem respeito a nossa filha mandar recados.
— É que... Não querendo justificá-lo, . Mas... É um evento com Priyanka. Mamãe achou que você não gostaria que aparecesse assim com os dois de repente na mídia.
— Denise me conhece bem... – falei suspirando pesadamente — Eu vou pensar.
— Você pode levar um acompanhante. – Joe falou apontando o convite.
— Convide o Dr. . Vocês parecem se dar bem.

Sophie falou sorrindo simpática e olhando para a mesa do médico, onde havia parado me fazendo fechar o semblante. Joseph olhou para a mesa, e novamente para mim.

— Er... Você pode chamar quem quiser, na verdade. – Joe confirmou encarando Sophie de modo curioso.
— Insinuações do casal à parte, se eu for, irei sozinha. – respondi.

Joe deu de ombros e Sophie sorriu como se achasse graça, por ter sido pega nas minhas interpretações dos dois. Abraçamo-nos e eu fui até . Chamei-a com a mão, mas fez um sinal silencioso de que a deixasse ali. Ela pediu “por favorzinho” com as mãos e eu revirei os olhos deixando.
Quando chegamos em casa, dormia e eu carreguei-a no colo da garagem até seu quarto. Sentei-me ao pé de sua cama e acariciei seus cabelos pensando sobre o convite que eu recebi. Deveria deixá-la ir sozinha? Mas, ela era tão nova ainda... Eu teria que ir, mas... Como eu teria forças para encarar aquela situação?
Sentei-me na bancada da minha cozinha, e abri uma garrafa de vinho que eu trouxera do bistrô. Coloquei o aparelho de som para tocar baixinho, e fiquei ali pensativa.

Tocar: If I Ain’t Got You
Some people live for the fortune
(Algumas pessoas vivem pela fortuna)
Some people live just for the fame
(Algumas pessoas vivem apenas pela fama)
Some people live for the power, yeah
(Algumas pessoas vivem pelo poder, é)
Some people live just to play the game
(Algumas pessoas vivem apenas para jogar o jogo)


Os acordes iniciais daquela canção me fizeram lembrar o dia em que Nicholas e eu voltávamos de um desfile. Eu havia detestado a ideia de aparecer publicamente com ele, deixar o bistrô com Alex naquela noite e ir realizar um dos meus sonhos de garota: assistir a um desfile de moda. Nicholas era tão ridiculamente sacana que me levou a um desfile da Victoria’s Secret.
Lembro-me de ter feito piada com a situação dizendo que ele estava realizando não o meu sonho, mas o dele. E ficamos durante todo o evento, sentados de mãos dadas, trocando piadinhas no ouvido um do outro. Nicholas cumprimentou algumas pessoas num after party que aconteceu para um grupo seleto, e eu estava olhando-o com malícia quando ele entendeu meu pedido. Eu queria ir para casa para um evento melhor entre nós.
Depois de sairmos discretos da festa, ele abriu a porta de casa me imprensando na parede e distribuindo beijos por meu rosto e pescoço. Desci dos saltos, animada e risonha, e caminhamos atrapalhados batendo nos móveis, sob a escuridão da casa. Nicholas não queria esperar, caímos deitados e brincalhões no sofá, e ele pegou o controle do aparelho de som. Era a voz de Alicia a embalar nosso momento.

Some people think that the physical things
(Algumas pessoas pensam que as coisas materiais)
Define what's within
(Definem o que elas são por dentro)
And I've been there before, but that life's a bore
(Eu já me senti assim antes, mas a vida era sem graça)
So full of the superficial
(Tão cheia de coisas superficiais)

FLASHBACK


— Eu te amo tanto !
— Não mais do que eu amo você.
— Obrigada por ser real. – ele disse entre um cafuné e outro — É o que me conforta, saber que neste meu mundo tão supérfluo, nós dois somos reais.

FIM DO FLASHBACK


Era como se eu ainda estivesse vendo nós dois naquele mesmo sofá. Encarei o controle do aparelho de som ao meu lado e virei outro gole do meu vinho. Sem perceber, estava eu no meu cenário de meses atrás, onde o luto pelo fim do meu casamento era um evento diário.

Some people want it all
(Algumas pessoas querem tudo)
But I don't want nothing at all
(Mas eu não quero absolutamente nada) If it ain't you, baby. If I ain't got you, baby
(Se não for você, querido. Se eu não tiver você, querido)


As lágrimas grossas que desciam dos meus olhos caíram tão naturalmente que só notei ao ver a tela do meu celular, com uma gota de lágrima. Funguei passando a mão em meu rosto e limpando a tela. Acabei por descobrir uma notificação de ali.

: ”Irmã, está tudo bem?”

Parecia que havia pressentido minha fossa.

: “Sim, e por aí?”
: “Também, senti saudades de você. Sabe que pode me ligar, quando precisar não é?”
: “Certeza que não aconteceu nada?”

Enviei a mensagem desconfiando daquela conversa.

: “Comigo não, mas e com você?”
: “Gêmeos... Rsrs... A única coisa que está me atrapalhando agora é Nicholas que não sai da minha cabeça e memórias”
: “Eu sabia... vá dormir e assim você o esquece um pouco”
:“Está certo irmãozinho. Boa noite, amo você!”
: “Eu também te amo!”

Observei a nossa conversa por mensagem, e embora estivesse certo, eu não dormi. Não queria realmente me deitar e esquecer Nicholas temporariamente. Queria esquecê-lo totalmente. De uma vez por todas, e por isso, sofrer ali, naquele instante fazia parte.

Some people want diamond rings
(Algumas pessoas querem anéis de diamante)
Some just want everything
(Algumas apenas querem tudo)
But everything means nothing
(Mas tudo não significa nada)
If I ain't got you, yeah
(Se eu não tiver você, é)

Some people search for a fountain
(Algumas pessoas procuram por uma fonte)
That promises forever Young
(Que promete a juventude eterna)
Some people need three dozen roses (Algumas pessoas precisam de três dúzias de rosas)
And that's the only way to prove you love them
(E este é o único jeito de provarem seu amor por elas)


Servi outra taça de vinho para mim. E respirei fundo pegando meu telefone e caminhando até o sofá e deitando-me ali confortavelmente. Pousei a taça na mesa de centro, e desbloqueei a tela do aparelho em minha mão. não dissera mais nada. E então, um lampejo, uma necessidade de falar com alguém me tomou. Disquei a chamada sem ao menos raciocinar direito sobre aquilo.

?

A voz de , rouca como alguém que acaba de acordar me trouxe à realidade de meus atos.

— Desculpe ligar a esta hora... – minha voz soou num sussurro.

O som do outro lado da chamada fazia parecer que ele estava levantando-se.

— O que houve? – perguntou preocupado — Alguma coisa com a ?
— Não... Não se preocupe.
— Está em casa?
– ele perguntou ainda preocupado.
— Estou deitada em meu sofá, ouvindo Alicia Keys, bebendo um vinho, enquanto dorme e...
— Sofrendo pelo Nicholas.
– ele afirmou.

O ruído, de meu sorrir, saindo irônico e abafado em fungar refletiu no suspiro profundo de .

— Eu não quero parecer o tipo de mulher sem noção, que fica ligando para um amigo na fossa e tal...
— Não se preocupe , pode me ligar quando precisar.
— Onde você está ?


Perguntei casualmente, com a voz arrastada denunciando o choro recente, e obtive alguns minutos de silêncio até ouvir a resposta:

— Infelizmente no quarto coletivo do hospital, descansando até a próxima cirurgia.
— Lamento... Acordei você né?
— Não importa. Está tudo bem... Mas... Aconteceu alguma coisa para esta recaída de Nicholas?
— Ele quer que eu vá a um evento dele e de Priyanka, para que possa ir... E... Eu só não sei como lidar com isso... Eu não sei como lidar com o fato de ainda me deparar com este sentimento de culpa, perda... Eu não me arrependo, por que... Eu não poderia fazer diferente, mas eu me arrependo de tê-lo levado a fazer o que fez.
— Pare de achar que Nicholas te traiu porque você o levou a isso. Você é uma mulher incrível e eu tenho certeza que ele não errou por culpa sua. Na verdade, não há culpados . Com o tempo eu espero que você perceba isso...
— Eu acho que você está certo. Na verdade, acho que todos estão certos, mas porque eu não consigo aceitar isso?
...


ponderou sua fala e ficamos um tempo ouvindo a respiração um do outro na linha. Acredito que ele não saberia o que dizer para melhorar meu humor. Então apenas suspirei pesadamente e me desculpei de novo.

— Perdão por te acordar e te encher com a minha depressão momentânea, . – soltei um risinho fraco.
— Não tem nada a desculpar... Eu passo no bistrô amanhã, tudo bem?
— Obrigada, .
— Boa noite. Não beba todo o vinho.

Sorri e desliguei a chamada, logo após ter feito o mesmo.

Hand me the world on a silver platter
(Me sirva o mundo em uma bandeja de prata)
And what good would it be?
(E de que adiantaria?)
And no one to share
(Sem ninguém para compartilhar)
With no one who truly be cares for me
(Sem ninguém que realmente se importa comigo)


Eu não queria incomodá-lo, e nem sei explicar o que me levou a recorrer a ele. Mas, em todos aqueles momentos me fazia sentir melhor. Ainda que não dissesse nada e apenas me escutasse como havia feito, eu me sentia aliviada.
Eu tinha a impressão de que se importava comigo, ainda se importava com aquela situação de Nicholas e eu. Todos os outros pareciam ter feito tudo o que poderiam fazer, e dito tudo o que poderiam dizer para eu me sentir melhor. Mas, parecia sempre ter alguma palavra a mais. Eu sentia como se ele fosse acompanhar cada passo do meu recomeço. Cada passo da minha cura total.

Some people want it all
(Algumas pessoas querem tudo)
But I don't want nothing at all
(Mas eu não quero absolutamente nada)
If it ain't you, baby. If I ain't got you, baby
(Se não for você, querido. Se eu não tiver você, querido)
Some people want diamond rings
(Algumas pessoas querem anéis de diamante)
Some just want everything
(Algumas apenas querem tudo)
But everything means nothing
(Mas tudo não significa nada)
If I ain't got you, you, you
(Se eu não tiver você, você, você)

If I ain't got you with me, baby
(Se eu não tiver você comigo, querido)
So nothing in this whole wide world don't mean a thing
(Então nada nesse mundo inteiro não significa nada)
If I ain't got you with me, baby
(Se eu não tiver você comigo, querido)


Terminei de virar o vinho ainda presente na taça e levei-a a cozinha. Guardei a garrafa em minha geladeira e desliguei o aparelho de som. Havia chorado e pensado o suficiente em Nicholas por aquela noite. Então, eu só precisava tentar colocar a cabeça no travesseiro e acordar como a mulher forte que eu vinha tentando ser, no dia seguinte.


Capítulo 5

“But I'm in so deep. You know I'm such a fool for you. You got me wrapped around your finger, ah, ah ah”

! – Alex adentrou a cozinha com um risinho frouxo — Acho que você terá que alugar o escritório para o Dr. como um quartinho.
— Ele está aí? – perguntei encarando Alex, risonha por sua piada maldosa.
— Claro, agora ele toma café da manhã e janta aqui quase todos os dias.
— Certo, atendam-no bem então.
— Não vai cumprimentá-lo?
— Ele está me chamando? – perguntei surpresa.
— Não, mas... Não acho que ele vem aqui tantas vezes, por causa, dos meus lindos olhos verdes.

Alex disse piadista e saiu. Os poucos funcionários da manhã presentes à cozinha faziam piadas comigo e riam também. Não fui cumprimentar o médico por razões de muito trabalho. Eu sabia que o devia desculpas pela ligação na noite anterior e não queria parecer-lhe louca. Então ponderei e mordi o lábio inferior pensativa, encarando ao pão doce que havia acabado de retirar do forno.

— Gisella, por favor, termine aqui.

Falei para uma das funcionárias da manhã e fui ao meu escritório retirar o dolman. Quando Alex me viu no salão de jantar caminhando até a cafeteria no bar, soltou um sorriso discreto e veio até mim, parando ao meu lado e me observando.

— Ele já pediu alguma coisa? – perguntei.
— Eu estava vindo buscar um café para ele, mas você foi mais rápida.
— Eu levo.
Falei mantendo minha voz normal, não queria dar razões aos risinhos frouxos de Alex.
— Certo... Eu já estou de saída, ok? Marianne chegou e está trocando de roupa.

Concordei e beijei o rosto do meu funcionário e melhor amigo. Alex trabalhava no turno da noite, e naquela manhã havia ido fazer um serviço extra, organizando alguns pedidos com os fornecedores de vinho para que mais tarde George, o mâitre, os recebesse.
Marianne era a minha hostess da equipe da manhã, e por isso também, Alex já estava de saída. Coloquei duas xícaras de café e um croissant na bandeja e caminhei até a mesa treze observando ser aquele o ponto preferido dele no bistrô.
Assim que pousei a bandeja na mesa, deixou de lado o seu jornal e me encarou sorrindo ao perceber minha presença.

— Oras... Chef, empresária, mãe e também garçonete... Que mulher incrível. – Ele disse dobrando o jornal e se levantando.

Sorri em resposta encostando minha mão em seu ombro e direcionando lhe cumprimentos com dois beijos em seu rosto. Mas, a mão de em minha cintura fez meu sutil cumprimento transformar-se em um abraço.

— Isto é o que você precisou ontem e eu não pude oferecer. – ele justificou-se pelo gesto tão íntimo de abraço.
— E isto é o que eu ofereci, mas sinto não ter sido suficiente, então novamente... – encarei-o com culpa e vergonha e disse: — Por favor, me desculpe.
— Somos amigos?
— Com certeza! Eu já lhe disse isso.
— Então pare de agir como se não fôssemos. Agora, por favor... – ele deu a volta até a cadeira à frente da sua puxando-a para eu me sentar.

Sentei-me e afastei a bandeja para um canto da mesa, onde ele havia deixado o seu jornal. olhou para o croissant e esfregou as mãos, risonho.

— Nada melhor do que sair de um plantão, e tomar um café da manhã em boa companhia.
— Como passou a noite? – perguntei rindo e bebendo meu café.
— Foi cansativa. Tive uma cirurgia um pouco depois que nos falamos. Mas, correu tudo bem apesar de algumas dificuldades.
— Tenho certeza que sim... Eu não conseguiria manter o seu ritmo, sabia?
— Tem certeza? Seu trabalho aqui também não é muita moleza...
— Não mesmo. Hoje ficarei direto aqui organizando algumas coisas e à noite, na cozinha. Mas, diferente de mesas cirúrgicas, onde há tanta pressão, eu lido com os alimentos e o prazer de ver pessoas saborearem felizes os meus pratos, com sorrisos como o seu agora.

Nós dois rimos e ele concordou comigo.

— Você realmente faz tudo isso parecer melhor do que a medicina.
— Felizmente você é ótimo no que faz também. Está de folga hoje?
— Merecida, não é?
— Sem sombra de dúvida.
— Agora ... Diga-me. Como você está?
— Depois de descontar a minha frustração amorosa na Alicia Keys, num bom tinto, e dormir profundamente, agora estou ótima.
— Fico feliz com isso... Sabe, quando menos esperar você vai ver que não havia como ser de outro jeito. As coisas acontecem como tem que acontecer.
— Você nunca se casou, mas me parece experiente nos assuntos desastrosos do amor, .
— Ah, você pode ter certeza disso!
— Mais café? – perguntei ao perceber que sua xícara estava vazia e ele concordou.

Levantei-me para servi-lo outra xícara e o trouxe um pedaço de mil folhas com geleia de framboesa.

— Você pretende me engordar?
— Tenho certeza de que não comeu nada o plantão todo. – falei olhando-o desafiadora.
— Está certa. – ele sorriu recebendo os pratos com agrado.
— Quando vai me contar a sua história desastrosa? – perguntei.
— Que tal quando pararmos de nos encontrar só no seu restaurante? – ele perguntou naturalmente.

Encarei-o confusa. Era um convite ou uma piada por se tratar de estarmos sempre nos vendo entre o De La’ Annie e o hospital?

— E então, você pensou a respeito do convite de Nicholas? – ele perguntou sem dar atenção ao que ele mesmo havia acabado de me dizer.
— Não pensei, mas acredito que não vou ter muita escapatória a não ser enfrentar a situação.
— Eu acho que será muito bom para você. Veja, não estou dizendo que será fácil, mas depois que encarar isso, não terá nada que você não poderá encarar. Sem falar na , que certamente ficará muito feliz em ver os pais reestabelecendo uma leve comunicação.
— Mais uma vez, você está certo de tudo. O problema é a coragem de encarar a Priyanka depois de tudo o que eu e ela vivemos.
— Ei... Você não tem que sentir vergonha! Quem dormiu com o marido de outra mulher, foi ela. – Ele disse óbvio.
— Mas era ela a noiva dele antes de eu aparecer. Aqui mesmo neste bistrô, eles vieram incontáveis vezes enquanto eram noivos.
— E como foi que você e ele ficaram juntos? – perguntou firme.
— Eles terminaram e Nicholas e eu nos apaixonamos.
— Quem foi que agiu de modo mais fútil então?

A pergunta de me fez fechar os olhos e sacudir os cabelos, certa de que eu não tinha motivos reais para sentir vergonha de Priyanka.

— Tudo bem, mais uma vez você está certo.
... – ele me falou e eu não o encarei até ele pedir: — Olha para mim.
estava sério quando o olhei, e me analisava meticulosamente.
— Você não tem que se sentir culpada. Não se menospreze tanto assim pelo fim dessa história. Olha a mãe maravilhosa que você é para a ! Olha em volta, esse é o seu negócio ao qual você administra com tanta garra. Se vista de quem você verdadeiramente é, tudo bem?

Sorri e levantou-se de sua cadeira, me entregou uma nota de cinquenta. Eu fui pegar o troco dele, e ao entregá-lo se aproximou de mim e beijou a minha testa, depois retirou seu casaco da cadeira o vestindo e eu só conseguia sorrir o observando.

— Nos vemos na próxima consulta de ? – ele perguntou.
— Claro.
— E depois, quero levar você em outro lugar que não seja o hospital e o De La’ Annie, pode ser? – perguntou naturalmente.
— Claro...

Respondi tímida e me aproximei para abraçá-lo em despedida.

— Parece que todos os seus amores nascem aqui, não é?

A voz conhecida de Nicholas atrás de me pegou de surpresa e o fizera encarar o meu ex com certo sarcasmo. sorriu para Nicholas dizendo:

— Bom dia, Nicholas. Vejo que está bem.
— Vejo que está melhor ainda.

Nicholas o encarou diretamente com uma expressão nada satisfeita, mas continuou com seu semblante pacífico.

— Com certeza, não há nada que me restaure mais do que sair de um plantão e tomar um maravilhoso café no De La’ Annie.
— E na companhia da própria , pelo que percebo. – Nicholas zombou.
— É! Eu realmente não sei qual é a melhor parte. – disse risonho e novamente se virou para mim, despedindo-se: — Até mais. Boa sorte.

Piscou em minha direção me fazendo achar graça do papel ridículo que Nicholas se prestava e antes de dar totalmente as costas para ele, voltou-se ao Nicholas dizendo:

— Eu vou realmente me sentir muito honrado se isso... – apontou para ele e eu enquanto falava ao Nicholas diretamente — for um novo amor nascendo aqui.

Deixei meu sorriso alargar por saber que havia afetado elegantemente ao Nicholas. Observamos ambos, meu ex e eu, ao homem saindo pela porta do bistrô sem olhar para trás. Eu me coloquei a recolher as louças na mesa, e Nicholas tirou a bandeja da minha mão, silencioso e contrariado, levando-a até o balcão. Sentamos de frente um para o outro dentro do meu escritório onde eu havia o pedido para me acompanhar.

— Suponho que não veio tomar café, Nicholas. – comecei.
— Não. Eu vim porque o Joe falou que você não gostou muito por eu tê-lo pedido para te entregar o convite.
— Eu só me senti ofendida porque, um assunto que envolve a você deveria tratar com o mesmo ímpeto com o qual se mete na minha vida, como fez há pouco.
— Desculpe, eu não quis atrapalhar o seu namoro.

Ficou em silêncio me observando esperando alguma reação.

— Não vai dizer o que veio fazer aqui?
— Não vai negar que está namorando o médico?
— Não estou namorando o médico. Concentre-se em algo que realmente seja importante para trazê-lo aqui, Nicholas.
— Você vai? – mudou o assunto sobre um olhar contrariado.
— Ainda não sei. Mas, é realmente necessário expor a este evento agora?
— Eu a prometi. Não tenho estado muito com ela, e gostaria muito que ela fosse. Não é como se não soubessem que ela é minha filha. E eu não tenho quem esteja lá a acompanhando. Por mais que minha família toda esteja, você sabe que teremos momentos em que iremos nos afastar para posar e etc.
— Eu posso conversar com ela a respeito primeiro?
— Ela dirá que quer ir, está falando disso há dias.
— Certamente, porque alguém colocou isso na cabeça dela, não é?
, por favor!
— Tudo bem, então se ela realmente quiser, eu irei.
— Pode levar o médico, se quiser. Pelo que vejo não vai demorar muito para a chamá-lo de “namorado da mamãe”.
— Qual o seu problema, hein? Por que sempre toca neste assunto?
— Talvez por que eu não goste da ideia?
— Não gosto de muitas coisas também, nem por isso atacá-las vai me fazer mudar de ideia.
— Eu não estou te atacando ou a ele... É só...
— Nicholas! – falei urgente e ele me encarou atento — Eu fiquei a madrugada bebendo, lembrando-me de nós e chorando, sofrendo por te amar ainda. Então, por favor, respeite a minha dor.
... – ele ponderou mais compreensivo: — Eu não queria que as coisas tivessem ficado assim.
— Mas ficaram e não é mais momento de discutirmos nada disso. Por favor, eu estou considerando dar um passo respeitoso em ir até o evento em que você estará com Priyanka exibindo-a como sua mulher. E você fica agindo como um moleque de picuinha com qualquer homem que eu me relacione!
— Não é qualquer homem. Até porque, ele é o único que tem rondado você, não é?

Falou exasperado se levantando e caminhando de um lado para o outro:

— Você não nota a semelhança? Foi assim que eu e você começamos! Eu vinha aqui todos os dias , nós passávamos horas conversando e...
— O que te faz ter tanta certeza de que ele vem todos os dias, e se somos muito amigos ou não? – perguntei em dúvida.
— A fala dele às vezes, e o Joe...
— Ah! Joe! – interrompi Nicholas — Ele foi à sua casa ontem e disse para você que o Dr. Rhodes veio jantar, e o que mais?
— Eu supus todo o resto.
— Ora, ora, se não é você fazendo aquilo que tanto me julgou por fazer: supor coisas que não são reais.

Dei as costas a ele saindo em direção à porta, mas retornei enfática:

— Percebe que não tem razões para você se incomodar com esse tipo de coisa agora? Você seguiu a sua vida, e eu estou tentando seguir a minha, então pare de agir como se ainda fôssemos casados e eu estivesse supostamente traindo você, porque as coisas não são assim! E ainda pior é você agir como eu agia: criando fantasias na sua cabeça que só pioram a nossa comunicação.

Nicholas estava vermelho de raiva e me encarou com tanto ódio, que ao se aproximar de mim para dizer o que queria não mediu a sentença das próprias palavras.

— Acontece que não era tão fantasia da sua cabeça, não é? O que também pode não ser só fantasia da minha!

Olhei-o chocada e de repente, notei a lágrima cair de um dos meus olhos, com tamanha surpresa.

— Você ouviu o que acabou de dizer? – perguntei chorando e chocada. — Saia. Eu vou pensar se irei com a .

Enxuguei minhas lágrimas e abri a porta do escritório sem encará-lo diretamente. Só então Nicholas caiu em si.

— Não foi o que eu quis dizer... Eu...
— Saia. – falei firme o interrompendo e ele saiu.

Fechei a porta que parecia mais pesada do que uma tonelada. Nicholas passou tanto tempo negando que me traiu, tantas vezes dizendo que eu estava criando coisas na minha cabeça, e até no momento em que eu recebi aquela foto no celular e o confrontei com a informação, ele fez questão de dizer que não era nada daquilo que eu estava pensando. O pior é que fosse ou não, eu terminei tudo e fosse ou não fosse, ele acabara de confirmar que sim, Nicholas Jonas me traiu. Se não daquela vez, em algum momento.
Limpei as pesadas lágrimas que inevitavelmente vieram e me recompus indo diretamente ao meu trabalho. Estava ávida para superar aquilo tudo. E ainda que restasse um pouquinho de mágoa, eu sabia que estava muito mais próxima de superar.


Capítulo 6

“Do you have to let it linger? Do you have to, do you have to, do you have to let it linger?”


Depois de um telefonema de Denise, e uma longa conversa com minha mãe que também foi pelo telefone, eu havia decidido ir com ao evento.
Minha filha estava deslumbrante a cada flash, a cada mulher elegante que passava e principalmente, deslumbrante com o pai e o modo como ele se comportava diante a atenção de todos.
Eu fiz um coque canudo, vesti um tubinho branco, e me apresentei no melhor estilo Audrey Hepburn, naquele evento. Entrei risonha como a Audrey. Firme como a Audrey. Elegante como a Audrey e ao mesmo tempo, doce e cativante como a Audrey Hepburn entraria naquele evento, de mãos dadas com a .
Alguns repórteres vieram me fazer perguntas às quais contornei muito bem. Tiraram muitas fotos minhas e de , com a família Jonas. E quando me pediram para tirar uma foto com Nicholas, alegre e bem humorada eu neguei aos fotógrafos:

— Não acham um pouco demais? – ri em seguida e eles riram também — Vá tirar fotos com seu pai, meu amor.

Falei para que pegou a mão de Nicholas e se pôs a posar com o pai. Denise deu-me sua mão dizendo que eu havia me apresentado muito bem naquele momento. Era de fato um ultraje pedir para eu tirar fotografias com minha filha ao lado do meu ex, e logo em seguida tirarem as fotografias de Nicholas com Priyanka e . Eu já sabia muito bem as manchetes que estampariam aquelas fotografias, e eu não iria dar este gosto aos tabloides.
Sentada à mesa com os Jonas eu pude me sentir aliviada por ter saído do hall das atenções. não parava de brincar com suas primas Alena, a mais velha que cuidava muito bem das duas novinhas, e Valentina que tinha quase a mesma idade de . Isso, quando elas não eram o centro das atenções como “as crianças Jonas”.
Logo, Nicholas e Priyanka sentaram-se também junto a nós, e eu me esforcei para não vomitar. Não por nojo, mas por ansiedade. Não poderia permitir uma crise de ansiedade bem naquele momento.

— Você está cada vez melhor, . Vejo que Dr. tem lhe feito bem. – Nicholas falou tentando ser gentil.

Ele realmente estava sendo gentil. Eu conhecia muito bem quando ele queria me atacar e não foi o caso. Nicholas de fato, acreditava que e eu estivéssemos tendo algum tipo de flerte. Uma pena que Nicholas estivesse tão obcecado por que mal notou as pessoas à mesa o olhando como se tivessem pena dele e de seu gesto. Inclusive Priyanka que o olhou discreta, como se estivesse buscando entendimento para tal comentário de má hora.
Eu conversava com Paul e le quando Shawn Mendes apareceu atrás de mim tocando o meu ombro.

— Não acredito que finalmente eu a revejo! – ele abriu os braços, animado para mim, e rapidamente eu me lancei a abraçá-lo feliz.
— Mendes! Por que ainda não foi visitar-me no bistrô?
— Aaah! Eu realmente disse à Camilla que a levaria lá, mas...
— Camilla... Sei... – brinquei encarando a face dele, enrubescer — É, mas eu sei, a vida está uma loucura, não é?
— Você tem sorte por poder estar nos lugares que quer sem consultar uma agenda a toda hora , mas não estou reclamando.

Ele falou retirando uma mecha do meu cabelo que se desprendeu caindo em meu olho e a colocou atrás de minha orelha.

— Encare assim: tomando por este evento, eu não posso estar totalmente nos lugares em que eu gostaria. – afirmei para ele.
— É eu imagino... – ele disse compreendendo a minha elegante alfinetada à ocasião.

Shawn cumprimentou a todos os Jonas, inclusive Sophie e Chopra, e ao ver a que o encarava confusa, ele olhou surpreso para Nicholas e eu.

— Esta é a ? – estava de fato surpreso por tê-la visto tão crescida, comparado à última vez que a viu.
— Sou eu. – respondeu.
— Cumprimente o amigo dos seus pais, filha. Esse é o Shawn. – falei e levantou-se para abraçá-lo.

Mendes disse que iria me ver em minha “nova pacata vida comum”, a qual eu respondi como “a minha favorita, você sabe”. E pegou o meu número de telefone. Quando Nicholas e eu éramos casados, e até o primeiro ano de vida de , eu era muito próxima ao Shawn. Ele era um dos poucos famosos ao qual eu gostava de passar um tempo.
Em determinado momento do evento, Nicholas teve que apresentar-se e posar em fotos com Priyanka novamente. Eu havia dito que precisava ir embora, e Paul fazia questão de me levar em casa junto à Denise.
Fomos os quatro, Denise, Paul, e eu até o ponto do evento onde Nicholas e Priyanka estavam. A mãe dele o chamou dizendo que eu levaria e ele aproximou-se sozinho. Despediu-se da filha com um forte beijo e abraço.

— Papai queria levar você em casa, princesa, mas não posso.
bom, papai... – ela respondeu quietinha, ele me encarou e eu não disse nada.
— Eu irei até a sua casa logo! Prometo.

Fizeram promessa de mindinho e Nicholas se direcionou a mim:

— Obrigada por ter vindo e passado por tudo isso... Deu pra notar que foi um sacrifício.
— Quando se trata do desejo da minha filha, não tenho sacrifícios. – respondi.
— Desculpe por qualquer coisa, mesmo assim.

Ele falou sincero tocando meu braço, e seus pais nos observavam um pouco afastados, já com a , assim como Priyanka.

— Boa noite Nicholas. – me despedi respondendo ao seu toque, de maneira incômoda.
— Irei até sua casa em breve, pode ser?

Priyanka se aproximou calma e sorrindo e então eu o respondi antes de ter meu coração dilacerado:

— Apenas me ligue com antecedência. – e quando terminei de falar não houve tempo para Nicholas responder.

Priyanka apontou um fotógrafo que havia se aproximado e virou Nicholas para o outro lado, abraçando-o e os dois posando juntos. Dei as costas para ambos e caminhei até as três maravilhosas pessoas que me esperavam. Denise desculpava-se assim como Paul, pelo constrangimento causado pelo filho. E eu fingi não me importar.
Só quando cheguei à minha casa, que eu deixei a dormindo em seu quarto e entrei no meu, pronta a me derramar. Encostei-me à parede e encarava minha figura frente ao espelho. Audrey Hepburn deveria estar orgulhosa por eu suportar tanto aquela noite, e sair como uma queridinha da América. Mas no fundo meu coração sangrava.
Sentia-me tão, tão humilhada por Nicholas que foi a gota d’água para permanecer naquela situação de culpa e falta de amor próprio. Meu celular tocou, e era . Não o atendi, porque sabia que ele gostaria de saber se eu estava bem após a noite do evento. Respondi às mensagens de Alex, Antoine, mamãe e dormi.

xxxx

“Oh, I thought the world of you. I thought nothing could go wrong, But I was wrong. I was wrong”.


não acreditou quando me viu à porta da escola. Ela correu risonha até mim e passou a mão por meu cabelo, por meu rosto e sorria.

— Mamãe! Cadê o seu cabelo?

Ela perguntou animada e surpresa. Havia gostado, eu soube no momento que os olhinhos dela brilharam a me ver.

— Cortei filha! Gostou do novo visual da mamãe?
— Está bonita! – ela me abraçou beijando-me.

Demos as mãos e fomos caminhando alegres para o carro. A professora de disse que sua glicose se manteve impecável naquele dia. , que havia aprendido a palavra “impecável” quando a professora a pronunciou achou a palavra divertida e passou o resto do dia a dizer para tudo: “impecável”. Pronunciando, é claro, a palavra do jeitinho dela. Quando contei a ela que iriamos à consulta médica, pulou animada no banco de trás.

— Estou com saudade do tio !
— Que bom filhota!

Chegamos ao hospital e mal acreditou quando me viu. Consultou e não parava de me olhar e sorrir. Eu dei de ombros e sorri para ele como se não estivesse entendendo suas reações. Ao terminar, ele virou-se para mim, me encarando e tocou meu cabelo curtinho.

— Corte pixie? Eu jamais iria imaginar. – ele falou risonho.
— Radical demais? – perguntei.
— Não. Significa que alguém está se libertando afinal.
— Você conhece bem as mulheres, não é?
— Quando uma mulher corta o seu cabelo é porque ela quer deixar alguma coisa para trás. Quando uma mulher corta seu longo cabelo em um pixie feminino, cheio de atitude assim, ela está deixando muita coisa para trás.
— Uau Dr. ... Você é um homem tão inteligente!

Falei fingindo deslumbre e ele riu. se meteu na conversa dizendo a ele que eu havia ficado bonita, e ele respondeu concordando, que eu estava linda. Não só pelo corte, como pelo significado dele. não entendeu, mas eu sim. Antes de sairmos do consultório, na porta de sua sala ele segurou minha mão dizendo:

— Deixe alguém em seu posto hoje à noite, eu havia dito que a levaria a algum lugar.
— Tudo bem.
— Te mando mensagem confirmando.
— Devo pedir uma babá? – falei apontando com a cabeça.
— Seria bom. Afinal, crianças não podem beber.

Sorri saindo dali com uma saltitante ao meu lado.
Alex havia ficado muito feliz, por eu finalmente pedir para que ele tomasse conta do restaurante porque eu iria me divertir e não resolver algum problema. Antoine apareceu lá em casa para cuidar da . Estávamos os três sentados no sofá, conversando e brincando com suas bonecas.

— Então, você vai sair com o ? – meu irmão perguntou cheio de segundas intenções.
— Não é como você está pensando.
— Então você corta o seu cabelo de repente e aparece me pedindo para cuidar da porque sairá com o médico dela, e quer que eu pense o que?
— Pense que sua irmã renovou suas energias após ter se sentido humilhada num certo evento... – falei apontando indicando o disfarce do assunto — E para demonstrar um recomeço em sua vida, mudou o visual e vai sair para se divertir com um amigo.
— Vocês se aproximaram bastante, não é?
— Ele tem frequentado muito o De La’ Annie, com isso, sim, nos tornamos bons amigos.
— Eu não me importo como vocês chamarão isso, eu só tenho a agradecer por ele fazer tão bem à minha irmã. Você está muito bem!
— Dizem que a separação faz bem a uma mulher, deve ser agora que essa frase começará a fazer algum sentido.

A campainha de minha casa tocou, indicando a presença da nova namorada do meu irmão. Antoine não havia se casado ainda, mas algo na relação dele com Miley me fazia pensar que em breve aquilo ia mudar. E eu só poderia torcer para que ele fosse muito, muito feliz. Eu coloquei uma música para tocar em meu quarto, quando Miley e eu adentramos. brincava com o tio na sala, e eu estava indo me arrumar.

— Eu só queria te dizer que você está ótima! Adorei o visual, e mesmo estando bem mais magra, também está mais bonita... Estou feliz por vê-la se recuperando, .
— Obrigada Miley, e obrigada por ajudar Antoine hoje!
— Como se desse algum trabalho... – ela afirmou revirando os olhos, e saiu.

Entrei no banheiro do meu quarto e tomei banho, ao som de Rise Up. A voz de Andra Day estava ali para narrar aquele momento em que eu entendia cada frase daquela música.

Tocar: Rise Up
You’re broken down and tired
(Você está triste e cansado)
Of living life on a merry-go-round
(De viver a vida em um carrossel)
And you can’t find the fighter
(E você não pode encontrar a lutadora)
But I see it in you, so we gonna walk it out
(Mas eu vejo isso em você, então nós vamos caminhar com isso)
And move mountains
(E mover montanhas)


Cantarolei a canção mergulhando, nos mais profundos sentidos daquelas palavras.

And I'll rise up. I'll rise like the day, I'll rise up
(E eu vou me levantar. Eu vou me levantar como o nascer do dia, eu vou me levantar)
I'll rise unafraid, I'll rise up
(Eu vou me levantar sem medo, eu vou me levantar)
And I'll do it a thousand times again
(E eu vou fazer isso mil vezes)
For you
(Por você)


Ao sair banho me encarei no espelho como se estivesse cantando para mim. E de certa forma, eu estava.

And I'll rise up. High like the waves, I'll rise up
(E eu vou me levantar. Alta como as ondas, eu vou me levantar)
In spite of the ache, I'll rise up
(Apesar da dor, eu vou me levantar)
And I'll do it a thousands times again
(E eu vou fazer isso milhares de vezes)
For you
(Por você)

When the silence isn't quiet
(Quando o silêncio não é tranquilo)
And it feels like it's getting hard to breathe
(E parece que está ficando difícil de respirar)
And I know you feel like dying
(Eu sei que você sente como se estivesse morrendo)
But I promise we'll take the world to its feet
(Mas eu prometo que vou levar o mundo a seus pés)
And move mountains
(E mover montanhas)


Escolhi uma roupa que pudesse demonstrar que eu não esperava grandes coisas do nosso encontro, afinal éramos amigos, mas que pudesse me fazer frequentar adequadamente qualquer que fosse o lugar onde me levaria. Como ele havia dito que iríamos beber, supus ser nosso passeio uma ida a uma balada qualquer.
Vestido azul, sem decote, fechadinho com comprimento até dois palmos acima do joelho, blazer comprido branco, sapatos Anabela pretos e caprichei nos acessórios: anéis, um fino relógio delicado, e brincos de argola.
Meu telefone apitou a mensagem de : “Estou quase chegando aí”. Então sorri involuntariamente. Sequei meu cabelo, deixando-os num penteado meio pixie bagunçado que eu sempre quis deixar, mas devido ao medo que tinha de cortá-lo, nunca havia realizado. Realcei os olhos numa maquiagem à moda anos cinquenta, e batom vermelho. Nada exagerado, mas que realçava meus melhores pontos.
Estava muito satisfeita com o que vi em meu espelho. Comparada à mulher que eu me deparei dias antes ao chegar do evento, eu me sentia uma fênix agora. Peguei uma bolsa carteira preta, pendurei meu casaco em meu braço e segui com telefone em minha mão até a sala.
Antoine e Miley me olharam surpresos e com largos sorrisos. correu feliz para me abraçar.

— Está linda mamãe! – ela disse e o som da campainha se fez ouvir, se pôs a gritar animada: — Tio !

Antoine atendeu a porta cumprimentando o médico com tom de amizade. Miley se levantou cumprimentando-o também, e me olhou fazendo uma expressão analítica e perguntou para quando ela se jogou em seu colo o abraçando:

— Quem é aquela moça? Onde está a sua mamãe?
— Aquela é a mamãe! – falou como se contasse um segredo e todos nós rimos.

Caminhei até ele o abraçando e logo dei as recomendações para se comportar, e abracei meu irmão e cunhada me despedindo e segui com para fora de casa.


Capítulo 7

“Here's to the ones that we got. Cheers to the wish you were here, but you're not. 'Cause the drinks bring back all the memories. Of everything we've been through. Toast to the ones here today. Toast to the ones that we lost on the way. 'Cause the drinks bring back all the memories”. (Memories – Maroon5)


Quando saí estranhei a falta do carro dele na calçada em frente à minha casa.

— Ué, cadê seu carro?
— Está ali. – apontou um pouco à frente para um carro diferente do dele — Estamos hoje com um carro de aplicativo, afinal, eu disse a você que sairíamos para beber.

Encarei sua expressão responsável e ri baixo. Era possível um cara tão certinho como ele ser real? abriu a porta de trás para que eu entrasse, murmurou algo com o motorista e adentrou ao meu lado.

— Pode ir à frente se quiser. – falei baixo.
— Gosto de conversar olhando em seus olhos. – disse sério.
— Hm... Você é tão britânico.
— Isso é um elogio ou uma ofensa? – ele perguntou de modo divertido.
— Foi apenas uma colocação, não quis o ofender.
— Há algum problema em ser “britânico”?
— Nenhum na verdade. Atrai-me a elegância.
— Eu devo encarar como uma cantada? – ele brincou sorrindo.
— Só depois de alguns drinques.

Rimos juntos e continuamos conversando durante todo o trajeto. falava animado que me levaria a um restaurante, que à noite funcionava como um moderno bar que encantava-nos numa nostalgia proposital. Ao chegar ao estabelecimento, saímos do carro o qual ele fez questão de pagar a corrida, e deu-me o braço para entrar acompanhando-o. Sorri fazendo piada da pose de homem britânico, novamente.
Encontramos um som, baixo e ambiente, confortável e envolvente, de um jazz tocando no lugar. Poucas pessoas no balcão do bar, alguns casais, amigos, e solitárias pessoas em mesas à baixa luz. Sentamo-nos a uma mesa reservada para . Observei minuciosamente o local.
O couro dominava os estofados locais num tom de caramelo que misturado à estampa minimalista em branco, davam um ar mais moderno às notas vintage. As mesas à parede, como uma das que ele havia reservado a nós, ficavam viradas para a parte de dentro do estabelecimento e tinham um tampão de quartzo creme discreto. Discos de vinis, quadros de grandes músicos, alguns itens decorativos modernos, e os espelhos na parede, como o que havia atrás de nossa mesa, compunham uma mistura sutil da decoração entre épocas.
Sentei-me no sofá de minha mesa de forma confortável deixando meu blazer branco ao meu lado sobre o assento. sentou-se ao meu lado e como duas crianças observando o local, escoramo-nos no encosto do sofá e suspiramos animados. E foi inevitável não nos olhar e sorrir.
num gesto rápido puxou um dos menus que estavam à mesa e me entregou, e pôs-se a analisar o outro.

— Caramba... Eu acho que não pensei quanta responsabilidade seria, trazer uma chef de cozinha a um restaurante que não fosse o dela.
— Você me trouxe a um bar na verdade, o restaurante não funciona só durante o dia? – afirmei com as explicações que ele havia me dado sobre o lugar.
— Por isso mesmo a coisa só piora... Como vou pedir uma porção de batatas-fritas para você?
— Olha, saiba que batatas-fritas impecáveis são raras de encontrar. E saiba que eu sou uma mulher que gosta das coisas simples também.
— Ah jura? – falou em tom irônico.
— O quê?
— Casar-se com um astro da música é bem simples, não?
— Foi apenas um acaso. Eu era uma pessoa ainda mais comum antes de Nicholas na minha vida, ok? – sorri e puxei o cardápio de sua mão: — Deixe que eu faça os pedidos! Você parece nervoso.

sorriu sem graça e eu pedi uma porção de batatas-fritas e algumas carnes. Ele encarou-me satisfeito.

— E para beber? – o garçom perguntou-nos e me olhou desafiador.
— Duas cervejas. Qual você prefere ?
Stone Ipa.
— Então será duas, por favor, monsieur.
Monsieur? – ele indagou quando o garçom saíra.
— Eu sou francesa.
— Eu já havia notado, mas... Nunca havia a escutado falar em francês.

enviesou os lábios em um sorriso curioso que me fizera olhá-lo com ideias um pouco contrárias ao “não esperar grandes coisas do nosso encontro, afinal éramos amigos” .
O garçom retornou com as bebidas e antes que ele as virasse em um dos copos que o rapaz trouxera, eu abri a tampinha da longneck na mesa e estendi-a a ele para um brinde. Ele sacudiu a cabeça e sorrindo brindou falando:

— Você é tão americana.
— Algum problema em ser “americana”?
— Gosto da americana. Mas, estou curioso com a francesa.

Falou em um tom misterioso que me fez morder o lábio, risonha, antes de virar um gole da bebida.

— Devo encarar como uma cantada? – repeti a pergunta feita por ele ainda no carro.
— Só depois de alguns drinques.

Olhamo-nos atrevidos e divertidos, e após beber um gole, apoiou seu braço à mesa, cortando toda a sua compostura inglesa e com a cabeça apoiada à mão me encarava em silêncio. Eu, que já havia bebido quase metade da minha longneck, ajeitei-me no encosto do sofá e virei meu corpo para ele. Fiquei com a cabeça apoiada na parede espelhada, e pernas cruzadas de modo discreto observando a forma como o me observava.

— Ainda não está aceitando minha mudança radical, não é? – perguntei.
— De forma alguma. Eu não tenho que aceitar nada, é o seu cabelo. E eu achei incrível. Você ficou ainda mais linda do que já é .
— Eu sempre quis cortá-lo assim, mas... Faltava coragem.
— Ficou ótimo, realmente. Mas... O que aconteceu? O que lhe deu a coragem que faltava?

Suspirei e fechei os olhos de forma culpada. Não que eu estivesse me sentindo mal pelo “despertar” que me fez decidir mudar meu modo de agir com Nicholas e tudo sobre nossa separação. Mas, a pergunta de me fez recordar a ligação que eu o fiz tempo atrás, chorando, na verdade, aos prantos, por causa de Nicholas.

— Lembra-se da noite em que te telefonei?
— Lembro...
— Eu fiquei boa parte daquela madrugada repassando memórias de Nicholas e eu, tentando entender onde todas as palavras ditas eram mentiras. Porque pareceu tudo tão real, sabe?
. Cada “eu te amo” foi real. Acredite nisso. – me olhava atencioso com um sorriso de sabedoria em sua face — Vocês não teriam tido uma história longa apesar de tantas oportunidades para acabá-la, se Nicholas não te amasse e você a ele.
— Ah ... Sei lá... Às vezes eu sinto que fui um acaso no meio do caminho dele, sabe? E aí a paixão cegou-nos. Nicholas passou por uma fase de muitas crises e eu também, logo no nosso início. Fomos nos tornando a âncora um do outro, e quando nos demos conta, estávamos casados perguntando se o que nos unia era realmente amor.

Bebi mais um gole da minha cerveja, e continuava olhando-me milimetricamente. Sorri ao perceber que mais parecia estar em uma consulta terapêutica, do que num bar com um amigo para me divertir. Então fui logo ao ponto que ele desejava daquela conversa.

— Então eu fui ao evento.

Os olhos de se arregalaram e ele sentou-se mais ereto, como se estivesse pronto para descobrir os números da loteria.

— Eu sabia que você tinha ido! Pude ver a cena mentalmente de você entrando no evento e...
— Jogou na internet? – o interrompi perguntando curiosa e brincalhona.
— Céus, eu me esqueço de que seu ex é notícia! – ele puxou o telefone de seu bolso e se pôs a procurar — Qual era o nome do evento?
Teen Choice Awards. Ele foi indicado pelo filme Jumanji. – respondi rindo da reação de que parecia vasculhar a vida de seu pior inimigo.
— E ele não ganhou. – constatou ao ler as notícias da internet com um sorrido enviesado.
— Pelo visto, você não gosta dele.

Falei e ele me encarou envergonhado.

— Não é isso, é só que... Convenhamos... Ele não me trata muito educadamente.
— Eu não vou te julgar por ter alguma antipatia pelo Nicholas, .
— Mas eu realmente não tenho.

Ele me encarou sério e pediu outra cerveja e então eu ri negando com a cabeça por notar claramente, que estava contra Nicholas.

— Está certo. Eu não sou muito fã dele.

O garçom aproximou-se com as bebidas e deixou o celular na mesa, aberto em uma foto minha com . Pegou a bebida dele agradecendo ao garçom que se retirava e retornou atenção a mim, que encarava ao aparelho celular à mesa.

— Vocês estavam lindas.
— Obrigada. Viu as fotos dela?
— Vi. Eles formam um casal... Diferente.
— Isso é bom ou ruim? – perguntei rindo desafiadora para ele.
— É péssimo, claro. – ele respondeu em tom irônico e revirou os olhos, como se de fato estivesse tentando detonar Priyanka.
— Pode dizer o que pensa sobre eles , não é como se a mídia não estivesse tietando-os à minha frente.
— Então foi por isso? – ele apontou com o olhar para os meus cabelos — Foi porque a mídia tietou o novo casal no evento fazendo você parecer a ex-mulher politicamente civilizada?
— Certo você já tinha lido as notícias!

Apontei meu dedo, acusadora, e rindo junto com ele.

— Desculpe, eu não me contive. Eu li todos os sites de fofoca que consegui entre um plantão e outro.
— Meu Deus, , eu esperava mais de você.
— Prometo não decepcioná-la mais.

Continuamos rindo da minha própria miséria e bebendo.

— Inclusive, não fizeram jus a quem você é. – ele constatou me olhando curioso: — Era assim quando estavam casados?
— A mídia nunca procura saber quem nós somos. Eles idealizam-nos por nossas atitudes e vendem notícias, ora falsas, ora verdadeiras. Quando nós estávamos juntos eu passei pelo estágio da namorada misteriosa, namorada querida, esposa exemplar, a esposa exageradamente ciumenta de Nicholas até me tornar a esposa antissocial.
— Como você conseguiu lidar com isso tudo ? – ele me falou em tom de loucura e admiração.
— Eu não consegui. Por isso estamos aqui bebendo e falando do meu ex-marido.

soltou uma gargalhada e me puxou para um abraço lateral de camarada. Soltamo-nos e aos poucos a risada foi se tornando um olhar de tristeza entre os dois.

— Você realmente não merecia passar por toda a insegurança que essa sociedade impõe às mulheres.
— Nenhuma mulher merece... E por isso depois do evento, eu tive sei lá... Um momento de “epifania” e me dei conta disso. Então hoje, eu tento não julgá-la tanto, sabe? Na verdade, minha mágoa é com ele. Por muitas coisas... Algumas até recentes... Por isso que eu cortei o cabelo. Quando cheguei ao evento, o Nicholas agia como se eu fosse obrigada a estar ali. A cada vez que eu interagia com alguém ele se mostrava irritado, como se eu não tivesse o direito de falar com pessoas que até alguns meses, eram nossos amigos em comum.
— Ele te humilhou? – perguntou atento.
— De forma alguma, ou eu teria transformado o evento em mais um título pejorativo na mídia contra mim. Mas, ao final de tudo eu percebi que ele não se importava nem um pouco com a sensação que me submetia em encará-lo com ela, assim como não pensou no desconforto que ia gerar na própria Priyanka.
— E a ?
— Meu Deus... A ... Totalmente encantada com o pai cheio de atenção. Não demorou muito a pegar no sono, mas o pouco que esteve acordada quando não estava atenta a ele, se mostrava um pouco intimidada com o foco da mídia sobre ela. Acho também que foi por isso que ele fez questão da menina lá, . No meio de tantos holofotes, não teria como a se sentir mal em ter que lidar com Priyanka, porque ela já iria sentir-se sufocada demais.
— Não ... Certamente ele não teve esta intenção.
— Por isso prefiro pensar que ele só quis me provocar, iria doer muito mais saber que ele usou a filha dessa forma.
... Nicholas ama a . Ele não faria isso.
— É... – olhei em dúvida para embora estivesse concordando da boca para fora — Quando cheguei em casa me senti tão humilhada e exposta, me senti tão descartável sabe? Pensei em Priyanka na época em que Nicholas e eu estivemos juntos pós-noivado deles. E então a minha ficha caiu. Eu interrompi uma história que era deles, por isso me sentia tão culpada por tudo.
— E para deixar tudo para trás, foi no primeiro salão de cabelereiro que viu. – ele falou risonho.
— Não. Marquei um horário com minha cabelereira de sempre mesmo.

Nós dois rimos novamente e os aperitivos chegaram. Peguei uma batatinha com a mão enquanto tentava tirar um palito do paliteiro. Novamente ele me encarou surpreso e ao notar que poderia de fato ficar à vontade, sorriu comigo.

— Você é uma mulher discreta e simples, afinal.
— Exatamente. Embora alguns tabloides digam o contrário.
— Eu já sei por que Nicholas se apaixonou por você.

Olhei desconfiada, e ele mergulhou a batata no molho antes de me encarar novamente sorrindo e dizendo:

— No meio do tumulto que era a vida dele, ele só queria uma mulher simples para chamar de lar.

Fiquei parada analisando a frase de . Ele continuou comendo e bebendo. Será que Nicholas realmente tenha tido em mim um refúgio? Não é como se ele nunca tivesse me dito aquilo, mas as palavras todas pareciam mentiras agora, e mesmo aquela sensação de que algo foi real não me convencia. Não mais. Não depois de vê-lo com ela. Não depois de percebê-lo tão feliz e à vontade com seu mundo de holofotes outra vez.

— E você ? – falei diretamente à medida que me dava conta das palavras dele.
— Eu?
— Sua história. Você sempre tem conselhos tão sábios. Parece um expert em amor e separações.

Ele riu divertido e bebericou sua cerveja arrastando a travessa da porção de batatas para mim, indicando-me para comer.

— Bem... Não acha que um médico tem pouco tempo para “quebrar a cara”?
— Eu acho que um médico na verdade, tem muitas opções em seus curtos horários, para “quebrar a cara”.
— Minha nossa, além de tudo ainda é esperta. – ele falou risonho me encarando duvidoso.
— Anda , pode ir me contando a sua história.
— Rosalyn. Hospital de St. Mary. De todas as minhas pseudo namoradas, Rosalyn foi a única a se tornar uma verdadeira futura senhora .

me olhou pelo canto dos olhos e eu fiz sinal com a mão para que ele continuasse. O homem riu pelo nariz, e continuou sua história.

— Tem certeza? Não é uma história muito feliz.
— E quem aqui te disse que a minha narrativa foi feliz?
— Tudo bem, está certa... Ninguém vai sofrer sozinho.
— Ora , deixe de drama. – falei arrancando risos de nós dois.

Estava realmente curiosa para conhecer o passado do Dr. que tanto sabia do meu presente.

— Bem, fomos um casal normal. Ou melhor, um casal normal de médicos que se esgueiram entre os horários das cirurgias e os descansos dos plantões. Íamos fazer cinco anos de namoro quando a pedi em casamento. E ela não aceitou.

Ele ainda não me olhava, mas ao dizer aquilo largou as batatas por um momento e virou seu corpo para mim. Manteve a mesma posição que a minha: encostado à poltrona com as pernas cruzadas a olhar em minha direção.

— Eu achei bem normal ela não aceitar na verdade. Eu sabia quão complexa era a possibilidade de casamento, mesmo para nós que estávamos juntos há cinco anos. Eu mesmo ponderei se era o momento certo de propô-la. Mas, quando descobri que a razão dela não querer casar comigo, não era por medo das nossas rotinas e responsabilidades, mas sim porque ela estava tendo um caso com nosso colega de trabalho há um ano, eu entendi a falta de coragem de Rose em me explicar sua negativa.
— Espera... Ela disse não sem ao menos justificar-se?

Perguntei e acenou afirmativo com um sorriso entristecido.

— E quando a contei que havia descoberto sobre o caso com Max, ela também não disse nada. Apenas desculpava-se chorando. Na época eu surtei de raiva, mas... Com o tempo nós entendemos que não há culpados. São coisas que acontecem tão naturalmente como a vida é. Não dá para controlar quando vamos deixar de amar alguém.

Encarei o olhar expressivo e forte de que pareciam falar algo do qual eu não entendia, mas apeguei-me apenas à frase “com o tempo nós entendemos que não há culpados” . Ele havia me dito aquilo noutra ocasião quando eu desabafava.

— E o que aconteceu com ela e com você depois disso? – continuei curiosa sem desfazer nosso contato visual.
— Continuei no St. Mary e ela também, trabalhamos juntos por um ano e meio como se nunca tivéssemos trocado uma saliva se quer. Não foi fácil, e mergulhar em mim foi a minha melhor opção. Ela e Max continuaram juntos. Mas, ela recebeu um diagnóstico nada feliz de câncer. E embora ele tenha ficado junto a ela por todo o tratamento, eles não foram os mesmos depois da doença.
— E hoje ela está bem? – perguntei alarmada.
— Sim. Ela só não pode ter filhos, por isso que Max não suportou o relacionamento depois de tudo. Mas, foi uma grande experiência para mim. Tive que tratar da minha ex-namorada junto ao amante dela, como nossa paciente. Na época eu ainda não tinha me especializado em pediatria, tinha só as especializações cirúrgicas. Vivi cada angústia entre eles no processo, entre as famílias, e as minhas angústias também... Afinal, Rosalyn foi a única mulher que eu quis pedir em casamento.
... – eu estava desacreditada — Sua história é intensa demais.
— Está pensando que eu inventei tudo isso para fazer parecer pior do que a sua, e te fazer sentir melhor, não é?
— Não vou mentir não. Estou sim!

Começamos a rir para quebrar o clima pesado, e enquanto eu retomava minha bebida, continuou beliscando as batatas a procurar algo em seu telefone. Abriu uma de suas redes sociais mostrando-me fotos de Rosalyn e ele quando namorados, e depois dele, Max e ela no hospital em tratamento.

— Tem foto dela, atual? – perguntei cuidadosa.

Ele sorriu entendendo com naturalidade a minha pergunta e foi até a rede social dela, me mostrando a linda mulher com outro homem ao seu lado e um cachorro entre os dois.

— Esse é o atual marido dela. – ele falou sorrindo.
— Por que não apagou as fotos dela da sua rede?
— Por que eu deveria apagar parte da minha história?

falou aquilo com tanta clareza que me fazia parecer uma idiota. Realmente era algo imaturo.

— Mas, suas outras namoradas não se importavam?
— Eu nunca mais namorei depois de Rosalyn, apenas encontros casuais.
, você deve ser mais rodado do que o meu carro.

Gargalhamos e ele pôs-se a se defender.

— Não, não, não! Eu me tornei um homem bem seletivo, para ser sincero. Na verdade, eu prometi que só me envolveria quando alguém realmente despertasse o interesse de me jogar sem medir as consequências, e desde então nenhuma das mulheres que me envolvi buscavam isso. E não é como se eu estivesse numa luta contra o tempo, por enquanto... Quer dizer, eu acho que ainda não é... Não hoje.
— Senti uma instabilidade. Hm... – murmurei e falei desafiadora a ele: — Está aí! Vou querer conhecer essa mulher quando ela surgir.
— Promessa de dedinho que vou te apresentar a ela. – ele ergueu o mindinho e eu entrelacei-o em comum acordo.
— Quer dançar? – falei após iniciar uma música diferente das que vinham sendo tocadas.
— Já chegamos à quantidade de drinques que te fariam me cantar? – ele perguntou divertido.
— Ainda não. Foi só uma forma educada de dizer que não quero mais falar de casos do passado, e que prefiro dançar.

Comecei a levantar-me observando o bar, que naquele momento continuava intimista entre seus casais e amigos. Identifiquei que não teriam outras pessoas para dançar comigo, a menos que eu chamasse o garçom. acompanhou minha visão para o bar e quando o olhei, ele me olhou de volta curioso e sorrindo.

— Mas, se não quiser me acompanhar, eu levo o garçom. – respondi.

Ele gargalhou e se levantou pegando minha mão.

— Eu não a deixaria dançar sozinha nem que eu estivesse muito bêbado, querida.

Rimos nos guiando ao espaço mais próximo de onde saía a música e nos pusemos a dançar juntos aproveitando a canção.

Tocar: Breath Me

Help, I have done it again
(Me ajude, fiz isso de novo)
I have been here many times before
(Eu já estive aqui muitas vezes)
Hurt myself again today
(Machuquei a mim mesma de novo hoje)
And, the worst part is there's no-one else to blame
(E, a pior parte é que não têm ninguém para culpar)


Passei meus braços pelo pescoço de e ele travou um momento me observando. Eu sorri cantarolando as primeiras frases da música e ele relaxou os músculos tensos, e afrouxou a mão que talvez, inconsciente, apertava a minha cintura.

— Desculpe se te assustei, mas já somos amigos para dançar sem muitas formalidades, não é? – falei ao notar que ele não sabia bem como se comportar com meu corpo em suas mãos.
— Eu acho que eu sou mesmo muito britânico.

Ele disse e nós rimos, aos poucos conseguiu ficar mais à vontade para me aproximar de si e conduzir nossa dança de um modo mais íntimo.

Be my friend
(Seja meu amigo)
Hold me, wrap me up
(Me segure, me envolva)
Unfold me
(Me descubra)
I am small
(Eu sou pequena)
I'm needy
(Estou carente)
Warm me up
(Me aqueça)
And breathe me
(E me respire)


— Se eu pisar em seu pé pode falar. – respondi perto do seu ouvido quando me aproximei para me encostar a seu ombro.
— Me pagará uma cerveja a cada vez que pisar em meu pé. – ele respondeu ao meu ouvido novamente.
— Combinado. – virei meu rosto na direção do ouvido dele para responder e sorrimos.

Confesso que não esperava a reação de arrepio na nuca quando senti o hálito de próximo à minha orelha e tom de sua voz que soou tão sedutora.
Deixei a canção tomar minha atenção para que eu não acabasse levando uma simples dança com um amigo, aos extremos de minha imaginação. E ao que parecia também estava imerso na música. Aconcheguei minha cabeça em seu ombro, e pude ouvir sua voz baixinha cantando, ao mesmo tempo em que a minha, as frases tão próximas do que estávamos conversando e porque não dizer, tão semelhantes à relação cúmplice que construíamos?

Ouch I have lost myself again
(Ai, eu me perdi de novo)
Lost myself and I am nowhere to be found
(Me perdi e não há lugar nenhum pra me encontrar)
Yeah I think that I might break
(É, eu acho que eu poderia desmoronar)
I've lost myself again and I feel unsafe
(Me perdi de novo e me sinto insegura)


Mordi o lábio inferior à medida que revivia a sensação de tamanha segurança em estar abraçada a um homem que não fosse . Como chegou um dia a ser com Nicholas, só que agora, de um jeito diferente. De um modo mais maduro, calejado e inclusive consciente. Meus braços entrelaçados ao pescoço de desceram pelos ombros dele devagar, e pude perceber que novamente ele pisava em ovos.

Be my friend
(Seja meu amigo)
Hold me, wrap me up
(Me segure, me envolva)
Unfold me
(Me descubra)
I am small
(Eu sou pequena)
I'm needy
(Estou carente)
Warm me up
(Me aqueça)
And breathe me
(E me respire)


Pegou meu rosto levemente com uma das mãos fazendo-me olhá-lo. E parecia tão confuso com minha reação, quanto eu com a realidade de que Nicholas começava a se tornar aos poucos um passado aceito do meu futuro.

— Está tudo bem? – me perguntou risonho, mas preocupado.

Respirei fundo encarando-o e sorri. observava-me como se eu fosse reagir de repente como uma mulher surtada a chorar. E na verdade tudo o que eu fiz foi escorregar minhas mãos por seus braços, sentindo seus músculos, sua pele e veias até alcançar suas mãos e apertá-las, enquanto repetia as frases do refrão da música, de olhos fechados e concentrada.
Quando a canção acabou, eu estava dançando sozinha, com as mãos de em minha cintura. Abri os olhos e ele me encarava com uma expressão indecifrável, parado e totalmente atento aos meus gestos.

— Acho que... – ele iniciou sua fala analisando meu rosto detalhadamente — Alguém acaba de me fazer um pedido.

Sorri e abaixei a cabeça divertida e encarei-o novamente, certeira.

— Podemos sim encarar como um pedido de um abraço, e de um amigo.

Ele sorriu satisfeito e me puxou para mais perto de si, abraçando-me forte e beijando o topo da minha cabeça.


Capítulo 8

“Tell me something, girl. Are you happy in this modern world?”
(Shallow – Lady Gaga)


e eu havíamos saído daquela dança num outro patamar de relação. Estávamos bem mais à vontade, bem mais naturais e como se nos conhecêssemos há anos. Ao retornar à mesa nosso segundo pedido havia acabado de chegar e o garçom já havia voltado com mais duas cervejas. Se fosse em meu restaurante, eu diria que ele foi treinado por mim, mas por não ser, eu apenas disse que ele foi muito bem capacitado para atender da melhor forma, parabenizando a ele e aos donos. Por incrível que pareça, um elogio simples daquele lhe arrancou um sorriso satisfatório a quem vê.
Depois de continuarmos conversando sobre nós, mas sem falar das relações frustradas, nos atendo a gostos particulares, infância, adolescência, família e o trivial do dia-a-dia, e eu estávamos bêbados e alegres. Rindo das coisas mais bobas possíveis, mas ainda assim, parecendo pessoas muito civilizadas.

— Vou chamar o carro, . Antes que eu esqueça a senha do meu celular. – ele falou risonho e eu o acompanhei.
— Vou ao banheiro enquanto isso.

Levantei-me e ao lembrar que ele poderia adiantar os pagamentos, me virei rápida ficando um pouco zonza e apontei para ele, que me olhou confuso, dizendo:

— E me espere para pagar a conta!

acenou afirmativo e eu saí, controlando os passos para não parecer muito mais bêbada do que já estava. Contudo, ao retornar, estava em pé próximo ao caixa, segurando minha bolsa, meu blazer em seu braço e recebendo o troco do atendente.

— O que eu lhe disse, ? – falei pegando minhas coisas de suas mãos.
— Eu te convidei, jamais ia deixar você pagar. Não na nossa primeira vez.

Comecei a gargalhar com a frase dita por ele, e fui ficando vermelha de vergonha pelas besteiras que se passaram em minha cabeça e me olhava confuso, buscando a razão do meu riso.

— Não vamos falar mais sobre isso. – eu disse assim que recuperei o ar, a fim de impedir que me fizesse explicar.
— Certo. Na próxima, você paga pode ser? – ele me disse amigável pegando minha mão e passando por seu braço guiando-nos à saída.
— Como se você fosse permitir. Você é britânico demais, se esqueceu?
— Não, não me esqueci, americana.

O carro chegou assim que pusemos o pé na calçada. aproximou-se para confirmar se era o mesmo motorista do aplicativo, e logo abriu a porta de trás para que eu entrasse, e diferente do momento da vinda, ele não deu a volta entrando pelo outro lado. Estava bêbado demais para aquilo. Entrou logo em seguida a mim, o que me assustou e fez com que eu me desajeitasse ao sentar no carro. Não pude novamente evitar o riso e ele também não. O motorista nos olhava confuso pelo retrovisor, e constrangidos nós dois o encaramos de volta, nos desculpando.

— Por Deus , perdeu total a elegância.
— A culpa é sua por me colocar bêbado. – ele falou perto do meu ouvido.
— Foi você quem me convidou com más intenções. – devolvi a fala no mesmo tom e da mesma forma.

Sorri ao encará-lo, mas seus olhos estavam com uma expressão bem diferente de toda a noite. Senti meu coração acelerar de ansiedade pelo que podia ser interpretado daquele momento.

— Já chegou ao momento dos drinques? – ele perguntou divertido desfazendo o contato visual que me deixara sem graça.
— Claro que não! Precisará mais do que isso para me fazer perder a compostura.
— Que ótimo, porque eu não quero ser mal interpretado, então preciso esclarecer que minhas intenções foram e continuam sendo as melhores aqui.

Encarei sua frase com menos malícia do que seu olhar, e sorri abaixando a cabeça e suspirando profundamente. Ele continuava me olhando atento, então peguei sua mão apertando-a carinhosamente entre as minhas. encarou o gesto com surpresa e voltou seu olhar ao meu.

— Eu quero agradecê-lo. Há muito tempo eu não saía para me divertir tanto assim, e foi tudo tão simples, tão ameno... Eu realmente percebo as melhores das suas intenções.

puxou minhas mãos para beijá-las e tocou meu rosto com tranquilidade e carinho.

— Você pode ter certeza que a minha amizade você já tem, e eu quero muito contribuir para te fazer feliz, .
— Acho que essa noite vai se repetir mais vezes, huh? – falei risonha e ele acompanhou meu riso.
— Claro que sim, não é você que reclamou por eu pagar a conta?

me deixou em casa primeiro, e pediu para que o motorista o aguardasse enquanto eu descia e ele logo desceu atrás de mim.

— Boa noite. Espero que tenha atingido suas expectativas, ainda não me conformei de te levar para comer aperitivos tão pouco elaborados.
— Está brincando né? Eu adorei cada segundo, cada cerveja gelada e cada aperitivo. Porque o que importa mesmo é a sensação de sentir-se bem, e a companhia.
— Missão cumprida com sucesso então. – ele falou levando as mãos aos bolsos.
— Você surpreendeu minhas expectativas, . – falei mais próxima a ele e beijei seu rosto em despedida.

Quando soltei minha mão de seu ombro, ele tinha o mesmo sorriso de menino feliz, e olhar de homem sedento. Não sabia se era o efeito do álcool, mas eu precisava me afastar logo.
Acenei novamente abrindo o portão da minha casa, e o vi entrando no carro assim que fechei meu portão. Caminhei tranquila até a porta de entrada, e a abri com cuidado. As luzes todas apagadas, e o menor sinal de alguém à minha espera fizeram-me retirar os sapatos e subir silenciosa ao meu quarto.
As primeiras coisas que fiz foi tirar a maquiagem, escovar os dentes e tomar banho. A segunda, preparar minha pele para dormir. A terceira preparar o despertador. E eu só teria três horas para dormir. E a quarta, dormir. Mas na verdade, a quarta coisa foi a mais difícil. As lembranças daquela noite repassavam em minha memória, e eu me sentia como uma adolescente se redescobrindo. Pensei em enviar uma mensagem para de novo, mas talvez não fosse necessário. Com certeza ele sabia que havia feito muita diferença na minha vida a partir daquela noite.

xxxx


Na manhã seguinte ouvi as risadas finas de ecoar no andar de baixo, e respirei fundo me remexendo na cama. Olhei para o relógio e estava totalmente atrasada. Peguei meu celular e li a mensagem de Alex:

Alex: “Bom dia, . Fique tranquila, pois preparei tudo contando com a sorte de que, minha chef passaria um pouco mais de tempo em uma cama hoje”.

Não pude deixar de sorrir com a mensagem, Alex há algum tempo vinha levantando ideias más supostas sobre e eu. Eu o respondi e fui até a minha suíte terminar de despertar. Miley estava à cozinha preparando o almoço e Antoine e corriam animados em brincadeiras pela casa.

— Ei! Eu já falei para correrem lá fora, amor! – Miley gritou para meu irmão antes de me notar.
— Ei Miley! Bom dia.
— Bom dia ! – ela me cumprimentou com um sorriso largo: — Acho que alguém perdeu a hora de tão boa que foi a noite.

Ela brincou e antes que eu a respondesse Antoine estava com em seus braços correndo até mim.

— Mamãe acordou , vamos, vamos!

brincava arrancando risinhos de minha filha que se jogou em meu colo. Cheirei minha pequena criança e enchi-a de beijos e carinho. O som da sua gargalhada era a minha música favorita.

— Como você se comportou, hein,mocinha?

Falei para ela que rindo respondeu:

— Bem, mamãe!
— Hm... Isso é verdade tio ?
— Claro que é ! é uma mocinha muito comportada!

A menina ria com a conversa entre meu irmão e eu. Coloquei-a sentada no balcão da cozinha entre meus braços, e me sentei na banqueta. me abraçou encostando sua cabecinha em meu ombro e ficou agarradinha a mim, como fazia toda vez que dormíamos longe uma da outra, ou quando ela não me via antes de dormir.

— Perdeu a hora mesmo, hein? – me perguntou com olhar atrevido me entregando uma xícara de café.
— Eu mal ouvi o despertador. E logo num sábado quando o restaurante enche!
— Ah cunhada relaxa! Marianne e os outros dão conta!
— Verdade mana, você precisava relaxar!
— E como relaxei! Nossa, eu não me lembrava de me divertir tanto assim há algum tempo! – respondi sorrindo.
— O tal Dr. é mesmo um homem muito atraente. – Miley respondeu piscando.
— E me parece interessado na minha irmã... – cantarolou.
— Desfaçam os pensamentos tortos de vocês, porque não aconteceu nada demais. Bebemos, dançamos, comemos e conversamos muito a noite toda! Foi incrível.
— Fico feliz em te ver bem de novo, . E sei que não tem a ver só com o .

Antoine me abraçou e perguntou à se gostaria de brincar novamente, rapidamente a menina pulou em seu colo.
Eu continuei comendo alguma coisa, e Miley já se desculpava por não cozinhar tão bem quanto eu e estar fazendo o almoço. Uma bobagem comum às pessoas que conhecem uma chef de cozinha.

ontem estava inseguro também com o fato de me levar para comer em um lugar que eu não conhecia.
— Imagino! – ela riu — E era bom o lugar?
— Uma espécie de pub vintage que de dia é um restaurante, mas a noite um bar. Adorei, sinceramente. O local era muito confortável. Algo me diz que , não mais irá me encontrar no De La’ ...
— Hm... Então terá próxima vez?
— Claro Miley! Foi muito divertido, e é uma companhia maravilhosa.

Miley me encarou atrevida, e riu logo que eu neguei risonha num aceno de cabeça e revirar de olhos. Eu sabia bem o que ela queria insinuar.

— Em todo caso, não acho que ele irá parar de frequentar o De La’ ...

Concordei terminando de beber meu café, e Miley despejou as cebolas na frigideira para dourar. O som da cebola picada caindo no óleo, e o telefone de casa tocando, misturaram-se à voz de que brincava com e eu sorri. Há algum tempo que eu também não me sentia tão dentro do meu lar. Levantei para atender o aparelho telefônico.

— Alô?
? É a Denise querida, como está?
— Oi Denise, tudo ótimo e com vocês?
— Estamos ótimos também. Sophie e eu estamos planejando a festa de aniversário de Valentina junto à Dani, e gostaríamos de saber se você concorda em nos ajudar nos preparativos... Eu sei que você vai evitar por causa de Priyanka, mas... Pelo menos o Buffet, gostaríamos de sua ajuda.
— Priyanka estará no mesmo lugar que eu?
— Bem, na verdade, você pode ficar a vontade para tratar os assuntos com a Dani. Não precisa nos encontrar se não quiser, mas como parte da família que você é, e mãe de minha netinha eu faria muito gosto que você participasse dos nossos eventos querida.
— Denise...
– pensei antes de falar — Eu sei que você tem se chateado com a forma como eu tenho evitado as tradições Jonas, e todos os momentos em família. Eu agradeço tanto por vocês ainda me considerarem parte dos Jonas...
— Você é!
– Denise me interrompeu — Não é por um triste divórcio que você deixa de ser parte de nós.
— Eu sei Dê, eu te entendo... Mas, eu não quero realmente ter que lidar com uma convivência entre Priyanka e Nicholas agora, mas eu aceito as ajudar. Desde que seja preservado este meu momento.
— Maravilhoso, querida! Não sabe como ficamos felizes com isso! Sei que você é uma grande mulher e que irá superar tudo da melhor forma.
— Obrigada Denise, mande meus beijos a todos.
— Só um minuto querida! A Dani quer falar com você.


Ela passou a ligação para minha ex-cunhada que prontamente atendeu. Dani é uma mulher tão doce, que só de ouvir sua voz eu já sabia que ela sorria ao me falar no telefone.

— Amiga muito obrigada por aceitar o meu convite! Sabe o quanto eu te adoro, e o quanto Valentina sente sua falta, não é?
— Me desculpe pelo momento de distanciamento Dani.
— De forma alguma . Kev e eu sabemos que esta fase é crucial para você se reencontrar e se reerguer. O Nicholas... Bem, ele tem a maneira dele de lidar com as coisas, mas... Não é dele que quero falar. Eu gostaria de saber se Kev e eu podemos passar aí hoje, com as meninas. Queremos todos vê-la e aproveitar para combinar algumas coisas.
— Claro! Eu acabei perdendo a hora e não irei ao restaurante durante o dia, somente à noite.
— Certo, iremos após o almoço, tudo bem?
— Estarei os esperando.
— Ah... ! Sophie quer saber se ela também pode ir... Ah... Calma Sophie...
– Dani ria enquanto a outra mulher murmurava e eu não entendia — Com o Joe?
— Por favor, né, vocês não precisam nem perguntar se podem ou não vir aqui em casa. São sempre bem-vindos. vai adorar ver a casa cheia novamente.
— Ah, é verdade! E como ela está?
— Brincando animada com .
— Ah que ótimo! Nos veremos mais tarde então, um abraço a todos.
— Até mais.


Desliguei a chamada e fui auxiliar Miley que curiosa queria saber sobre o que tratava o telefonema. Contei-lhe que receberia a visita de Kevin, Joe e suas respectivas esposas e crianças. Miley ficou preocupada se estaria tudo bem para mim, lidar com aquela situação. Esclareci que eu nunca tivera nenhum problema com eles e que, pelo contrário, sentia muita falta de momentos com meus cunhados e família.
Após o almoço preparado por Miley, e sua namorada foram brincar mais com a . E não demorou muito para se reunirem a mim na cozinha. Meu irmão e sua namorada foram tomar banho, ficou ajudando-me a preparar o café da tarde, e pegou-me de surpresa com seu interrogatório.

— Mamãe... Cadê o tio ?
— Ah... O deve estar na casa dele, filha... Por quê?
— Ele veio ontem buscar a mamãe.
— Sim... – percebi o olhar confuso da minha criança e larguei o que fazia para conversar com ela: — O tio é amigo da mamãe, e ontem nós fomos passear.
— Tio contou, mas eu queria ir.
— É que criança de noite tem que dormir filha. E não podiam ir crianças onde nós fomos.
— Tio contou também.
— Você gosta que o tio seja amigo da mamãe?
— Gosto. Eu gosto do tio .

Sorri um pouco mais aliviada por não ter ficado chateada com aquela situação. Terminamos de cozinhar juntas e logo que subimos, Antoine e Miley estavam descendo. Fui acompanhar o banho de e logo que aprontei minha filha e ela desceu, eu fui me preparar. Ouvi pelas risadas de menininhas eufóricas, que as visitas haviam chegado então me apressei.
Quando desci, Miley e faziam sala para as visitas, e o café havia sido servido. As meninas brincavam na varanda. Cumprimentei com abraços fortes meus ex-cunhados e cunhadas que me encaravam surpresos.

— O que houve? – perguntei.
— Seu cabelo. Uow! Aliás... Você está radiante! – Joe dizia como se buscasse entender o que havia acontecido.

Sorri e sentei-me no sofá frente a eles.

— Você está muito mais radiante mesmo, . – Sophie disse feliz.
— Eu não poderia ficar esperando a vida passar diante dos meus olhos. – afirmei.

Kevin encarou minha frase com um olhar preocupado, e não hesitou em perguntar:

— Mas, você está mesmo bem, ou essa mudança é uma fuga?

Encarei meu irmão e Miley que sorriram convencidos para mim.

— Eu não me lembro de estar tão bem há tempos!
— Não quero ser indelicado, ... Mas, você tem melhorado desde que se separou do Nick... E que bom que sua separação não a fez se afastar de nós.
— Um divórcio envolve fases, Joe. Eu já sofri o que precisava, e agora estou me recuperando melhor. Mas... Confesso que não estou aberta a forçar uma convivência desnecessária com a família Jonas, porém, enquanto pudermos nos encontrar de forma confortável como hoje, está tudo bem.

Eles se entreolharam buscando compreender minha fala, e Kevin novamente se pronunciou sabiamente:

— Sua relação com nossa família nunca se resumiu a ser casada com Nick ou não. Por isso, não tem porque algo ser forçado. Estaremos presentes na vida uns dos outros enquanto quisermos.
— Ótimo! – falei animada: — Agora falem como estão as suas vidas!

Engatamos numa conversa sobre os planos dos Jonas, desde o retorno da banda, que estava sendo pensado e seria anunciado num futuro próximo do qual ainda não sabiam como e quando, quanto aos planos de casamento de Joe e Sophie. Ainda não tinha data ou perspectivas concretas, mas senti verdadeiramente que os dois amavam-se suficientemente para ter sensatez naquela decisão. Ninguém falou nada sobre Nicholas, e era melhor. Eu não teria estômago para ouvir meus ex-cunhados contando-me os planos dele. Embora tenha assumido aquele papel de fênix, eu não era imune ao fogo.
Dani logo que Kevin terminou de contar sobre a última pegadinha que Joe fez com ele, tratou de direcionar o assunto à festa de aniversário de Valentina. Auxiliei com as dicas que achei pertinente ao que Dani e Kevin haviam pensado. Seria uma festa bem íntima, discreta como tudo o que os envolvia, mas Dani fazia questão de ser uma festa bonita dentro do simples. Eu me propus a ajudar com o cardápio, uma vez que tempo para organizar decorações não eram tão possíveis.
Eu estava trabalhando como uma louca desde o divórcio, por várias questões que envolviam desde ao alívio mental, até ao fato de contar que agora, as despesas da casa eram apenas minhas. Eu precisava me reorganizar, e por que não, almejar novos horizontes como uma empresária. Nicholas continuava depositando uma pensão para em uma conta bancária que tínhamos aberto quando ela nasceu. Ele era um pai responsável apesar de tudo.
Depois de terminarmos o café, comido e bebido e acertado os assuntos aos quais levaram todos ali, o meu irmão se levantou em despedida junto à sua namorada. Os Jonas adoraram conhecê-la e também reencontrar . Éramos um bom grupo de amigos, e como disse Kevin, isso era mais importante do que eu estar ou não casada com Nick para estar com eles.
despediu-se do tio, e assim que fechei a porta da sala, após acompanhar a saída de meu irmão pelo portão, Kevin, Joe, Sophie e Dani estavam levantando-se juntos para também saírem. Mas foram Alena e Valentina que nos fizeram voltar a nos sentar, preocupados e atentos.
A prima mais velha de trazia-a pela mão, me dizendo que a menina estava sentindo-se mal. Rapidamente me abaixei para ver e depois de tê-la em meu colo, fui analisar o que acontecia. Novamente, sentia a mesma dor no abdômen. Peguei seu kit para diabetes, fiz aferição da sua glicose e constatei que estava alta. Como ela havia passado a manhã com e Miley, embora ambos sejam muito responsáveis, certamente comeu mais do que deveria sem ter tido alguma supervisão.


Capítulo 9

“If you... If you could get by trying not to lie”


Kevin e Dani levavam as meninas ao carro deles, Joe se adiantava em colocar na cadeirinha do meu carro, Sophie fechava a minha casa para mim, enquanto eu fui à busca dos documentos de minha filha e meus, e claro, fui à busca de .
Joseph se prontificou a dirigir por mim. Eu estava ao banco de trás segurando a mãozinha de . Sophie no banco da frente se mantinha atenta a nós, enquanto Kevin e família seguiam atrás no carro dele.

? Tudo bem?
! Sim, e com você?
– a voz do médico era alegre e denotava certa surpresa pela minha ligação.
— Está no hospital?
— Não, mas estou saindo para lá. O que aconteceu?


Ouvi barulho alto de chaves caindo ao chão e portas sendo batidas na ligação, e supus que a calmaria do médico havia dissipado ao perceber a urgência da minha ligação.

— Outro pico glicêmico da , ela está sentindo-se mal como da outra vez. Está reclamando pouco de dor, mas está indisposta. Eu estou a caminho do hospital com ela.
— Ligarei para a enfermeira chefe e direi para acomodá-la assim que vocês chegarem. Eu devo estar lá em quinze minutos.
— Obrigada por isso, .
– falei mais aliviada.

Joseph me perguntou se estava tudo bem, e eu assenti mais calma.

— Vou avisar ao seu irmão. vai providenciar que seja acomodada até ele chegar.
— Ele é um excelente médico pelo visto. – Sophie falou tão mais calma quanto eu.
— Ele é. é excelente.

Falei enquanto ouvia a chamada de espera da ligação para Nicholas, e Joe me encarava analítico pelo retrovisor. Encarei-o por um tempo até a chamada ir para a caixa postal.

— Não consigo falar com Nicholas.
— Mande mensagem para ele do meu celular, Sophie.

Joe pediu entregando o celular que estava em seu bolso, para a noiva enquanto eu já enviava mensagens de texto ao Nick.

— Não é possível que ele vá atender a uma mensagem sua e ignorar a minha. O que o Nicholas pensa? Que eu vou ficar enviando mensagem a ele para chamá-lo para um café?
— Acalme-se ... Nick só...
— Está com a Priyanka. – Sophie falou interrompendo Joe que a encarou negativamente.
— Ah! E por isso não passaria na mente fértil dele, que a mãe da sua filha está tentando comunicar que... – respirei fundo e parei de falar sobre ele — Quer saber? Não me importa. O meu papel de tentar avisá-lo, eu fiz.
— Ele só não deve estar próximo ao telefone . Não é como se estivesse ignorando você. – Joe apaziguava.
— Não precisa defender seu irmão Joe. Na verdade, nenhum de vocês precisa. Eu estou muito consciente de ter feito o que eu deveria.

O silêncio foi posto assim que resmungou de dor, e perguntou se o pai ia ver ela.

— Vai sim, meu amor. Só vai demorar um pouquinho.
— O tio vai estar lá?
— O tio já está se preparando pra ver você, minha princesa.

O alívio de foi imediato. E eu, pela primeira vez notei o quanto mais do que gostar da pessoa de , confiava nele. Como se soubesse que era responsável por garantir um conforto aos maus estares dela, a pequena menina ao saber que o médico estaria lá, relaxou sua expressão facial, dentro do que era possível. Fiz nota mental, de conversar com a psicóloga dela sobre aquilo. Seria saudável se apegar daquela forma a um único médico? E se por ventura, algum dia não pudesse atendê-la?
Assim que Joe estacionou eu soltei da cadeirinha a pegando no colo, e afoita ia correr para dentro do hospital, mas Kevin me impediu e pediu que eu o deixasse carregá-la. Eu estava visivelmente nervosa. Entreguei a menina a ele, que se pôs a andar ao meu lado acompanhando meus passos. Fui à recepção e ao encontrar a enfermeira chefe, ela direcionou-nos ao quarto que estava separado um leito para .

— O Dr. acabou de me bipar, dizendo que está estacionando. Ele já subirá e vai se aprontar.
— Obrigada enfermeira Stevenson.
— Imagina , um pedido urgente de é uma ordem para nós.

Ela disse e saiu tranquila e risonha.

— É... Parece que você é mesmo muito querida pelo Dr. , . – Joe brincou aliviando a carinha triste da sobrinha.
— Tio é meu herói, tio Joe.

Sorrimos para ela, e Kevin e Dani se despediram de e eu. Eles precisavam levar as meninas para casa. As primas abraçaram a e eu, elas saíram ainda um pouquinho preocupadas, mesmo nós duas dizendo que tudo estava bem e que só iria tomar uns remedinhos. Joe e Sophie queriam ficar para nos fazer companhia, mas eu tratei de dispensá-los logo, já que estavam sem carro por terem ido à minha casa junto ao Kevin.

— Não é preciso, podem ir. Fiquem tranquilos. Eu estou com o meu carro. Só deem um jeito de fazer Nicholas ao menos vir vê-la. Vocês viram que ela está o esperando, não é?
— Ele já está vindo, eu já consegui falar com ele . – Joe respondeu me abraçando.
— Ótimo... Agora vão.

Assim que me despedia deles, com abraços rápidos, adentrou no quarto assustando-se pela quantidade de pessoas e me olhando de cima a baixo preocupado.

— Ah... Boa tarde. – ele cumprimentou-nos.
— Boa tarde.

Os demais responderam e eu me aproximei do leito de . Todos disseram para eu dar notícias, e saíram do quarto deixando-nos a sós. já examinava , brincando com ela e a fazendo sorrir.

— Que ótimo rever a minha amiga! Mas, bem que podia ser no parque, não é senhorita princesa? – ele disse e ela riu concordando.
— Você levou a minha mamãe no parque, tio ?

O médico e eu nos entreolhamos risonhos.

— Hm... Não. Eu levei sua mamãe para comer num restaurante.
— Que chato. Ela faz isso todo dia, tio!
— Oras... Mas você não me disse onde eu poderia levar a sua mamãe!
— Você não me perguntou! – ela respondeu aflita.
— É verdade! Onde eu poderia levar a , então, hein?
— Hm... – pensou um pouquinho vendo o médico examinar seu abdômen apertando-o, após ter medido a glicose — Já sei! Num lugar que eu também posso ir junto!
— Onde seria isso, hein ? – ele me perguntou fingindo não saber e a , respondeu rápida, antes de mim:
— No parque tio ! Leva eu e a mamãe no parque!

Nós rimos da euforia da menina que já aparentava estar melhor. Parecia até que todo seu mal estar passou ao ver o médico.

— Tá bom. Eu levo! Desde que a senhorita não coma mais escondido.

Ele me encarou indicando a causa do mal estar. sorriu travessa, e concordou. estendeu a ela uma bebida à base de soro, e alguns compostos que eu não entendi bem o que eram para auxiliar a queda da glicose.

— Viu mamãe?! – falava animada depois de virar o copinho de uma vez só: — Tio vai levar nós duas no parque!

Eu sorri, mas assim que terminou de falar ela viu Nicholas parado na porta do quarto encarando a nós três com uma expressão de espanto.

— Papai! – ela disse animada.

Nicholas se apressou a alcançar a filha e abraçá-la. Cumprimentou com o olhar e um leve cabeceio, e se levantou puxando-me para um abraço. Eu fiquei assustada pela aproximação incomum desde que nos separamos, e percebi o espanto no rosto de Nicholas, como alguém confuso tentando entender o ocorrido.
me olhou com um sorriso cúmplice de quem entendia a situação estranha, e eu, na verdade ainda o olhei com a mesma expressão de dúvida.

— Bem. Pais, o que aconteceu é que provavelmente comeu a mais do que o possível, e certamente ingeriu algo fora da dieta, algum alimento rico em açúcar. A glicose subiu mais rápido do que a insulina poderia agir, e teve um quadro brando de hiperglicemia. Vamos manter a observação por algumas horas aqui, e...

se abaixou à altura do rosto de , e falou sorrindo a ela, sem perder a postura de médico:

— Mocinha, eu sei que às vezes dá uma vontade grandona de comer doces. Mas, seja lá o que você queira comer , é só pedir ao papai e à mamãe. Não é preciso comer escondido, porque você pode comer o que quiser, só que antes deve tomar o remedinho. Por isso, papai e mamãe tem que saber tudo o que você come, está bem?
— Tá bom tio . Eu não vou mais comer nada sem falar com eles.
— Ou com quem estiver cuidando de você, filha. – alertei.
— Tá bom mamãe.
— E o caderninho que o tio deu para você? – perguntou.
— Eu desenhei tudo!

falou animada. deu a ela um caderno para que ela desenhasse tudo o que come, como uma forma de incentivar nela o hábito de fazer o recordatório alimentar diário. ainda não sabe escrever, por isso, ela desenha tudo o que come, ou melhor, tudo o que lembra. É só uma brincadeira, mas ela acha que faz parte do tratamento, e é bom criar o hábito.

— Muito bem! Eu vou ver as outras crianças e mais tarde retorno para te ver, tudo bem?
— Quando a gente vai no parque? – perguntou ansiosa.

Nicholas olhou para nós dois de um modo desconfortável.

— Quando a mamãe estiver menos ocupada. – respondi e sorri para , que piscou sorrindo em minha direção e saiu.

Nicholas esperou o médico sair para só então conversar com . Ficou um tempo sentado à cama dela, abraçado a ela, brincando e conversando. Não direcionou muitas palavras a mim. Eu fui ao canto do quarto telefonar para Alex, informar a ele para segurar as pontas no bistrô. Quando me reaproximei foi que Nicholas falou comigo.

— Seu cabelo... Por que fez isso?
— Porque eu quis. Que tipo de pergunta é essa? Foi bem grosseiro. – falei incrédula, mas calma.
— Desculpe, não quis o ser. Eu só... Fiquei surpreso.
— A mamãe está linda. – disse mexendo no telefone do pai.
— A mamãe não está filha, ela é linda. – ele respondeu sorrindo para a menina que sorriu junto.

Mantive-me em silêncio sem ver motivos para adentrar a conversa, respondê-lo ou render aquele tipo de assunto.

— Pode ir para o restaurante, . Eu levo a para minha casa.
— Não é preciso.
— Mas, e se ela quiser? – ele perguntou um pouco reticente.
— Então pergunte a ela. – eu respondi óbvia e começando a me irritar.
— Filha quer ir para a casa do papai, para a mamãe poder ir trabalhar? – o encarou, pensativa, e me olhou em seguida, até que Nick continuou: — A Pri está lá também, ansiosa para brincar com você.
— Eu quero ir pra casa da mamãe.

Assim que ela respondeu, eu me senti incomodada, e não sabia o que estava me deixando daquela forma.

— Filha, conversa com o papai que eu vou pegar água pra você e pra mamãe, tudo bem? – beijei a testa dela e os deixei a sós.

Quando retornei Nicholas e ela, tinham combinado de que iriam pra minha casa.

— Pode ir , eu sei que hoje é dia de restaurante cheio. Eu levo para sua casa assim que o médico liberá-la, e aguardamos você lá se não houver problemas.
— Tem certeza que não quer dormir no papai hoje filha?
— Não, eu quero dormir com você, mamãe.
— Tudo bem então...

Retirei a chave de casa da bolsa e entreguei ao Nicholas. Despedi-me dos dois e fui em direção ao consultório de avisá-lo que eu estava de saída. Mas, ele não estava por lá. Encontrei o no corredor próximo ao consultório.

— O que houve? – ele perguntou se aproximando demonstrando preocupação.
— Eu estou indo para o restaurante, Nicholas vai ficar com a e levá-la para minha casa depois.
— Ah, tudo bem. Eu passarei logo mais ao quarto dela, e creio que poderei liberá-la.
— Obrigada , de verdade. Hoje você foi muito atencioso pedindo à enfermeira Stevenson para preparar o leito de .
— Imagine !

Ele sorriu e me abraçou amigável e discreto. Voltamos a caminhar na direção do corredor onde estava. Uma enfermeira passou por nós e me encarou.

— Elas não podem ver um médico atencioso à mãe de uma paciente... – ele disse brincalhão em tom de reclamação.
— Desde que não atrapalhem a sua carreira, os rumores nunca me importaram, você sabe.
— É, você poderia me ensinar como lidar melhor com isso, depois.

Paramos no cruzamento entre um corredor e outro. beijou minha testa e se despediu retomando o caminho ao qual tínhamos vindo. E eu fiquei um tempo, parada, o observando afastar.
Não reparei o sorriso que estava exposto em minha face, até que a figura de Nicholas surgida ao meu lado, o desfizesse.

— Vim pegar mais água para a .
— Ela está bem? – perguntei.
— Sim... – ele respondeu e ficamos nos olhando sem jeito — Eu achei que você já tinha saído.
— Eu fui até avisá-lo que iria embora.
— Por quê?
— Como?
— Por que foi avisar ao médico da que estava saindo, se a deixou com o pai dela?
— Ah, apenas... Eu também precisava agradecê-lo pela prontidão de atender a .
— É o trabalho dele.
— Não seja grosseiro. Sendo ou não o trabalho dele, faz bem ao tratamento de .
— Parece que não é só a ela que ele tem feito bem.

Encarei Nicholas com uma expressão cansada.

— A cadeirinha de , está no seu carro? – perguntei desconversando.
— Claro. Eu nunca a tiro.
Fiz sinal positivo e silencioso, com a cabeça.

— Não é como se eu me esquecesse de que tenho uma filha, . – ele falou ofendido.
— Eu não disse isso.
— Mas age como se eu fosse um pai relapso. Joseph me contou que você não gostou da minha demora em atender à ligação. Eu estava...
— Eu não me importo com você atendendo ou não, aos meus chamados por sua filha, Nicholas. Eu só quero deixar muito claro que eu sempre farei o possível para que a e você estejam conectados, assim você nunca poderá me acusar de nada.
— Quando foi que eu acusei você, ?
— Logo que chegou você jogou um mundo de culpa sobre mim por não ter sido informado do tratamento dela. Eu entendi o seu recado ali, e por isso não pretendo intermediar os assuntos sobre a por sua família mais. Não vou dar a mínima para suas ocupações quando se tratar de informar e cobrar a sua presença perto da sua filha.
... Eu jamais vou colocar vocês duas em segundo plano em minha vida.
— Limite-se a não colocar a sua filha em segundo plano, quanto a mim Nick... Não importa.

Virei-me para sair, mas Nicholas pegou meu braço puxando-me bruscamente para ficar frente a ele.

— Você não veio pegar água para a ? – perguntei ríspida pela atitude inaceitável e ele abriu a boca sem emitir voz, e eu prossegui: — É melhor você ir, ela já passou muito tempo sozinha no quarto.
— Certo... Conversaremos melhor mais tarde. – ele afirmou me soltando desconcertado.

Fiz sinal positivo com a cabeça e apenas saí dali.
Durante todo o trajeto até o restaurante me peguei refletindo sobre as minhas atitudes com Nicholas. Eu estava errada em impor certas barreiras e limites entre nós dois? Eu estava errada de não querer reagir à presença daquela família como se nossas relações não mudassem?
Kevin fazia questão de dizer que nada deveria ser diferente entre eu, e todos os outros Jonas, mas... Como eu poderia agir da mesma forma, se logo, num próximo futuro seria ela a estar ali vivendo entre eles? Era errado desejar me resguardar e limitar-me apenas a, ser sociável do meu jeito?
Não bastando o incômodo que ainda era encontrar Nicholas, ao final do expediente da noite lá estaria eu, totalmente frente a frente com ele em minha casa de novo. Eu realmente tinha uma paciência que eu não conhecia.

xxxx


Alex rodeava o balcão do restaurante informando à Tiffany qualquer coisa, sobre algum atendimento ao qual eu não sabia. Eu havia acabado de aparecer no salão para cumprimentar um casal que fazia questão de trocar palavras com a chef.
Caminhei risonha até a mesa deles e assim que os cumprimentei os dois disseram que adoraram o jantar, a sobremesa, as entradas e todo o atendimento do início ao final. Já estavam de saída quando mais uma das músicas da playlist do bistrô tocou e os dois se entreolharam cúmplices.

— Como ir embora deste lugar? – a mulher perguntou ao homem.
— Por favor, poderia nos servir uma taça a mais de vinho, enquanto eu retiro minha bela esposa para a nossa dança?

Ele me perguntou e eu sorri assentindo. Os dois se dispuseram a ir até um espaço reservado do bistrô que compunha a saleta de dança.
Direcionei-me a Alex informando-o que era para ele encaminhar George a servir o vinho ao casal assim que retornassem à mesa deles. Alex e eu os olhamos brevemente, e sorrimos.
Eu me demorei um pouco mais do que o esperado observando ao casal. O riso daquela mulher e o modo como seus olhares brilhavam um para o outro. Os toques tenros do homem ao corpo dela... Aquilo me trazia uma nostálgica sensação de amor ingênuo.

— Eu sei o que está pensando. – Alex falou ao retornar ao lugar que eu ainda estava parada observando o casal.
— Que devemos voltar ao trabalho. – informei.
... Podemos tomar uma taça de vinho mais tarde? – Alex perguntou quase que me intimando.

Eu sorri e retornei à cozinha.

— Vamos lá pessoal, já está quase na hora da saída! – falei alto e animada para meus cozinheiros e cozinheiras.

Peguei o maço de alhos-poró ao qual eu havia pedido para separarem em minha bancada antes de ir cumprimentar aos clientes, e pus-me a picá-lo.
Quando o relógio denunciou uma e meia da madrugada, eu já estava me despedindo de Alex e abrindo a porta do meu carro. As minhas atividades acabaram por se encerrar cedo aquela noite.
Telefonei ao Nicholas informando que estava a caminho. Quando cheguei à minha casa, abri o portão automático da garagem e estacionei ao lado do carro de Nick. Fui tomada por uma sensação de passado e meu estômago revirou.
Desci do carro, cansada e ansiosa para ver a , e Nicholas abriu a porta da sala para eu entrar.

— Chegou cedo. – ele disse.
— Deixei Alex finalizar o movimento da madrugada.
— Que bom que você tem o Alex em sua equipe.
— Realmente. – falei jogando a minha bolsa no sofá.

Encarei Nicholas. Ele estava sem seus sapatos, de chinelo, e com outras roupas diferentes no corpo.

— Ainda têm algumas coisas minhas aqui.

Ele respondeu ao estranhar minha expressão, como se lesse meus pensamentos.

— Eu não havia reparado. Junto para você depois, tudo o que ainda estiver aqui.
— Não precisa. É bom para que em situações como essa eu possa ficar mais à vontade. – ele falou se jogando no sofá e bebericando seu uísque servido.
— Isso não faz o menor sentido. Enfim... Vou vê-la.

Eu me direcionei ao quarto de , e depositei um beijo em sua testa. Retornei à sala, onde Nick continuava ao sofá como se aquela ainda fosse a casa dele. Extremamente à vontade. Cruzei os braços, chocada pela situação atípica.

— O que disse sobre o quadro dela?
— Pergunte você ao seu namoradinho.
O tom de voz de Nicholas estava diferente, ele levantou e aproximou-se de mim a passos fracos.

Tocar: Mentiras

Nada ficou no lugar
Eu quero entregar suas mentiras
Eu vou invadir sua alma
Queria falar sua língua

— Quantas doses você já bebeu Nicholas?

Perguntei ao perceber que ele não estava exatamente sóbrio e peguei o copo sobre a mesa de centro, o levando à cozinha para que ele não mais bebesse.

— O suficiente para engolir algumas coisas.
— Certo, eu acho melhor você ir embora. Sinto que há algo que estou perdendo aqui...
— Eu conversei com o seu namoradinho.
— Ai céus... Eu não acredito que você está agindo como um adolescente idiota há esta hora.

Nicholas, devagar acompanhou meus passos até o meu quarto, e quando o vi no cômodo, percebi que ele estava atrás de algum diálogo que eu certamente não ia querer.
— Você gosta dele?
— Que conversa é essa, Nicholas?
— Me responde.
— Você gosta dela?

Ele se manteve em silêncio.

— Se você não tem coragem para me dar essa resposta, por que é que está rompendo os limites?
...
— Nicholas, por favor! Eu estou cansada, quero tomar um banho...
— Pode ir. – falou exasperado apontando à minha suíte: — Não é como se eu não conhecesse cada curva do seu corpo!
— Você está fora de si.

Falei chocada passando as mãos em minha cabeça.

Eu vou publicar seus segredos
Eu vou mergulhar sua guia
Eu vou derramar nos seus planos
O resto da minha alegria


— Por que você está fazendo isso? Por que está mudando o visual, por que está impondo uma relação de distância entre nós...? – ele disparou a falar, e eu o interrompi.
— Porque não temos que ser amigos, pelo menos não agora. Respeite meu espaço Nicholas! A única coisa que me faz ter alguma ligação a você é a nossa filha. E por um bom tempo é assim que será.
... Nós já devíamos ter superado tudo aquilo. Eu não gosto de me perceber tão longe da sua vida. A sensação que tenho é que você esta seguindo a sua vida sem mim.
— Que bom não é? Seguir sem você é algo natural agora. Ou pelo menos deve ser. Acha que só você tem o direito de ser feliz Nicholas?
— Não. Eu quero muito que você seja feliz, é só que... – ele ponderou sua fala.
— Que?
— Sei lá... Eu acho que... Eu não esperava que você fosse se recuperar tão rápido.
— Rápido? Tem ideia do quanto eu sofri para chegar até aqui? Olhe para você! – exaltei a voz me sentindo ofendida: — Você superou a tudo bem demais! Eu ainda tenho que lidar com os fantasmas da sua traição e você vêm dizer que esperava me ver sofrendo por você durante mais tempo?
— Eu não te superei! – ele gritou se levantando da cama e me encarando: — Eu não superei ... Eu estou tentando esconder o fato de eu ter sido um canalha que destruiu a nossa família.

Que é pra ver se você volta
Que é pra ver se você vem
Que é pra ver se você olha
Pra mim


— O que prova o quão canalha você continua sendo em usar Priyanka desse jeito. O que você queria Nicholas? – direcionei a ele um olhar tão duro quanto a minha fala.
— Eu não quero perder a minha filha.
— Que raios de conversa é essa, meu Deus...? – sussurrei dando meia volta no quarto — Nicholas, você não vai perder a !
— Ela está completamente encantada com o seu namorado, ficou me contando o quanto ele é legal, e como ela vai se divertir indo ao parque, e ainda por cima... Ela é só uma criança... Meu Deus, minha filha me chamou para ir ao parque com a mãe e o namorado dela!
— Ele não é meu namorado. E eu não acredito que tenho que ficar repetindo isso pra você...
— Ah não? Então me explica por que você sorri para ele daquele jeito que eu peguei mais cedo?
— Você está sendo patético!

Falei bufando e entrando no banheiro. Nicholas me seguiu e eu já não me importava, tirei minha blusa e abri o chuveiro enchendo a banheira.

— Então me diz por que a me chamou para ir ao parque com vocês dois? Que tipo de relação é esta onde a mãe da minha filha sai com o médico dela?
— Isso não é da sua conta! Eu não devo explicações a você e perceba o que você está dizendo e fazendo, Nicholas! Me expor, a estar com minha filha num evento seu com a Priyanka foi exatamente o que você fez! não tem a maldade que você tem na cabeça! Ela só queria que o pai dela fosse com ela em um passeio junto à mãe, como você fez!
— Então por que este cretino desse está no meio disso!?
— Ele não é um cretino! Não desconte nele a sua culpa!
— Meu Deus... Você gosta dele... – Nicholas falou me encarando com os olhos cheios de lágrima.

Eu não sabia se era o efeito do álcool, ou se Nicholas estava de fato confuso. Parecia que a ficha dele tinha caído só naquele momento.

— O que afinal, você e conversaram? – perguntei.

Meu olhar tão confuso de quem tentava entender a situação, para Nicholas, despertou alguma reação que eu não poderia decifrar. Ele se aproximou de mim e levou suas mãos à minha cintura. Seus olhos profundos encarando os meus, despertaram um desejo absurdo e incontido em mim, de desabar em lágrimas. E foi o que eu pude fazer.
Foi assim que eu pude reagir ao toque das mãos dele à minha cintura, e ao seu olhar forte nos meus. Nick encostou a testa ao meu ombro chorando como uma criança, e eu que apenas deixava as lágrimas pesadas e grossas escorrerem em minha face, intervi àquela situação incômoda logo:

— É melhor você ir, Nicholas.

Ele se afastou reticente, limpou as lágrimas e me deixou sozinha no banheiro. Eu fechei a torneira da banheira, e me concentrei ao meu momento. Liguei o rádio que fica ao lado da minha banheira, já numa estação de canções antigas que eu gosto, e depois de tirar minha roupa, mergulhei naqueles sais e espumas em água quente, a fim de esvaziar a mente.


Capítulo 10

“This wouldn’t be so confused. And I wouldn’t feel so used...”.


Tocar: My Lovers Gone


A canção que em meu subconsciente martelava, foi a responsável por me despertar. A voz doce da cantora Dido foi a responsável por transformar os meus pensamentos momentâneos em melodia. E com aqueles suaves acordes, eu acordei do sono que havia me pegado enquanto eu tomava banho.

My lover's gone
(Meu amor se foi)
His boots no longer by my door
(As suas botas não estarão na minha porta)
He left at dawn
(Ele partiu pela madrugada)
And as I slept I felt him go
(E enquanto eu dormia, eu o sentia partir)


A água já estava gelada o suficiente para eu perceber a minha pele arrepiada. Não havia som algum pela casa que denunciasse a presença de Nicholas. Certamente ele teria ido embora. Minhas memórias retornaram para algumas horas antes, quando Nicholas e eu estávamos imersos numa realidade confusa demais para que eu sóbria, compreendesse os devaneios dele. Que por sinal, estava anestesiado pelo uísque.
Cada vez que eu o encontrava, eu perdia um pouco do sentimento genuíno que sentia por Nicholas, perdia um pouco da culpa que me corroía desde a nossa separação e descobria uma avalanche de indagações sem respostas.
Nicholas demonstrou-se arrependido naquela noite. Mas, até onde era um arrependimento real? E por que ele não conseguia ficar sozinho por um tempo? Por que Nicholas sempre buscava alívio das consequências de suas ações em outras pessoas?

Returns no more
(Não volta mais)
I will not watch the ocean
(Eu não olharei para o oceano)
My lover's gone
(Meu amor se foi)
No earthly ships will ever bring him home again
(Nenhum navio terrestre o trará para casa novamente)
Bring him home again
(Trará para casa novamente)


Eu começava a sentir que Priyanka não teria ganhado um parceiro tão sincero assim. Na verdade... É até irônico, confiar que o homem que dizia amar uma mulher e ter uma amante, seria sincero em seus sentimentos por outra. E eu confesso ter acreditado que as mentiras de Nicholas foram unicamente destinadas a mim. Eu acreditei que ele amasse à Priyanka. E analisando a situação daquela noite – talvez com importância demais, dado o fato de meu ex-marido estar bêbado e com uma obsessiva ideia de que estaria perdendo a filha, para o suposto namorado da mãe dela – pode ser que eu, estivesse enganada.
Ah! Ainda tinha aquilo... Que raio de ideia era aquela? Desde quando ficou tão absurdamente claro ao mundo, que eu estaria envolvida ao ? Seria possível que eu fosse a única a não ver alguma coisa? Chegava a ser sufocante pensar que uma mulher, mesmo divorciada, não possa desejar ficar só. É pressão machista demais, para eu conseguir delinear meu empoderamento, com o mínimo de sanidade.
A pele enrugada pela água e o frio que eu já sentia, me fizeram levantar da banheira, abrir o ralo, e direcionar-me ao box.

My lover's gone
(Meu amor se foi)
I know that kiss will be my last
(Eu sabia que seria meu último beijo)
No more his song
(Não mais o seu som)
The tune upon his lips has passed
(A melodia sobre os seus lábios se foi)


Tomei um verdadeiro banho quente – diferente do que eu havia feito: ficar de molho na banheira – não só desejando aquecer meu corpo, mas anuviar os pensamentos confusos. Mas a voz de Dido ecoava como uma narrativa certeira da minha tragédia. O que aconteceria se Nicholas descobrisse que ainda me amava? Aliás, amar... Será? vivia me dizendo que se Nicholas não tivesse me amado um dia, não teria construído comigo uma história como a nossa. Mas, eu não compreendia. Não compreendia como de repente ele pôde deixar que eu destruísse cada pedacinho de nós. Como ele pode, também, destruir.
Demorou, mas eu começava a entender que não havia culpados, porque na verdade, os culpados éramos os dois. E não, não éramos culpados por ter permitido uma relação como a nossa acabar, éramos culpados por carregar todas as premissas que nos faziam sofrer. A minha culpa e a de Nicholas, morava na autodestruição do dia a dia. Eu não destruí meu relacionamento. Eu me destruí. E ele também, na tentativa de se resguardar em mim.

I sing alone
(Eu canto sozinha)
While I watch the ocean
(Enquanto eu olho o oceano)
My lover's gone
(Meu amor se foi)
No earthly ships will ever bring him home again
(Nenhum navio terrestre o trará para casa novamente)
Bring him home again
(Trará para casa novamente)


Puxei a toalha, e em seguida vesti um conjunto de moletom. O relógio marcava quatro horas da manhã, e eu fui ao quarto de verificar se ela estava bem. Retornei ao meu cômodo, e deitada em minha cama, sorri. Havia naquele sorriso, um alívio de quem começava a compreender algumas libertações necessárias. Não pensei em nada, obriguei-me a dormir. E fechando os olhos, eu adormeci sem pesos.
O despertador tocou e embora eu esperasse acordar cansada, meu sono curto obteve qualidade suficiente para eu me espreguiçar como uma menina. Depois de escovar os meus dentes, eu caminhei tranquila até o quarto de minha filha que ainda dormia. Decidi preparar um café e um lanche bem gostoso e divertido para levar à escola, antes de acordá-la. Quando cheguei à sala, fui diretamente à cozinha. Comecei a preparar o café no balcão, e então o vi.
Nicholas estava dormindo encolhido no sofá.
Quão fora de si, ele estava?
Não o acordei de princípio. Terminei de preparar o lanche de , o café da manhã e só então fui até ele. Abri primeiramente as cortinas da sala, o Sol que entrava não era suficiente para acordá-lo. Parei à sua frente, com as mãos apoiadas em meus quadris, digerindo a situação. O telefone de Nicholas tocou estridente e nem assim ele acordou. Como era de costume após uma bebedeira. Na segunda vez que a chamada tocou, eu o peguei e atendi sem ao menos ver quem era. Ocupava-me em decidir se o acordaria à vassouradas, ou a banho de água fria.

— Alô?

A chamada muda. Eu sabia que não tinha caído, só porque eu ouvia a uma respiração.

— O Nicholas está aí? – a voz da mulher que me perguntava demonstrava a clara insatisfação.

Arregalei os olhos surpresa. Não havia cogitado ser uma ligação de Priyanka. E não. Eu não desejava tê-la atendido.

— Sim. Está dormindo apagado em meu sofá. Já vou expulsá-lo para você.
— Avise a ele que eu telefonei.


Apenas desliguei a chamada sem dar-me ao trabalho de responder a “ordem” sarcástica dela. Joguei o telefone sobre ele, que remexeu um pouco.

— Nicholas, levante! – falei alto, sacudindo-o.

Ele despertou aos poucos, assustado e confuso quando me viu.

— Eu vou acordar a para ir à escola, seria ótimo que ela não o visse. Então, por favor, faça o que deveria ter feito ontem quando pedi e vá embora.

Ele me olhava com o semblante de quem não estava se sentindo bem pós-ressaca. E eu não fiz a menor questão de aliviar a enxaqueca matutina dele. Falei alto e dei as costas, lembrando-me de seu recado:

— Aliás, Priyanka pediu para avisar que ela telefonou.

Quando entrei ao quarto de acordando-a docemente, eu não contive o riso pela expressão de Nicholas. Certamente ele estava com raiva o suficiente de si. Aprontei minha filha, que assim como o pai, não é muito comunicativa pela manhã. Combinei de que iríamos fazer compotinhas de picles à tarde, e ela sorriu um pouco animada. Quando fomos em direção à sala e viu seu pai sair do banheiro, o sorriso de minha filha dilacerou meu coração. E eu queria dilacerar o Nicholas que não evitou aquela situação.

— O papai voltou! – ela gritou pulando ao colo dele.

Nicholas mal teve tempo de dizer alguma coisa, pois me senti no dever de corrigir aquilo já imaginando o sabão que a psicóloga iria me passar.

— Não filha. O papai não voltou, ele veio tomar café com você.

Mesmo não sendo a resposta que ela queria ouvir, a animação de não foi evitada. Servi o café da manhã dela, e deixei que Nicholas a acompanhasse enquanto eu ia me arrumar para trabalhar.
Dentro do quarto eu escolhia a roupa do trabalho, quando ao olhar em direção à porta do cômodo, eu espreitava silenciosa a conversa de pai e filha na cozinha. Não consegui ouvir nada além das risadas entre eles. E novamente, meu coração se fez pequeno. Era um tanto quanto nostálgico ouvir aquele som, naquele ambiente que até certo tempo atrás, era o nosso lar. Chacoalhei a cabeça e passei por cima do fantasma de Nicholas bêbado na noite anterior, no meio do meu quarto, quando apressada fui jogar uma rápida água no corpo e trocar de roupa.
Com mechas de cabelo escorrendo aos meus olhos, saí atrapalhada calçando os chinelos ao ouvir a buzina do ônibus escolar de à nossa porta. Nicholas já estava colocando a mochilinha e a lancheira no corpo da menina, quando os alcancei e abri a porta da sala:

— Bom dia!

Falei alto da entrada da casa, para que a acompanhante do ônibus das crianças entendesse que já estava a caminho, e me adiantei em ir até minha filha e impedir que Nicholas a acompanhasse.

— Filha, tenha um bom dia na escolinha. Se comporte direitinho e não se esqueça de desenhar tudo o que comer. Não se esqueça de perguntar à professora quando for comer algo diferente do que a mamãe colocou na sua lancheira, tá?
— Tá bom mamãe.
— Dê um beijo no seu pai.
A menina o abraçou e eu a levei até o ônibus. Ao retornar, Nicholas estava escorado no balcão da cozinha me encarando, com sua expressão mal humorada. E olha, que se alguém deveria estar de mau humor, este alguém era eu.

— Isso tudo é medo que eu seja visto saindo da sua casa?

Ele perguntou mencionando a cena onde eu me adiantei para guiar a até o portão.

— Certamente. Já não basta a senhora Baker tê-lo visto outro dia na entrada bem antes das sete da manhã.
— Por favor, , não seja tão ridícula.
— Não é questão de ser ridícula, Jonas. É questão de que os acompanhamentos educacionais e psicológicos da minha filha estão interligados, e eu não sei se você sabe, mas o divórcio ainda é novidade para ela.
— Não precisa exagerar como tem feito. Você tem deixado a muito distante das fantasias. Isso não é positivo. Não podemos deixar que ela se torne uma mini adulta!
— E eu não faço isso! Não me venha com este dedo acusador. A realidade é necessária, e só se torna dolorosa quando não se tem um pingo de amor pelo outro. O que não é o caso com a minha filha.

Nicholas bufou e eu o dei as costas. Mais tempo ali faria Nicholas encontrar inúmeras razões para discutir comigo, e eu contra argumentar mais inúmeras, e bem... Eu precisava trabalhar.
Soltei o cabelo, sentada à penteadeira, e a figura envergonhada do homem que surgiu atrás de mim, não hesitou em tocar no assunto tabu do momento.

... Hrrm. – pigarreou massageando a nuca e com o semblante fechado como era costume: — Temos que conversar sobre ontem à noite.
— Não sei até onde a sua memória está intacta, mas não aconteceu nada Nicholas, por isso, não. Não temos que conversar.
— Eu acho que eu disse algumas coisas que precisam ser mais bem esclarecidas. – ele aproximou-se sentando à minha cama.
— Não precisam não, fique tranquilo. A sua atitude de ontem não mudou em nada a nossa relação atual, e eu acho que você deveria se poupar para explicar à Priyanka os motivos que o fizeram dormir na casa da sua ex-mulher, sem avisá-la, pelo visto. Embora eu ache que ela devesse estar menos surpresa com isso...
, por favor, não seja infantil.
— Não estou sendo infantil Nicholas. – fechei a maquiagem calma retornando ao guarda-roupa atrás da minha bolsa: — Eu apenas preciso trabalhar e não acho que devêssemos perder tempo discutindo coisas que você me disse enquanto estava bêbado.
— Não vai nem tomar café?
— Com você? Para você insistir nesse assunto? Não.
— Você está cada vez mais impossível.

Eu ri abertamente de seu constrangimento e então me mostrei bem humorada:

— Relaxa Jonas! Eu vou tomar café no bistrô por que eu realmente preciso chegar cedo, agora vamos! – fui me encaminhando à porta de casa apressada, e parada segurando a maçaneta o desejei: — Tenha um excelente dia!

Nicholas fitou meu sorriso cara a cara, enquanto eu ainda o aguardava na porta para trancar minha casa, e então desviei o olhar e suspirei pesadamente. Ele se direcionou ao próprio carro estacionado à frente do meu na garagem, e eu fui ao meu automóvel. Assim que saí aguardei o carro dele alcançar a rua, e apertei o botão automático do portão e quando o mesmo fechou, apenas olhei do meu retrovisor para o carro de Nicholas estacionado atrás do meu e saí acelerando, sem dar mais qualquer sinal de despedida.
Depois de cumprimentar todos os meus funcionários que já estavam adentrando ao restaurante, recém-aberto pela minha hostess da manhã, Marianne, eu fui até à cozinha conferir sua organização. Em seguida chamei Marianne ao escritório, antes que o movimento do café a exigisse mais participativa no atendimento.

— Aconteceu alguma coisa ? – ela perguntou preocupada ao entrar logo em seguida a mim.
— Mari, eu quero saber como andam as coisas aqui pela manhã. Eu não consigo chegar no horário de antes, mas pretendo me reorganizar para isso assim que a estiver mais adaptada à escola.
— Ah... Não há que se preocupar quanto a isso . Eu tenho conseguido chegar aqui bem antes do Sol nascer e colocar as coisas em ordem, os funcionários tem chegado pontualmente também. Desde que você passou a vir no horário de abertura, não tenho tido problemas.
— Ótimo Mari. Fico muito tranquila de ouvir isso. Mas, eu realmente pretendo organizar meu horário em breve. tem passado por uma reorganização da rotina dela, e acredito que seja um bom momento para mexer no horário dela acordar também. Contudo... Eu preciso pensar com calma a respeito.
— Fique tranquila. – ela sorriu animando-me: — Como eu disse, está tudo sob controle.
— Eu vou administrar os balanços e pedidos de fornecedores agora pela manhã aqui no escritório, então qualquer coisa pode me chamar, ok? Ah! E este final de semana, a equipe da manhã está escalada para o sábado, poderia lembrar a todos, por favor?
— Claro!

Marianne concordou e assim que ela saiu da minha sala, eu fui até a porta do fundo de meu escritório e a abri, tendo a vista da cozinha onde os funcionários sorriam e conversavam tranquilos. Cumprimentei àqueles que eu não havia cumprimentado ainda e pedi a alguns que se encarregassem de fazer a coleta dos alimentos perecíveis para o trabalho de reaproveitamento da tarde.
Peguei os livros caixa, o balanço semanal, e lancei as informações ao meu sistema. Começava a observar uma ligeira subida dos rendimentos, com muita gratidão. O divórcio afetou aos rendimentos do bistrô, por questões que iam desde o meu temperamento desmotivado e melancólico, até as minhas ausências necessárias para acompanhar as necessidades médicas e sociais da .
Telefonei aos meus fornecedores realizando os novos pedidos necessários, e repassei à Marianne todas as informações necessárias de chegadas e entregas. Reservei um dia da minha agenda para ir ao mercado gastronômico efetuar algumas compras, e avisei a minha equipe sobre a data.
Finalizadas minhas atividades, como proprietária do lugar, vesti meu dolman, meus protetores de sapatos e cabelo e fui à cozinha realizar minhas atividades como chef. Coloquei-me a preparar as tortas geladas para o turno da tarde e noite, enquanto Carmen, minha confeiteira, terminava os preparos da manhã. Peguei o vinho aberto na noite anterior com Alex, para fazer a calda de pera ao vinho que rechearia uma das tortas. E enquanto virava a bebida na panela em fogo baixo, eu me recordei da conversa com Alex.

FLASHBACK


— Bem mocinha, agora que o movimento caiu, que tal se nós bebêssemos aquela taça de vinho?

Alex perguntou adentrando ao meu escritório com taças e garrafa em mãos.

— Você pode ser necessário no salão, sabia? – afirmei retirando meu dolman e o olhando desafiadora caminhei até o sofá do escritório.

Como se soubesse que eu interpretava um personagem, Alex sorriu sedutor sentando-se ao sofá e abrindo a bebida. Disse ter pedido ao George para fazer as honras de sua função se necessário, e me serviu. Depois de brindarmos, ele encarou-me com a mesma expressão de quem sabe o que se passa em minha cabeça. E não seria diferente. Alex era meu escudeiro há anos. No entanto, quem se espantou com uma novidade lançada, fora eu.

— Estou pensando em ir a um encontro. – ele disse.
— O quê? – perguntei alarmada.
— Nossa , eu esperava que você ficasse surpresa, mas... Você me conhece, eu sou um romântico. Poderia reagir melhor. – ele falou enviesando o sorriso e bebericando o vinho.
— Oras! Como não reagir assim, se a pessoa que vive me dando conselhos sobre o quanto eu preciso me divertir e amar outro alguém, também é a mesma pessoa que sempre me disse que “a vida é curta demais para eu deixar meus lindos olhos verdes repousarem numa mulher só” ?

Fiz aspas com as mãos, ri e bebi meu vinho deixando meu corpo relaxar ao sofá.

— Você sabe que há anos eu não sou mais este tipo de homem.
— Sim, é verdade. Mas, há anos não o vejo em um relacionamento também.
— Eu... Acho que depois que o De L’ alavancou eu me prendi demais ao trabalho, à nossa parceria aqui, e não medi o tempo que estava sendo tomado em minha vida.
— Eu me sinto culpada por isso... Você sempre foi o meu para-raios aqui dentro, e ainda é. – falei culposa pegando a mão dele.

Alex sorriu acariciando meu rosto e beijando minha mão, e fez o que eu já sabia que faria: tirar a culpa, que nem existia, de cima de mim.

— Você não tem nada a ver com o fato de que eu escolhi ocupar todas as esferas da minha vida com trabalho e noitadas, até me restar só o trabalho.
— Sente-se assim, tão solitário, Alex? – perguntei estranhando aquela personalidade desconhecida até então, para mim.
— Não é solidão. É mais uma questão de... Desejar desbravar novas fases da minha vida.

Ele sorriu e me observava tranquilo com seus olhos verdes brilhantes, e eu encarava-o pensativa.

— Foi aquele casal não foi? Eles mexeram com você também! – eu disse rindo e apontando-o acusadora.

Referia-me ao casal que estivera mais cedo ao bistrô, tão apaixonados e há tanto tempo juntos, que ao decidirem ir embora, não conseguiram por ouvir a canção “deles” tocando em nosso salão. Pediram mais vinho e foram dançar, deixando Alex e eu sorridentes a escapar olhares para eles. Alex sorriu como se já esperasse que eu falasse do casal.

— Não, não foi o casal. Na verdade, depois do seu divórcio com Nicholas, eu coloquei alguns medos na balança. E confesso ter realmente, me deixado levar pela onda de desesperança em relacionamentos depois de acompanhar por anos e anos, este seu casamento minar.
— Olha... Então com certeza, Nicholas e eu teríamos dizimado toda a sua crença romântica. O que mudou?
— Você.

Encarei Alex sem entender o que ele dizia. E ele continuava rindo com ar de superioridade.

— Você mudou . Reergueu-se e quando eu achei que você se tornaria uma mulher solitária, fria e dedicada somente à filha e ao trabalho, chegou.
— Ah não! Ah não, Alex! Não venha com essa de novo.

Eu balançava minhas mãos e bebia o meu vinho extremamente negativa ao que ele diria.

— Não estou querendo dizer que há um sentimento entre vocês dessa forma, mas... conseguiu ser um porto para você também, e tem sido bonito acompanhar a maneira como vocês fazem bem um ao outro.
— Somos apenas amigos. – falei categórica.
— Eu sei disso. Eu também sou apenas seu amigo, e nem por isso temos a mesma conexão. O que eu estou falando é de... Algo mais... Espiritual, sei lá... Sei lá, eu não acredito muito em alma gêmea e essas coisas, mas...
— Você agora vai dizer que o é minha alma gêmea? Por favor, Alex, suspenda este vinho. – falei debochada.
— Você entendeu muito bem o que eu quis dizer, engraçadinha. Eu não estou dizendo que vocês dois são o grande amor um do outro, mas estou dizendo que vê-los tem me feito desejar um grande amor na minha vida.

Observei a expressão plácida e confiante de Alex. Ele sempre se mostrava bem mais sábio do que eu, embora não tenha passado pelas mesmas experiências que eu, mas tendo assistido a toda minha vida como uma novela. Eu não conseguiria me imaginar sem o Alex. E no meio dos tumultos da minha vida, me peguei diversas vezes me lamentando por não ter me apaixonado por ele, e ele por mim. Alex era o que eu poderia dizer de “homem na medida”. É obvio que, meu julgamento se embasava apenas na superfície que eu conhecia dele.

— Bem... – pousei a taça na mesinha de abajur ao lado do sofá e peguei as duas mãos o encarando firmemente: — Eu lhe dou o meu total apoio! Acho mesmo que está na hora de você se aventurar num romance de verdade!

Rimos e ele me puxou para um abraço.

— Já tem alguma pretendente? – perguntei.
— Com este rosto aqui? Várias. E todas as noites surgem outras neste bistrô.
— Céus... Como seu ego é grande Alex. – falei revirando os olhos e dando tapinhas em seu braço.
— Na verdade... Eu não sei por onde começar. Tiffany fica se aventurando nestes aplicativos de encontro, mas... Eu não sou assim, você sabe.
— Saia com alguns amigos, dê uma desacelerada no restaurante. Prometo que não ficarei mais te colocando como estepe de tudo aqui. Assim vai lhe sobrar tempo, um tempo, diga-se de passagem, merecidíssimo para viver.
— É pode ser. Mas, quando tem que ser, a vida simplesmente se encarrega disso. O destino coloca a pessoa no nosso caminho, assim como foi com você e o .
— Alex!

Ele começou a rir e eu percebi que novamente ele estava tentando me irritar. Levantei-me a fim de me preparar para ir embora, mas Alex puxou meu punho me fazendo sentar novamente.

, espera.
— O que foi?
— E o Nicholas? Como vocês estão?
— Que tipo de pergunta é essa? – eu ri.
— Eu percebi como você ficou emocionada ao ver aquele casal dançando.
— Claro! Você também ficou. Eles me fizeram lembrar um tempo em que eu realmente acreditava que seria para sempre. Mas, não é como se eu não conseguisse esquecer o Nicholas. Eu sei que vou conseguir.
— Realmente ? Eu não desejo, de verdade que vocês voltem, porque eu sei como os dois sofreram e ainda sofrem com tudo o que o casamento se tornou, mas... Realmente, você conseguirá esquecê-lo sozinha?
— Hm... Não sei. Mas, estou tentando. E graças aos seus conselhos e aos de , eu tenho me libertado aos poucos das minhas culpas. Então, se pararmos para pensar... Eu não estou conseguindo me esquecer dele, sozinha.
— Eu fico mais aliviado então. Não quero que você desista de viver um amor algum dia por simplesmente, não conseguir extirpar o fantasma do Nicholas passado, da sua vida.
— Hm... O que foi hein, Alex? Está por acaso, pensando em fazer de mim o grande amor da sua vida?

Brinquei com a quantidade de preocupações e rumos que as conversas da noite haviam tomado.

— Não seria uma má ideia. Você é uma grande mulher, nos conhecemos há anos, me adora... E... Sem falar que você é bem gostosa e é a minha chefe. É excitante, até.

Ri surpresa pela audácia de Alex, que não demorou muito a cair na risada comigo.

— Seria incrível se fosse você há alguns anos, Alex.
— Não era para ser, acredite. Eu estava aqui e vi tudo. – ele falou divertido.

Levantamo-nos e nos abraçamos apertadamente. Novamente me desculpei por ser tão dependente da ajuda dele, e me despedi encerrando minhas atividades mais cedo que o costume, para ir ao encontro de Nicholas que estava em minha casa olhando .

FIM DO FLASHBACK


Despertei da lembrança da conversa na noite anterior com um sorriso divertido em meu rosto, e iniciando os preparos de recheio da segunda torta que faria aquela manhã.
Até três horas da tarde, eu já havia buscado na escola, trazido ela para o restaurante para almoçar comigo, ela já havia cochilado no escritório enquanto eu trabalhava, e às três horas eu a acordei para que ela me auxiliasse nas compotas. Havia prometido a ela que me ajudaria e, portanto, não poderia não acordá-la. Eu dava muita importância a cumprir as promessas que eu fazia à minha filha.
Coloquei a menina sentadinha num cantinho sem perigo da cozinha, depois de lavar suas mãos, vestir seu pequeno dolman , proteger seus pés e cabelos.
tinha uma mesinha que eu havia pedido para fazer sob medida para ela, para quando viesse à cozinha me ajudar. Ali eu dava a ela suas funções e a mantinha em segurança sob meus olhos. Todos os meus cozinheiros e cozinheiras adoravam tê-la na cozinha, mesmo que ela ficasse mais distante, e mais próxima do escritório. nunca se levantava e saía sozinha caminhando pela cozinha, pois sabia que era estritamente proibido por mim, então, sempre me gritava quando precisava de algo.
Dei a ela algumas frutinhas para que amassasse para mim, e foi o suficiente para ocupar a menina tempo o bastante para que eu agilizasse os processos das geleias, caldas, e envasilhamento dos preparos.
Depois que eu terminei minhas funções, fiz com que me ajudasse a guardar parte das compotas nos caixotes de entrega. Fomos aos nossos colaboradores fazer as doações, e assim que acabamos nós retornamos à nossa casa. Eu dei banho em minha filha, auxiliei seu para-casa, a alimentei, fiz as observações das alimentações diárias dela, assim como os cuidados com sua saúde, e por fim, dormiu.
Eram seis e meia da noite, quando a menina dormiu e eu fui tomar banho. Precisava contratar uma babá, seria a melhor maneira de reorganizar meus horários sem ter que ficar carregando para o restaurante. Eu precisava estar mais no restaurante, ou arranjar um sócio. Mas... Havia tanta coisa acontecendo ainda, que eu não conseguia tomar uma decisão rápida como era próprio à minha personalidade de anos antes dela nascer.
Telefonei ao Antoine que não poderia vir, assim como a Miley que estava ocupada e me recusei a telefonar ao Nicholas. Como já havia feito os trabalhos administrativos pela manhã, eu decidi não ir aquela noite. Aliás, nem poderia. Telefonei ao Alex me desculpando por mais uma vez deixá-lo sozinho no comando da equipe. Embora todos fossem ótimos, as culpas que antes eram depositadas ao final do meu relacionamento, começavam a recair sobre meu desempenho e organização entre ser mãe e empresária. Foi com este pensamento, que eu decidi que só uma pessoa poderia me ajudar com conselhos sobre decisões maternais: a minha mãe. Telefonei a ela, e ficamos um bom tempo conversando.


Capítulo 11

“Eu quero dar valor até ao calor do Sol. Que eu esteja preparado pra quem me conduz. Que eu seja todo dia como um girassol, de costas pro escuro e de frente pra luz”.
(Girassol – Priscilla Alcântara ft. Whindersson Nunes)


, mamãe quer vir morar comigo para me ajudar com a .
— Isso é ótimo, !
— Ah... Não sei não irmão... Eu não quero atrapalhar a vida dela. Eu me sinto culpada por isso.
— Você não deveria se chamar , deveria se chamar “Culpa”. Por favor, ! Chega disso!
— Tá, tá .
– falei revirando os olhos, contrariada — Eu estou realmente preocupada em fazer a mamãe sair da França à toa.
— Até parece...
– ele riu do outro lado da ligação — Madame Meggie sonha com um de nós implorando a ela por isso.
— Acha mesmo?
— Claro! Você sabe que desde que a mamãe ficou viúva, ela só continua na França por causa das tias. Eu tenho certeza que esta mudança só tende a ajudar vocês duas. Mudanças nem sempre são negativas, irmã.
— Bem... Eu vou pensar melhor sobre isso.
— Pense bem! Agora que você não tem mais o Nicholas morando aí, vocês podem até morar juntas.
— Ela já deixou claro que não quer. Disse que fará bem para a nossa privacidade morar separadas... Você sabe como ela é.


Apressei minha filha que ao invés de comer seu lanche, o segurava na mão hipnotizada pela televisão, enquanto eu a observava e conversava com seu tio no telefone.

— É eu sei... – ele ria pela personalidade confusa da mamãe: — Mas... De onde surgiu essa ideia?
— Eu a telefonei em um destes dias, para pedir conselhos sobre como retomar a minha rotina sem afetar tanto à . Enquanto ela era menor, era fácil trabalhar com ela por perto, ou até mesmo deixá-la com Denise. Mas, agora... Tem toda a readaptação à rotina... E aí mamãe achou uma boa ideia que eu arrumasse uma babá.
— E deixa-me adivinhar... Dias após, ela ligou dizendo que a babá seria ela.
— Exato.
– eu ri pegando o pratinho que a me entregou e indo até a cozinha para lavar — Também estou pensando em arrumar um sócio para o bistrô... Mas, você sabe como eu sou medrosa com este tipo de mudança.
— É, mas esta mudança eu realmente acho que necessita de cautela. Tem alguém em mente?
— Você?
— Jamais!
– ele gargalhava — Não tenho condições ! Sabe que o escritório me ocupa demais, e depois... Acho um tiro no pé você fechar sociedade com alguém que não seja tão participativo quanto à gerência do negócio. Ou seja... Evite arrumar alguém que vá só injetar dinheiro.
— É eu sei, mas... Pensei que você seria uma opção de manter o negócio dentro da família e manter minha autonomia.
— Hm... Entendo, mas... Sinceramente mana? Eu não quero.
— Tudo bem... Pensei também em Alex, o que você acha?
— Alex? É... Pode ser alguém a se pensar.
— Ok. Mas, depois eu converso pessoalmente com você sobre tudo isso, pode ser? A campainha está tocando.
— Certo...
– ele riu com certo tom de maldade e se despediu: — Te amo irmã, até mais.
— Também te amo, frère.
— Um beijo na minha sobrinha e abraço ao seu amigo.
– revirei os olhos com o tom de maldade que ainda usou para me irritar.
— Beijo, até.
*frère: irmão

Caminhei até a porta apressada, e concentrada em seu desenho animado, mal se deu conta de que a visita que aguardávamos havia chegado. Abri o portão para e o abracei forte, sendo retribuída com igual abraço e beijo no rosto. Assim que entrou em casa ele foi silencioso até a , que ao vê-lo deu um pulo do sofá para abraçá-lo. Deixei o pano de prato que segurava, em seu devido lugar na cozinha, e ofereci ao alguma bebida ou lanche, mas tanto quanto , o médico estava ansioso para nosso passeio no parque. Peguei minhas coisas e dando a mão à minha filha segui o médico até o seu carro.
Assim que abri a porta me lembrei da cadeirinha dela, e ficou segurando-a no colo enquanto eu retornava à garagem, e retirava-a de meu carro. Assim que puxei o cinto que prendia a cadeirinha no banco traseiro, eu corri os olhos em minha filha que estava com o médico do outro lado da rua. gargalhava com as brincadeiras que fazia com ela. Fiquei analisando aquela cena, ali de dentro da minha garagem, com um incômodo estranho que revirou meu estômago.
O que aquilo significava, eu não sabia, mas era inevitável não sorrir com aqueles dois juntos daquela forma. Puxei a cadeirinha e logo que me aproximei de novo, a prendeu em seu carro. Colocou bem presa nela, me pedindo para conferir se estava certinho e eu o fiz. Antes que eu pusesse a mão na maçaneta do carona, já estava abrindo a porta para mim. Eu sorri agradecida, e senti meu rosto ruborizando sem o menor motivo.
Quando chegamos ao parque de diversões, os olhos de brilharam. deixou seu carro no estacionamento, e animado tal qual a uma criança, correu ao banco traseiro para liberar da cadeirinha. Minha filha pulava batendo palmas, e dando gritinhos. Eu peguei a minha bolsa, a mochilinha dela, e dei a volta no carro para pegá-la.

— Pode deixar ! Ela vai de cavalinho, não é !? – me falou indicando uma cumplicidade entre eles.

Eu sorri, e antes que ele a pusesse em seus ombros, pegou a mochilinha dela de minha mão e colocou em suas costas. Ficou extremamente engraçado e ridículo.

— Filha, já que o tio vai te carregar, você leva a sua mochila né?!
— Pode deixar ... – ele falou como se estivesse me remendando sorrindo: — Como ela vai brincar com uma mochila nas costas, não é ?
— Eu levo, tio!
Na-na-ni-na-não! Quando o tio cansar, a gente troca, tá?
— Tá bem!

Ela sorriu animada e atrevida mostrando os pequenos dentes, eu apenas sorri para ele. colocou em seus ombros a segurando pelas mãos e ela não parava de gargalhar.
Caminhamos os três até a entrada do parque, onde eu já paguei nossos ingressos. Mal entramos no parque, e já pediu um sorvete.

— Mamãe, eu quero sorvete.
— Tudo bem, mas vamos ter que chamar a formiguinha, tá bom?

Ela fez que sim com a cabeça, e eu peguei a caneta de glicômetro na minha bolsa.

— A formiguinha foi uma boa alternativa, não é? – me perguntou enquanto eu aplicava em .
— Ela se diverte e não reclama, e às vezes fica procurando a formiguinha dentro da caneta.

Rimos e ao constatar que a glicose de ainda estava um pouco alta devido ao seu último lanche em casa, eu disse a ela que não poderia comer muito. fez questão de pagar o sorvete dela, e os dois caminhavam falantes sobre os brinquedos que iriam.

Hm... Em qual iremos primeiro, ?
— Ali, tio!

Ela apontou o minhocão repleto de crianças pequenas e fomos até o brinquedo. Andei com ela na primeira vez, mas quando quis ir uma terceira vez, se adiantou com ela, animado correndo pra fila e me gritando:

— Tire muitas fotos, mãe!

Eu mal podia acreditar na animação do médico em andar pela terceira vez com naquele brinquedo infantil. Na verdade por grande parte do tempo, parecia uma grande criança no parque.
Tirei fotografias bonitas dos dois, e quando os observei naquele momento, novamente a mesma sensação de embrulho no estômago, mas não era uma sensação ruim, apenas... Uma sensação nova.
Depois foi a minha vez de escolher o brinquedo, e eu queria muito ir ao carrinho de bate-bate. , por sua idade teria que ir acompanhada com um adulto, então e eu não pudemos competir, mas ele foi dirigindo. e eu fomos lado a lado comigo a segurando, apesar de ser um carrinho especial de três lugares para crianças menores de oito anos.
Fomos ainda ao carrossel, onde eu e dividimos um cavalinho enquanto nos olhava e acenava do lado de fora. Quando saí do brinquedo com minha filha, nos levou até uma pequena barraquinha de lanches. Compramos um cachorro-quente que não aguentou comer tudo, então eu acabei devorando metade. E fiz a conferência da glicose dela, permitindo ainda que ela comesse um algodão doce já que ela insistia muito e não teria problema.

— Tudo bem, mas só metade, tá? Mais tarde você come o resto.
— Vai sumir, mamãe!

Ela me alertava como quem dizia que o doce iria derreter.
me encarou com a mesma expressão que ela, demonstrando a minha inocência, para não dizer, tolice. Ele foi até outra barraca – já que andávamos em direção ao vendedor ambulante de algodões-doces – e pediu um copo pequeno de milk-shake. Em seguida, correu para alcançar o ambulante, enquanto e eu íamos caminhando até eles, curiosas. entregou a mim um pacote de algodão, dizendo para eu guardar, e com outro, ele entregou metade para dentro do copo dizendo para ela tampar bem se sentisse algum mal-estar e guardá-lo. A outra metade, ele comeu dividindo comigo.

— Mamãe, que brinquedo é esse?

Minha pequena menina feliz e melecada de doce me perguntou apontando, para uma daquelas balanças onde se dá uma marretada para ganhar um prêmio.

— Vamos lá, mamãe vai te mostrar como é!

Eu respondi animada, e deu a mão para . Os dois se entreolhavam e me olhavam sorrindo, ele debochado, quando eu fui pegar a marreta e percebi o peso dela.

— Mamãe é fraquinha! – gritou entre risadas finas.
— Mamãe precisa comer mais brócolis. – falou para mim tirando sarro, e gargalhava sem nem saber ao certo o que era brócolis.
— Vocês vão ver! – eu respondi, e com um pouco de esforço bati no alvo ganhando um brinquedo de bolhas de sabão.
— Minha vez! – falou assim que eu me aproximei deles.

Ele estendeu a manga da sua camiseta e piscou para dizendo que daria um prêmio bem legal para ela.

— O urso grande tio! – ela pediu.
— Pode deixar! – ele falou risonho e pulava risonha para mim.

Eu não via minha pequena filha tão animada daquele jeito há algum tempo. E eu não poderia ser mais grata ao por aquilo. Eu comecei a filmar a situação, porque tinha certeza que a chance do brinquedo ser fraudado era grande. Ele deu uma marretada forte no brinquedo e a sirene tocou alcançando o topo. pulou correndo para abraçar e os dois comemoravam pulando juntos. Eu gargalhava enquanto filmava tudo.

— O tio é muito forte! – disse ofegante com a mãozinha no coração.
— Aqui está mocinha, o seu urso grande. – o atendente do brinquedo entregou e minha menina pegou-o com dificuldade e um largo sorriso.

Ainda fomos a brinquedos de tiro ao alvo, no trem do castelo encantado – o favorito de , por ter um monte de princesas e fadas dentro do castelo –, também fomos ao pedalinho, e em alguns outros brinquedos do parque permitidos a ela.
queria ir à roda-gigante e montanha-russa, mas explicamos que ela teria que crescer mais um pouquinho para ir naqueles.
A caminho de ir embora, eu comprei uma vitamina natural para ela que bebeu tudo já demonstrando cansaço e fome. e eu dávamos a mão para ela, a caminho do carro.

— E agora, aonde vamos?
, nós já alugamos você demais por hoje. – respondi sorrindo agradecida.
— Sério? Nem um cineminha? – ele me perguntou com cara de choro.
— Você e a tem a mesma idade, é?
— Ah , vamos lá! – ele falou animado — Eu não tenho muitos dias assim.

não havia nos escutado, ou não prestou atenção entretida em falar sozinha, então sorri a olhando e chamando sua atenção.

— Quer ir ao cinema filha?
— O tio também vai? – ela perguntou manhosa.

Encarei que sorria tranquilo para mim, acenando afirmativo.

— Vai sim. E depois vamos para casa.
— Tá. Quero.

Entramos no carro, e enquanto eu colocava o cinto de segurança em , ela começou a cantar uma música infantil da escolinha. Assim que e eu nos ajeitamos ao carro, ela sussurrou para mim se eu poderia colocar uma música no rádio do carro.
amava música, e andava comigo e com o pai, sempre com algo tocando. percebeu e sorriu para mim antes que eu a respondesse, e ligou o aparelho.
ficou quietinha assim que as músicas que ouvia começaram a tocar.

O que há dentro do meu coração
Eu tenho guardado pra te dar
E todas as horas que o tempo
Tem pra me conceder
São tuas até morrer


Eu não conhecia aquela música, mas a sua melodia era incrível. escutava-a concentrado e sorridente. Olhei para pelo retrovisor, seus olhinhos começavam a cair. E sua expressão serena me deixava feliz. Minha filha tivera uma tarde muito feliz, aquele dia.
Divertiu-se, e comeu o que podia sem que suas restrições atrapalhassem a sua alegria. A figura de naquele passeio até o momento, para a foi importante. Eu sabia por simplesmente conhecer minha filha. Ela sorria como sorria para o pai. Ela animou-se como se animava com o pai. Ela brincou como brincava com o pai. E aquilo não só apertava meu coração, mas me preocupava.
Não era a primeira vez que eu percebia o apego de ao médico. Mas, não era também, como se ela estivesse colocando-o no lugar de Nicholas. Na verdade, eu já havia conversado com a psicóloga sobre aquilo, e ela me garantiu que a figura do médico para , não era nada mais do que a figura de um amigo, como ela tinha pelos tios. Mas, a Dr.ª Grace também já havia me alertado para manter próxima ao pai. Ela percebia no tratamento da menina, cada vez menos a presença de Nicholas nos desenhos, histórias, ou conversas.
Ao passo que eu me alegrava pela maneira carinhosa como tratava minha filha, eu também me preocupava. Contudo, eu sabia que a não teria nada para confundi-la se tudo fosse muito claro. Como Grace havia me explicado em consulta, quando nos encontramos.

FLASHBACK


, a não vai criar fantasias com o porque ela ainda não está nesse estágio de desenvolvimento psíquico. Ela na verdade, está no momento em que toda criança começa a perceber a realidade e tentar compreender minimamente o que lhe cerca. Ou seja, a ausência do pai será evidente nas reações dela à medida que ele se fizer ausente.
— Quer dizer, doutora, que não corro o risco da minha filha confundir o que é real ou não?
— Não nesse momento, tanto que ela tem aceitado muito bem ao divórcio, porque psicologicamente recebe as informações de seu cotidiano e as transcreve como elas são recebidas. Por isso, é tão importante que ela viva em ambiente saudável, longe de brigas.
— Certo. Nicholas e eu temos nossas divergências, mas na frente dela somos sempre o mais amorosos com ela, e sociáveis entre nós que pudermos.
— Isso, isso é muito bom. Assim ela cresce livre de traumas. E ... Quando acontecer de algum de vocês se envolverem com outras pessoas, é preciso que a entenda isso. Não esconda isso dela, porque, como eu disse, ela compreende as informações como as recebe.
— Nicholas está namorando, mas ela já sabe e inclusive, já esteve em eventos do pai com a namorada. Isso é saudável né?
— Sim. Ainda mais se ela perceber que vocês lidam com isso naturalmente. E você, está namorando?
— Não. Não estou e nem pretendo. Não é como se tivesse alguém convivendo com nós duas, como se a pudesse fazer entender assim.
— Bem, não se feche. Tudo bem se isso for uma fase, mas falando por você agora, é bom que você consiga seguir com a sua vida. Quando surgir essa pessoa, não fuja. – Grace sorriu me aconselhando.

FIM DO FLASHBACK


Depois de recordar aquela memória, eu olhei novamente para pelo retrovisor, e a pequena dormia. Então olhei para que estava concentrado no trânsito, cantarolando a canção do rádio.

E a tua história, eu não sei
Mas me diga só o que for bom
Um amor tão puro que ainda nem sabe
A força que tem
É teu e de mais ninguém


— Isto é português, não é? – perguntei.
— Sim. Djavan, cantor brasileiro dos mais clássicos e admirados da música popular brasileira.
— Eu não sabia que você falava português.
— E não falo. Mas sei cantar algumas músicas que ouço muito. Vou te enviar uma playlist depois. – sorriu animado.
— Eu vou adorar. – respondi sincera.
— Ela dormiu, ainda devemos ir ao cinema? – perguntou ao notar que eu o olhava.
— Devemos. Ela vai ficar chateada se não cumprirmos o combinado.
— Está tudo bem? – ele me perguntou finalmente me olhando.
— Sim. Só estava pensando em como ela reagiu ao passeio de hoje.
— Acho que ela ficou muito feliz não é? – ele sorriu.
— Muito! E ela adora você, .
— Eu fico feliz por isso!
— Eu estava preocupada se isso era saudável... – falei cautelosa e então ele me olhou rapidamente preocupado — Mas, a doutora Grace conversou comigo e disse que não havia problemas com isso. Disse que o apego dela por você é até natural e saudável.
— Você tem medo de que ela confunda a nossa relação? – perguntou-me diretamente sem rodeios, e eu fiquei sem saber como responder.
— Não... Quer dizer... Não a nossa relação, mas... Eu sei lá, Nicholas tem colocado umas coisas na minha cabeça.
Hm... – ele sorriu como se soubesse do que eu falava: — O que o seu ex-marido ciumento disse sobre nós, agora?
— Na verdade, ele confessou umas coisas, entre elas que se sente ameaçado por perder para você.
— A ? – se mostrou surpreso e confuso.
— Enfim... Não vamos falar sobre isso agora...
— Certo! adorou o passeio, mas e você?
— Sério que eu preciso responder? Você arrancou sorrisos largos da minha filha, eu não tenho como não estar feliz e grata por isso!
— Espero que você também tenha se divertido um pouco, apesar de não ter nenhuma bebida alcóolica dessa vez.
— Eu me diverti sim! – ri animada e curiosa perguntei: — Por que escolheu a pediatria?
— Eu amo crianças, dá pra notar não é? Eu seria professor, ou médico. Como eu também sempre fui fascinado por descobrir como o nosso organismo funciona, fiquei com a medicina. Quando criança eu abria insetos para ver o que tinha dentro. Meio psicopata, eu sei... – ele gargalhou — Mas, juro que era só ciência.
— Vendo o médico que você se tornou, eu acredito.
— Eu demorei em seguir a pediatria também. Só fui definitivamente para essa área depois que perdi uma paciente de oito anos. Ele foi um daqueles pacientes que tocam a sua vida.
— Lamento por isso, mas... Também sou grata, porque agora minha filha está em boas mãos.
— Amo o meu trabalho . Você deve entender, já que é uma apaixonada por suas panelas.

Concordei rindo baixo e ele piscou como um sabe tudo.

— E ... Sei que você já me falou da Rosalyn, já me disse que nenhuma outra mulher despertou seu interesse ao ponto de se envolver como foi com ela, mas... Não acha que, você escolheu se fechar?
— Acho. Com toda certeza o fato de não ter me casado ainda, e formado a família dos meus sonhos foi proposital. Mas, não por algum trauma ou coisa do tipo, mas... Porque eu não enxerguei mesmo a possibilidade de algo realmente duradouro.
— Acho que isso é um pouco de medo também, não?
— Já foi mais, . Eu aprendi a antecipar as expectativas que surgiam sabe? Toda vez que me empolgava com algum relacionamento casual, eu tentava enxergar o futuro daquilo. E até hoje, ninguém foi capaz de me vislumbrar um futuro real.
— Grace me falou para ter cuidado com isso, para não me fechar aos relacionamentos.
— Ela tem razão. No seu caso, você já tem uma filha, então não acho que exista a mesma frustração que a minha. Acho que ainda é cedo pra você se jogar, .
— Eu também acho. Mas, estou atenta com as palavras dela. Até porque, Nicholas já seguiu em frente. Então eu também tenho esse direito, né?
— Será que ele seguiu mesmo? – perguntou me olhando duvidoso.
— Na verdade, depois da nossa última conversa não sei também.

me encarou curioso.

— Mas... Você falou que tem uma frustração? – e eu desconversei.
— Ainda não ter tido filhos.
— E você quer tudo conforme as tradições?
— Como assim?
— Quer se casar, e tudo o mais, ou se fosse pai solteiro já bastava?
— Eu nunca pensei na possibilidade, na verdade. Acho que eu sou meio à moda antiga.
— Tão britânico. – zombei fazendo-nos lembrar de quando saímos e rimos com aquilo.
— Sempre que penso em paternidade eu também penso na mãe dos meus filhos ao meu lado, mas não é uma regra. Meu pai, na verdade, é até mais moderno do que eu se for pra falar de tradições. – ele riu de um modo nostálgico.
— É eu entendo. Não é como se fosse fácil para você ser pai solteiro devido à sua profissão.
— Sim, a minha profissão atrapalharia um pouco, mas sinceramente? Agora que você diz... Eu acho que não me importaria em ser pai solteiro, de qualquer forma eu faria o possível para ser um bom pai, como o meu foi para mim.

Notei que além de saudade, a fala de sobre o pai, era repleta de admiração e amor. Havíamos chegado e eu mal percebera. Saímos do carro depois de acordar , que manhosa ficou um tempo em meu colo até que fez questão de carregá-la.

— Pode deixar .
— Não, ela já está muito grande pra você carregar.
— E como eu vou fazer quando você não estiver por perto? – perguntei risonha entregando minha filha sonolenta a ele.
— Exatamente. Aproveite enquanto estou aqui.

Sorrimos, e caminhamos tranquilos vendo as vitrines do shopping. Quando chegamos ao cinema, brincou com a fim de fazê-la acordar um pouco mais, e os dois ficaram encarregados de escolher o filme.
Meu celular tocou e quando percebi que era Nicholas, eu queria gargalhar por tal ironia. Não tinha outro momento, para ele telefonar? Parece até que Nicholas planejava encontrar momentos para me azucrinar futuramente.

— Olá Nicholas.
— Oi , tudo bem?
– sua voz era calma.
— Sim, e contigo?
— Também. Eu queria falar com a , é possível?
— Claro. Ela acordou há pouco, mas eu vou passar o telefone para ela.
— Obrigado.


Aproximei-me de no colo de , e expliquei a ela colocando o telefone em sua orelhinha.

— É o papai filha, fala com ele.
— Oi papai! – ela falou sorrindo — Uhum... Eu tô passeando... O tio levou eu e a mamãe no parque... Foi... Quero papai...

Enquanto ela conversava com o pai, e eu nos olhávamos atentos à conversa. Com certeza, ainda ia render muito o fato de Nick saber do passeio.

— Não sei papai. A gente vai ver desenho agora. Não... No...

Ela parou de responder ao pai e me perguntou:

— Mamãe onde a gente tá?
— No cinema filha. – falei encarando ao que sorria divertido por saber que ia sobrar para ele.
— A gente tá no cinema papai. Tá bom. Também papai.

Ela se mexeu para tirar o telefone da orelha, e como eu segurava o aparelho, eu o puxei.

— Nick?
— Olá . Eu ia passar na casa de vocês para vê-la, mas vocês estão ocupadas não é?
– eu não soube decifrar o tom de sua voz.
— Bem, depois de amanhã eu estarei na casa da Dani organizando algumas coisas do aniversário de Tina, e levarei a . Podemos combinar de você pegá-la para um passeio.
— É podemos combinar. Até mais então, .
— Até Nick.


Desliguei e olhei debochada para , que riu me perguntando o que houve.

— Que bicho o mordeu? – falei.
— Foi tudo bem?
— Até demais. Nem uma insinuação, nenhuma piada...
— Ora, isso é bom não é? – ele me perguntou ajeitando em seu colo que olhava a um bebê no colo de outra mulher.
— Isso é ótimo!

escolheu um filme de desenho, pegamos a fila do cinema, comprou pipoca e refrigerante, e depois de mais aquele divertimento, ele deixou nós duas em casa.
me agradeceu por permiti-lo passar um dia conosco, e eu o agradeci pela tarde e noite muito divertidas para mim, e minha filha.
dormia quando chegamos em nossa casa, e eu dei banho nela, medi sua glicose, dei seus medicamentos da noite, e não demorou para que ela adormecesse novamente. Assim que eu já tinha me preparado para dormir, peguei meu celular e as notificações com as mensagens de chamaram minha atenção.
Ele havia me mandado as fotos e vídeos que ele filmara daquele dia, e eu fiz o mesmo. Ponderei se deveria ou não postar alguma foto daquela, e escolhi uma em que estávamos e eu, abraçadas de rostos colados, na frente da roda-gigante. Foi quem tirou a fotografia, e havia ficado linda.

Dr. : “Ficaram ótimas, as suas fotos também! Eu só não posto, porque isso causaria um rebuliço”.
: “Poxa... Eu não tirei nenhuma de você sozinho, todas estão com você e alguma de nós duas”.
Dr. : “Tudo bem, como eu disse, vai gerar burburinhos demais até mesmo uma foto minha, sozinho, num parque de diversões”.
: “Ah é? Por quê?”.
Dr. : “Já viu as minhas fotografias no instagram?”.
: “Não. Eu não tenho o seu instagram, doutor”.
Dr. : “Bem, então me siga, e verá: @dr.rhodes. As minhas fotos são o tipo, passeios culturais desde o perfil homem intelectual ao solteirão de 35 anos. Nada familiar, tudo solitário. A única referência infantil são os meus pacientes, e o dia a dia de trabalho. 😁 Hahahaha!”
: “Vou verificar isso. Já estou te seguindo”.
Dr. : “Certo. Vou stalkear você também, . Mas, agora vamos dormir?”.
: “Vamos. Estou exausta. já está no décimo sonho! 😁 Hahaha. Obrigada novamente por mais este dia, ”.
Dr. : “Eu que te agradeço! Depois quero saber como foi a sua última conversa com Nicholas, e aquela que ainda vai vir”.
: “Claro. Embora ele tenha sido tranquilo, duvido que vá passar batido o dia de hoje... Mas, enfim... Apareça no bistrô depois”.
Dr. : “Com certeza irei. Beijos, e tenha uma ótima noite”.
: “Você também. Beijos”.


Depois que nos despedimos, ainda vasculhei algum tempo a rede social dele, e percebi que ele havia dado uma curtida na foto que postei com naquele dia. Programei o alarme para a manhã seguinte, e dormi tranquilamente.


Capítulo 12

Tocar: Tenho medo de ficar só

Tenho medo de ficar só, sem um bem não se vive. Desvive.
Eu não suporto ser quem sou quando estou sem ninguém.
Tudo é feito de ausência, carência.
Conheço esse estado. Todos os lados.
Nada me faz feliz. E vivo sob um céu que nada me diz.

*Este capítulo conta com a narração do Nicholas.

Meses atrás, quando cheguei de mais uma viagem de trabalho em minha casa, eu mal podia saber o que me aguardava.
Eu peguei aquela mala e saí arrastando-a pela casa abaixo de lágrimas. Eu havia sido o culpado por tudo ter acabado daquela maneira. Eu não deveria ter deixado brechas para que Priyanka e eu continuássemos nos aproximando ao ponto dos meus sentimentos se confundirem com o passado que tivemos.
Eu era tão apaixonado por . Ela me salvou de tantas coisas, e principalmente, com sua simplicidade ela me fez reencontrar o homem por trás do astro da música. Tínhamos uma história conturbada, que pouco a pouco nos apontava onde estavam nossos erros. E eles estavam novamente no fato de eu querer exigir de alguém, uma compreensão pela minha vida cheia de holofotes, e até mais do que compreensão: eu estava sempre querendo enquadrar tudo e todos que eu amo nas minhas noções de realidade e necessidade. Mas, aquilo que é imprescindível para mim, pode não ser para todo mundo.
Lembro-me daquele dia como se fosse ontem. Eu chegando de viagem, cheio de amor e saudade por minha filha e esposa, e encontrando apenas uma delas, com um prenúncio de fim.
A expressão de era a mesma de quando eu a conheci, aquela mulher que estava cansada lutando por seu restaurante, e que não me reconhecia por não ser ligada às notícias do mundo célebre que me rodeava. O corpo de , ao sair do banho me encarando em casa, surpresa, demonstrava a clara mensagem de uma mulher exausta e triste. Até mesmo assustada, numa lembrança que eu tinha de sua expressão, quando retornou da França após perder o seu padrasto. Tão assustada e triste que na época, ela havia largado tudo.
Ela. A mulher por quem me apaixonei não mais me reconhecia, mas eu reconhecia a ela.
Começamos com nosso amor entre um jantar e outro. Ainda na época, eu era quase noivo de Priyanka. E tudo estava muito confuso para mim... A falta da banda, meu recém-lançamento numa carreira-solo, e toda a busca por um espaço onde minha criatividade seria aceita sem a sombra do “menino Jonas”. E ainda tinha o meu irmão Joe batalhando, perdido ainda, pela sua carreira também. Eu me sentia tão culpado, por fazê-los passar por uma confusão mental e profissional daquelas. Ao menos, Kev estava com a vida mais encaminhada, e se lançando em estudos de produtor musical.
Eu queria realmente um tempo de tudo, um tempo de mim, um tempo de Priyanka exaltando nossa diferença de idade e a emergência de firmarmos algo mais sólido do que um “namoro entre cantor e modelo”. Eu estava a ponto de explodir, quando chegou.
Primeiro, o ambiente do restaurante tornou-se agradável. Depois a comida me prendeu de uma forma ímpar. E em seguida, a dona. Ela sempre estava por ali, entre um passar do salão à cozinha, entre cumprimentos aos clientes e ordens sempre sutis acompanhadas de um largo sorriso, aos seus funcionários. Em todos os meus momentos ali, eu me perdia em olhares discretos a observar quando ela surgia. Até o dia em que pedi para cumprimentá-la.
Eu estava com Priyanka jantando, mas quando meus olhos encontraram os de , eu sabia que havia algo neles que me ensinariam a viver de uma forma melhor. Eu passei a vibrar internamente por aqueles olhos, por aquele sorriso. E Priyanka percebeu. Ela começou a desconfiar do meu interesse no restaurante, no dia que um crítico gastronômico estava presente jantando, e ela me ligou. Ao saber que eu dizia precisar desligar porque estava observando as reações do crítico, e queria torcer por , Priyanka não entendeu minha empolgação. E ela passou a desconfiar mais e mais, quando eu passei a conversar com , entre balcões e mesas do restaurante, em seus horários menos movimentados.
Em determinada ocasião Priyanka chegou ao bistrô, e e eu conversávamos risonhos, a chef percebeu o momento de sair e nos pediu licença para voltar para sua cozinha. Eu não via maldade em nada daquilo, até Priyanka deixar a bolsa sobre a mesa, e ainda em pé, me dizer para tomar uma decisão. Eu fiquei mudo. Então ela se levantou saindo tempestiva e eu fui atrás dela, ainda sem entender, e com um forte desejo de ficar.
e eu nos afastamos um tempo, devido às correrias de nossas vidas. E nossa... Como eu senti sua falta quando ela estava na França e eu pelo mundo trabalhando. Das poucas vezes que pude ir ao bistrô, ele estava fechado, e um pouco depois que retornei, Alex o comandava tentando fazer voltar. E um dia ela voltou. E eu confessei meus sentimentos confusos.
Eu não sei como narrar algo que aconteceu tão de repente: num dia, ela dizia-me que era melhor sermos só amigos, no outro, minha família e ela eram íntimos, ao ponto de eu sair da mesa em um almoço coletivo de sábado no bistrô e enquanto minha família esperava que a chamassem para nos despedirmos, entrar em seu escritório sem bater à porta e surpreendê-la com um beijo que Alex minutos depois flagrou.

FLASHBACK


— Alex você sab... – ela olhou em direção à porta e me viu aproximando lento dela com seu semblante confuso: — Nick?
— Desculpe entrar sem bater...

Eu encarava aqueles olhos que me fulguravam com seu brilho, e parado próximo o suficiente para sentir sua respiração assustada em meu rosto.

— Mas, eu realmente quero invadir a sua vida, a sua alma, e nesse exato momento, os seus lábios. – falei e a beijei.

segurava algo que foi direto ao chão quando suas mãos soltaram-se para apertar minha nuca e braços, que a envolviam, naquele beijo. Aquele beijo calmo, mas cheio de curiosidade na dose certa, poderia ter durado uma eternidade se não fosse interrompido.

, a família Jonas... – a porta aberta, a feição surpresa de Alex e seu sorriso sacana não precisaram de explicações: — Bem, me desculpem. Com licença.

Rimos, e ela estava mais vermelha do que os tomates de sua cozinha. Eu puxei-a novamente para outro beijo, e ao sairmos, estávamos de mãos dadas. E repletos de olhares curiosos de minha família sobre nossas mãos.

FIM DO FLASHBACK


A partir dali, eu me lancei. Eu mergulhei em . Em cada defeito dela, e me perdi em cada uma das suas qualidades que faziam que tudo valesse a pena. Mas, eu errei quando quis ter e o mundo todo, sem exceções.
Dia a dia, alguma coisa acontecia deixando claro que éramos de mundos totalmente diferentes. E pouco a pouco o destino nos avisava que algumas escolhas precisariam ser feitas, mas eu não quis escolher. Eu quis ter tudo. Eu quis tê-la, , como a figura de um mundo normal, onde eu era apenas um homem apaixonado. Eu quis ter Priyanka, como a amiga e figura de um mundo de ego, onde eu era a celebridade do momento.
Quando contou de sua primeira gravidez, eu e ela estávamos no momento da nossa pior crise. Eu queria que só eu pudesse vê-la, amá-la, que ela fosse minha, e só meu refúgio. Até de Shawn Mendes com ela eu senti ciúme, um cara que... Sinceramente, falava com só quando eu estava junto.
A gravidez caiu como uma notícia tola, dada a minha reação. Ela jurava que eu me arrependia do nosso casamento, e eu fazia o possível para convencê-la com palavras quando as minhas atitudes mostravam exatamente que ela tinha razão. Então, fizemos a nossa terapia de casal e tudo ia bem... Até ela perder o bebê. E eu, idiota, surgir no hospital com Priyanka ao meu lado, retornando de um trabalho.
Depois daquilo, muitas brigas e discussões, nos afastavam mais e mais, e Priyanka estava sempre por perto para me consolar, dizer o que eu precisava ouvir. E então, veio a . engravidou uma segunda vez e conseguimos a paz de um casamento que se refazia, e como eu estava feliz com aquilo! Entretanto... Eu ainda queria o mundo. O tudo. Sem escolhas.
Não demorou para que eu acabasse sendo pego numa armadilha. Eu e Priyanka tínhamos viajado a trabalho, o que era muito comum, já que éramos os rostos principais de uma marca há alguns anos, e em uma noite saímos para descansar e beber. Quando retornamos bêbados ao hotel, ela e eu ainda fomos esticar mais bebidas na piscina do hotel. E ficamos horas ali conversando, apenas.
Quando eu subi, totalmente transtornado e passando muito mal por ter exagerado no álcool sendo diabético, Priyanka sabia como me ajudar. Ela me acompanhou ao meu quarto, ministrou a medicação em mim, ficou comigo por um bom tempo ali enquanto eu me reidratava, e então ela dormiu ao meu lado.
E aquela noite daria prova à , de uma traição que, em termos práticos, só existiriam na cabeça dela. Mas, se eu for considerar a verdade... Eu acho que traí apenas por desejar ter tudo.

FLASHBACK


— Nick eu não deveria ter deixado você beber assim! – Pri dizia me colocando deitado na cama.
— Não, a culpa é minha. Eu deveria ter tido mais cuidado, mas... Droga Pri... Eu amo tanto a , a minha casa, eu... Sinto falta de ser só um cara, suficientemente simples e bom para minha família.

Embora falasse arrastado, enquanto Priyanka me ajudava com a medicação, ela conseguia entender a verdade nas minhas palavras.

— E a ? Você não ama?
— O que? – encarei os olhos meticulosos de Priyanka.
— Você disse que ama tanto a , mas... Não falou de sua esposa.
— Pri, você sabe que eu amo a . Olha tudo o que eu tenho enfrentado com ela todos esses anos!
— Às vezes me pergunto se você teria aguentado tudo isso comigo também. Mas, chego à conclusão que não... Nós somos um produto que só pode resistir a uma vida normal, se a fabricarmos.
— Pri. é a ponta que me prende ao meu desejo de ser só um homem normal, no meio de todo caos... Quando estou com ela eu...
— Sabe Nicholas! – ela me interrompeu — Às vezes me pergunto por quanto tempo mais eu vou ser a sua ex-noiva e amiga, que escuta os seus desabafos por um casamento que nunca vai dar certo.
— Eu amo você, Pri. E você sabe de toda a importância que tem na minha história e na minha vida, mas a e eu nunca iremos nos separar, por mais exausto que eu esteja.

E ali eu não me lembro de mais nada. Só lembro-me de aos poucos, sentir o sono me pegar e eu me ajeitar na cama com a visão embaçada de Priyanka se aproximando.
Quando eu cheguei a nossa casa, eu só queria vê-la, sentir e dizer o quanto eu a amava e estava cansado de nossas brigas inacabáveis, por motivos sempre iguais.
Era lindo o vestido sobre a cama e o som da voz dela cantando uma música minha debaixo do chuveiro. Havia um cheiro de “lar”, o cheiro almiscarado do odorizador de ambientes no nosso quarto.
Larguei a mala em um canto qualquer ao lado da cama e tirei devagar as roupas em meu corpo. Ao abrir a porta do banheiro, o vapor tomou minha face e me fez sorrir. Ela não perdia aquela mania de anuviar todo o Box.
Antes que eu pudesse surpreendê-la, ela passou a mão no vidro e ao limpá-lo, sua visão pôde se deparar com minha figura sorridente. Mas, ela não sorria.

— Eu quis fazer uma surpresa – eu disse como quem se justificava.

O sorriso que brotou no rosto dela era tão medíocre, aliás, menos do que medíocre, era um sorriso mínimo. E sorrisos poucos não combinavam com a pele dela.

— Eu deveria ter avisado à minha esposa que estava retornando?
— Não… Imagine querido…

Sorriu um pouco melhor e veio até mim, nua. Mas mesmo sentindo seu abraço urgente sobre meu corpo, eu sabia que algo estava errado.

— Tem algo que você queira me dizer ?
— Desculpa. Eu sei que não era uma esposa cabisbaixa que você esperava encontrar depois de três meses, mas eu não consegui esquecer a nossa última briga Nick.
— Não imaginei que tivesse esquecido, mas achei que ficaria feliz em me ver e quando me deparo com seu rosto, mais parece que estamos em um velório. Nosso amor morreu e eu não fui avisado?
— Me diz você!

Eu percebi no brilho dos olhos dela que lágrimas viriam. Inexplicavelmente eu tinha o dom de fazer a minha esposa chorar, e na maior parte das vezes eu sabia os motivos. Mas, de uns tempos para cá eu era culpado pelas piores lágrimas dela. As mais grossas, pesadas, e eu não fazia ideia do que tinha feito. Estava sendo desgastante antes, e piorou ainda mais ao retornar. Eu vi a naquela noite quando chegou de um passeio com seu tio . Nós jantamos juntos e depois ela dormiu. E foi no nosso quarto, antes de dormir, que a conversa inadiável que era necessária, aconteceu.

— Nicholas tem muitas coisas a serem ditas, e eu não sei se é o melhor momento.
— Quando pretende me dizer? Quando vai desentalar todos os verbos que estão nos separando ?
— Você tem que entender que não é fácil para mim! Eu estou há meses pensando quais as razões você teve para me trair! O que eu fiz de errado?
— Eu já disse que sou inocente! Eu não te dei motivo algum pra desconfiar de mim desse jeito, !
— Você me traiu Nicholas. Pelo amor de Deus, assuma isso porque…

As lágrimas dela caíram como uma torrencial. E o embargo em sua voz me dilacerava:

— Eu não aguento mais. – ela completou.

Puxei o corpo de de encontro ao meu, abracei-a num sufoco desesperado de salvação e beijei seus lábios como se fosse água no deserto. Ela soluçava entre os toques de nossos lábios, mas de repente foi tomada de volúpia.
Aquela sim era a .

— Não pense que um beijo é o suficiente pra me fazer esquecer.
— Eu não fiz nada . Poxa… Estou tão cansado de nossas brigas…

Ela caminhou alguns passos até o próprio celular e abriu uma imagem, me mostrando o motivo de tudo aquilo.

— Eu não fiz nada, eu já te disse.
— Isso era coisa da campanha Nicholas?
— Não.
— Então pronto. Talvez, você estivesse sendo sincero antes… Que era inocente e não fez nada e nem me deu motivos, mas… Vejo que talvez eu tenha sido culpada de te empurrar para ela né?
… Eu não estou mentindo. Não houve nada. Quem mandou isso pra você?
— A própria.

— Chega Nick. Não tem porque nos mantermos presos nisso. Eu não quero mais.
— Do que está falando?
— Sei que seus pais vão achar um absurdo, mas também sei que são sensatos o suficiente para entender meu lado e não se meterem. A vai precisar de toda a família, avós, tios, e principalmente de nós, para entender a mudança que vai ser.
! Eu não quero me separar se é disso que está falando.
— E eu estou te entregando de bandeja para ela Nick.

Aproximei-me da mulher sentada em nossa cama, e beijei-lhe. Pouco a pouco as lágrimas dela eram também as minhas, e a dor dela, era a dor que agora eu sentia. Mas, parecia imutável, entorpecida.
Ela de alguma forma enxergava algum tipo de libertação naquilo tudo. E eu, ainda mais preso, só conseguia me arrepender por aquela foto. Eu realmente não fiz nada de errado. Meu único erro foi não ter me afastado de Priyanka quando terminei nosso noivado.
Aliás, eu cometi muitos erros. Outro deles foi não amparar com a dependência afetiva dela. Deixei nas mãos do psicanalista algo que eu deveria ter tido atenção. O buraco negro de era eu.
Quando mencionei apertá-la mais forte em meus braços e ouvi um gemido sôfrego sair de sua boca, minha única intenção era mostrar a ela que eu me sentia culpado por não ter evitado tudo aquilo, e provar que eu a amava. Levantei pouco a pouco a blusa de minha esposa, mas ela me afastou de si.

— Não me toca. Não quero.
— Eu te amo, .
— Não quero saber do seu amor.
— Quer que eu vá embora, realmente?
— Vai tranquilo Nick, nós tentamos tudo o que podíamos.
— Sabe que se eu for embora, vamos só comprovar que todo amor que eu te dei foi em vão, não é?
— Pode me culpar. Eu sei que você pensa que a culpa é minha.
— Eu não penso… – levantei bruscamente e sob lágrimas puxei a mesma mala que eu havia jogado horas antes perto da cama, e me despedi de : — A verdade é que o teu ciúme acabou com o nosso amor.

A quem eu queria enganar? A culpa era minha sim. E mais uma vez eu joguei um mundo de coisas que ela não deveria lidar sozinha, nas costas dela. Mas, eu sentia tanta raiva!
Saí da nossa casa arrastando a mala até a garagem, e retornei para pegar a chave do meu carro que havia ficado guardado enquanto eu viajava. Não ouvi nem mesmo um sussurro do choro de .
Dirigi até a casa dos meus pais, com lágrimas pesadas em meu rosto e um desejo absurdo do colo da minha mãe, para afagar toda a dor que eu sentia dilacerar meu peito. Mas, antes, eu precisava ir à fonte do problema. O som do pneu do carro em atrito com o asfalto quando fiz o retorno na via expressa, representava só um terço do que rasgava em meu peito.

— Nick? O que houve? Não era para você estar em casa?

O olhar confuso de Priyanka me fez ter vontade de quebrar a primeira coisa que eu via em minha frente. Então evitei olhar em sua cara enquanto eu invadia seu apartamento.

— A última pessoa que eu gostaria de ver na minha frente agora, é você. Mas, até para te odiar, eu preciso entender o que te levou a arruinar o meu casamento!
— Nick, do que você está falando?
— Não se faça de desentendida Priyanka! – falei indignado com o fato de ela estar tentando fingir não saber das coisas: — Eu estou falando daquela maldita foto!

Priyanka caminhou por sua sala, sentando-se em seu sofá passando as mãos pelo rosto, como uma mulher desesperada e arrependida. E de repente se levantou num rompante, me encarando com súplica.

— Eu estava bêbada! E eu não quis te magoar Nick, eu só... Eu só queria... Droga Nicholas, eu te amo e você tinha acabado de me dizer que nunca iria se separar da ...
— Primeiro, diz o que aconteceu... E depois, eu penso se existe justificativa.
— Você não se lembra?
— Não. E agradeceria se você fosse sincera.
— A gente... A gente dormiu juntos, a foto é clara, não?

Eu não podia acreditar que eu havia feito aquilo. Não conseguia acreditar que eu era o culpado do fim. Saí da casa de Priyanka aquele dia sem ao menos olhar para trás.
Nicholas Jonas não conseguiu aceitar que de novo, havia estragado uma das coisas mais importantes de sua vida. Só no colo de minha mãe, eu consegui chorar como a criança que eu fui um dia, e que talvez, eu ainda fosse.

FIM DO FLASHBACK


Capítulo 13

Tocar: Everyone knows all about my direction

(Todo mundo sabe tudo sobre aonde devo ir)
And in my heart somewhere, I wanna go there
(E, em algum lugar no meu coração, eu quero ir pra lá)
Still I don't go there
(Ainda assim, não vou)


*Este capítulo conta com a narração do Nicholas.

Não foi fácil encarar o fato de que estávamos nos divorciando de verdade, e algum tempo depois, também não foi fácil assinar o divórcio. Eu passaria alguns meses viajando a trabalho, realizando shows então acreditei que saberia lidar melhor com tudo o que vinha acontecendo. Minha filha, minha pequena , de todos nós era quem menos mostrava dor pela mudança de rotina, mas desde o dia que me telefonou para falar da audiência de divórcio, ela também me contou que iniciou uma terapia infantil. Ela achou que era necessário.
Meg, sua mãe, aquela sogra que foi uma segunda mãe para mim também, estava passando aquele tempo com elas. Eu fiquei mais tranquilo de viajar com Meggie e minha mãe prometendo que cuidariam das duas por mim.
E sinto que fui um verdadeiro canalha com tudo, todos, incluindo eu, quando me deparei com Priyanka surgindo em uma das cidades do meu show para me ver. Quando me deparei com ela ali, eu com a cabeça virada, totalmente confusa por achar que devia a ela alguma coisa por tê-la usado de uma forma tão vil, desculpei-me com Priyanka, que apenas se declarou e me pediu uma chance de novo. E eu dei. Eu simplesmente achei que era certo com Priyanka, sem ao menos considerar o que aquilo significaria para , , para minha família, ou até mesmo para mim.
sempre dizia que eu era “fraco demais para aguentar passar pelas dificuldades da vida sozinho, ou envergonhado demais das suas ações para se encarar”. E eu sempre ficava puto com aquilo. Eu não era o mister ego que ela dizia. Mas, quando eu me vi num relacionamento assumido com Priyanka, pouco tempo depois do divórcio, eu estava afirmando aquilo sem saber.
No dia do aniversário de Frankie, eu encontraria depois do fim da turnê, finalmente. Achei que veria na festa também, mas ela não foi. E de certa forma, Kevin parecia conhecer minha ex-mulher melhor do que eu, já que ele mesmo afirmou para mim que não iria, sem ao menos ele ter falado com ela.
, meu ex-cunhado iria buscar à noite, no apart-hotel que eu me hospedei logo que cheguei. Eu não queria ir para minha casa em Los Angeles, a qual eu morava quando era solteiro, porque seria como voltar ao ponto de partida antes de entrar em minha vida, e eu não havia me preparado para aquilo. Eu havia deixado a nossa casa de casados, para elas. E também não queria incomodar meus pais de novo. Já não bastava o tempo antes da turnê que fiquei chorando na casa deles. E ir para o apartamento de Priyanka ainda não me parecia certo.
Por fim, ficamos e eu, um bom tempo no hotel, já que parecia ter se esquecido dela. Decidi levá-la em casa, era uma mãe zelosa o suficiente para não afrouxar nos horários e combinados com nem mesmo por mim.
Aquela noite foi a primeira que eu a revi. continuava linda, na verdade, bem mais magra até. Havia um ar de fragilidade em seu corpo, que não condizia com a força de seu olhar, e nem mesmo com a impavidez de suas palavras.
Ela não me recebeu como eu esperava. Na verdade, me recebeu como o pai de , apenas. E depois de tudo, talvez não houvesse como ser diferente. Mas, eu esperava que nós pudéssemos ao menos nos abraçar. Nos perdoar.
Ou melhor, eu esperava que tivesse maturidade em ter me perdoado pelo o que eu fiz, mas depois de observar a casa sem nossos retratos espalhados, eu percebi que ela ainda estava sofrendo por minha causa.
Era impressionante, mas eu arrancava lágrimas de , mesmo longe dela. Mesmo sem ao menos tocá-la. Eu era de fato, a destruição da mulher que eu mais amei. ainda sofria por minha causa, ela ainda me amava, eu sabia daquilo só em olhar a nossa casa, sem nenhum traço de que, algum dia eu habitei ali.

Everybody says: Say something that says something
(Todo mundo diz: Diga alguma coisa importante)
Say something that says something
(Diga alguma coisa importante)
I don't wanna get caught up in the rhythm of it
(Eu não quero ficar preso nesse ritmo)
But I can't help myself
(Mas eu não consigo evitar)


Eu só fui ter um pouco da dimensão da minha realidade, quando me deparei com e o tal Dr. no hospital. Um dia depois de ter ficado comigo no hotel, parecia que eu havia perdido o começo de um filme que eu assistia pelo final. Minha filha teve um mal estar em virtude da diabetes, que novamente por minha culpa, ela herdou. E eu, nem ao menos sabia daquilo.
e o médico se tratavam como amigos, e havia algo na forma como ele a tratava que me deixava incomodado. Era como se ele estivesse ali para consertar tudo o que eu destruí nela, e eu deveria ficar feliz com aquilo, mas a simples hipótese de ser apagado da vida de e da minha filha me deixava, confuso.
Senti muita raiva de naquele momento, em que a percebi escondendo fatos da nossa filha, mas também sabia que de nada adiantaria ela me contar. Eu não poderia voltar, e minha mãe estava ao lado dela, cuidando das duas como havia me prometido. Contudo era inevitável não ter raiva. Eu só não sabia ao certo por quem, eu realmente sentia raiva, se de , se da minha mãe, se do médico, ou se a raiva era de mim.
Quão egoísta eu conseguiria ser? Eu a perdi, ela me perdeu, mas eu ainda queria ser parte de alguma coisa. No dia da internação de , eu discutia com ela sobre o relacionamento dela com o médico. Mas, com que direito eu fazia aquilo se eu mesmo, já estava em outra?

FLASHBACK


— Tenha misericórdia, Nicholas Jonas! O que isso tem a ver com a ? Aliás, o que isso tem a ver com você?
— Só acho que se você estiver saindo com este cara, eu deveria saber.
— Como é que é? Não me faça rir com este ciúme a esta altura do campeonato, Jonas!
— Não é ciúme, é cautela. vai conviver diretamente com seus futuros namorados.
— Primeiramente tire o nariz de onde não te interessa e a minha vida amorosa não o interessa. Depois, eu não estou num relacionamento com ninguém e, portanto, não será atingida. O contrário de você que não preparou a sua filha para o fato de estar namorando. E se for para levar em consideração o que você está dizendo: certifique-se de ter cuidado nas escolhas das suas namoradas.
— Eu não contei à porque acabei de retornar da turnê. E como você sabe?
— Você se esqueceu de quem você é? Aliás, você se esqueceu de quem sou eu?
— A maníaca de ciúmes.

me encarou ofendida e com olhos marejados, e dei razão a ela quando eu percebi que havia passado dos limites a ferindo daquela forma. Eu não sabia o que estava acontecendo comigo, mas nada justificaria retomar o passado daquele jeito. Tentei me desculpar, mas estava farta de mim, eu podia perceber.

— Não me interessa com quem você fica ou deixa de ficar. O tempo de me preocupar com isso, já acabou. Mas, jamais coloque a sua filha numa disputa pela sua atenção com outra mulher, como fez comigo. Jamais minta como fez comigo. E jamais a julgue como está fazendo comigo.
Ela se levantou enxugando as lágrimas, mas não conseguiu evitar que eu notasse. E eu queria socar meu próprio rosto.
— Fique com ela, por favor. – ela pediu enquanto tentava sair do quarto.
— Espera , desculpa.

Eu segurei seu punho, pedindo com a voz arrependida, mas não quis ao menos as minhas desculpas. Soltou-se das minhas mãos e saiu pela porta do quarto, me deixando arrependido de ter sido um idiota colossal.
Todo errado, do começo ao fim. Inclusive naquele momento aonde ao chegar ao hospital eu, literalmente, enfrentei o médico da minha filha como um inimigo. Ele não era meu inimigo, embora à noite pelo hospital tenha me revelado, um médico zeloso demais com minha ex-mulher e filha que dormiam no leito e poltrona ao meu lado.
agia como se eu não estivesse no quarto, indo até e verificando sua temperatura, depois indo até e verificando seu estado... Era o trabalho dele, mas... Eu não me sentia confortável com aquele homem, e foi aquele desconforto que me fez discutir de novo com .

— Bom dia. – ela falou para o meu irmão e eu no dia seguinte à internação de , logo que acordou e me perguntou diretamente: — já veio aqui, Nicholas?
— Durante boa parte do tempo. Entrava e observava as duas, como se eu não existisse aqui, e saía.

Eu tinha certeza de que ela não havia gostado do meu tom de voz, só de ver a maneira como ela encarou-me e mordeu os lábios antes de me responder. tinha cinco mordidas de lábio para cada uma das suas reações.

1- Quando se sentia nervosa ou aflita com algo.
2- Quando se sentia com raiva ou irritada, fazendo até que algumas vezes machucasse os lábios.
3- Quando estava cansada por trabalhar, estudar, ou pensar demais em alguma coisa, e geralmente era acompanhado de um longo espreguiçar.
4- Quando estava constrangida com alguma situação e precisava pensar numa resposta, o que era meigo demais em minha opinião, fazendo-a parecer uma adolescente.
5- Quando nos amávamos. Essa, eu realmente esperava que fosse só comigo, porque eu nunca tinha visto cena mais linda, do que a mordida de lábios de quando estávamos na cama em um momento íntimo que beirava a delicadeza ou a selvageria.


— Refiro-me à previsão de alta médica. – ela disse me fazendo retomar a concentração em lugar que não fossem os seus lábios.
— Não.
— Vou procurar informações com ele.

Ela se encaminhava à maçaneta do quarto quando Joe, não conseguiu segurar a língua em sua boca:

— Ei, . Eu posso ficar para você.

Eu queria bater no Joe. Não era para falar aquilo dando a entender que eu havia o convocado a estar ali.

— Não é preciso, Joe. Obrigada. Eu deixei Alex informado, e ele dá conta de tudo no restaurante em minha ausência. Vocês podem ir, me garantiu que daria alta para pela manhã.
— Eu vim para render o Nick de qualquer forma, você pode ir também se quiser.

Eu realmente queria bater no Joe. A última coisa que eu queria que pensasse era que, eu estava deixando a em segundo plano. E me lançou um olhar de quem imaginava exatamente aquilo.

— Tudo bem Joe, eu só vou procurar o .
. – adiantei-me a lhe explicar meus motivos para ter pedido ao Joe para ir lá: — Eu deixei alguns compromissos meio ao avesso ontem, então, eu só preciso sair para resolvê-los.
— Eu já falei desde ontem Nicholas, você não precisava ter ficado. E logo mais, e eu iremos embora, então, pode ir.

A maneira como falava comigo demonstrando certa súplica para que eu saísse dali, para que eu sumisse de suas vistas, estava cortando-me por dentro.
Eu errei tanto assim para ser tratado como uma pessoa totalmente desprezível? Calei-me diante seu olhar cansado e depressivo, a analisando.

... Não podemos nos tratar com menos frieza?
— Nicholas... Ainda é tudo muito recente para querer que nos tornemos bons amigos, não?
— Não era para termos deixado de ser bons amigos. Era você quem eu procurava no restaurante quando meu mundo ia desabar, lembra? Em que momento nós deixamos de ser quem éramos?

A pergunta que eu fiz a ela na verdade, eram as perguntas que eu fazia a mim. Em que momento eu errei mais? Ao me permitir apaixonar-me pela mulher que era a amiga comum, a mulher simples do mundo real, o meu refúgio? Ou no momento em que eu transformei essa mulher num alvo da minha vida caótica e destruí tudo?

FIM DO FLASHBACK

No, I can't help myself, no, no
(Não, eu não consigo evitar, não, não)
Caught up in the middle of it
(Estou preso no meio de tudo isso)


Os dias se seguiram e eu continuava reflexivo sobre e eu toda vez que ela se tornava assunto ou se fazia presente. Quando eu estava em meu mundo com Priyanka, meu trabalho, minha família, raramente eu sentia a culpa em meus ombros. Mas, era inevitável combater a intensidade que existia entre e eu.
Era como uma espécie de penitência minha ter que a encontrar e reverberar tantos sentimentos de uma só vez. E não se tratava somente de vê-la, ou estar perto dela. Até nossas ligações eram intensas.
Eu estava preocupado com a quando a telefonei e descobri que estava no restaurante com ela. Ele estava jantando para falar da . E eu estava perplexo com aquele cara usando a minha filha de desculpa para se aproximar da .
E de novo, eu discuti com a numa falsa justificativa de ser pelo diagnóstico da nossa filha. Eu teimava que era eu quem devia dar a notícia a minha filha, mesmo percebendo o quanto aquilo era infantil, mas na verdade, minha cisma era com aquele médico ao lado de , ajudando ela e a passarem por tudo aquilo, quando eu sabia que era eu quem deveria estar lá. Mas estar lá implicava em fazer escolhas, as malditas escolhas que eu não queria fazer.
Eu precisava me fazer presente de algum modo já que eu não iria escolher o que me parecia mais certo: abdicar um pouco do trabalho. E por isso, eu escolhi pegar um avião de onde eu estava a trabalho, indo direto para a casa da no dia seguinte, bem cedo, e acabei a acordando com a campainha para saber só depois de outro momento tenso entre nós, que a estava na casa do Kevin.

FLASHBACK


— Desculpe , eu queria chegar antes que o escolar da já tivesse partido.
— E isso é razão para descontar na campainha? Ela não tem aula hoje, é conselho de classe.

Eu sorri discreto do mau humor de . Aquele mau humor matutino era por minha causa, e era novidade. Na verdade, eu estava me tornando o mau humor de independente do horário, e não era exatamente o que eu queria, mas era uma forma de continuar na vida dela pelo menos, já que ela não parecia que me daria espaço para estar em sua vida de outra forma. Ela saiu entrando pela casa, e eu a segui me justificando:

— Ótimo. Peguei o avião mais rápido até aqui.
— Finalmente priorizou a coisa certa...
— O que disse? – eu havia escutado, mas optei por fingir que não e apenas me jogar no sofá.
— Me aguarde, eu vou me recompor já que você me jogou para fora da cama.
— Eu vou ver a .

E quando eu disse aquilo, a já estava no corredor do quarto e eu logo atrás, sem me dar conta de que minha ex-mulher não havia me notado. Quando nossos corpos se trombaram, nos fazendo encarar os olhos um do outro novamente tão pertos, eu me lembrei dos motivos pelos quais eu me encantei por aquela mulher.
Os olhos agora frios de eram os olhos sonhadores e cheios de fogo da cozinheira que eu conheci e tornei a mãe da minha filha. Eu novamente pude tocar seu corpo ali, ainda que de uma forma nada invasiva, apenas segurando seus braços. Mas, era o toque suficiente para eu apertar um pouco meus dedos em seus braços, e por um milésimo de segundo perder a noção de tudo o que tinha acontecido, e também por um milésimo de segundo ser impedido de beijá-la com toda a vontade que me tomou. se soltou de mim, afastando-se e explicando que a não estava em casa.
Fui para sala, ainda desconcertado com a surpresa de uma sensação que eu achei que não existiria mais. Mas, por que não existiria desejo por se ela ainda era uma mulher tão atraente?
Como eu não havia tomado café, eu tomei posse da cozinha preparando uma mesa simples de desjejum pra nós. se surpreendeu com aquilo e me olhava como se dissesse que eu estava ultrapassando alguma barreira de limite.

— Eu não tomei café. Não posso mais cozinhar na sua casa também?

Ela ignorou meu comentário e foi se servir me explicando, os motivos pelos quais ainda não havia contado para sobre seu diagnóstico:

— Eu não estive com ela. Ontem Kevin buscou-a pela manhã, e eu te disse isso por mensagem, que ela ficaria lá. Então, à noite e eu conversamos. Logo, eu não estive com ela ainda para contar.
— Que bom então, assim falaremos juntos.

Novamente ela me ignorou. Eu não sabia se ela iria me acompanhar para falar com a , ou se apenas não queria pensar naquilo àquela hora. Mas, como o homem destrutivo que eu sou até a paz entre nós, eu teria que encerrar.
Eu queria muito saber em que nível estava a coisa entre ela, e o tal médico.

— Por que o Dr. foi falar com você no bistrô?
— Porque eu não poderia sair para ir ao consultório àquela hora, e porque é um admirador da minha comida, como tantas outras pessoas.
— Então ele é um frequentador assíduo do De La’ ?
— Qual o problema? – sua pergunta era desafiadora.
— Desde quando você e esse médico ficaram tão próximos?
— Desde que você saiu por aquela porta e eu tive que lidar com um mundo, totalmente diferente, e despreparada. Mas, onde isso é da sua conta?

Eu só pude suspirar. Tudo bem que eu havia errado e tudo bem que sou eu quem ficava puxando discussões, às vezes desnecessárias, apenas para ser o homem sempre presente no coração dela. Ainda que não fosse pelo amor, que fosse pelo ódio. Mas, a maneira como ela também jogava a culpa sobre mim, me revoltava.

, foi você quem quis isso.
— E eu não estou te cobrando nada Nicholas, apenas respondi a sua pergunta. E não falei nenhuma mentira. Agora, onde isso é da sua conta?
— Eu só quero saber se...
— Se o que Nicholas? Se eu já superei tudo e coloquei outra pessoa em seu lugar? Eu não entendi ainda, até onde isso é da sua conta. Ponha-se no seu lugar de pai da , e só.
— Eu quero o bem de vocês duas. Eu amo as duas, e não é porque separamos que isso vai deixar de existir. Só é outro tipo de amor e preocupação.
— Então está dizendo que as minhas relações sociais devem interessar a você, por zelo? Jura?
, eu realmente quero que você seja feliz, mas acho que não é bom para a que você se relacione com o médico dela.
— Vá se danar, Jonas. Eu não acredito que você disse isso. Tem tantos erros nessa frase, que eu mal posso contar.
... – eu tentava pacientemente explicar a ela o que ela fazia parecer que não tinha explicação.
— Nicholas! Eu não estou num relacionamento com , e se estivesse seria maravilhoso já que o adora! E por favor, não seja hipócrita em seus argumentos. Você não pensou momento algum no bem estar da sua filha quando decidiu relacionar-se com a mulher que causou o divórcio dos pais dela. Aliás! Eu estou sendo injusta com a Priyanka, quem causou nosso divórcio fui eu. Mas, de qualquer forma, você não está sendo sincero com a sua filha. Eu jurei ser sincera a você, Nicholas, mas você também jurou.

Eu não consegui responder. E de novo pareceu decepcionada. Mas, o que eu poderia dizer se ela tinha razão? O que eu podia fazer se eu realmente não pensei em antes de me envolver com a Priyanka?
Embora eu sentisse que precisava tirar também aquela culpa que sentia pelo nosso fim, de suas costas, saber que ela também assumia uma parcela de culpa fazia eu me sentir um homem menos babaca. Entretanto, eu estava sendo muito babaca de não assumir aquela culpa sozinho, não é?
O melhor caminho era desconversar já que eu não conseguiria encarar os fatos.

— Eu vou buscá-la. Você vem comigo?
— Não. Ela não deveria ver os pais chegando juntos na casa do tio. Não quero criar imagens falsas na mente da minha filha.
— Está exagerando.
— A psicóloga dela não acharia isso.
— Ela não recebeu alta ainda? – eu podia jurar que já estava bem com a situação do divórcio.
— Nem vai. Diante do quadro, acha prudente ela permanecer na terapia mais um tempo.
... Por que ele não me informa as coisas?

Perdi o controle de novo. Era sempre ele, sempre o médico o senhor responsável por tudo que envolvia a , e por mais que aquilo fizesse parte do seu trabalho, eu não queria encarar também aquele fato.

— Porque é o meu telefone primário de responsabilidade por no prontuário dela, e na minha falta, é o da sua mãe que está lá.
— Estou indo buscar minha filha. – eu fechei meu semblante e dei as costas para .
— Nicholas! Se quiserem ficar mais um pouco com Kevin e as meninas, fiquem. Se puder e quiser passe o dia com sua filha. Ela precisa disso.
— Você não quer conversar com ela? Sobre o diagnóstico.
— Esse é um momento de vocês, e eu vou falar com ela quando estiver com ela.
Diante à calma de , que sempre agia daquele jeito quando queria me mostrar como eu estava sendo infantil e pirracento, eu sorri. De fato, eu estava me prestando a um papel ridículo.

FIM DO FLASHBACK

Maybe I've been looking for something I can't have
(Talvez eu esteja buscando algo que não posso ter)


Então, depois de muito pensar, eu estava sendo mesmo ridículo. Se eu quisesse ser parte da vida da e da , elas também deveriam ser parte da minha vida, e quem sabe nós conseguíssemos ser um pouco mais leves com tudo?
A premiação estava próxima e eu queria que a estivesse comigo. Minha filha quando eu a prometi que a levaria, ficou radiante. Eu não quebraria uma promessa feita para a , mas ainda tinha que passar pela barreira que a mãe dela iria impor. Priyanka estaria na festa, e com certeza não ia aceitar o convite, mas talvez, se outras pessoas demonstrassem a razão e a sensatez ao explicá-la, ela aceitasse.
Eu pensei em incumbir Kevin de me fazer aquele favor, mas Kev e Dani eram sensatos o suficiente para dar razões à e serem dobrados por ela. Logo, eu tinha um irmão mais sem noção capaz de perturbar o suficiente até ela aceitar, e por sorte sua namorada era igual a ele.
Joe e Sophie foram animados, mas ao chegarem até mim e me contarem como havia sido, eu notei que por muito pouco eles falhariam, e notei também que eu não estava pronto para lidar com tudo aquilo com maturidade.

FLASHBACK


— E aí, Joe! – falei dando passagem a ele e Sophie ao entrarem no apart-hotel.
— Quando você vai arrumar um lugar pra você morar de verdade? – Sophie brincou.
— Ainda não sei Soph. Mas... E aí... Ela aceitou?

Eu estava ansioso pela resposta e fui sentando-me no sofá com toda uma linguagem corporal que denunciava aquilo. Meu irmão olhou para sua namorada que disfarçou um sorriso para ele, antes de me responder.

— Não faço ideia se ela vai aceitar dude.
— Como assim, Joe? Eu tinha certeza que você iria a convencer!
— É que, a gente meio que foi pego de surpresa Nick... – Soph falou serena, e Joe a olhou negativo.
— Como assim? O que rolou lá?
— Bem, primeiro, a está linda e pediu pra te mandar um beijo.
— Vê se liga mais para a sua filha Nick, ela está crescendo rápido. – Soph disse e se levantou indo até a cozinha pegar bebidas.
— Joseph, o que aconteceu?

Eu sabia que Joe estava preocupado. E precisava entender direito o que tinha dado errado.

— O médico da chegou lá, e bem... Eu só não sabia que eles eram tão amigos ao ponto da ficar confortável com ele.
— Ele é médico dela, natural não?

Quem me ouvia daquela forma não diria que eu já estava problematizando todas aquelas relações muito antes.

— É só que... Quando eu cheguei lá pronto a convencer , eu tinha certeza de que era o certo Nick, mas quando a vi com o médico...
— A viu com o médico? Como assim com o médico?

Interrompi nervoso me levantando e roendo minhas unhas, e Sophie se jogou no sofá me olhando boquiaberta.

— Você ainda gosta dela!
— Não fala besteira Soph, nós nos separamos.
— E daí? Você está surtando com o fato dela ter seguido em frente assim como você.
— Não é isso! É preocupação. Eu não gostei desse cara desde a primeira vez. É da minha filha que estamos falando.
— Não, estamos falando do fato de que talvez, vá acompanhada se aceitar o seu convite.

Joe não falou nada, apenas me encarava observador. Deixou Sophie me falar todas aquelas coisas sem sentido e eu estava extremamente irritado. Eu só queria que minha filha estivesse com a mãe na minha premiação e agora teria que engolir o fato de que o médico talvez estivesse também.
No dia seguinte eu fui até o bistrô e vi que estava lá com ela tomando café. Aquilo me soava muito semelhante à época em que eu fazia questão de estar lá a todo o momento possível, para admirá-la.
Quando eu me aproximava, ele parecia estar de saída, mas já era hora de mostrar para ele quem eu era na vida daquelas mulheres. Eu não era só o ex-marido, eu era o ex-marido e o pai. Eu sempre estaria ali. Eu sempre teria aquele vínculo com a , e logicamente com a .

— Parece que todos os seus amores nascem aqui, não é?

Fiz questão de que entendesse a minha insinuação diretamente. se mostrou surpresa, mas , ah... Ele entendeu muito bem. Ele já tinha me sacado das outras vezes, e me encarou com um cinismo que para mim, era natural a ele.

— Bom dia, Nicholas. Vejo que está bem. – ele me cumprimentou.
— Vejo que está melhor ainda.

Não me mostrei em nenhum momento disposto a recuar perante ele, mesmo com mantendo a expressão de homem mais polido entre nós, e continuando a me provocar:

— Com certeza, não há nada que me restaure mais do que sair de um plantão e tomar um maravilhoso café no De La’ .
— E na companhia da própria , pelo que percebo.
— É eu realmente não sei qual é a melhor parte. – disse risonho e despediu-se de com certa cumplicidade: — Até mais. Boa sorte.

E antes de me dar totalmente às costas ele ainda se atreveu a me provocar mais:

— Eu vou realmente me sentir muito honrado se isso... – apontou para ele e — for um novo amor nascendo aqui.

Eu não esperava aquilo e não fiz questão de esconder que aquilo me afetou. E eu justificava aquele ranço todo na necessidade de não ser apagado de uma história, mas na verdade, quando eu me deparava com certas expressões de eu já nem sabia os motivos certos para agir daquela forma. E mesmo assim, eu não daria o braço a torcer.
Observamos ambos, saindo pela porta do bistrô sem olhar para trás. Ela se colocou a recolher as louças na mesa, como se eu não existisse ali. Estava sendo demais lidar com aquela rejeição totalmente desnecessária. Tirei a bandeja da mão de , silencioso e contrariado, e levei-a até o balcão. Sentamos de frente um para o outro dentro do escritório dela, quando notou que eu fazia questão de conversar.

— Suponho que não veio tomar café, Nicholas.
— Não. Eu vim porque o Joe falou que você não gostou muito por eu tê-lo pedido para te entregar o convite.
— Eu só me senti ofendida porque, um assunto que envolve a você deveria tratar com o mesmo ímpeto com o qual se mete na minha vida, como fez há pouco.
— Desculpe, eu não quis atrapalhar o seu namoro.

Alfinetei, e esperei em que momento ela iria confirmar aquilo.

— Não vai dizer o que veio fazer aqui?
— Não vai negar que está namorando o médico?
— Não estou namorando o médico. Concentre-se em algo que realmente seja importante para trazê-lo aqui, Nicholas.
— Você vai? – mudei de assunto sem ser convencido por sua resposta.
— Ainda não sei. Mas, é realmente necessário expor a este evento agora?
— Eu a prometi. Não tenho estado muito com ela, e gostaria muito que ela fosse. Não é como se não soubessem que ela é minha filha. Mas, eu não tenho quem esteja lá a acompanhando. Por mais que minha família toda esteja, você sabe que teremos momentos em que iremos nos afastar para posar e etc.
— Eu posso conversar com ela a respeito primeiro?
— Ela dirá que quer ir, está falando disso há dias.
— Certamente, porque alguém colocou isso na cabeça dela, não é?
, por favor!
— Tudo bem, então se ela realmente quiser, eu irei.
— Pode levar o médico, se quiser. Pelo que vejo não vai demorar muito para chamá-lo de “namorado da mamãe”.
— Qual o seu problema, hein? Por que sempre toca neste assunto?
— Talvez por que eu não goste da ideia?

E ao respondê-la tive coragem de dizer o que eu não tinha coragem de assumir nem mesmo para mim.

— Não gosto de muitas coisas também, nem por isso atacá-las vai me fazer mudar de ideia.
— Eu não estou te atacando, ou a ele... É só...
— Nicholas! Eu fiquei a madrugada bebendo, lembrando-me de nós e chorando, sofrendo por te amar ainda. Então, por favor, respeite a minha dor.
... – ela quebrou minhas pernas com aquela confissão de que ainda me amava, e eu fui sincero: — Eu não queria que as coisas tivessem ficado assim.
— Mas ficaram e não é mais momento de discutirmos nada disso. Por favor, eu estou considerando dar um passo respeitoso em ir até o evento em que você estará com Priyanka exibindo-a como sua mulher. E você fica agindo como um moleque de picuinha com qualquer homem que eu me relacione!
— Não é qualquer homem, até porque é só ele que tem rondado você, não é?

Perdi novamente o controle da minha calma e comecei a andar de um lado para o outro.
Eu estava dentro daquele escritório onde eu a beijei pela primeira vez, e tantas outras vezes seguidas. As memórias de nós dois não paravam de surgir a toda vez que eu me deparava com e juntos, porque tudo era tão parecido.

— Você não nota a semelhança? Foi assim que eu e você começamos! Eu vinha aqui todos os dias, a gente passava horas conversando e...
— O que te faz ter tanta certeza de que ele vem todos os dias, e se somos muito amigos ou não?
fala dele às vezes, e Joe...
— Ah! Joe! – ela me interrompeu — Ele foi a sua casa ontem e disse para você que o Dr. veio jantar, e o que mais?
— Eu supus todo o resto.
— Ora, ora, se não é você fazendo aquilo que tanto me julgou por fazer: supor coisas que não são reais.

Ela me deu as costas saindo estressada, mas retornou com um tom definitivo que eu sabia muito bem que ela usava quando queria dar um assunto por encerrado:

— Percebe que não tem razões para você se incomodar com esse tipo de coisa agora? Você seguiu a sua vida, e eu estou tentando seguir a minha, então pare de agir como se ainda fôssemos casados e eu estivesse supostamente traindo você, porque as coisas não são assim! E ainda pior é você agir como eu agia: criando fantasias na sua cabeça que só pioram a nossa comunicação.

Ela havia confessado. De alguma forma na minha cabeça, ter dito que estava tentando seguir em frente, me confessava o que eu não queria ouvir. E me jogando todas aquelas palavras duras em minha cara, me comparando ao que de pior existiu no nosso casamento: desconfianças infundadas que uma hora se tornaram reais... Foi o estopim.
Tomado por uma ira, por um sentimento de perda, eu olhei para ela com tanto ódio, que não me comedi ao tentar atingi-la. Na verdade, meu ódio não era de , era de mim. Mas, até para me vingar de mim, eu destruía a ela.

— Acontece que não era tão fantasia da sua cabeça, não é? O que também pode não ser só fantasia da minha!

Ela me olhou chocada, e depois que uma lágrima caiu de seu olho, outras vieram, anunciando o choque pela confirmação de algo que em todos aqueles anos eu negava veemente a ela.

— Você ouviu o que acabou de dizer? – ela perguntou com voz fraca, e eu a encarava perdido: — Saia. Eu vou pensar se irei com a .

abriu a porta do escritório como um furacão, e então eu caí na realidade do que tinha feito.

— Não foi o que eu quis dizer... Eu...
— Saia. – ela disse sem me dar espaços para falar um “até logo” que fosse.

FIM DO FLASHBACK

Everyone knows all about my transgressions
(Todo mundo sabe sobre minhas transgressões)
Still in my heart somewhere
(Ainda assim, em algum lugar no meu coração)
There's melody and harmony
(Há melodia e harmonia)
For you and me, tonight
(Para nós dois esta noite)
I hear them call my name
(Eu os ouço chamar meu nome)


Ela foi ao evento, linda. Decidida, orgulhosa, e sem um , ou qualquer outro para exibir. não era a mulher dos tabloides, ela era pacífica apesar de qualquer coisa que pudesse a irritar, na maioria das vezes.
Ela foi alvo de muita fofoca e intriga em nosso casamento durante nossos piores anos de crise, tanto quanto foi a queridinha das revistas no início do nosso romance. E mesmo estourando comigo, entrando na provocação e sendo ao meu lado, cenário de fofocas negativas por descuido, era pacífica em sua natureza. Ela não levaria e não o levou.
Só que, no dia da premiação eu já estava encolerizado com o fato de que Joe me confirmava achar que existia possibilidade real de que e o médico se envolvessem, e também com a confirmação que em minha cabeça ela teria feito em nossa última discussão.
E eu novamente passei sobre no evento como um demolidor. Não tive o cuidado que havia me proposto a ter antes de convidá-la, com a presença de Priyanka entre nós. Não tive senso do ridículo ao provocá-la falando de uma suposta relação entre o bem estar dela, e o médico. E isso me causou uma pequena e inútil discussão com Priyanka depois.

Sometimes the greatest way to say something
(Às vezes, a melhor maneira de dizer algo)
Is to say nothing at all
(É não dizer absolutamente nada)




Capítulo 14

“But you always really knew, I just wanna be with you”.


*Este capítulo conta com a narração do Nicholas.

A gente nunca sabe o quanto perdeu algo valioso até se dar conta da pobreza em sua volta. Com meu casamento foi assim. Eu só notei que tinha perdido muita coisa, depois que me percebi de volta ao ciclo de um relacionamento fabricado. Priyanka estava certa. Nós éramos públicos demais para agir como pessoas normais. Eu havia perdido o meu refúgio.
A todo canto que eu fosse ou estivesse com Priyanka, haveria muito mais do que os meus paparazzi. Seriam os meus e os dela. Haveria muito mais rumores tóxicos, do que qualquer rumor que já tivera existido com a “empresária proprietária de um restaurante casada com Nicholas Jonas”. Seriam rumores mais fortes, atingindo os meus trabalhos e os dela, os meus fãs e os dela, a minha família e a dela.
Ao passo que eu me percebia vazio da minha parte mais humana, eu também me sentia o próprio Peter Pan. Priyanka era uma mulher incrível em vários sentidos, e até o fato de ser mais velha do que eu, era encantador para mim. Nós estávamos vivendo um conto de fadas, que muitas pessoas gostariam de viver.
E só depois de ver , e conversando em sua última consulta emergencial, foi que eu percebi que talvez agora as coisas estivessem tomando os rumos certos: , a mulher comum deveria estar com um homem comum. Nicholas, irmão Jonas do meio, deveria estar com a modelo indiana mais cotada dos últimos tempos.

FLASHBACK


Recebi os telefonemas de Kevin e Joe, preocupados me dizendo o que aconteceu com a por alto, e fui imediatamente ao hospital. Senti-me um péssimo pai por não estar ao lado do celular o tempo todo, e não ter visto a primeira ligação da .
Avancei pelo corredor do hospital logo após a enfermeira, me informar na recepção em que quarto minha filha estava. Quando eu ia abrir a porta bruscamente, ouvi a voz de , então fiquei espiando a conversa.

— Hm... Não. Eu levei sua mamãe para comer num restaurante.
— Que chato. Ela faz isso todo dia, tio!
— Oras... Mas você não me disse onde eu poderia levar a sua mamãe!
— Você não me perguntou! – respondia ao médico, tão impetuosa como a mãe.
— É verdade! Onde eu poderia levar a , então, hein?
Hm... – pensou um pouquinho vendo o médico examinar seu abdômen — Já sei! Num lugar que eu também posso ir junto!
— Onde seria isso, hein ? – ele perguntou para fingindo não saber, e respondeu rápida:
— No parque tio ! Leva eu e a mamãe no parque!

Eles riam da euforia da , que me aparentava bem demais para necessitar estar ali.

— Tá bom. Eu levo! Desde que a senhorita não coma mais escondido.

sorriu travessa, e concordou. estendeu a ela uma bebida, que deveria ser algum remédio.

— Viu mamãe?! – falava animada depois de virar o copinho de uma vez só: — Tio vai levar nós duas no parque!

Eu já havia visto e escutado o suficiente para ficar escondido. Abri a porta e me coloquei de pé ali, me fazendo ser notado por minha filha.
O sentimento que me invadiu naquele momento, foi igual a um jogador que sai de campo, em substituição sem ao menos ter feito um gol para ajudar sua equipe. A me notou, e sorriu tão largamente para mim, que poderia até ser o substituto que entra em campo e pontua dando vantagem ao time, mas eu ainda era o craque da equipe.

— Papai! – ela disse animada.

Caminhei mais rápido até minha filha com necessidade de abraçá-la e nunca mais soltar. Não quis ser rude com o médico. Não naquele momento, embora eu ainda o odiasse. Apenas o cumprimentei discretamente.
E mais do que abraçar a , eu queria, eu precisava abraçar e tocar . Ela não esperava a aproximação, e foi pega de surpresa, mas eu não dei à mínima. Eu ainda estava espantado com a distância que cada vez parecia maior.

— Bem. Pais, o que aconteceu é que a provavelmente comeu a mais do que o possível, e certamente ingeriu algo fora da dieta, algum alimento rico em açúcar. A glicose subiu mais rápido do que a insulina poderia agir, e teve um quadro brando de hiperglicemia. Vamos manter a observação por algumas horas aqui, e...

se abaixou à altura do rosto de , e falou sorrindo a ela, sem perder a postura de médico:

— Mocinha, eu sei que às vezes dá uma vontade grandona de comer doces. Mas, seja lá o que você queira comer , é só pedir ao papai e à mamãe. Não é preciso comer escondido, porque você pode comer o que quiser só que antes deve tomar o remedinho. Por isso, papai e mamãe tem que saber tudo o que você come, está bem?
— Tá bom tio . Eu não vou mais comer nada sem falar com eles.
— Ou com quem estiver cuidando de você, filha. – confirmou, preocupada à nossa filha.
— Tá bom mamãe.
— E o caderninho que o tio deu para você? – perguntou a ela.
— Eu desenhei tudo!

respondeu animada. Eu me indagava, com um pouco de falta de ar, onde é que eu estava perdendo todas aquelas coisas acontecendo.
Eu já havia visto o caderninho, já havia acompanhado desenhando nele, e a ajudei, e inclusive eu já tinha perguntado o que era aquilo e para quê servia. também havia me dito, mas eu não sabia que havia sido ideia do . adorava, simplesmente adorava aquele caderno. E para mim, era o mesmo que dizer que a adorava o .

— Muito bem! Eu vou ver as outras crianças e mais tarde retorno para te ver, tudo bem?
— Quando a gente vai no parque? – perguntou ansiosa.

Olhei na direção de e do médico, desconfortável é claro, mas me fazendo de desentendido sobre aquilo.

— Quando a mamãe estiver menos ocupada.

respondeu e sorriu para . Eu aguardei o médico sair para conversar com minha filha. Senti necessidade de ficar mais íntimo da minha filha. Em silêncio, sentei no leito da cama de , e apertei-a em um abraço e perguntei várias coisas de como havia sido seu dia, de como ela se sentiu ao rever as primas e tios, do que brincaram, e enquanto isso, estava ao telefone.
Provavelmente ela deveria estar telefonando ao bistrô, e eu notei o quanto ela abdicava de seu trabalho por nossa pequena . Quantas vezes eu havia feito aquilo?
As malditas escolhas que eu não queria fazer, as fazia sem ao menos pensar em consequências. Talvez por isso, eu começava a me tornar um fantasma na vida das duas, e também me tornava com aquele divórcio, um péssimo pai.

— Seu cabelo... Por que fez isso?

No momento em que ela se aproximou de nós de novo, foi que eu percebi a sua mudança drástica. O cabelo grande ao qual ela adorava tanto, agora estava curtinho. Moderno. Novo. Como se anunciasse uma nova mulher, numa nova vida. E eu sabia que deveria me sentir feliz por ela, mas o medo de que nova vida seria aquela, falava mais alto.

— Porque eu quis. Que tipo de pergunta é essa? Foi bem grosseiro.
— Desculpe, não quis o ser. Eu só... Fiquei surpreso.
— A mamãe está linda. – disse mexendo no meu telefone.
— A mamãe não está filha, ela é linda. – respondi sorrindo para a que sorriu concordando.

não estava confortável em receber um elogio meu depois de tanto tempo. Ficou em silêncio como em poucas vezes nos últimos tempos.

— Pode ir para o restaurante, . Eu levo a para minha casa.
— Não é preciso.
— Mas, e se ela quiser? – perguntei um pouco reticente.

Eu só queria ajudar um pouco mais, participar um pouco mais, e aproveitar todos os momentos que eu tivesse com minha filha.

— Então pergunte a ela.

respondeu disfarçando sua irritação na frente da , não o suficiente para que eu notasse. Aliás, eu sempre notaria.

— Filha, quer ir para casa do papai, para a mamãe ir trabalhar? A Pri está lá também, ansiosa para brincar com você.

Eu notei que a não estava tão à vontade com a proposta. Não deixei de me sentir frustrado, mas foi naquele momento que eu pensei em como será que encarava, verdadeiramente, a minha relação com a Priyanka.

— Eu quero ir pra casa da mamãe.

Assim que ela respondeu, percebi a preocupada. Talvez pensasse que eu fosse culpá-la por não querer ir para minha casa, mas eu sabia que jamais seria capaz de influenciar qualquer decisão genuína e inocente da nossa filha.

— Filha, conversa com o papai que eu vou pegar a água pra você e pra mamãe, tudo bem? – ela beijou a testa de e nos deixou a sós.
, porque você não quer ir para a casa do papai? Você gosta tanto de passear pelo hotel.
— Eu quero a minha caminha.
— Tudo bem filha... – entendi o desconforto dela e escolhi acreditar que o problema era realmente a falta de sua cama e suas coisas — Quando o papai mudar de casa vai ter um quarto seu com suas coisinhas, tá bom?
— Tá bom!
— Vamos para casa da mamãe então, assim ela pode cuidar do restaurante, tá?
— E fazer comidinhas gostosas. – riu e eu sorri junto concordando.
— Você... Gosta do tio , filha? – perguntei com receio da resposta.
— Ele é um super-herói papai.

Sorri para minha filha. Não iria negar que a profissão de o fazia parecer um herói, ainda mais para minha filha que era tratada de forma tão eficiente, mas... Não pude evitar também, o quanto aquilo mexeu no comigo. entrou no quarto, cautelosa, nos observando.

— Pode ir , eu sei que hoje é dia de restaurante cheio. Eu levo a para sua casa assim que o médico liberá-la, e aguardamos você lá se não houver problemas.
— Tem certeza que não quer dormir no papai hoje filha?
— Não, eu quero dormir com você, mamãe.
— Tudo bem então...

Eu pude notar que ela falou preocupada ainda com a minha reação, então eu apenas sorri tranquilo. me entregou a chave da casa, que até um tempo atrás eu tinha, e saiu.
A bebeu toda a água do copo que a mãe havia trazido devagar, e depois de algumas cócegas por uma brincadeira minha, ela queria mais um copo de água que eu fui buscar. Pedi para que ela ficasse quietinha, já que não havia necessidade de chamar enfermeira porque o bebedouro era em frente ao quarto. Saí e caminhei até o corredor pegando a água, e quando olhei para o lado, avistei e .
O médico beijou a testa dela antes de falar-lhe alguma coisa e seguir um caminho contrário. Aproximei-me três passos dela, que ainda não havia me visto, e nem poderia já que estava concentrada em observar , e com um sorriso em seu rosto, que em minha opinião, ela não deveria exibir daquele jeito.

— Vim pegar mais água para a . – falei após ela me notar e me lançar um olhar confuso e sério.
— Ela está bem?
— Sim... Eu achei que você já tinha saído.
— Eu fui até avisá-lo que iria embora.
— Por quê?
— Como?
— Por que foi avisar ao médico da que estava saindo, se a deixou com o pai dela?
— Ah, apenas... Eu também precisava agradecê-lo pela prontidão de atender à .
— É o trabalho dele.
— Não seja grosseiro. Sendo ou não o trabalho dele, faz bem ao tratamento de .
— Parece que não é só a ela que ele tem feito bem.

Não me contive de novo. Não queria causar confusão, queria apenas compartilhar a ela o que estava bem perceptível, mas para , parece que tudo o que eu disser virá com um selo de “brigue comigo”. Ela me olhou desanimada e desconversou.

— A cadeirinha de , está no seu carro?
— Claro. Eu nunca a tiro. – respondi.

Ela apenas acenou com a cabeça e continuamos naquele silêncio constrangedor, até eu sentir a necessidade de reforçar a ela uma verdade que às vezes parecia que eu havia esquecido.

— Não é como se eu me esquecesse de que tenho uma filha, .
— Eu não disse isso.
— Mas age como se eu fosse um pai relapso. Joseph me contou que você não gostou da minha demora em atender à ligação. Eu estava...
— Eu não me importo com você atendendo meus chamados, por sua filha ou não, Nicholas. – ela disse me interrompendo — Eu só quero deixar muito claro que eu sempre farei o possível para que e você estejam conectados, assim você nunca poderá me acusar de nada.
— Quando foi que eu acusei você, ?
— Logo que chegou você jogou um mundo de culpa sobre mim por não ter sido informado do tratamento dela. Eu entendi o seu recado ali, e por isso não pretendo intermediar os assuntos sobre , por sua família mais. Não vou dar a mínima para suas ocupações quando se tratar de informar e cobrar a sua presença perto da sua filha.
... Eu jamais vou colocar vocês duas em segundo plano em minha vida.
— Limite-se a não colocar a sua filha em segundo plano, quanto a mim Nick... Não importa.

Apesar de eu estar sendo sincero, continuou indiferente a tudo o que eu dizia, e ela já ia me dando as costas, como se eu não fosse ninguém. Eu me senti extremamente necessitado de receber o olhar dela em meus olhos. Então numa pressa absurda de não vê-la se afastar, eu peguei em seu braço a trazendo para perto. E logicamente, ela detestou aquilo.

— Você não veio pegar água para a ? – me perguntou indicando com um olhar irritado, a minha mão em seu punho.

Eu queria dizer algumas coisas a ela, mas era como se eu não tivesse coragem ou voz suficiente para assumir o que precisava ser assumido, então novamente, tomou o controle da situação:

— É melhor você ir, ela já passou muito tempo sozinha no quarto.
— Conversaremos melhor mais tarde.

Eu falei decisivo, demonstrando que havia sim, necessidade de uma conversa. Ela estava tão apreensiva para sair dali, que apenas assentiu e foi embora.
Depois que levei a para casa, nós jantamos juntos. Fiz questão de cozinhar uma sopa para minha filha, como quando eu fazia antes de tudo acabar e de me distanciar dela. Depois nós brincamos de todas as brincadeiras que ela quis, e por fim, pediu para assistir desenho no meu colo.
Aninhei minha filha em meus braços, como meu maior tesouro ali. Ela adormeceu, e eu a coloquei em sua cama. Em seguida, percebi que ainda era cedo, e ia demorar a chegar, então, fui até nosso antigo quarto.
Até ali tudo estava diferente. Ela realmente havia tirado tudo o que pudesse fazê-la se lembrar de mim. Mas quando abri seu closet, algumas roupas minhas ainda estavam ali, numa gaveta que já foi minha. Eu não me lembrava de ter deixado aquelas roupas, mas eu soube exatamente que sabia daquela gaveta, quando notei que dentro dela estava todo o resto de coisas que me pertenciam.
Esfreguei os olhos cansado e triste, mas puxei uma calça de moletom e fui tomar banho. Quando terminei de me vestir, eu andei um pouco mais pelo quarto, mexendo nas coisas dela, e sentindo seu perfume. Ainda era o mesmo.
Fui tomado de uma vontade tão grande de chorar, como chorei da última vez que estive naquele quarto, que sentei à cama e deixei as lágrimas rolarem. A cena da nossa última discussão, me mostrando a foto, eu a beijando tentando desmentir a traição que nem eu sabia e tudo... Tudo veio à minha mente de novo. Aquela maldita foto. Aquele maldito ato impensado que eu havia dado. E aquela maldita sensação de fracasso que eu teria que levar no peito dali por diante.
Levantei-me rápido e decidido a parar de chorar. Eu não deveria estar daquele jeito agora. Que espécie de depressão atrasada era aquela? Peguei um uísque na sala e comecei a beber, apenas para me aliviar, mas de repente, eu me sentia corajoso o suficiente para que na hora que entrasse por aquela porta, eu pudesse falar tudo o que estava engasgado.
Quando ouvi o som do motor do carro dela, fui até a porta da sala a abrindo. Vi descer do carro, na garagem, cansada.

— Chegou cedo.
— Deixei Alex finalizar o movimento da madrugada.
— Que bom que você tem o Alex em sua equipe.
— Realmente.

Ela respondeu jogando sua bolsa no sofá e finalmente me olhando. Encarou-me da cabeça aos pés analisando o modo como eu estava vestido, então eu sorri explicando:

— Ainda têm algumas coisas minhas aqui.
— Eu não havia reparado. Junto para você depois tudo que ainda estiver aqui. – ela mentiu se fazendo de sonsa só para não dar o braço a torcer, mesmo ciente de que eu sabia a verdade.
— Não precisa. É bom para que em situações como esta eu possa ficar mais à vontade.

Joguei-me no sofá encarando-a nos olhos e bebericando meu uísque servido.

— Isso não faz o menor sentido. Enfim... Vou ver a .

Percebi se apressar para ir ao quarto da , talvez não só por preocupação, mas também por vontade de se afastar de mim. Então, continuei ali no sofá bebendo e pensando nas várias coisas que eu teria a dizer.
Quando ela retornou, eu virei o uísque numa golada. Ela iria falar algo e eu deveria dizer tudo antes que ela me enxotasse. Por que, eu sabia que ela faria isso cedo ou tarde, com ou sem uma discussão.

— O que disse sobre o quadro dela?
— Pergunte você ao seu namoradinho.

Mas, eu realmente achei que ela não iria me perguntar sobre . Achei que fosse querer saber como foi a minha noite com a em nossa casa, o que foi que fizemos ou o que ela comeu. Qualquer coisa onde não citasse o nome do doutorzinho. Mas, ela não ia evitar não é? Era como eu já disse, muito intenso, lidarmos e eu um com o outro.
Eu estava irritado. Eu precisava me aproximar dela e ainda encarar seus olhos cheios do nosso passado.

— Quantas doses você já bebeu Nicholas?

Ela perguntou ao notar que eu a observava de um modo diferente de nossos últimos encontros. Havia desconfiança naqueles olhos que eu tanto amei um dia.

— O suficiente para engolir algumas coisas.
— Certo, eu acho melhor você ir embora. Sinto que há algo que estou perdendo aqui...
— Eu conversei com seu namoradinho.

Deixei claro. Eu queria tanto que ela perguntasse o que havíamos conversado. Mas queria que perguntasse para mim, e não para ele como eu sabia que faria, cedo ou tarde. Aquela noite, quando ela saiu e eu fiquei com a no hospital, em observação, em dado momento que veio ao quarto, dormia. Ele analisou minha filha sem a acordar, e disse que já traria os papéis da alta. E naquele momento, foi onde eu pedi a ele para conversarmos.

— Ai céus, eu não acredito que você está agindo como um adolescente idiota a esta hora.

não perguntou nada, apenas se colocou a caminhar para seu quarto, desconversando. Ou melhor, negando que era seu namorado e me dando o posto de imaturo da história. Segui os seus passos, calmo, mas determinado a fazer o que meio litro de uísque me deu coragem para fazer.

— Você gosta dele?
— Que conversa, é essa, Nicholas?
— Me responde.
— Você gosta dela?

Eu não esperava que ela fosse revidar a pergunta, e me silenciei disposto a pensar sobre aquilo. Eu ainda não havia me feito àquela pergunta. Pisei no acelerador, fui a piloto automático sobre Priyanka como uma obrigação necessária, uma opção disponível e uma forma de não encarar aquele divórcio tão abertamente como vinha fazendo.
Mas, meu silêncio não foi encarado por ela como um momento de resolução, e sim, como uma afirmativa ofensiva.

— Se você não tem coragem para me dar essa resposta, porque é que está rompendo os limites?
...
— Nicholas, por favor, eu estou cansada, quero tomar um banho... — Pode ir. – falei irado com mais uma tentativa dela de me afastar, de me mandar embora, de me tirar do seu campo de visão: — Não é como se eu não conhecesse cada curva do seu corpo.
— Você está fora de si.
— Por que você está fazendo isso? Por que está mudando o visual, por que está impondo uma relação de distância entre nós...?

Disparei parte da munição que eu tinha carregado em meu peito, mas me interrompeu como alguém que sabia que aquela conversa chegaria e não quisesse enfrentá-la.

— Porque não temos que ser amigos, pelo menos não agora. Respeite meu espaço Nicholas! A única coisa que me faz ter alguma ligação a você é a sua filha. E por um bom tempo é assim que será.
... Nós já devíamos ter superado tudo aquilo. Eu não gosto de me perceber tão longe da sua vida. A sensação que tenho é que você está seguindo a sua vida sem mim.
— Que bom não é? Seguir sem você é algo natural agora. Ou pelo menos deve ser. Acha que só você tem o direito de ser feliz Nicholas?
— Não. Eu quero muito que você seja feliz, é só que...
— Que?
— Sei lá... Eu acho que... Eu não esperava que você fosse se recuperar tão rápido.
— Rápido? Tem ideia do quanto eu sofri para chegar até aqui? Olhe para você! – ela se exaltou apontando dedos na minha cara: — Você superou a tudo bem demais! Eu ainda tenho que lidar com os fantasmas da sua traição e você vêm dizer que esperava me ver sofrendo por você durante mais tempo?
— Eu não te superei!

Gritei encolerizado, e senti os olhos arderem. As malditas lágrimas de novo. Levantei da cama, com o peito aberto pronto a assumir algo que eu negava aquele tempo todo:

— Eu não superei ... Eu estou tentando esconder o fato de eu ter sido um canalha que destruiu nossa família.
— O que prova o quão canalha você continua sendo em usar Priyanka desse jeito. O que você queria Nicholas?
— Eu não quero perder minha filha.
— Que raio de conversa é essa, meu Deus...

Ela sussurrava confusa, com uma mão no cabelo e outra na boca, andando pelo quarto tentando compreender a minha expressão derrotada:

— Nicholas, você não vai perder a !
— Ela está completamente encantada com o seu namorado, ficou me contando o quanto ele é legal, e como ela vai se divertir indo ao parque, e ainda por cima... Ela é só uma criança... Meu Deus, minha filha me chamou para ir ao parque com a mãe e o namorado dela!
— Ele não é meu namorado. E eu não acredito que tenho que ficar repetindo isso pra você...
— Ah não? Então me explica porque você sorri para ele daquele jeito que eu peguei mais cedo?
— Você é patético.

Ela entrou no banheiro rapidamente, e eu a segui. Não iria permitir que ela fugisse daquela resposta, de novo.

— Então me diz por que a me chamou para ir ao parque com vocês dois? Que tipo de relação é esta onde a mãe da minha filha sai com o médico dela?
— Isso não é da sua conta! Eu não devo explicações a você e perceba o que você está dizendo e fazendo, Nicholas! Me expor, a estar com minha filha num evento seu com a Priyanka foi exatamente o que você fez! A não tem a maldade que você tem na cabeça! Ela só queria que o pai dela fosse com ela em um passeio junto à mãe, como você fez!
— Então por que este cretino desse está no meio disso!?
— Ele não é um cretino! Não desconte nele a sua culpa!
— Meu Deus... Você gosta dele...

Encarei , que tinha o rosto vermelho de raiva, constatando o que eu não queria constatar. Eu nem sabia por que aquilo tudo estava mexendo tanto comigo, mas eu não consegui evitar as lágrimas.
Talvez fosse a porra do uísque, mas naquele exato momento algo me dizia que a minha ficha havia caído. Eu ainda amava , começava a amar , e nós dois estávamos divorciados. Quantos erros cabem numa frase?

— O que afinal, você e conversaram? – ela perguntou, mas agora, eu não queria mais contar.

O olhar dela, tão confuso, eu diria até compreensivo, lá no fundo de seu brilho, esperançoso... Despertou em mim a necessidade de voltar no tempo. Não me contive. Aproximei-me sem medo, e toquei delicadamente sua cintura encarando seus olhos do modo mais saudoso e profundo que eu poderia naquele momento de quase sobriedade.
Pouco a pouco levei meu corpo para mais perto dela para tentar beijá-la, mas o choro urgente, sussurrado e incontido de me tirou daquele transe. Ela se deixou cair com o rosto em meu peito, mantendo o choro que se silenciou para pesar em grossas lágrimas, e eu apenas a abracei chorando também, e encostando minha testa ao ombro dela. Como uma criança que descobre que Papai Noel, Fada do Dente, ou Coelho da Páscoa, não existem, eu chorei ao me dar conta de tudo o que acontecia.

— É melhor você ir, Nicholas.

Depois de escutar aquela frase cortante, eu só pude reunir forças para me afastar dela, limpar minhas lágrimas e sair dali até onde eu pudesse caminhar. E embora eu tivesse me determinado a ir embora, minhas pernas me traíram, permitindo que eu chegasse apenas até o sofá da sala, onde eu me derramei novamente em um choro, uma posição fetal, e uma sonolência alcoólica.
O que veio a seguir foi uma manhã de ressaca, certo arrependimento, uma mais satisfeita e animada, pelo o que eu pude notar, e claro... Uma Priyanka revoltada e cheia de dedos apontados em minha direção.
Não bastando perceber que dava os primeiros sinais de conformação, eu ainda tive que me explicar para Priyanka sobre o motivo de ter dormido lá. De repente, minha vida girou, mas o quadro era o mesmo: uma mulher brigando comigo por ciúme de outra.


Capítulo 15

Tocar: Shallow

Tell me somethin' girl

(Me diga uma coisa, garota)
Are you happy in this modern world?
(Você está feliz neste mundo moderno?)
Or do you need more?
(Ou você precisa de mais?)
Is there somethin' else you're searchin' for?
(Existe algo mais que você está buscando?)


Eu não conseguia parar de rir com Marianne me contando os absurdos que haviam acontecido em seu último encontro às cegas. A cozinha inteira ria, na verdade! Se colocássemos Alex e Marianne numa competição de frustrações amorosas, ela só ganharia porque já fazia um bom tempo que Alex não se aventurava daquela forma. Enquanto eu e meus cozinheiros preparávamos o restaurante para abertura, Marianne nos divertia e Kelly corria de um lado ao outro ajeitando o salão.

— Mamãe! – apareceu na porta do meu escritório, me chamando com voz manhosa: — Não tem lápis de colorir!
— Como não filha? Dentro da sua mochilinha!
— Ué!

saiu correndo de volta ao escritório, e nós continuamos ali na cozinha conversando enquanto Mari foi verificar se estava mesmo tudo bem no escritório, tamanha a euforia de .

— Estou pensando aqui, e se a Mari e o Alex tivessem um encontro? – perguntei para a equipe da cozinha.
— Mas gente! De onde veio isso agora? – um dos meus funcionários me perguntou alarmado.
— Alex está à procura de um amor, e sei lá... Veio-me à mente que eles combinam. Vocês não acham?
— Ah , isso de combinar não é certeza de nada, até porque se fosse assim...

Leonard terminou de falar e todos se entreolharam cheios de risinhos e eu continuei batendo a massa de pão os encarando em dúvida.

— Se fosse assim, o quê, hein? – perguntei.
, você se esqueceu de colocar o lápis de cor da na mochila mesmo, então eu dei a ela algumas canetas, tem problema? – Mari retornou à cozinha me interrompendo.
— Eu tenho medo dela engolir a tampa.
— Ah não, relaxa, são aquelas canetas sustentáveis de madeira que nós mandamos fazer para o restaurante há um tempo.
— Céus... – suspirei descansando os braços da sova — Eu realmente acho que preciso de ajuda com a . Não estou conseguindo me apresentar no restaurante tanto quanto queria, e as coisas estão pesadas pra vocês aqui, não estão?

Meus funcionários sorriram e fizeram questão de me motivarem com palavras amigas, dizendo que não havia nada que a nossa equipe não desse conta.

— Mas, olhe, eu estou realmente pensando em mudar esta situação, ouviram? – passei confiança nas minhas palavras a eles e voltei a sovar a outra parte da massa que faltava.
— Relaxa ! – Mari riu revirando os olhos e apoiando-se num canto da cozinha a fim de não atrapalhar ninguém: — Mas e aí, do que vocês estavam falando?
quer juntar você e o Alex! – Leonard afirmou arrancando risos de todos nós, inclusive de Mari.
— Alex é? Ele está disponível?
— Ora, ora! Isso é um interesse Marianne?
— Admita Leonard! Você também acha o Alex um gato!
— Eu acho lógico. Não estou cego.

Todos nós demos muitas risadas divertidas e eu coloquei o pão para descansar olhando a expressão cínica de minha hostess, tentando fingir desinteresse em Alex.

— Então, você quer dizer que o Alex é possível?
— Não, não . Só porque trabalhamos juntos. Eu tenho essa exigência com os caras, se não fosse isso, eu estava era muito bem servida aqui!

Já conhecíamos o jeitinho atrevido da Mari e do Leonard então não nos assustamos com o comentário, mas, eu realmente não me importaria que os meus dois, hosts, se envolvessem, até porque trabalhavam em turnos distintos.

— Eu realmente acho que vocês combinam.
— Lá vem ela! – Leonard zombou com os outros funcionários pelo meu comentário novamente.
— E eu posso saber o que você quis dizer com aquilo de “combinar não ser certeza de nada senão...”? — Ah , você nos desculpe, mas todos aqui sabemos o quanto você e o médico gostoso da sua filha combinam, e nem por isso vocês...

Leonard soltou tão naturalmente quanto fosse possível. Eu abri a boca surpresa pela reviravolta do assunto, e todos meus funcionários dividiram-se em me observarem astutos e não cortarem ou queimarem seus dedos nas panelas.

— Não é ? Vocês não... – Leonard insistiu analisando meu silêncio.
— Já rolou alguma coisa, não rolou? – Marianne perguntou se aproximando aflita e só então me dei conta da situação.
— Oras! Pelo amor de Deus! – eu falei alto retomando a respiração — Vocês todos estão de complô? Por que todo mundo acha que eu e temos um caso?
— Ué... – Leonard falou em tom sarcástico: — Porque vocês combinam!

A cozinha explodiu-se em risos e eu não podia acreditar na audácia dos meus amigos e funcionários. Não me percebi corar até que Marianne me abanasse com as mãos, com um olhar atrevido.

e eu somos apenas amigos. Até parece que vocês não sabem o fracasso que é a minha vida amorosa!
— Por isso mesmo! Depois de tantos atritos com seu ex-marido, nada mais justo do que a vida te devolver umas flores.
— Ela está se fazendo de sonsa, Marianne! Por Deus, ! Sua cara não queima? – Leonard falou risonho e indignado com as mãos em sua cintura: — Não somos cegos, ok? Estamos todos sabendo das crises de Nicholas quando encontra aqui. Aliás, como não encontrar não é? Ele faz todas as refeições aqui, dia sim e dia sim.
— Ah que exagero Leonard! Vocês estão muito à toa, isso sim!
— É verdade! Vamos trabalhar que a Kelly acabou de abrir o salão! – Marianne alegou observando o salão da porta da cozinha e se despediu.

Leonard parou ao meu lado e beijou minha bochecha como quem pedisse desculpas, não achando que precisasse pedi-las, e eu apenas bati nele com um pano de mão.
Retomei minhas atividades da manhã, pensando no quanto eu estava bagunçada. Não eram nem seis da manhã e a estava acordada no escritório desenhando, e a cozinha a pleno vapor principalmente ao que se referia à minha vida, eu estava totalmente bagunçada em pensamentos, desde a última vez que eu estive com . Última vez esta, que significava um dia atrás no parque.
Depois de adiantar parte do serviço, eu fui ao escritório e encontrei dormindo no chão, com a cabeça em seu ursinho e seus desenhos abaixo de si. Sorri com a cena, mas também me senti péssima. Ela havia acordado tão cedo para me acompanhar e com certeza seu sono estava bagunçado. Talvez estivesse certo, e eu devesse aceitar a ajuda da mamãe de novo. Peguei minha pequena criança ajeitando-a no sofá do escritório.
Na hora do almoço, coloquei novamente no cantinho da cozinha para que ela pudesse almoçar em sua mesinha sem atrapalhar no salão e ficando sob minhas vistas. A correria aumentava a cada dia felizmente. E a sinfonia da minha cozinha me deixava ainda mais feliz e aberta ao meu recomeço de vida: a cada chiado do óleo que fazia subir a fumaça cheirosa dos pratos apetitosos, a cada tilintar de talheres e tampas de panelas, a cada estampido de vinho aberto, eu me sentia mais e mais viva. E foi num momento daqueles que eu me senti extremamente grata à vida, e por incrível que pareça grata ao Nicholas.
Eu tinha acabado de servir um prato e limpá-lo para que fosse entregue, quando ouvi as batidas de talher no pratinho de plástico. Olhei na direção de que lambia os lábios, risonha, e sacudia o pratinho no alto batendo o talher. Todos a encaramos com expressões surpresas, sem nos desconcentrar. Aquela alegria instantânea da minha filha encheu meus olhos de lágrimas. Suspirei e me aproximei dela vendo-a sorrir largamente e sapeca.

— Quero mais mamãe! – ria estendendo o prato para mim.
— Vai ficar uma menina linda e forte, essa minha princesa!

Eu respondi pegando seu pratinho e devolvendo a ela, que sorria como se eu estivesse lhe dando a melhor coisa do mundo. Nada me fazia sentir mais orgulho do meu trabalho quanto um sorriso de alguém que se alimentava da minha culinária. E se esse sorriso fosse o de , eu não precisaria de mais nada na vida. E ali, eu estava grata ao Nick por ter me dado a nossa filha. Certamente, eu não poderia negar que a foi o momento mais lindo e luminoso de nosso casamento, e não havia nenhum arrependimento da minha parte quando eu pensava que tudo valeu a pena, porque eu tinha , afinal.
Retomei a minha missão de preparar alimentos e servir bons pratos, enquanto sentia minhas energias renovadas. Miley apareceu durante a tarde daquele sábado com para buscarem a .

— Tome a chave de casa. E dê um banho nela antes de saírem, por favor?
— Você tem cópia, né? – me perguntou chacoalhando a chave.
— Tenho, mas não se preocupe porque certamente eu vou chegar bem tarde em casa. Se ela quiser dormir na sua casa, não tem problema, só preparem tudo e, por favor, não esqueçam o kit glicêmico.
— Relaxa irmã! Eu não sou pai, mas sei cuidar da minha sobrinha.
— Não é ainda. Quando for, vai me entender. – eu falei provocativa e vi Miley corar com o assunto.
‘Tá bem coisa chata... Eu hein... E eu que sou o mais velho. Vem ! – ele pegou minha filha no colo, com sua expressão de pirraça e nem parecia que o mais velho era ele: — Dá um tchau para a mamãe que você não verá ela hoje, mais.
— Por quê? – perguntou confusa.
— Isso é jeito de falar? – Miley bronqueou .
— Porque a mamãe vai chegar tarde filha, viu como está cheio hoje?
— As pessoas comem muito. – disse e nós rimos com as espevitices da minha pequena: — Mas também né! A mamãe faz comidinha gostosa!
— Isso mesmo filha! Já sabe né? Se comporte e obedeça aos seus tios!

Recomendei beijando minha filha e percebi que Miley havia sorrido sem graça. olhou para Miley com certa cumplicidade e eu já sabia, mas estava cada dia mais nítido o quanto aquele relacionamento estava ficando sério.
Depois que foi para casa com meu irmão, eu literalmente afundei minha cabeça no trabalho sem distrações. A equipe da manhã estaria comigo naquele sábado todo, inclusive à noite, pois era folga do turno noturno.
No fim da tarde, início de noite, eu tomei uma ducha rápida no banheiro dos funcionários, assim como todos da equipe foram um a um. O movimento na cafeteria estava tranquilo na parte da tarde, então, assim que terminei o banho e me arrumei, saí do escritório e fui até a cafeteria. Servi uma bandeja de xícaras de café expresso retornando-as à cozinha.

— Vamos à pausa pessoal.

Coloquei a bandeja sobre a bancada e todos calmamente foram se aproximando e pegando suas xícaras. Servi outra bandeja de pães de queijo e outros quitutes e levei à cozinha. Coloquei outra fornada de pães de queijo para assar e pedi a uma funcionária para olhar.

— Volto logo, eu vou ao escritório telefonar para saber como a está.

Avisei-lhes e entrei no escritório retirando o dolman e pendurando-o. Deitei no sofá com as pernas para cima, e mandei mensagens ao . Como eu imaginava tudo corria bem. Senti uma sonolência me pegando, mas fui desperta pelo telefonema de .

— Olá... – atendi com um sorriso na voz.
— Oi... – e ele também pelo que pude notar — Trabalhando?
— Desde as quatro da manhã.
— E a ?
a buscou aqui logo depois do almoço, para ela descansar e eles passearem.
— Hm... Está tudo bem?
— Sim, e com você?
— Cansado. Até agora fiz quatro cirurgias infantis, e... Eu estou realmente com a cabeça pesada.
— Céus... Ficarei aqui até tarde, tenho que ajeitar algumas coisas para amanhã, porque... Irei à casa de Kevin.
— Kevin?
— Meu ex-cunhado... O aniversário da minha sobrinha, eu não lembro se comentei algo...
— Eu não me lembro, mas... Sendo assim...
— Sendo assim?
— Não vou poder ver você hoje, né...


Um breve silêncio se fez e eu não sabia como interpretar o tom da voz de .

— Você pode se sair do plantão e vir aqui, ou...
— Ou?
– ele interrompeu divertido.
— Ou arrumar um lugarzinho pra tomarmos um café nesse hospital, e aí quando eu sair daqui eu passo aí... Mas, será tarde. Bem, tarde.
— Quem se libertar primeiro avisa o outro, pode ser?


Rimos da maneira como falou e eu apenas murmurei afirmativa, sentindo o sono lutando contra o meu desejo de me manter acordada.

, obrigada.
— Por?
— Estar disponível.
— É o que fazem os amigos.
— Hoje, eu quem preciso da sua companhia...
— Aconteceu alguma coisa?
— Isso ou aquilo, nada de novo.
— Posso considerar estresse de trabalho?
— Pode.
– ele riu sem muito humor — Pode considerar o que quiser.

Depois de novo silêncio só escutando o som da respiração um do outro, se despediu e eu sentia meus olhos caírem levemente.

— Até mais, ...
— Até...


xxxx


Senti a mão fina de Mariane me sacudir o ombro com carinho, e sua voz doce me chamando.

— O que houve? – abri os olhos, confusa.
— Desculpe , mas eu precisava acordar você... Já está quase na hora do jantar.
— Meu Deus, eu dormi por quanto tempo?
— Leonard falou para deixarmos você voltar aos poucos à sua rotina, então a deixamos dormir por duas horas.
— Marianne! Eu tenho tanto a adiantar para amanhã!
— Calma , sem apavoramento. Eu estou no salão se precisar de algo.

Levantei ainda um pouco confusa do momento em que adormeci. Foi um sonho aquela conversa com ou foi real?
Ajeitei meu cabelo, fui ao banheiro lavar o rosto e quando retornei para o escritório retomei meu dolman e o vesti saindo em direção à cozinha. Havia um tumulto controlado dos funcionários que me cumprimentaram e mantiveram-se concentrados na noite de trabalho.
À meia noite indicava que o movimento estava diminuindo, cedo demais para um sábado à noite, mas o suficiente para um bistrô num sábado à noite. Aos poucos, alguns funcionários iam se desfazendo de suas funções, e o relógio tiquetaqueando devagar, até o momento em que ficaram apenas Leonard, Marianne e eu.

— Marianne, Leonard, podem ir. Eu vou terminar ainda de organizar algumas coisas para a equipe de amanhã.
— De forma alguma , deixe-nos ao menos terminar de arrumar o salão, já que na cozinha os outros organizaram tudo. – Marianne pediu.
— Tem certeza?
— Tenho.
— Leonard? Pode ir se quiser.
— Só vou terminar de identificar essa remessa de carnes temperadas que eu preparei, .
— Tudo bem, você que sabe. – eu respondi sorrindo e voltando a selecionar alguns pratos do meu encarte.
... – Leonard me chamou curioso — Você pretende passar a noite aqui?
— Toda a noite não, mas eu vou ficar até realmente adiantar. Amanhã eu não apareço aqui.
— Não é perigoso você sair muito tarde e sozinha, daqui? Olha se precisar, eu sei que eu não sou muito forte, mas um homem já é alguma coisa né.

Não pude deixar de rir e agradecer a Leonard pela preocupação.

— Não se preocupe Leo, vá para casa e descanse. Eu vou ficar bem e qualquer coisa eu ligo para o .
— Hm... Você que sabe.

Sorri retornando para o meu livro de receitas, e meu celular indicou uma notificação a qual eu fui ler.

Dr. : “Meu plantão acabou. Por incrível que pareça eu fui dispensado um pouco mais cedo do horário, por aparentar cansaço extremo... rsrsrs... Ainda no restaurante?”.

Não foi um sonho. Então nós realmente nos falamos e aquele tom de voz entristecido de não era coisa da minha cabeça. Perdi uns minutos observando a tela do celular e não notei Leonard se aprontar para sair junto a Marianne.

— Tudo bem, ? – Mari perguntou parada ao lado de Leonard me observando.
— Sim! Só uma mensagem do , eu não me lembrava de ter falado com ele hoje...
— Hm... Alá, eu não disse? – Leonard cutucando Marianne sorriu cruzando os braços — Ele está vindo para cá?
— Sim, ele não me parece muito bem. Eu estou preocupada.
— Bem, tomara que não seja nada... Fique tranquila .
— Quer que nós esperemos ele chegar? – Leo perguntou preocupado.
— Não, podem ir.
— Eu fico tranquilo dele estar vindo, assim você não sai sozinha daqui... Bem! Até segunda!

Despedi-me de Leo e Mari que saíram pela porta do estacionamento, uma vez que a fachada estava apagada e trancada, da mesma forma que fiz com a porta dos fundos quando eles saíram. Retornei ao meu telefone.

: “Sim, estou sozinha aqui, então quando chegar me mande uma mensagem e me aguarde na porta dos fundos”.

Quando terminei de enviar a mensagem, imediatamente, a resposta positiva de apitou. Sorri e senti uma necessidade de vê-lo que até então eu não havia percebido. Eu sabia que ele não estava bem. Ainda que não tivesse acontecido nada demais, apenas o cansaço que ele aparentava sentir já me incomodava por não perceber o humor habitual dele presente.
Imaginei que estaria com fome, então larguei o livro e fui mexer na geladeira da cozinha e ver o que sobrou dos jantares da noite. Encontrei uma vichyssoise que aqueci e incrementei com porções de frango grelhado. Estava tarde para comer coisas pesadas, e aquele seria um prato nutritivo a combinar com o frio da noite.
Quando me telefonou eu estava terminando de aquecer a vichyssoise em Banho-maria, e incorporando um molho de ervas à carne. Abaixei o fogo e caminhei até a porta dos fundos, falando ao telefone ainda com e abrindo-a. Ele sorriu leve assim que me viu e desligou o celular colocando-o no bolso, como eu fiz com o meu. Apertou-se em seu casaco e entrou logo que eu lhe dei passagem, e tranquei a porta. Respirei fundo o observando com um semblante pesado de cansaço, mas um sorriso simpático nos lábios. Toquei seu rosto com a palma de uma das mãos, como uma mãe zelosa.

— Ei... Você não está muito bem mesmo, não é? – falei de forma cautelosa.
— Hm... Não vai me dar um abraço?

Sorri e ia zombar de quando ele pegou a minha mão e me envolveu num abraço derramado. Derramado, no estilo daqueles abraços que nos jogamos no outro, a fim de encontrar o conforto, o apoio, o aconchego.

— Ei, aconteceu alguma coisa para que eu deva me preocupar tanto quanto estou preocupada? – perguntei ainda abraçada a ele.
— Está preocupada comigo?
— Tanto quanto com as panelas que estão no fogo.

Ri me lembrando de que precisava sair daquele abraço quentinho e confortável.

— Ah, por favor, vá. – ele falou me soltando — Eu estou mesmo com fome.
— Imaginei!

Entramos pela cozinha e enquanto eu me apressava às panelas, sentava-se aliviado ao balcão.

— O cheiro está ótimo.
— Me desculpa não preparar nada novo para você, mas é que sobra sempre alguma coisa e neste horário...
! – ele me interrompeu com humor: — Sobras de um restaurante, três estrelas, não podem ser chamadas de sobras.
— Oras... – eu ri servindo o prato dele: — Bem, é uma vichyssoise com grelhado de frango ao molho de ervas finas. Um pouco leve, mas garanto que nutritivo o suficiente para um médico plantonista.
— Se você me servisse pão com queijo já estaria ótimo, eu estou há absolutas doze horas sem comer nada.
!
— O que? Aposto que você não jantou também, mesmo dentro de uma cozinha o dia inteiro. – ele respondeu desafiador enquanto saboreava sua sopa.
— Eu belisquei isso e aquilo... – respondi e recebi um olhar descontente de .
— Como médico da sua filha eu posso advertir que você deveria se alimentar direito.
— Como mãe da sua paciente eu posso advertir que você também, afinal, você cuida da minha filha.

Sorrimos e eu puxei uma colher da gaveta da bancada e dei uma colherada na vichyssoise dele.

— Satisfeito?
— Tem mais na panela?
— Tem sim, por quê?
— Então pode dar mais colheradas do que esta.

Eu soltei uma risada sonora e fiquei observando comer com a expressão mais satisfeita do mundo. A mesma expressão que me deixava orgulhosa de mim, e o mesmo sorriso de mais cedo.

— Eu adoro esse sorriso de quem fica feliz por comer. Mas, por que ficou tanto tempo sem se alimentar hoje?
— Foi uma loucura no hospital, é sério... – ele suspirou derrotado — Eu fui escalado para cobrir a ala de cirurgia infantil por um tempo.
— Começou hoje?
— Sim, mas não foi nada de surpresa, eu já sabia. Só não imaginava que haveria tantas cirurgias num dia... Precisamos de outro cirurgião infantil.
— Casos complexos?
— Até que não, mas... Para mim, todo caso é importante o suficiente para eu dar o sangue.
— Sabe , eu fiquei bem preocupada. Na verdade, eu estou. Não me lembro de ver você assim tão exausto desde que nos conhecemos.
— Acostume-se querida, porque você vai começar a conhecer o lado ruim da medicina.

Revirei os olhos e puxei meu livro de receitas e caderno de anotações que mexia antes de receber a mensagem dele.

— É só isso mesmo? Cansaço? – insisti.
— Hm... É como eu disse... Isso e aquilo.
— Ah , fale logo. O que houve?
— Eu só estou numa fase agitada do trabalho que não entra em acordo com a minha rotina. Fique tranquila, tudo bem?
— Eu acho que entendi o ponto. – constatei e ele me encarou curioso e divertido — Você está tão sem tempo no trabalho que quando volta para casa, se vê sozinho e isso é aterrorizante.
— O que te faz pensar isso?
— Você correu para a minha cozinha em busca de uma refeição decente e uma companhia agradável.
— E eu estou errado por acaso? – ele sorriu desafiador retornando à panela para se servir.
— De forma alguma, mas... Talvez esteja na hora de você repensar seus antigos planos.

Eu de fato achava que deveria trilhar um novo caminho na vida dele. Não me sentia nem um pouco insegura em afirmar que ele seria um ótimo companheiro e um pai maravilhoso para quem quer que fosse a pessoa ao lado dele. não só merecia aquilo, quanto também tinha sabedoria e maturidades suficientes para fazer dar certo. Ele se manteve calado, e retornou à bancada contemplativo, e continuou sua refeição enquanto eu já estava concentrada de novo no cardápio do dia seguinte.

— Não vai comer? – ele perguntou.
— Fique à vontade, eu realmente comi bem hoje.
— Hm... O que é isso?

Olhei para ele e uma colher com aviãozinho planava à minha frente, foi impossível não rir e abrir a boca para dar uma colherada na sopa no meio da gargalhada. sorriu satisfeito e mostrou que sua pergunta referia-se à atividade que eu me concentrava.

— Amanhã estarei fora o dia todo, então estou planejando o cardápio da manhã e da noite. Já adiantei algumas coisas mais cedo, mas preciso deixar outras escritas.
— Nicholas vai estar amanhã? – perguntou diretamente.
— Não sei. Talvez. Quando falei ao telefone com ele, no parque, ele disse que talvez fosse ver a lá, mas, espero que se ele aparecer que seja pelo menos desacompanhado.
— Você ainda se incomoda muito?
— Não sei se estou preparada na verdade, para lidar com ela no meio da família dele... Tão... Sei lá. Estou sendo boba?
— Acho que um passo de cada vez é uma forma de cautela, não é?
— Às vezes eu sinto como se eu estivesse fazendo tempestade em copo d’água, mas... Hoje eu me senti tão bem trabalhando !
— Isso é ótimo. – e ele sorriu pela primeira vez na noite, seu sorriso largo — Isso é o suficiente por hora, não? Ou você está buscando algo mais?
— Eu acho que me reencontrar é o suficiente por hora.

Olhei alegre para ele, que sorriu aos poucos observando meu rosto e respirou fundo levando seu prato até a pia. E enquanto o lavava eu notei que não havia lhe servido nenhuma bebida, então peguei uma garrafa de vinho na geladeira, duas taças e nos servi. levou as mãos ao coração como se tivesse sido atingido por algo bom e em seguida fez sinal de gratidão.

— Você precisa beber um pouco e relaxar. – afirmei e ele só concordou silencioso brindando comigo.

I'm falling
(Estou caindo)
In all the good times I find myself longing for change
(Em todos bons momentos, me vejo ansiando por mudança)
And in the bad times I fear myself
(E nos maus momentos, sinto medo de mim mesma)


Enquanto eu continuava escrevendo e folheando, entre uma espiada e outra de mim para , notei que ele continuava me encarando.

— Ei, você não vai me contar o que aconteceu com Nicholas daquela vez?
— Que vez?
— Ok, você não quer falar. – ele sorriu divertido.
— Não, não é isso, sério. – eu ri também — É que eu não sei mesmo de qual vez estamos falando.
— Você disse que ele confessou algumas coisas, entre elas uma insegurança comigo e a .
— Ah! Isso...

Peguei minha taça de vinho e fiquei girando-a observando-a, e por fim deixei as anotações de lado.

— Não precisa dizer se não quiser .
— Não, não tem nada demais. É só que... Foi uma situação estranha. Nicholas naquele dia, em que eu o deixei com no hospital, foi com ela para minha casa e aguardou que eu chegasse. Ele estava bêbado quando eu cheguei, então não sei se eu deveria considerar qualquer coisa que ele tenha dito.
— Bêbado? Ele fez alguma coisa...?
— Nick é inofensivo, só fala demais quando bebe.
— O que ele... Falou de “mais”?

estava mais curioso do que o normal, na minha percepção, e então eu me lembrei de algo relevante.

— Ele disse que vocês conversaram.
— É ele não mentiu não... – deu um gole em sua taça, visivelmente pensativo sobre aquilo — Ele te contou?
— Falou para eu perguntar ao meu namoradinho... – respondi no mesmo tom de zombaria que Nicholas usou.
— Este cara...

A expressão descontente e o resmungo debochado que proferiu, me faziam pensar que aquela conversa entre eles era realmente, algo que eu deveria saber.

— O que ele te disse, ?
— Desculpe , mas... Pergunte a ele. Depois que ele te contar, e se ele contar, eu exponho o meu ponto de vista.
— Nossa, mas você está me preocupando desse jeito... Vocês não brigaram, não é?
— Não vou mentir. Tenho vontade de dar uns socos na cara do seu ex. Mas, quão imaturo eu seria?
— Tanto quanto ele, eu suponho...

mantinha o olhar distante em sua taça.

— Bem, e o que mais rolou entre vocês?
— Entre nós aquele dia? Nada do que você está pensando, doutor . – falei sarcástica.
— Eu não estou pensando nada. – e ele tão sarcástico quanto eu enviesou um sorriso.
— Nicholas disparou a falar que não havia superado a separação, me apontou dedos por seguir em frente, quando na verdade muito das acusações são coisas da cabeça dele, e... Manifestou-se incomodado com a sua relação com a . Ela contou para ele do passeio no parque, ou algo do tipo, e ele ficou profundamente ofendido por ela convidar o pai a ir conosco. É inacreditável! Eu joguei na cara dele que ele mesmo havia feito aquilo comigo na eventualidade da premiação.
— É parece que ele caiu em si um pouco tarde demais.
— Por que diz isso?
— Ele me parece arrependido do divórcio.
— É, mas eu disse a ele que não adiantaria nada agir daquela forma, logo agora.
— Logo agora?
, você viu o meu esforço pra esquecer o Nick.
— Mas você esqueceu?

A pergunta tranquila dele de repente me soou tão ofensiva que eu fechei meu semblante para na mesma hora.

— Não quero te ofender, é só uma pergunta .
— Uma pergunta infame, não?
— E por quê? – ele ria desentendido.
— Oras, porque... Porque independente de tê-lo esquecido ou não, eu não voltarei atrás.
— Você ainda gosta dele. – riu constatando aquilo.
— Não se trata de gostar ou não, . Trata-se de saber exatamente o que eu mereço dar e receber, e há erros demais na minha história com Nicholas para continuar insistindo neles.

Falei decidida e servi outra taça para nós dois. remexeu em seu rosto com as mãos, pesaroso.

— Desculpe , desculpe... Eu não devia mesmo ficar apontando esse tipo de pergunta por que eu sei que está sendo complicado para você, tudo isso.
— Não é como se eu não o amasse, , eu amo o Nick. Não como o homem que eu queria, mas... Não mais, aliás, mas... Como alguém que dia após dia eu passo a deixar de me ressentir para ser grata.

e eu ficamos nos encarando em silêncio e quando ele pareceu finalmente entender o que eu queria dizer com aquilo, ele sorriu e pegou a minha mão de forma encorajadora.

, mas e aí? Ele falou dos sentimentos, você chutou a bunda dele e...?
— O mandei ir embora, mas ele acabou dormindo lá.
— Vocês...?
— Não! pelo amor de Deus! Você não está me ouvindo?
— É que... Vocês são bem intensos e foi a primeira vez que ele dormiu lá depois do divórcio não foi?
— Foi, mas ele dormiu bêbado na sala, e no dia seguinte foi embora. Eu não vou mentir que, quando eu penso nas coisas que ele me disse eu fico balançada, como se, de repente o medo de retornar ao ponto inicial fosse maior, mas aí... Vem dias como o de hoje, em que eu anseio pelas mudanças, porque eu fico tão carregada de boas vibrações... Eu percebo que eu sou incrível . Incrível demais até pra nutrir ressentimentos por ele ou pela Priyanka.

sacudia a cabeça, risonho e satisfeito, e concluiu:

— Então se ela estiver lá amanhã você vai ser uma mulher incrível!
— Para de palhaçada? – falei enérgica e ele riu debochado — Um passo de cada vez, lembra? Primeiro a gente pensa assim, depois a gente pratica.
, ...
— Me deixa terminar minhas anotações aqui.

Puxei de volta o meu caderno e apoiou a cabeça sobre os cotovelos:

— E... Sobre o telefonema dele no cinema, ele falou algo sobre... Nós, de novo?
— Não. Não falei com ele desde então, só saberemos amanhã. Mas, sei lá, eu acho que ele está conformado com a ideia de que eu e você estamos tendo um caso.
— Não é um caso, você é livre agora. – falou com semblante fechado e eu gargalhei.
, nós não estamos tendo um caso. Embora meio mundo torça para que tenhamos.
— Meio mundo? O que eu perdi?
— Meus funcionários todos acham que você vem muito aqui, até mesmo para um cliente.
— Eles não estão errados, eu venho pela dona.

Rimos, e deu de ombros e estalou a cervical, cansado.

— O sofá do escritório é confortável. Deite um pouco, eu ainda tenho que conferir algumas coisas...
— Me chame quando quiser ir.
— Pode deixar.

se levantou e beijou minha testa saindo em direção ao escritório sem ao menos errar a porta. Era a primeira vez dele em minha cozinha, mas agia como se conhecesse todo o ambiente como a palma da mão. Eu o observei se afastar, e não consegui conter o sorriso solto que perdurou em meu rosto até que eu finalizasse a listagem da noite, os avisos, os pedidos, e conferisse uma última vez os itens da geladeira que eu tinha separado.
Quando eu terminei tudo estava exausta. Fui ao escritório chamar , mas ele dormia sereno no sofá com braços cruzados, em tão pesado sono que achei cruel acordá-lo. Ele teria que dirigir, eu também e ambos estávamos muito cansados. Então, apenas abri o armário do escritório e peguei o saco de dormir, o edredom e uma almofada que sempre estiveram ali, desde que eu ainda não tinha o sofá para dormir quando virava a noite trabalhando. Joguei o cobertor sobre o médico, me ajeitei no saco de dormir e antes de me entregar ao sono, avisei por mensagem ao meu irmão, que ia dormir um pouco no restaurante antes de ir embora, porque estava muito cansada para dirigir.


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