Capítulo 16
(We Can Kisses Forever? – Kina Beats)
O barulho suave, devido à baixa altura do volume do toque de meu celular, indicando o alarme não soou mais do que duas vezes. Pisquei os olhos respirando fundo, e me dando conta de como estava cansada e desconfortável. O visor do aparelho indicava cinco horas da manhã, e logo, se já não estavam ali, os meus funcionários chegariam.
Levantei cautelosa para não acordar no susto, e dobrei o saco de dormir guardando-o. Fui até o banheiro do escritório e percebi que ainda tinha uma escova de dente fechada no meu armário, além da minha habitual. Escovei os dentes, e sacudi meus cabelos curtos com a mão mesmo. Eu não sabia que me sucumbir àquela praticidade fosse tornar-se a melhor coisa que eu fizera nos últimos meses.
Fui pé por pé, silenciosa até a porta do escritório que dava para a cozinha do restaurante, e abri uma brecha estreita dela, dando-me de cara com Alex e alguns poucos funcionários da noite ali, já organizando algumas coisas. Merda! Como explicaria ali, sem que Alex transformasse aquilo num fato consumado que mal acontecera?
Decidi sair sem dar muito alarde, e antes deixei a escova de dente nova sobre o corpo de . Ele ainda dormia na mesma posição: braços e pernas cruzadas, de corpo tão tenso quanto ao deitar, mas com uma expressão mais aliviada em seu rosto. Não entrei à cozinha pela porta do escritório, ao contrário, dei a volta.
— ? – Alex falou surpreso e me cumprimentando, a me ver tão cedo entrando à cozinha: — Você não ia ficar fora hoje?
— Bom dia pessoal. – eles me responderam de volta — Eu vou ficar fora sim, mas é que ontem eu fiquei preparando umas recomendações até tarde, Alex.
— Hm... Que bom mencionar isso, porque eu estranhei mesmo o seu carro e outro desconhecido no estacionamento.
Ele declarou me olhando com expressão de quem havia me dado um flagrante.
— Vem aqui... – arrastei Alex para fora da cozinha, até a cafeteria: — e eu dormimos aqui.
Antes que Alex esboçasse qualquer reação, Gisella surgiu com um café recém-coado para nós.
— Obrigada Gi. – respondi e ela saiu.
— Como eu devo encarar esta situação? – Alex perguntou surpreso e atrevido.
— Calma, não é nada disso. Eu fiquei até tarde trabalhando e ele também, mas combinamos de nos ver, bem rápido, no fim dos expedientes. Ele não estava muito bem e eu fiquei mesmo preocupada com ele.
— Ok, mas, onde é que isso leva ao “dormirem no bistrô”?
— Ele ficou esperando eu acabar o serviço e eu falei para ele dormir no escritório, mas quando acabei estava dormindo tão profundamente, e eu tão cansada que não o acordei. Só isso.
— Ele ainda está aí?
Alex perguntou achando aquilo tudo engraçado e eu o encarando envergonhada sem ao menos saber por quê. Até ter um motivo claro: saindo do escritório despenteado e confuso, esfregando os olhos assim como a faria.
— Ah, você está aí! Bom dia... Fiquei assustado quando acordei. Não fazia ideia do que aconteceu.
Alex segurou uma risada e apenas bebeu seu café levantando uma mão para cumprimentar que sorria largo como criança.
— Você está melhor? – perguntei ainda envergonhada.
— Estou sim.
— Aceita um café, ? – Alex perguntou simpático.
— Ah sim, obrigada.
— Leva no escritório para mim? – sussurrei para o Alex que assentiu ainda com um sorriso sacana: — E para de sorrir assim. Não dê alarde.
Caminhei até o que me acompanhou retornando ao escritório.
— Me desculpe ter apagado daquele jeito, . – ele falou.
— Imagina! Eu que não quis acordar você, nós precisávamos de um bom sono. Mas, está bem mesmo? Notei que você dormiu tenso.
— Ah... Estou sim. Eu estava mesmo tenso. – ele sorriu leve coçando a nuca: — Seu sofá é mesmo confortável, mas onde você dormiu?
— No chão, no saco de dormir.
— , pelo amor de Deus, deveria ter me acordado!
Alex bateu à porta e assim que entrou, entregou sorridente o café para , que estava igualmente sorridente como ele. Observei os dois e nunca me pareceu tão certo que Alex e se tornassem bons amigos. E eu não fazia ideia de onde vinha aquilo.
Alex não demorou ali, apenas perguntou se eu não queria também comer algo, já que ele havia trazido uma fatia de bolo de milho para junto ao café.
— Obrigada Alex, estou bem. – respondi piscando e sorrindo e ele só não insistiu porque estava ali.
Mas, assim que Alex fechou a porta e eu olhei na direção de , ele havia pousado sua xícara na mesa e estava parado perto de mim com seu prato em mãos, cortando uma fatia do bolo que já comia.
— Eu vou ter que ficar dando comida na sua boca por muito tempo? – perguntou risonho estendendo o garfo à minha frente.
Fiz menção a negar, mas não consegui. Primeiro porque a situação estava cada vez mais cômica, e segundo porque a expressão de , tão ingênua e divertida, me arrancou um riso fácil do qual eu não conseguiria disfarçar. Peguei sua mão guiando-a até a minha boca, e ao mesmo tempo em que ríamos, também ficamos constrangidos com a maneira como nossos olhares de repente vacilaram brilhando um para o outro.
pigarreou indo até à mesa do escritório e pegando a sua xícara sentou-se ao sofá.
— De onde surgiu esse cobertor? – me perguntou apontando o edredom que eu havia posto sobre ele, e que já estava dobrado no sofá.
— O escritório tem uns “kits” emergenciais.
— Ah... Inclusive, supus que a escova de dente era para mim, certo?
— Certíssimo.
— Obrigada.
— Imagine !
— Escute... Da próxima vez que dormimos juntos, vê se me acorda.
Eu fiquei pensativa sobre aquela frase e não entendi exatamente o que ele queria dizer com aquilo.
— Como assim, ? – perguntei confusa.
— Para você não dormir mais no chão, oras! Que espécime de britânico sou eu que deixo uma dama dormir no chão?
Ele sorria enquanto comia e me observava com um olhar curioso, e eu certamente estava constrangida. E eu, ainda não estava compreendendo de onde vinha, de repente, aquele tanto de constrangimento com ele.
— Mas, é claro que... Se acontecer de novo, eu também vou pedir que você me acorde antes de sair, porque eu odeio dormir acompanhado e acordar sozinho. Passa uma sensação de abandono, e eu fico um pouco traumatizado, sabe?
— Logo você? O cara dos lances casuais?
— Ei, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Eu sempre me despedi com um café da manhã atencioso às minhas parceiras casuais.
Encarei com uma expressão debochada e ele sorriu levantando-se.
— Eu levo à cozinha. – peguei as coisas de sua mão, e saí pela porta da frente.
Quando cheguei à cozinha vi meus funcionários encarando a porta do escritório de modo curioso, e Alex não conseguir segurar seu sorriso debochado. Por alguma razão, queria saber onde daria aquela porta, eu suponho.
— Err... Bom dia. – ele respondeu a todos, de maneira sem graça.
Eu estava com uma expressão mais constrangida do que nunca e logo que saiu, eu deixei a louça ali, sob os olhares curiosos, mas bem discretos de meus funcionários e apenas me despedi.
— Pessoal bom trabalho hoje, e qualquer necessidade peçam ao Alex para me telefonar, tudo bem?
Eles responderam carinhosos como sempre, e Alex veio até mim do lado de fora da cozinha, no salão em frente à cafeteria.
— Eu conto a mesma história? – me perguntou já sabendo que seria bombardeado de perguntas.
— Diga apenas que ele veio me ver agora. Ninguém vai acreditar na história original.
— Nem eu acredito. – Alex riu — Vai lá, boa sorte com a sua família hoje.
— Ah, nem me fale! Só espero que Nicholas não apareça com você sabe quem.
Despedi rapidamente de Alex e fui ao escritório, onde me aguardava sentado no sofá e mexendo em seu telefone.
— Vamos, ?
— Nossa , desculpa! Eu fiquei confuso porque eu me lembrei de entrar por aquela porta ontem, mas você saiu por outra, e por curiosidade eu...
— Relaxa... – eu sorri pegando a mão dele e o puxando para fora do escritório: — Não foi nada, não.
— Mesmo assim, é seu ambiente de trabalho.
— Olha só, britânico, não precisa ficar assim. Ou vai dizer que suas enfermeiras também não nos viram em situações que davam brechas às interpretações?
— Mas lá eu sou apenas um médico consolando uma mãe.
— Ah, então você faz isso com todas as mães? – perguntei divertida.
— Que isso agora gente? Ciúme? – ele zombou caminhando comigo até o meu carro.
Abri a porta do meu automóvel e ficamos risonhos nos olhando, antes de seguirmos nossos caminhos.
— Boa sorte hoje. – ele disse.
— É só o Nicholas não aparecer que tudo ocorrerá bem.
— Hm... Eu sei que é a casa do irmão dele, mas... Não o deixe intimidar você, tudo bem? – falou preocupado.
— Ele não vai me intimidar, estou só de implicância.
— E ... Se ele for, e você achar que é possível, converse sobre vocês.
— Para quê ?
— Não dá para colocar uma pedra em cima do fato de que Nicholas confessou ainda te amar.
— Ele não sabe o que quer, e está de fogo na bunda. É só isso.
Eu falei impaciente entrando no carro e riu antes de me dar um beijo no rosto pela janela, e sair acenando.
— ! – gritei, ele virou e me olhou — Trabalha hoje?
— Não, só amanhã, por quê?
— Descanse, tudo bem!?
— Okay, mãe! – ele gritou de volta zombeteiro.
Cheguei à minha casa, tomei um bom banho e telefonou perguntando se estava tudo bem comigo, e a que horas ele deveria levar a . Avisei que almoçaria na casa de Dani e Kev, então ele prometeu chegar com por volta das dez horas. Preparei uma mochilinha para , pois, era capaz de se sujar e precisar tomar banho na casa de Dani depois de tanto brincar com as primas. Após ajeitar rapidamente a minha casa e as minhas coisas, eu aguardei a chegada de , enquanto telefonava para a Dani.
— Bom dia Dani, tudo bem?
— Bom dia ! Que horas você chega?
— Só aguardando o trazer a para casa e iremos. Você quer que eu leve o quê para o almoço?
— Até parece, não é ! Não precisa de nada, não.
— Bem, de qualquer forma estou levando uma torta.
— Eu sabia que você iria se incomodar com algo! – ela bronqueou e eu ri.
— Dani, você quer que eu leve qual catálogo de doces? Eu não me recordo qual você gostou aquele dia.
— Ai ... Eu também não lembro! Um momento. – ela pediu um instante para perguntar ao Kev se ele recordava — Kev falou que era um da capa dourada.
— Ah então já sei qual é! Vou levá-lo, para separarmos as receitas que vocês vão querer degustar. E tem algo mais que precise?
— Não, não. As decorações eu e Sophie já estamos desde cedo arrumando, então é só você vir para ajudar a preparar mesmo.
— Certo, chegarei logo mais.
— Até querida.
Desliguei a chamada e como se estivesse aguardando aquilo, Nicholas me telefonou.
— Oi. – atendi.
— Bom dia , tudo bem?
— Bom dia Nick, está sim e com você?
— Tudo ótimo. Você irá à casa de Kev hoje?
— Sim, estou aguardando o trazer a .
— Ah sim, era isso que eu gostaria de saber. Eu vou estar lá então para passar um tempo com ela.
— Sabe que pode passar um tempo com a sua filha quando quiser Nicholas.
— Sim, eu sei. Não me entenda mal, por favor.
— Ok. Era só?
— Como você está?
— Bem. – não havia assunto para nós ficarmos ali segurando a ligação, então eu decidi perguntar algo que me preocupava: — Nicholas... A Priyanka pretende ir também?
— Relaxa , Dani e Kev, além da minha mãe, todos disseram-me que você não ficaria à vontade, então eu nem falei nada com a Pri, ela está trabalhando também.
— Não acho certo esconder dela, mas... Enfim, vocês que se entendam, não é?
— Não é questão de esconder.
— Certo, só perguntei para o caso de me preparar psicologicamente.
— Se ela estivesse te incomodaria muito?
— Certamente eu não ficaria tão à vontade, mas não é nada que eu não saiba lidar também, como você pôde ver no dia do seu evento.
— Claro você é bastante sociável até, não é? – ele falou risonho.
— Não entendi Jonas. O que quer dizer com isso?
— Só que você é sociável.
— Certo, eu tenho que desligar. chegou.
— Até mais, beijo.
— Até Nicholas.
Assim que desliguei fui à porta e de fato eu havia escutado o carro de meu irmão. entrou correndo em casa e pulou em meu colo, e enquanto eu pedia a ela para separar os brinquedos que levaria para casa das suas primas, e eu, conversávamos rapidamente.
Logo que já estava presa à sua cadeirinha e tudo estava bem guardado no carro, eu dirigi à casa de Dani e Kev. Agradeci aos céus por ele ter vindo morar mais próximo de seus irmãos, e deixar a casa de Jersey para as férias. Eu não teria como ir e vir de Los Angeles para lá, e com isso, as primas Alena, Valentina e não poderiam conviver tanto assim.
Liguei o rádio do carro e tocava uma música de Tomlinson e que, a minha cantarolava embolado. Olhei para ela rapidamente pelo retrovisor e sorri. Durante todo o trajeto até a casa dos tios, e eu cantávamos as músicas da rádio, – a do jeitinho dela – e sempre risonhas muito por causa das bobeiras que eu fazia.
Quando chegamos à casa de Kevin, eu abaixei o volume da música e estacionei na entrada, e antes de descer, viu suas primas com a avó Denise no gramado frontal e ficou bastante animada. Tanto que ao descer do carro, Paul abriu os braços, brincalhão para que a neta pulasse nele.
Peguei as coisas de dentro do meu carro, e me assustei quando senti uma mão puxando as bolsas de meus ombros, e pelo simples deslizar daquela mão em minha pele, eu sabia quem era.
— Tudo bem? – ele disse sorridente — Deixa eu te ajudar.
— Oi Nick.
Respondi com um cumprimento apenas, e ele me beijou o rosto caminhando para dentro da casa sem olhar para trás, enquanto eu fiquei parada à porta do carro, desconcertada. Tão desconcertada como não pensei que ficaria, e Denise parece ter visto, já que chegou me cumprimentando e perguntando se estava tudo bem comigo. Sorri largo e aquele momento de chegada, foi como um deja vú: Joe, Frankie e as meninas gritando e brincando correndo no gramado, Denise e eu caminhando juntas de encontro a Kevin e Dani, e Nicholas ao lado do pai carregando as malas.
Decidi afastar aquelas memórias da cabeça, antes que meu humor mudasse. Cumprimentei os donos da casa e quem faltava, e depois de deixar a torta na geladeira, fomos à cozinha. Dispus-me a cozinhar, e Daniele negou dizendo que não era para eu ir ao fogão. Escutei Joe resmungar, uma vez que ele era fanático pela minha culinária.
Após termos todos almoçado, organizado louças e o que fosse necessário, juntamo-nos à Denise, Sophie, e Kevin que faziam algumas das decorações de lembrancinhas do aniversário. Logo, Nicholas, Paul, Frankie e Joe foram com as meninas para os fundos da casa. E quando estava entretida demais com as primas, até para dar atenção ao pai, ele veio à grande mesa da copa sentar-se conosco.
— Por que não compraram tudo pronto? – Nicholas perguntou observando a confusão de coisas sobre a mesa.
— Porque só você gosta de gastar dinheiro demais, Nick. – Sophie falou e eu não pude evitar um sorriso.
— Isso não é verdade, conta para ela .
— Isso é verdade. – admiti.
Nicholas me olhou como se pedisse para eu ajudá-lo, e eu lhe dei ombros.
— Na verdade cunhado, eu queria preparar ao menos a lembrancinha dos convidados com cuidado e carinho. De resto, vai ser tudo mais simples, então Kevin vai me acompanhar na loja de festas para comprar. – Dani explicou calma como sempre para Nick.
— Um marido como eu não existe. – Kev falou estendendo as mãos com as fitinhas grudadas nos dedos.
Rimos, mas de fato, Kevin era muito atencioso com as vontades de suas garotas.
— Cadê o Joseph aqui para aprender com seu irmão mais velho!?
— Sua criança está brincando com o Frankie lá fora. – Nick disse com sobrancelha arqueada, debochado.
Antes que Nick puxasse um charuto, Denise o repreendeu e ele ficou inquieto ao nos ver.
— Toma. – estendi a ele algumas caixinhas e fitas: — Faça algo útil e nos ajude.
— Olha ela, achando que ainda manda em mim.
Ele respondeu sacana e embora tivesse graça e os outros tenham sorrido, eu não dei atenção.
— Ah vamos, . Dê um sorriso! Foi só uma brincadeira. – ele insistiu.
— Você acha que é dono do próprio nariz, não é Nick? Mas, tem sempre alguém mandando em você, isso é um fato. – respondi bem humorada.
— Ah, com certeza. – ele debochou.
— E a sempre me pareceu uma mulher de ter os homens em sua mão, num ótimo sentido, aliás. – Sophie brincou sorrindo para mim.
— É verdade, eu sempre comi na mão dela. – Nick afirmou concentrado em entender como montar as caixinhas e todos me olharam aflitos.
O que ele pretendia? Encarei-o tão em dúvida quanto os outros, e ao se dar conta, Nicholas deu um sorriso sem graça e respondeu:
— Bem, mas se quisermos ter certeza agora, teremos que perguntar ao Dr. .
Nicholas falou tranquilo e riu. Era uma piada, mas o idiota do Nicholas era o único que pensava ser aquilo, uma piada de fato. Todos começaram a ficar sem jeito, e até Kevin olhou para o irmão espantado, sem entender a necessidade do comentário.
— Dani, mas eu tenho uma dúvida. – desconversei — Você disse não ter escolhido um tema ainda, mas já está fazendo as lembrancinhas?
— Eu escolhi as cores. Branco e dourado, mas não tenho ideia de como fazer o bolo.
— Branco e dourado é muito “adulto” para um bolo infantil. Opinião minha, né. Por que não perguntamos para a Tina? - Sugeri.
— Será que ela tem algo em mente? – Dani me perguntou se dando conta de que nem consultou a menina.
— Com certeza! – Nick afirmou.
Chamamos a menina e Valentina surgiu dizendo que queria muito um bolo de unicórnio, e concordou com as cores escolhidas pela mãe.
— Você vai fazer o meu bolo tia ?
— Sim, princesa. De que sabor você quer o seu unicórnio?
— ARCO-ÍRIS! – ela gritou animadinha.
Todos me olharam como se dissessem “e agora tia ?” e eu sorri, piscando para a menina.
— Arco-íris então!
— Oba! Você é a melhor tia do mundo, tia !
Alena nos fez rir, e Sophie espantada, brincou com a menina:
— Ei! E eu?
— Você é perfeita tia Sophie! – ela caminhou até a loira e a abraçou se justificando: — Mas a tia veio primeiro, né!
E fez com as mãos um sinal de “fazer o quê?” que nos fez gargalhar, inclusive Nicholas, até ouvirmos uma voz doce dizendo:
— Ah, mas se for por ordem de chegada, então era para eu ser a primeira.
Olhei na direção da voz e vi Priyanka sorrindo para nós, e direcionando um olhar firme para mim. Valentina já não estava ali, e eu a encarei da mesma forma. Todos estavam suficientemente constrangidos, e Nicholas não sabia o que dizer. Ele apenas olhou num misto de surpresa e reprovação para Priyanka.
— O que está fazendo aqui? – e ele só piorava a própria situação.
— Ora, Nicholas! Você me disse que estava na casa do seu irmão com todos, eu não podia vir?
— De forma alguma Priyanka, imagine. – Dani sorriu indo cumprimentá-la, assim como todos os outros.
— Tudo bem ? – ela me perguntou.
Eu continuei mexendo com as lembrancinhas, mas estendi-lhe uma mão simpática em cumprimento.
— Tudo ótimo, Chopra. E com você?
— Não precisa dessa formalidade, pode me chamar de Pri ou Priyanka.
— Como preferir, Priyanka.
Nicholas a pegou pela mão e foi até outro cômodo, enquanto nós continuamos todos mexendo nas lembrancinhas ainda sem jeito.
— Ah, por favor... Pelo amor de Deus. Que situação desagradável. – Denise reclamou envergonhada.
— Denise, fique tranquila, está tudo bem. Aliás, fiquem todos tranquilos. Não sejamos imaturos. – eu falei sorrindo e ainda atenta aos afazeres.
Talvez por não parar de fazer as lembrancinhas, Daniele tenha ficado preocupada e pegou a minha mão, fazendo-me olhar em seus olhos.
— , desculpe de verdade! Nós tínhamos prometido que iríamos evitar...
— Gente, é sério, não se preocupem. Ela foi desnecessária, mas eu entendi a Priyanka. Ela deve estar nervosa comigo porque o Nick dormiu lá em casa sem avisá-la outro dia.
— Ele fez o quê? – Kevin falou assustado.
— Foi àquela noite depois de levarmos a ao hospital, que ele cuidou dela para eu trabalhar. E acabou bebendo meus uísques, e desmaiou no sofá. Não foi nada grave, pelo menos, não para mim.
— Nicholas está sem juízo! – Denise reclamou bastante irritada.
Priyanka retornou se despedindo de todos nós com uma desculpa de que havia passado para se despedir de Nick, já que iria viajar logo mais. Tinha a mesma doçura na voz que usou antes, mas o seu olhar para mim não era nada amigável e eu sabia.
— , podemos falar um momento? – Nick pediu assim que a sua namorada foi embora.
— Se for para pedir desculpas a ela, peça a todos nós Nicholas Jerry Jonas! Ou você acha que submeteu apenas a uma situação desagradável!?
A voz firme de Denise foi percebida por Paul e Joe que entravam a casa, e sentiram-se surpresos com a situação ocorrida quando Sophie levantou-se para conta-los.
E eu me sentia ainda pior, era um circo todo desnecessário, mas eu não poderia me meter entre mãe e filho. Jamais fiz isso enquanto casados e não faria agora que éramos divorciados.
Nick desculpou-se dizendo que não sabia que ela apareceria, e eu novamente fiz questão de tratar a situação como um “nada demais”. Embora estivesse bastante incomodada com a maneira como eu me senti um peixe fora do aquário.
— Bem, estamos resolvidos, não é?
Perguntei depois de tudo que Nick falou e tivemos que escutar de Denise para ele. Kevin me compreendeu, como sempre, e bateu as palmas assentindo que sim.
— Vou preparar um café porque Dani, cher ami, chega de lembrancinhas por hoje não é? Escolha suas preferências nos catálogos que eu trouxe, é só marcar as páginas com os post its.
*cher ami: querida amiga.
Eu disse me levantando risonha e indo à cozinha preparar tudo. Senti que ela iria me acompanhar, mas quando olhei para trás Nicholas estava vindo atrás de mim.
— Eu não preciso de ajuda, Nick, fique tranquilo. – respondi antes que ele dissesse algo.
— Perdão , eu realmente não sabia que a Pri viria. Na verdade, achei que ela havia entendido quando contei que você estaria e seria melhor dar um tempo, e não forçar a convivência.
— Nicholas... Eu já disse que está tudo bem.
— Não está... Na verdade, a gente precisa conversar, não é?
— Precisamos? – perguntei depois de preparar a cafeteira de Dani.
— Priyanka ficou muito brava e magoada por eu ter vacilado aquele dia...
— Ela está do outro lado da moeda agora, eu a compreendo.
Nicholas se aproximou mais de mim, encostando-se ao balcão à minha frente, com os braços cruzados como eu que estava escorada na pia.
— Acontece que eu também vacilei com você ... Eu disse coisas que, eu não sei se deveria tê-la dito.
— Nicholas, sinceramente... O que você pretende? Porque eu já havia lhe dito que nada mudaria, apenas porque você bebeu e alucinou.
— Não foi alucinação .
— E o que eu faço com isso agora? Com essa confissão? Aliás, o que você espera que eu faça?
Eu errei
Por gostar
Um pouco demais
E amei
Se é que amei
Nem sei
— , eu... Não sei. Eu queria muito a sua ajuda para entender o que você passou, sabe... Ou melhor, como você fez para aceitar o nosso fim.
— Nicholas... Quem te disse que eu aceitei?
Um pouco de mim
E aí, desapareci
Em ti
— Eu vejo. Todos veem você agora... Está tão...
— Tão eu? – o interrompi.
— Isso.
— Sabe Nicholas, você buscou em mim quando nos conhecemos, um espelho. O que você queria era a sua simplicidade, a sua pessoa por trás do astro, mas no final o que você fez foi me apagar.
— Eu sei...
— Não, espera... Eu me apaguei, eu permiti. Você não tem culpa disso, mas se você continuar fazendo o que fez... Quantas pessoas você vai esperar se apagarem para que você se encontre Nicholas?
Tempo demais
Tenho tempo demais, tempo demais
Pouco vale o tempo
Se não com você
— Sabe Nicholas, eu precisei chegar ao abismo de mim para me encontrar e você não pode fazer isso com você. Não deve. Lembra quando eu te conheci? – caminhei até o lado dele onde me escorei também no balcão: — Você estava cheio de incertezas, dúvidas, e sua vida era uma loucura!
— Você esclareceu tanta coisa naquela época . Por isso, eu acho que agora... Você poderia esclarecer também.
— Só se pode esclarecer aquilo que se tem dúvida Nicholas. Você tem dúvida de quê?
— De nós.
— Não existe mais um “nós”, Nick.
— Será? Nicholas me olhava com tanta profundidade que eu quase caio naquele jogo.
Insisti em mudar
O que via em ti
Até que me vi
Sem ti
— Não existe Nick porque agora que eu me achei, eu não vou voltar atrás. E eu juro que estou tentando guardar tudo de bom que tivemos.
— ... Você me perdoou?
— Eu vou mentir se disser que não tem mágoa, principalmente quando você arruma motivos pra gente brigar... Mas, na verdade, ultimamente eu tenho aprendido muito sobre nós, sabe?
— Ah é? – ele sorriu curioso: — Tipo o quê?
— Tipo... Não existir culpados sobre o final de nosso casamento. As coisas acontecem como tem que acontecer.
— Isso é coisa do . – ele afirmou com a expressão fechada.
— É... Foi ele que me ensinou isso sim... Como você sabe?
— Ele te convenceu disso pra ficar contigo, você quis dizer!
Nick reclamou e ia sair de perto até eu segurá-lo, olhando para ele como eu olhava para a quando ela aprontava.
— Como você sabe que o diz isso?
— Porque é o mesmo que ele me disse.
Olhei para Nicholas com certa surpresa, e um sorriso de canto.
— Você gosta dele... – Nick falou com pesar.
— Não é isso o que você pensa, mas e se for? Eu acho que mereço ser feliz não?
— Merece, mas... Tem que ser ele?
— E você continua querendo escolher por mim, o meu destino. – falei incrédula, achando graça.
— Não, não quero escolher o seu destino. Só acho que antes de ficar com ele, você pode ficar com outra pessoa. Ou melhor... A gente tem que se resolver primeiro.
Olhamos um para o outro e rimos. Eu não acreditava na audácia do Jonas!
Me passei
Tenho que me encontrar
Pouco vale o tempo
Se não com você
— Não tem “a gente” Jonas. Você me pediu ajuda para se resolver então vamos focar em você, ok? – falei com um humor que até me surpreendia.
— Como eu me acho agora, que eu não tenho você para ser o meu lar?
— Comece parando de fazer seu lar em outras pessoas, e faça-o em você. Priyanka também não merece o que aconteceu, nem antes, e nem agora Nicholas.
— Eu sei, não quero cometer os mesmos erros. Nem quero que tudo o que vamos enfrentar seja difícil, a está no meio de tudo isso.
— Exatamente. Eu também quero que ela tenha uma boa relação com você e com quem, quer que seja, a sua futura mulher.
Nicholas me olhou com os olhos fundos, brilhantes por estarem quase marejados, mas ele não ia chorar. Eu sabia que ele não ia chorar.
— O problema é que eu ainda não sei como ser um lar para mim.
— Isso eu não posso te dizer, porque só quem vai saber é você. E olha... Eu ainda estou me reencontrando também. Não estou melhor do que você nisso, mas eu comecei a sofrer por nós, muito antes também. Enquanto você parece que caiu a ficha só agora. Eu sofri muito Nicholas! Você saiu em turnê quando tudo aconteceu. Você saiu de casa. A todos os dias me perguntando do pai, a minha mãe tendo que lidar comigo em estado vegetativo, a neta confusa... O Alex sozinho no restaurante, enfim... Eu só fui conseguir me movimentar e encarar a realidade quando as crises da vieram. Sua família me deu muito suporte também, e até o...
— . – ele me interrompeu olhando fixo para o próprio pé.
— É. O . – afirmei observando-o.
Já nem sei
Foi querendo acertar
Pouco vale o tempo
Se não com você
Nicholas me encarou de novo e virou seu corpo lateralmente, de modo que ficou de frente me observando e eu, arisca, mantive-me olhando para a pia. Dei-me conta da cafeteira ligada e fui desligar, mas a mão dele me impediu e me puxou num abraço silencioso.
— Nicholas?
— Como eu pude te deixar tão sozinha ? – ele sussurrou ao meu ouvido e eu pigarrei.
— Nick, esquece isso e me deixa desligar a cafeteira.
— Desliga aqui, Dani. – ele falou aparentemente para a Dani que havia chegado.
Tão silenciosa quanto entrou, ela saiu com as xícaras servidas. E só então Nick me soltou já com uma expressão brincalhona, diferente da anterior cheia de mágoa.
— Idiota! Não faça isso de novo!
— Por quê? Tem medo de se apaixonar por mim de novo?
— Eu não te esqueci completamente para me apaixonar de novo. – falei sincera.
— E eu acho que eu não te esqueci também...
Quando uma mão de Nicholas já repousava em meu rosto e a outra em minha cintura, foi que eu notei o quão perto estávamos e despertei eufórica:
— Iiiih... Sai Jonas! – bati palmas frente ao rosto dele: — Vamos parando por aqui, porque né... Essa fase passou.
Minha respiração ofegante denunciava como eu havia ficado nervosa com aquilo, e Nicholas notou obviamente. Ele escorou-se novamente à bancada e riu, admirado.
— O que aconteceria se nos beijássemos, ?
— Seu relacionamento acabaria eu suponho. Ou não né... Você é mestre em esconder essas coisas.
— E o seu, acabaria?
— Eu não tenho este tipo de relacionamento com ele e você sabe.
— Não sei não. Pelo que entendi ele levou a minha ex-mulher e a minha filha ao parque e ao cinema. Bem familiar, o passeio, não? O que eu deveria pensar?
Ele perguntou com uma entonação de quem me desafiava a responder o que ele não queria ouvir. Mas, não. Eu não iria mentir para tripudiar sobre qualquer sentimento do Nick. Isso não era certo, embora tentador.
— Você não deveria pensar nada, deveria agradecê-lo por proporcionar um passeio à que nem mesmo você tem proporcionado recentemente. – falei tranquila.
— Ela tem cobrado isso? – ele me perguntou de volta, preocupado.
— Não Nick, não tem. Mas se sente tanto ciúme da com o , vivencie mais momentos com a sua filha.
— Meu ciúme não é só com a . Você sabe. – Nick me encarou de novo com seu olhar de armadilha.
— A própria terapeuta dela tem reclamado de como a figura do pai está distante. E antes que você reclame motivos pelos quais eu não disse nada antes, saiba que eu pretendo que nós dois tenhamos uma consulta juntos e uma conversa sobre isso. – desconversei.
— Eu concordo. – ele respondeu e nos olhávamos em silêncio, e quando suspirei dando a entender que sairia dali, Nick me perguntou imediatamente: — Se a gente se beijasse você esconderia isso do ?
— Eu não tenho porque esconder nada dele. E eu já disse que ele e eu não temos nada.
— Mas... Você está começando a gostar dele, não é?
— Não diga bobagens. é um amigo, um porto seguro.
— Você não percebe mesmo as semelhanças. Você era o meu porto seguro.
— Mas a diferença é que eu não sou você Nicholas. Eu não procuro no algo que eu só vá encontrar em mim.
— É... Eu não sei o que é pior. Ver que você está me esquecendo, ou que vocês têm mais em comum do que você pensa.
Achei tão absurdo Nicholas falar de como se o conhecesse que quase me esqueci de perguntar sobre a conversa.
— Você mal conhece o para dizer algo do tipo, Nicholas.
— Pode ser, mas eu conheço você. Vamos pra sala? – ele perguntou sorrindo e constatando: — Devem estar todos surtando de curiosidade por Dani dizer que nós estávamos abraçados aqui.
— Espera! – segurei sua mão e ele me olhou curioso — O que você e conversaram no hospital?
— Ele não disse?
— Disse que é você quem deveria me contar.
— Hm... – Nick refletiu — Por que quer tanto saber?
— Porque você não pode ficar insinuando coisas ao e se metendo tanto na minha vida.
— Ele mudou com você depois da nossa conversa? – Nick perguntou convencido.
— Não. Anda Nick, o que você disse a ele?
— Que eu ainda te amava, e não ia deixar ele me tirar minha família tão fácil.
— O que? Você come merda?
— Você não vai entender porque não consegue enxergar agora o quanto, ele está se tornando próximo de vocês.
— Nicholas, com todo carinho de uma tarde de paz que tivemos, eu posso te dizer uma coisa?
— Hm? – ele murmurou sorridente e afirmativo.
— Vá se foder.
Saí na frente o deixando gargalhando na cozinha. Eu não iria aceitar aquele joguinho manipulador dele. Céus... Como Nicholas consegue ser cínico quando quer!
Fui até a sala e todos me olhavam nervosos e calados, e só quando Nick apareceu atrás de mim, que Joe se pronunciou:
— Gente, me diz que vocês não decidiram reatar logo agora!
Ele falou preocupado se levantando com as mãos na cintura, e a Sophie o puxou de volta ao sofá.
— O que aconteceu lá dentro? – Denise perguntou preocupada.
— Nós apenas demos uma trégua nas brigas. – eu falei.
— foi e é muito importante para mim, e não tem porque não nos esforçarmos para sermos, ao menos amigos. – Nicholas disse ao meu lado com braços cruzados.
— Tem certeza de que é só isso, né? – Joe perguntou arredio, mais uma vez.
Entreolhamo-nos percebendo a confusão estampada no rosto de todo mundo. E Nick ficou tão curioso quanto eu.
— Dani, o que você disse a eles? – ele perguntou.
— A Dani não disse nada, mas eu vi você tentando beijar a na cozinha. – Joe afirmou com as mãos ainda na cintura e uma expressão que ia de “poucos amigos” a “apavorado”.
— Céus... – murmurei.
— Nick, o que você quer afinal, meu filho? – Paul também se exaltou.
— Bem, gente! Eu vou deixá-los se resolverem com o Nicholas. Aproveitem e ponham juízo na cabeça dele, porque eu nunca consigo.
Falei me despedindo de cada um, e também se despediu. Ela não queria ficar na casa dos tios, avós e nem do pai.
— Não quer ficar com o papai filha? – ele perguntou abraçado a ela.
— Quero, mas eu tô com saudade da mamãe.
— Saudade da sua mãe? – Nick pensou um pouco e me perguntou maldoso: — Passou a noite fora de novo, ?
— Eu passei a noite trabalhando e ela dormiu no , você já sabia disso.
Ele pareceu lembrar-se da nossa conversa de mais cedo, e todos nos acompanharam até a porta.
— Dani, eu vou preparar tudo para a degustação e te aviso. Quando precisar de mim de novo, me chama ok?
— , depois dessa de hoje, eu prefiro te ocupar só com as comidas mesmo, tudo bem? – Dani falou preocupada e eu gargalhei.
— Bobagem, mas você que sabe...
Nick e Joe nos acompanharam até meu carro, onde o pai colocou a em sua cadeirinha e o tio guardou as coisas dela, e logo depois veio me abraçar apertado.
— Ah ! Hoje foi divertido com você aqui de novo!
— Own Joe, apareça mais lá em casa! – o apertei em um abraço carinhoso.
— Pode deixar, e você na minha.
Pisquei para ele e quando Nicholas veio me abraçar eu o deixei no vácuo entrando no carro. Apenas sorri em sua direção, mas ao bater a chave na ignição, o carro não ligava.
— Viu só? Fica me ignorando... O universo devolve a maldade. – Nick recostou à minha porta zombando de mim — Abre o capô.
E logo que deu uma olhada constatou que era a bateria de novo. Um problema que persistia desde quando ele descobriu meses antes, antes de todo o processo do divórcio. Deu uma carga na bateria do meu carro, com a bateria do carro dele e chamou minha atenção por eu não tê-la trocado ainda.
— Pede ao para trocar a sua bateria . – o tom de voz malicioso de Nicholas pedia um fora.
— Vá se danar, Jonas.
Falei baixinho para não me ouvir xingar o pai, e arranquei com o carro deixando ele e Joe às gargalhadas.
Por mais cheio de emoções que tenha sido aquele domingo, eu saía da casa de Dani com um sorriso agradável no rosto. Um sorriso que certamente tinha muito a ver com a paz momentânea entre Nicholas e eu.
O ventinho do início da noite entrando no carro fizera a adormecer rapidamente, e claro, muito em razão também de ter brincado bastante com os tios e primas. Eu segui o retorno para casa com o volume baixinho das músicas tocando no carro, e por coincidência, quando uma música de Nicholas tocou na rádio “Remember I Told You”, eu comecei a sorrir de ironia da vida. Aquela letra resumia tudo em Nicholas e eu desde a separação. É, a vida é irônica, e eu ainda tinha muito a ensinar, e com certeza a aprender.
Capítulo 17
(July – Noah Cyrus)
FLASHBACK
A risada fina do bebê de um ano e meio ecoou pela sala e Denise juntamente aos outros integrantes da família Jonas, eram só amores com a .
Nicholas e estavam abraçados no sofá observando a filha fugindo do tio Joseph, que rapidamente pegou a criança em seu colo rolando ao chão com ela.
— Joe será um ótimo pai. – constatou fazendo os adultos a olharem, sorridentes.
— Sempre achei que Joe seria um pai melhor do que eu. – Nicholas confessou: — Até eu ser pai e descobrir que no momento em que ele for, irá sentir o mesmo medo de não ser um bom pai.
— Ah Nick, meu filho, a paternidade é difícil, mas só necessita empenho. – Denise falou acariciando a mão do filho.
— Eu vou adorar ser pai um dia. – Joseph respondeu brincalhão com a sobrinha caçula e as outras duas que se uniram ao tio.
encarou a mão de seu marido entrelaçada à da sogra, e refletiu sobre a confissão de Nick. Ela também sentia muito medo de ser mãe, e ainda mais medo de ser mãe dentro de um casamento conflitante como era o seu. Mas, desde que a terapia de casal vinha trazendo resultados positivos, aqueles medos não eram tão reais, não para ela. Mas Nicholas estava estranho há algum tempo, e aquilo soava como uma pequena campainha de alerta.
Quando os parentes de Nicholas foram embora, ele e puderam conversar com mais calma. A pequena dormia no colo da mãe, e Nick encarava as suas duas mulheres com um sorriso singelo no rosto.
— Amor... Do que você tem medo? – o perguntou.
— Como assim?
— Em relação à paternidade.
— Em não ser suficiente para a , como não sou para você.
Ele respondeu à e os dois mantiveram um olhar profundo ao encararem-se. não entendia o motivo daquela constatação, uma vez que estavam bem um com o outro como há muito tempo não estavam.
I've been holding my breath
(Estive prendendo minha respiração)
I've been counting to ten
(Estive contando até dez)
Over something you said
(Por causa de algo que você disse)
I've been holding back tears
(Estive segurando minhas lágrimas)
— Por que acha que não é suficiente para mim?
— Eu sei que você queria ter mais do que um marido que só trabalha ... Podemos ter melhorado em relação ao nosso casamento, mas... Eu sinto que estou falhando com você com esse lance de ser mais parceiro como pai.
— Para com isso. – pegou, de forma urgente, a mão de Nicholas que estava ao seu lado dizendo: — Para de pensar assim. Eu te amo, e estou muito feliz com o modo como nossa pequena família está crescendo.
Para Nicholas, aquelas palavras lhe trouxeram alívio. Sem perceber o peso que tirava de suas costas, ele se aproximou da esposa e a beijou tranquilamente. Depois acariciou sua pequena criança e beijou novamente a esposa. acordou com um pequeno choro, que fez o casal sorrir pela melhor interrupção de todas. nunca seria um empecilho entre eles.
Nicholas pegou a filha em seu colo, e ninou-a em seu peito enquanto cantarolava baixinho. adorava ouvir a voz do pai, e adormecia fácil quando ele cantava para ela.
levantou-se deixando pai e filha sozinhos, e foi para a cozinha, onde apoiou o peso do corpo nos braços estendidos na pia. Soltou todo o ar que prendia, soltou o peso do medo que sentiu à menor suspeita de que Nicholas não estava feliz.
não aceitaria perder sua pequena família que crescia. não conseguia imaginar-se perdendo Nicholas. Ela havia se esforçado muito para fazer dar certo, e mesmo entre tantos ciúmes e brigas, após a maternidade e a terapia, sentia-se confiante com a entrega ao seu casamento.
Ter Nicholas insatisfeito significaria perigo, porque afinal de contas, era o Nicholas Jonas. O mesmo homem volúvel que ela conheceu. O homem inseguro em administrar uma vida comum e uma vida de fama. Ter Nicholas incomodado, inseguro ou até mesmo infeliz com o casamento, deixava apavorada. Porque antes ela lutaria com unhas e dentes sem medo de se jogar, mas agora ela tinha a , e não iria assumir grandes riscos para segurar o homem que amava se não fosse pelo bem da própria filha.
(Enquanto você entorna cervejas)
I'm alone in bed
(Estou sozinha na cama)
You know I, I'm afraid of change
(Você sabe que eu, eu tenho medo de mudanças)
Guess that's why we stay the same
(Acho que é por isso que continuamos os mesmos)
— Nick?
— Oi meu amor! Como estão as coisas?
— Bem... A está dormindo e eu tentei fazer o mesmo, mas estou sem sono. Onde você está agora?
— Aqui ainda é dia! Estou bebendo com a equipe, o show foi cancelado para amanhã, então estou aproveitando para me divertir um pouco.
— Que bom, meu amor. Divirta-se então. – a voz de saiu fraca e saudosista.
— Ficou até que horas no bistrô hoje?
— Não fui hoje, deixei o Alex tomando conta porque a apresentou uma febre.
— O que ela tem?
— Dentinhos nascendo. – ela sorriu e sentiu a risada de Nicholas também.
— Estou perdendo isso... – ele murmurou.
— Não se preocupe muitos outros dentes irão nascer e você vai acompanhar a maioria, se não todos. – brincou.
— ! – Nicholas chamou-a mais forte — Eu te amo ok?! br> — Eu também te amo, Nick. Muito. – respondeu com alívio e sorriu.
— Dê um beijo na , por mim. É melhor você tentar descansar agora, meu amor.
— Divirta-se, e juízo senhor Jonas.
— Juízo para a senhora também, senhora Jonas.
Eles desligaram a chamada, e na verdade queria dizê-lo o quão difícil era dormir, sem seu Nicholas ao lado. Mas, não queria fazê-lo sentir-se ainda mais culpado.
Tempos depois, quando retornou de sua viagem, Nicholas fez questão de aproveitar todos os momentos com a família. Propôs à que eles se mudassem para New Jersey. Kevin morava lá, seus pais também, seria uma forma de estarem mais próximos para ajudá-la com a . Disse à que ela poderia abrir outro restaurante na cidade, e deixar o de Los Angeles com Alex. Mas, aprendeu a ter medo de mudanças ao lado de Nicholas, e por isso, achou melhor deixar tudo como estava: ela e aprendendo sozinhas a aceitar a ausência de Nick, afinal, o motivo era justo. Nick estava trabalhando.
(Então, me diga para ir embora)
I'll pack my bags, get on the road
(Eu vou arrumar minhas coisas, cair na estrada)
Find someone that loves you
(Encontre alguém que ame você)
Better than I do, darling, I know
(Melhor do que eu amo, querido, eu sei)
'Cause you remind me every day
(Porque você me lembra todos os dias)
I'm not enough, but I still stay
(De que eu não sou suficiente, mas eu permaneço aqui)
e estavam no restaurante e enquanto a mãe recomendava ao seu amigo e parceiro, que tomasse algumas providências no restaurante, lambia uma colher que Gisella usou para cozinhar o recheio de uma torta. A menina devorava risonha aquela guloseima, no colo de Alex, que se dividia entre sorrir encantado para o bebê e prestar atenção ao que dizia.
Quando chegou à sua casa, encontrou recados inúmeros de Nick na secretária eletrônica e estranhou por ele não tê-la telefonado no celular, e ao procurar em sua bolsa, descobriu que o celular havia ficado em casa. Iria respondê-lo, mas a começou a chorar e nada mais tinha importância para a não ser cuidar da filha naquele momento.
Apenas ao final da noite, enquanto o telefonava ouviu a porta da sala abrir e correu até lá preocupada. Nicholas tinha acabado de chegar e estava bastante preocupado.
— Onde você estava o dia todo!? – ele perguntou num misto e preocupação e raiva.
— Amor, eu estava te ligando agora e...
— Eu cancelei o show porque quase morri de preocupação! – ele a interrompeu chateado.
— Você não ligou para o restaurante, por quê? Eu estava lá.
— Eu não me lembrei do bistrô! – Nicholas passou a mão, nervoso, pelo próprio rosto.
— Nicholas, o que aconteceu? Por que você está tão nervoso assim, e por que você cancelou o show?
— Minha mãe me contou o que vocês conversaram, ontem.
Um silêncio surpreso se colocou entre eles.
— O que ela te contou?
— Que você está cansada, e não quer admitir que não está dando conta, de tudo sozinha.
— Eu nunca disse isso.
— Eu sei que não. Isso é o que a senhora Denise acha.
— Bem, é mesmo difícil passar a maior parte do tempo sem você aqui...
— E o que você achou do que eu fiz hoje? – Nicholas alterou-se: — Está bem se eu largar tudo e ficar com vocês?
— Por que está gritando comigo? Eu não pedi para você largar nada Nicholas! Eu não estou te cobrando nada!
— Mas eu estou me cobrando! – ele gritou e suspirou revelando sob o olhar apreensivo de : — Eu vou parar.
— O quê? Está louco Nicholas?
— Eu já decidi ! Eu vou parar por um tempo. Pelo menos desacelerar, fazer outros trabalhos, eu sei lá...
— Você não pode largar a música e a sua carreira!
— Não é o que farei. Mas, preciso me adequar. Você e a precisam de mim aqui.
Nicholas avançou até e a abraçou desesperadamente. sabia que não tinha nada a ver com aquela decisão. Aquele era o reflexo da culpa de Nick e sua instabilidade em lidar com as escolhas que a vida nos impõe a fazer.
Ela procurou Denise um tempo depois, e juntos, todos os Jonas chegaram à conclusão de que Nicholas poderia dar enfoque a outros trabalhos, que iriam impulsionar a carreira dele, mas também permitir que ele passasse mais tempo em Los Angeles.
Nicholas começou a executar trabalhos com teledramaturgia e como modelo de algumas marcas também. E nesse ponto, os caminhos dele e de Priyanka cruzaram-se novamente. não podia admitir voltar a agir como antes, mas a presença de Priyanka gerava um forte abalo em sua segurança feminina, e com a em suas vidas, agora, ela precisaria ser sutil para lidar com seu ciúme. Mas não deu certo.
Não demorou muito, para que Nicholas e trocassem verdades não ditas na face um do outro. Ele, sempre assumindo que estava ali pela família, e por isso largou suas turnês e outros trabalhos longos. Ela assumindo que também estava ali pela família, buscando superar sua insegurança e abrindo mão do restaurante, para ser uma esposa mais dedicada.
Não deu. acreditava que foi culpa dela, porque por ser insuficiente no seu papel de mãe e empresária, não deu conta de ficar sem Nicholas por perto, e por isso ele abriu mão de algumas coisas para estar ali. Mas, estando ali ele se reaproximou de Priyanka. acreditava piamente que foi ela, unicamente ela mesma, que de várias maneiras, contribuiu para o desgaste físico e emocional do casamento. E assim descobriu que só o amor não basta.
Nicholas assumiu o risco de se trancar em si, e ser mais como Kevin. Um pai dedicado e marido presente. Mas não deu. Nicholas não havia entendido como funcionava aquela ideia de maturidade emocional. Ele não conseguia ser metade em nada, e por mais que achava estar sendo inteiro em tudo, no fim... Ele percebeu que não dá para ter tudo o que deseja, e que mesmo abrindo mão de algumas escolhas, decidir entre uma coisa e outra, é automaticamente renunciar a que não se escolhe.
(Parece que foi uma vida inteira)
Just trying to get by while we're dying inside
(Só tentando sobreviver enquanto você morria por dentro)
I've done a lot of things wrong
(Eu fiz muitas coisas erradas)
Loving you being one
(Amar você é uma delas)
But I can't move on
(Mas não posso continuar)
As imagens eram vívidas na memória de , das inúmeras discussões que tivera. E se reunisse todas, ela poderia encontrar a origem do problema? Encontraria o momento que pudesse explicar os motivos por Nick ser tão inconstante?
— (...) E eu fui em frente, abdiquei de todo o mundo que eu vivia, porque naquele momento você já era praticamente meu mundo inteirinho! E eu dediquei cada passo até aqui, somente a você, ! Que droga ! Eu era tão novo! Eu ainda tinha toda uma carreira pela frente! – as palavras de Nicholas eram sempre confusas.
— Você não vai jogar nas minhas costas a culpa pelo desastre que nós nos tornamos, Nicholas! (...) Eu não te pedi para largar nada por minha causa, nem mesmo ela! Era ela que você queria aqui agora não é? – e as palavras de , sempre muito duras.
Eu relembrava o passado enquanto ainda não havia me espreguiçado à cama. Logo, o Sol iria despontar no céu e eu precisaria me levantar para arrumar a para ir à escola. Mas, naquela manhã, após o domingo na casa da Dani foi impossível não visitar o passado. Nicholas vulnerável era algo que eu não esperava ver tão cedo. Nicholas e eu sorrindo juntos, menos ainda. Era como voltar ao tempo em que nos conhecemos e eu era sua confidente amiga, e refazer o futuro através de renúncias do passado, mas com a consciência do presente.
Se Nicholas e eu, não tivéssemos cruzado certas fronteiras, aqueles sorrisos amigos teriam se mantido por muito mais tempo. Mas não haveria a , e por isso eu não me arrependia. Nick se dizia arrependido do divórcio, e também se mostrava bastante confuso. Mas, será que ele se arrependia também das escolhas do passado? Eu esperava que por , não.
Espreguicei-me finalmente e olhei para o relógio percebendo que deveria me apressar. Levantei com um ânimo diferente. Todo dia era um recomeço, e cada vez mais, eu recomeçava feliz. Abri as cortinas, as janelas e deixei a baixa luz entrar. Fui ao quarto de a acordei com beijos e carinhos, e logo depois que ela tomou banho estávamos nós duas correndo pela casa. Eu estava com o uniforme dela nas mãos correndo risonha atrás da minha pequena criança que, peladinha, fugia alegre pela casa.
— Mamãe não me pega!
Ela gritava brincalhona e quando eu a alcancei fiz cócegas, e por fim a arrumei. Os risos frouxos tornavam-se hábito de novo em minha casa. tomou café, o ônibus escolar chegou e ela se despediu de mim, com seu abraço forte em pequenos bracinhos antes de eu entregá-la para sua acompanhante escolar.
Arrumei-me para trabalhar, cantarolando como a própria princesa ingênua dos contos de fadas que não sabe absolutamente nada de como a vida é também estranha, além de doce. E antes de fechar a porta de casa para sair o telefone tocou.
— ! Mamãe está chegando, tá bom?
— Mãe? – indaguei surpresa: — Está tudo bem? Do que a senhora está falando?
— Contratou uma babá?
— Não! Mãe...
— Ótimo! – ela me interrompeu: — Mamãe está a caminho da América!
— O quê? Agora? Como assim?
— Quando eu chegar às terras americanas, mamãe te avisa, mon’amour! Bisous, bisous!
Despediu-se rápida e desligou. Minha mãe certamente estaria saindo da França ainda naquela semana. Não me importei tanto com seu telefonema porque estava com pressa, mas também porque, madame Meggie era tão precavida quanto aleatória.
Dirigi animada ao trabalho, cheguei animada ao trabalho, e contagiei o meu ânimo aos colegas de trabalho.
— Acho que o fim de semana foi tranquilo, não? – Marianne perguntou sentando-se comigo à mesa em que eu tomava café.
— Mari... Pela primeira vez, acho que Nick e eu poderemos, um dia, ser amigos de novo. Mas, ele precisa se recuperar do divórcio primeiro.
— E ele não se recuperou?
— Nicholas confessou para mim este fim de semana, que a ficha só está caindo agora.
— Dio mio! – minha hostess italiana bradou nervosa: — Deus me livre de um homem complicado como este seu ex-marido, viu!
— Cada um tem seu tempo, afinal... – eu falei bebendo o meu café e rindo.
— Não é de tempo que estou falando, ! Estou chocada em como Nicholas pode permitir-se “cair a ficha” depois de entrar num relacionamento!
— É... Eu joguei isso na cara dele.
— Mas, enfim... Como foi lá na casa da Danielle?
— Foi tranquilo. Priyanka apareceu rapidamente, mas logo foi embora. Num geral, foi um dia em família.
— Falando em família... Você viu o instagram do seu médico?
— Meu médico? – perguntei confusa dando a mesma ênfase ao pronome.
— É! O Dr. .
— Ele não é meu médico, Marianne! E... Desde quando você tem o instagram dele?
— Desde que eu vasculhei no seu. – ela falou risonha: — Mas não se preocupe, eu só vou flertar com ele se você realmente não quiser.
Eu não sei que expressão eu fiz, mas certamente devia estar engraçada já que Marianne gargalhou.
— Enfim... O que tem o ? – perguntei.
Ela me estendeu o celular e abriu em uma fotografia.
— Não é uma gracinha ele com o pai?
— Este é o pai dele? Quando foi isso?
— Neste final de semana, me parece. Por que não liga para ele e combina de conhecer o seu possível futuro sogro?
— Por Deus, vocês querem parar com essa bobeira de shippar e eu!? – ralhei com ela — Eu vou trabalhar!
— Já entendi chefe!
Ela brincou e antes que eu retirasse minha louça da mesa para levar à cozinha, Marianne abriu um sorriso em direção à porta e segurou meu punho fazendo-me olhar na direção da entrada.
— Nem precisa ligar... Parece que o já queria te apresentar a uma pessoa.
Ela levantou-se indo até eles e prontificando-se a receber os dois, como clientes. Eu pisquei meus olhos rapidamente, envergonhada, e fugi para a cozinha com os itens a serem lavados. Em seguida entrei ao meu escritório e fui ao banheiro observar minha expressão.
Eu não sei de onde veio, aquela preocupação repentina com minha aparência, mas ao me dar conta disso, respirei profundamente, mais calma. Retoquei o batom, e me preparei para ir até com os olhares de Marianne sobre nós. Aquilo estava tomando proporções estranhas.
Saí pela porta do escritório, e vi e seu pai sentados à mesa favorita de . Os dois riam e observavam o ambiente do restaurante com ânimo e prazer. Eu caminhei discreta e lentamente, pelo salão sem os encarar, mas notando-os. Marianne levou as louças de chá até à mesa dos cavalheiros, preparou a infusão, e em seguida saiu.
— O pai pediu chá com um pingo de leite. Um típico inglês. – ela falou em minha direção ao parar do meu lado.
— E para comer? – perguntei curiosa.
— Pretzels.
— Um inglês não tão típico assim. – falei risonha — Talvez até menos do que o filho.
— Não vai cumprimentá-los?
— Será que devo? – olhei em direção à mesa, e me encarava.
Ruborizei ao dar de cara com seu olhar e sorriso em minha direção. Marianne pegou a bandeja e pediu à Carol, a garçonete, para levá-la enquanto outros clientes chegavam, e antes de sair me falou:
— Pela cara dele, deve sim.
Olhei-a e apertei o olhar em reprovação. Dei costas ao salão apoiando-me no balcão, e fingindo anotar qualquer coisa, contei até três e respirei antes de virar-me novamente para eles. conversava com o pai e me olhava discreto. Então eu sorri e me aproximei.
— Bonjour. – lhes cumprimentei ao lado da mesa.
e seu pai se levantaram brevemente e eu me senti extremamente constrangida.
— Por favor. Fiquem à vontade.
Neguei para que riu e veio abraçar-me, respondendo e apontado ao seu pai:
— Ele é muito britânico.
— Não mais que o , acredite. – seu pai me falou e eu sorri — A senhorita é a francesa de quem ouvi falar?
— Depende, se o senhor ouviu falar bem... – encarei — Sim, sou eu.
— Ouvi falar muitíssimo bem, de sua pessoa e de seu bistrô que não escapa aos elogios, de fato.
— É um prazer conhecê-lo senhor. – estendi minha mão: — Bernard.
— Isaac . Encantado. – ele pegou minha mão num singelo cumprimento.
— Bem, espero que apreciem o café, vou deixá-los à vontade.
— , espera. – pegou minha mão me fazendo o olhar e prosseguiu: — Está tudo bem? Como foi o seu final de semana?
— Sim, está. Foi tranquilo, e o seu?
— Ótimo. Eu estava carente e papai veio me visitar.
Eu não pude evitar a risada discreta, e os homens me acompanharam. Isaac apreciava ao seu chá com olhares discretos, mas analíticos, para e eu.
— Seria um prazer se pudesse nos acompanhar num breve passeio, . Você vai adorar conhecer o papai . – me falou.
— Ah, com certeza. Ficará até quando, senhor ?
— Me chame apenas de Isaac, querida. – ele sorriu — Até amanhã, apenas.
— Oh, tão rápido. Bem... Por que não jantamos juntos então? Faço questão de recebê-los em minha casa.
— Por mim, tudo bem, eu nunca recuso os seus jantares. – riu cúmplice me encarando: — E para o senhor, pai?
— Na companhia desta linda e educada francesa? Por que eu não aceitaria?
— Ora senhor Isaac... – murmurei sem graça.
— Combinado então, .
— Algum prato de preferência? Logo mais estarei a caminho do mercado gastronômico, se quiserem algo em específico, eu já posso comprar por lá.
— Mercado gastronômico? – perguntou com o olhar distante, pensativo.
Parecia lembrar-se de algo e eu sorri assentindo. Seu pai o observava com um meio sorriso ao rosto, e quando voltou a si, seu pai se pronunciou:
— , lembra-se do Wellington Beef que sua mãe preparava?
— Ah, sim pai... Por quê?
— Há tempos não como um tão saboroso quanto o dela. Conhece este prato, ?
— Conheço a receita mais tradicional. Vai algum ingrediente diferente na receita de sua esposa?
— Hm... Eu nunca soube na verdade, mas... via a mãe preparar, então, por que não vai com ela ao mercado filho? Assim, você pode ajudá-la se encarregando de comprar os ingredientes.
encarou ao pai, de um modo curioso, e eu sorri para Isaac concordando com ele de forma gentil.
— Mas pai...
— Não se preocupe, eu sei chegar à sua casa, e depois, é meu último dia em Los Angeles, quero aproveitar.
— Er... – estava constrangido como poucas vezes eu o vi — ...
— Podem terminar o café à vontade, . Quando estiverem de saída, nós vamos. E pode deixar seu carro com o seu pai se preferir.
parecia muito confuso e Isaac elogiou o sabor de seu café da manhã, e o preparo do chá e pediu mais um Pretzel antes que eu saísse. Permaneci ao escritório trabalhando até que me chamasse. Seu pai se despediu de mim e seguiu num táxi. Isaac não dirigia devido a um acidente que o deixou com uma pequena deficiência na perna. Dentro do carro, parecia mais à vontade comigo do que estava na presença de seu pai.
— Eu não sei o que deu nele! Eu tirei o dia de folga para ficar com ele!
— Ah , eu acho que ele entrou para o clube.
— Que clube?
— O clube “ e sentados numa árvore se beijando...” – cantarolei.
me encarou assustado e logo disparamos em gargalhadas.
— Enfim, ... Como foi o seu final de semana? Agora você pode falar o que eu quero saber.
— Nicholas foi e pediu à Priyanka para não ir, o que aparentemente não foi o suficiente para ela não aparecer.
— Ela foi!? – perguntou alarmado e eu ri alto, e divertida.
— Ainda não sei lidar com o seu lado fofoqueiro, .
— Minha nossa, eu realmente achei que ela iria se esforçar para vocês se darem bem. É o mais certo não é? Só eu acho absurdo, essa coisa de mulheres competindo entre si?
— É... Eu nunca parei para pensar que, mesmo sendo errado, eu também acabo competindo com ela... Ser uma mulher consciente é bem difícil .
— Imagino. Mas, vocês não têm culpa. A culpa é da...
— Do Nicholas. – eu disse interrompendo que me olhou em dúvida.
— Eu ia dizer da sociedade machista, em que vivemos, mas se você quer dar esse nome... – ele riu debochando e me fazendo rir também.
— Voltando à Priyanka... Ela, provavelmente só quis me afrontar devido ao Nicholas ter dormido lá em casa. Não acho que ela esteja preocupada de fato com uma competição tola pelo Nick...
— Mas deveria. Nicholas não vai desistir. – ele falou pensativo em tom baixo.
— Lá vem você de novo... Nick não tem mais algo a lutar, para ter que desistir ou não.
— Sei... – riu desafiador e eu o encarei descontente — Mas, e o quê mais?
— Bom... Foi um domingo tranquilo e revelador.
— Revelador?
— Nicholas e eu tivemos uma boa conversa, e pra você ter ideia, terminamos o dia rindo e fazendo piada um com o outro.
Eu respondi rindo, e ficou em silêncio por alguns segundos, me observando diretamente e aparentemente alarmado.
— O que foi? – perguntei confusa.
— Vocês... São amigos de novo? É isso?
— Não sei . Na verdade... Eu acho que está cedo para isso. Mas, digamos que o que faltava era termos sido francos um com o outro. Não tem porque não sermos amigos. Nicholas abriu o coração comigo, e no final, era eu quem estava o aconselhando como lidar com a ideia de divórcio.
— Ele abriu o coração? O que isso quer dizer?
— Ele me contou que se arrependeu, e não tem a menor ideia de como lidar com a situação, agora.
— Ah sim, bom se foi só isso...
— Na verdade, – interrompi que me olhou ainda mais curioso —Nick tentou me beijar, mas... Não acho que isso tem alguma importância agora. Não para mim.
— Como assim? O que você quer dizer com isso?
— Ei , por que está confuso assim? Não era você que dizia que o Nick ainda é apaixonado por mim? – falei o pegando de surpresa.
respirou fundo, pigarreou e deu de ombros olhando para a estrada.
— Isso é verdade. Eu sei que Nicholas ainda te ama, e só agora viu que fez merda, mas eu estou confuso porque não sei como você está lidando com isso nessa calma.
— E por que eu ficaria com raiva agora? Eu já desisti do Nicholas.
— E não está nem um pouco revoltada com ele?
— Hm... – refleti — Não. Por incrível que pareça, eu fiz o que pude até o final. Eu realmente lutei. E posso ter errado muito e ele também, mas... Eu também já me culpei por isso. O problema do Nick, é que ele nunca vive o luto na hora certa. E há um tempo para cada coisa da vida.
sorriu largamente, e entre risadas falhas e expressões admiradas, ele olhava para baixo e remexia em seu cabelo, agitado.
— Eu... – ele balbuciou enquanto reagia à minha fala — Eu estou tão orgulhoso de ouvir isso, !
— Ouvir o quê? Que eu desisti do Nicholas?
— Ouvir você desperta para você! Era isso que eu tentei te dizer por tanto tempo! Que era só você olhar para si, e entender que nada é maior do que a mulher que você é! Que há um tempo para cada coisa na vida!
abriu a janela do seu lado e deixou entrar a brisa da estrada atingindo o seu rosto com largo sorriso – o que me fez sorrir tão abertamente quanto ele – e bagunçando seus cabelos.
Deparei-me com a expressão dele e não pude evitar: foi uma das melhores coisas que aconteceram nos meus últimos tempos.
Quando chegamos, prontificou-se a pegar as minhas ecobags e o carrinho de caixas. Caminhamos pelo início do mercado com ele empurrando o carrinho, e nós dois conversando animados enquanto eu mostrava um ou outro ingrediente inusitado para .
reagia como criança descobrindo sabores, cheiros e um mundo totalmente novo. Paramos em um stand, e enquanto eu negociava alguns brotos e condimentos, estava experimentando tudo quanto era, pequenos frutos decorativos que o vendedor lhe empurrava. Observei a cena pelo canto dos meus olhos, e sorri.
estava extremamente empolgado. O vi pegando um cogumelo, que eu sabia que era de cozer, então não deu tempo de alertá-lo do amargor do sabor. fez uma cara feia como criança e nós rimos, e o vendedor mal percebeu o que ele havia feito.
Caminhamos mais um pouco e eu estava ocupada com a compra de uma remessa de queijos, quando , ao lado do vendedor da barraca vizinha estava pedindo água e abanando a língua. O vendedor coreano falava com ele, divertidamente algo embolado como “esse não, esse é pimenta”, mas aparentemente tarde demais. Pedi licença ao vendedor que me atendia e fui até acudi-lo.
— Você não pode sair experimentando tudo que te oferecem seu maluco. Ainda mais alimentos estrangeiros. – eu gargalhava.
— Ele apontava o negócio vermelho e repetia “kimchi, kimchi”, eu só peguei.
— Aquilo não era Kimchi, você pegou errado . Chega, não é? Faça como a e me pergunte antes se você pode comer.
Enquanto eu fazia piada com a cara dele e ria, mostrou-se irritado com o coreano, mas logo que me viu segurando um pouco o riso, ele começou a rir também.
— Este lugar é incrível. – ele admitiu.
— Eu também adoro vir aqui. Mas, agora vamos ali pegar alguns azeites, e aí levamos as caixas para o carro, tudo bem?
— Pode deixar que eu levo, .
Depois que efetuei o pagamento, já pegou a caixa pesada a colocando no carrinho e saiu empurrando-o pelo caminho para o carro, e então, observei de longe algo que eu ainda não havia me dado conta: como ele era forte e aparentemente atlético.
O sorriso de canto que eu não sabia estar em meu rosto foi descoberto pelo vendedor que soltou um risinho para mim. Eu agradeci constrangida me despedindo e saí sacudindo a cabeça negativamente para espantar os meus pensamentos.
Um pouco depois, retornou e estava um pouco perdido, mas como eu o aguardava, logo o vi.
— Imaginei que se perderia. – peguei sua mão.
— Mais caixas para levar?
— Sim. Mais duas.
— Como você faz quando está sozinha, com essas caixas?
— Alguns vendedores levam para mim, mas quando eu quero, eu mesma levo. Estou acostumada, . – encarei-o entre um riscar de minha lista e outro.
— Certo. Vou levar para o carro e te encontro aonde?
— Eu vou com você porque agora é sua vez de comprar os ingredientes do Wellington Beef do seu pai.
— Você sabe os ingredientes, eu sei que sabe.
— Do jeito que Isaac falou deve ter algo a mais na receita da sua mãe.
— Tinha amor. E isso, você também já tem, não é?
falou nostálgico, e sorriu piscando para mim. Caminhamos de volta para o carro e eu descobri que a mãe de faleceu mais ou menos na mesma época em que o meu padrasto. Foi num acidente onde o ônibus de excursão em que ela e o pai dele estavam, bateu na estrada. Seu pai ficou com a sequela de caminhar puxando um pouco a perna e sua mãe infelizmente faleceu.
Compramos tudo o que era necessário para a receita, e em seguida fomos embora. Eu precisaria buscar a na escolinha, então não se importou de ir comigo, uma vez que estava com o dia livre.
— Tio ! – gritou ao vê-lo na porta da escolinha.
— É o seu papai ? – um coleguinha perguntou para ela.
— Não, meu papai é o Nick. Esse é o tio . – ela sussurrou como um segredo para o coleguinha.
Eu sorri para a funcionária da escola que acompanhava a saída das crianças, e despediu-se do amiguinho novato com um abraço e um aceno de mãozinhas. Ela pulou no meu colo, e depois foi para o colo de que a rodopiou do jeito que ela gostava.
— Ei princesa! O que você aprendeu na escola hoje?
— Os números!
— Os números?! – fingiu surpresa: — Vamos contar juntos então, quero ver se você aprendeu direitinho!
Enquanto caminhávamos de volta ao carro, eles contavam os números animados e eu ria com o modo agradável como aqueles dois se entendiam.
Fomos para o bistrô e telefonou ao seu pai, que pegou um táxi de volta ao restaurante para almoçar conosco. Depois que chegamos higienizei as mãos de , ela pediu para ficar com no salão e ele afirmou que não havia problema.
Antes que eu entrasse à cozinha descarreguei as compras, com a ajuda de funcionários, na área de higienização antes de levá-las à dispensa. Arrumei-me e preparei alguns pratos do almoço, assim como os de meus convidados e me juntei a eles.
— Ora, ora, mas se a senhorita vir um elefante rosa andando pelas ruas, pode saber que fui eu que mandei para você!
— É mentira vovô Isaac, você não é mágico!
— Mas, por que você não acredita em mim? Não viu que eu peguei o seu nariz?
— Vi.
— E então?
— Tá bom, mas eu não gosto de elefante rosa... – murmurou tristinha e convencida.
— Hm... Então... Eu vou te dar um elefante de outra cor, que cor você gosta?
— Amarelo!
— Tudo bem!
Quando me sentei à mesa com eles, percebi que a e o senhor Isaac não paravam de falar. encarava aos dois, sorrindo, enquanto bebia o seu suco.
— Mas que história é essa de elefantes? – eu perguntei ao me aproximar.
— Mamãe! O vovô Isaac é papai do tio ! – falou animada apontando ao senhor à minha frente — E ele faz mágica!
— Mágica?
— É! Ele tirou o meu nariz! – minha filha dizia animada e surpresa apontando ao próprio nariz.
— Minha nossa! Mas como ele colocou o seu nariz de volta?
— Eu não sei mamãe! Ele disse que tem um elefante rosa amigo dele, que é mágico.
— Hm, é mesmo senhor Isaac? – o pai de ria divertido para mim, pela euforia de : — Mas, agora vamos todos comer?
— Vovô Isaac! A comidinha da mamãe é muito gostosa, tá?
— Eu acredito!
Almoçamos tranquilamente, e um pouco depois, e seu pai se despediram de e eu. Eu organizei algumas questões no restaurante, e fui embora às uma hora da tarde para minha casa. teria aula de natação às três horas, então eu não poderia atrasar e com aquela história do jantar, eu também teria que sair mais cedo do restaurante à noite.
Chegamos em casa, e estava mais falante do que o habitual. Abri a porta do carro, na garagem, para que ela descesse, e apareceu na porta da sala de minha casa.
— ?
— Tio! – ela correu até ele.
— Oi boneca do tio!
— Eu deixei a chave com você? – perguntei o cumprimentando.
— Eu me esqueci de te entregar no domingo, mas foi bom, porque você não vai fazer ideia de quem...
— VOVÓ!
O grito de interrompeu .
— Mãe!?
Encarei ao meu irmão e minha mãe abraçada à neta, com a total surpresa que a situação me permitia.
Capítulo 18
(Get You The Moon – Kina Beats)
— Mãe! – corri para abraçá-la enquanto soltava-se dela — Como assim você chegou de repente!?
— Minha filha!
Mamãe me abraçava apertado dando pulinhos de alegria, e segurando-me pelos braços como sempre faz, olhou-me da cabeça aos pés sorrindo com todo o seu rosto, inclusive com os olhos:
— Ma petite, está tão linda! Os seus novos cabelos... – acariciou meus curtos cabelos com amor — Igual às atrizes francesas do nouvelle vague!
Sorri largamente – e concordava com a comparação que ela fazia da minha “nova onda” – e passei os braços pelos ombros de minha mãe, puxando-a ao sofá, onde e estavam sentados nos observando.
— Eu desconfio que esta mudança tenha nome e sobrenome, sabe...
brincou insinuante, e mamãe arregalou os olhos e os dentes para mim:
— Você está namorando?!
Percebi o olhar atento da , mas que demonstrava o quanto a minha menina não entendia do que estávamos falando.
— Não mamãe. O nome dessa mudança é autoestima.
— Ah, minha filha você está radiante! E eu fico muito feliz com isso!
— E a senhora? Que ideia é esta de vir de repente!?
— Eu avisei, ao telefone, que estava chegando!
— Sim, mas eu não sabia que a senhora estaria se referindo ao dia de hoje!
— Algum problema? Eu estava ansiosa para cuidar da minha netinha e rever meus filhos!
Mamãe mudou sua entonação para o típico tom de “eu sou sua mãe e não tenho que agendar um horário com vocês, e nem pedir licença para vê-los”.
— Não é isso mãe, a senhora sabe! – retruquei — Só que eu gostaria de buscá-la, preparar melhor a casa para te receber.
— Bobagens! – ela falou risonha abanando o ar — jamais deixaria a mãe dele, o aguardar no aeroporto por muito tempo, por mais ocupado que estivesse não é mesmo?
O tom que ela usou para dizer aquilo soou como uma pequena e ácida reprovação para o meu irmão, que me olhou sem graça e enrubesceu ao se explicar:
— Desculpe se eu a fiz esperar muito mamãe, mas a senhora realmente precisava nos avisar. Não por não ter o direito de nos ver, afinal...
— Eu sou sua mãe. – ela o interrompeu e ele respirou fundo pacientemente prosseguindo:
— Exatamente. Mas, tem razão quanto a nós precisarmos nos preparar... Eu estava em um compromisso distante quando a senhora me telefonou.
Percebi que se sentia um pouco nervoso com as justificativas e o encarei desconfiada, e então, percebi também o mesmo olhar de meu irmão, de quando nós éramos adolescentes e encobríamos as besteiras um do outro.
— Bom! Por hora vamos deixar este assunto de lado, e mamãe... A senhora não quer tomar um banho, relaxar...?
— Sim, eu quero , mas... Antes o seu irmão vai nos dizer que compromisso era este, não é ?
Algo nos dizia que aquela era uma das vezes em que não tínhamos escapatória e mamãe sabia mais do que imaginávamos, sendo capaz até de saber de algo que aprontamos diferente do que nós tínhamos pensado.
— Que importância isso tem agora, mãe? A senhora deve estar cansada...
— Bom, só acho que há muita importância se o caso for com a sua namorada, a qual eu vim descobrir que existe pela língua afiada de sua tia Percy.
me encarou assustado e eu estava ainda mais chocada por ele não ter contado nada sobre a Miley para a mamãe.
— Não falou da Miley para ela? Por quê? – indaguei reprovando-o.
— Ah! Miley? Sua irmã a conhece! E eu pelo visto, sou a última a saber.
— Miley é uma pessoa incrível mamãe, e cuida da quando eu ou não podemos. Mas... Que raios ! Por que não contou?
— Porque eu não queria que ela soubesse pelo telefone. E como a última vez que ela esteve aqui você estava passando por aquele momento delicado com o... Enfim, com o seu divórcio, eu não achei oportuno.
— E se eu não viesse agora, seria oportuno me contar quando? Oras, ! Você deveria ter me contado! Eu teria vindo conhecê-la pessoalmente, ou os recebido em nossa casa! Qual o problema dessa jovem? Ela é uma daquelas moças a qual você teve um relacionamento relâmpago indiferente demais para se tornar familiar?
— Não! Isso não. Ela...
foi empalidecendo e eu não pude evitar um breve sorriso irônico: a chegada de madame Meggie aos lugares era sempre marcada por um, certo triunfo.
— Ela o quê, ? O gato comeu a sua língua? – mamãe perguntou paciente e eu o olhei encorajador.
— Ela... Ela é a mulher com quem eu quero me casar, mãe.
Mamãe não falou nada, e nem demonstrou desconforto com aquilo. Apenas olhou para com o ar de superioridade comum a ela em algumas situações, onde ela julga o comportamento de alguém ridículo.
Ela me olhou com deboche e falou como uma verdadeira madame, ao meu irmão:
— Oras, estou eufórica para conhecer esta moça então. Não por ser a mulher que você deseja se casar, mas para entender onde está o bicho de sete cabeças que me impediu de conhecer minha futura nora antes.
Gargalhei com os modos de nossa mãe e peguei a no colo levando-a para um banho. Antes de sair totalmente do cômodo, a sala, ouvi reclamar como alguém que é pego sendo ridículo:
— Ora mãe, quantas foram as mulheres com quem eu disse que iria me casar?
— Meu filho, admita. Você foi pego fazendo um drama desnecessário. – mamãe respondeu-o e eu segui risonha para o quarto de .
Enquanto minha pequena criança brincava com seus brinquedos no chuveiro, ao mesmo tempo em que eu lhe esfregava o corpinho, apareceu na porta do banheiro.
— Iiih, mas que bagunça é esta, mocinha?
— Mamãe está me dando banho, tio! – falou risonha.
— Mamãe já se encaminhou ao quarto de hóspedes, e foi tomar banho em seu chuveiro. – me disse cruzando os braços e se apoiando no vão da porta.
— Ela já está em casa... – falei rindo para ele do jeito “espaçoso” de mamãe — Agora, ... Que loucura foi essa? Eu mesma achei que mamãe já soubesse! Não é como se você e a Miley estivessem namorando há alguns dias.
— É eu sei... Mas... Miley nunca me cobrou nada, e eu realmente tive medo da reação de madame Meggie. Lembra como foi quando você disse que ia casar?
— Oras, mas é totalmente diferente! Eu apareci com um astro da música mulherengo embaixo do braço...
— O papai? – perguntou.
Olhamos um para o outro, assustados pela menina estar atenta a conversa àquele ponto.
— Não filha! Não estamos falando do seu pai.
— Se ela conta pra ele o que você disse... – riu debochado.
— Bem, enfim! O fato é que... Não tinha motivos .
— É... Eu só notei isso agora, mas entenda : eu quero realmente me casar e eu achei que isso seria assustador para a mãe.
— Ela não deve é ver a hora de você dar algum neto. Deve estar neste momento dando graças a Deus lá no quarto. – falei fazendo-nos rir.
Desliguei o chuveiro e sentei-me ao vaso sanitário para enxugar a e então perguntei curiosa ao meu irmão:
— Miley... Realmente nunca te perguntou quando ia conhecer nossa família?
— Não. Ela é tranquila do jeito dela, e sabe como ela é... Desde que eu seja sincero e esteja ao lado dela, Miley respeita o meu tempo. Mas, eu já ia fazer isso... Digo, contar à mãe. Só que na época em que pensei nisso você veio com aquela história dela se mudar para cá, e eu achei melhor esperar.
— Entendo. E onde você estava hoje?
— Na casa dos avós da Miley. Ela queria que eu os conhecesse.
— Hm... E ela está aqui, ou em San Francisco?
— Voltou comigo, por quê?
Sorri para enquanto caminhava com enrolada na toalha até o quartinho dela e veio atrás de nós, curioso.
— Traga ela hoje para jantar.
— Aqui? Por quê?
— Bem... – soltei a sobre a cama e ela tentou se vestir sozinha, enquanto eu olhava ao meu irmão, com o mesmo olhar de receio que ele me apresentava minutos antes: ¬— Também fui pega de surpresa pela mãe.
me encarava sugestivo e curioso e seu sorriso começou a surgir numa expressão sacana.
— vem aqui? – perguntou confuso, alarmado e sorridente.
— Não só ele, como o pai dele.
— O QUÊ? E o que isso significa?
— Significa que o pai veio o visitar este fim de semana, eu o conheci esta manha no bistrô. E como ele vai embora amanhã, eu os convidei para jantar.
— E agora, você quer dar a volta na mamãe, fingindo que o jantar é para eu apresentar a minha namorada e não você o seu! – me encarou debochado e acusador.
— Não! Até porque ele não é meu namorado! – sussurrei o repreendendo indicando a presença de no quarto, que por sinal já estava vestida e eu fui ajeitar seus cabelos.
— Então o quê? Qual o problema de receber seu “amigo” com a mãe aqui? – ele perguntou entonando irônico.
— Nenhum de verdade. Mas, acho que seria um bom momento de você limpar a má impressão que deixou da Miley para mamãe. Escondeu sua namorada como uma fugitiva!
me encarou derrotado entendendo o meu ponto e bufou concordando.
— Vou falar com a Miley, mas... Não sei como ela vai reagir.
— Ela certamente virá. Miley é tímida, mas não é covarde.
— Não mesmo. E você quer alguma ajuda?
— Bem, eu fiquei de fazer um prato inglês para o senhor Isaac, então, se quiser me trazer um pernil lá do restaurante, eu vou agradecer.
— Peço a alguém para prepará-lo?
— Hm... É pode ser... Passe lá antes de ir para a sua casa, e diga ao Alex para alguém da cozinha preparar um pernil ao abacaxi. Eles saberão qual é o prato. Diga que é para mim, e que não precisa vir montado. Quando você vier com a Miley vocês o trazem. É até bom, que assim você não pode fugir de novo.
— Ei! Eu não fugi!
Mamãe surgiu no quarto e já estava pegando seus brinquedos para ir à sala quando todos nos guiamos para fora dali.
— Mãe, e a senhora fez uma boa viagem? – perguntei.
— Sim, maravilhosa, filha.
— Bem, eu vou deixá-las, e volto para o jantar.
— Aonde vai? Mas eu mal cheguei ! – mamãe o repreendeu.
— Acalme-se madame Meg... – ele a abraçou pelas costas, risonho, e se explicou enquanto eu servia um copo de suco à mamãe, e eu: — fará um jantar hoje e eu trarei a Miley.
— Ah! Então eu vou mesmo conhecer a minha nora!
— Eu não estava a escondendo! Só estava sendo cauteloso, eu já disse.
— Certo, certo... Mas da próxima vez que for cauteloso e eu descobrir pela sua tia Percy, a coisa não vai ficar boa para o seu lado.
— Mas, como a tia Percy descobriu?! – perguntei curiosa.
— Não faço ideia, eu não contei. – respondeu antes de sair.
Depois que ele beijou a em despedida e saiu, mamãe me contou:
— Sua tia Percy telefonou para ele, e a namorada que atendeu. Elas se falaram no telefone, e você sabe como a Percy é... Ela descobriu que a mulher era namorada dele e ficou jogando isso na minha cara. Claro que eu tive que fingir que conhecia a minha nora, para não parecer uma péssima mãe.
— E como a titia não descobriu se nem o nome dela você sabia?
— É claro que sua tia descobriu, mas eu neguei até o fim, e me justifiquei que me confundia com o nome da moça. Mas, Percy é esperta.
— As mulheres da família o são. – respondi.
Eu ri com a história e fui iniciar os preparos do jantar com mamãe me ajudando.
— E este jantar? É realmente por causa da moça?
— Não. Na verdade, um amigo meu está recebendo o pai da Inglaterra e nós combinamos este jantar. Como eu não sabia da sua chegada hoje, eu não pude avisá-los ou desmarcar, e nem vejo razão para isso. Acho inclusive, que a senhora o senhor Isaac vão se dar bem.
— E o senhor Isaac é o pai de quem?
— Do Dr. .
— O médico da ? Aquele novato que eu conheci? – mamãe perguntou confusa.
— Sim, ele mesmo. e eu nos tornamos bons amigos, e a o adora. Mas, é a primeira vez que o recebo num jantar aqui em casa e conheço o seu pai.
O silêncio que eu sabia que viria, veio. E o olhar meticuloso da minha mãe, também. Eu fiquei quieta aguardando ela falar, porque, eu sabia que ela iria dizer algo.
— Acaso está namorando o médico da ?
— Não. Nós somos apenas amigos, mãe.
— Ok. Eu vou acreditar, até porque eu vi todo o esforço do médico com a sua situação e ele foi de fato, um cavalheiro.
— Ele é. – eu concordei sorridente.
— Quantas vezes vocês já saíram?
— Poucas. Por quê? – a olhei com a minha expressão de “não venha insinuar coisas”.
— Por nada, por nada. – e ela sorriu me olhando de rabo de olho.
Nos encaramos iguais e logo caímos num riso cúmplice.
— Sabe que eu não iria desaprovar se você já quisesse se envolver com alguém, não sabe?
— Eu sei mãe, mas não é o caso. No momento, o que eu mais quero é reorganizar minha vida no restaurante, a rotina da ...
— Por isso estou aqui, ma petite. – ela pegou em minha mão carinhosamente: — E como ela está de saúde?
— Graças aos esforços de todos nós, e inclusive ao apoio de , que me ajudou muito em fazê-la entender a importância da disciplina alimentar, está tudo bem. Ela está aprendendo a fazer um caderninho onde desenha tudo o que come. Da última vez que corri com a ao hospital, ela havia ficado com o e comeu escondido. Mas, já está numa situação de naturalidade...
— Isso é bom! Passado o período de adaptação, logo, logo, a terá uma vida mais tranquila. E quanto à escolinha?
— Ela adora! E começou há pouco tempo na natação, e está amando também.
— ... E quanto ao Nicholas? Como tem sido a relação de vocês?
— Ah mãe... Não tem sido simples, na verdade. Desde que a senhora voltou para a França, muita coisa aconteceu, mas... Agora, acho que estamos começando a ficar em paz. E quanto à , ele tem feito o melhor dele com ela também. Não posso julgar, afinal, este recomeço para nós dois seria conturbado.
— Hm... Já vi que teremos muito a conversar, mas, por hora, vamos adiantar este jantar!
Mamãe me ajudou nos preparos mais simples das refeições, uma vez que o prato elaborado de Isaac eu faria. veio juntar-se a nós na cozinha, ficando quietinha no canto com seus brinquedos. E eu estava me sentindo muito feliz. A presença da minha mãe significava um conforto necessário e querido, e eu sabia que tê-la ali iria me ajudar não apenas nos afazeres diários, como me traria um carinho a mais.
Quando eu terminei de me arrumar, o cheiro do assado na casa já estava notório. Mamãe e já estavam prontas aguardando chegar com Miley. E por algum motivo estranho, eu estava ansiosa.
Saí do meu quarto atravessando o corredor com o olhar minucioso de “está tudo certo na casa?”. Minha mãe havia dado uma geral no banheiro social, e embora ele estivesse arrumado, ela não deixaria de dar o seu toque nas coisas. O quarto de estava organizado, apenas com alguns brinquedos espalhados num cantinho do chão. Aquilo certamente era obra da organização da minha própria filha sob os protestos educados de Meg dizendo-a para guardar seus brinquedos. Na sala, tudo estava organizado e havia um cheiro novo, aflorado e que eu não sabia de onde vinha, mas que dava um odor novo e especial, suave, misturado ao cheiro do assado.
— Que cheiro é este? – perguntei aproximando-me de minha mãe que terminava de aferir a glicose da : — E por que está aferindo a glicose dela?
— Eu dei uns biscoitinhos a ela.
— Mãe! Ela não vai jantar! – reclamei tranquila.
— Foram só uns biscoitinhos, e ela vai comer sim, não é ?
A menina apenas sorriu acenando afirmativa.
— Certo... E este cheiro de campo florido com casinha de chaminé?
— Acendi incensos campestres na casa, e não é que o cheiro do assado com o cheiro das flores ficou bom!?
— E se não tivesse ficado, hein? – sugeri ao notar que minha mãe não havia pensado que aquela poderia ser uma má ideia.
— Mocinha, me respeite. Eu sou da terra dos perfumes. – ela brincou convencida.
A campainha soou e eu fui até a porta abrir para e Miley. Minha cunhada estava muito bonita e aparentemente tranquila, embora dissesse estar ansiosa depois que lhe contou o ocorrido de mais cedo. Abracei-a tranquilizando-a, e logo que ela me estendeu o prato trazido do restaurante, deixei que apresentasse-a para a mamãe.
Da cozinha pude observar a reação amorosa e gentil de madame Meggie, que abraçou à Miley com um olhar desafiador ao . Meu irmão me encarou discreto e eu sorri.
— Você é uma linda mulher, de fato. não exagerou em elogios.
Ao ouvir minha mãe, ele arqueou a sobrancelha, confuso, pois embora concordasse não havia dito nada daquilo. Mamãe pegou Miley pela mão sentando-se com ela ao sofá e eu me aproximei de , e disfarçadamente sussurrei a ele:
— Eu disse que ela está desesperada para que você se case.
— O que ela pretende? – ele me perguntou também disfarçadamente, preocupado.
— Mostrar a Miley que você é um excelente partido, certamente.
Rimos e nos reunimos em conversas regadas a licor enquanto aguardávamos sinal das visitas. Aquele momento de distração e bom diálogo entre mãe e futura esposa, para trouxe alívio. E como eu sabia que aconteceria, mamãe e Miley se deram bem logo de cara. Diferente de como foi comigo, quando me peguei preocupada por minha mãe e Nicholas não se entenderem muito bem no início do nosso relacionamento.
— Será que ela vai reagir igual com o ?
me perguntou baixinho, como se lesse meus pensamentos pela minha expressão.
— Não sei do que está falando. – desconversei e antes que dissesse algo, fomos interrompidos.
Peguei meu telefone que tocava sobre a mesa, atendendo à chamada de .
— Boa noite , tudo bem?
— Olá , sim e vocês?
— Estamos a caminho, em aproximadamente vinte minutos acredito que chegaremos. Deseja que eu leve algo?
— Não é preciso, apenas venham. Estamos aguardando-os.
— Ótimo, até logo.
Os olhares de todos a me encarar risonhos, me deixaram um pouco mais ansiosa do que eu estava, então eu respondi e saí dali rapidamente até a cozinha.
— Eles estão a caminho. Vou montar o pernil e aquecê-lo.
Respondi sorrindo branda, e logo estava ao meu encalço.
— Você vai deixar as duas sozinhas? – perguntei como forma de afastá-lo, pois eu sabia de suas intenções.
— Elas estão se dando bem. Mas e você? Nervosa?
— Afinal de contas , o que você acha que vai acontecer aqui?
— Hm... Eu acho que mamãe conhecerá o e você está nervosa com isso.
— Nervosa com o quê?
— Não sei, me diga você. – ele sorria presunçoso.
— , eu já falei que e eu somos apenas amigos. Não é um jantar de “apresentação das famílias”, embora você o tenha tornado um.
— Certo, certo... Mas se te acalma, acredito que a mamãe vai adorar o , bem mais do que aceitou o Nicholas.
— Você está confundindo as coisas irmãozinho.
— Tem razão! – ele disse me auxiliando a colocar a travessa ao forno: — Péssimo momento para falar do seu ex-marido.
Sorriu irônico e saiu da cozinha. Serviu novas taças de licor para nós, e ali ficamos até que meus amigos chegassem.
Capítulo 19
(Não Vá Embora - Marisa Monte)
Capítulo narrado por .
Meu pai ajeitava seu chapéu e paletó, enquanto eu terminava de conferir todas as janelas do apartamento.
— , você pegou o embrulho da pequena ? – meu pai perguntou olhando em volta à sala e não o encontrando.
— Está no carro. Podemos ir?
— Acaso o vinho está no carro, também?
Ele perguntou-me após me olhar de cima a baixo, cauteloso. Bati a mão em minha testa e fui até minha pequena adega, ansioso. Papai manteve-se silencioso, com uma expressão de sábia ironia e um sorrisinho debochado, bem de leve em sua face.
— Pronto. Vamos. – falei retornando apressado com o vinho em mãos.
— ?
Eu já estava quase à porta e meu pai continuava parado no meio da sala me observando, quando me chamou.
— Pode, por favor, se acalmar? Não é elegante chegar despenteado à casa da namorada.
— Pai... Ela não é minha namorada. O senhor nem me fale algo assim na frente dela, entendido?
Papai continuou sorrindo e caminhando lento até mim, saiu à minha frente sem antes aceitar o que eu disse.
— Que seja. Não é então. Mas, por favor, se controle. A mulher não irá fugir.
Ele adiantou-se ao caminho até o elevador, e eu me dei conta de que talvez, eu estivesse ansioso demais. Respirei fundo na tentativa de me acalmar, e tranquei a porta do apartamento indo em direção ao estacionamento.
Papai andava tranquilo, elegante, e tinha um sorriso a estampar sua face até o olhar, o qual disfarçou quando eu me aproximei. Mas, eu notara aquele gesto. Entramos ao carro e quando já estávamos em alguma das ruas de meu bairro, ele pôs-se a falar.
— Você nunca me contou exatamente, como você e se aproximaram.
Olhei confuso e preocupado a ele por aquele rompante de esquecimento, uma vez que eu já havia dito-lhe a história.
— Papai, eu contei. Na minha substituição ao Dr. Hunter, os pacientes dele passaram para mim, e com isso comecei a tratar a .
— Sim, mas... Você se aproxima assim de todas as mães de suas pacientes?
A pergunta com tom ingênuo na verdade escondia a malícia tão própria do senhor Isaac , a qual eu saberia reconhecer até se ele fosse mudo.
— Não... Na verdade... se divorciou do pai da há alguns meses. E culminou da garotinha sofrer de crises pancreáticas em virtude do diabetes, na época. e estavam emocionalmente conturbadas pela rotina nova, e... Eu acabei acompanhando o histórico da vida pessoal de ambas. Foi inevitável não me aproximar, pai.
— Inevitável? – ele perguntou com certo sarcasmo e me lançou um olhar cálido, como o de minha mãe antes de acenar brevemente com a cabeça e dizer: — Inevitável. É claro.
— O que o senhor está maquinando hein, Sr. Isaac?
— Eu só estou me recordando de como já vi uma história parecida antes.
— Ah é? Pois, guarde-a para o senhor, por favor. Nada de constrangimentos desnecessários à minha amiga.
— Você não precisa reforçar que é apenas um amigo dela, eu já entendi isso. Ou você está tentando se convencer disso, meu filho?
Entre um semáforo e outro, eu encarava papai e percebia o quanto ele estava convencido do contrário, e tentava me convencer de algo que permeava sua mente.
— Pai, o que o senhor está interpretando da situação não é de fato real. Ok?
— Eu sei que não. Só passa a ser real quando se assume.
Revirei os olhos num gesto imperceptível, pois, para papai aquilo não era elegante e nem respeitoso. Concentrei minha vista à estrada e rapidamente liguei o rádio do carro. O Sr. Isaac fez exatamente o que eu sabia que faria: observou minuciosamente meus gestos, e deu uma fraca risadinha ao final.
Aquela risadinha significava que sua vasta sabedoria de setenta e três anos de idade, diria algo. E como eu esperava, ele olhando para a janela ao seu lado – numa forma de desviar o olhar não para evitar o constrangimento dele, mas o meu próprio – pôs-se a explicitar sua teoria. Teoria que certamente para ele, era comprovável por si só.
— Eu notei no instante em que te ouvi falar dela. Afinal, que importância teria em seu pai saber de uma das mães de sua paciente? Quer dizer... Não que tenha havido importância em algum momento. Fora eu quem notara. A cada palavra dita por você, estivera presente, de algum modo. E eu pude contá-las.
— Pai...
— Na minha chegada ao seu apartamento, quando fostes servir-me o chá: “ certamente serve um chá inglês melhor do que o meu, e isso é até vergonhoso, mas o levarei lá papai”. Mal se dera conta de me contextualizar quem era a moça. Uma vez. Então, quando fostes dormir, eu lia meu pequeno livreto de Rosnard, “Les Amours de Marie”, e você sorriu largamente pelo livro. Coisa que só fui entender ao descobrir que a mulher era francesa. Você olhou para o livro e sorriu como se pensasse em algo, só depois fui notar que pensava, na verdade em “alguém”. Outra vez.
— Que mal há se recordar de uma amiga? – olhei-o com a minha expressão que diria o quanto meu pai estava exagerando: — Eu só fiquei curioso em saber se ela teria lido Rosnard, ou qualquer outro escritor... Se ela gosta de ler. Não vejo motivo para o senhor se apegar a isso, papai.
— Quando estávamos a caminho do bistrô, você também falou com muita admiração que por sorte eu conheceria a dona do local, que era segundo a sua opinião, uma porção de adjetivos e arabescos dourados.
— Oras, e ela é! – não pude evitar um riso divertido, com a forma que papai sério, falava-me que eu “enfeitei” à — Papai, o senhor vai ver esta noite! A é uma excelente pessoa. Não tem por que eu não falar das qualidades dela.
— Não, não há mal de fato, mas o que eu quero dizer é que... Até eu conhecer a moça, não fazia o menor sentido ouvir tantos elogios sem pensar “esta moça deve ser realmente importante para ele”.
— Eu acho que o senhor quer, na verdade, me desencalhar e falaria isso de qualquer que fosse a mulher.
— Hm... Talvez. O fato é que você se comporta como um adolescente na presença dela.
— Papai, não é nada disso. Eu só estava realmente animado para que ela o conhecesse, afinal, eu tenho muito orgulho de ser filho de Isaac . Se pudesse, o exibiria ao mundo!
Meu pai sorriu com um brilho de satisfação em seu olhar, e me encarou com o mesmo sentimento de admiração que eu via nos olhos da minha mãe.
— Filho... Obrigada por isso. – ele falou com a voz emocionada e logo desconversou: — Bem, já que você me diz que não tem nada com a , eu não irei insistir nisso. Mas, ... Eu preciso lhe contar algo e eu não sei como isso deve ser encarado.
— Deve ser importante, vendo que deixou pra me dizer só agora... – olhei rapidamente para meu pai, que trazia um semblante preocupado.
— É como eu disse... Eu não sei como você irá encarar... Mas, Rosalyn me procurou.
— Rose? Aconteceu algo a ela?
— Aparentemente não. Mas, você sabe... Ela não me visita desde que vocês se separaram e sua mãe faleceu.
— E suponho que ela não lhe disse nada a meu respeito, se não o senhor já teria dito algo.
— Sim, não sei se há relevância neste fato, mas achei que deveria lhe contar.
Papai e eu nos mantivemos silenciosos até que eu lhe pedisse para telefonar à . Ele pegou meu celular no painel do carro, o indiquei como mexer no aparelho “cheio de não me toques demais para ele”, como o próprio disse, e discou ao número dela, e transferiu a chamada para o, viva voz do carro, onde eu poderia falar rapidamente com ela.
— Alô?
A voz suave dela soou tranquila e eu só me percebi sorrindo ao ouvi-la, quando rapidamente olhei para o meu pai que me encarava com semblante óbvio e debochado. Não dei importância e agi naturalmente.
— Boa noite , tudo bem?
— Olá , sim e vocês?
— Estamos a caminho, em aproximadamente vinte minutos acredito que chegaremos. Deseja que eu leve algo?
— Não é preciso, apenas venham. Estamos aguardando-os.
— Ótimo, até logo.
Eu queria estender um pouco mais a conversa, mas sabia que ela deveria estar ocupada e meu pai certamente faria do episódio mais um motivo para dizer que, eu e flertávamos. Coisa que não era verdade e nem seria possível.
— Você vai procurá-la? – papai perguntou de repente.
— Quem?
— Rosalyn.
— Eu não acho que deveria... Ela me procuraria se quisesse dizer algo, não é? – perguntei e papai apenas “deu de ombros”.
Vinte minutos depois, estávamos tocando a campainha da casa de , e ela liberando a nossa entrada pelo portão branco, gradeado e automático. Entrei à frente do meu pai, que trazia consigo o embrulho da , e eu o vinho em minha mão.
Ajeitei meu blazer azul marinho e passei a mão levemente pelo cabelo. Havia passado um gel fraquinho, e uma pequena mecha do meu topete havia ficado frouxa e solta.
— Está charmoso. Ela vai gostar. – papai disse sorridente, sem me encarar, aguardando a porta principal da casa abrir.
Isaac estava vestido como um senhor inglês elegante, e de fato o era. Sorria olhando à porta, numa postura invejável e com sua bengala em uma das mãos, o embrulho de pendurado no braço, e na mão livre um arranjo.
E então a porta se abriu.
Ela estava absolutamente deslumbrante, dentro de um simples vestido florido, e uma maquiagem leve. Seus cabelos estavam mais arrumadinhos do que o normal. gosta de seu pixie bagunçado propositalmente. E havia inclusive uma tiara singela em sua cabeça aquela noite.
Eu olhei-a de cima a baixo, e sorri largo. Não queria, não poderia, e nem deveria evitar demonstrar a quão meiga ela estava. E ela, assim que percebeu meu sorriso, fez um sinal abobalhado com as mãos de “deixa disso”, deu uma voltinha rápida e sorriu simpática.
— Senhor Isaac! – ela falou finalmente, e direcionou o olhar sobre meu pai que se adiantou a cumprimentá-la.
— Está maravilhosa, mademoiselle. – meu pai disse num tom gentil e galanteador que a fizera sorrir ainda mais largo.
— Por favor, entre.
Ela disse, e assim que papai deu passos para dentro de sua casa, ela pegou minha mão puxando-me para perto num abraço simples e um beijo amigo ao rosto.
— Tudo bem? – me perguntou.
— Uhum. – murmurei como um bobo — Eu trouxe vinho.
— Ah! Obrigada, não precisava .
Papai permanecia parado ao nosso lado, nos observando quando entreguei o vinho às mãos dela.
— Eu trouxe estes gerânios para você, e este embrulho para uma pequena você. – ele disse.
— Oh! – ela sorriu maravilhada e grata — Senhor ... Não precisava se incomodar!
— É apenas um gesto grato pela excelente noite, que sei que teremos.
— Com certeza teremos. – ela sorriu.
nos encaminhou singelamente pelo pequeno vão que saía da porta de sua casa para a sala. Algumas pessoas estavam sentadas ali, e reconheci como sendo o irmão e a cunhada dela, mas não reconheci de imediato, a uma senhora. logo nos apresentou quando viu que todos se levantaram.
— Pessoal, eles chegaram. – ela falou e foi interrompida por uma criança.
— Tio ! Vovô Isaac!
A pequenina menina de quase quatro anos – como ela se referia a mim – ergueu-se do sofá, onde estava aparentemente deitada e veio correndo em nossa direção.
Abaixei-me para abraçá-la, e senti seus braços pequenos, mas fortes em torno do meu pescoço. Em seguida ela abraçou ao meu pai, que foi logo lhe entregando o presente.
— O vovô trouxe uma coisa para você.
— O que é? – ela perguntou olhando-o com um sorriso tímido.
— Um e... Ele... – ele balbuciava tentando fazê-la se lembrar.
— Elefante! – ela falou alto e feliz fazendo a todos nós sorrirmos.
Meu pai entregou o presente e ajudou a a abrir o embrulho, que logo desvendou um elefante amarelo médio, de pelúcia e que pelo visto, a menina amou. Abraçava ao bichinho muito feliz. Papai disse outras coisas sobre o elefante ser mágico, mas eu não pude prestar atenção, já que se aproximou de mim sorrindo e sussurrando.
— , seu pai não precisava se incomodar, por que deixou?
— , quando algum promete algo ele não deixa de cumprir. Agora, quando algum promete algo a uma criança, a primeira coisa que ele tem que fazer é cumprir. – constatei para ela que me olhou contrariada.
não pôde continuar porque um pigarro foi ouvido, e percebi seu irmão se aproximando, então papai se levantou, e continuou as apresentações.
— Senhor Isaac, estes são o meu irmão , a minha cunhada Miley e a minha mãe Meggie.
Os familiares dela se aproximaram sorridentes, e ela continuou:
— E família... Estes são Isaac , um novo amigo e pai do , que é o médico da nossa pequena e meu... – ela hesitou após olhar ao irmão, tão imperceptível que eu quase não notei, e continuou enfática: — Meu grande amigo.
A mãe dela estava ali, e de repente eu me senti abafado. Não esperava que deixaria de me dizer que eu conheceria a sua mãe. Na verdade, ela não era obrigada a me informar aquilo, mas por alguma razão eu me senti nervoso. E parece que foi perceptível, já que ela me olhou com uma expressão preocupada.
Seus familiares vieram em minha direção, e me abraçou amigável.
— Relaxa , mamãe assusta, mas não morde. – ele sussurrou ao meu ouvido.
Com certeza eu estava corado. Sorri sem jeito ao e Miley, que deram atenção ao meu pai e em seguida, a mãe dela se aproximou. Uma senhora bem bonita, mais jovem que o meu pai, elegante e com ares franceses de uma sensualidade a meu ver, comum à família Bernard.
— Meggie Durand Bernard. – ela estendeu-me à mão de modo cortês: — É um prazer conhecê-lo.
— Senhora Meggie, o prazer é meu. Creio que a tenha visto, em uma das primeiras consultas da .
— É possível! Eu me recordo de você rapaz. Acho que foi... Na primeira consulta com ela. Eu estava acompanhando , mas não entrei ao consultório.
— Entendo. Perdão por não me recordar tão bem. Certamente um grande equívoco, pois vejo de onde vem a simpatia da família.
— Hm... – a mãe dela enviesou um sorriso à filha e disse-nos antes de ir cumprimentar ao meu pai: — Gostei dele.
Abaixei meu rosto de modo discreto sorrindo, e quando olhei para , ela estava visivelmente incomodada.
— , Miley vocês podem direcionar o senhor Isaac e servi-lo um aperitivo enquanto eu vou à cozinha deixar as flores e o vinho? – perguntou discreta.
Àquela altura, a senhora Bernard havia guiado o meu pai e até à sala, e o irmão da e sua namorada os seguiram indo atender ao seu pedido. me olhou discreta fazendo um sinal com a cabeça para que eu a acompanhasse à cozinha.
— Ah... – peguei o vinho de sua mão para disfarçar: — Deixe que eu lhe ajudo.
— Obrigada, .
Atravessei ao encalço dela a sala e após passar por uma copa americana, entramos no cômodo certo. deixou as flores numa bancada, eu coloquei o vinho também, e parados lado a lado nos viramos de frente um para o outro. Foi ali que me vi desprendendo o ar, e ela também, que logo soltamos numa risada conjunta e discreta.
— Céus ! Me perdoe! Eu não quis fazê-lo sentir-se numa armadilha! – ela dizia rindo e eu mais calmo, a acompanhava.
— De forma alguma , eu só... – a encarei sem palavras e ela riu ainda mais.
— Você só não esperava ser apresentado à minha mãe neste jantar com atmosfera de “conhecendo os pais dos namorados”.
— Pelo amor de Deus! Não é?! – eu falei alarmado concordando: — Por que raios o clima é este?
— Acho que é porque de fato, as coisas se tornaram um jantar de apresentação.
— Como?
— Eu fui pega de surpresa!
Ela falou indo até a geladeira e pegando uma travessa de porcelana com queijos e frios, e diferentes molhos e começou a arrumar enquanto me explicava:
— nunca falou ou apresentou Miley à mamãe, e bem, mamãe chegou de surpresa esta tarde! Eu não poderia cancelar nosso jantar e nem queria, então falei para ele trazê-la e já tornar o jantar uma apresentação formal.
— Entendo... Então, quer dizer que seu irmão nos deve uma? – perguntei divertido.
— É! – ela pôs o vinho para resfriar e constatou como se não tivesse pensado naquilo: — Exatamente ! nos deve uma! Ah, vamos logo... Pegue o arranjo de seu pai, por favor, e coloque na mesa de jantar da copa. Eu quero prestigiar o presente.
— Claro... Mas ... – a chamei discreto fazendo-a se virar delicadamente com a travessa em mãos e me olhar: — Não acho que devemos baixar a nossa guarda, há de fato alguma atmosfera aqui.
— É claro que não, minha mãe ainda vai constranger nós dois. Céus... – ela sorriu revirando os olhos: — Essa atmosfera de um mundo nos fazendo parecer um casal não nos abandona!
Eu apenas ri divertido, deixei o arranjo onde ela pediu e a segui discreto, logo a notando deixar os aperitivos sobre a mesa de centro de sua sala.
Quando me aproximei, papai estava numa poltrona sozinho, a mãe dela na outra ponta, em outra poltrona. e Miley no sofá próximo à mãe deles, e restou-me o lugar entre e seu irmão.
— Posso chamá-lo de , ou prefere Dr. ? – Meggie me perguntou.
— Como preferir senhora Bernard.
— Meg. Me chame de Meg, cher.
— Cher é “querido” em francês... Ela tem esse hábito de... Enfim... – sussurrou ao meu ouvido enquanto sua mãe falava.
— Eu vou igualmente romper as formalidades com você, tudo bem? – Meg perguntou-me.
— Ah... Claro, Meg.
— Ótimo! , eu dizia aqui antes de vocês retornarem da cozinha que seu pai, o senhor Isaac – ela encarou ao papai com um sorriso muito acolhedor e educado: — É um elegante e distinto homem, ao qual vejo de onde você herdou tanta graça.
— Oh... Obrigada Meg. ... – falei e de repente todos, sem exceções nem mesmo de , me encaravam curiosos.
Engoli meu nervosismo com o que poderia soar a frase e ouvi a risada presa de , que ia escapar-lhe se eu não dissesse algo logo.
— também diz que eu tenho... Essa... Este... A coisa dos hábitos britânicos.
Então riu, não conseguindo se controlar, mas de uma forma muito discreta.
— Ora... Com licença... Eu preciso dizer que estamos sentido uma atmosfera um pouco constrangedora aqui... – pronunciava-se: — E acredito que seja por minha culpa. Perdão senhor Isaac...
Ela virou-se ao meu pai que olhou-a sem entender, mas mantinha sua expressão leve e amena.
— Eu me esqueci de avisar ao , que em última hora decidi aproveitar o jantar para que meu irmão apresentasse sua namorada à minha mãe, que chegou nesta tarde da França. E está se sentindo constrangido com a possibilidade de atrapalhar, mas me perdoem! Eu deveria tê-los avisado, que hoje além do maravilhoso jantar inglês que teremos, nós também iremos comemorar as boas novas em minha família.
Encarei que estava vermelho de vergonha por sua irmã ter jogado a bola para ele, e parece que sua mãe recordou-se do propósito do jantar, onde sorriu e pegou de modo carinhoso, a mão de Miley. havia sido ótima devolvendo os holofotes a quem deveria.
Papai sorriu e num aceno gracioso de negação com sua cabeça, tranquilizou .
— Não há o quê desculpar, mademoiselle. De forma alguma. Eu quem peço desculpa pela nossa intromissão a um momento íntimo.
— Não é intromissão alguma, Senhor Isaac. Nós achamos agradável receber os amigos neste momento. – Miley proferiu dando reforço à .
— Bem, antes de tudo, assim como a senhora Bernard... Eu vos peço que rompamos as formalidades e me chamem de Isaac, sem o “senhor”.
— Ah com certeza! – Meg reforçou: — Sem senhores e senhoras entre nós, que tal?
Logo sorrimos sentindo a atmosfera amenizar e eu troquei olhares rápidos e divertidos com ao meu lado.
— Então, parabéns e Miley, pelo momento comemorativo. – meu pai disse e os demais agradeciam.
— De que lugar da Inglaterra, vocês são Isaac? – Meg perguntou.
— Berkshire. A senhora veio recentemente da França, não é?
— Sim, eu cheguei hoje para ficar. Meu esposo faleceu há alguns anos e desde que os meninos vieram para cá, tenho estado em Lyon com minhas irmãs. Mas, decidi vir à Los Angeles, ajudar e estar próxima dos meus filhos.
Meg e papai engataram numa conversa amena onde todos participavam e logo, Miley se tornou a bola da vez. Meg queria conhecê-la, estava curiosa, e papai muito comunicativo conduzia os diálogos como um mediador entre “sogra” e “nova namorada do ”, de um modo que deixava a todos nós confortáveis.
A pequena até então, alheia a tudo falando e brincando sozinha, se aproximou de mim, com seus brinquedos e pediu colo, então eu peguei a menina e me distraí com ela brincando baixinho. Ela estava sentadinha em minha perna, e eu fazia o elefante recém-ganhado falar, e não notei quando respondia ao meu pai, sendo agora ela o alvo. Não notei, até ouvir falarem de casamento.
— É as coisas são assim mesmo, ma chérie. – papai disse e eu comecei a prestar um pouco mais de atenção: — também queria casar, mas não aconteceu ainda.
— Eu o quê?
Perguntei a ele enquanto olhava se virar para mim, num sorriso tranquilo.
— falava ao seu pai do recente divórcio dela, e ele nos dizia que você ainda não se casou. – Meg respondeu-me sorridente como a filha.
— Ah... Sim... Eu costumava planejar que estaria casado desde cedo, mas ainda não aconteceu, como diria minha mãe, “a magia”.
— E eu estava dizendo à , filho, que acho uma bobagem nos prendermos a estas convenções atualmente.
Sorri entendo por fim, aonde papai queria chegar: acalentar com suas convicções modernas.
— Bem... – papai continuou: — Em minha época, quando cortejava a mãe de , as coisas eram diferentes. Casamento era uma instituição quase que... Quase não... De fato, uma responsabilidade social obrigatória. E recordo-me de uma vez, Amy, a mãe de , me dizer que nós tivemos a sorte de sermos apaixonados desde antes dos nossos pais nos apresentarem. Eu refleti sobre aquilo, e ela estava certa. Na busca pelos cumprimentos sociais, no caso o matrimônio, às vezes, não nos permitimos nem mesmo nos conhecer antes de conhecer ao outro.
— É uma bela reflexão, Isaac. – Meg concordou.
— Pois é... Então , se não deu certo, não sofra por isso se é que sofre. Viva seu namoro só consigo, e quando fores altamente apaixonada por si, encontrará outro amor. É o que eu acredito.
— É o que digo a ela também, pai. O verdadeiro amor nos encontra sob a ótica dos nossos olhos. – falei enquanto encarava se ruborizar emocionada.
— Olha... – disse pausadamente de forma que todos nos concentramos ao que ela diria, e sorrindo concluiu: — Que ingleses adoráveis eu fui encontrar.
Nós rimos e não demoramos a nos direcionar ao jantar, que foi realmente agradabilíssimo. Papai adorou o Wellington Beef, e eu sabia que não poderia ser diferentemente apetitoso se tratando de .
Então contamos sobre as compras em que eu a acompanhei no mercado gastronômico para todos, que sorriam e divertiam-se.
Miley e compartilharam algumas histórias e a senhora Bernard, foi quem mais nos fez dar boas risadas com suas histórias de Lyon.
A jantou conosco, mas logo sentiu sono, e meu pai perguntou à se poderia pô-la para dormir, contando-lhe uma história na sala. Fomos todos ouvir uma das histórias do vovô Isaac, – já que eu confirmei que meu pai tinha as melhores histórias mágicas que alguém poderia ouvir – que não demorou a embalar o sono da garotinha.
Depois que a menina dormiu nos braços da mãe, e nós estávamos a algum tempo sentados à sala numa deliciosa conversa, e levaram a para sua cama. Enquanto isso, Meg, Miley, papai e eu nos despedíamos.
— Ainda é cedo. Por que não ficam um pouco mais? – Meg insistia.
— Meggie, será um prazer retornar a visita outrora, mas amanhã cedo eu retorno à Berkshire. Estou muito feliz pela noite agradável. – papai disse.
— E eu estou igualmente satisfeita por tê-lo conhecido Isaac.
Neste momento, Miley e eu nos entreolhamos divertidos e cúmplices. Não sabia dizer se aquilo era um clima de cortejo – como diria meu pai – entre ele e a senhora Bernard.
— Volte sempre que estiver à América. – Meg falou despedindo-se gentil dele e se direcionou a mim: — E você rapaz... Eu sei que nos veremos de novo, não é?
— Com certeza Meg, eu sou fã da culinária do De La’ e o médico da sua neta. E espero que tenha gostado um pouco de mim também, porque será um pouco inevitável não nos encontrarmos.
Brinquei e ela deu uma risada alta e sonora.
— Eu não só gostei de você, como estou torcendo para lhe ver mais vezes, mon cher!
— Já estão indo? – perguntou surpreso ao se aproximar.
— Sim, amanhã levo meu pai ao aeroporto e sigo meu plantão. – respondi e despediu-se de nós.
— Onde está a sua irmã? – Meg perguntou.
— acordou e ela voltou a niná-la.
— Já estou aqui... – a voz de se fez ouvir: — Isaac... Isso é para você. A desenhou antes do jantar e acordou um pouco sonâmbula agora pedindo para lhe entregar.
Ela estendeu um papel cheio de garranchos coloridos ao meu pai, que risonho, levou o papel ao peito com gratidão.
— Dê-me seu telefone, . Assim posso telefonar e falar à pequena. Há problema? – papai surpreendeu-me com seu pedido à .
— De modo algum! Pode pegar o meu número com o e ligar sempre que quiser, minha pequena gostou muito do vovô Isaac, e é uma pena que tenham brincado por pouco tempo.
— Realmente, amanhã ela vai ficar triste ao saber que você não estará aqui. – Meg disse e nós concordamos um pouco lamentáveis.
— ... – papai se aproximou dela e eu estava absolutamente estranho com a forma como parecíamos nos conhecer, todos ali, há tanto tempo: — Muito obrigado pela noite incrível. Desde que Amy partiu, eu tenho vivido com meus irmãos e familiares em Berkshire. Com aqui, eu sinto... Que não me sinto tão em casa quando estou lá, mas hoje... Todos os instantes foram muito agradáveis e o seu prato... Eu não sei o que você fez, mas tenho certeza que Amy lhe ajudou no preparo daquele prato. Foi como estar em meu lar de novo.
Eu fui pego absolutamente de surpresa com a confissão emocionada do meu pai, e a lembrança da minha mãe fora de fato vívida. E quando notei, uma lágrima solitária escorreu por meu rosto enquanto todos nós observávamos meu pai e , abraçados em despedida.
Ela nos acompanhou até o lado de fora de sua casa. Eu apertei o alarme do carro, e papai logo entrou. Eu sabia que ele queria nos dar alguma “privacidade” e esconder-se de sua própria emoção. e eu rimos com aquilo.
— Está tudo bem? – ela me perguntou.
— Eu preciso mesmo dizer? Obrigado. – senti as lágrimas retornarem leves: — Eu nem sabia dos sentimentos dele desse jeito, mas hoje você proporcionou algo ao meu pai que eu jamais poderia.
Ela sorria emocionada e passou seus suaves dedos em meu rosto, limpando o vestígio de emoção que meus olhos deixaram.
— Eu simplesmente amei, conhecer ao seu pai, . – ela disse me olhando carinhosa: — E eu estou profundamente grata por você querer ter nos apresentado.
— Imagina... – respondi sem graça por ter chorado sem ao menos saber a razão.
— Olha, amanhã depois do plantão... Se der... – ela ponderou.
— Eu passo no bistrô sim. – confirmei e ela riu sem graça: — Eu telefono antes, tudo bem? Temos mesmo que repassar os melhores momentos deste jantar.
Eu falei e nós rimos cúmplices ao recordar as gafes do início da noite. Abracei de forma carinhosa, beijei sua testa e logo me virei indo ao carro.
Durante todo o trajeto de volta papai e eu, estávamos falantes sobre o quão nos divertimos. E também em como seria, a nossa próxima estadia juntos.
Papai nunca havia me revelado que se sentia só, da forma como confessou na casa de , desde que eu me mudei de Londres. E aquilo me preocupou bastante. Já em casa, eu fiz questão de organizar – embora ele tenha deixado tudo organizado – suas últimas bagagens, e insisti para ele ficar. Mas, ele disse que não podia, havia deixado algumas coisas a resolver com meus tios. Eu sabia que ele não aceitaria ficar sem antes ter planejado. Isaac era um inglês metódico. E eu um inglês perseverante: eu o faria vir mais vezes ou ficar de vez comigo.
Preparei um chá quente enquanto ele tomava um banho, também quente e preparava-se para dormir. Entrei no meu quarto, onde eu havia cedido minha cama a ele, embora sob seus protestos, e papai se ajeitava nela.
— Seu chá, papai. – entreguei me sentado ao seu lado.
— Obrigado filho... – pegou e bebeu um gole e sorriu-me: — Obrigado por me receber.
— Imagina pai. Eu queria mesmo que o senhor ficasse.
Ele sorriu com ar de sabedoria, e me entregou sua xícara. Coloquei-a em minha mesa de canto e o ajudei a se ajeitar e cobrir.
— Eu prometo voltar mais vezes. – ele me disse.
— Pai... Quando quiser, na hora que quiser, me fale. A minha casa sempre será a sua casa, então, se quiser vir morar comigo, eu vou ficar muito feliz. Sabe que eu quero isso desde que saí de Berkshire.
— , seu velho está bem. Não se preocupe. Eu gosto de Berkshire, e me emocionei hoje, apenas isso... Foi uma noite agradável, mas eu estou bem, não se preocupe.
— Promete que vai vir morar comigo se quiser?
— ... – ele riu discreto — Na hora que seu pai não puder mais ou não quiser, ficar na Inglaterra, eu virei fazê-lo dormir no quarto de hóspedes. Tudo bem?
Sorri mais tranquilo e abracei ao meu pai. Ele se deitou, eu o cobri um pouco mais, fechei as cortinas melhor, e recolhi a xícara. Quando cheguei à porta de meu quarto e ia apagar a luz, ele me chamou novamente.
— . – e eu olhei para ele, que me encarava de modo sábio com um grande sorriso e disse: — É ela.
Antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, antes que eu pudesse dizer “ela o quê?” ou “ela quem?”, o senhor Isaac já havia fechado os olhos e se virado para o outro lado. Então apaguei as luzes e saí.
Lavei a xícara, fui ao quarto de hóspedes me deitar, e antes de tentar dormir, não me contive.
: “Eu quero novamente dizer, que hoje foi incrível. Obrigado”.
E logo veio a resposta:
(Mãe - ): “Foi incrível mesmo, . Eu que agradeço. Te espero amanhã”.
Observei o nome dela salvo em minha agenda, e antes de adormecer de fato, apenas mudei sua identificação e recebi a nova mensagem.
: “Boa noite, ”.
. Apenas . Ela já não era a “, mãe da minha paciente”, há algum tempo. Então, olhei para sua mensagem uma última vez, e a respondi antes de adormecer:
: “Boa noite, até amanhã”.
Capítulo 20
(Quite Miss Home – James Arthur)
*capítulo narrado por Nicholas.
— Nicholas, você pode me explicar o que houve naquela cozinha?
Ouvi a voz baixa de Joe, parado ao meu lado enquanto observávamos o carro da distanciar-se. Olhei para o meu irmão e ele encarava-me com um semblante preocupado. havia ido embora depois de uma tarde como há muito tempo não tínhamos, e que me fazia lembrar a nossa amizade.
— Vamos entrar? – perguntei dando-lhe as costas e caminhando em direção à casa de Kev.
— Sabe que vai encarar uma multidão de perguntas agora, não sabe?
Apenas concordei com a cabeça. Mamãe certamente estaria sentada na sala com uma expressão nada amigável. Quando entramos, constatei que eu não estava de todo errado. Dani estava à cozinha com a Sophie, Alena, Valentina e Frankie. E na sala, mamãe e papai me aguardavam, além de Kevin e Joe que decidiram ficar ouvindo tudo igual quando éramos adolescentes, e eu iria tomar alguma bronca.
Sentei-me no sofá de frente aos meus pais, e já abaixei a cabeça aguardando o discurso da senhora Denise Jonas.
— Nick, você tem alguma ideia do que está fazendo? – mas foi o papai a começar.
Embora estivesse decepcionado, a voz do senhor Paul era doce e calma. Assim como o olhar dele, e da minha mãe que eu pude constatar após erguer a cabeça para encarar aquela pergunta. E como se a resposta fosse crucial, eles e meus irmãos me encaravam aflitos.
— Não. – respondi sincero.
A expressão de descontentamento do Kevin, o olhar de incredulidade do Joe, o suspiro do meu pai, e o pigarro da minha mãe fizeram-me notar que havia muita coisa errada na minha resposta e que eu não fazia ideia do quê, exatamente.
— Nicholas Jerry Jonas! Eu estou muito, muito exausta desta montanha-russa que tem sido a sua vida nestes oito anos! – mamãe falou.
— Nick... Você pode se abrir com a gente. – papai falou.
— Exatamente o quê vocês querem ouvir? – perguntei confuso.
— Nick... – mamãe respirou calma antes de continuar e me encarou com o olhar que eu mais detestava receber, falando com seriedade: — Você não estava lá. Vocês comemoraram o aniversário da e em seguida, você e sua equipe arrumaram as justificativas necessárias para você fugir, deixando a sua família totalmente louca aqui. E eu não estou falando de nós! Estou falando da e da sua filha!
— Eu não fugi mãe.
— Nicholas, vamos ser sinceros? – ela desencostou-se do sofá e me encarou brava.
Denise Jonas estava muito mais do que decepcionada. Estava envergonhada e eu odiava fazê-la sentir-se daquela forma. Meus irmãos não iriam opinar até que ela terminasse de falar, e bem, era melhor. Já bastava ouvir dos meus pais, o quão lixo eu vinha sendo. Não precisava que meus irmãos reforçassem aquilo.
— Você saiu em uma pequena turnê de trabalho e deixou que sua mãe cuidasse dos assuntos que envolviam a sua esposa e filha. Que sua equipe jurídica cuidasse de um divórcio meteórico, porque se bem me recordo, você não hesitou em nenhum momento mesmo quando todos nesta sala te imploravam para pensar com calma.
— Eu sei, eu sei...
— Me escuta Nicholas! Depois que eu falar e, eu vou falar muita coisa dura aqui, você junta as suas desculpas esfarrapadas!
Encarei minha mãe com uma expressão que eu nunca tinha visto, e percebi que ela estava se excedendo quando papai segurou seu braço e meus irmãos me olhavam pedindo que eu me calasse e só ouvisse.
— Desculpa mãe. – pedi e ela continuou.
— Nick... Foi tudo catastrófico. Do começo ao fim. E eu não quero julgar o fato de você ter se casado com a , porque já aconteceu e...
— E a senhora não tem que julgar eu tê-la escolhido, porque sabe que ela foi a melhor escolha que eu já fiz! – falei impaciente.
Não iria deixar que ela de alguma forma, buscasse a culpa de tudo na história real de amor que eu vivi com há oito anos.
— Eu não sei se ela foi a melhor escolha que você fez quando me deparo com o Nick Jonas. Talvez... Com o Nicholas, o meu filho, que eu eduquei para ser um homem honrado, ela tenha sido.
— Querida... – papai tentou interromper, mas ela o olhou com tanto furor que ele apenas suspirou e a deixou continuar.
— Você não viu o estado em que a ficou quando você simplesmente desapareceu deixando um papel assinado de divórcio. Ou como a mãe dela e eu tivemos que nos desdobrar, para fazer a suportar que ela não tinha sido a culpada de nada. Vocês dois se apaixonaram, casaram, e viveram uma sucessão de desastres e escândalos depois de dois anos juntos. E eu não sei o porquê de isso acontecer, realmente, mas aconteceu! E você não parou Nick, você não refreou os impulsos que minaram o seu casamento. Você só foi seguindo como se nada estivesse acontecendo. E o pior de tudo Nicholas, é que você não se abriu para a sua família. Seus irmãos, seu pai e eu, estávamos aqui para você o tempo todo. Mas, você só deixava rastros para limparmos.
Eu olhei para o rosto de todos eles, preocupados e com uma dor que eu tinha causado, e não evitei que as lágrimas caíssem.
— Me... Desculpe. – falei forçando a voz e encarando o chão.
— Nick? – meu pai me chamou e eu o encarei — Nós nunca iríamos te dar as costas, filho. Julgamentos iriam sim acontecer, porque este é o nosso papel, mas nós também estaríamos com você qualquer que fosse a situação. Como estivemos e estamos.
— Cara... – Joe se atreveu a interromper: — Lembra que nós terminamos a banda para o nosso melhor? Porque estávamos cansados e com sonhos diferentes? Kevin e eu sabíamos o turbilhão de coisas que o trabalho de “Nick Jonas” te agregava. Você não precisava ter medo de dividir com a gente todo o peso.
Eu estava me sentindo um idiota. Estúpido, burro, egoísta. Totalmente egocêntrico por achar que a minha família não conseguiria dimensionar o peso que era, assumir minhas escolhas. Então fugindo de mim, da verdade e do mundo, eu encontrei a .
— Quando... – antes que mamãe continuasse eu falei: — Quando eu encontrei a , eu tive nela uma confidente. Alguém totalmente alheio ao meu mundo, mas que se mostrava tão disposta a entender e me fazer sentir melhor... Eu não tinha aquilo com a Priyanka. A coisa com a Pri, vocês sabem, tinha marketing envolvido... A , não. A foi...
— Filho. – mamãe me interrompeu: — Nós sabemos de tudo isso. Não é querendo te impedir de falar, mas... O papel da foi muito nítido na sua vida, por todos que viam vocês. O que não era nítido para você, foi o papel que você tinha na vida dela. E não pense que ela não sabia os riscos, porque ela soube e os aceitou. Mas, Nicholas, não é para trás que você tem que olhar. É disso que queremos falar agora.
— O que sua mãe quer dizer Nick, é que... Você rompeu o casamento com a , viajou, e voltou acompanhado, então... O que você está fazendo? – papai perguntou.
— Eu não sei. – respondi pronto e rápido: — Eu não sei o que eu fiz ou o que estou fazendo e nem o que deveria fazer.
— Olha Nick... Eu estou cansada. E olha que eu sou a sua mãe. A levou tempo demais para se recuperar, e na verdade, ela ainda está se recuperando. A Priyanka está com você porque você quis isso, então... Só assuma as suas escolhas, tá?
— Mas, mais do que assumir filho... – meu pai falou me chamando a atenção: — Encontre o que você realmente quer.
— Eu acho tarde para você encontrar o que quer, de verdade! – mamãe bradou contrariando ao meu pai: — Acho que as consequências estão aí para serem encaradas, e é melhor que seja logo.
Eu me levantei e não suportando aquela conversa toda, fui até o barzinho da sala de Kev e peguei um uísque.
— E diminua com esses uísques e charutos! Você não é nenhum mafioso!
Minha mãe reclamou e eu pude ouvir Joe tentar acalmá-la, enquanto eu respirava fundo me preparando para encarar os três.
— Eu nunca traí a .
Falei somente e todos se viraram para mim, com expressões confusas.
— De todos os anos onde a era insegura e por minha culpa, eu nunca a traí com a Priyanka e com ninguém. Mas, em dezembro, quando retornei da última turnê, ela tinha uma fotografia que provava o contrário. Mas, eu não lembro. Eu não sei o que houve exatamente. Fui até a Priyanka depois de brigar com ela, e ela confirmou o ocorrido.
— Você já nos contou tudo isso, naquela noite mesmo Nicholas. – minha mãe disse incomodada por ouvir de novo aquela história.
— É, mas o problema é esse, mãe! Eu não consegui lembrar nem mesmo depois, eu só me sinto um lixo humano. E sentindo-me assim eu fui tomado de tanta culpa que eu achei que a melhor coisa era deixar a se recuperar. Eu havia sido tóxico para ela como eu era pra mim quando a conheci! E pior... Eu envolvi a Priyanka nisso tudo, então eu tinha que me redimir de alguma forma!
— Se redimir assumindo um relacionamento que você não queria Nicholas? – papai perguntou frustrado.
— Eu achei que era o certo, assumir minhas culpas e com o tempo eu iria esquecer a , corresponder à Priyanka...
— Acontece que a nunca poderá ser esquecida, Nick, porque ela sempre será uma parte da sua vida. Vocês tem uma filha. – mamãe falou.
— É, eu descobri isso quando retornei esses meses e tive que... Encarar que ela ainda está aqui.
— Aqui onde? No seu caminho ou no seu coração? – Kevin perguntou fazendo com que todos nós, assustados o encarássemos.
— Eu... Eu acho que no meu coração.
— Acha? Nicholas, por Deus, meu filho! Você precisa ter certeza! – mamãe ficava ainda mais nervosa: — Essa mulher foi ao fundo do poço e você não pode aparecer agora, depois que ela chegou à metade da subida, e convidar ela para descer de novo com você!
Minha mãe fez silêncio, pediu licença e saiu da sala com meu pai que fez o mesmo. Joe se aproximou tocando meu ombro e Kevin também, sentando ao meu lado.
— Nick. Você está arrependido? – a pergunta de Joe soou como algo que eu jamais queria ouvir.
— Eu não queria estar separado dela, mas... Aí eu vejo o quanto ela está bem sem mim...
— Ela não está bem sem você. Ela está tentando ficar bem sem você, e ela vai conseguir porque é natural que nós nos recuperemos de decepções para escolher viver por nosso amor próprio. – Kevin falou.
— Nossa Kev. Valeu... – o olhei contrariado e irônico pelo peso das palavras: — Você sempre ficou do lado dela.
Meus irmãos riram, e logo Joe complementou Kevin. Algo que eu também não esperava.
— O que ele quer dizer, é que a está tentando lidar com tudo a mais tempo do que você, Nick. E isso a faz estar a sua frente.
— Sem falar que a vida simples dela, ela pôde ter de volta, então... Não é como se logo, logo, ela não fosse ver as vantagens. – Kev afirmou.
— Vocês estão tentando me fazer sentir melhor ou pior?
— Cara... Nós só estamos sendo sinceros aqui: o que fazia o mundo de vocês se unirem era o amor um pelo outro. O amor era a vantagem dos dois.
— Odeio, simplesmente odeio, a maneira como você se tornou um homem perfeitinho, Kevin. A exata cópia do papai.
— E você é impetuoso como a mamãe. – Joe falou rindo.
Foi impossível não rir com eles, mas virei meu uísque com certo peso na consciência.
— E agora? O que eu faço Jonas Brothers?
Perguntei aos dois que me olhavam com pena. E eu nem poderia reclamar, porque eu era realmente digno de pena, do começo ao fim.
— Acho que você deveria por na balança uma pergunta: por que você trairia a com a Pri naquela viagem?
— Foi um deslize Joe. – falei.
— Tudo bem, mas o Joe está certo. Por que naquele momento? Que sentimentos você tinha pela Priyanka? Foi só por causa do álcool? O que aconteceu pra te fazer perder a noção? Ou isso foi só o seu verdadeiro caráter falando?
Encarei Kevin com raiva. Ele realmente estava pegando pesado e Joe saiu em minha defesa.
— Kev, vai com calma cara... – Joe disse rindo.
— Não Joe, eu estou falando sério. Que tipo de homem apaixonado trai a mulher e não sabe o motivo? – Kev me perguntou diretamente. — Aonde quer chegar com isso, Kevin? – perguntei.
— A Priyanka, Nick. Ela te contou como foi? Ela deu detalhes? Ou você só pegou aquela foto que a te esfregou e se deu por convencido?
— Kev, você está insinuando que a Pri mentiu pro Nick? – Joe perguntou alarmado e eu também fiquei.
— Não Joe, eu estou dizendo que eu vi a foto. E não tem nada além do Nicholas sem camisa dormindo com uma Priyanka seminua. E eu não duvidei que fosse nada diferente do que se faz insinuar ali, mas... O idiota do Nick veio falar que mesmo agora, meses depois de estar com a Pri, ele não se lembra de nada. Não é estranho?
Kevin falou e eu só escutava Joe e ele discutir sobre como e por que, ele viu a foto, enquanto minha cabeça divagava nas palavras recém-ouvidas do Kev.
— Eu fui visitar a na ocasião, você sabe que eu sempre fui próximo a ela quando se trata do Nick. – ele respondeu ao Joe.
— E eu não? – Joe perguntou contrariado e a minha cabeça girava.
— Sei lá, Joe! Você foi visitar a ?
— Não Kevin! Eu estava morrendo de vergonha pelo Nicholas.
— Então não me cobre nada. Eu hein!
— Vocês dois! – falei alto, confuso e contrariado: — Vocês... Parem... Vocês... Acham que ela mentiu pra mim?
— Nick, o que exatamente você se lembra?
— De voltar bêbado ao quarto do hotel, Pri me ajudar com as medicações, e depois de conversar um pouco, eu... Sentir muito sono, e ela se aproximando.
— E o que mais? – Joe perguntava já me encarando como um idiota.
— Não tem mais. Só isso. O resto das minhas memórias é sobre eu acordar de manhã, e pegar o voo de volta para casa.
— Tá, e aí a te recebeu daquele jeito, te mostrou a foto, você foi até a Pri, e ela te contou tudo? – Kevin perguntou.
— Não, ela... Ela disse que nós dormimos juntos e pediu desculpa por estar bêbada. Mas, eu não toquei mais naquele assunto. Fui embora com raiva, pra minha casa. E depois de uns dias a pediu pra eu voltar pra nossa casa porque era a data próxima do aniversário da , festas de Natal e que aquela não seria a melhor maneira de tratar tudo no momento.
— Aí vocês fingiram estar tudo bem naquele final de ano, e em janeiro você contou tudo para nós com o pé na porta pra sua viagem de trabalho. – Kevin constatou me olhando como um irmão mais velho vendo o irmão caçula fazer merda.
— Isso.
— Tenha misericórdia Nicholas! – Joe bradou — Você não era assim tão burro, era? Sair de casa, assinar um divórcio, sem ao menos entender direito a situação e lutar pra recuperar tudo? Nem recuperar, mas... Você entende que você simplesmente deixou a acreditar numa situação que nem você sabe se aconteceu?
Joe andava de um lado para o outro na sala me encarando desesperado. E então minha ficha caiu.
— Eu não... Eu abri mão dela, facilmente. – constatei e eles me olhavam com incredulidade. — Não acredito que fiz isso!
— E agora volta da sua viagem sabática cheio de razões, achando que pode cobrar alguma coisa da , fazendo-a se sentir pior.
— Kevin você não está ajudando! – falei nervoso com a raiva crescente.
— E pior! – Joe falou no mesmo tom do Kevin: — Brincando com os sentimentos dela, tentando agarrar a na cozinha! Eu vi, Nicholas! Eu vi.
Joseph de todos parecia o mais revoltado pela cena de um possível “retorno” entre e eu.
— Cala a boca Joseph. Aliás, calem a boca os dois. – falei me levantando confuso.
— O que você vai fazer? – Kevin perguntou.
— Eu não sei.
— Ah Nicholas, vai se ferrar. Você não tem outra resposta? Quer que eu dê um jeito nisso pra você, igual me pediu quando fui convidar a ao...
— Cala a boca Joe! – gritei com ele.
Joe estava me dando nos nervos, Kevin também. Eu estava com ódio de todos e muito mais de mim, e com nosso pequeno desentendimento, Dani, Sophie e meus pais se aproximaram. Eu apenas peguei minhas coisas, a chave do meu carro e saí sem me despedir. Entrei no carro batendo a porta, colocando uma música para tocar alto, e acelerando sem decidir se iria até Priyanka, ou se fugiria pra qualquer outro lugar.
As memórias repassavam em minha cabeça como um filme. Toda a cena daquela noite parecia um dramalhão mexicano, e eu era o ator burro, mais do que a mocinha que se deixa enganar.
Quando me dei conta, já estava na rota para meu apart-hotel, e só depois que cheguei, ao subir o elevador, me lembrei de que Pri havia viajado. Joguei as chaves sobre a mesa, e me joguei no sofá. Minha cabeça latejava. Peguei meu celular no bolso da calça, e fiz a única coisa que poderia fazer aquela noite.
Nick: “Quando você volta?”.
Pri ♥: “Aconteceu alguma coisa?”.
Nick: “Quando?”.
Pri ♥: “Espero que o assunto que me parece sério demais, possa esperar dois dias. E Nick... Eu não esqueci a cena de hoje...”.
Nick: “Me ligue quando estiver de volta”.
Eu não queria ouvir falar de Priyanka, e só de pensar que ela poderia ter mentido para mim, eu sentia a mesma raiva daquela noite me dominar. Eu estava mais do que devastado por tudo aquilo. Se por culpa dela, eu houvesse cometido aquele erro gigantesco com a , deixando-a destruída por um divórcio que não era necessário, eu certamente não conseguiria lidar com Priyanka de novo. Não era possível, que eu deixei aquela mulher se meter no meu casamento tantas vezes, até destruí-lo.
estava certa, e mamãe também: eu não sabia lidar com meus problemas, e isso me fazia covarde o suficiente para sair correndo.
Depois que eu tomei banho, me preparava para dormir na tentativa de me distrair com um filme qualquer, mas foi inútil. não saía da minha cabeça. As palavras dos meus irmãos e pais não saiam da minha cabeça. Priyanka, e a noite que, agora posso dizer, supostamente eu traí à , também não saía da minha cabeça. Pensamentos demais, para paciência de menos.
Repensei na tarde que tive com a . Nós fomos muito bem, naquele convívio. E eu havia me disposto aquilo: ser um pouco menos detestável se fosse possível. Por isso, enfrentei a discussão com Priyanka sobre “eu não tenho que evitá-la, eu estou no meu lugar” com mais sensatez do que normalmente teria, e fui sincero com ela quanto a me importar que não se sentisse desconfortável sem necessidade. Achei que Pri teria entendido, mas quando ela surgiu de surpresa na casa do Kev, eu senti tanta, mas tanta raiva...
— O que está fazendo aqui? – eu a perguntei surpreso e descontente.
— Ora, Nicholas! Você me disse que estava na casa do seu irmão com todos, eu não podia vir?
— De forma alguma Priyanka, imagine. – Dani sorriu sem graça e foi cumprimentá-la, assim como todos os outros.
— Tudo bem ?
Ela perguntou para minha ex-mulher depois de cumprimentar a todos, com seu sorriso de tranquilidade em seu rosto. Eu não sabia definir, se Pri estava a confrontando ou não, mas ao notar a expressão de eu soube que ela estava tentando se fazer inatingível. continuou mexendo com as lembrancinhas de aniversário que preparava, mas estendeu-lhe uma mão simpática em cumprimento. Todos os gestos de demonstravam uma luta interna para não se sentir constrangida.
— Tudo ótimo, Chopra. E com você? – respondeu-a séria, mas amena.
— Não precisa dessa formalidade, pode me chamar de Pri ou Priyanka.
— Como preferir, Priyanka.
Eu não poderia esperar que a Priyanka puxasse uma cadeira e sentasse ali, a fim de forçar a convivência que eu havia dito para não forçarmos. Na verdade, eu não conseguia fazer uma leitura das intenções da Priyanka, como conseguia fazer com as intenções de . Eu peguei a mão de Pri e a guiei até a sala, deixando os outros silenciosos à copa.
— Por que você veio? – perguntei impaciente.
— Por que você acha que eu vim, Nick?
Pri perguntou de volta com sua expressão de sabedoria, que eu detestava. Fazia-me sentir uma criança perto dela.
— Eu disse que não quero expor a a isso agora.
— “Isso” que você diz, sou eu?
— Não começa Pri...
— Porque se for, Nick, você já a expôs a mim, e a coisas muito piores antes. E diferente do que está pensando, eu não vim para confrontar a . Tivemos algumas divergências, mas acredito que ela seja muito mais madura do que você pensa, e eu também.
— Então o que está fazendo aqui, afinal? – perguntei com as mãos à cintura ainda mais impaciente.
— Vim para avisar a você que estou saindo em viagem a trabalho. Vai ser por pouco tempo. E antes que você me faça ficar mais brava por palavras usadas sem o menor cuidado, sua especialidade, aliás, eu te adianto que tentei telefonar. Mas o seu celular é para enfeite, não é?
Eu me senti tão ridículo e ainda assim bravo que fiz o que faço de melhor: ser um idiota.
— Você não precisava vir até aqui, poderia ter viajado e me ligava quando chegasse.
A expressão de Priyanka passou de superior – como uma mãe irritada com um filho adolescente – a um grande desgosto.
— Nós tínhamos um jantar hoje. Eu não quis simplesmente sumir e dar o bolo em você, por isso eu fiz questão de avisá-lo. Mas, que bom saber que você nem mesmo se lembrou do nosso jantar.
A minha expressão de vergonha não precisaria de palavras.
— Nick... O que está acontecendo? Por que você está me olhando como se eu fosse a sua inimiga que chegou aqui para constranger, ou competir com a sua ex-mulher?
— Não é isso, é só que... Estava tudo bem até...
— Até eu chegar? – ela me interrompeu — Ou até você reagir como se fosse um absurdo eu estar aqui?
— Priyanka, não venha com essa! Você entrou lá sendo rude com aquela história de “ser a primeira”! Realmente acha que todos interpretaram que você estava sendo inocente?
— Eu confesso que senti ciúme quando vi a daquele jeito, no meio da família, e com a Tina...
— Entenda Priyanka! – a interrompi — O lugar da na minha vida ou na vida de toda a minha família, não será preenchido por mais ninguém mesmo que ela não esteja lá.
— Ok... – ela murmurou com a boca entreaberta em choque, e os olhos semicerrados de raiva — Já entendi Nicholas. Na verdade, eu entendi isso há anos! Vou me despedir de todos.
— Priyanka espera. – pedi com raiva.
Ela saiu da sala me dando as costas sem o menor sinal de paciência. E eu só pude bufar e olhar para o chão com a sensação de que não sabia o que havia feito. Cocei a nuca e retornei para a copa para ouvir mais reclamações de todos e me desculpar com a .
Aquela conversa com a Priyanka foi completamente sem tato sensível. Eu realmente sou uma retroescavadeira quando se trata de mulheres. Pensando na conversa com a Pri, relembrei os momentos com na cozinha. Foi tão agradável! Eu pude ficar perto dela de um modo que sentia falta. E não posso ser hipócrita em dizer que eu não quis realmente seduzir a tentar ceder. Mas, o que eu estava fazendo?
Mamãe e todos tinham razão em ficarem enfurecidos comigo. Eu não havia escutado tantas verdades numa tarde só, e de todos os lados. Eu precisava mudar a minha postura. tinha razão, de novo, quanto a eu precisar me bastar antes de procurar satisfação nos meus relacionamentos, mas eu não sabia como e na verdade, nem quero. Não quero ter que enfrentar o meu Nicholas interior, eu não sei se vou ficar feliz com o que eu ver. A única coisa que eu posso ter certeza agora é que depois daquela tarde, eu descobri que simplesmente abri mão do meu casamento sem lutar.
E descobri outras coisas importantes também como: estava me esquecendo aos poucos e eu não podia permitir aquilo, porque também descobri que eu ainda a amo. E o problema estava num detalhe que eu não poderia mudar: ainda que me amasse, não desejava tentar de novo, e eu não poderia obrigá-la a nada. Então, eu não sabia como lidar, mais uma vez, com os nós que eu mesmo causei.
Desliguei a televisão e fui para o quarto. O filme não tinha me feito esquecer nada, e eu só deixaria de pensar em tudo se conseguisse dormir. Talvez em sonhos eu descobrisse como lidar com a suposta mentira da Priyanka, o relacionamento relâmpago que entrei com ela, com o fato de eu amar e querer a minha família de volta, e com o fato de que não quisesse a mesma coisa. E claro, ainda teria que aprender a lidar com a minha principal ameaça: , o favorito de todo mundo. E de certa forma, até eu prefiro ele. Ele é muito melhor do que eu em muitos aspectos, mas preferi-lo não significa que eu não tentaria ser o melhor para , e tê-la de volta. Se eu realmente a tivesse perdido, eu ficaria tranquilo em saber que ele estaria no meu lugar. Mas, aquilo não aconteceria, porque este é um pensamento do Nicholas interior. Aquele que eu evito confrontar, por saber que é sensato demais para o Nicholas exterior que não quer fazer escolhas.
Capítulo 21
(Quite Miss Home – James Arthur)
*capítulo narrado por Nicholas.
Eu não me recordo em que momento adormeci, mas acordei na manhã seguinte com algumas lembranças à mente. E não, as soluções não vieram em sonho. Não, eu não havia sonhado nem mesmo com a realidade. Todas as constatações anteriores eram reais. E quando chego a conclusões, eu também busco resolvê-las logo, ainda que as minhas conclusões possam estar erradas ou não. Foram exatamente as lembranças que amanheci à memória, que me fizeram encarar a impessoalidade absurda daquele apart-hotel. Por que eu ainda estava ali?
I’m in the kitchen while you smoke outside
(Estou na cozinha enquanto você fuma lá fora)
You’re careful not to let the smoke inside
(Você toma cuidado para não deixar a fumaça entrar)
I always tell you it’s poison
(Eu sempre digo que isso é veneno)
But I know it helps you take the edge off the day
(Mas eu sei que ajuda a aliviar o estresse do dia)
Levantei-me da cama com certo esforço e uma dor de cabeça maldita. Liguei o aparelho de som e o conectei ao meu aplicativo musical, numa playlist aleatória do próprio programa. E nem mesmo o universo conspirava para eu esquecer as minhas memórias. A primeira estrofe de James Arthur me fazia enxergar no espelho onde eu me encarava, os dias vários, em que reclamava por eu fumar charutos que ela odiava o cheiro. E mesmo assim, ela entendia que aquele vício me fazia aliviar o estresse. Então, ela me beijava mesmo assim.
(Todas essas memórias parecem comoventes)
I won’t be there to see the snow melt away
(Eu não estarei lá para ver a neve derreter)
A frase cantada por James “eu não estarei lá para ver a neve derreter” me trouxe memórias novas. Eu só me dei conta ali, de que o último natal em família aconteceu, e eu não brinquei com a na neve. E nem com a . Na verdade, eu nem vi o Natal. Estava lá fingindo ainda ser uma família, quando o que eu queria era sair correndo e chorando. Sentia-me ultrajado, cansado, e culpado. Tudo ao mesmo tempo, num misto de sentimentos que eu nunca aprenderia a suportar.
Terminei de escovar os dentes, e fui preparar meu café da manhã, solitário. Enquanto cantarolava a música, que por sinal, eu poderia até gravar. Parecia que foi escrita totalmente para mim. E quem diria que eu estaria algum dia sofrendo não de amor, porque aquilo era comum a mim, mas sofrendo pela minha irredutível certeza em ter razão e me descobrir equivocado. E isso, enquanto preparava um café, cantando James Arthur, na cozinha de um apart-hotel?
(Ah, sim, eu estive em negócios)
I’ve gotta make some Money
(Eu tenho que ganhar algum dinheiro)
I really feel the distance
(Eu realmente sinto a distância)
E ao mesmo tempo em que cantava, movimentando-me preguiçosamente pela pequena cozinha impessoal demais, eu refletia naquelas palavras e memórias que insistiam em me atormentar àquela manhã. Será que eu fui claro o suficiente naqueles anos todos de casamento, do quanto eu sentia a distância de casa, da e da enquanto trabalhava?
(E eu sinto muita falta de casa)
And I miss you telling me
(E eu sinto sua falta me dizendo)
To leave my shoes at the door
(Deixar meus sapatos na porta)
‘Cos you just swept the floor and the dirt drives you crazy
(Porque você acabou de varrer o chão e a sujeira te deixa louca)
Yeah, I quite miss home
(Sim, eu sinto muita falta de casa)
‘Cos it feels like poetry
(Porque parece poesia)
When the rain falls down on the window
(Quando a chuva cai na janela)
While you’re in my arms and we’re watching the TV
(Enquanto você está em meus braços e estamos assistindo TV)
Yeah, I quite miss home
(Sim, eu sinto muita falta de casa)
Yeah, I quite miss home
(Sim, eu sinto muita falta de casa)
FLASHBACK
— Nicholas eu não acredito que você está fazendo isso! Eu acabei de limpar todo o chão!
gritava com as mãos na cintura enquanto eu sorria sem graça encarando as pegadas de lama atrás de mim.
— Perdão amor! Perdão! – comecei a retirar minhas botas e me justificar: — Eu preciso pegar o machado, está em algum lugar daquele quartinho no fundo da cabana.
— Eu pego. Fique bem paradinho aí!
— O quê? Você com um machado depois de eu ter sujado o chão? Não, amor, má ideia. – zombei a observando seguir para dentro da cabana.
O clima estava frio e chuvoso, e certamente pelo tempo que aquela cabana de madeira havia ficado fechada, a quantidade de sujeira que havia limpado seria uma boa justificativa para um homicídio. Eu estava limpando o quintal da frente, e depois de reunir algumas lenhas, precisava quebrá-las para aquecer a lareira.
— Vai cortar as lenhas? – perguntou já calma, se aproximando de mim, com o machado na mão — Calce as botas, está frio.
— Desculpe amor, eu não queria sujar o chão. – puxei-a num beijo — Eu vou lá fora terminar, e se quiser eu limpo tudo aqui que eu sujei quando acabar.
— Não, tudo bem, eu limpo. Volte ao seu serviço. Embora eu ache que não vamos precisar de nenhuma lareira, já que mais tarde vai ficar bem quente aqui...
respondeu-me sugestiva e saiu andando despretensiosa para dentro da cabana enquanto eu sorria. Estava feliz por ter conseguido finalmente um momento de pausa do trabalho para viajar com naquele inverno. E por mais quente que tenhamos tentado fazer as nossas noites naquela curta temporada de descanso entre nós, a lareira foi muito útil para os momentos em que ficávamos jogados ao sofá entre cobertores, abraçados ao som da TV e da chuva que caía na janela.
(Eu sinto seu cheiro cozinhando na sala de estar)
And then I tell you that I love your food
(E então eu digo que amo sua comida)
I know it doesn’t come easy
(Eu sei que não é fácil)
But you know it reminds me where I’m from
(Mas você sabe que isso me lembra de onde eu sou)
— Nick? O que houve? Não era para estar a caminho de uma entrevista? – a voz dela, atarefada, e o som das panelas denunciava na ligação que estava no restaurante.
— Eu ainda tenho meia hora antes de sair para a emissora, decidi descansar um pouco, mas...
— Mas? – perguntou preocupada — Aconteceu alguma coisa?
— Me trouxeram uma comida horrível hoje, e nenhuma das camareiras tem o seu cheiro.
— Ah, que bom então. – ela riu divertida, seu humor parecia ótimo — Porque eu não me sentiria muito bem em saber que há uma cópia minha tão perto de você.
— Eu sempre vou preferir a original, fique tranquila. Aliás... Como estão as coisas?
— Ótimas, amor! O restaurante está cheio!
— Eu fico feliz. Parece que seu humor está muito bom também. Algo especial?
— Sim! Ouvir a sua voz.
Ela respondeu e eu pude perceber o meu primeiro sorriso sincero naquele dia.
— , eu te amo. Eu sinto muito a sua falta. Eu queria muito estar aí e ser um marido normal. Me desculpe.
— Nick, eu te amo também e não se sinta culpado. No futuro quando tivermos uma porção de filhinhos correndo no restaurante, você vai pagar tendo que trabalhar aqui comigo. – ela brincou.
(Ah, estou em outra cidade)
I got nobody with me
(Eu não tenho ninguém comigo)
And it just hit me
(E isso me atingiu)
— Nick! Tem uma pessoa aqui querendo falar com você.
Observei Spencer entrar ao camarim, após aquele show, com uma expressão mais preocupada do que o normal e em seguida Priyanka passar pela porta. Levantei-me do sofá, onde estava deitado e sentei. O que ela fazia ali?
— Priyanka? Aconteceu alguma coisa?
— Oi Nick. – ela disse sem graça e veio, cautelosa, me abraçar — Eu só não consegui esperar esta sua turnê relâmpago acabar para saber como você está, já que não responde minhas mensagens ou chamadas desde...
— Priyanka...
— Não Nick. Me escute, por favor. – ela me interrompeu — Eu me sinto tão, tão culpada pela sua infelicidade de agora... Eu não pensei direito quando...
— Pri. – interrompi — Eu fui o único culpado porque eu era o único comprometido a alguém.
— Mas, fui eu que enviei a foto para ela.
— E o que vai mudar agora se nós brigarmos também? Eu que não deveria ter feito nada.
Ela me encarou pesarosa e fugiu o olhar quando eu a encarei.
— Você conseguiu se lembrar do que aconteceu? – ela perguntou envergonhada.
— Não. Consultei até um médico, e ele disse que pode ter sido uma amnésia alcoólica e que isso é comum. Em todo caso, lembrar não vai ajudar em nada. Eu errei, e a descobriu. Mas, o que me deixa com tanta raiva é que ela não hesitou! Foi só ter uma pequena comprovação de um suposto crime, que ela mal me recebeu em casa. Apenas... Enfim... Deixa para lá.
— Vocês conversaram no Natal?
— Não. A conversa foi naquele dia, ela decidiu que era melhor nos separarmos. Disse que estava cansada por todos estes anos, e eu... Eu não tenho direito de voz, não é?
O silêncio da Priyanka respondia o que eu já lidava como verdade absoluta.
— Ficamos juntos no Natal por causa da e do aniversário dela, mas... Acabou. Eu vim para a turnê e dei início ao processo de divórcio.
— O quê? – Priyanka perguntou surpresa — Você deu entrada com o divórcio e saiu em turnê?
— Eu não posso parar a minha vida, não é? – falei bravo.
Na verdade, estava furioso comigo e não com a Priyanka ou a .
— Nick... Mas, tem a e...
— Priyanka o que você realmente veio fazer aqui? – perguntei direto.
— Eu queria...
— Queria informações. Já as teve.
— Nossa, Nicholas! Você não tem que descontar em mim a sua frustração. De novo, aliás, já que por anos tem sido assim, não é? – ela falou acusadora e firme.
— Desculpa Pri... É que eu realmente não quero falar da tá? Acabou. E eu estou pronto pra retomar a minha vida com muito trabalho.
— Entendo... – Priyanka disse e se levantou — Bem, eu vou ficar na cidade até acabarem os seus shows aqui.
— Ok, legal.
A expressão de descontentamento dela era tão nítida que eu já sabia o que ela pretendia, mas antes que eu dissesse qualquer coisa, ela terminou:
— Eu sei que ainda é cedo para falarmos de qualquer coisa entre nós, mas... Eu realmente ainda quero tentar te fazer feliz Nick. Eu sempre quis, você sabe.
— Pri, eu não posso...
— Não estou cobrando nada Nicholas. – ela me interrompeu — Eu apenas estou dizendo que, eu estou esperando por você e que estarei na cidade nestes dias se precisar de mim...
O olhar dela era tentador, embora escondido num sorriso de ingenuidade. Eu sempre soube que ela me amava, e mesmo assim eu não consegui afastá-la. Gostava do modo como nos divertíamos juntos, como éramos amigos de um mesmo mundo de holofotes, que se entendiam e se davam muito bem.
Sem falar na maturidade. Maturidade era o que eu mais admirava numa mulher, e não à toa me casei com a , que além de um pouco mais velha, era incrivelmente forte e madura. E só percebi o quanto perdeu a sua força, quando me lembrei da noite em que terminamos. Aquela mulher fria, acuada e triste não era a minha . Priyanka ali na minha frente era muito mais fiel à mulher que eu amei um dia do que à dos últimos meses.
— Entendi Pri... Eu entendi. – falei sorrindo sincero — Eu vou pedir ao Spencer para te levar.
— Não é necessário. Eu estou com motorista, e passei realmente bem rápido para saber como você estava. Já incomodei muito o Spencer hoje.
— Ele sabia?
— Falei com ele mais cedo sobre me arrumar uma entrada.
— Hm...
— Até mais, Nick. – ela veio até mim e beijou o meu rosto e eu correspondi com um abraço.
— Obrigado por vir.
Priyanka saiu, eu voltei a me deitar no sofá até a minha equipe dizer que estavam prontos para quando eu quisesse voltar ao hotel.
O que me despertou de todas aquelas memórias nem foi a música que já havia acabado. Foi o cheiro dos ovos queimando na frigideira e a fumaça de um quase, início de incêndio. Desliguei o fogo e meti a frigideira embaixo da água. E bufei num riso irônico: eu só sabia fazer lambança.
Estava cada vez mais difícil conviver comigo. Eu não estava mais suportando meus pesos e culpas. A “porção de filhinhos correndo no restaurante” não aconteceu, e eu não poderia cumprir a promessa de ter uma vida pacata e minimamente normal ao lado da . E todos os erros que brilhavam como letreiro luminoso diante dos meus olhos apontava para uma palavra: negação.
Eu neguei todos os conflitos que eram verdadeiramente importantes de serem encarados. Estava sempre fugindo de alguma coisa para me sentir confortável, desde fugir dos trabalhos com férias improvisadas de casal, até fugir do término metendo a cara em trabalhos. Então chega.
Como meus pais e irmãos, e todo o restante possível de pessoas a minha volta dizia, era o momento de parar de fugir, e realmente encarar a vida que eu tinha. Vida esta que eu tracejei. A começar, por sair daquele apart-hotel desnecessário e impessoal.
Minha casa em Los Angeles ainda estava fechada, e bem... Por mais que pudesse me lembrar de momentos da minha vida antes da , eu precisaria encarar aquilo. Até porque as lembranças vinham me perseguindo há um tempo. Eu precisava organizar o quartinho da na minha casa também! Eu precisava ser pai! Caramba... Eu precisava ser um pai melhor.
Em seguida, eu precisaria conversar com Priyanka abertamente. Eu não poderia ter dúvidas entre nós, desconfianças ou usar um relacionamento para encobrir frustrações. Já havia feito aquilo por tanto tempo que sabia aonde iria dar. Até mesmo me disse o mesmo.
Eu precisava me dedicar a recuperar as coisas perdidas que eu não deveria ter perdido, como a banda com meus irmãos, os amigos, a rotina controlada, e a minha família. Como e que tipo de família seria, eu só saberia no futuro até porque, se tratando disso não dependeria apenas de mim. E aquele era um grande aprendizado conquistado: assumir que algumas coisas não dependem exclusivamente da minha vontade.
Fiquei sem tomar café e fui me arrumar para conquistar a minha vida de volta. Começando pela mudança, precisava urgentemente voltar para algo próximo de uma casa, com a minha cara, com as minhas coisas.
— Joe? – telefonei ao meu irmão.
— Hey Nick! E aí, está melhor?
— Estou me mudando, preciso de você, do Kev, e talvez das meninas.
— O quê? Como assim Nick? Você conversou com a Pri?
— A Pri está viajando, e quando ela voltar nós vamos conversar, mas eu estou retornando com a minha vida para o lugar Joe.
— Ahn... – a voz dele era confusa e surpresa: — Tá legal... O que eu tenho que fazer?
— Preciso de ajuda com o transporte pra levar as coisas de volta a Los Angeles amanhã. Hoje, eu vou encerrar as contas aqui no hotel, e empacotar tudo.
— Certo. Eu posso meter a mamãe nisso? Sabe como é, ela pode ajudar melhor.
— Eu não queria incomodar ela com meus problemas de novo. Acho que não vai adiantar nada ela sair de Jersey para cá. Você e o Kev são ajuda suficiente.
— Beleza, se adiante aí então. Vou convocar o Kev e a Dani.
— E a Sophie.
— Ela ouviu nossa ligação. – ele riu.
— Fofoqueiros.
— Amanhã que horas?
— De manhã, umas nove horas tá tranquilo?
— Está sim. Começou bem a segunda-feira, hein irmão?
— É... Eu acho. Bem, nos vemos amanhã Joe. Até mais.
Depois que finalizei tudo com o hotel e havia empacotado as minhas coisas e as de Priyanka, na manhã seguinte era terça-feira, e com a ajuda de Joe, Kevin, Sophie e Danielle, levamos tudo para Los Angeles (LA). Joe havia arrumado uma camionete alugada, e eu não sabia o motivo para, mas chegou dirigindo com um chapéu de cowboy e uma Sophie de tranças laterais. Eu iria perguntar a razão para aquilo, mas era o Joe, então não fazia sentido perguntá-lo. Havia o feito por ser divertido somente.
Kevin explicou para o Joe que eu quis dizer para eles levarem seus carros e me ajudarem com o transporte, e não para ele alugar um carro grande, afinal, eu não tinha tanta coisa ali que não coubesse em nossos próprios automóveis. Carregamos o carro alugado com meus pertences, muitas caixas de itens pessoais, instrumentos de música como guitarras e violões e algumas outras caixas com coisas da Pri. Depois, dirigimos até minha casa.
Adentrei ao condomínio e enquanto dirigia me pegava novamente rodeado das lembranças. Cheguei até a minha casa e fiquei observando a entrada até ouvir a buzina de Joe, como se me apressasse a abrir o portão. Estacionamos já dentro da mansão e todos descemos animados. Inclusive eu. Peguei a chave, e havia falado com a senhora que cuidava da casa esporadicamente, sobre meu retorno e ela me surpreendeu abrindo a porta.
— Senhora Giddens?
— Olá senhor Nicholas. Bom dia.
Caminhei até ela para cumprimentá-la.
— Bom dia! A senhora não precisava vir nos receber, senhora Giddens. – falei sorrindo grato.
— Eu sei senhor Nicholas, mas eu quis vir para dar um auxílio e organizar as suas coisas. Se não se incomoda, eu fiz compras básicas e deixei os armários e geladeira abastecidos. E também separei um espaço no seu closet para suas coisas, não sei se é o suficiente. A limpeza já havia sido feita. – ela disse risonha.
— Uau senhora Giddens, muito obrigada pelo cuidado! Mas, como a senhora pode ver, eu trouxe ajuda. – apontei aos meus irmãos e cunhadas que a cumprimentaram sorrindo — A senhora está liberada se quiser.
— Bem, sendo assim, qualquer coisa, me telefone senhor Nicholas.
— Obrigado. Chamarei um táxi para a senhora.
— Ah não é preciso! Eu vim dirigindo! – ela falou apontando um antigo Chevy Impala azul turquesa.
Kevin, Joe e eu abrimos a boca em espanto com a beleza do carro, e o fato de uma senhora de um pouco mais de sessenta anos o dirigir.
— A Shelly era do meu esposo. – ela falou orgulhosa sobre o carro — Bem, eu estou indo então.
— Vá com cuidado, senhora Giddens. – respondi.
Assim que ela deu-nos as costas, entramos risonhos e falantes. As meninas deram uma olhada na casa, afinal, Sophie nunca tinha estado ali.
— É uma bela mansão Nick! – Soph disse sentando-se ao sofá da sala: — Mas, por que você não morou aqui com a ?
— Não é óbvio? – Joe perguntou rindo para a noiva.
— O quê? – ela perguntou de volta.
— A casa é grande demais para a . – Kev respondeu.
— é uma mulher simples, Soph. Ela não quis morar aqui, dizia que não estava nos planos de família dela, ter uma mansão para criar os filhos. – falei saudoso.
Dani reparou que eu estava estranho aquela manhã, e por isso, colocou-nos para falar menos e trabalhar mais. Então, não demoramos a organizar as coisas até o horário de uma da tarde. Enquanto meus irmãos sentavam-se novamente à sala, Dani e eu fomos até a cozinha preparar algo para comer.
— A senhora Giddens realmente deixou a casa cheia. – Dani falou observando o armário — Pretende continuar com ela aqui?
— Pretendo propô-la que fique na casa quando eu precisar viajar, se não houver problema para ela. Eu não vou precisar de uma governanta enquanto estiver aqui.
— Entendo...
Ela falou reticente e eu notei que a Dani queria conversar algo, mas estava pensando como tocaria no assunto.
— Pode falar Dani. Eu sei que você está me observando desde cedo. – sorri me virando de frente para ela, que estava ainda ao lado do armário.
— Nick, me desculpa se eu estiver sendo invasiva, mas... Antes do Frankie, você é o mais novo e eu sempre o tive como um irmãozinho.
— Eu sei Dani. Você sempre cuidou de mim, e eu sou muito feliz por isso. Pode falar, eu sei que está preocupada.
— Eu só quero entender o que está acontecendo. Depois da conversa com seus pais lá em casa, você saiu atordoado. Kevin me contou por alto, mas de repente você surge se mudando de novo... Não que eu não esperasse que uma hora você saísse daquele hotel, é só que... Você não está tentando mascarar seus sentimentos com isso de mudar-se para cá, não é?
— Como assim mascarar meus sentimentos?
— É que... está mais perto agora.
— Eu sei. E de certa forma eu estou me mudando por causa disso sim, mas também porque eu precisava retornar a minha casa, não é?
— É pela ?
— Com certeza. Mas, é por também.
A expressão de Dani foi de preocupada a muito preocupada em instantes e eu esclareci tudo o quanto antes:
— Eu ainda a amo, Dani. E quero tentar consertar tudo.
Dani suspirou pesadamente, cruzou os braços e com um olhar plácido e calmo me perguntou:
— E você acha que dá para “consertar tudo”?
— Acho que se eu não conseguir tê-la de volta, eu posso “consertar” tudo sendo um grande amigo e ótimo pai da filha dela. Eu não as quero distante de mim.
— Entendo... – Dani me puxou num abraço e sussurrou: — Você precisa ter muito cuidado com seus passos, Nick.
— Eu sei.
Separamo-nos e eu olhei para o relógio e para o fogão vazio constatando:
— É melhor irmos almoçar fora.
— Hm... – Dani riu — Deixa-me adivinhar: De La’ ?
— Lógico. Não tem restaurante melhor em LA.
Entramos à sala, risonhos, e eu anunciei.
— Vamos almoçar fora galera, já está tarde para começar a preparar algo.
— Ah que ótimo, porque eu realmente não queria lavar a louça! – Soph lembrou nos fazendo rir.
— De La’ ? – Kev perguntou e eu assenti.
— Ah, então vamos almoçar em casa! – Joe respondeu rindo — Posso telefonar para ela e avisar?
— Para quê? – perguntei.
— Ela sabe qual o meu prato favorito.
— Deixa de ser folgado. – Dani disse.
— E também... Porque assim podemos ter certeza que ela vai estar lá.
— E nós sabemos que você quer vê-la, Nick! – Soph brincou.
— Tanto faz. – respondi sem graça e recebi olhares cúmplices da Dani e do Kevin.
Capítulo 22
(Million Reasons – Lady Gaga)
Despertei tranquilamente porque sabia que não precisaria sair correndo para o trabalho. Ter mamãe de volta à minha casa era incrível. Espreguicei-me gostosamente e levantei da cama, direto para o banho. E depois de ter me arrumado deixei a bolsa no sofá, para preparar o café da manhã. Mas uma senhora animada, assoviando dentro de seu hobby de seda vermelho, já se encontrava ali na cozinha.
— Bom dia. – eu falei sorrindo a observá-la, indo abraçar mamãe.
— Bom dia, má petite. Dormiu bem?
— Maravilhosamente! A senhora que parece não ter dormido. Mãe são quatro e meia!
— E o que tem de mais nisso? Só porque estou ficando velha eu tenho que dormir?
— Não, madame Meggie! – falei irônica e debochada — Só que não precisava levantar. A vai para a escola às sete.
— Já estou acostumada. E você? Dormimos tarde ontem, poderia ter levantado um pouco depois, não?
— Eu tenho que retomar a rotina de abertura do bistrô, mãe. Afinal, agora eu tenho a sua ajuda. – pisquei para ela e peguei a xícara de sua mão.
— Tem certeza de que é isso, ou não conseguiu dormir por causa de um, certo médico?
Mamãe bebeu um gole de seu café e me encarou atrevida. Eu a encarei de volta, fingindo ultraje e revirei os olhos.
— Não comece mãe! O que o tem a ver com o fato de eu acordar para trabalhar?
— Eu não sei! Diga-me você, o que o lindo e gentil Dr. , tem a ver com você, realmente?
— Achei que tinha ficado claro ontem que somos amigos.
— Muitas coisas ficaram claras ontem para mim. E se quer saber... – ela estufou-se desafiadora e me encarou com um dedo apontado para mim: — Você deveria dar uma chance ao médico!
— Mãe! Eu já disse que somos só amigos. Antes de me envolver com qualquer outro homem que seja eu quero me envolver comigo. Retomar a minha vida, a minha segurança e autoconfiança, o meu amor próprio. Isto que é o certo. Não vou fazer como o Nicholas!
— Nicholas? Por que está falando do Nick tão cedo? Está doida?
— Foi você quem começou falando do , às exatas – olhei o relógio — Quatro e trinta cinco da manhã!
— Há esta hora está levando o pai ao aeroporto. – ela desconversou.
Encarei a expressão desinteressada da minha mãe, e percebi que ela não queria perder a discussão. Como sempre. Peguei uma fatia de torrada com peito de peru, e a encarei divertidamente.
— Então a senhora deu esta volta toda para falar no Isaac? – zombei.
— O que uma coisa tem a ver com a outra? – ela perguntou irritada, comendo uma fatia de queijo.
— Não sei me diz você. Acordou cedo porque não conseguiu dormir devido a um, certo, senhor Isaac? – perguntei sarcástica usando o mesmo tom que ela anteriormente.
— Bernard, você é bem pior do que a sua mãe!
Rimos depois de um pequeno silêncio.
— e Miley, ontem antes de ir embora me disseram que pintou um clima entre a senhora e o Isaac.
— Eu não sou nenhuma artista plástica para pintar nada.
— É sim! – ri da confusão que ela fez com a própria profissão.
— Eu não sei do que está falando.
— Pois bem, mamãe! Quando o Isaac voltar, a senhora vai a um encontro com ele! Eu vou ajeitar tudo pra você com o .
— Deveria é se ajeitar com o . – ela usou o mesmo tom que eu ao se referir ao apelido de , lançando-me um sorriso vitorioso.
— Mãe!
Ela gargalhou brincalhona e continuamos tomando o nosso café e conversando tranquilamente.
— O escolar da passa aqui por volta das seis e meia da manhã. Então, pode acordá-la as seis para arrumar ela. Eu geralmente preparo o lanche dela antes, e só monto a lancheira enquanto ela toma café. E já deixei tudo pronto na geladeira ontem. A saída da escola é por volta das doze horas. Eu não costumo deixá-la voltar com o ônibus porque nem sempre estou aqui, então, sempre dou um jeito de buscá-la. Mas, sinta-se a vontade para pedir que eles a tragam em casa, mamãe. Agora, se não quiser se preocupar com o almoço pode buscar ela e irem direto ao bistrô almoçarem lá.
— , se acalme. Eu conheço a sua rotina. A que horas você volta hoje?
— Não tenho certeza, talvez bem tarde, por quê?
— Então almoçaremos lá. A partir de agora farei assim toda vez que você for chegar muito tarde. Deste modo, você pode ver sua filha um pouco durante o dia.
— Ótimo, mãe. Obrigada. – sorri grandiosamente.
— Como é a rotina dela com o Nick?
— Ah... Isso... Bem, ela tem estado com ele quando ele pode ou aparece. Mas, eu vou telefonar hoje para ele. Preciso mesmo conversar sobre a nossa rotina com ela, agora que eu vou poder me organizar melhor.
— Hm... Ele tem comparecido?
— Não posso reclamar mãe. Claro que, eu gostaria que o Nick estivesse mais presente com ela, mas... Isto é uma questão de organização dele, e o Nick ainda está morando num hotel.
— Hotel? Com aquela casa enorme que tem aqui?
— É... Enfim, problemas de organização dele que não me cabe intrometer. Diferente do Nick eu me envolvo minimamente na vida dele.
— Hm... Sei. E por que você disse que não quer fazer, seja lá o que, igual ao Nicholas?
— Eles estão juntos mãe. – falei simplesmente.
Ela parou de tomar o seu iogurte e me encarou suspeita.
— Ele voltou da turnê com ela?
— Eu não tenho certeza como foi, mas, basicamente é isso.
— Eu não acredito! Aquele... Aquele... Enfim!
Mamãe estava revoltada como eu sabia que ficaria, e respirando fundo continuou falando. Ela só ia parar de falar quando estivesse satisfeita.
— Ele larga vocês duas aqui no meio de um processo de divórcio por “motivos de trabalho” – ela fez o sinal de aspas com as mãos — deixando Denise e eu totalmente desoladas e perdidas em como conduzir a situação, e volta com a Priyanka debaixo do braço?
— Esquece mãe, isso já é passado.
— Não é para mim. É da minha filha e neta que estamos falando, e eu acho bom o Nicholas não aparecer na minha frente!
— Ah! Mas ele vai! – ri debochada — Se tem algo que tem aparecido na nossa frente, mais até do que deveria, é o Nicholas.
— Como assim?
— Ah mãe... Ele... Ele está um pouco perdido e...
— E não me diga que meu ex-genro está arrependido e tentando reatar!?
Fiquei encarando minha mãe por um breve tempo, com uma expressão de medo pela face irritada dela.
— Tá bom, eu não digo.
— Ele está? – perguntou de novo assustada.
— Eu não sei mãe! Nós temos discutido muito desde que ele voltou, principalmente por que ele fica se metendo na minha vida, mas...
— Como assim se metendo na sua vida, ? – ela me interrompeu de novo e eu me lamentei de ter começado aquele assunto àquela hora.
— Se metendo. Dizendo o que acha ou não adequado para mim... Mas...
— Adequado em relação ao que? – ela perguntou de novo me cortando, e com uma expressão de quem investigava o que ouvia.
— Mamãe pode parar de me interromper?
— É o médico! Não é? Ele está sabendo de vocês dois!
— Mamãe, por favor, não tem “vocês dois”, mas...
— É o medico ou não? – me interrompeu de novo.
— É! – falei irritada: — É o ! O mundo todo conspira para um caso sórdido de amor entre nós, e o Nicholas meteu na cabeça que eu estou me envolvendo pelo médico da . Pronto!
— E ele está errado?
— Mãe! Está! Eu vou ter que tatuar na testa que somos só amigos? E mesmo que não estivesse errado! A minha vida particular não é da conta do Nick.
— E como você está lidando com isso?
— Eu não estava conseguindo muito bem, por isso nós dois discutimos muito nestes tempos, mas, domingo eu fui à casa da Dani ajudar com o aniversário da Valetina, e Nick foi passar um tempo com a . Tivemos a oportunidade de conversar, então percebi que ele só está sabendo agora do que fez.
— Como assim?
— Nick só percebeu agora que acabou o nosso casamento, e que as coisas não vão ser do jeito que ele achou que seria. Eu vou tocar a minha vida sem ele, e isso significa que o único elo entre nós é a . Ao mesmo tempo, ele está vivendo uma crise de ciúme do , porque a o adora, e temos nos aproximado como amigos. E... Sei lá, mãe! O Nick é um enigma né?!
— Nicholas e essa mania de querer se exibir, e se exibir com mulheres ao seu lado. Ele não muda! E agora a tal Priyanka está lá no seu lugar?
— Ela não está no meu lugar, mamãe. Ela está com ele.
— Bem... Então parece, que o meu ex-genro está arrependido e tentando manipular a sua vida para ter você por perto. Mas, eu não vou deixar! Ele é louco ou o quê? E o que a Denise acha disso?
— Eu não faço ideia do que a Dê ou o Paul, ou sei lá quem Jonas acha das atitudes do Nick. Isso não é mais da minha conta. E mamãe, esqueça o Nicholas tudo bem? De qualquer forma ele vai continuar em nossas vidas através da , então não nutra nenhum sentimento de rancor por ele, ok? Eu mesma estou me livrando aos poucos das mágoas por ele.
— Eu não guardo rancores, você sabe. Mas, não vou ser um doce com ele. Não por enquanto.
Ri da expressão da senhora Meg, tão impassível, e me levantei da mesa indo beijar a sua face.
— A tem natação às três horas, se for levá-la ao bistrô leve a malinha para irem direto de lá, tudo bem?
— Ok filha.
Quando cheguei à sala e peguei minha bolsa, fui ao quarto da minha pequena beijá-la. Em seguida peguei o meu celular, as minhas chaves e ouvi mamãe me falar da bancada da cozinha:
— Ah! E eu gostei mesmo do .
Encarei sua expressão atrevida e devolvi na mesma moeda:
— E eu gostei mesmo do Isaac.
— Eu também. – ela respondeu marota e eu gargalhei.
— Eu sabia! – falei apontando a ela e devolvendo o olhar atrevido que ela me lançava.
Saí rumo à garagem, embaixo de risos animados.
Enquanto dirigia até o bistrô, muito feliz por sentir-me novamente uma dona responsável, meu celular denunciou uma mensagem que eu só pude ler e responder quando cheguei ao sinal de trânsito parado.
Dr. : “Bom dia ! ☺ Papai já embarcou, pediu seu número de novo e eu o repassei, tudo bem? Ele certamente vai lhe telefonar em breve.”
Encarei a mensagem e sorri satisfeita. Fiquei observando aquele nome: “Dr. ”. Incomodei-me em ler a identificação do tão formal em meu telefone, quando na verdade, nossas conversas eram tão informais. Não fazia sentido. Então modifiquei, e respondi rapidamente.
: “Bom dia ! Ótimo que passou o meu número! Pode me passar o dele também? Assim que eu tiver um tempinho vou telefonar para saber como foi o retorno da viagem!”.
O sinal abriu e eu não consegui mais enviar nada, mas ouvi as notificações que chegaram. Não as olhei até chegar ao bistrô. Estacionei e vi meus funcionários da manhã chegando cedo para abrir o restaurante, pela porta dos fundos como sempre.
— Bom dia meus queridos! – falei adentrando pela cozinha.
— ! – Marianne me olhou surpresa — Bom dia!
— Eu quero aproveitar que chegamos todos juntos, e informá-los que minha mãe voltou da França e me ajudará com a . O que significa que conseguirei chegar cedo todos os dias de novo!
A equipe se felicitou com a notícia, e depois de trocarmos breves palavras, todos se encaminharam ao vestiário de funcionários para trocarem de roupa, e eu fui ao escritório. Deixei minhas coisas lá, e peguei o telefone antes de vestir meu dolman.
: “Claro! Ele vai adorar receber uma ligação sua! Como você está? Vamos nos ver mais tarde?”.
: “Eu estou bem. E você? Já chegou ao plantão? Sim, vamos. Podemos combinar o horário melhor depois”.
: “Cheguei, e está uma loucura isso aqui. Eu acho melhor combinarmos a noite mesmo, porque eu não sei o que vai ser deste plantão. Nos vemos mais tarde, ma chérie.”
Gargalhei de surpresa ao notar que usou o adjetivo que a mamãe também usa. Salvei o contato do seu pai, antes de respondê-lo:
: “Até, mon cher”.
Enviei a mensagem e saí vestida com o uniforme para a cozinha. Os funcionários já iniciavam a preparação do café da manhã, e eu os ajudei. Por voltas das sete e meia o bistrô já estava cheio, e a todo o vapor. E enquanto eu preparava salgados e massas novas, eu também conversei com meu subchefe a respeito de alguns cardápios.
— Jackson, eu preciso da sua ajuda, eu quero repaginar nosso cardápio, fazer um rodízio novamente dos breakfasts, brunchs, lunchs e sobremesas. E se pudéssemos fazer isto hoje, eu vou ficar muito grata. Algum problema em nos reunirmos após o almoço?
— De forma alguma . Eu termino minhas tarefas para o lunch da tarde, e antes mesmo de encerrar o meu turno estarei no escritório.
— Eu gostaria que você adiantasse o máximo as suas tarefas, para que assim que encerrasse o seu turno nós já tenhamos encerrado a nossa reunião. Não é nem pela hora extra, mas é porque eu terei que fazer o mesmo com o turno noturno.
— Cla-claro. Sem problemas. – Jackson se mostrou um pouco surpreso com a minha urgência, mas em seguida riu.
— Ótimo. Então façamos assim, aproveitamos que eu estou aqui hoje, e dê enfoque aos preparos do almoço. E eu termino o breakfast e o brunch.
— Claro.
Jackson terminou a sova de um pão ao meu lado, e pediu licença convocando seu cozinheiro assistente, para outros afazeres.
— Lauren! Por favor, quando for levar os cupcakes peça à Marianne para aparecer na antessala.
Falei enquanto eu gemava alguns croissants que iriam ao forno, e que já haviam sido montados na tarde anterior. A antessala era o ambiente que separava a cozinha do salão, ali, os funcionários do salão como garçons, mâitres, e hostess tinham acesso aos pedidos ou falariam comigo durante o expediente sem ter que transitar dentro da cozinha. No máximo apareciam na porta e me chamavam.
— , me chamou? – Marianne apareceu à porta da cozinha.
— Já irei aí, só um instante. – falei enquanto colocava os tabuleiros no forno — Leonard, por favor, mantenha este forno a 180º e vigie os croissants para mim.
Saí assim que ele me respondeu com um aceno e sorriso, e fui até Marianne que atendia às ligações fazendo as reservas do almoço. Dei uma checada com o olhar no salão, e as poltronas da cafeteria estavam cheias. A vitrine de salgados estava bem aquecida e limpa, e a vitrine de doces também estava bem limpa e resfriada. As geladeiras, cafeteiras, todos os equipamentos estavam impecáveis. Eu havia feito um bom trabalho no treinamento dos meus funcionários e estava muito grata com o empenho de todos, mesmo na minha ausência. Eles cuidavam do De La’ como se fosse o restaurante deles.
Marianne desligou a chamada e me estendeu o caderno de reservas, o qual eu abri um sorriso contente ao ler.
— Que ótimo!
— Tem sido assim com muita frequência, às vezes as filas até se formam na lista de espera. Eu acho que você pode começar a pensar em aumentar o pessoal, e até ampliar a alocação de mesas.
— Hm... Isso tem que ser pensado com calma. Quando comecei, o bistrô era pequeno, na primeira reforma eu ampliei o espaço e tive muito trabalho para garantir a qualidade do serviço. Não quero cometer o mesmo erro. Por isso na última reforma, que o Nick insistiu para eu fazer, eu limitei nossa demanda. Mas... Enfim, é algo que eu vou observar melhor e pensar a respeito agora.
— Claro. E o sobre o que queria falar?
— As músicas do café! Durante a manhã até o brunch, eu quero que você não coloque só as músicas instrumentais. Dê uma selecionada num novo repertório, por favor, e no brunch também. Quero que as clássicas e românticas mantenham-se à noite. Ainda não tenho certeza sobre qual o estilo, vou pesquisar. Mas, quero configurar um ar popular, simples e menos parisiense ao turno diurno.
— Ah... Certo... Mas, houve alguma reclamação?
— A mim não, e a você? – respondi.
— Não. Então, por que quer modificar a personalidade do restaurante?
— Evolução do bistrô, do público, enfim... A vida se renova, não é? Tenho observado o meu público com cuidado.
— Entendo. Pode deixar, eu vou preparar uma lista de novidades musicais e te apresento.
— Obrigada por me ajudar com isso.
— Imagine ! – ela sorriu simpática — É o meu trabalho.
Retornei a cozinha e meus olhos de lince já haviam sido notados por meus funcionários. Eles sabiam que eu estava com a corda toda para retomar o meu lugar de empresária bem sucedida. Não que eu não fosse, mas certamente, eu havia contado muito com o comando dos meus funcionários de confiança.
— ! As Pavlovas recheadas estão fazendo sucesso! – Lauren, uma das minhas cozinheiras da manhã, afirmou recebendo de Kelly, minha garçonete, um aviso de que estavam no fim.
— Eu sabia que ia dar certo! Sonhei com essa receita há alguns dias! Uma coisa boba né?
— É simples, mas diferente e os clientes gostaram. Parabéns ! – Lauren falou risonha, indo preparar mais neve para assar.
— Atenção Leonard, eu deixei o Jackson adiantando o almoço e o Carl vai ajudá-lo. Agora que terminei o preparo de mais duas fornadas de receita para o brunch, estou as deixando no refrigerador. Vou trabalhar no escritório agora, retorno antes do almoço e quero você responsável pela finalização do café e início do brunch, ok?
— Pode deixar comigo !
— Obrigada. Pessoal, qualquer coisa é só bater aqui na porta.
Adentrei ao escritório retirando o meu uniforme e pendurando. Reorganizei as minhas planilhas de controle, em especial às planilhas de demanda dos pratos. Percebi pelo breve levantamento que alguns pratos seriam retirados da carta fixa. Decidi telefonar ao Isaac naquele momento, já que eu não teria muito tempo ao longo do dia.
— Isaac! – falei assim que ele atendeu — É a !
— Má chérie! – ele respondeu animado e eu sorri ao ouvir o apelido que, ao que parecia, seria dado a mim por ele.
— Como foi a sua viagem, Isaac?
— Estou terminando de chegar a Berkshire na verdade.
— Ah, me desculpe! Achei que estaria em casa, e eu quis telefonar rapidamente antes de voltar ao trabalho.
— Não há porque se desculpar, . É uma feliz surpresa receber sua cuidadosa ligação e ouvir a sua doce voz.
— Céus... Os homens são sempre assim tão galanteadores?
— Somos. Mas, preocupe-se apenas com os galanteios de ! Eu espero que ele esteja lhe cortejando!
O tom de voz de Isaac não soou como uma piada, na verdade soou preocupado e até... Esperançoso, eu diria.
— Ah... – murmurei sem graça mordendo o lábio — Ele é realmente um amigo muito gentil.
— Amigo. Claro... – Isaac deixou um tom sugestivo no ar antes de perguntar sobre a — E a pequena você? Ela está bem?
— Sim, acredito que esteja correndo pelo pátio da escola agora. Eu saí para trabalhar antes que ela acordasse, mamãe ficou com ela.
— Deixe meus sinceros carinhos à . Ela é uma criança adorável!
— Com certeza deixarei! Embora eu creia que, mamãe já tenha dado o seu recado a ela.
— Ah, sim... Muito distinta a sua mãe. Foi um prazer conhecê-las. Deixe também meus amistosos cumprimentos à Meggie.
— Amistosos... Claro.
Repeti o tom que ele utilizou sem me dar conta se aquilo seria inadequado ou não, e Isaac soltou uma sonora risada de quem havia sido pego.
— Espero vê-lo em breve Isaac! Minha casa estará sempre de portas abertas.
— Obrigado, má chérie, por todo o carinho. Também espero que não demore a trazê-la para conhecer a nossa família.
— Ah... É... – eu soltei um riso nervoso.
Não sabia como deveria encarar àquele convite.
— Você também será uma ótima desculpa para ele visitar aos parentes.
— Eu prometo que tentarei convencê-lo a ir.
— E você venha com ele, é claro.
— Eu não posso prometer, mas... Tentarei.
— Certo, certo... Obrigada pela ligação, doce e gentil . É melhor você voltar ao trabalho agora, não quero atrapalhar.
— Não atrapalha! Imagine! E quando quiser, fique à vontade para telefonar-me. Eu vou lhe enviar o meu número fixo também, assim, poderá conversar com a ou a mamãe quando quiser.
— Cla-claro... Obrigado pelo carinho.
— Eu quem agradeço. Um beijo forte Isaac.
— Um abraço forte também, má chérie.
E assim, nos despedimos. Eu estava sorridente com a ligação, e a forma como parecíamos amigos de longa data. Certamente, havia algo em torno daqueles britânicos, que me deixava cada dia mais, cativada por eles.
Mantive-me ao escritório até o horário do almoço. Assim pude adiantar as questões pertinentes à reunião com Jackson. E retornei para a cozinha dando encaminhamento ao trabalho do meio dia. Por volta de meio dia e meio, minha mãe havia chegado ao restaurante.
— , a senhora Meg está ao escritório. – Marianne informou-me surgindo na porta da cozinha.
— Ok, obrigada. – respondi e o salpiquei conhaque à carne que selava em uma panela, fazendo subir o odor adocicado e apetitoso do prato.
Terminei a finalização daquele prato, o encaminhei a antessala para ser entregue ao cliente que o pediu, e em seguida fui ao escritório.
— Mãe?
— Oi querida! – ela levantou-se do sofá e a correu para meu colo.
— Mamãe! – gritou correndo em minha direção.
— Ei minha princesa! – abracei-a e beijei seu rosto — Como foi sua aula?
— Muuuuuito legal! Mas, eu tô com fome.
— Hm... entendi! Nada de conversa agora, não é? – perguntei e ela balançou a cabeça afirmativa — Mãe encaminhe-se a alguma das mesas lá fora e faça os pedidos, que logo que puder eu vou até vocês.
— Filha, qualquer prato que você servir será ótimo.
— Não senhora! Pode ir lá, eu já reservei uma mesa a vocês duas e faça os seus pedidos. Marianne te encaminha.
Voltei à cozinha, vesti novamente o avental, lavei as mãos e retornei ao trabalho. Logo mamãe havia feito o seu pedido e o da , e eu os preparava. Foram servidas, por volta de uma hora da tarde e eu observei o movimento diminuir.
— Jackson, Carl, e Lauren almocem. Leo, Stefano e eu seguramos os pedidos. – ordenei.
Eles almoçaram e eu recebi uma ligação de Joseph.
— Droga. – murmurei por receber uma ligação quando estava ocupada. — Oi Joe!
— ! – ele respondeu animado — Tem mesas disponíveis?
— Tenho, na verdade não tenho certeza. Eu estou na cozinha agora, mas, acredito que sim.
— Eu ligo no bistrô então para confirmar com a Marianne, mas estamos indo aí do mesmo jeito. Não nos importamos de aguardar.
— Quem vem?
— Dani, Kev, Soph, Nick e eu.
— Quer que eu prepare seu mignon?
— Não, tudo bem, como eu não sei como está o movimento, vou aguardar quando chegar. Mas, eu vou pedir o de sempre sim, obrigada .
— Tudo bem. Eu tenho que desligar agora tudo bem? Telefone à recepção para falar com a Marianne.
Desliguei a chamada, e fui à antessala.
— Marianne. Joe vai ligar, reserve uma mesa para seis pessoas, se possível.
— Acabou de desocupar uma.
— Ótimo, reserve esta, por favor.
Retornei à cozinha, e preparei os últimos pedidos dos clientes que haviam feito reserva e haviam acabado de mandá-los à cozinha.
— , nós já almoçamos. Pode ir almoçar. – Jackson me informou aproximando-se um pouco depois.
— Ah, então prepare os pratos da mesa sete e oito, que eu vou preparar o da mesa doze. Leonard e Stefano podem almoçar.
Lauren foi preparar as sobremesas enquanto eu me ative aos pedidos. Kelly parou de servir as mesas para almoçar, deixando Savana e Carol cuidarem dos clientes e depois revezaram.
Era uma e meia quando mamãe surgiu na porta do escritório de acesso à cozinha. E eu fui até ela.
— Você vai almoçar? – ela perguntou preocupada.
— Estou finalizando dois pedidos, e depois vou preparar os pedidos dos Jonas.
— Que Jonas? – mamãe perguntou irônica.
— Os de sempre: Kev e Dani, Joe e Soph, e o seu ex-genro. – dei a mesma entonação ao termo, que mamãe havia dado aquela manhã ao se referir ao Nicholas.
— Ah! Então ele vai almoçar aqui?
— Eu disse que não demoraria à senhora vê-lo.
— Ótimo! Assim poderemos ter uma boa conversa.
— Mãe, por favor. Eu custei para ficar um pouco em paz com ele, não me apronte!
— Eu não vou aprontar. E que horas você come?
— Mãe, eu tenho que trabalhar. Logo mais eu vou almoçar. E a senhora, fique à vontade no escritório ou onde quiser, e peça o que quiser. Nicholas está a caminho, e é bom que ele veja um pouco a .
— Estarei por aqui se precisar de algo.
Assenti e retornei à cozinha. Entreguei os pedidos quando os Jonas haviam chegado, e recebi o pedido deles através de Kelly.
— Eu preparo ! – Leonard falou ao notar que eu ainda não havia almoçado.
— Ah, obrigada Leo. Eu acho melhor almoçar logo mesmo. Mamãe está aqui vigiando a que horas eu irei comer. – eu brinquei e todos riram — Savana, quando terminar pode dizer à Marianne para vir almoçar, por favor?
— Claro. – a outra garçonete respondeu sorrindo.
A cozinha estava mais calma, e antes que eu me sentasse para me servir, Marianne apareceu na porta.
— ! Os Jonas perguntam se você já almoçou e se aceita almoçar com eles.
— Nick veio? – perguntei desconfiada e o sorriso de Marianne respondeu.
— Vá , é bom que você conversa com a . É o primeiro dia da sua retomada, e ela não vai ter muito tempo com você hoje. Melhor você sair aos poucos. Então pode ir para o salão pelo tempo necessário, Jackson e eu, adiantamos os preparos dos seus pedidos. – Leo disse tendo confirmação dos outros funcionários.
— Diga a eles que já vou, Mari. Minha mãe onde está?
— Encurralou o Nicholas no escritório. – ela respondeu rindo.
Eu corri para tirar meu avental e neguei silenciosa com a cabeça, pela teimosia da minha mãe.
— Leo, sendo assim, eu vou comer o mesmo que o Joe. – falei e ele piscou.
— Corre e leva o extintor, se precisar estamos aqui. – Jackson me falou sorrindo.
Meus funcionários já conheciam a minha rotina até melhor do que eu, e não era nenhuma surpresa que eles pensassem que Meg e Nick juntos, depois de tudo o que vinha acontecendo fosse um tanto quanto perigoso. Para o Nicholas, claro.
Caminhei diretamente ao meu escritório retirando o meu dolman no exato momento em que Nick falava com minha mãe.
— Eu a amo, Meg e não quero feri-la novamente.
Fechei a porta assim que ouvi aquilo e encarei aos dois. Mamãe me lançou um olhar cortante, como se pedisse licença e eu nem cumprimentei ao Nick. Apenas o olhei, sorri e fui ao banheiro do escritório lavar o rosto. O que não me impediu de ouvir toda a conversa.
— Eu não estou ligando a mínima para os seus supostos sentimentos por ela Nicholas. Eu só quero que você cumpra o seu papel de pai da e ex-marido da . Você não estava aqui quando eu tive que lidar com a sua bagunça.
— Meg, com todo respeito, mas a minha mãe já me deu os mesmos sermões, se não piores. Então, acredite quando eu digo que eu não vou ferir a de novo. E aceite que eu estou disposto a lutar para tê-la de volta.
— Você acha que tudo é muito fácil assim, não é? Assina, depois rasga um papel quando bem entende!
Mamãe estava começando a sair do sério.
— Você não pode brincar com a vida e o sentimento alheio assim Nicholas!
— Meg, eu não...
— Vocês dois! – falei interrompendo Nick — Parem com essa conversa absurda. Mamãe, eu já pedi à senhora. Esquece as coisas que o Nick diz e deixe que eu, me entendo com ele, tudo bem? Não quero brigas entre vocês dois. E Nicholas não diga absurdos à minha mãe.
Os dois me encararam e se entreolharam mais calmos. Mamãe pediu desculpa a ele, e ele aceitou dizendo a compreender.
— Tudo bem Meg. Eu não estou recebendo nada que eu não mereça. Em todo caso, é realmente um grande prazer reencontrá-la.
— Hunf. Certo.
Mamãe respondeu e saiu do escritório. Bufei cansada, com as mãos aos quadris e encarei Nick, envergonhada pela minha mãe.
— Relaxe, ela está certa. – ele falou assim que percebeu meu constrangimento.
— Não fique dizendo essas coisas para ela, tá? – pedi impaciente.
— Você está falando dos meus sentimentos?
— Estou falando dessa história sem pé e nem cabeça de “reconquistar algo perdido”.
— Não é sem pé e nem cabeça . Eu realmente quero colocar tudo no lugar de novo e...
— Que lugar? — interrompi — Que lugar Nicholas? Já pensou que talvez agora as coisas estejam no lugar certo?
— Já. Já pensei na possibilidade de você nunca mais querer me ver, me sentir... – ele respondeu calmo se aproximando — Mas, eu quero tentar de novo. E eu vou começar pelo que tenho agora: nada.
— Do que está falando?
Perguntei confusa enquanto o observava se aproximar mais e encarar meus olhos de um jeito profundo. Às vezes Nicholas não dizia coisa alguma que fizesse sentido.
— Eu vou considerar que não tenho vantagem nenhuma, e preciso reconquistar o seu amor. Embora eu saiba que ainda há um resquício dele aí dentro.
— Eu não quero ser reconquistada por você Nick. – respondi me afastando — Ainda que haja algum sentimento, eu não quero revivê-lo. E o meu querer você não vai mudar.
— Entendo. Mas, nem você vai mudar o meu.
Aproximei-me dele, com os braços cruzados e uma expressão irritada.
— Então vamos continuar em um impasse um com o outro, Nick.
— Eu tenho o direito de tentar, .
— E eu tenho o direito de recusar.
— Não seja parcial. Não deixe a fase ruim da nossa história, destruir a possibilidade de nos apaixonarmos de novo. – ele falou calmo, quase convincente e continuou: — Eu sei que competir com o vai ser...
— Vá se danar!
Respondi assim que o ouvi tocar no nome do de novo, e dei-lhe as costas, mas Nick me segurou pelo punho trazendo-me de volta a ele. E numa ação automática, apoiei minha mão em seu ombro enquanto ele segurava firme o meu braço.
— Eu odeio que me segure assim, e você sabe disso.
— Eu só quero dizer uma coisa... – a voz dele era baixa e o seu rosto estava perto demais do meu — Eu voltei para Los Angeles, e eu pretendo... Pretendo melhorar.
— Que ótimo para você. Agora, por favor, solta o meu braço. – encarei firmemente o olhar dele.
— Claro...
Nick assentiu e respirou fundo me soltando. Saímos ao restaurante em direção à mesa dos Jonas, e todos nos olhavam curiosos. Certamente perceberam que discutimos pela minha expressão descontente.
— Mamãe!
pulou em meu colo, e eu cumprimentei a cada um com beijos e abraços.
— ! Eu estava dizendo para Meg agora, o quão jovem ela está a cada vez que nos vemos.
Kevin falou e eu sentei-me à mesa com a no meu colo. Nick sentou-se ao meu lado, e pulou para o colo dele.
— É a nossa genética, não é mamãe?
— Sem dúvida! Mas, Kevin está sendo muito gentil como sempre. Afinal, a genética dos Jonas não deixa a desejar!
— Já a minha! – Sophie falou brincando e fazendo uma cara triste.
— Até parece! – falei zombando e perguntei: — Mas, há quanto tempo não tenho os três irmãos reunidos no bistrô! Alguma ocasião importante?
— Nick voltou pra LA. – Joe disse e nos encarou observando a reação que teríamos — E obrigou os irmãos, a fazer de graça, serviços que ele poderia ter pagado a profissionais!
— Nicholas economizando dinheiro? – zombei com falso desdém.
— Claro, é para isso que servem os irmãos. – Nick falou zombando.
Mantivemo-nos risonhos e amenos, até nossos pedidos chegarem e mamãe dizer que era hora de levar a para a natação. Quase finalizando meu prato, eu quis avisar ao Nick sobre a possibilidade de conversarmos acerca da .
— Nick, eu ia te telefonar para falar sobre a rotina da , mas eu retomei o trabalho hoje, numa nova rotina e bem... Foi uma loucura.
— Tudo bem . – ele respondeu bebendo sua taça de vinho — Quando vi a Meg, eu realmente sabia que nós teríamos que conversar. Imaginei que ela veio para te ajudar.
— Sim, ela veio. Vai cuidar da .
— Que ótimo, ! – Dani disse animada — Bom que vocês terão companhia agora!
— Sim, mas não integralmente. Mamãe se recusa a morar comigo.
— Por quê? – Joe perguntou surpreso.
— Privacidade, ela diz que não quer perder a sua privacidade. – falei.
— E nem tirar a sua. – Nick constatou: — Meg é incrível, apesar de me odiar.
— Ela não te odeia, nunca odiou. – Kev e eu respondemos juntos.
Nicholas olhou para o irmão mais velho com uma expressão de implicância, típica de quando ele já está cismado com algo ou alguém há algum tempo.
— E você, pelo visto e como sempre, sabendo mais sobre a minha mulher e família do que eu, né Kev? O favorito da !
— O favorito da sou eu. – Joe respondeu simples.
Todos haviam ouvido bem o equívoco do Nick, mas Joe decidiu passar por cima daquilo e eu também.
— O meu favorito é o Kev, e depois você Joe. – falei.
— Que traição! – Joe riu fingindo estar enciumado.
— E entre Sophie e eu, claro que ela me ama mais. Ou seja, Kev e eu somos o casal favorito da .
— Eu não vou contestar isso, por mais que o Joe queira fazer cena, porque na verdade eu fui a última a chegar aqui. – Sophie falou se fazendo de madura.
— Em algum momento eu estive à frente dos meus irmãos entre as suas prioridades ? – Nick perguntou ainda em tom de ciúme.
— Olha... Eu acho que sim, afinal, eu me casei e tive uma filha com você.
Respondi em tom de deboche, mas já começando a me irritar porque eu sabia que a pergunta sem sentido era a deixa para um absurdo típico dele.
— E entre o e eu?
Soltei os talheres e todos encararam o Nick, assustados.
— Ah dude... você não perguntou isso... — Joe murmurou baixinho.
— Nick... — Kev ia falar algo, mas eu o olhei e em silêncio o interrompi.
Virei-me para o Nick dizendo firme:
— Eu não acredito que você ainda insiste nisso.
— É simples a pergunta, não? – ele falou soltando também os seus talheres e me encarando: — Eu quero saber qual você prefere agora.
— O , sem dúvida, pelo menos ele não faz perguntas cretinas. Satisfeito?
— Eu não me surpreendo. – Nick respondeu e voltou a comer.
— Para que isso Nick? – Kevin perguntou contrariado.
— Ele... – comecei a falar, mas Nick cortou a minha fala:
— Ela sabe. Ela já sabe que eu decidi voltar a conquistá-la. Já sabe que eu morro de raiva por ter dado brechas ao médico, mas agora não as darei mais. Eu te amo, e vou te provar isso.
Nick me falou encarando fundo em meus olhos e eu apenas virei o restante do vinho na minha taça. “Voltar a me conquistar”... Que grande idiota! Ele realmente acha que o mundo gira em torno das vontades dele.
— Pessoal, eu tenho que voltar ao trabalho agora. Foi ótimo almoçar com vocês, sintam-se à vontade e peçam o que quiserem.
— , obrigada, foi muito agradável apesar do Nick.
Dani respondeu o olhando brava, assim como os dois irmãos também o reprovavam pelas suas expressões.
— Voltem mais vezes! E antes de partirem me chamem no escritório, tudo bem?
Os Jonas assentiram, e eu levantei retirando o meu prato e taça.
— , eu quero falar sobre a . – Nick disse como alguém que não havia me provocado minutos antes, deixando a todos confusos.
— Passe no escritório quando acabar.
Falei simplesmente e fui até a antessala deixando meus pratos e entrando em seguida em meu escritório.
Fechei a porta recostando-me a ela, totalmente farta de tentar amenizar as coisas com o Nick. Caminhei até o banheiro para escovar dentes e meu celular tocou em cima da mesa.
— Ah que bom que você ligou! – falei assim que atendi.
— O que disse?
— Desculpe! Um minuto.
Eu estava escovando os dentes e terminei rapidamente para atender melhor a chamada.
— Oi , desculpe, eu estava escovando os dentes. – atendi me jogando no sofá do escritório.
— Ah! – ele riu — Mas o que você disse?
— Que é um alívio você ter ligado! Já almoçou?
— Estou almoçando agora.
— Muito bem.
— Mas o que houve ?
— Nick está aqui, veio almoçar com os irmãos! Ele voltou para a casa dele em LA, mamãe estava aqui quando ele chegou, os dois aparentemente discutiram, ele disse aquelas coisas sobre me amar para ela e... – fui falando tudo muito rápido até me dar conta de que havia ficado totalmente mudo — Está aí?
— Sim. Estou ouvindo. – ele riu — Teremos muito a conversar hoje, pelo visto.
— É verdade. Mas, esquece o Nick! Eu quero contar uma coisa! Hoje foi minha retomada integral aqui, e estou com ideias novas para o bistrô, e numa delas acho que você pode me ajudar!
— EU? – ele gargalhou animado — Já estou curioso!
— É sobre música. Mas, enfim, depois falamos melhor sobre... E como está o movimento aí?
— Louco. Very crazy, honey. – ele disse com sotaque americano e eu ri — Houve um acidente com um ônibus escolar nesta manhã, então tive duas cirurgias, e tenho oito crianças em observação.
— Que horror ! Meu Deus! Eu surtaria se recebesse uma notícia assim!
— Eu sei! Por isso fiquei atordoado para verificar se havia alguma criança que fosse meu paciente. E graças a Deus não tivemos óbitos.
— Boa sorte! Eu vou preparar algo bem gostoso para você mais tarde.
— Nossa, que proposta irrecusável! – ele riu alto e eu ruborizei com a forma que poderia tê-lo parecido — A que horas vamos nos ver?
— Mais fácil você me dizer que horas está livre.
— Só de noite.
— Então assim que terminar aí, me avisa. Eu vou te esperar aqui no bistrô.
— Não devo terminar tarde aqui. O plantão de hoje é de doze horas, encerra as sete, mas eu saio por volta das oito.
— Tudo bem, mesmo que chegue cedo eu arrumo o escritório pra você descansar um pouco. As oito eu estarei no pico do movimento na cozinha.
— Então até mais tarde, má chérie.
— Você gostou mesmo disso não é, mon cher? – perguntei risonha e ouvi batidas na porta.
— Gostei, principalmente por que gosto de ouvir a sua voz com o seu sotaque.
Ele respondeu naturalmente, e eu ri sem graça ouvindo novas batidas à porta.
— Eu tenho que desligar agora, . Nos vemos mais tarde. Beijo.
— Beijo, bom trabalho.
— Você também.
Desliguei a chamada com um sorriso e falei:
— Entre!
Nicholas entrou devagar e eu me sentei, dando-lhe espaço para sentar-se no sofá também.
— Me desculpa. Eu fui um babaca.
—Tá, tá, nada novo sob o Sol. – desconversei.
— , eu realmente quero melhorar a nossa relação, e prometo controlar os meus impulsos nervosos.
— Pare de me prometer coisas Nick, você não tem que fazer isso para mim. Faça promessas que possa cumprir, e só a você.
— Eu sei que está irritada comigo agora, mas, por favor, não desiste da nossa amizade bacana que ressurgiu domingo passado.
— Eu tento Nick, mas você precisa controlar seus ímpetos e pensar antes de falar! Você não é nenhum adolescente para ficar implicando com a garotinha que gosta.
— Então, agora acredita que eu te amo?
— Não foi o que eu disse. Você ama só a si.
— Não diz isso. Eu amo muito você e a , tanto que estou disposto a voltar para vocês.
— Percebe como você fala? Não é “estou disposto a voltar para vocês”, Nicholas, como se fosse uma decisão sua e apenas dependesse de você! Eu não quero. Eu não estou disposta a reviver nada.
— Tudo bem. Eu já sei que você não quer.
— Então pare de agir como se pudesse manipular a vida alheia conforme as suas vontades.
— , eu só te peço para focar nos nossos momentos bons, e não naqueles que destruíram...
— Nicholas! – falei mais alto o interrompendo: — Será que você não entende, por Deus, que os nossos momentos bons nunca serão esquecidos, mas que o que destruiu o nosso casamento não foram falhas isoladas? Foi um desgaste diário, nas pequenas coisas! v — Tá. Eu entendi.
Ele me respondeu num fio de voz, numa expressão de quem estava compreendendo o que eu dizia, apesar de não gostar do que ouviu. E depois de me olhar diretamente, ele esfregou os olhos, cansado.
— O que você quer falar sobre a ? – perguntei.
— Eu quero mobiliar um quarto para ela na minha casa, você pode ir comigo comprar algumas coisas?
— Não.
— , é só uma ajuda da mãe da minha filha. – eu senti a revolta no olhar dele.
— Não. Leve a própria , o quarto é dela e vocês precisam passar mais tempo juntos! E no que faltar, peça ajuda para a sua mãe, Dani, Sophie ou sei lá... Priyanka.
— Eu vou terminar com a Pri.
— Não te perguntei nada disso. – falei firme, mas muito surpresa.
— Eu sei, mas é que... Tenho uma desconfiança sobre uma coisa... Vou esclarecer quando ela voltar e talvez isso te interesse já que tem a ver com o nosso divórcio.
— Eu não quero saber do passado Nicholas.
— E também, depois que esclarecer eu vou terminar com ela. Estando errado ou não. Porque você estava certa, Priyanka não merece isso. Eu te amo e não posso...
— Nick, é só isso que você tem a falar da ? – perguntei o interrompendo.
— Não. Eu quero saber se tudo bem passar lá na sua casa hoje mais tarde para conversar com ela, e aproveitamos para acertar a rotina dela.
— Eu vou chegar tarde hoje, mas pode ir sim. Se quiser pegue ela na natação com minha mãe e vão as compras do quarto dela.
— Eu posso passar aqui mais tarde então, para nós conversarmos.
— Não. Hoje não. Eu já tenho muitos compromissos hoje à noite. Podemos conversar com calma sobre isso amanhã?
— Claro. – ele assentiu desconfiado — Claro. Eu te ligo.
— Ótimo.
Nick e eu nos olhamos ainda sérios e ele beijou o meu rosto devagar, e eu apenas virei um pouco o rosto para distanciar-me.
— Estamos indo. Você vai falar com o pessoal?
— Sim, sim. – respondi me levantando e o seguindo.
Saímos do escritório em direção à mesa dos Jonas, e me despedi de todos com abraços e beijos animados. Depois que eles foram, retornei ao trabalho concentrada. Como se passasse uma borracha na minha memória perturbada da tarde, onde Nick e sua inconstância haviam deixado rastros estressantes.
Capítulo 23
(Halo - Beyoncé)
Assim que finalizado o almoço, eu me reuni com Jackson para que pudéssemos definir novos menus. O horário da tarde era muito tranquilo e apenas a cafeteria se mantinha aberta, então o fluxo de clientes também era menor. Pelo menos, até o horário das quatro a cinco da tarde.
Enquanto os funcionários organizavam a cozinha para a troca de turno, descansavam, e finalizavam suas tarefas eu pedi a Jack que me acompanhasse ao escritório. E só no momento em que as batidas à minha porta se fizeram ouvir, eu desviei o olhar do computador em minha mesa, me surpreendendo ao ver Jack sem o costumeiro toque blanche. Há muito tempo eu não passava um tempo de qualidade com meus funcionários fora do restaurante, e aquilo me deixou frustrada naquele momento.
— Entre Jack.
*toque blanche: chapéu utilizado pelo chef auxiliar.
Falei com um largo sorriso e um olhar deslumbrado para ele, que sorria ainda mais largo e sentou-se na cadeira à frente da mesa.
— Por que está me olhando assim tão satisfeita? – ele perguntou com uma expressão de desconfiança confortável — Vai me promover de novo em menos de um ano?
— Eu só estou surpresa! – confessei descansando as costas em minha cadeira e ele continuou confuso até eu esclarecer: — Desde quando você ficou tão...
Parei de falar, pensando bem nas palavras que usaria e a suavidade na face de Jack deu espaço para um olhar de desafio.
— Tão?
— Estou pensando nas palavras sem que pareça assédio, não quero um processo logo agora.
— Eu nunca te processaria por dizer que eu sou bonito, .
Ele riu animado e eu revirei os olhos.
— Meus funcionários tem uma excelente autoestima! Mas é... Você está mais maduro... E não é essa barba bem feita que eu vejo todos os dias, mas este cabelo tão...
— Tão? – ele riu de novo.
— Tom Cruise! Vanilla Sky! – falei alto batendo na minha mesa em afirmação — É isso! Estava tentando me lembrar de onde eu estava pegando a referência.
— Eu sou melhor que o Cruise. – ele respondeu convencido ainda rindo.
— Certamente. Homens que cozinham tem mais valor. – eu falei divertida.
— Está flertando comigo ?
— Aí, está vendo porque eu não posso dizer qualquer coisa para vocês? – me fingi de ofendida — Eu estou sendo gentil!
— Que pena.
Ele disse brincalhão mexendo em seus cabelos, enquanto eu me levantei para pegar a ele um papel recém-impresso, na impressora atrás da minha mesa.
— Dê uma olhada nesta lista e me diga o que acha. – o entreguei com um pouco de animação.
Jackson leu com atenção e me encarou um pouco confuso.
— É... Ótimo, mas não tem muito a sua cara... Quero dizer... É um pouco menos francês... O que pretende?
— Eu estou com muitas ideias! É claro que eu quero manter a minha personalidade e fazer com as pessoas se lembrem da “” quando vierem aqui. Mas, tenho observado uma mudança de público. Os casais mais jovens estão vindo mais, e não só casais, mas... Jovens em si.
— É verdade, mas, alguma reclamação ao cardápio?
— Não! Nenhuma. Só que outro dia, eu ouvi uma conversa enquanto passava pela mesa de uns clientes. Eles elogiavam o bistrô. Diziam que entre tantos foodtrucks, fastfoods e franquias em LA, são poucos os restaurantes como o nosso com um ar mais simplório e acessível, que não perdia o requinte.
— Afinal, você queria isso quando abriu o restaurante não foi? Um espaço para todos os públicos. – Jack complementou ainda não me entendendo bem.
— É, e você notou que está acontecendo o contrário? Depois de toda essa reforma megalomaníaca que o Nick me convenceu a fazer, o bistrô continua agradando a todos, mas não são todas as pessoas e classes que fazem reserva aqui, com exceção do turno da manhã, que tem tido um fluxo misto de pessoas.
— Entendi. O De La’ está clássico demais apesar de todas as variedades do cardápio, não é?
— Exato. E eu não quero mudar nosso cardápio ou modificar o tom intimista, clássico e confortável do De La’ , mas eu quero que mais pessoas nos visitem. Turistas! Nacionalidades! Grupos de jovens!
— Um pouco de agito sutil. – ele concluiu.
— É por isso que eu te promovi... – falei brincalhona pela agilidade de raciocínio do Jack — Eu quero dar mais espaço para as criações da minha equipe também. E essa lista aí... Sabe que não é muito o meu forte, mas Stefano e Gisella são ótimos em executar as ideias que eu passo na confeitaria. Você tem especialidade em culinárias internacionais, e o Leonard é ótimo com releituras. Jane e Austin, à noite dominam o rústico, embora eu prefira modificar menos o turno noturno, mas as experiências deles contam no geral. Eu quero misturar o popular com o requinte, sem deixar de ser simples.
Eu tinha as mãos apoiadas em minhas bochechas como se tivesse delirando e tentando convencer Jackson dos meus planos. Ele me encarou de modo compreensivo. Jack, assim como Jane e Austin sempre entendia minhas propostas muito bem. E sorrindo, ele me aliviou ao concordar comigo.
— Tudo bem, podemos mesclar um workshop entre as equipes também. Você não precisa se preocupar , sempre soube o que era melhor para o restaurante. Mas sabe o que sinto falta? Não temos um barista. E eu acho que seria interessante para a cafeteria, que tivéssemos um. Uma pessoa exclusiva para lidar com drinques de cafés e lates.
Encarei Jackson com entendimento e sentimento de que ele realmente dizia algo necessário.
— A cafeteria é uma boa aposta, não é? – perguntei analisando-o.
— É onde somos mais ausentes. Quer dizer... Fazemos um bom trabalho, mas se você quer popularizar um pouco sem perder o seu requinte, nada melhor que investir em bons cafés. Intelectuais apreciam cafés especiais, populares apreciam o Starbucks.
— E popularizar o nosso café pode ser ótimo para o restante.
— Sem falar que o nosso café não teria gosto de papel, já que nem eu e nem você iríamos permitir isso.
Eu gargalhei com a frase ácida e crítica de Jack referindo-se À franquia famosa de cafés, e ele, animado suspirou dizendo:
— Tenho uma indicação de barista, ele é especialista em grãos! É chocolateiro e fizemos curso juntos, mas é um apaixonado por cafés e poderia nos ajudar muito. Nem que seja com uma consultoria de grãos.
— Ótimo. Sendo indicação sua eu fico mais confiante.
— Eu te passo o telefone dele.
— Não! – eu neguei de imediato deixando-o intrigado — Ele sabe onde você trabalha?
— Não. Talvez... Não sei. Eu não falo com ele há algum tempo, e se eu falei do bistrô, não foram muitas vezes.
— Certo. Se você o conhece melhor, eu prefiro que faça a proposta, sem citar o restaurante exatamente. Eu ainda tenho que lidar com um pouco de assédio ao nome...
— Entendi! Mas, fica tranquila ! Charles é um cara extremamente discreto.
— Beleza. Converse com ele, e se houver o interesse marque um dia para ele vir até aqui e me informe, tudo bem?
— Tudo ótimo! Mas ... Para quando seriam estas mudanças?
— Estude as opções que lhe pedi primeiro, e depois que você tiver sugerido as receitas, nós testamos e vemos como será a saída. E pode contar com a equipe toda, acho que o pessoal tem muito a nos ajudar.
Jackson sorriu animado e me encarou com um olhar muito doce, antes de dizer algo que eu não esperava ouvir tão cedo:
— Você está fazendo um trabalho incrível, . Não duvide disso, ok?
— Obrigada Jack... – agradeci um pouco surpresa.
— E Leonard vai adorar isso tudo... Vou propor uma carta de novos smoothies, que tal?
— Excelente, o verão logo chegará. É bom estarmos preparados.
— Mais alguma coisa?
— Bem, não... Estas são as minhas propostas por enquanto, e eu queria saber o que o meu chef auxiliar teria a dizer sobre a mudança, num geral.
— Eu acho ótimo. É uma nova fase da sua vida, e não tem motivos para não ser uma nova fase no seu trabalho também. Eu acho ousada a tentativa, porque... Você sabe... A cozinha clássica nunca erra, mas nós sempre tivemos ótimas respostas nas nossas releituras e novidades.
— As Pavlovas cítricas são prova disso.
— Exatamente! E também acho que, esse rodízio do que já temos em nossa carta, vai acontecer na hora certa.
— Ainda estou receosa de trocar os croissants pelas empanadas.
— Eles não vão deixar de existir, . Você é francesa e seus clientes sabem disso. Mas, as empanadas serão uma boa troca.
— Certo... Obrigada então Jack!
Eu me levantei para cumprimentá-lo com um aperto de mão e acompanhá-lo até o salão, mas Jack saiu pela porta que dava acesso à cozinha.
Caminhei até a bancada da hostess, e Marianne estava sentada terminando de pegar a sua bolsa para sair. Não tinha uma expressão satisfeita.
— Marianne? – ela me olhou assustada levando a mão ao peito e se justificando.
— eu ia sair mais cedo hoje, você não se esqueceu, não é?
— Não, não esqueci, mas... Por que está tão agitada e eu diria até... Brava?
— Depois da consulta médica de hoje, eu tinha um encontro à noite. E o crush desmarcou!
— Está namorando?
— Não! Era um encontro às cegas. E você sabe como eu adoro a adrenalina dos encontros às cegas... Mas o pior nem é isso... Eu marquei salão, depilação, a tortura toda para agora à tarde. E à toa!
Não pude não rir de Marianne.
— Você fica aí rindo assim, mas queria ver se fosse o desmarcando com você!
— O não desmarcaria comigo assim. – falei dando de ombros.
— Ah! Muito obrigada ! Estou bem melhor! – ela reclamou irônica, pendurando sua bolsa no corpo — Aliás, gostei de saber que você não relutou à sugestão.
— Eu não vou mais repetir pra todo mundo que somos só amigos, porque vocês só acreditam no que querem.
— Aham... Sei... Mas, gostaria de falar comigo?
— Sim! Você acha que a equipe aceitaria sair domingo? As duas equipes e eu?
— Ora, ora... Isso é novidade... Mas, e o bistrô?
— Vou fechar.
— Domingo!?
— Aberto até duas da tarde.
— ... – Marianne ficou me encarando surpresa.
— Algumas mudanças vão acontecer, Mari... Mas, neste domingo é porque eu realmente quero sair com vocês! Você viu como o Jack está diferente?
— Mais lindo e gostoso do que nunca, o que, aliás, me faz lamentar todos os dias por sermos colegas de trabalho! – ela falou quase salivando.
— Você é muito tarada... E sabe que eu não me importo com isso! Vocês são funcionários aqui dentro, lá fora é outra questão.
— É, mas... Eu tenho meus valores. Mas, o que o Jack tem a ver com essa decisão?
— Eu estou aqui todos os dias, mas não sei nada do que está acontecendo na vida de vocês.
— O que é bem normal, aliás, a sua vida está uma loucura, .
— Sim, mas vocês conseguem saber tudo de mim exatamente porque eu não saio daqui... A minha vida particular se confunde com o bistrô, e isso não é um problema na verdade. O problema é que eu não quero estar distante de vocês.
— ... Ninguém acha isso. Todos sabem que podem te procurar a qualquer hora.
— Marianne... Eu quero sair.
Confessei desdenhosa, mas também mordendo o lábio por saber que Marianne faria uma festa com aquela mísera frase. Aquela mísera confissão de uma antiga .
— Finalmente! É tão bom ver você badalando de novo !
Ela batia palminhas e me segurava pelos ombros me abraçando de um modo que os clientes que entraram sorriram com a cena.
— Nós vamos sair juntas de novo, e eu já vou convocar as meninas para nos arrumarmos juntas!
— Marianne eu sou mãe agora, não é como...
— Como o quê? Só porque você é mãe não podemos ter um “esquenta” das garotas?
— É estranho... – eu falei segurando o sorriso animado.
— Estranho é o Nicholas e a capacidade que ele teve de apagar você enquanto girava o mundo naquelas calças apertadas!
Ela disse simplesmente revirando os olhos e me fazendo gargalhar ao ouvir aquilo e vê-la dando uma rápida corridinha à cozinha para se despedir.
Retornei ao escritório e no caminho, Marianne me beijou o rosto rapidamente fugindo pela saída.
— Tchau lindona!
— Se arrume para você! – eu falei antes que ela não pudesse me ouvir.
Durante a tarde eu adiantei mais um pouco do que iria propor para Jane e Austin, chefs auxiliares da noite e depois retornei à cozinha. Tomei café com meus funcionários, e Jackson parou ao meu lado na bancada brindando a xícara e piscando. Fazia menção ao que conversamos no escritório sobre a qualidade do nosso café, e as mudanças futuras. Eu estava extremamente animada! E sorria de novo, de um jeito próprio e satisfeito por estar onde eu sempre deveria ter estado.
Entre conversas, risos, e trocas de turnos dos meus funcionários, eu havia voltado ao trabalho de cozinha e decidi preparar uma torta mousse para mais tarde, quando Alex surgiu à cozinha, recém-uniformizado e parou ao meu lado com as mãos no bolso e um sorriso ladino. Olhei-o de cima a baixo tentando entender o que estava acontecendo.
— Tem que ser um lugar dançante, viu? – ele disse piscando.
— Do que está falando?
Alex tirou as mãos do bolso e fez uma dancinha ridícula de mãos e ombros, mas com um desempenho ótimo nos pés e todos que estavam ali começaram a rir.
— O grupo do De La’ está bombando!
Jane passou por minha bancada falando risonha e direcionando-se até a pia para lavar as mãos. Percorri os olhos pelo pessoal na cozinha, e refleti por um tempo, boquiaberta.
— Marianne! – constatei e eles riram de volta — O que aquela maluca disse? Eu não vi o celular!
— Só nos intimou a uma folga não programada domingo. – Alex deu de ombros.
— Santa ! – e nós rimos ao ouvir Austin comemorar.
— Então vocês toparam? – perguntei cinicamente.
— Quem não toparia, não é? – Jane respondeu.
Meus cozinheiros estavam direcionando-se a adiantar a cozinha para receber os pedidos, e eu estava terminando de montar a torta mousse fingindo que Alex não estava parado ao meu lado me analisando.
— O que é Alex?
— Estou muito feliz de te ver assim, .
Eu o encarei como uma criança que havia acabado de receber uma bonificação por bom comportamento.
— Eu também. – respondi sorrindo orgulhosa de mim.
— E essa torta, é encomenda? – ele perguntou passando o dedo na tigela que eu havia descartado para lavar.
— Não, é para o .
— ? – ele perguntou sugestivo com o dedo na boca e eu não pude não rir.
— Ele vem aqui hoje, pra conversarmos sobre o jantar passado.
— Jantar passado? – Alex perguntou mais interessado se debruçando em minha bancada — O que eu perdi?
— Perdeu madame Meg constrangendo o . E ao pai dele também, eu tenho certeza.
— e família, num jantar na sua casa com a sua mãe? Espera... – Alex parou as mãos frente ao peito indignado — Vocês assumiram alguma coisa ou...?
— Foi um jantar entre amigos. Na verdade, foi também um jantar para o apresentar a Miley à mamãe, ai, Alex... Muita coisa...
— Muita coisa... – ele sussurrou divertido — É... Estou vendo.
Encarou a torta que eu montava com zelo, e me encarou de volta com um sorrisinho que eu bem sabia o que queria dizer. Mas eu não iria responder ou retrucar. Não adiantaria. Cada dia que se passava as pessoas estavam mais convencidas daquela ilusão romântica.
— Bem... Eu não vou dar os créditos dessa sua mudança e felicidade ao . – ele me falou e eu o olhei, curiosa: — Porque eu sei que os méritos da sua felicidade são seus. E é muito bom te ter de volta .
— É bom estar de volta. – respondi.
Alex beijou meu rosto e se pôs a sair batendo palmas e motivando os funcionários:
— Vamos lá pessoal, vamos trabalhar que domingo a chef vai cair na farra com a gente!
E um coro de zombaria se fez ouvir. Alex piscou em minha direção de uma forma tão sedutora que eu me senti novamente culpada por ele estar sozinho. A mulher que o fizesse se apaixonar era uma mulher de sorte! E aquilo não havia acontecido ainda, porque eu estava o delegando funções que eram minhas todo aquele tempo. Eu precisava reparar aquilo de alguma forma.
— ! Chame o !
Alex gritou da porta cozinha um tempo depois que havia retornado e eu fiz uma careta em sua direção. E novamente, Austin fez piada com um sonoro e comemorado “Santo ”, e embora eu não devesse, eu não consegui evitar rir.
Aquela foi mais uma noite de movimento satisfatório. E diferente das outras noites, eu passei mais vezes no salão para observar o movimento e visitar as mesas dos clientes. Alguns, antigos e cativos que se mostraram muito satisfeitos com a comida, mas também por me verem ali. Outros que eram ainda mais assíduos ao ponto de perceber minha diferença de estado de espírito e se mostrarem felizes e me elogiarem. E claro, novos clientes que se configuravam satisfeitos, mas também confirmavam o que eu havia dito para Jackson, e naquele início de noite para Jane e Austin, na pequena reunião que fizemos antes de começarmos: o público que vinha jantar no bistrô não era muito diversificado. Eu sentia que estava no caminho certo com as ideias que tive.
Antes de retornar à cozinha, fui até a antessala e chamei Alex, pedindo-lhe que também me passasse um feedback de atualização das canções da noite.
— Não está gostando?
— Das músicas?
— É.
— Seu gosto musical é incrível Alex! – falei o despreocupando.
— Já o seu...
Ele fez piada e riu discreto, e eu demorei em entender, mas quando percebi ao que ele se referia eu não poderia deixar de defender o pai da minha filha.
— Ele pode ser um péssimo marido, mas convenhamos, é ótimo no trabalho dele. Tão excelente que eu tive que competir com isso.
— E ele saiu perdendo, acredite. – Alex falou e foi atender ao telefone que havia tocado.
— Eu sei... Agora eu sei... – sussurrei para mim e dei outra checada com os olhos no bistrô, e uma checada rápida na cozinha pelo vidro da porta.
Assim que Alex desligou a chamada eu apenas o expliquei que precisava de uma atualização, em virtude das mudanças. Ainda queria manter o jazz, o soul, a bossa nova... Mas não queria só isso. E Alex compreendeu, mas disse que iria esperar que eu pensasse melhor sobre o que eu pretendia transformar no turno noturno, já que eu me referia mais às mudanças da manhã.
— Vamos colocar as ideias no papel depois, o que acha? – ele perguntou receoso.
— Você quer participar disso? – perguntei maravilhada e ele sorriu tímido em resposta — Ótimo Alex! Então vamos fazer isso, juntos.
— Obrigado. – o sorriso dele se tornou maior: — Eu tenho ideias que talvez você goste.
Pisquei para ele e acariciei seu ombro antes de me direcionar a cozinha pensativa e satisfeita. Alex e eu nos conhecemos logo que eu cheguei a Los Angeles. Ele era um garçom numa franquia de cafés, diferente da Starbucks, ainda pouco popular. E eu o conheci naquele dia, um único dia que eu pisei ali e jurei nunca mais beber aquele café tão horrível.
— Péssimo não é? – ele perguntou quando veio buscar o pedido que eu queria refazer.
— Você já bebeu isso? – eu sorri o perguntando de volta ainda cheia do meu sotaque arrastado.
— Já. E eu me odeio por trabalhar aqui.
Nós rimos animados, eu fiz o meu novo pedido e observei a postura elegante de Alex. Ele não parecia um rapaz muito mais novo do que eu, para trabalhar como garçom de uma franquia adolescente.
— Você deve ter um bom paladar. – afirmei antes que ele saísse com meu pedido.
— Eu já tive um pequeno restaurante.
— Sério?
— Não. Meus pais tinham. – ele riu — Mas eles aposentaram e eu não quis tocar o restaurante. Era um pouco imaturo à época. Fui fazer curso de sommelier e eles venderam o negócio. E bem... Eu só percebo hoje que eu fiz uma grande burrada.
— É fez sim. Exceto pelo curso. – zombei dando de ombros e ele riu levando as mãos aos bolsos da calça — E você pensa em ter um restaurante agora?
— Não... Eu sei que é um trabalho difícil, mas eu gostaria de sair daqui e trabalhar num bom restaurante. Algo pequeno, mas eficiente e bem quisto. Mas não meu... É uma responsabilidade que eu ainda não sei se quero.
Quando o ouvi dizer aquilo, eu não pude perder a chance do destino. Recém-chegada com sonhos aventureiros em abrir meu bistrô, e com a experiência que apenas a melhor escola gastronômica da França, e uns poucos trabalhos com chefs conhecidos havia me dado. O destino estava me mostrando que ali, eu poderia ter o meu primeiro funcionário.
E eu só não imaginava que seria também meu primeiro amigo americano, meu confidente, e o meu porto seguro para momentos onde eu precisasse de algo próximo à família. Alex e eu havíamos sido, uma sorte na vida um do outro. E naquele momento, onde ele poderia “pular fora” das inúmeras funções que eu vinha jogando sobre ele por minha ausência no trabalho, que agora estava sendo sanada... Alex ainda escolhia participar.
Eu sabia do amor dele pelo restaurante, do carinho e de como ele se sentia parte de tudo aquilo. Seria difícil para o Alex se desvencilhar um pouco, mas eu sabia que ele não iria mais deixar o trabalho tomar tanto tempo de sua vida particular, uma vez que ele se mostrou insatisfeito com aquilo. E eu também sabia que ele não iria abandonar o De La’ , por tudo o que Alex e eu já havíamos passado ali. Alex era uma sorte para o De La’ , e eu poderia ter percebido melhor aquilo.
Capítulo 24
(Halo - Beyoncé)
Às vinte e três horas o movimento havia caído consideravelmente, e era extremamente normal para uma noite de terça-feira. Então estávamos nos preparando para fechá-lo.
— ... Algum pedido de última hora? – Giulia me perguntou confusa a me ver preparando um grande steak de picanha ao molho barbecue. Bem americano, inclusive.
— Ah não, não se preocupem, podem se arrumar para sair... Eu estou fazendo este para eu comer.
— Ah... Certo... – Jane respondeu e as duas trocaram olhares suspeitos.
Não era para esconder que alguém comeria comigo, já que um steak daquele era muito para mim, mas eu não daria satisfações também. Já não bastavam as piadas frequentes, sem que eu desse motivo. Alex foi o último a sair, me entregando o meu telefone.
— Fui procurar você no escritório e ele não parava de apitar. – me entregou o aparelho enquanto eu distribuía champignons à travessa de carne.
— Ah! Eu me esqueci, total do !
— Isso é uma surpresa. – Alex brincou sentado à bancada e bebericando um pouco do vinho que eu havia me servido.
Li as mensagens e depois de ver o meu pequeno deslize, o respondi apressada:
: “! Perdão! Deixei o celular no escritório... Você pode vir ainda, não é? Olha... Estou te esperando, mas se não for vir, me ligue, por favor?”.
Deixei o telefone sobre a bancada e encarei Alex, frustrada. Peguei a taça da mão dele, brigando:
— Sem bebidas, você vai dirigir!
— Olha só, até parece né... – ele ralhou tomando minha taça de volta: — Ele cancelou?
— Não sei... Ele mandou mensagens desde as oito horas! E foi para casa descansar um pouco, disse que iria aguardar a minha resposta.
— Então ele vem. Relaxe... – Alex riu enquanto eu encarava ao prato que havia preparado sem saber se havia sido um desperdício ou não — Estou indo nessa... Quer que eu fique até ele chegar?
— Não, relaxa Alex, tudo bem.
A minha voz desanimada não pode ser escondida, e meu melhor amigo riu daquilo. Eu certamente parecia uma adolescente patética. E nem estava desapontada na real, estava mesmo era triste por tê-lo deixado no vácuo. O celular apitou e eu imediatamente o peguei.
: “Estou chegando, má chérie”.
E o meu sorriso de alívio foi o suficiente para Alex gargalhar e beijar minha testa sussurrando um “eu disse que ele viria”. Ele saiu pela porta dos fundos e um pouco depois o meu celular apitou de novo. Coloquei o a taça na bancada e fui ler tranquila a mensagem.
Alex: “Acabei de esbarrar com ele no estacionamento. Não façam nada que eu não faria, e cuidado para Marianne não pegar vocês dormindo no bistrô. De novo!”.
Eu respondi aquela mensagem já me encaminhando à porta dos fundos, pois sabia que logo bateria.
: “Alex, para de usar isso contra mim! Boa. Noite.”.
Abri a porta e guardei meu celular no bolso e vi parado com um sanduíche preso a sua boca – que eu não havia notado quão grande era nem mesmo por seus sorrisos – e atrapalhado em pegar seu celular no bolso da frente. Mas desistiu assim que me viu. Tirou o sanduíche da boca com uma mordida e piscou me abraçando.
— O que é isso? – perguntei assim que ele entrou, com meus braços cruzados encarando o sanduíche.
— X-Bacon. Aliás... Descobri que seu ex-marido tem uma música chamada Bacon.
— E eu devo encarar isso como uma piada? – perguntei ainda surpresa.
— Não... – ele sorriu divertido — Aceita? É do Burguer King.
A animação dele ao entrar na cozinha anunciando que havia comprado fast-food e daquela franquia, me fizeram enxergar o adolescente que talvez ele havia sido: calmo, despreocupado e sem noção. Nada fora dos padrões para garotos adolescentes, na real.
— Está brincando né ?
— Ih... Chamou de depois de tanto tempo? Eu fiz alguma coisa?
Ele perguntava divertido sem parar de comer e eu sorri ultrajada, erguendo o olhar para a minha testa. Certo, parecíamos dois adolescentes idiotas: o bobo e a nojentinha.
— O quê? Você fez um jantar pra nós? – ele perguntou logo que a ficha dele caiu e arregalou os olhos parando de mastigar seu fast-food aos poucos.
— Eu passei a noite toda fazendo jantares , não é como se eu fosse fazer algo específico para nós. – eu respondi irônica caminhando até o forno e retirando a picanha recém-aquecida.
riu, coçou a nuca sem graça e jogou o sanduíche na lixeira mais próxima.
— Não precisava ter jogado fora. – falei o encarando desafiadora.
— Ah precisava sim, com essa sua cara de que me vai me matar...
— Eu não posso te matar, eu te deixei no vácuo.
— Não, até que foi bom...
Ele caminhou até a geladeira da cozinha e eu me peguei surpresa, de novo, pela intimidade dele com o lugar.
— Tem vinho, né? Ah, achei! – ele pegou a garrafa e procurou pela cozinha por taças, e eu fui até o armário pegar enquanto ele me observava me contando sua noite: — Como eu disse, foi bom porque eu pude ir em casa tomar um banho pra tirar o cheiro de hospital e dar uma descansada.
— Então, estou perdoada.
— Com certeza. – ele falou risonho apontando a picanha com os olhos.
Peguei os talheres para nos servir e falou como se ainda se justificasse:
— Isso sim é comida! Eu estava jogando uma porcaria em meu corpo. Péssimo pra um médico, eu sei, mas...
— . Não vou te julgar por comer Burger King.
— Vai sim. – ele apertou o olhar e sorriu ladino: — Eu vi a ofensa na sua cara quando foi até o forno.
— Não vou te julgar, porque eu já te julguei quando me ofereceu o X-Bacon fazendo referência ao Nicholas. Você é ridículo.
Ele riu debochado, olhando para baixo escondendo a boca com uma mão fechada. Um gesto bastante simples, mas que eu adorei ao vê-lo fazer.
— Eu juro que não foi minha intenção fazer essa piada...
— Sei... Como eu dizia: você é livre pra se encher de fast-food.
— Obrigado, isso é ótimo porque eu sou nutrido à base disso na maior parte do tempo. Não que eu aprove, mas... Já te disseram que médicos têm péssimos hábitos?
— Meu Deus, você precisava muito que eu entrasse em sua vida. – eu falei fazendo piada.
— Ainda preciso.
Remember those walls I built?
(Se lembra daquelas paredes que construí?)
Well, baby, they're tumbling down
(Bem, querido, elas estão desmoronando)
And they didn't even put up a fight
(E elas nem sequer resistiram à queda)
They didn't even make up a sound
(Elas nem sequer fizeram barulho)
falou inocentemente, mas algo em mim não encarou aquelas palavras com tanta ingenuidade assim. Então depois de trocarmos um olhar convencido eu nos servi.
Ele pegou seu telefone no bolso, e colocou uma música para tocar e eu ri ao encarar ele com um semblante surpreso.
— Jantar com música, por favor. – ele disse firme.
— Sabe... Eu queria mesmo pedir sua ajuda com algo.
— Estou aqui para o que puder te ajudar má chérie.
Entreguei o prato dele e sorri de novo por ouvir aquele pronome, que a cada momento que passava tornava-se mais o apelido de para mim, do que de qualquer outro.
— Que sorrisinho é esse no seu rosto? – ele perguntou ainda me observando, e servindo vinho para nós.
— Gosto de você me chamando assim. – encarei-o pegando a taça e pigarreou sem graça, e nós rimos em seguida — Isso não é um flerte, fique tranquilo.
— Não me importaria se fosse.
Ele coçou a nuca e bebeu um gole do vinho, e com uma cara de pau ímpar, nem parecia aquele homem sem graça a meio segundo. Provou o steak, e piscou após murmurar um gemido satisfeito.
— Está gostoso? – perguntei feliz.
— Tudo o que você faz é gostoso . – falou continuando a comer e eu paralisei com os talheres no ar o observando — Quer dizer... Tudo o que eu já provei, não é?
E imediatamente eu gargalhei soltando os meus talheres em cima do meu prato. E não explodi em risos, sozinha.
— A gente não precisa ficar sem graça com isso, não é? Já somos amigos para falar sacanagens?
Ele perguntou animado e eu arregalei os olhos rindo de novo.
— você só não está me assustando, porque a minha mente também é podre.
— Tsc... – ele estalou a língua continuando a comer — A sua mente é incrível. Você é incrível, garota.
Pisquei para ele sorrindo agradecida. E bebi meu vinho encarando aquele ser à minha frente. Quantas pessoas como ele eu havia conhecido na vida? Quantos homens que me olharam como um ser humano, antes de me olharem como mulher? Seria a profissão dele que lhe dava este “olhar humano”?
— Você fica assim me olhando desse jeito, e eu estou ficando preocupado... Eu estou comendo isso de um jeito errado, sei lá? – sorriu tímido, antes de rapidamente mudar sua expressão para uma mais travessa e dizer: — Ou você está se apaixonando por mim? Olha... Não se apaixona. Você sabe, eu sou o cara dos lances casuais...
— Você é britânico demais para ter lances casuais como eu teria.
— Você teria é? – ele perguntou divertido.
— Não, não hoje.
— Amanhã então? – ele riu provocante.
— Você entendeu! A de oito anos atrás teria. E não seria o mesmo tipo que o seu.
— Há! – ele exclamou debochado — E posso saber qual é o meu “tipo”?
— O tipo de casual que faz a mulher se apaixonar.
— Que vantagem tem nisso ?! – me perguntou alarmado — Se é casual eu não vou querer ninguém apaixonada na minha cola depois.
— Você faz café da manhã para elas. Assuma .
— E você não faria? Você fez um jantar para mim. – ele disse apontando nossos pratos, como se seus argumentos fossem válidos à situação.
— Eu faço jantares, é o meu trabalho.
— ... Qual é? Não venha com essa! Eu apenas sou um cara educado, e eu não trato as mulheres que durmo como objeto. Isso é ser britânico demais? Então certo, eu sou.
Ele disse com um sorriso vitorioso.
— E depois... Quando somos sinceros no combinado, ninguém sai magoado.
— Vai dizer que você não as surpreende com o carinho de preparar o café da manhã?
— Eu surpreendo, é lógico. É o meu charme, mas eu sou franco antes de dormir com elas. Se elas se apaixonam, cometem esse erro sabendo que é um erro.
— Eu ainda vou te ver transformar um casual na mulher da sua vida, .
— Bem... Só não se esquece de me alertar quando ver isso acontecendo.
Gargalhei e servi mais uma fatia de steak a ele, que logo foi reclamando:
— Por que você sempre cozinha para mim?
— Porque você vive de Burger King?
— Não estou reclamando, mas é muito trabalho, a gente pode simplesmente sair pra comer. – ele deu de ombros pegando o prato da minha mão.
— Já entendi, . Você não quer mais me encontrar no bistrô. E quer que a gente saia de um restaurante para outro.
— Na verdade eu gosto de encontrar você aqui, é íntimo, tem vinho, boa comida, companhia agradável e atenciosa. E um sofá confortável no escritório. Não me importo mesmo de ficarmos aqui conversando por horas.
— E então?
— Você passa o dia todo aqui, eu quero te levar pra outro lugar!
— Tudo bem, fazemos isso da próxima vez. – dei de ombros.
fez um sinal vitorioso com as mãos que me fez rir ainda mais. Era sempre confortável e leve estar com ele. Não tinha cobranças, não havia pudores, não existia a necessidade de erguer muros entre nós. E não ter muros diante de uma relação era a sensação mais incrível que eu já tinha experimentado desde que... Sei lá, desde que, me entendo por mulher.
(Eu encontrei um jeito de deixar você entrar)
But I never really had a doubt
(Mas eu nunca tive dúvida)
Standing in the light of your halo
(Em frente à luz de sua aura)
I got my angel now
(Eu tenho o meu anjo agora)
— Sabe ... Eu me sinto muito à vontade com você, e eu quero muito agradecer por você ter ficado. Há meses atrás quando você viu uma mãe doente e uma filha doente, eu achava que a última coisa que o médico da minha filha faria, era me consolar. Estender a mão e me puxar do poço.
As minhas palavras iam saindo sem esforço, e levantou-se e deu a volta na bancada da cozinha, levando seu banquinho e sentando-se ao meu lado. Ele se aproximou e assim nós pudemos nos olhar diretamente nos olhos.
— E este pensamento é porque eu sou o médico da sua filha?
— Não, eu só não achava que um homem poderia juntar os meus pedaços e entregá-los a mim, com tanta liberdade para que eu mesma colasse.
— Que sentido teria eu fazer os curativos de feridas que o Nick deixou? Isso seria tirar você da dependência dele, e fazer você depender de mim.
— Eu sei, e é por isso que eu sou grata. Até este momento em que estamos na minha cozinha, tarde da noite, conversando e olhando nos olhos um do outro com tanta fraternidade... Você foi absolutamente humano. E me mostrou uma imagem que eu tinha, mas não via no meu espelho.
— ... – ele pegou minha mão e a acariciava olhando firme para mim — Os meus pais eram o casal mais apaixonado que eu já vi na vida, e a minha mãe era uma mulher bem à frente do próprio tempo sabe.
— Ela deve ter sido uma mulher incrível. – falei interrompendo-o e arrancando um sorriso orgulhoso dele.
— Ela era. Ensinou-me como tratar uma mulher da forma que se deve, foi minha amiga acima de tudo, na adolescência eu podia confessar tudo a ela e ao meu pai. E a minha mãe sempre fez questão de me mostrar as dificuldades que ela enfrentava por ser mulher, contava-me muitas coisas. E tínhamos o hábito de rodas de leitura em família. Todos os dias, ao chá das cinco. E às sextas-feiras, as leituras eram sempre das referências que ela lia sobre feminismo... Então, mamãe educou ao papai e eu, para que nós compreendêssemos o machismo com outros olhos, sabe? Eu não deixo de ser um homem possível de ser machista, mas... Eu sempre penso quando estou diante de uma mulher “o que minha mãe diria das minhas atitudes de agora”? Então, eu posso dizer que eu tive uma grande referência na vida... Por isso, não me agradeça por te tratar bem. Isso é o que eu devo fazer, e os méritos por eu ter este olhar diferente, é todo de uma mulher: Amy Elizabeth .
Naquele momento. Com aquele olhar irradiando compaixão sobre mim. Com o afago em minhas mãos. Eu tive vontade de beijar o .
Pela primeira vez eu tive vontade de avançar sobre aquele sorriso impecável de dentes alinhados, os lábios rosados, e os olhos tão fixos aos meus. Deixei meus lábios entreabrirem enquanto o encarava firmemente, e sentia o acalento das mãos macias dele a acariciar a minha, tão áspera, e marcada de queimaduras sutis.
Por um breve momento achei que também se sentia como eu, quando sua língua umedeceu seus lábios dando lugar a uma mordida sutil e seguiu-se de um riso contido. Então desviei meus olhos para a taça de vinho e a puxei, devagar e constrangida.
— Acho... Que deixei você sem palavras.
Ele riu tranquilo e eu apenas assenti silenciosa com um sorriso sapeca.
— Abraço? – me perguntou olhando-me analítico.
— Abraço. Por favor.
me abraçou e eu pude pela primeira vez, até ali, me sentir dentro do melhor lugar do mundo.
(É como se eu tivesse sido acordada)
Every rule I had you breaking
(Cada regra que fiz você quebrar)
It's the risk that I'm taking
(É o risco que estou correndo)
I ain't never gonna shut you out
(Eu nunca vou te deixar de lado)
Eu não sei por quanto tempo nós ficamos abraçados, mas com certeza foi breve. Breve de um modo que pareceu uma eternidade. Ou na verdade, deveria ter sido uma eternidade, mas foi bem breve. suspirou profundamente e então, eu me soltei do abraço dele.
— Eu fiz torta mousse. – falei o encarando provocante.
— Tsc... – ele estalou de novo a língua, num hábito que eu começava a desconfiar que fosse usual a ele — Esta mulher quer me seduzir...
— Eu pego os homens pelo estômago, você sabe... – falei desdenhosa a caminho do refrigerador.
— Como se precisasse não é, ? Você pega todo mundo pelo coração.
E mais uma vez eu suspirei. Se estivesse flertando comigo, eu não sabia se iria sobreviver aquilo. E era um péssimo momento para ele flertar comigo, pois, eu estava frágil. Podia não me sentir pronta para um relacionamento, podia não achar que eu ainda sabia flertar, ou ser uma mulher atraente, mas com certeza, eu não sobreviveria a cair nas graças de . Se fosse num outro momento, eu já teria sucumbido à pressão que todos faziam sobre e eu. Mas naquele momento, como ele mesmo disse, não fazia sentido que eu entregasse a ele o meu coração para conserto. Era eu a responsável pelo meu coração, e pela melhora dele. E apoiava isso.
A única questão é que num futuro, se o meu coração fosse curado, eu poderia facilmente beijar , porque eu até não saberia nomear o sentimento atual que venho desenvolvendo por ele, mas certamente, havia ali alguma coisa. Um sentimento genuíno, um afago diferente, e acima de tudo, uma liberdade.
— Você quer estragar o jantar falando do Nicholas no final, ou quer nos dar congestão falando dele durante, mas nos permitir a chance de terminar bem este jantar falando dos nossos assuntos?
perguntou divertido, quando eu coloquei a torta na bancada e ele apoiou o peso do próprio tronco sobre os braços cruzados no tampo de mármore.
— Uau... – eu o olhei surpresa por sua pergunta e constatei: — Eu não sei se quero falar do Nick com você.
— Por quê? Você tem que falar do Nick com alguém que não goste dele também! Assim podemos falar mal juntos. – não teve como não gargalhar com ele.
— Então você realmente não gosta dele.
— Antes eu não tinha nada contra, mas... Eu acho que agora eu posso dizer que o Nick é bem irritante. E o fato da minha vizinha adolescente não parar de ouvir músicas dele no último volume não me ajuda em nada.
— Você tem uma vizinha adolescente fã do Nick? – gargalhei com aquilo.
— Este cara persegue a vida de todo mundo que se mete com ele? – falou lamentando em tom de indignação.
— Eu estou interessada em conhecer sua vizinha adolescente! Não que eu queira destruir o fandom dele, até porque eu sou fã do trabalho do Nick, mas seria divertido descobrir que nível de fã ela é.
— O nível que sai com roupas estampando a cara dele, e o tipo que me odeia como se soubesse que o próprio Nicholas me odeia.
— Por que ela te odeia?
Perguntei confusa e ele me olhou como se eu estivesse sendo convencida demais:
— Talvez ela te odeie também. Pelo que eu pude perceber ela é apaixonada no seu ex. A tela de celular dela tem uma foto dele.
— Céus... Como você sabe disso?
— Eu a vi mexendo ao telefone no elevador. E discuti com ela por causa dele. – confessou envergonhado.
— Você o quê? – me alarmei.
— Eu não posso deixá-la pensar que ele é um príncipe encantado! Aliás, ele é! O Encantado de Shrek.
Explodi em gargalhadas.
— , o que está acontecendo com você? Discutindo com uma fã adolescente? Sério?
— Infantil, eu sei.
— Eu esperava isso do Nick.
— Nossa agora eu fiquei realmente ofendido. Mas, sabe... Talvez você devesse ir lá mesmo, e conversar com ela. Se ela tão nova se apaixona por esse tipo de homem, sem ofensas a você , mas ela precisa de alguém para alertá-la.
— Bem, o Nick Jonas não é o mesmo com quem eu tive uma vida a dois. Então ela não sabe da missa o terço... – defendia a menina que eu mal conhecia, mas já me arrancava gargalhadas gostosas.
— Para mim, o pouco caráter do seu ex está estampado na face hipócrita dele... Sem essa de defendê-lo, !
Eu não conseguia parar de rir daquele ser humano à minha frente. Um extremamente ultrajado e com ciúme da atenção que uma adolescente dava ao Nicholas.
— Bem, agora sabemos por que ela te odeia. – afirmei.
— Tem mais...
— Tem?
— Eu falei ao pai dela que não achava saudável, a filha apaixonar-se daquela forma num ídolo adolescente, quando fui reclamar do barulho alto da música à meia noite. E o homem concordou comigo, ficamos amigos, e ele disse que a filha é uma stalker do Nicholas. Já fugiu de casa algumas vezes pra armar tocaia na porta da casa dele aqui em LA pra tirar fotos! Ele tem outra casa aqui?
— Tem. Uma mansão que, aliás, ele retornou para ela hoje. E sabe... Às vezes adolescentes faziam isso lá em casa, mas era bem difícil ver o Nick por lá.
— Michael, é o pai dela. Ele me contou que a pior coisa que tinha feito para tentar controlar a paixão da Stella foi ameaçar chamar a polícia para a filha se ela não parasse de perseguir o Nick, e se não abaixasse o som do quarto, ela ficaria sem o aparelho.
— Meu. Deus. . Você é um anti Nicholas total que fez amizade com o pai da sua vizinha adolescente, para descobrir os pontos fracos dela!
E eu novamente ria observando o meu amigo incomodado e envergonhado com a situação, então o olhei preocupada, e ele riu. Estalei a língua, como ele fazia, e neguei com a cabeça antes de confirmar o convite sutil que eu tinha recebido, ou que eu achei ter recebido:
— Talvez eu devesse mesmo ir ao seu apartamento.
(Em todos os lugares que estou olhando agora)
I'm surrounded by your embrace
(Estou cercada pelo o seu abraço)
Baby, I can see your halo
(Querido, eu posso ver sua aura)
You know you're my saving grace
(Você sabe que é a minha graça salvadora)
— Será muito bem vinda e eu que irei cozinhar para você!
— Você cozinha é? Achei que vivesse de BK por necessidade.
— É falta de vergonha na cara, mesmo, má chérie.
— Hm...
Terminamos de comer a torta, e eu fui embalar o jantar da noite para que levasse.
— Leva pra você esse jantar e a torta, ok?
— A torta é muita coisa.
— Ah... Leva para o hospital também.
— Tudo bem... São meia noite e vinte. – ele falou olhando ao celular e me encarando avaliativo — Quer ir para casa, ou topa um passeio noturno?
— Depende de onde iremos.
— Seventh Street.
— Mas, o que tem lá agora?
— Sempre tem alguns casais indo e vindo dos restaurantes, tem os artistas de rua, tem... Você não sai na noite de LA?
me perguntou com um tom alarmado.
— Eu saía mais quando cheguei aqui, mas pouco tempo depois, eu conheci o Nicholas e...
— Ah! – ele fez uma cara lamentável e estendeu uma mão à minha frente — Não precisa dizer mais nada! Eu já entendi.
— Entendeu?
— Aham. Nicholas é famoso e com certeza seus passeios em LA eram extravagantes e diversificados lá em Downtown, não é?
Eu ri e não precisei responder. compreendeu pela expressão que eu fiz.
— Quer saber?! Eu vou mostrar os melhores cantos de LA a você! – prometeu com um dedo apontado a mim — Vamos então?
— Eu não posso demorar muito, passei o dia inteiro fora de casa e sem a ... Mas se for rapidinho...
— Relaxa... já está dormindo, então não se preocupe com o seu sono da beleza, má chérie.
— Você está muito animado.
— Como não estaria? Eu vou te mostrar o melhor da vida, Bernard! – ele falou novamente em um tom eufórico de promessa.
— Certo ... Vamos então!
— Beleza! Vamos em meu carro!
se animou levantando e enquanto eu pegava as minhas coisas, ele pegou os embrulhos com o jantar. Aguardava-me animado na porta da cozinha e eu retornei apagando as luzes e rindo por vê-lo empolgado.
— Está mesmo a fim de me tirar dessa cozinha, não é?
— Por favor, né... Você precisa de um respiro.
Tranquei a porta e ele puxou as chaves do seu carro no próprio bolso.
— Preciso. Por isso, domingo sairei com meus funcionários!
— Sério? – me perguntou surpreso enquanto caminhávamos até o seu carro — Isso é ótimo!
— Eu já quero mudar algumas coisas, e uma delas são os funcionamentos do final de semana. Tudo bem que rende muito, mas... Eu queria tentar algo diferente, que me possibilitasse não precisar ficar aberta o fim de semana inteiro sabe?
— Sei. Eu sei exatamente. Minha área é diferente, mas sou tão escravo do trabalho quanto você.
abriu a porta para eu entrar, e não demorou muito, estava ao meu lado.
— Pois é, . Eu quero poder aproveitar meus fins de semana com a minha família. Eu já abdiquei do trabalho pra ser uma boa esposa e mãe, e o Nick abdicou da família pela carreira, eu quero conciliar. Não quero ficar ausente, e por isso eu terei que fazer escolhas.
— Entendo... Mas, o que isso tem a ver com a saída de domingo?
— Eu vou dar essa folga a mim e à equipe. Funcionaremos até às 14 horas, e assim, eu poderei sentir o movimento dos clientes e o resultado do caixa.
— Entendi, e irá relaxar.
— Com certeza!
— Aonde vocês vão?
— Deixei isso por conta da Marianne.
— A hostess bonitinha, não é? – ele perguntou sem desviar o olhar da rua.
— É... Bonitinha não. Ela é linda.
— Já que você não se importa em me ver elogiando a sua funcionária... Eu confesso, ela é linda pra caramba!
— Ora, ora... Ela está solteira .
— Não estou interessado. Obrigado. – me olhou divertido e sorriu — E ela me parece bem animada para esse tipo de evento.
— Ela é a balada em pessoa. Marianne é muito legal, todos meus amigos são! Eu tenho uma família linda no bistrô! E Alex falou para eu te convidar também.
— Hm... E você não me chamou até agora por quê?
— Chamei agora.
— Não, você disse que o Alex falou para me convidar. – ele implicou e eu o encarei de forma debochada.
— Você quer ir comigo ?
— Com certeza! – ele se mexeu animado no banco e sorriu — Mas, eu preciso consultar minha escala.
— Cool. – respondi jogando a minha cabeça no apoio do banco, o olhando de lado e sorri.
— Cool. – ele respondeu com uma entonação e expressão que imitavam um garoto descolado adolescente, nos fazendo gargalhar.
(Você é tudo que eu preciso e mais)
It's written all over your face
(Isso está escrito em todo o teu rosto)
Baby, I can feel your halo
(Querido, eu posso sentir a sua aura)
Pray it won't fade away
(Rezo para que ela não desapareça)
— Papai me ligou! – exclamou de repente animado — E disse que falou com você! Ele estava empolgado!
— Sim! – exclamei com a mesma animação — Seu pai é uma delícia de pessoa, !
— Tive a quem puxar.
— Convencido...
— Eu não sou uma pessoa deliciosa, ?
me perguntou em falso tom de ofensa e um sorriso que beirava à malícia. Eu dei um sorriso de canto, tímido porque naquele momento eu só conseguia me lembrar da proximidade que tivemos na cozinha, e do quanto o seu olhar seguro quase me fez vacilar. não percebeu, por sorte, do contrário eu ficaria muito constrangida.
— É, você é sim!
Ele soltou um riso satisfeito e não dei tanta importância àquela confissão, porque as coisas pareciam começar a se misturar na minha mente.
— Ele me falou que te convidou a ir para Berkshire e me intimou, praticamente, a levar você! Eu devo me preocupar que você e meu pai estejam tramando algo?
— Não estamos tramando nada. Ele me convidou e fez parecer que você não volta à sua cidade há muito tempo, então eu disse que tentaria convencê-lo a ir.
— Se você quiser ir, eu te levo sem nem olhar a minha agenda, má chérie.
A voz de parecia um sussurro, um pensamento escapado em voz alta. E a constatação de uma confissão que não era para eu ter ouvido, quando o encarei e ele estava ruborizado e escapando o seu olhar para longe do meu.
— Bem! Eu acho que primeiro tenho que conhecer o seu apartamento e a sua vizinha fanática. – desconversei — E depois, quando você puder e quiser ver seu pai iremos você, a , eu e a minha mãe!
— A sua mãe? – sorriu confuso.
— Você não notou nada no jantar? me disse que “pintou um clima” entre eles, e eu constatei que sim... A minha mãe gostou do seu pai.
— Eu notei algo, mas... Achei que era minha mente podre vendo coisas demais nas gentilezas do papai.
— É seu pai é muito gentil. E um galanteador nato!
— Ele deve tê-la enchido de elogios hoje, não é?
— Sim! Eu fiquei até sem graça sabia?
— Imagino! Eu não sou um terço da elegância do meu pai com uma mulher.
— Apesar de você dizer que tem a mente podre... Eu discordo. Você não percebe, mas é tão elegante quanto ele, .
Eu afirmei e ele me encarou meio em dúvida.
— Talvez. Mas você não me conhece direito ainda... – e ele riu em seguida.
— Eu fico feliz que mamãe tenha gostado dele, porque desde que o meu padrasto morreu ela não se envolveu com mais nenhum homem. E não é como se ela evitasse, mas... Sei lá, madame Meg é doidinha e aventureira, mas ela sempre foi muito romântica, fiel até após a morte.
me olhou rapidamente e enviesou um sorriso satisfeito de quem estava pensando ter escutado algo revelador e inovador.
— Que ótimo! Por que seria muito legal se eles se relacionassem, não é? Meu pai também está sozinho desde a morte da mamãe.
— Não sei... Seria? Nós seríamos irmãos?
— Não! – ele falou rapidamente — Nós nunca seremos irmãos! Por favor!
O tom desesperado de me fez gargalhar e encará-lo como um garotinho com nojo de garotas.
— Qual o problema?
— ... – ele dividia-se nervosamente em olhar a estrada e olhar para mim, entre palavras que dificilmente saiam e faíscas desesperadas nos olhos: — Eu não quero ser seu irmão!
E novamente, uma mísera frase me fez perder o controle do rubor em minha pele, pigarrei para disfarçar e ouvi o murmúrio pesado de , ao soltar uma lufada de ar pela boca.
— Por que não?
Perguntei curiosa com uma centelha de esperança de que ele realmente afirmasse que não, não deveríamos ser irmãos. De onde vinha aquele sentimento? Eu não sabia. Talvez o fato de estar abalada com a presença dele, ou a quantidade absurda de insinuações sobre nós estivesse me fazendo confundir as coisas. Ou fosse o fato de que se tornava um homem cada vez mais incrível diante os meus olhos, e eu não sabia exatamente como reagir na presença de um homem como ele há algum tempo.
— Porque , se nós deixarmos de ser “ e sentados numa árvore, se beijando” como eu vou implicar com o Nicholas? Eu quero que ele saiba que não, você não vai voltar para ele!
— Por quê? – aquilo estava cada vez mais interessante.
— Como assim por quê? Não é isso o que você quer?
Ele parou o carro sem que eu percebesse que havíamos chegado, e ao lançar aquela pergunta me observou com uma expressão de urgência que me fazia titubear.
— , você quer voltar com o Nicholas?
A pergunta confusa e urgente do me deixou sem ar. Porque talvez fosse uma pergunta comum entre nós, mas naquele momento, eu estava absurdamente sem graça por ter aqueles olhos hipnotizantes de à espera da minha resposta.
— Não! Claro que não, . – falei e ambos soltamos o ar.
— Ufa... Por um instante eu achei que... – ele me olhou sorrindo — Que você tinha perdido a sanidade de novo.
— Ei! Para com isso! Eu era uma pessoa apaixonada, e pessoas apaixonadas cometem muitos erros.
— Tem razão! Isso de se apaixonar é realmente perigoso.
(Atingiu-me como um raio de sol)
Burning through my darkest night
(Queimando pela minha noite mais escura)
You're the only one that I want
(Você é o único que eu quero)
Think I'm addicted to your light
(Acho que estou viciada na sua luz)
Ele riu depois de falar e eu revirei os olhos. queria passar a imagem do “cara dos lances casuais”, mas não sabia que falhava miseravelmente com aquilo.
Ele já estava ao lado de fora do carro me aguardando, e eu não conseguia tirar o cinto da trava. Então ele me olhou confuso, pela demora, e eu o encarei através do vidro da janela apontando o cinto de segurança. Como se lembrasse de algo bateu na testa e abriu a porta do meu lado, ao se aproximar.
— Desculpa! Essa merda anda travando! Com licença.
E antes que eu pudesse pensar em responder, estava lançando seu tronco à minha frente. Eu só tive tempo de levantar meus braços para trás e tentando fugir meu olhar, do rosto com semblante concentrado de , encarei o lado de fora do carro, mas o braço forte de apoiado no vão da porta, também não foi uma boa escolha. Desviei os olhos para a trava de segurança, onde apertava insistentemente para abrir, com uma delicadeza diferente da minha.
— Tem todo um jeitinho... – ele riu ao falar e me encarou.
Eu certamente estava com uma expressão bem diferente do habitual já que, de olhos divertidos, os olhos de se tornaram espantados e brilhantes. E sem tirar nossos olhos um do outro, o som da trava sendo liberada se fez ouvir.
— Eu não disse? – ele respondeu sorrindo e sem tirar seu olhar firme de mim.
Eu continuei muda, mas aos poucos retornei meus movimentos a me livrar do cinto de segurança e deu-me espaço para sair do carro, ainda se justificando sobre a trava estar com problemas há algum tempo e ele nunca se lembrar de pedir a alguém para olhar. Fechei um pouco a minha jaqueta ao sair do carro e caminhei lado a lado de , entre sorrisos e suspiros leves.
— Há quanto tempo não sai assim para caminhar à noite?
— Alguns anos... Eu acho que a última vez que estive aqui na Seventh, eu estava realizando a penúltima reforma do restaurante. Que, aliás, eu achei que seria a última.
— E isso foi em?
— 2012.
— O mundo esperando o apocalipse e você gastando com a reforma do De La’ ?
— Não acreditei que o mundo iria acabar em 2012. Não podia, eu ainda não havia feito metade do que queria.
— É um bom ponto. Mas, sabe... Essa é uma dúvida que eu tenho! Eu sigo o perfil do bistrô e vi as fotos antigas dele... Antes de ser como é hoje, ele era bem mais o seu estilo...
— Nicholas. – respondi como se o nome fosse esclarecer tudo, e aparentemente pela expressão de , esclareceu — Quando nós casamos, ele queria que o bistrô fosse o meu mundo perfeito, e se dispôs a reformar e redecorar tudo. Mas, eu tinha apenas uma parte do prédio, e por isso ele era menor. Nicholas comprou o prédio todo e...
— Ele comprou o prédio para você? – perguntou como se aquilo fosse bizarro.
— É... Ele achou que aumentar o bistrô era melhor, e comprou o prédio...
— Espera... Ele queria, ele achou... Ele... Você não opinou em nada? Não era o que você queria?
— Eu acho que... – me dei conta de mais uma verdade difícil de engolir.
Nicholas havia feito tudo àquilo sobre a justificativa de que, já que eu passava tanto tempo dentro do restaurante, que ele fosse o meu mundo perfeito. Mas, ele já era. Eu havia o tornado o meu mundo perfeito antes de me casar, e mesmo achando absurdo, uma reforma dois anos após outra, eu não me atentei ao fato de que estava triste pela nova decoração. Eu havia trabalhado tanto para aquilo, que não percebi o quanto o mimo do Nick para mim, me feriu.
Eu aceitei a mudança como uma prova de amor dele e um sinal, de que um dia aquele poderia se tornar o nosso sonho. Eu deixei que o desejo do Nicholas de ostentar um bistrô perfeito, ao qual agora não sei se era por mim ou por seu ego próprio, dominasse os meus simples desejos já realizados.
Encarei que me sorria compassivo. havia entendido o meu silêncio. Ele sabia que eu havia acabado de descobrir mais um erro na minha história de amor.
— Eu achei que era uma prova do quanto ele me amava e queria participar do bistrô... Então... Eu opinei sim, mas aumentamos e redecoramos tudo como a minha própria “Wonderland”.
— Entendo. – disse e me puxou para um abraço lateral apoiando os braços em meus ombros e eu gostei daquilo — Mas, não é irônico que ele tenha feito um “castelo” para você e você tenha abdicado um pouco disso?
— É sim! Quando ele propôs a reforma, eu me empolguei com a empolgação dele, sabe? E aí tudo foi feito e eu só entendi que Nicholas não queria participar do restaurante, quando nós fomos ver o lado jurídico. é advogado e por causa dele, eu tive que olhar para como lidaria com aquele “presente” do Nick que podia nos causar muitos problemas no futuro.
— é esperto.
— Ele é ótimo no que faz!
Olhei para que sorriu orgulhoso pelo meu carinho com meu irmão, e mesmo com nossos rostos tão próximos eu não me senti incomodada, pelo contrário, estava confortável, talvez me acostumando àquilo.
— nos colocou frente a frente para pensarmos fora da caixinha do casal. Nicholas não queria se tornar sócio e entrar com trabalho, mas não se importava em ser sócio mantenedor com o financeiro. Eu já não queria que ele entrasse com o dinheiro. Então propôs um contrato temporário. Ele entraria com o dinheiro só na reforma e compra do prédio, e seria sócio até eu terminar de reembolsá-lo. Achei uma ótima alternativa, principalmente quando o divórcio saiu e eu descobri que graças ao contrato redigido pelo o meu irmão, eu não precisaria dar nada do bistrô ao Nick além da dívida que já tenho.
— Falta muito para terminar de pagá-lo?
— Na verdade não, o que resta agora é bem mínimo. De certa forma, o meu casamento com ele tornou o restaurante, por um tempo, bastante visado. Tivemos bons lucros e eu dei ênfase a reembolsá-lo. Nick não aceitava, achava um absurdo que eu separasse nossos assuntos se éramos um casal, mas... cuidou de tudo isso por mim com a própria assessoria do Nicholas.
— Vocês casaram em divisão parcial de bens?
— Sim. O bistrô, se não fosse a reforma seria meu integralmente num divórcio, porque eu o conquistei antes do casamento, mas... Nicholas investiu nele, e se não fosse o contrato, a coisa mudaria de figura.
— Acha que o Nick tentaria tirar o De La’ de você? – perguntou surpreso.
— Sinceramente? Não. Ele não é mesquinho a este ponto, e quando investiu no restaurante, foi realmente por amor. Nick é generoso, embora seja um egocêntrico.
— Nicholas é contraditório, isso sim.
— Ok, vamos parar de falar nele!
— Ótima ideia! Eu passo a detestar cada vez mais falar sobre vocês.
— Por quê?
— Porque podemos falar de coisas muito melhores como... Onde é que eu posso te ajudar nas suas mudanças com o restaurante?
perguntou rindo, um pouco chocado, e eu me iluminei ao me lembrar dos meus planos. Soltei-me dele e comecei a caminhar de costas, empolgada, à frente dele.
— ! Eu quero mudar tanta coisa no bistrô! E uma das mudanças tem a ver com as músicas! Eu pensei em você porque eu adorei as poucas músicas que ouvi no seu carro, e acho que você poderia ajudar muito com seu excelente gosto musical e...
Antes que eu falasse mais, , que ria abertamente, puxou a minha mão para si me salvando de cair no chafariz atrás de mim. Na minha empolgação eu fui caminhando de costas sem me dar conta, e que estava atento evitou que eu saísse dali molhada e envergonhada.
— Acho melhor você tomar banho na sua casa. – ele brincou e eu o encarei, agradecida.
Nós nos sentamos na beirada do chafariz que brilhava forte com o reflexo da lua.
— Eu vou separar uma boa playlist de músicas brasileiras para você. – ele falou ainda encarando a água: — Algo como... O que eu gostaria de ouvir enquanto como no bistrô e vejo você flutuar pelas mesas.
— Obrigada.
Respondi feliz e tirei os olhos do reflexo da Lua, para encará-lo, e deveria ter continuado a olhar para a água. estava me chamando atenção mais do que deveria.
— E então, o que achou da nossa voltinha noturna pela quase deserta Seventh? – ele perguntou enfim me encarando curioso.
— Incrível! Como eu disse... Quando eu estive aqui foi há tanto tempo, e há muito eu não andava a noite por aí... Foi... Como voltar a ser livre.
— O bistrô consome muito o seu tempo, não é?
— Sim... E quando não consumiu tanto por minha ausência, eu estava imersa em outras responsabilidades... Por isso eu quero ser mais leve sabe? Tentar garantir pelo menos os meus fins de semana de folga... Curtir a minha filha, a minha mãe que chegou agora... Dar ao Alex mais liberdade.
— Alex? – balançou a cabeça levemente, denunciando sua confusão.
— Sim. Ele tem sido a no restaurante por mim, e isso consumiu muito tempo dele. Recentemente nós conversamos, e o Alex pela primeira vez em anos reclamou de trabalhar tanto e não viver sua própria vida... Ele quer se apaixonar!
Pronunciei a última frase sorrindo romântica, e parecia o compreender.
— Eu compreendo.
— Eu acho que vocês dois podiam sair juntos!
— Hm... – ele murmurou pensativo — Você quer que eu ajude o Alex a encontrar um possível amor?
— Eu pensei mais no fato de que seria legal, que meus dois amigos saíssem juntos para fazer coisas que homens fariam.
— Ah tá... – ironizou ele — E o Alex não tem amigos?
— Tem. O pessoal do bistrô.
— Isso é sério?
— Eu disse que o trabalho consumiu a vida dele!
— Minha nossa.
— Ei! Você tem muitos amigos além dos seus colegas de plantão, Dr. ?
— Você tem um bom ponto. Tudo bem! Alex e eu sairemos para beijar umas bocas!
— Isso! – comemorei risonha — Domingo vocês podem combinar melhor sobre isso, já que você vai também.
— Não vai ser estranho eu estar no meio dos seus funcionários? Quero dizer... Mais alguém além de vocês vão?
— Ah... Geralmente, o pessoal leva alguém quando quer.
— É só que... Já tem muitas suposições sobre nós. Vai ser realmente confortável a você que eu...
— Eu quero você lá. – falei interrompendo-o e pegando a sua mão.
encarou nossas mãos juntas e sorriu para mim após um longo suspiro.
— Sendo assim, eu estarei.
— Isso mesmo! Acho bom aceitar e ficar cada vez mais perto, porque seu pai disse que é pra você me cortejar.
— Ele disse isso?
— Digamos que nosso fã clube é maior do que pensamos...
— É, pelo visto eu terei que levá-la logo a Berkshire, ou então Berkshire virá até nós.
— Sua família é assim tão desesperada para você apresentar alguém?
— Digamos que eles... Ficariam empolgados! Já que a última pessoa que eu realmente apresentei foi a Rosalyn.
— Entendi... É... Acho que do lado de cá rola o mesmo, porque bem... Eu apareci com um astro musical à tira colo, e isso não é muito bem quisto na minha família. Minha tia Percy adora o Nicholas, mas ela sempre me dizia que “músicos dão muito trabalho”.
— Sua tia Percy é uma mulher visionária. Aliás... Eu estou ansioso para conhecer a sua família. As poucas histórias de Meg sobre Lyon foram muito divertidas!
— Tsc... – estalei a língua como fazia e sorri irônica e logo ele me encarou confuso e cheio de perguntas.
— O que foi? Eu disse alguma coisa errada?
— Não. É que... A gente está falando em conhecer as famílias. Tipo assim... Viajar quilômetros, para conhecer a família de alguém que “é só meu amigo”... – o olhar de semicerrou-se um pouco surpreso e seu sorriso deu lugar ao constrangimento — Quero dizer... Que espécie de amigos especiais somos nós, que diferente de todos os outros, mas nos conhecemos e já nos apresentamos às nossas famílias?
— Eu vou considerar que eu sou como o Alex. Só que eu levei menos tempo para invadir todas as esferas da sua vida. Eu sou melhor que o Alex.
— Não o deixe ouvir isso, ou vocês nem mesmo vão tomar uma água juntos. Alex é extremamente ciumento com o seu posto de homem da minha vida. – falei séria e riu.
— E você... Bem... Você seria a primeira depois de Rosalyn. Na verdade, você seria a primeira, já que eu levei Rosalyn como minha namorada para conhecer todo mundo... Então... Uau... Que tipo de amiga é você? Meus tios vão pirar! Eles certamente farão você pirar junto.
— Tudo bem, eu estou acostumada com pirados. – dei de ombros com uma expressão convencida.
— Com certeza você teve uma boa experiência.
— Eu realmente vou parar de falar do Nick com você, pelo que percebo você está odiando-o cada vez mais.
— Relaxa... – riu tranquilo pegando minha mão para voltarmos a andar na direção em que viemos — Você deve falar sobre ele para mim, se quiser. Primeiro, porque eu estou acompanhando essa novela desde o começo e eu quero exclusividade nos capítulos. Segundo, porque... Eu sou a pessoa mais imparcial que você poderia conversar sobre.
— Não. Você já foi imparcial. Você agora é totalmente “time ”.
— Eu não estou errado por isso. Mas, é sério. Eu quero que você confie em mim para desabafar sobre as piores e melhores coisas que te acontecem.
(Eu jurei que nunca iria cair novamente)
But this don't even feel like falling
(Mas não sinto como se estivesse caindo)
Gravity can't forget
(A gravidade não pode esquecer)
To pull me back to the ground again
(De me puxar de volta para o chão)
Eu parei de andar e só então me dei conta de que nossas mãos estavam dadas. Não me surpreendi. Agi na verdade, com a naturalidade da nossa relação sem muros, sem pudores, e mesmo que eu estivesse sentindo uma coceira nova na boca do estômago, aquilo era extremamente confortável.
— ... – chamei e ele me olhava pacientemente risonho — Eu também quero que você conte comigo para suas piores e melhores coisas. Então... Seja livre para abrir seu coração comigo, ok?
Ele murmurou afirmativo e nós voltamos a caminhar pelas ruas, agora absurdamente desertas e fechadas.
— Meu Deus, duas horas da manhã, !
— É nós falamos muito e tenho certeza que não falamos sobre tudo que queríamos.
— Tem razão! Eu nem te contei como a mamãe adorou a Miley e ficou extremamente orgulhosa pela escolha do . E de como ele também ficou aliviado por mamãe ter gostado dela. E mamãe também adorou você!
Disparei a falar como se nunca mais fosse ter a oportunidade de contar tudo para , que sorria me encarando numa mescla de animação e sutileza.
— Ela simplesmente aprovou você para sabe-se lá o quê!
— Ela entrou rápido para o time “ e sentados numa árvore se beijando”. Isso é algo a me preocupar?
— Sem preocupações. Mamãe é muito transparente. Se ela gostou de você é sincero. E acredite... Qualquer um que não te aprovasse seria louco. Você é incrível ! E eu sou muito sortuda de ter encontrando um britânico, meio perfeitinho, como amigo.
— A recíproca é verdadeira. Você também é mais incrível do que pensa. – ele piscou e sorriu — Mas... Então... Eu devo te pegar no domingo?
— A gente não se vê mais nesta semana?
sorriu satisfeito e eu acho que deveria ser pelo meu tom de voz frustrado.
— Acho que não má chérie. Só se fizermos umas escapadas noturnas... Mas... Eu estou com a semana bem cheia. E você vai ficar cansada, eu sei, porque é o seu retorno, então...
— Entendi... Eu te mando mensagem sobre o lugar e horário, mas acho tranquilo sim se a gente for, juntos.
Chegamos ao carro e entramos apressados já que éramos os únicos ali àquela hora.
— Isso vai dar o que falar.
— O quê? – perguntei afivelando o cinto.
— Nós dois chegando juntos na balada com seus funcionários.
— Com certeza! Mas, eu não me importo mais. Você se importa?
— Nem um pouco.
Gargalhamos e eu me recordei do dia em que e eu dormimos no restaurante, e ri ainda mais.
— O quê? O que foi?
— Você se lembra do dia em que dormiu lá no restaurante, e apareceu de repente na porta do escritório que dava para a cozinha?
— Nossa... Eu nunca fiquei tão constrangido em toda a minha vida. Pensei “puta que pariu, todos vão pensar agora que passamos a noite juntos, compliquei a imagem da ”.
— Eles ainda pensam. Ninguém engoliu a nossa história.
— Eu compreendo! Acho que se você dormisse no meu consultório, ninguém iria acreditar também!
estava cada vez mais à vontade comigo, e eu notei pelos poucos palavrões que eu o ouvi dizer aquela noite. O polido , começava a mostrar-se mais comum do que eu imaginava. E assim seguimos entre risos, conversas, memórias do jantar, memórias de Isaac e que segundo nós concordávamos, eram a dupla mais fofa de novos amigos inusitados.
— Papai adora crianças, mas com a , a ligação foi muito espontânea.
— Eu acho que isso é um dom dos . Todos adoram vocês, e a , por exemplo, amou você logo de cara. Nem sentiu falta do Dr. Hunter!
— Eu sou mais jovem e bonito, a é esperta! – ele disse e nós rimos — Hm... Acho que foi mais pela... Ausência do Nicholas no começo.
— Pode ser , mas, a Grace já me confirmou que ela não estava substituindo o Nick. Esta semana tem consulta de novo, e vou tocar no assunto... Acho que agora que o Nick está mais perto, as coisas entre ele e a , melhorarão.
— Mais perto?
— É. Ele retornou para a sua casa aqui em LA. Eu te contei mais cedo. Hoje ele iria buscar a e a mamãe na natação para comprarem coisas para o quarto novo dela. E amanhã nós vamos conversar sobre a rotina da e como organizaremos isso.
— Isso é ótimo! Quanto mais, amistosos e consensuais vocês forem melhor será para a .
— Eu realmente acho que as coisas com ele vão melhorar, sabe? Só que... Nicholas dá umas derrapadas filhas da mãe!
— Como assim?
— Estávamos ótimos depois do almoço na casa do Kevin, até ele aparecer hoje com a família para almoçar. Primeiro, mamãe e ele quase tiveram um embate!
— Sua mãe quis te defender, é normal.
— Sim, mas ela não precisaria fazer isso se ele não tivesse com a ideia fixa de “voltar para mim”. Acredita que ele disse isso? Que estava “disposto a voltar para e eu, e que descobriu que ainda me ama”! Ele enfiou na cabeça que vai me reconquistar como se fosse uma escolha só dele!
— Bem, ele não tem esse poder se você não quiser. Deixe claro a ele.
— Eu deixo , mas... É como se o Nick só fosse acreditar nas minhas palavras quando me visse com outro na cama.
— A velha autoridade masculina.
— A nojenta autoridade masculina.
— ... Não dê ouvidos ao que ele diz, só vai te estressar ainda mais.
— Eu tento , mas Nick é muito invasivo... E ainda tem a fixação dele por você!
— Por nós.
— É, por nós. – respondi e me encarou sorrindo e parando o carro.
— Chegamos. Quer que eu te acompanhe até em casa?
— De forma alguma ! Eu dirijo rapidinho até lá, fica tranquilo. Vai descansar...
— Tudo bem!
Ele afirmou e eu tentava tirar o cinto de novo, sem sucesso, e ele me olhava risonho e debochado.
— Ora, ora... Alguém só vai sair do meu carro se eu quiser pelo visto...
Depois de desistir de tentar me soltar, e jogar os meus ombros confortavelmente no banco do carro, eu o acusei:
— Confessa ! Essa merda é de propósito para você fazer média com seus lancinhos!
— Fazer média? – ele gargalhou — Não acredito que você acha que eu sou esse tipo de conquistador barato !
— Aham... Sei... Bem apropriado uma mulher ficar presa no seu carro, e você ter que aproximar o seu corpinho para soltar ela como fez horas antes...
Eu pronunciei acusadora com um sorriso de quem estava ganhando. Mal sabia eu, que estava me entregando. me olhou com uma expressão convencida antes de dizer:
— Então você sem sentiu invadida foi? – ele tirou uma das mãos do volante sem tirar os olhos dos meus e levou até a trava: — Pois saiba que eu sou bem direto quando quero, não preciso de artifícios.
Click.
O som da trava soltando o cinto, num único e mísero toque de me fizera encarar a mão certeira dele na trava. E uma expressão duvidosa e envergonhada me tomar o rosto. Ele ria e eu respirei fundo sorrindo de volta.
— Até mais ver, . – falei em tom de implicância e me aproximei subitamente para beijar o seu rosto.
Ele apenas acenou sua cabeça silenciosamente, sem tirar o sorriso do rosto e eu desci do seu carro. Enquanto caminhava até o meu, estava estacionado, aguardando-me para sairmos juntos do estacionamento do bistrô. E eu, estava tentando disfarçar que não fiquei nada abalada por sua postura e palavras.
estava escondendo o jogo! Ou melhor... Ele estava fazendo um jogo que eu pouco conseguia notar. Num único clique soltou o cinto? E porque demorou antes? E por que eu estava pensando como uma adolescente colegial? “ Bernard, não seja ridícula”, foi o meu último pensamento julgador antes de emparelhar meu carro ao dele, baixar o vidro e despedirmos novamente.
— Tenha cuidado na volta, qualquer coisa me ligue. – ele falou.
— Você também . E leve este carro para alguém arrumar esta trava! – pronunciei em tom de reprovação.
— Eu não, agora que sei que você não sabe soltar-se, ela vai ser minha aliada para quando eu quiser te prender aqui dentro comigo.
O tom de voz brincalhão e o sorriso ladino, sarcástico, malicioso e irresistível dele, me fizera novamente ficar sem ação.
— Boa noite ! Até mais! – eu falei sem o encarar e só pude escutar a risada alta dele quando eu me adiantei com o carro.
Uma notificação apitou em meu celular, o qual eu ouvi pela primeira vez naquela noite dentro da minha bolsa, e só fui ler quando cheguei em minha casa.
: “Boa noite, má chérie. Nem esperou eu me despedir direito. Hahaha... Nos vemos em breve”.
Suspirei risonha e notei a luz da casa acesa. Desci do carro puxando a minha bolsa e conferi se a garagem havia fechado direito, depois entrei pela porta lateral da garagem, silenciosa. Mamãe estava sentada no sofá assistindo a mais uma temporada de “Ru Paul Drags Race”. Ela ama o programa.
— Bernard! Você não podia atender a merda do seu telefone não? – ela bronqueou sem ao menos, me olhar.
Eu soltei uma lufada de ar descontente por minha falta de atenção. Caminhei devagar e cansada até o sofá e me joguei ao lado de mamãe. Ela tinha uma máscara verde lhe cobrindo o rosto e uma taça de vinho nas mãos. Com o susto que levei, eu comecei a rir e ela passou a me olhar analítica.
— Mamãe, porque não está dormindo?
— Porque você não atendeu ao telefone. Nem mandou uma mísera mensagem! – começou a falar sem parar — Eu sei que você não é criança e avisou que chegaria tarde, mas , eu fiquei preocupada! Você nem mesmo respondeu minhas mensagens.
Quando li a notificação de , eu vi as 25 chamadas e 10 mensagens, mas como estava em casa, não iria responder.
— Você não precisa se preocupar mãe, este é um horário normal para eu chegar a partir de agora.
— Duas e trinta da manhã? Para levantar às quatro?
— Ok, talvez hoje eu tenha demorado mais do que o normal.
— Não acredito que havia cliente até agora!
— Não havia. É que eu estava com o...
Parei de falar quando a expressão de mamãe tornou-se mais e mais avaliativa.
— Não me diga que estava com o Nicholas!
— Não! Por que eu estaria com o Nick até agora?
— Ele saiu daqui dizendo que passaria no bistrô.
— Ele saiu daqui? Que horas?
— Acha que estou fazendo minha máscara de beleza agora, porque eu quero? O encosto do seu ex-marido foi buscar a mim e a na natação. Fez-me passar a tarde toda com ele comprando coisas novas para ela. E eu sei que o Nick não é uma pessoa extremamente desagradável normalmente, mas eu estou engasgada com ele ! E você sabe que eu odeio ser forçada a estar nos lugares que não quero, com pessoas que eu não suporto!
Mamãe disparou eufórica como alguém que segurava aquele desabafo por anos, e não parava de beber, gesticular e fazer expressões faciais que trincavam toda a sua máscara facial.
— Eu que propus a ele buscar a para eles irem redecorar o quarto dela juntos, você não precisava ter ido mãe.
— Eu sei. Não me importo de deixar a com ele, ele é o pai dela e não um estranho, mas o Nicholas insistiu! Ele simplesmente fez uma cena ridícula sobre o quanto gostaria de passar um tempo comigo também, pedir desculpas e... – mamãe me encarou cansada: — Sinceramente ... Ele é insuportável quando quer!
— Ele te maltratou?
— Não! Ele foi absurdamente cavalheiro, um doce! – mamãe falava, cada vez mais alto, e revoltada — Um maldito genro dos sonhos que era comigo desde sempre! Só que, eu estou puta com ele, e ele sabe disso!
— Mãe, talvez o Nick só esteja tentando ficar bem depois da discussão de vocês no restaurante.
— Que se foda! Ainda tive que fazer sala para ele a tarde e a noite toda.
— A noite toda? Que horas ele saiu daqui?
— De dentro da casa, onze horas, mas acampou no portão até meia noite quando eu disse pra ele ir para casa. Ele falou que iria ao bistrô antes, e saiu. E eu fiquei acordada te esperando.
— Para quê ele ficou aqui a noite toda?
— Queria conversar com você sobre a . E contar como foram as compras... Enfim, ele está tentando se religar a você de alguma forma. Mas, eu estranhei quando ele me ligou, e disse que te telefonou e bateu na porta do restaurante, várias vezes, mas você não atendeu. Eu falei que era comum você dormir no meio do trabalho de madrugada, e ele só pediu para eu avisar quando você chegasse.
— Eu não ando com paciência para os surtos de atenção do Nick. – murmurei cansada.
— Bem, na vigésima ligação que te fiz e você não atendeu, eu mandei mensagem dizendo que estava tudo bem, porque o Nicholas não dormia nem para um inferno!
— Mamãe, se acalme. Não deixe o Nicholas te estressar... – eu ri observando-a revirar os olhos — Mas, pelo que conheço do Nick ele não é de insistir em ficar num lugar com alguém que não quer a presença dele... Pelo menos não com alguém que não seja eu.
— Talvez eu tenha sido gentil com ele. – ela confessou.
— Hm... Então você permitiu que ele ficasse à vontade. – ela fingiu não ouvir e eu desconversei: — Como foram as compras?
— Ele tem um ótimo gosto e um bolso solto, eu admiro isso nele. – mamãe falou admirada em seu tom de superioridade e eu ri divertida — Comprou tudo o que a gostava, mas por sorte eu estava lá, e consegui ajudá-lo. Do contrário o quarto da menina seria um picadeiro de cores.
— Bônus de ter uma avó artista plástica.
— Acredita que ele disse a mesmíssima frase?
— Acredito.
— Bem, a amou tudo e o momento juntos. Foi bom, apesar de eu não querer admitir. – mamãe sorriu pela primeira vez.
Eu sabia que o surto de madame Meg foi totalmente um desabafo, com misto de encenação cômica. E sabia também que ela havia gostado de ver a neta e o pai juntos. Sem dúvidas ela também se divertiria com o Nick como antigamente, se não estivesse vestida do personagem de ex-sogra magoada.
— Fico feliz que a tenha tido este tempo com ele...
— Agora, você vai dizer onde é que se meteu? Porque eu sei que mesmo se estivesse no bistrô, dormindo ou trabalhando, iria acordar com as minhas ligações!
— Eu estava com o .
Ela não se espantou, continuou com sua expressão analítica, superior e silenciosa.
— Nós tínhamos combinado de nos encontrar hoje à noite para conversar sobre o jantar...
— Hm... Pela hora em que chegou tinham muito a falar sobre o jantar. – ela, com seu péssimo hábito comigo, me interrompeu.
— e eu sempre temos muito a falar mamãe, é comum perdermos a hora conversando.
— Hm... E os dois estavam este tempo todo no bistrô?
— Não. Jantamos lá, e depois quis me levar à Seventh Street para passearmos... Falamos sobre o jantar... Em juntarmos, a senhora e o senhor Isaac...
— Em se juntar vocês não falaram nada, não é? – mamãe me interrompeu de novo.
— Não... Não dessa forma que a senhora espera... Mas, recebi o convite de para ir ao apartamento dele qualquer dia, e seu pai me chamou para ir à Inglaterra.
— Já vi tudo! – mamãe exclamou risonha voltando a beber seu vinho e assistir ao programa de drag queens.
— Bem... Eu vou tomar um banho, dar um beijo na e dormir. Estou exausta.
— Imagino... – ela disse sugestivamente me olhando por cima da taça.
— A senhora deveria tirar esta máscara verde do rosto e dormir também, madame Meg.
— Eu irei já, já... Vá descansar filha.
Eu me levantei deixando a bolsa onde estava e jogando minha jaqueta por cima, e antes de sair completamente ouvi minha mãe me chamar.
— ... Você está com uma cara ótima. – ela sorriu feliz.
Eu sorri de volta e deixei mamãe a sós com a televisão. Antes de ir ao banheiro entreabri a porta do quarto de , e a observei dormir tranquila. Fui para o banho, que me permitiu relaxar e sentir sono. E antes de voltar ao meu quarto para dormir, retornei até a . Fiz-lhe um carinho, beijei seu rostinho, sussurrei a ela que a amava, e saí em direção à sala. Mamãe dormiria ali, pelo visto. Desde que chegou ela dormia no meu quarto e eu com a , mas a cama aberta, e preparada por ela feita no sofá, denunciou-me que ela iria dormir nele.
— Mamãe, pode vir dormir comigo se quiser.
— De jeito nenhum, vou maratonar esta temporada! Perdi o sono graças ao meu ex-genro – ela falou e eu ri revirando os olhos pelo seu drama — Pode ir filha... Sei que tem muito a pensar sobre antes de pegar no sono completamente.
— Pelo amor de Deus, pare com isso mãe!
Eu reclamei saindo e ela deu uma risada espalhafatosa como era comum quando, eu era adolescente e ela pegava em meu pé devido a algum “namoradinho”.
E como toda mãe tem uma sabedoria ancestral, que ninguém sabe de onde vem, com a minha não era diferente. Ela havia acertado. Eu não consegui fechar os olhos para dormir, sem me lembrar do rosto de aquela noite. Era a primeira vez que eu pegava no sono, com a imagem dos seus olhos em minha mente.
Capítulo 25
(From The Beginning – Emerson Lake)
Nicholas entrou ao bistrô, às quatro e meia da tarde. Eu já estava bastante cansada dos trabalhos daquele dia, por mais que tenha me atentado a ficar no escritório com meus planejamentos na maior parte do meu tempo, eu havia dormido poucas horas aquela noite. A culpa era exclusivamente de , seu sorriso impecável, seus olhos brilhantes e a sua personalidade apaixonante, que não saíram da minha mente por um bom tempo, me fazendo acordar de madrugada depois de um sonho perturbador, e do qual eu não desejava despertar.
Marianne bateu à porta do escritório e surgiu com seu sorriso de desculpas, que imaginei ser pela interrupção.
— , o Nick está aqui. – ela disse.
— Ele não vai entrar? – perguntei confusa e a mulher deu ombros.
Estranhei e levantei-me indo até a porta assim que Marianne saiu, quando toquei na maçaneta, Nicholas estava a abrindo.
— Ah me desculpe, . Marianne disse para eu entrar. – Nick deu passos para trás, se afastando sutilmente.
Eu apenas sorri, estranhando ainda mais a postura discreta dele. Nicholas certamente entraria ao escritório como se aquele fosse o seu lugar, e não aguardaria ser anunciado ou algo do tipo, então eu só conseguia pensar em: “o que haveria acontecido com Nicholas?”.
— Venha, vamos nos sentar ao sofá para conversar. – caminhei até meu sofá à frente dele, e o olhei preocupada: — Está tudo bem com você, Nick?
— Sim. – ele respondeu e sentou-se ainda sem me encarar — E com você?
— Tudo bem também...
Era nítido ao Nick a minha confusão mental ao me deparar com a sua postura distante, e não que eu não quisesse aquilo, mas foi tão de repente que eu me indagava se aquela não seria, uma estratégia dele.
(Podem ter havido coisas que perdi)
But don't be unkind
(Mas não seja indelicada)
It don't mean I'm blind
(Isso não significa que estou cego)
— Eu estive aqui ontem à noite, mas não te encontrei.
— Ah, sim... Mamãe falou que você ficou até tarde lá em casa... Eu estive trabalhando até tarde também, mas não ouvi ninguém chamando aqui.
— Imaginei que você tivesse pego no sono aqui de novo... Você está empolgada não é? – a pergunta dele continha um misto de tristeza e orgulho.
— Eu fiquei muito tempo nos bastidores do meu negócio apenas como empresária, não é Nick? Eu não me dei conta de que sentia tanta falta da cozinha do bistrô, até estar aqui novamente.
— Eu sei... – Nicholas fugiu o olhar do meu — A culpa é minha, me desculpe .
— O quê? – perguntei alarmada — Por que isso agora?
— É só que... Eu já devia desculpas a você, por ter lhe feito tanto mal e continuar fazendo.
— Nick, o que houve? Você está melancólico demais, e estou estranhando isso.
Meu riso brando demonstrava o meu nervosismo de vê-lo naquele estado.
— Me desculpe pela forma como eu agi ontem pela manhã, e me desculpe por ter ficado até tão tarde esperando você chegar à sua casa...
— Nick?
— Eu não tenho mais este direito, então... Não precisa mentir que estava trabalhando , você tem o direito de passar a noite onde quiser, e com quem quiser.
Nicholas não me olhava, o constrangimento era nítido em sua voz e face, e o seu olhar a encarar os próprios sapatos como se tivesse algo muito atrativo neles, me deixou um tanto quanto desconcertada.
— Espera... Eu não passei a noite fora Nicholas. Não é o que está pensando e...
— , tudo bem. Você não tem que se justificar, não é? – ele me encarou diretamente pela primeira vez com um sorriso sem graça.
— É... Não tenho...
Um silêncio incômodo entre nós surgiu, e eu me sentia muito estranha. Nada do que Nicholas estivesse pensando seria verdade, mas por alguma razão eu estava muito incomodada com a possibilidade de meu ex-marido imaginar que eu havia passado a noite fora com outro. Por mais que Nicholas já estivesse adaptado a ideia de que eu estaria me envolvendo com o , aquilo era diferente. O momento era outro, e pela primeira vez eu havia realmente me sentido atraída por na noite passada. E encarar o fato de que Nicholas fez campana à porta do bistrô e da minha casa, e que suas conclusões não eram tão precipitadas assim, ... Bem, não eram! Se na cabeça dele, eu estivesse com há mais tempo, supor que eu estava com ele na noite passada, era muito válido. Minha mãe estaria com a agora, e eu poderia dormir na casa de . Nicholas certamente estava diante de um fato consumado, mas apenas em sua mente, o que ele não sabia.
E por razão desconhecida, eu me senti absolutamente estranha com a simples ideia dessa possibilidade. Não queria que ele pensasse ser verdade, algo que apenas era suposição, mas também não queria esclarecer nada. Esclarecer as coisas lhe daria o direito de continuar perguntando. De continuar me perseguindo, exigindo e acreditando em um “nós” inexistente. Mas, eu senti aquele gosto amargo em minha boca, o amargor que eu sentia todas as vezes que supunha que Nicholas estivesse com outra. Era como se eu estivesse dando a ele um pouco do fel que embebi durante aquele casamento, mas fosse eu a sentir o gosto. Meu coração estava dilacerado e eu quis chorar. A vingança nunca foi minha melhor alternativa, embora muitas vezes eu fosse tentada a ela.
Eu não havia feito nada de errado. Eu sabia daquilo. Eu não havia dormido com o , e eu não devia explicações ao Nick, mas por que eu me sentia tão estranha? Tão culpada?
Suspirei pesadamente e me levantei indo até o banheiro. Deixei Nicholas me observando curioso no sofá, e quando fechei a porta do banheiro do escritório eu encarei minha face no espelho.
— Você não fez absolutamente nada de errado, Bernard! – comecei um monólogo com o meu reflexo — Você não vai se sentir culpada! Você não vai sentir pena do Nicholas! E ainda que tivesse dormido fora, você é livre para isso!
Meditei sobre uma respiração calma. Lavei o rosto, enxuguei e me preparei para entrar novamente ao escritório e encarar Nicholas. Mesmo que eu tivesse dormido com alguém, eu não devo satisfações a ninguém. E pensar nisso me fez perceber que não, eu não estava preparada para outro relacionamento.
— , está tudo bem? – Nicholas estava de pé, observando a porta do banheiro quando eu saí.
Sorri para ele, caminhei de volta ao sofá e apenas assenti com sinal silencioso. Nick retirou as mãos do bolso, sorriu de volta e caminhando devagar se colocou à direção do assento ao meu lado.
— Vamos falar da . – ele disse me encarando com rosto ameno.
— Bem, o que você gostaria de saber sobre ela primeiro?
— Eu não sei bem o que eu deveria saber que eu já não saiba, mas me conta a rotina dela. Assim, a gente pode começar a pensar em dividir o tempo de semana com ela, o que acha?
— Você teria condições de ficar com a , Nick?
— Eu posso me preparar para a ideia. Fazer um teste.
— Certo...
Olhei para ele e notei que havia preocupação e medo em seu rosto.
— Do que está com medo Nick?
Ele respirou fundo e coçou a nuca de um jeito típico, e eu sabia que aquele gesto, daquela forma, significava uma avalanche de insegurança sobre ele.
— De ser pai. O tempo todo eu tive você pra cuidar da , a parte mais fácil e divertida estavam comigo, e as difíceis com você. Mas, éramos um casal, então... Mesmo se eu estivesse só com a , eu tinha como recorrer a você.
Assenti sorrindo e me aproximei mais de Nicholas. Ele me encarou ainda como um pai totalmente perdido em suas novas obrigações, e quando eu peguei em sua mão senti o seu aperto forte como se me pedisse socorro.
— Eu ainda estarei aqui Nicholas, porque é da nossa filha que se trata. A qualquer momento que você tiver uma dificuldade com a , você pode e deve me procurar.
— Obrigado por isso, .
— Não tem que agradecer... Mas, Nick... Eu sei que desde que ela nasceu você tem medo da responsabilidade de ser pai, e mesmo que tenha conseguido fugir atrás da minha saia, agora você vai ter que encarar o fato de que é um pai. Não vai ser um pai sozinho, mas vai ser um pai divorciado. E para que a fique bem com a nossa condição, nós dois precisamos nos dar bem, entende?
— Entendo, entendo ... Eu só não sei por onde começar.
— Eu te ajudo.
Eu sorri e Nicholas subitamente me puxou num abraço. Fiquei parada e assustada dentro do abraço urgente, quente, confortável e nostálgico de Nick. Novamente uma dor lancinante tomou o meu coração. Eu não mais sentia raiva e nem ódio. Eu sentia um amor pelo Nicholas, diferente de antes, e melhor. Eu sentia uma compaixão por ele, e ainda mais. Eu sentia uma tristeza profunda porque aquele Nicholas disposto a ser pai, que me pedia ajuda e se jogava no meu abraço, era o Nicholas que eu esperei por muito, muito tempo, com nossa filha nos braços.
— Bem... – falei a fim de fazê-lo me soltar, e deu certo, Nick sorriu com toda a dor que eu pude vê-lo sentir dentro do seu olhar, e se ajeitou novamente em seu espaço: — A acorda às seis da manhã, porque a escolinha é as sete. Então eu sempre deixo as roupas e a mochila arrumada um dia antes, assim ela só acorda, toma banho e café. Por volta das seis e meia o escolar passa para buscá-la. Mas quando eu quero levá-la é só avisar um dia antes. Eu geralmente não a levava nem quando mamãe não estava aqui, sempre a deixei ir no escolar. Sobre a volta para a escola, eu busco e quando quiser que o escolar traga em casa, é só avisar de manhã ou também um dia antes. Vou te passar o telefone da professora tutora do escolar, tudo bem até aqui?
Nicholas assentiu e anotava o que ouvia, e que talvez soubesse que não se lembraria, no bloco de notas do próprio celular enquanto eu fui até a mesa do meu escritório, peguei meu celular e lhe encaminhava o contato por mensagem.
— Às segundas e quartas a tem natação três da tarde e vai até umas quatro e meia, mais ou menos. E nós que levamos e buscamos. Quando mamãe não estava aqui, eu conversei na escolinha então a deixava lá, e só ia buscar. Mas, o ideal é que os pais fiquem acompanhando. Se você tiver problemas com o horário, nós podemos conversar com a diretoria lá sobre mantermos o que eu fazia, ou você pode deixar para que nestes dias da semana, mamãe fique responsável por acompanhar ela... O que acha?
— Bem, e se nós fizermos assim: de domingo à quarta ela fica com você, e eu a pego de quinta a sábado.
— Você realmente quer pensar em dividir os dias da semana assim? – perguntei alarmada.
— Você discorda?
— Não, Nick... Não é isso, ela é sua filha e eu quero mesmo que vocês estabeleçam uma conexão, mas é que... Eu me preocupo se você está preparado para assumir esse compromisso.... Achei que talvez, podíamos primeiro te integrar à rotina que ela já tem, para só depois você já estabelecer dias fixos na sua casa com ela.
— Entendi... É, eu acho que você tem razão mesmo.
Respirei aliviada. E Nick mordeu os lábios pensativo, até que me perguntou com cuidado:
— Você se importaria se eu preferisse não assumir a responsabilidade da natação agora?
— Não, mas tem algum problema com isso?
— É que eu teria que conciliar as obrigações da carreira com a escolinha, e isso exige um preparo da minha equipe, mas mais do que isso, é que eu não quero falhar com a . E nem quero deixar ela lá e só ir buscar. Eu sei que ela gostaria que eu participasse igual aos outros pais.
— É verdade. Por isso que mamãe estar aqui tem sido ótimo, porque ela tem a avó durante a aula toda e não se sente excluída. Eu te entendo Nick, façamos assim: quando você puder ir buscá-la você vai um tempinho antes da saída pra assistir. Que tal?
— Bom, bom! Assim eu posso fazer dos fins de tarde e noite de quarta-feira meus dias de passeio com a .
— Ótimo! – sorri animada.
— Nos outros dias da semana, ela faz mais alguma coisa?
— Ah bem, todos os dias ela almoça assim que chega da escola e toma um banho, e uma soneca até umas duas da tarde mais ou menos. Com exceção de quarta e segunda, e de quando tem consulta ela faz os deveres da escola de três às quatro. Nos dias de exceção, ela os faz assim que chega em casa. não é boa em estudar à noite, então nunca deixe o dever para muito tarde. Os dias de consulta sempre ficam entre terça, ou sexta. sabe que ela tem natação nos outros dias, e atendimento com a psicóloga Drª. Grace às quintas. Então ele sempre pede para as consultas de serem alternadas.
Eu gesticulava e falava animada por finalmente estar conversando sobre a nossa filha com o Nick. E ele parecia atento e interessado em tudo, mas o nome de à conversa foi novamente um ponto que o fez me encarar analítico e me deixar incomodada quando eu notei. Nitidamente Nick havia ficado incomodado por se lembrar que ainda era o médico da nossa filha, e que não havia tanta formalidade da minha parte ao tratá-lo.
— Então... Ele sempre consulta ela na terça e sexta? Ou tem quantidade de consultas por mês?
— Agora as consultas tendem a diminuir, na semana que vem tem consulta terça. Ele estava fazendo acompanhamento de quinze em quinze dias com a , mas acredito que logo ele vai passar para uma vez só por mês. Este mês é o último assim... Antes era toda semana, por conta das crises hepáticas. Mas, graças a Deus, a está melhorando muito. E claro... atende também sempre que é preciso, então se acontecer qualquer coisa de urgência, você telefona para ele, ok?
Nicholas me encarava silencioso, e eu sorri discreta e levantei indo até a mesa do escritório para pegar o meu celular onde eu ainda havia deixado, depois de lhe passar o contato da professora.
— Vou te enviar o telefone dele, acho que você não tem, não é? – perguntei em tom de curiosidade e desafio, de uma forma não ofensiva e Nicholas abaixou a cabeça e riu irônico.
— Minha mãe deixou o número anotado no meu quadro de avisos lá em casa, mas é lógico que eu não tenho o telefone dele salvo no meu celular.
— Pois deveria, é o médico da sua filha. E se uma emergência acontecer você tem que acessá-lo de forma fácil. – falei convencida e enviei por mensagem.
O celular de Nick denunciou a notificação, e me olhando sarcástico ele abriu a nossa conversa e ficou encarando o contato ali. Caminhei de volta ao sofá, me sentando ao seu lado e observando a expressão irônica dele.
— ?
— Você pode salvar como Dr. . É mais apropriado eu acredito. – respondi debochada e Nick bufou contrariado, e eu, gargalhei é claro.
— ... – ele murmurou enquanto salvava o número — A gente deveria mudar o médico dela... Já que pelo visto... o se tornou algo mais.
A voz dele soava enfática e negativa ao apelido, mas eu não conseguia parar de rir.
— Mencione mudar o médico com a , e ela nunca mais falará com você, Nicholas. e se dão muito bem, e acredito que isso é causa inclusive da rápida melhora dela. Não se preocupe com a relação médico e paciente entre eles, é impecável. Ele é mais ético do que nós dois juntos.
— Certo, vamos parar de falar no quanto o Dr. Perfeitinho é incrível, e vamos falar só da .
— Mas é dela que estamos falando, se fosse para elogiar ao , eu não teria nem mesmo começado.
Nick me olhou diretamente, de novo, e eu pude ver que ele já estava irritando-se com o assunto. Então desviei o olhar e sorri debochada.
(Talvez haja uma ou duas coisas)
I think of lying in bed
(Eu penso em deitar na cama)
I shouldn't have said
(Eu que não deveria ter dito)
But there it is
(Mas aí está)
— Você vai continuar negando até quando?
— Não Nick. Não, não! Não comece com isso, vamos nos ater a falar da . – adverti já mudando a minha postura.
— Você já gosta dele?
— Nicholas...
— Não , é sério! – ele me interrompeu com tom de urgência: — Da outra vez que lhe perguntei isso, você me devolveu a pergunta. Eu só quero saber se você... Já está apaixonada por ele.
— Não era você quem tinha certeza absoluta disso?
— Eu preciso de uma confirmação.
— Então o quê? Se eu confirmar você sai da minha vida pra sempre e para de fingir interesse pela ?
— Fingir interesse? – lançou-me a voz alterada e me olhou ofendido — Eu tenho interesse nela sim! É a nossa filha!! Eu quero estar com a !
— Então não transforme todas as nossas conversas sobre ela, numa forma de saber da minha vida.
Nicholas bufou e eu também. Não estava irritada, mas percebi que não dava mesmo para baixar a guarda com ele. Me levantei dizendo que iria buscar café para nós dois, e o deixei um pouco a sós com seus pensamentos.
A equipe estava quase toda trocada, Marianne estava aguardando a minha conversa com Nick acabar para me passar algumas informações e ser liberada. Eu dei um pouco de atenção a ela enquanto preparava o nosso café na máquina, e Jackson surgiu ao nosso lado.
— , eu também estou indo.
— Certo Jack, obrigada por seu trabalho.
— Este é o café da paz? – ele perguntou e trocou olhares com Marianne.
— Quase isso. Decidi vir preparar antes que nós entrássemos em nova discussão.
— E como está sendo a conversa? – Marianne perguntou-me.
— Ele está me surpreendendo positivamente por enquanto. Mas, vão logo... Não precisam esperar eu acabar para baterem seu ponto.
— ... O Charles, ele ficou interessado, mas como você está ocupada, pode pensar em um horário na sua agenda para recebê-lo?
— Claro Jack! Obrigada por ver isso.
— Imagine ! Eu estou indo, ok?
Jackson e Marianne se despediram e saíram juntos, e antes que eu terminasse de preparar a bandeja com as xícaras, Jack olhou para trás e cruzamos olhares. Acenei gentil, e ele me encarou docemente e sorriu. Provavelmente, aquele olhar doce e sua expressão preocupada, eram uma tentativa de me passar confiança à conversa tão importante que eu estava tendo com o Nick.
Chegando à porta do escritório, abri-a com um pouco de dificuldade, e Nicholas se pôs a me ajudar. Ele levantou apressado e alcançou a bandeja em minhas mãos. Levou-as a mesa de centro, e juntos bebemos o café ainda constrangidos pelo rumo que a conversa levava anteriormente.
— , eu... Eu quero ficar com a na semana que vem, tem algum problema?
— Nick, mas nós combinamos há pouco que você iria acompanhar a rotina dela...
— calma... – ele me interrompeu — Eu só quero que ela durma lá em casa por um ou dois dias.
— Tá... Tá... – falei em tom de preocupação e Nick percebeu.
— Eu não vou tentar lhe tirar a se é disso que tem medo, ...
— Eu sei que você não faria isso.
— Não faria nada para te prejudicar, confie em mim. E também...
Nick aproximou-se um pouco mais colocando o dedo indicador na lateral de meu rosto:
— Você sabe que se eu puder... Eu quero muito voltar com você.
— Nicholas não misture as coisas de novo. – afastei-o com a mão em seu peito, mas Nick segurou-a firme em seu corpo.
As nossas respirações estavam próximas demais e eu não consegui tirar os olhos do olhar penetrante que ele me lançava. Pouco a pouco a expressão suave de Nicholas foi dando espaço para um sorriso sedutor. Eu não percebi em que momento ele havia deixado sua xícara sobre a mesinha, mas consegui resistir ao seu toque.
Aquele toque firme em minha cintura, a mão que segurava e apertava a minha ao seu peito, e os olhos hipnotizantes fixos nos meus. Foi no vacilar de seus olhos para meus lábios, que eu me dei conta de que estava quase cedendo. Remexi meu corpo em direção à mesinha onde eu pousei minha xícara também, com paciência, com minha mão livre direcionei-a a soltar a outra, presa pela mão dele. E Nicholas suspirou desanimado ao me ver desvencilhando a nossa proximidade. Ele não demonstrou nenhum tipo de resistência ao meu afastamento.
— Por favor Nick... Não faça esse jogo... Nós precisamos nos entender, de verdade.
— Eu sei. Eu só não consigo ficar tão perto assim.
— Então serei obrigada a estipular um metro e meio de distância entre nós.
O meu tom de voz era brincalhão, mas Nicholas viu em minha face que eu não estava brincando tanto assim. Ele riu, e passou a mão aos cabelos levantando-se. O observei caminhar até a mesa do meu escritório e escorar-se nela, ele indicou o chão com as mãos como se houvesse uma fita métrica ali. Eu ri, e terminei o meu café que já havia inclusive, esfriado.
— Olha, a tem psicóloga na próxima quinta-feira. O que você acha de nos acompanhar? A Drª Grace quer te conhecer há algum tempo. E isso é outra questão que eu tinha a tratar contigo.
— Eu não posso te confirmar isso agora, mas eu prometo que farei os ajustes da minha agenda para ir.
— Tudo bem, de qualquer modo, com ou sem mim é importante você procurar a Grace e marcar uma conversa. Ela é quem está tratando a sua filha e fazendo o possível para que o pai da esteja presente na cabecinha dela.
— Como assim?
— Quando estivermos com ela, você entenderá Nick.
— , você quer dizer que a está me esquecendo? – a voz dele soava desesperada.
— Não, claro que não. Mas, porque você não faz um exercício bem básico? O exercício de se colocar no lugar do outro, assim você pode tentar imaginar como a se sente. Se você fosse um garotinho de quatro anos que não teve o Paul tão presente, como iria sentir-se?
A expressão dele se tornou ainda mais assustada.
— Não estou fazendo terror Nick, é só uma questão prática. Ela vai crescer com pais separados, e nós dois iremos perder pontos da vida dela quando ela estiver com o outro. Então, se coloca no lugar dela e pense onde ela gostaria que você estivesse, e onde você gostaria de estar.
Nick me escutou com uma expressão corporal, inteiramente cabisbaixa. Estava se culpando em silêncio, se cobrando e sentindo-se péssimo. Eu sabia daquilo.
(Você vê, está tudo claro)
You were meant to be here
(Você estava destinada a estar aqui)
From the beginning
(Desde o começo)
— Obrigado , por não me poupar da realidade e por estar se esforçando pela minha relação com a .
— Você é o homem que eu escolhi para ser o pai dela, então que sentido teria eu não permanecer do seu lado?
— Como eu pude perder uma mulher tão perfeita?
— Eu não sei. Mas, pense que não perdeu. Você me teve contigo pelo tempo necessário.
— Cada dia mais, eu vejo que você não deveria ter estado ao meu lado, mas que contraditoriamente, você estava destinada a estar.
— É por aí. Pensemos assim, e não vamos ficar tocando no passado. Você quer ficar com ela este fim de semana? Você pode pegá-la na sexta... Só que ela tem consulta com o na terça-feira, então ou você a leva, ou me entrega ela antes.
— Tá... A Priyanka chega hoje então eu... Não sei como vai ser, mas... Você se refere, à sexta-feira, amanhã?
— Ai nossa, é mesmo... Hoje já é quinta! Mas... Se acha que a sua... – parei a frase no caminho, sem conseguir dizer aquilo — Se acha que a Priyanka não vai receber bem a , então nem mesmo eu irei aceitar que ela fique com você amanhã.
— Não é isso, a Priyanka adora a ... Embora a não demonstre tanto afeto por ela quanto demonstra pelo “”... – Nick me encarou sarcástico com deboche ao apelido — Mas, é que eu e a Priyanka não estamos bem desde domingo. Ela viajou e ainda não tivemos a oportunidade de conversar.
— Tudo bem, não precisa me contar suas particularidades Nick. Faça assim, se puder ir à consulta me telefona e vamos juntos. E quanto à , depois que você se resolver com a Priyanka leve-a para dormir na sua casa. Até porque agora eu tenho a mamãe para ficar com a se eu precisar, mas você não. Ou seja, na sua casa enorme vai precisar de uma babá de vez em quando.
— É verdade... Eu vou providenciar algumas entrevistas, se você quiser participar ou tiver alguém a indicar... Afinal, é alguém para cuidar da nossa filha.
— Eu posso pensar em alguém, mas sinta-se responsável por esta escolha Nicholas. Você deve lidar com algumas questões sem mim, não é?
Eu sorri lhe passando confiança, e Nicholas parecia uma criança que a mãe pede para olhar ao irmão mais novo. Eu encarei o relógio em meu pulso e Nicholas se ajeitou para sair.
— Bem, você precisa trabalhar e eu acho que não tem mais nada urgente para falarmos não é?
— Qualquer coisa que lhe surja de dúvida sobre a nossa pequena pode me ligar, e se eu lembrar de algo, eu mando mensagem a você Nick.
Nós dois sorrimos um para o outro, e nos aproximamos para nos despedir em um abraço. Abraço este que demorou um pouco mais do que eu previa, uma vez que Nick afundou seu nariz ao meu pescoço causando arrepios enquanto aspirava ao meu perfume.
— Um metro e meio Jonas. – falei ao seu ouvido e ele riu abertamente se afastando.
— Certo, desculpe! Eu estou indo... – caminhou poucos passos para trás de si, ainda me encarando.
Antes que Nicholas se virasse totalmente, eu o chamei e caminhei até ele pegando em sua mão. Apertei minhas duas mãos às suas, com um sorriso orgulhoso e encarei-lhe dizendo:
— Nós fomos muito bons como pais hoje Nick. Eu espero que possa ser daqui para melhor, pela e por nossa história.
Nicholas assentiu sem pronunciar nada e sorriu. Saiu do escritório, me deixando feliz e pensativa. Eu estava muito, muito feliz por ter dado certo. Eu queria que as coisas caminhassem para o mais rápido possível, próximo de uma amizade entre nós.
Eu ainda estava parada em pé, encarando a porta de uma forma analítica, então suspirei forte e tirei as mãos dos bolsos traseiros de minha calça. Peguei a bandeja com as xícaras sobre a mesinha e novamente me recordei de momentos antes, quando nós quase nos beijamos. Afastei aquele pensamento repreensiva! Eu não sabia o que havia acontecido, mas alguma coisa estava me deixando... um tanto quanto carente! Primeiro no dia anterior com , e depois com Nick.
— ?
Ouvi me chamarem pela porta de acesso à cozinha e fui até lá abrindo-a. Era Alex me encarando curioso e preocupado.
— Está tudo bem? Nick acabou de sair com uma cara melancólica.
— É, ele está assim hoje... Mas, está tudo bem, mon amie*...
— Ele veio para falarem sobre a ? – Alex perguntou retirando as louças da minha mão e levando-as à pia, já estava uniformizado.
— Sim! E foi ótimo.
*mon amie: meu amigo.
Meu sorriso falou por mim, e Alex me sorriu de volta. Havia alivio em seu rosto, e ele acenou afirmativo.
— Eu já vou para o salão. – beijou minha testa e fez um carinho em minha cabeça.
— E eu vou me preparar também. Te amo, e obrigada... – sussurrei o abraçando na ponta dos pés.
Alex era mais alto do que eu, e seu abraço era como o de Toni, como abraçar a um urso de tão forte. Desejei uma boa noite a todos os funcionários da cozinha, me preparei para trabalhar na cozinha aquela noite, e cumprimentei os demais quando saí pelo salão a fim de observar o começo da noite.
(Talvez eu poderia ter mudado)
And not been so cruel
(E não ter sido tão cruel)
Not been such a fool
(Não ter sido tão tolo)
Whatever was done is done
(O que foi feito está feito)
I just can't recall
(Eu só não consigo lembrar)
It doesn't matter at all
(Isso não tem a menor importância)
Capítulo 26
(I Hate You, I Love You – Gnash ft. Olivia O’Brien)
*capítulo narrado por Nicholas.
Eu saí pela calçada do De La’ olhando os próprios pés e chutando algumas pedrinhas da rua. Observei as pessoas que começavam a entrar no bistrô com suas famílias, ou amigos, ou amantes, e se o início da noite estava movimentado daquela forma, aquele seria certamente uma noite de expediente longo.
Sorri desanimado por perceber que eu nunca havia vivido aquilo. Não vivi o furor do trabalho dela, o dia a dia, ou as noites movimentadas. Não realizei aquele que era um desejo dela. dizia que se eu passasse ao menos um dia como chef auxiliar dela, em pleno expediente, com a correndo entre nós, então ela realizaria uma fantasia romântica de sua adolescência.
me pedia coisas simples. Triviais, comuns. Comuns demais para um cara como eu. E só agora eu me dava conta de tanta coisa... Estava cada vez mais difícil ficar perto dela e aceitar que ela iria fugir a cada tentativa minha de aproximação. Mas, apesar de sentir falta da mulher, eu estava muito animado por ter me saído tão bem com a mãe. Havíamos realmente, sido muito bons como pais naquela tarde.
Eu não iria deixar que a sofresse pelo péssimo pai que eu havia sido. E quando me pediu para colocar-me no lugar da ... Eu não poderia me sentir pior. Como eu pude ser tão relapso para minha filha quando eu tive o tempo todo o exemplo maravilhoso do meu pai?
Abri a porta do meu carro estacionado há alguns metros do bistrô, dei uma última olhada na fachada do lugar, e senti uma saudade absurda da minha pequenina. Dirigi até a casa de , decidido a fazer uma surpresa para . No caminho, a chamada de Priyanka me fez parar em um acostamento. Eu não estava me sentindo bem para atender aquela chamada enquanto dirigia.
— Oi Pri! Já chegou? – atendi à chamada após parar no acostamento.
— Oi Nick. Cheguei sim, estou no meu apartamento.
— Eu estou indo ver a agora, mas assim que sair de lá eu passo aí, pode ser?
— Você quem sabe. Hoje eu passo o dia descansando.
O tom de voz da Priyanka deixava claro o quanto ela ainda estava magoada comigo. E não era diferente, eu também estava. Aquelas possibilidades terríveis que permearam a minha mente antes, continuavam ali e só sumiriam no momento em que eu soubesse a verdade.
— Se você preferir deixamos para outro dia...
— Não Nicholas, tudo bem. Eu sei que você está com urgência de falar alguma coisa, já que ao menos me perguntou se eu estava bem.
— Eu ia perguntar isso, é claro que quero saber como foi a viagem e...
— Nick! Eu pensei muito sobre nós, e eu acho melhor conversarmos logo. Quando chegar, apenas interfone para eu acordar caso eu tenha dormido.
— Está bem...
— Até mais.
Priyanka despediu-se e desligou. Eu não esperava aquilo. Eu sabia o quanto ela era decidida, e o quanto ela se esforçou naquilo que encarávamos como um relacionamento. Mas, eu não achei que ela iria propor um término como me parecia.
Observei o painel do carro onde a chamada havia sido finalizada, tirei meu fone de ouvido e retornei com o carro pela avenida. Enquanto dirigia, achei prudente telefonar para a casa de . Ainda queria fazer surpresa à , mas e se ela não estivesse?
— Alô? – até mesmo a voz de Meg transbordava elegância.
— Olá Meg, é o Nick.
— Ah, olá Nicholas. Tudo bem? – e já não me parecia tão chateada comigo como antes.
— Tudo sim, e aí?
— Ah, tranquilo. Acabei de chegar da psicóloga com a .
— Não era na semana que vem?
— É semanal, Nicholas. – o tom reprovador havia voltado.
— Ah... Er... Eu ainda estou me acostumando... Bem, Meg, eu estou a caminho para ver a , tudo bem?
— Ah, claro! Ela está fazendo as lições da escola, vai adorar saber que você está vindo.
— Não, não! Eu quero fazer uma surpresa! E estou quase chegando.
— Certo, Nick.
Desligamos a chamada, e lá estava eu com um novo sorriso no rosto. A saudade que apertava em meu coração iria passar logo. E assim que estacionei em frente à nossa antiga casa, observei a rua tranquila. Aquela era a casa que preferiu. Simples, pacata, em Santa Mônica, num lugar onde a poderia brincar à rua com outras crianças quando crescesse um pouco mais. Totalmente diferente dos jardins vastos da minha mansão há alguns poucos quilômetros dali, em Beverly Hills.
Desci do carro e toquei a campainha. Logo, Meg apareceu na porta da sala, e eu ouvi o barulho do portão social destravando. Entrei e assim que estávamos frente a frente, ela sorriu amigável.
— Ela está no quartinho dela, Nicholas. Fique à vontade.
— Com licença, Meg. – sorri grato e beijei seu rosto indo até o quarto da minha pequena.
Ao chegar à porta, estava de costas colorindo. Eu me aproximei devagar, e abaixei cauteloso ao seu lado.
— Como é estudiosa a minha princesa! – pronunciei e soltou um gritinho assustado.
— Papai!
Largou os lápis de colorir e se jogou no meu colo. Caímos juntos ao chão, abraçados e eu não queria nunca mais sair dali.
— Você veio papá com a gente?
— Eu vim para te ver e te ajudar com suas lições! – falei sorridente enchendo ela de beijos.
— Fique para jantar, Nicholas.
Meg falou da porta do quarto. Ela nos observava risonha e alegre, e então eu aceitei. e eu ficamos durante todo o preparo do jantar de Meg, no quarto fazendo os seus deveres. Ela me contava animada do dia na escola, então eu perguntei sobre a consulta com a Drª Grace, e ela pareceu-me gostar muito da psicóloga também.
Quando o jantar ficou pronto e Meg veio nos chamar, eu levei a no banheiro e lavamos nossas mãos, caminhando juntos à mesa. Coloquei-a na cadeira, e como já estava habituado, fui até a cozinha impedir Meg de compor uma mesa de jantar.
— Ei, eu sou um pouco de casa, não é? Não precisa de formalidade à mesa, Meg.
Ela sorriu com a sobrancelha arqueada e me olhou de cima abaixo, apontou o seu dedo sedutor em minha direção, – porque todos os gestos de Meggie Bernard pareciam ser calculados para um filme francês, cheios de feminilidade, e que eu sempre dizia-lhe ter sido, provavelmente, a sua marca na juventude – e disse:
— Jonas, eu sei que vocês americanos comem com as mãos despojadamente ao sofá, mas eu nunca deixo um jantar sem servir-se à mesa. Sente-se lá que eu já levarei a louça.
Ela não pedia, ordenava. Meg era uma mistura de mãe zelosa, jovial, com mulher elegante e atrevida. Ela era um acontecimento, era fato.
— Deixe-me ao menos ajuda-la?
— Oh... Como você é insistente! – reclamou me olhado atravessado e eu sorri: — Está certo, tome. Leve-os.
Me entregou os pratos e eu a ajudei a dispor a mesa, enquanto cantarolava uma música da escolinha. A adorava cantar, e eu torcia para que ela também pendesse ao lado da música como eu. Embora, os percalços da minha profissão me fizessem às vezes, desejar que ela fosse uma cozinheira apaixonada como a mãe.
Quando já estávamos nos encaminhando a sentar à mesa, a porta da sala fez um barulho sendo destrancada. Meg caminhou curiosa até lá. Por que estaria retornando tão cedo? Também fiquei curioso e me encaminhei um pouco para a direção da sala.
— Oi mãe!
— O que faz aqui?
— Nick? – a voz confusa e o olhar surpreso de me mostravam o quão estranho eu parecia naquele lugar agora.
Nos aproximamos e nos cumprimentamos num abraço amigo. sempre foi um cunhado incrível, éramos tão amigos quanto eu e meus irmãos apesar de todas as minhas instabilidades com . Nos dávamos muito, muito bem, e ele cuidava de sua irmã como um urso feroz. A cada vez que eu vacilava, aparecia onde quer que eu estivesse para me intimidar. E geralmente, era acompanhado de Kevin e Joe. Porque até quando a estava errada, a culpa era minha. E agora até vejo que realmente, eu era. Mas, o fato é que eu nunca achei que me receberia tão bem depois que nos reencontrássemos.
Quando a minha suposta traição de foi confirmada e o divórcio caiu como um meteoro na nossa vida, me procurou. Foi a última vez que nos vimos antes de eu viajar, para aquilo que eu chamava de turnê, e agora via que era uma fuga. Eu não achava que me abraçaria novamente. Mas, não havia nenhum resquício de preocupação no rosto de ao me encarar naquele momento. E se ele não se preocupava, era porque eu realmente estava ocupando outro posto da vida de . O posto de pai da sua filha. O posto de alguém que não poderia mais fazer o seu irmão se preocupar, caso o coração dela sofresse de novo. Aquela, foi a pior recepção que eu poderia ter de , no nosso primeiro reencontro depois de tudo.
— Oi ... – falei sem graça — Eu vim passar um tempinho com a .
— Ah claro, claro! Desculpa a surpresa, mas é que ainda não tínhamos nos visto e eu não esperava...
— Não esperava me ver aqui.
— Na verdade, eu não esperava te ver aqui hoje apenas. Você é o pai da minha sobrinha, é normal te encontrar aqui, não é?
Assenti em silêncio. “O pai da minha sobrinha” não era o título que eu gostaria de ouvir mesmo. Porque na minha casa, ainda era a para todos os meus familiares. Ela era sim a “ mãe da ”, mas até assim era diferente. era da família, e eu não me sentia contemplado da mesma forma. Ou talvez fosse o meu ego me fazendo de vítima de novo. Equivocadamente.
— Já que está aqui, venha jantar ! – Meg soou enfática nos fazendo sorrir ao vê-la dar-nos as costas mandona.
— Não mãe, obrigada, eu passei só para pegar uma pasta que a folgada da pediu.
— Não chame sua irmã de folgada. Você esteve no restaurante?
— Não, estava saindo do escritório e ela me pediu para passar aqui e pegar. É coisa urgente.
— Ah... Mas está tudo bem por lá, não é?
— Sim, sim, é só alguma coisa de fornecimento ou sei lá... Eu só vou pegar a pasta e estou saindo.
Meggie o encarou da copa, onde estava sentando-se à mesa de jantar. Ela iria alfinetá-lo. Eu percebi por seu olhar.
— Quando tiver tempo para a sua mãe, venha ficar um pouco comigo. Eu saio da França para ficar perto de vocês, e tenho uma empresária trabalhando até a madrugada, e um filho que eu mal vejo.
— Mãe... – ia retrucar, mas trocamos olhares e ele apertou os lábios se dando por vencido — Eu virei neste fim de semana!
— Ótimo! Nicholas venha logo se sentar para comer! Parece que nunca viu o !
Arregalei os olhos com a maneira como Meg me bronqueou, gratuitamente, e calado caminhei de encontro ao meu lugar. se aproximou para beijar e brincar um pouco com a . Começamos a nos servir, e foi ao quarto de não demorando nem mesmo cinco minutos.
— Peguei e já estou indo! Um beijo na minha sobrinha mais linda! – beijou a que soltou suas risadinhas fofas e se aproximou da mãe repetindo o gesto — E um beijo na minha madame ciumenta.
Meg encarou-o com um sorriso satisfeito e brincalhão e nem parecia a mãe que havia se feito magoada com ele, minutos antes.
— Bem, você não quer um beijo não é? – ele me perguntou me arrancando um riso.
— Um aperto de mãos já está bom. – estendi meu cumprimento.
— O que você acha de sairmos para beber, qualquer dia? Chame todos os Jonas. Eu vejo mais o Joe e o Kevin do que você!
O convite me pegou de surpresa tanto quanto a afirmação.
— Eu acho ótimo, assim que você tiver um tempo, pode me ligar!
— Nick, o homem de negócios aqui sou eu, mas é você quem tem uma agenda cheia. – ele riu debochado.
— Certo... Eu te ligo então.
— Abraços nos Jonas! Bye, bye família!
saiu apressado e me deixou pensativo sob o olhar analítico de Meg que já comia.
— Não vai comer, papai?
Despertei dos meus pensamentos com a voz fofa da minha filha, fazendo um aviãozinho com seu garfinho ao meu lado. Abri a boca e ela gargalhou quando eu comi, então dei atenção ao meu próprio jantar.
— Kevin e Joe estiveram aqui, um tempo antes de eu voltar Nicholas. Ao que entendi, tem a ver com o aniversário da Valentina.
— Ah, sim... É mesmo... É só que, às vezes parece que meus irmãos são mais presentes aqui do que eu.
Eu não tinha medo de confessar os meus sentimentos para Meg. Nós éramos a certo ponto, até parecidos. Ela era uma mulher impávida, e eu um teimoso. Meg encarava-me de frente desde que nos conhecemos, e nunca mediu palavras fossem elas, duras ou doces. Ela foi por muito tempo como uma segunda mãe para mim. E eu esperava ser um bom filho, mas sentia que não fui apesar de nunca esconder dela, nada que passasse por minha cabeça e coração. Talvez por isso, ela fosse tão dura. Meg sabia que eu amava à , sabia puxar as minhas rédeas, e sem dúvidas, de todas as pessoas depois da minha família, creio ela ter sido a pessoa que eu mais decepcionei.
— Mas você vai mudar isso não é? – sua pergunta, o sorriso de canto e a sua atenção totalmente voltada ao próprio prato. Ela não me encarou, e eu soube que aquela pergunta era o fio de esperança de Meg, para que eu mantivesse o carinho dela por mim depois de tudo.
— Com certeza! Estive com a hoje, e tivemos uma boa conversa sobre a rotina desta bonequinha aqui.
— Hm... – me olhou com satisfação — Isso é ótimo! Eu fico feliz. A se divertiu tanto nas compras com você, ela quer mesmo ter o pai com ela.
— E eu quero estar com ela também, vou conciliar melhor o trabalho.
— Exatamente Nicholas, é o seu trabalho que deve adaptar-se à sua família. E não o contrário. Erros existem para aprendermos a não cometê-los novamente.
Concordei com Meg, sorri e entre uma garfada e outra, eu brincava de aviãozinho com a .
Antes de ir embora, Meg quis me dizer algo. Eu a ajudei com a louça, coloquei a para dormir, e o relógio já marcava as dez horas da noite. Priyanka não se importaria se eu não fosse aquele noite, afinal, ela estava cansada. Então eu decidi ficar com minha filha por mais um tempo, e em seguida ir para casa. Na manhã seguinte eu falaria com a Pri, começaria a busca por uma babá e depois iria a um evento social que estava agendado à noite. Se Priyanka me acompanharia, era outra história.
Já na porta da sala, à caminho do portão, Meg me abraçou em despedida e pegou meu rosto com suas mãos, ajeitando o meu cabelo. Como antigamente, como a mãe que foi para mim.
— Nick... Eu quero muito vê-lo feliz, mas eu não quero vê-lo com a . Não é só pelo modo como acabou, mas justamente porque acabou. Eu me disponho a estar presente para o que você precisar, mas... É a minha filha primeiro. E sabe, eu quero muito que você siga o seu caminho, feliz, da forma certa, ao lado da sua filha e até ao lado de , e eu. Mas, ocupando outro espaço. Entende?
— Entendo a sua preocupação Meggie. E agradeço o seu carinho. Sei que te decepcionei, magoei a todos e eu realmente não tenho como voltar atrás. Mas, eu amo a de verdade, e eu tenho o direito de tentar começar de novo. Voltar atrás não, mas recomeçar sim. E eu quero recomeçar com ela, se ela quiser e deixar.
Meggie suspirou descontente, não me olhou nos olhos, cruzou os braços e assentiu com um aceno de cabeça. Ela me conhecia, e sabia que eu não iria simplesmente desistir.
— Eu só não quero que você magoe minha filha ainda mais, e nem a minha neta.
— Eu não farei isso, pode confiar dessa vez.
— Eu também não quero que você se magoe Nicholas.
— Obrigado Meg. Eu vou fazer da melhor forma possível, mas se eu tiver que me magoar, dessa vez não vou fugir.
Ela me encarou com um ar de orgulho discreto. E eu sorri feliz por perceber que ela iria me dar aquele voto de confiança. Beijei sua testa, e quando passei pelo portão social de grades brancas, acenei com a mão e um sorriso indo até o meu carro.
(Me sentindo usada)
But I'm still missing you
(Mas eu ainda sinto sua falta)
And I can't
(E eu não consigo)
See the end of this
(Ver o final disto)
Just wanna feel your kiss
(Só quero sentir seu beijo)
Against my lips
(Nos meus lábios)
Na manhã seguinte, eu estava a caminho do apartamento da Priyanka, convidei-a a tomar café comigo, mas sob a justificativa de estar muito cansada, ela preferiu ficar em casa e comer algo por lá.
Minha entrada foi liberada na portaria logo que eu surgi, e com tranquilidade – pois estava medindo-me e controlando-me para uma conversa que eu sabia: não seria fácil – adentrei ao elevador em direção a cobertura. Enquanto observava os números mudarem de cor no painel do elevador, eu imaginava como começaria o assunto. Talvez, voltar ao passado e esclarecer os fatos não seria tão difícil quanto dizer a ela, que eu ainda amo e quero voltar à minha família. Por todos aqueles anos, Priyanka fez parte da minha vida, em diferentes posições, mas eu não precisava tê-la colocado onde estava agora, e ser tão precipitado.
Caminhei rumo ao hall de seu andar, e toquei a campainha. Cinco minutos foi o tempo que eu pedi a ela, na primeira vez que nos vimos. Cinco minutos foi o tempo necessário para eu me apaixonar por ela, entre beijos corridos, amassos quentes e uma promessa de “meu agente liga para o seu”. Cinco minutos foi o tempo que levou para que ela atendesse à porta.
— Oi Nick...
Ela surgiu à porta, vestida com um vestido solto e confortável, seu curto cabelo meio preso, a expressão de preocupação como a minha, mas o brilho nos olhos ao me ver era o mesmo. Cauteloso, e meio com “rabo entre as pernas” eu me aproximei a puxando num abraço, que foi correspondido. E logo, ela me beijou.
— Oi Pri... – respondi acariciando o rosto dela.
Priyanka me deu espaço para entrar e se colocou em direção à cozinha para terminar de servir a mesa. Foi o tempo de eu observá-la um pouco, e suspirar pesadamente fechando os olhos. Eu não sabia mais uma vez, se eu deveria terminar ou não. Achei melhor conversarmos aos poucos, e verificar se ela quereria o fim daquilo como eu achava que era o certo. Direcionei-me até a mesa de jantar, onde ela estava terminando de servir as coisas, e ajudei com o que tinha para fazer.
— Uoow, waffles com mel. Eu adoro! Não precisava se incomodar Pri.
— E o que nós íamos comer? Frutas? Aliás, eu vou trazer as frutas.
Peguei em sua mão a impedindo de ir. Ela sorriu confusa, mas logo entendeu.
— Já tem coisas demais aqui. Vamos nos sentar...
— Tudo bem... Acho que você não gosta muito da minha comida, não é?
Já estava com a xícara na minha mão quando a ouvi. Parei de me servir e observei atento ao rosto dela, que não me encarava de volta.
— De onde tirou isso? Adoro sua comida! Adoro suas samosas! Eu só não quero te dar um trabalho desnecessário.
— Eu só queria cozinhar para você, te receber com uma mesa incrível de café da manhã... Afinal...
— Afinal, não tem necessidade Pri. Somos só nós dois. – interrompi imaginando onde ele iria com aquilo.
— Afinal, você sempre deixou claro o quanto amava quando sua mulher cozinhava para você, pelo cuidado dela sentia todo o amor que ela lhe tinha.
Ela disse. Eu deveria ter adivinhado que Priyanka estava “tranquila” demais naquela recepção. Mas, na hora que eu iria pedi-la para não iniciar assuntos sobre , ela se manifestou novamente:
— E eu sou a sua mulher. – um tom enérgico e forte de quem se fazia entender, antecedeu ao melodioso e gentil tom de voz a seguir: — Então, só estou cuidando de você. Mas, vamos comer, meu amor!
Eu não me lembrava daquele lado decidido da Priyanka. E talvez, não houvesse reparado ainda, mas como eu estava na posição de “acho que vou terminar tudo”, a minha defensiva me deixou mais atento.
Não falei nada, e apenas tomei café enquanto conversávamos sobre a viagem. Ela dizia que a campanha publicitária no Marrocos, para a marca de joias árabe foi linda e um sucesso. Eu ouvia atento cada detalhe, durante o café, durante a retirada da mesa, durante o momento de limpeza do que havíamos sujado, e durante nossa caminhada até a sala.
— Deveríamos ir ao Marrocos, numa viagem juntos Nick. – ela falou quando nos sentamos ao sofá.
Eu não concordei, e não neguei. Suspirei pesadamente olhando minhas mãos entrelaçadas e lhe lancei um sorriso falso.
— Certo, então é agora. O que você tem a dizer?
Priyanka entendeu meus gestos e na mesma hora sua postura mudou. Suas pernas que estavam dobradas ao sofá com o seu corpo confortável escorado a ele, deram lugar a uma coluna ereta, um olhar fixo a mim, e mãos sobre as próprias pernas.
— Quero falar do dia da viagem.
— Hm... Pode começar.
— Eu não quis te ofender ou fazer você se sentir fora do lugar, mas eu te pedi para não aparecer lá. A estava num evento convidada por Dani e Kev, para os preparativos da Tina, e mesmo que divorciados eu não quero que ela rompa as relações dela com meus familiares que tanto a estimam, porque eu vou estar presente com minha namorada.
— Eu vou repetir o que te disse antes Nicholas: não foi proposital. E você não conhece a ! Ela não vai deixar de estar nos lugares que ela quiser por sua causa! Ela é madura e eu sei que, se ela evitar estar entre nós, é justamente porque ela quer, e não por se sentir acuada.
— Você também não a conhece Priyanka. Mas, esta não é a questão. O que você fez no domingo não é o ponto, e até mesmo este meu sentimento de proteção com a mudou, porque eu descobri que ela está muito mais avançada do que eu nisso de superar ao divórcio.
Priyanka me observou de um modo analítico e confuso. O que era comum, ela não sabia dos avanços que eu havia feito em uma semana.
— Então qual é o ponto Nicholas? E... Me explica o que você quer dizer com “superar ao divórcio”. – ela ironizou.
— Eu precisei citar o dia do almoço, porque foi depois que você saiu que algumas coisas aconteceram e....
— Nicholas...
Priyanka me interrompeu, com os olhos urgentes e uma respiração ofegante expressada na sua voz ao me chamar. A sua interrupção e o modo como encarou as minhas palavras deixavam nítido o seu medo.
— e eu não voltamos, Pri.
Como se eu houvesse tirado um peso de suas costas ela se sentiu aliviada, e o peso passou para as minhas.
— Só me escuta, por favor. – pedi e ela concordou — e eu tivemos uma conversa depois que você saiu. Havia ficado um clima estranho, que eu percebi ter sido culpa da minha reação com a sua chegada, mamãe me repreendeu, todos estavam sem saber como agir, menos a . Ela soube conduzir a situação com um indiferença invejável, mas eu sentia que precisava me desculpar com ela. E então nós dois falamos sobre... tudo. Ela me contou como se sentiu com o divórcio, me contou as fases que passou, as cobranças, a dor, e que... Que está se redescobrindo, a ouvindo falar, eu notei o quanto eu não estava lidando diretamente com tudo. me aconselhou a não depositar em ninguém expectativas que dependem de mim. Me pediu para não te magoar, porque você não merece nada disso.
Parei de falar para observar a reação de Priyanka, ela sorriu com seu ar de sabedoria e ao ver que eu aguardava seu comentário, o soltou:
— Como eu disse, a é madura. Se não fosse nossa trajetória Nick, eu seria amiga da . E só não o sou, porque entre nós duas existem desacertos por sua causa.
— Vocês ainda podem vir a serem amigas um dia, quem sabe? Isso depende de vocês duas.
— Acho que para isso, terá que ser muito mais madura para lidar com nós dois juntos, porque sem você ao meu lado, eu não vou conseguir ser amiga dela. Até por que, se não for eu ao seu lado, será ela, não é?
Aquilo me preocupou, muito mais do que preocuparia antes. Não pelo teor de inquisição sobre “ela ou eu ao seu lado”, mas justamente por perceber que Priyanka não estava aberta a possibilidade de não estar comigo. A impressão da possessividade dela, que me passou à mente, também me fez refletir se não era eu o culpado.
— Pri... Deixa eu terminar a minha história.
— Até porque você não tem a resposta da minha pergunta.
— Bem... A me disse muitas coisas, eu também disse algumas coisas a ela, e eu percebi... – parei um momento para pensar nas palavras — Bom, depois da nossa conversa, ela foi embora. Mas...
— Não pule a história Nicholas. O que você disse a ela, e o que você percebeu?
Não havia como fugir. Eu teria que contar tudo.
— Eu percebi que ainda amo a , e eu contei isso a ela.
Priyanka ficou em silêncio. Desviou os olhos dos meus, e bufou. Se levantou do sofá caminhando lenta até a porta de vidro da varanda da sala de estar, onde estávamos. Olhando para a paisagem lá fora, ela me encarou derrotada.
— Isso não é uma novidade para mim.
Observei-a vir à minha direção decidida, e nada surpresa e quem estava surpreso era eu.
— Eu sempre soube. É nítido Nicholas que você não superou o fim de tudo, da forma como foi. E eu me dispus a aceitar estar com você, da forma que fosse possível, quando fui ao seu camarim naquele show.
— Pri... Como você pode aceitar ficar com alguém que não te quer?
— Você não me quer? – a surpresa que não viera antes, estava presente em seu rosto agora.
— Você acabou de dizer que sabia que...
— Você ama a . – ela me interrompeu — Eu sei disso, e não sou burra de achar que de uma hora para outra você iria me amar. Se você me amasse estaríamos juntos a mais tempo e não teria sido como foi. Mas, a questão é que mesmo não me amando você sempre me quis Nick. Você me deseja, e sempre deixou isso claro. É na sua paixão que eu me agarrei todos estes anos, e ainda me agarro. Porque eu sei que no dia que não houver sentimentos pela , você irá me amar.
Cocei a cabeça num misto de susto e desespero. Afinal de contas, o que eu havia feito com a minha vida? Priyanka declarava se comportar como uma sanguessuga, ligada a um sentimento tão carnal como só a paixão pode ser. Que espécie de estratégia era aquela? Um tudo ou nada, tão absurdo, e tão cheio de “nada” quanto eu provava ser: afinal, a paixão quando acaba não tem força para fazer ninguém ficar. Eu não queria ficar, e ouvindo-a naquele momento, senti que não deveria.
— Pri, você entende a gravidade do que disse? – perguntei curiosos observando a mulher revirar os olhos, e me encarar como se pedisse para eu não julgá-la.
— Nick, você não me quer mais? Não me deseja, é isso?
Ela aproximou-se mais de mim, calma e focada. Sentou-se ao meu lado de novo, e com olhos de súplica me pegou desprevenido. Eu não conseguiria responder.
— Eu não disse isso, é só que...
— Ótimo. Então esquece essa história. Eu me responsabilizo pelos sentimentos que eu nutro, ok?
— Priyanka. Não é só uma questão de amar a . Meus pais e irmãos me lavaram a cara, naquele dia! Eu ouvi tudo o que eu deveria ter escutado antes, e eu percebi o quanto eu fugi das responsabilidades. No meio da minha fuga eu te encontrei e te carreguei para dentro de tudo isso, sem ao menos pensar do que é que eu estava fugindo!
A minha paciência estava minando. A maneira como Pri se colocava disponível a mim, o modo como sua mão acariciava meu braço naquele momento – num toque sedutor demais para eu ter foco à conversa –, o olhar suplicante dela a me fazer sentir culpa. E quando a culpa surgiu, as memórias das conversas daquele dia também vieram. Com as memórias, o fato de supostamente eu ter sido enganado por Priyanka, e então a minha paciência de quem se colocava no lugar de vilão desapareceu para eu tomar o lugar de vítima.
— Do que você fugia? Da sua realidade de perder a sua família! Isto é óbvio Nicholas.
— Não! Eu fugia de encarar a verdade Priyanka! A maldita verdade que eu não busquei esclarecer! Eu confiei na sua história e não a confirmei! Assumi o dedo julgador de em minha direção. Deixei ela acreditar e eu acreditei....
— Nicholas! – Priyanka se levantou ofendida, e eu me levantei também a encarando — Do que você está falando?
— Estou falando de não saber o que aconteceu entre nós, e só você ter a verdade. Eu não tenho lembranças daquele dia por conta do álcool, mas você me contou uma versão e eu acreditei.
— Espera... Você... Está me acusando de armar para o seu divórcio?
Priyanka parecia uma loba raivosa naquele momento. Ela se afastou aos poucos de mim, e cerrou os dentes. Eram raros os momentos em que eu a vi assim, desde que a conheci.
— Não estou te acusando. Eu só quero esclarecer...
— Só se esclarece o que se tem dúvida! Se você tem dúvidas do que você fez aquela noite Nicholas, eu te conto tudo de novo! Nos mínimos detalhes sórdidos se preferir! Mas é só o que eu posso fazer! Se você não acredita em mim, trate de se lembrar do que você fez!
Ela despejou e caminhou até a porta do seu apartamento abrindo-a para eu sair.
— Eu não vou embora se está me expulsando. Eu quero ouvir tudo de novo, e coloque –se no meu lugar. Você é a mulher que diz saber que eu não a amava, e que aceitou estar ao meu lado por mínimo que fosse, o que eu pudesse te oferecer. Se fosse o contrário? Eu e você terminando por algo que você nem sabe como fez, e só existisse a testemunha apaixonada por você, para lhe contar a verdade? O que você faria Priyanka?
Capítulo 27
*capítulo narrado por Nicholas.
Priyanka vacilou. A sua postura tão firme de quem minutos antes me expulsava, dera lugar a uma fraqueza de quem não conseguiria nem mesmo expulsar-me ou responder à minha pergunta.
— O que eu faria?
Ela balbuciou pensativa e fechou a porta atrás de si. Eu ainda estava de pé no meio da sua sala, com meus braços cruzados de quem esperava resposta. E ela, caminhou até mim com uma mão na cintura, e a outra na nuca. Ao se encontrar em minha frente, Priyanka novamente mostrou-me que eu ainda tinha muito a aprender. Com seu sorriso irônico ela apenas se aproximou de mim, pegando o meu queixo delicadamente.
— Para começar Nick, eu resistiria desde o início.
Disse, e de repente sua boca roçava na minha. Aquela mulher confusa e pensativa em uma resposta, não estava mais ali. A cada passo para perto de mim, Priyanka sabia exatamente como virar o jogo de “certo e errado”. Sem tirarmos os olhos um do outro, eu sentia os lábios carnudos de Pri beijando os meus, de forma casta, mas provocante e levei minhas mãos à sua cintura, apertando-a firme. Eu travava uma luta interna entre afastá-la ou desistir daquela conversa. Mas, o risinho debochado que lhe escapou o canto dos lábios me fez encarar a situação com mais realidade: ela estava me mostrando o quanto eu era fraco.
— Resistiria... – eu falei a afastando delicadamente e encarando sua face desafiadora — Então eu sou mesmo um cara manipulável, e não consegui resistir à sua sedução? É isso que está me dizendo?
— Não Nick. Eu estou dizendo que eu não deixaria brechas a nenhum outro homem, se eu o amo. Foi o que você fez comigo. Então, me colocar no seu lugar é impossível, porque a verdade é que se você realmente amasse a , nós dois não teríamos sido pivô de nenhum final.
— Eu amava e ainda amo a , Pri. Mas eu e você fomos noivos! Apostei que daria certo ser o seu amigo, só que eu não percebi ou não quis aceitar que você estava o tempo inteiro deixando bem claro, que não iria desistir!
— Você vai me transformar na vilã? Eu nunca te obriguei a nada Nicholas!
— Não, não estou te transformando na vilã, mas você não pode dizer que eu fui o único culpado! Eu tive amor por nossa história, carinho por seus sentimentos, e várias vezes eu fiquei do seu lado e contra a mesmo quando todos os outros me diziam que eu deveria me afastar de você! Eu apostei que nós tínhamos uma relação que valeria a pena até o final! Você era minha amiga Pri...
— O que você fez, foi inverter os papéis Nicholas. Quando eu fui sua noiva você só enxergou os defeitos de uma relação, e colocou a no posto de sua amiga como eu fui ao início. E depois, você casou-se com a , e me colocou no lugar dela.
— Se sabia das minhas burradas, se sabia da minha covardia, por que não me parou?! Por que não foi minha amiga e me alertou que eu estava caminhando para um erro?!
Gritei. Gritei com dedos acusadores para ela. Eu ainda não sabia como eu pude me enovelar em tantos embaraços que agora nem mais faziam sentido.
— Um erro? Então você acha que eu deveria tê-lo dito para nos afastarmos e tirar a responsabilidade das suas costas?
— Você diz que me amava, mas como poderia ficar feliz por mim enquanto me viu andando em direção ao precipício?
— Precipício? Então eu sou o precipício? Porque era para mim que você corria depois de brigar e discutir! Era para mim que você ligava de madrugada, quando estava bebendo frustrado em um bar qualquer, por mais uma vez fazer a sofrer! Era eu quem ouvia as suas lamúrias de que “ não confia em mim”, sem se dar conta de que eram as suas escapadas escondidas à minha direção, que davam a toda a munição para desconfiar de você! Era eu, Nicholas! Eu que largava tudo para te dar o meu ombro!
Ela também gritou. Eu já imaginava que não seria fácil. Ela gritou e chorou. E eu precisei de ar. Caminhei rumo à varanda da sala dela, e abri a porta de vidro chegando lá fora e respirando profundamente o ar matutino. Escorei na grade e olhei para os treze andares abaixo de mim. Na rua, as pessoas caminhavam apressadas, carros iam e vinham e a vida continuava o seu curso rotineiro, enquanto eu, ali em cima os observava e pensava: o que eu iria fazer?
— Nicholas.
Ela me chamou surgindo atrás de mim, e quando a olhei Priyanka caminhou em minha direção e escorou-se à grade do meu lado.
— Eu não poderia simplesmente o ignorar ou te pedir para sair. Posso estar errada por saber que as coisas não estavam certas, que o seu jeito de lidar com tudo era errado, mas como eu poderia te afastar se o que eu mais queria era estar com você?
Havia franqueza na sua fala e dor em seus olhos. Peguei sua mão e acariciei mais calmo, e fui tão franco quanto ela:
— A questão é que eu não sei o que eu faria se fosse você, talvez eu fizesse a mesma coisa... Não tenho que te julgar realmente, mas Pri... Eu não sei o que aconteceu naquela noite, e depois de conversar com meus irmãos eu percebi que apenas abri mão de lutar por meu casamento. Talvez eu estivesse assumindo uma maneira mais fácil de extirpar todo um casamento pesado, mas... Eu me dei conta de que os erros são antigos e de que a minha melhor chance de resolver, eu ignorei. E depois, tem a minha culpa e consciência que persistem em me acusar, mas a verdade é que eu não me sinto culpado por trair. Eu posso ter traído a com você em todos aqueles anos, quando eu procurava você para conversar e não ela, mas eu sinto que eu não traí naquela noite... Desculpe-me por dizer isso, mas...
— Nick... O que muda se eu te contar tudo de novo?
— Eu não sei, mas eu preciso saber que você está sendo sincera.
(Eu te odeio, eu te amo)
I hate that I love you
(Eu odeio te amar)
Don't want to, but I can't put
(Não queria, mas não consigo colocar)
Nobody else above you
(Mais ninguém acima de você)
I hate you, I love you
(Eu te odeio, eu te amo)
I hate that I want you
(Eu odeio querer você)
You want her, you need her
(Você quer ela, você precisa dela)
And I'll never be her
(E eu nunca serei ela)
— Nicholas você me ofende demais. Eu sempre fui sincera, mas a verdade é que você não quer acreditar em mim, e não vai. Eu posso te contar mil versões diferentes, mas você só irá acreditar naquela que tirar a sua culpa. Ou seja, você está buscando em mim o motivo para poder sair correndo até a e dizer: “eu não fiz aquilo, por favor, vamos voltar”! Mas, a questão é que voltar com ela ou não, não depende daquela noite! E você não vai acreditar em mim, mais uma vez. Então o melhor é, nós apenas pouparmo-nos de machucar um ao outro cada vez mais.
— O que você quer dizer?
— Eu te amo Nick. Eu te amo há tanto tempo, e eu sempre soube das suas migalhas todos estes anos, mas eu não conseguia simplesmente te deixar. Eu odeio a forma como eu te amo, porque eu sei que é imaturo para uma mulher como eu, porque eu sei que não está certo, mas... Eu não sei se posso continuar. Ao mesmo tempo em que eu te amo, eu odeio esse amor, eu te quero e eu odeio te querer, porque não foi somente no domingo que os problemas surgiram... Todo o tempo ao seu lado foi problemático, só que desde o seu divórcio você estava disposto a tentar criar um laço mais sincero comigo. Então você a vê, você a reencontra, você a humilha, mas é só aparecer alguém melhor do que você ao lado dela, e pronto. É ela quem você quer, não é? É dela que você precisa e não de mim. Eu nunca serei a , e não posso me ferir ainda mais nesse jogo.
Priyanka chorava e eu também. Era terrível saber que eu estava causando aquele sofrimento a ela, a mim, e a tantas pessoas por tanto tempo.
— Vamos... Vamos dar um tempo? – perguntei.
— Você já se deu este tempo, desde antes de chegar aqui esta manhã. Vamos terminar.
— Tem certeza? – como um estalo, eu me dei conta do que fazia, e neguei com a cabeça reformulando: — É, é melhor. Eu acho que não posso mais te prender dessa forma.
— Se você tiver que voltar para mim, Nick, que seja inteiro. Eu nunca vou ser a . Eu não nunca vou ser ninguém além de mim, então pode tentar reconquistar a sua família... Vai lá e recomeça, mas se não der certo, não me procura. Eu não quero estar disponível para ser um ombro amigo, e nem ser o seu estepe de novo.
— Eu entendo... Eu realmente entendo, mas Pri... Eu tenho um carinho absurdo por você e quero que saiba que eu irei separar muito bem as coisas caso você precise de mim. Tudo bem?
— Obrigada Nick, mas eu não vou precisar. Acho que nós dois precisamos aprender a não depender um do outro, nem mesmo como amigos. Pelo menos neste primeiro momento... É melhor não confundirmos.
Ela retornou para a parte de dentro do apartamento e eu olhei mais uma vez para a rua abaixo de nós. Desencostei da grade, arrumei minha postura e ajeitei a jaqueta que eu vestia, e a segui.
— Você ainda quer ouvir de novo o que aconteceu aquela noite, ou já estamos resolvidos?
Senti que Priyanka sabia desde o começo que, o que eu realmente desejava era terminar, mas pressenti que ela também achou que a história de desenterrar o passado da traição fosse uma forma de chegar ao ponto em que estávamos. Mas não, eu realmente queria tirar aquela história a limpo.
Eu desconfiava dela, era óbvio, e assumir isto talvez fosse mais certo do que esconder. Porém, como eu poderia tocar naquele assunto de novo depois de fazê-la chorar e terminar algo que eu comecei errado? Seria pisar demais no coração da Pri.
— Não. Vamos esquecer isso... Você está certa e nada vai mudar. Melhor evitarmos nos machucar.
Priyanka concordou ainda enxugando a face e eu me aproximei, não pude evitar consolá-la. Enxuguei seus olhos e lhe dei um abraço apertado. Ela chorava silenciosa, não iria desabar na minha frente.
— Eu vou indo... É melhor não é?
— Sim, por favor, preciso de um tempo... Nós temos muitas coisas a resolver sobre o trabalho, então... Só, vamos nos dar um tempo.
— Claro, claro... Qualquer coisa você pode me ligar... Bem...
Ela caminhou rápida até a porta da sala, e a abriu. Entendi o recado e saí por ela olhando para trás e beijando a testa de Pri. Ela sorriu fracamente, e fechou a porta sem demoras. Encarei todo aquele corredor e já no elevador percebi o quão meu rosto estava normal. Deve ter sido difícil para Priyanka perceber o pouco abalo do meu espírito, e eu deveria me envergonhar, mas estava aliviado. Parecia que finalmente eu começava a fazer as coisas do jeito certo. Me despedi do porteiro, atravessei a rua em direção ao meu carro e depois de um tempo pensativo ao volante, decidi fazer como as pessoas à rua. Seguir em frente.
— Você quer pegar a hoje?
O barulho da cozinha mostrava que ela estava a todo vapor, aquele não era o melhor momento de telefonar para a visto que, ela estava muito ocupada até para entender o que eu havia dito.
O barulho da chuva caindo ao lado de fora do meu carro também não ajudava a ligação ser nítida. Eu estava estacionado ao sinal de trânsito, a caminho da minha casa quando decidi telefonar e perguntar se poderia passar o final de semana com a .
— Não ... Amanhã cedo! Hoje à noite eu tenho um evento, não posso...
— Nick! Eu não estou entendendo bem, a ligação está cortando! E eu estou muito ocupada aqui, tudo bem me mandar mensagem?
— Ok! Ok, eu vou desligar! – falei um pouco mais alto.
Aquilo era incomum demais, o fato do sinal telefônico falhar em Los Angeles... Mas a chuva estava cada vez mais forte e eu já me preocupava em como seria mais tarde. O semáforo abriu e os carros aceleraram, assim como eu.
Embora quisesse muito ouvir a voz da , eu não telefonei de novo. Joguei as chaves do carro na mesa central da sala de estar, me joguei no sofá e puxei meu celular enviando a mensagem.
Nick: “Eu tenho um evento esta noite, e não posso pegar a hoje, por não ter quem fique com ela, então queria saber se tudo bem ela passar o final de semana comigo. Eu passo amanhã cedo na sua casa para buscá-la. Responda quando estiver mais livre, vou aguardar. Beijos...”
Encarei o final da mensagem, e não poder dizer “te amo, ma vie*” como fazia quando éramos casados, me dilacerou. Mordi os lábios ainda preso às reflexões da conversa de mais cedo com Priyanka, observei aquela casa enorme, vazia, fria e silenciosa demais até para um dia de chuva forte. Embora soubesse que a minha vida pessoal afundava numa areia movediça de perdas, eu estava satisfeito. Às vezes precisamos perder tudo para realmente ter tudo.
Meu estômago roncou e eu me lembrei de que não havia nada preparado para almoçar, e também não queria comer fora. Levantei-me e caminhei até a cozinha, vasculhei as possibilidades e achei melhor preparar uma salada com alguma carne. Não gostava de comer muito, e nem poderia abusar depois do café da manhã farto de carboidratos e frutoses. Estava sedentário há algum tempo, e aquele era outro ponto a resolver após a babá. A babá! Num estalo mental, eu me lembrei de que precisava resolver aquilo. E sabia exatamente quem me ajudaria.
*ma vie: minha vida.
I miss you when I can't sleep
(Eu sinto sua falta quando não consigo dormir)
Or right after coffee
(Ou logo depois do café)
Or right when I can't eat
(Ou quando eu não consigo comer)
Depois de tomar banho, vestir agasalhos confortáveis e começar o preparo do meu almoço, eu decidi ligar para a Dani. Mas, lembrei que as meninas também deveriam estar almoçando, então a ligação poderia aguardar. Só depois que eu saboreei sozinho, um filé ao ponto com salada de folhas, tomate cerejas regados a azeite e vinagre balsâmico, eu telefonei à Dani. Mas antes, fui obrigado a me alimentar, na maior onda de solidão possível.
A salada estava tão bonita! Eu me lembrava dos toques e dicas que me ensinou ao prepará-la, mas eu não a achei gostosa. O filé estava grelhado ao ponto certo, com temperos saborosos, mas eu não sentia sabor. As refeições, sozinho, sempre eram chatas e entediantes, por isso eu sempre estava acompanhado para comer, com amigos, alguém da equipe, ou com a minha família. Mas, eu estava comendo sozinho há algum tempo, e ir aos restaurantes era sempre a melhor maneira de burlar isso.
Eu odeio não ter com quem compartilhar uma refeição, e naquela casa enorme, sem Priyanka, sem meus irmãos ou quem quer que fosse... Eu me sentia um solitário abandonado. Aquele almoço como tantas outras refeições foi apenas uma obrigação biológica. Eu senti falta da ao cozinhar, ao saborear as refeições, ao lavar a louça, ao dormir, ao café... Eu sentia a falta dela como nunca me lembrava de ter sentido.
— Olha Nick, eu tenho uma pessoa aqui em Jersey que sempre olha as meninas para mim, através da agência. Mas, ela é de Jersey! A melhor maneira de você conseguir uma babá para a é contratando alguém em uma agência por aí! Eu posso verificar se a Nanny Jobs tem filial por aí... Mas... Por que não pergunta à ?
— Ah, eu até perguntei mesmo, mas a disse que certas responsabilidades paternas eu deveria tentar sozinho primeiro.
— Hm... Ela está certa, como sempre. – Dani riu na chamada e gritou alguma coisa para Valentina, que eu não havia entendido: — Então vocês conseguiram conversar sobre a e suas divisões de tarefas paternas?
— Sim, a foi incrível...
— Ela é incrível, e você é suspeito para falar... Você precisa de uma babá com urgência?
— Não exatamente, mas a vai passar o final de semana aqui, e eu preciso começar a pensar nessas coisas...
— É verdade. Você tem um lançamento hoje, não tem?
— Sim! Eu vou começar a me arrumar as seis, não acho que vou dirigir porque está chovendo como nunca aqui em LA. Melhor prevenir atrasos.
— E a Pri vai com você, né?
— Não, ela não vai...
Tentei evitar o assunto, mas Dani falante e preocupada em resolver os problemas das pessoas, como sempre empenhada em ajudar ao máximo, tentava entender as minhas circunstâncias com a necessidade de telefoná-la e pedir uma indicação de babá.
— Então por que ela não fica com a ?
— Eu vou pegar a amanhã Dani, justamente por conta do evento. Não é que eu precise de uma babá para ontem.
— Mas, se a Pri não vai ao evento você pode pegar a hoje, é bom até que elas passam um tempo juntas, não? – Dani insistia.
— Priyanka e eu terminamos, Dani.
O silêncio que se seguiu na chamada, denunciava o espanto de minha cunhada.
— Nick... O que aconteceu?
— Nada, na verdade. Só decidimos ser melhor assim, estou tentando agir corretamente.
— Bem... Se precisar conversar sobre isso...
— Eu sei Dani, obrigado. Mas no momento, só peço que não comente com ninguém.
— Claro, claro... Bem, eu vou te passar o telefone da Nanny Jobs, você mesmo telefona e veja se eles têm uma filial aí. Caso não tenham, eles podem te indicar outra agência! Esta é uma ótima agência e todas as profissionais são ótimas, também. E já sabe... Qualquer dúvida me fala!
— Obrigado Dani. Eu ligo se precisar, mas vou tentar sozinho antes.
Desligamos a chamada, e eu recebi a notificação de Dani com o número da agência. Telefonei e conversei com a responsável sob indicação da Deleasa, e a empresa tinha sim uma associada em LA: Babysitter Jobs. Acertei algumas informações, entrevistas e recebi a mensagem de assim que desliguei.
: “Oi Nick, tudo certo! Eu vou avisar a mamãe, e pedir a ela para conversar com a ... É certo que você vai pegá-la? Para não a fazer ficar ansiosa e você não vir... Você entende, não é?”.
Li a mensagem e muitas coisas ali me incomodavam. A começar pelo nome dela gravado. Antes, quando começamos a namorar, eu deixei como “ Jonas”. Trazia-me conforto e felicidade pensar que ela teria aquele sobrenome futuramente, e quando nosso relacionamento ficou mais sólido, e nos casamos, seu nome passou a ser registrado no meu aparelho como “Ma Vie, L’amour”. Depois, quando nos separamos, por conta da minha relação com a Priyanka, eu troquei para “”. Somente . Deixando o vazio claro de uma relação acabada.
Em segundo lugar, me incomodou novamente a aparência de ser um pai sem palavra. Mas, eu até entendia o posicionamento dela, por isso, embora triste, respondi com cuidado.
Nick: “Eu irei sim, pode falar com a ! Se puder peça à Meg para separar as coisinhas dela que possam fazer falta... Eu estou um pouco apreensivo em como ela vai lidar com a primeira noite aqui em casa...”.
: “Fique tranquilo. Ela vai estar com o pai dela, então não haverá razões para estranhar a casa nova, e depois... Vocês montaram o quartinho dela juntos. Vai dar tudo certo Nick! Até amanhã, beijos.”.
Observei a reposta dela, e a imagem de sorrindo consoladora ao falar-me aquilo, veio como um flash em minha mente. Sorri satisfeito, sorri feliz, sorri animado. e eu teríamos um final de semana juntos como pai e filha. Só nós dois.
Adormeci no sofá da sala, e acordei com a ligação do meu pai, assustado.
— Nicholas, eu vi no noticiário que esta chovendo forte em LA. Você tem um lançamento hoje, não é?
— Sim pai, eu não esqueci fique tranquilo. Mas, eu vou pedir um carro com motorista e irei sair de casa mais cedo.
— Tudo bem, tenha cuidado filho. Priyanka vai com você?
— Ah não, não... Ela, já tem outro compromisso.
— Certo... Boa sorte filho! Espera, a sua mãe quer falar.
Papai passou a chamada para mamãe e eu caminhei em direção a algum cômodo da casa com relógio, e constatei que estava atrasado em uma hora, para os planos que eu tinha de sair adiantado.
— Nick!
— Olá mamãe! Tudo bem?
— Sim, eu só queria saber se você está bem.
— Estou sim, senhora Denise! Por que esta voz cheia de preocupação?
Eu notei na hora em que atendi a chamada com ela, que mamãe estava ansiosa.
— Estou com um pressentimento de confusão, então só quero pedir para você se cuidar Nicholas!
— Por que eu arrumaria confusão hoje, mãe?
— Eu não sei se você vai arrumar confusão, é só aquele pressentimento de tormenta após uma calmaria...
— Mãe, fique tranquila, nada de errado acontecerá.
— Enfim, tenha cuidado! Estou em orações.
— Certo, abraços no Frankie, e um beijão para você e papai.
Mamãe respondeu-me em despedida e eu apressei a me arrumar. Liguei ao meu agente e o pedi para providenciar um carro para a noite, antes de estar pronto. Patty, minha stylist já havia separado o meu look da noite, e me ligou exatamente no momento em que eu estava terminando de abotoar meu relógio. Enviei a ela uma foto como comprovação, segunda ela do seu “incrível trabalho de consultoria”, e tinha que admitir: o terno Marc Jacobs, prata grafite, era o meu favorito e ficou incrível.
O caminho foi como eu imaginava, lento, mas eu consegui chegar a tempo no lançamento da gravadora. Fui um dos primeiros a chegar, e por mais que eu pensasse que Demi se atrasaria ela já estava lá. No tapete das fotos, nos encontramos e posamos juntos para mais um evento.
— Onde está a Priyanka? – ela perguntou num sorriso cheio de dentes, e eu adorava fazer piada com aquilo.
— Sorria menos, vai me ofuscar nas fotos.
— Você não amadurece, Jonas. Só regride.
Naquele exato momento eu dei uma gargalhada que foi pega num flash, e Demi me acompanhou. Certamente, uma ótima foto espontânea aos fotógrafos.
Depois nos distanciamos e nos encontramos novamente, entre as mesas do evento. Os novos contratados da gravadora estavam sendo apresentados, e não era um evento muito atípico. Então eu estava entre bastantes pessoas conhecidas.
Em determinado momento, eu e alguns amigos conversávamos quando um repórter licenciado se aproximou pedindo-me uma pequena entrevista. Levantei-me e o acompanhei um pouco afastado à mesa. O pessoal ainda me observava e inclusive Demi que novamente ia me perguntar da Pri quando foi interrompida pelo jornalista.
— Nick, aproveitando o evento da gravadora, algum projeto novo está para surgir? – ele perguntou simpático.
— Eu tenho trabalhado em algumas parcerias antigas, outras novas... Um álbum novo também, mas ainda são esboços, sem datas definidas.
— Recentemente você esteve numa premiação por sua atuação, em Jumanji e foi possível perceber que sua filha estava presente, alguma pretensão da seguir os passos do pai?
— Isso não vai ser uma cobrança por parte de nenhum de nós, é muito nova e e eu preservamos a imagem dela ao máximo. A ocasião era especial a mim, e a quis muito estar presente. Só um pai levando à filha ao trabalho... Nada demais.
Respondi diretamente e não gostei do direcionamento que aquelas perguntas pareciam ter.
— Por falar em , foi muito surpreendente que sua ex-esposa aparecesse em um evento seu, junto com Priyanka! Sabemos que o casamento de vocês foi marcado por alguns conflitos com a modelo.
— é uma amiga além de mãe da minha filha, ela faz parte da minha vida e história, não é porque não estamos mais casados que ela deixa de ser importante para mim.
— Mas, e o que Priyanka acha disso?
— Você deve perguntar a ela quando puder. Eu não falo por Priyanka.
A minha paciência era o meu maior desafio naqueles momentos. Ter que ser ponderado e estratégico em respostas e entrevistas, me deixavam um tanto quanto ansioso e defensivo.
— Onde está Priyanka que não veio com você?
— Ahn... Pri tinha outro compromisso... Não somos siameses, não é?
Apesar do riso fraco ao fim da frase, a minha impaciência foi farejada e eu fui desafiado ainda mais pelo repórter.
— Não, certamente! Mas, você pretende encontrar à Priyanka no Mayan Theater ao sair daqui?
— Mayan Theater? – a minha surpresa à pergunta foi notada e eu ri, na tentativa de tentei disfarçar: — Eu não vou dizer o passo a passo da minha rotina a um repórter esperto, não é!?
Ele riu de volta, e me cumprimentou simpático. Embora fossem águias atentas às fofocas, nem todos os jornalistas eram um pé no saco.
Caminhei de volta à mesa, um pouco preocupado pelo teor das perguntas. Falar da minha vida pessoal significava que de algum modo aquele foco dos paparazzi estava em mim. Desta vez, não só Pri estava envolvida, mas e . Na mesma hora me lembrei da conversa ao telefone com minha mãe, e seu “pressentimento”.
— Nick, você vai ao MT? – Demi me perguntou depois de olhar em seu celular.
— Por que a pergunta? – estranhei o fato de ela fazer a mesma pergunta que o jornalista minutos antes.
— Pri está lá, não é? Ela postou no story, e eu achei muito esperta a troca que ela fez em não te acompanhar! – Demi zombou rindo alto, e bebendo.
Eu estava confuso, mas ri. Voltei à atenção a mesa que estava e brindei com meus parceiros, mas não deixei de checar a informação.
Mayan Theater. Uma das baladas mais famosas de LA. E uma das baladas possíveis de se misturar a pessoas comuns, ou transitar no andar seletivo das celebridades. Priyanka postou um vídeo mostrando o lugar com alguns rostos famosos no andar VIP. A música alta, as luzes psicodélicas, os brindes dos copos levantados por ela e suas amigas. Ela poderia ao menos ter me avisado, mas na verdade, ela não me devia nada também. Então lá estava Priyanka em seus storys, dançando, cantando, brindando, bem mais discreta do que suas amigas, mas deixando um letreiro bem grande no ar de: “Estou livre!”.
Ali estava o pressentimento de mamãe. Aquilo iria dar o que falar, afinal, Priyanka Chopra não aparecia sozinha com as amigas em baladas, desde que assumimos o relacionamento. Burburinhos nascem de momentos assim. E às vezes, os burburinhos são verdadeiros.
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Nota da Autora: ELES TERMINARAM! E aí, alguém havia apostado nisso depois do último capítulo? Quem acertou? Quem errou? Quais suas premonições para os capítulos seguintes? E o que vocês acham de tudo o que a Priyanka falou? Olha, muitas perguntas, mas é que esta autora aqui está muito ansiosa para ouvir vocês! Deixa um comentário, vai! Inundem o disqus de opiniões! ♥ Até a próxima! ♥
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