Phoenix - Civil War

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Finalizada em: 31/07/2020

Capítulo 1

CIVIL WAR I - CONSEQUENCES

- Nos oito anos em que o Sr. Stark se autoproclamou como o Homem de Ferro, o número de pessoas aprimoradas conhecidas cresceu exponencialmente, se não chegarmos a contar com aqueles que retornaram em busca de vinganças pessoais. E o durante o mesmo período o número de eventos como o potencial "fim do mundo" cresceu em uma taxa notável, incluindo incidentes de ameaças provindas da HYDRA que estava em dormência por algumas décadas. A presença de uma muralha protetora provoca interesse. É humana a curiosidade de “quantas investidas certo alvo aguenta até sucumbir”.
Algo borbulhou em meu peito de uma maneira nada amigável quando o julgamento errôneo de Visão deixou os seus lábios, se sequer podemos nomear o vibrânio que recobre seu corpo de pele. Eu sei que não posso me intrometer ou argumentar, sei além disso, que nem mesmo deveria estar na Sala de Convivência enquanto os Vingadores estivessem lá em conversas que, segundo eles eram "Demais Para Minha Cabecinha". Principalmente quando têm visitas. Porém, o carro que trouxe o ilustre visitante já partiu há minutos, e por isso eu permaneço aqui: abaixada na escada que leva para o andar subterrâneo dos laboratórios, exatamente de onde eu vim assim que percebi a comoção que soava ainda mais alta que o som do estéreo no laboratório de Bruce Banner quando usa a música para afastar visitas.
Sei, ademais, que a Agente Romanoff ficará irritada comigo, apertando a mandíbula em descontentamento e o Capitão Rogers vai cerrar os olhos com irritação quando me vir, mas eu não consigo me coibir a permanecer muda. Principalmente quando existem aparentes dúvidas no trabalho exercido pelo Sr. Stark. Jamais deixarei dúvidas surgirem neste quesito. Escutei som dos saltos de minha bota – ou melhor, a bota de Natasha – trotando contra o assoalho de metal e transacionando para o concreto, reverberando pela sala como se fossem tique-taques de um cronometro e algumas cabeças viraram em minha direção, os olhos arregalados, como se os meus não estivessem tão calmos ao repararem que eu tinha saído de meu esconderijo e estava caminhando para o cômodo, para ficar de frente para os heróis. Eles parecem surpresos por minha presença, mas é claro que estão pois tenho passos tão leves e habilidosos como os de um felino.
Seria tolice dizer que o momento de minha invasão foi péssimo.
Ele foi simplesmente terrível. Mas fiz de tudo para ignorar os olhares surpresos, como se fossem capazes de me repelir – ou eu tivesse crescido uma segunda cabeça de meu ombro esquerdo – e me concentrei em Visão, que agora tinha o corpo inteiro voltado em minha direção, seu olhar faiscava e eu precisei fechar minhas mãos em punhos. Ele se difere da criatura que vi surgir há cerca de dois anos atrás na Torre dos Vingadores: nu e assexuado, originando-se da inteligência artificial criada por Tony Stark: usa roupas como um homem ou um humano com pele azul, vermelha e dourada. Por outro lado, Visão não possui nem sequer um fio de cabelo em seu corpo, ou unhas nos dedos. Sua pele tem o toque gelado de metal e eu sei que não é a surpresa de me ver que o impede de respirar. Visão não precisa respirar, mas foi unanime a decisão que isso o deixaria menos estranho nos olhos dos Vingadores. Às vezes, contudo, ele se esquece de respirar ou fingir, algumas vezes por minutos ou horas.
- , esse aqui não é o lugar para você.
Foi Romanoff que começou. Tinha o rosto tonalizado de vermelho igual aos fios acobreados em sua cabeça e parecia a ponto de me jogar qualquer coisa que me tirasse dali. Natalia Alianovna Romanova – ou apenas Natasha Romanoff, ou Natalie Rushman, como Stark gosta de provocá-la – não costuma falar de maneira alguma em situações como esta. Em dias muito distantes dos atuais, a agente foi treinada para ser quieta, se manter em silêncio e não ser percebida. Uma sombra. Incorpórea. E a não ser que seja convidada a se pronunciar, ela costuma ficar por horas a fio em silêncio, focada a observar tudo e todos e preparada para dizer sempre o correto. Todos sabem que nunca houve espaço para erros no passado.
Talvez seja por nossa semelhança que minha atitude a surpreende.
Eu ergui minha mão, a pele ligeiramente suada brilhando, lhe pedindo um minuto antes de voltar a minha atenção para Visão, que parecia já entender o motivo de eu ter surgido ali. Ele podia muito bem sentir a minha presença, tanto ele como Wanda Maximoff, e foi por este motivo que ela apenas soltou um suspiro baixo ao me ver e pareceu se afundar ainda mais em sua cadeira. Wanda sempre fora bem sincera sobre nosso relacionamento, e como não seria minha babá o tempo todo. Fez questão de se afastar o máximo de mim quando teve a sua chance, mas não a julgo.
- Visão, você sabe o quanto eu o respeito, mas isso não é algo que pode ser discutido em razão de uma equação. A existência humana não se resume a números e probabilidades, mesmo que eu gostaria que fizesse. - Desejei que minha voz transmitisse mais veracidade, mas – tendo pleno conhecimento da devastação que posso provocar com um estalar de dedos – preferi manter minha expressão passiva. – Isso não significa que seja a culpa do Tony ou um dos Vingadores. Fingir que estamos em constante estado de segurança é estupidez. A primeira causalidade da guerra é a inocência.
Uma série de múrmuros se seguiram após meu rompante, e a voz de Steve Rogers se fez presente ao discordar novamente quanto ao tal Acordo, o documento em suas mãos sendo jogado na mesa de centro sem cerimônia, fazendo o Oficial Rhodes rugir que, novamente, “117 países concordaram”. Sam Wilson, o herói que sempre sorri com os colegas de equipe, mas que sucumbe as pílulas de melatonina no final do dia para conseguir pregar os olhos – quando os seus pensamentos e inseguranças soam tão alto no corredor dos dormitórios até mim que ele se força a desfalecer – ergueu as mãos para o ar, pois alguém finalmente tinha entendido o seu ponto. Visão balançou a cabeça negativamente com os dedos pressionando os lábios e Wanda me mandou um olhar inexpressivo antes que a mão, nada gentil devo adicionar, de Natasha segurou o meu braço em uma tentativa de me disciplinar por não a ouvir.
- , por favor, você nem deveria estar aqui! Volte para o laboratório. - Ela murmura para mim entredentes, surpresa com meu ato desobediência, mas algo tremula em sua íris castanha e as sobrancelhas se franzem. Eu estou quase dando um passo para trás quando Steve se põe de pé e Tony ergue a destra.
Steve Rogers mantem os olhos azule cravados em mim, interessado e cuidadoso. Suas orbes são quentes e confortantes, ao contrário do gelo onde foi soterrado por décadas. O seu corpo parece tentar lhe proteger do frio o tempo inteiro e me aqueceu diversas vezes, agindo agora como não conseguiu agir setenta anos atrás. Compensando o tempo perdido. Toda a sua pele é quente e branda, desde as pontas dos dedos até os ombros onde por noites sem fim encontrei meu rosto enterrado enquanto chorava para lavar minha mente de pesadelos que ninguém entende além daqueles como ele, Barnes e Romanoff. Ele entende, mais que os outros nesta sala, o que é ser jovem e querer defender algo, um ponto de vista ou material. Ou seu próprio país, no seu caso, mas meu ponto não é o Estados Unidos. É com o mundo inteiro que me preocupo.
Natasha me lança um olhar ameaçador, um dos que significam uma punição do tipo lavar a louça de oito super-heróis e limpar o laboratório do Sr. Stark. Ou pior ainda, não entrar no laboratório do Sr. Stark por um bom tempo até que seja ele quem desfaz meu castigo pois precisa da minha opinião em algo e solte um “Eu sou o responsável legal”. Eu aperto meus lábios, cruzando as minhas mãos frente ao meu corpo enquanto meus olhos buscam a figura de Visão novamente. Eu não tenho mais o que dizer, não até que ele me confirme se os Vingadores, aqueles que me deram um lar e um propósito, são os responsáveis por tudo de mau no mundo, como os diplomatas tolos de 117 países acreditam.
- , eu estou dizendo que isso pode ser uma consequência e responder com violência não é o correto. Ou exibir muralhas e canhões. – Gesticula com a destra para os outros heróis e eu preciso me segurar para não revirar meus olhos e ser chamada atenção por Steve pelo mal comportamento, então apenas suspiro alto, mordendo a parte interna de minha bochecha. – Todos possuem sangue nas mãos. Todos mataram partes de si para sobreviver, pois algo tem que ir embora para abrir espaço. É natural e universal. Os impérios nasceram das cinzas daqueles que não conseguiram prover o suficiente e lutar em equidade pois estavam desgastados. A existência humana é baseada na sobrevivência do mais apto. E selecionar recursos, sabendo onde gasta-los e prover organização, é a base da vida.
- É uma consequência pior do que uma bomba nuclear em 2010, quando sequestraram o Sr. Stark? - Minha saliva está espessa e todos os Vingadores se mantem em silêncio, desta maneira posso sentir o olhar de Tony sobre mim e sei que olhar é este. Um misto de surpresa, atenção e preocupação. Porém, um toque feio de orgulho. A aura de Natasha e Steve não parece diferente e eu engulo em seco. - Ou quando Loki quase destruiu o nosso mundo para torná-lo seu por daddy issues? Quando Bucky foi descongelado e se não fosse pelo Capitão, Sam e a Nat? O que seria do cara que derrubou uma tigela de cereal na camisa ontem? Como um dos sangrentos impérios que você mencionou, Vis, as pessoas renascem melhores e mais resistentes a pancadas. O mundo está em um constante processo de evolução. E não podem pará-lo.
Percebo a aura de todos se alterar, cinzentas e esverdeadas então, pois fui rude e o pior na linha do tempo está chegando. A cor da aura de Wanda está quase negra e eu pauso, não querendo mais olhar ao meu redor e me arrependendo de ter me pronunciado. Todos sabem o que veio em seguida. Contudo, me forço a falar.
- O que seria de mim, Pietro e Wanda se não fossem os Vingadores? Se Romanoff não houvesse me encontrado nos destroços no posto da HYDRA em Sokovia? Eu teria morrido ali? Ou que seria se Pietro e Wanda não tivessem encontrado paz, mesmo que por tão pouco, nos Vingadores? - Sinto comoção, mas eu não permito que me consuma e pressiono a língua no céu de minha boca. - Tudo bem que, os poderes e a força, acabem convocando ameaças, mas o mais importante de tudo é pensar nas vidas que foram salvas pois fizeram o certo. Você deve se imaginar sensato e correto, Visão, mas é simplesmente ingênuo.
- Quem sabe a ingenuidade não seja sua, Srta. Black? – Visão retorna impassível, pois para uma inteligência artificial seja demasiado difícil ouvir que está errado. Umedeço meus lábios. – Não sou humano. Portanto, por que espera que eu aja como um? Na questão evolutiva, todos são semelhantes e evoluem da mesma maneira em uma constante corrente. Não só os humanos. A raça humana se considera única, então determinaram toda sua teoria de existência em sua singularidade. Mas todos os planetas, sistemas e galáxias inteiras atravessam o mesmo processo com vocês. E a Terra está perdendo por se expor tanto.
- Nós codificamos a existência para aproximá-la do nosso tamanho, Visão. Ninguém nasce um dia com todo o conhecimento do mundo enfurnado em sua cabeça e tem um epifania como a sua. É anormal, não natural. Não é humano. Você não é humano, portanto não deveria se infiltrar em tomadas de decisões como estas que são variáveis em questões literalmente impossíveis de codificar. Foi tolice minha sequer duvidar dos seus dados e estatísticas. – Meu rosto está quente, mas ignoro isto da menor maneira que posso, apertando as mãos em punhos delicadamente atrás de minha costa. - Me perdoe se não concordo. Pode voltar a seus cálculos e pesquisas no Googl...
- E as vidas que foram perdidas, ?
Tony me corta, sua voz alta e demandando minha atenção ao mencionar o sobrenome que me foi dado dois anos atrás. O simples título é como o nome dado a um animal de estimação novo em uma casa. Em vão pois não me acostumei – ainda – a responder a ele sempre. Por doze anos não tive um nome verdadeiramente meu, sendo apenas conhecida como Soldat 5 por sete, então logo foi escolha dos Vingadores adoção de um apelido para meus dados na ala hospitalar quando se tornava necessário. Então, foi escolhido . Segundo Natasha, no latim significa “combustão” e “ardor” como uma chama intensa, semelhante à forma que minha energia se propaga como um fogo incontrolável. É como o combustível líquido da mitologia grega, que ao atingir ignição era impossível de controlar e muito usado em guerras.
Então coube a Steve a escolha do segundo nome quando verdadeiros documentos em um banco de dados internacional foi necessário e os agentes da SHIELD lutavam como loucos para consegui-los por baixo do nariz do Conselho de Segurança.]Ele escolheu Elizabeth, pois para ele era um dos mais bonitos de todos. Responsável por representar a sabedoria, a fidelidade e a razão. E então Tony escolheu o sobrenome a me ser oferecido, pois não havia como legalmente eu receber o de nenhum dos Vingadores e deveria ser quase impossível encontrar “parentes”. Black, então. Em homenagem ao personagem favorito de Stark nos livros de Harry Potter que me pôs a ler meses após me conhecer.
- E aí, Visão, o que me diz? O que tem a dizer sobre elas, mas por favor: não se matem na luta pelo maior cérebro pois sabem ser o meu. O que me dizem sobre aquelas que os “heróis” não puderam salvar? O que fazemos com elas? Como devemos viver com elas, com as falhas tão humanas? – Meus olhos encontram os de Tony Stark, este que está largado contra uma cadeira gigantesca e que tem a mão no rosto, lutando contra muito mais do que posso imaginar para ainda não ter perdido a sua sanidade com toda a situação em que se encontra.
Me sinto insensível por atacar Visão agora.
- Como Visão disse, todos degolaram partes de si para estarem aqui e devem continuar desta forma. Não há motivo para parar de lutar. Honramos os mortos ao ir em frente. Vivemos, pois, eles não conseguiram viver e não há nada além disso. - As palavras deixam os meus lábios, verdadeiras e convictas. Os olhos de Tony se fecham em compreensão enquanto ele se levanta após um tempo, cansado demais, assim como todos os outros. - Mas isso não descarta a necessidade de monitoramento, e infelizmente eu não posso discordar com o seu Android de estimação neste tema, Stark. Eu estava em Sokovia pela segunda vez com todos vocês, e vi como aquela cidade foi destruída e a ineficácia da evacuação. Vi pessoas morrendo e não pude ajudar, pois aquilo saiu do controle. Os Vingadores saíram do controle. – Meus olhos se encontram com o de Wanda, frios e vazios. Ela está com a aura cinza, memórias agonizantes flutuando em sua mente como na minha. - Criei um escudo para que uma mulher grávida e ensanguentada não morresse queimada, mas ela, mesmo assim, morreu. Vi um prédio desmoronar sobre um policial enquanto ele tentava salvar um idoso. Conheço a dor e sei o que é não fechar os olhos a noite. E eu sei que precisam de alguém para dizer que basta, quando atacar e quando recuar.
Agora eu abraço o meu corpo, tentando apagar as imagens, sinceramente não querendo relembrar tudo o que vi naquele dia, pelo menos não enquanto estou acordada. Não quero reativar os pesadelos que parecem ter me esquecido assim que despertei pela manhã, mas sei que a dor nos ombros destes na minha frente é bem maior e os sonhos ruins reúnem anos de uma missão impossível que é salvar o mundo. Mesmo sendo jovem demais, entendo qual o meu lugar e a necessidade de tomar ações como esta e bater o pé na parede. Mesmo que a parede esteja condenada a desmoronar e me esmagar. É necessário. Eu ouvi pela primeira vez na minha vida, em uma sala de hospital que estava desmoronando, que os Vingadores eram ruins e que só causavam destruição. Não é justo ter tanta liberdade. Não é justo ou seguro.
Os olhos de todos estão no Sr. Stark enquanto este perambula pela cozinha, tentando criar um ambiente quem sabe menos ocioso enquanto reclama do pó de café no ralo da pia. Sam Wilson troca o peso de um pé para o outro. O homem mais velho parece derrotado, exausto e sem paciência, sem força alguma para se pôr de pé. Meu rosto decai para o chão quando a imagem de Charles Spencer surge do celular do Sr. Stark e eu viro minhas costas, caminhando até uma parede para me apoiar na mesma. Já o vi encarando essa foto centenas de vezes no laboratório. Já fui requisitada por Pepper, quando me levou para comprar roupas no outro dia, para avisá-la sempre que o vir fazendo isso. Nunca o fiz e agora sei que errei pois Tony já entrou de cabeça na culpa.
- Não estamos aqui para tomar qualquer decisão, pois ela já foi tomada. Precisamos ser controlados, Rogers! – Não me assusto com o rugido que rompe o peito de Tony Stark, mas ele parece surpreender Steve, mesmo que sua reação seja apenas um erguer de sobrancelha. Tony não grita. Não gritava, na verdade. Stark resfolega. – Do jeito que for, com as condições que forem, eu estou pronto. Se não aceitamos limitações somos filhos desgarrados, não somos melhores que os vilões. Não precisamos de tempo para discutir, gente. A decisão foi tomada.
Encosto minha cabeça contra a parede quando a voz de Tony se eleva alguns oitavos, conseguindo atingir o ponto que buscava. Infelizmente, não é uma decisão dos Vingadores. Aceitar ou ser punido; são estas as opções oferecidas. Burburinhos começaram a surgir, podia ouvir Steve Rogers destilar que Stark tinha medo e por isso estava dando aquele show, mas que as mãos mais seguras ainda eram as nossas e que Tony estava desistindo. Ouvi também quando o Oficial Rhodes garantiu que aquilo não era apenas A Secretária de Segurança Mundial, S.H.I.E.L.D ou HYDRA, mas sim a ONU. A Organização que luta pelos direitos humanos quando ninguém mais faz.
- E eles não precisarão de tempo para nós. Tempo para levarem a mim e a .
Meus olhos estão acorrentados as irises verdes de Wanda no instante que suas palavras deixam os seus lábios, sendo essa a primeira vez que ela os abre e o horror da ideia despertando meus sentidos. Em um estalo de dedos, ela está em minha mente, girando ao redor de mim e me deixando tonta e me causando um quadro assustador de vertigem. “Ah”, Wanda murmura em meu ouvido, acariciando meu cérebro sem nem mesmo me tocar por ter se enfiado em minha cabeça, . Os seus heróis favoritos não disseram a você? Achou que brincaria de casinha com os Vingadores até quando?” Não ouço se os heróis voltam a falar, tendo a outra jovem dominado por completo os meus sentidos. “Eles irão querer tomar controle de nós duas, .” Tudo em minha mente assume um tom avermelhado e eu balanço a cabeça, querendo me livrar de Wanda. Dói demais a ter em mim e eu enfio minhas unhas em minhas mãos. “Nós não somos seguras para o resto. Somos instáveis demais. Devíamos ter caído fora muito antes, . Deveríamos ter partido após Sokovia. Nos apegamos demais.”
- Eles nos querem? - Um arquejar baixo me escapa e sinto imediatamente o braço livre de Steve Rogers envolver meu corpo de maneira protetora, minha mente se fortificando tanto para aproveitar-se da ausência de Wanda de meu cérebro que não consigo resistir o toque. Minhas mãos ainda então em punhos grosseiros quando sinto lágrimas se formarem em meus olhos e percebo quando Tony se arrisca a vir em minha direção ao ouvir-me para logo então parar quando agarro a barra da camisa de Steve, não conseguindo controlar quando meus lábios tremulam ao buscar por seu rosto. Este está com face franzida e eu sinto quando uma aura vermelha clara nos envolve, brilhando com força e raiva. Ele está olhando para Rhodey.
James Rhodes suspira irritadiço com sua reação, balançando a cabeça.
- Ninguém vai levar você embora, . Você ou a Wanda. É simplesmente uma avaliação psicológica pela qual todos vamos passar. – Rhodey me garante quando Steve me segura com força bem medida e eu me aninho contra seu corpo, forçando ainda mais minhas unhas até sentir queimarem para que o brilho índigo delas não surja. – É protocolo. Logo você, Rogers, que pensei ser fã dos protocolos antiquados. Como você. – Steve assumiu um tom azul piscina, como os seus olhos, seu corpo e mente rosnando que irão me proteger até que as palavras de Rhodey o atingissem. Steve está rubro de descontentamento. A sensação é preocupante e o medo não parece sumir. O medo não irá sumir.
- Avaliação psicológica extensa que elas não estão prontas para passar, Rhodey. Então clausura, detenção e exilio. – Meus olhos se arregalam quando Sam Wilson retorna a mencionar e eu sinto quando todo o corpo de Steve se tensiona por seu colega de equipe remover o band-aid de maneira tão brusca. O Capitão Rogers afaga meu braço ao notar minha tensão e quero desfalecer e fugir. Quero fugir como Wanda havia proposto um ano e meio atrás. Sinto vergonha, mas é o meu maior desejo.
- Posso contornar esta situação, Wanda. Eu vou contornar esta situação.
Steve dá um grunhido de escárnio com a defesa rápida de Tony.
- No mínimo seu dinheiro todo deve servir ao menos para protegê-las, Tony. – Então os olhos castanhos, mornos e verdadeiros de Tony se encontram com os meus e eu entendo que não preciso temer. Mesmo que todo meu corpo me mande agir e fugir enquanto a tempo. Tony acena com a cabeça para mim como uma garantia, e é difícil crer que estou segura. Ignoro quando sua expressão de alterna quando a dirige para Rogers. – Se a sua defesa está baseada em uma tentativa de estancar isso apelando, Steve, saiba que já perdeu. Se abaixar a cabeça não vai receber carinho e sim um golpe.
Quando minha mente vagueia pelas possibilidades que os adultos têm em mesa e como fui desatenta em severas missões e como podem usar isso contra mim, noto que Natasha Romanoff me olha por baixo da cortina ruiva dos seus fios e sei que posso contar com ela como sempre pude. Natasha, por muito tempo foi meu porto seguro para atracar. Mesmo que com passos arrastados e atenção direcionada aos heróis cujos corações e mentes colidem de forma agressiva, eu automaticamente me movo em sua direção. A mulher mais velha parece como se finalmente estivesse aprovando algo e mordi o lábio, pois tudo mais se assemelha a uma emboscada do que qualquer outra coisa, mas ela não aparentava estar a ponto de me matar pela desobediência ou algo assim. Eu tomo meu lugar ao seu lado no divã, mesmo não descartando a ideia de um castigo futuro, mas buscando um tipo de conforto. Nossos braços se encostam e Natasha põe a mão em minha perna, logo segurando em minha mão com força. E apenas aperto a sua destra, encarando a sujeira em minhas botas, mas agradecida pelo voto de confiança que ela me oferece.
- Steve, Sam e Wanda. – Natasha convoca. – Talvez o Tony tenha razão. Se nós não fizermos isso agora será imposto a nós mais tarde e nós não teremos como adiar outra vez. As consequências virão mais pesadas e as continências também. - Eu aperto a mão de Nat outra vez, surpresa demais, mas ela repete minha ação, assegurando-me. Não são os três apertares de mão que sempre me dá, hoje é só um. Percebo quando todos a olham como se fosse uma aberração afinal é surpreendente que concorde com Tony e não com Steve. – Aceitando agora ainda teremos anos meses para uma aprovação definitiva, tempo necessário para encontrarmos outras saídas e outras opções. Formas de proteger as meninas e de provar nossa lealdade. Em alguns anos conseguiremos assumir o controle novamente.
Sam bufa, balançando a cabeça. Ele sabe que não há brecha no Acordo.
- Mas, por enquanto? Rapazes, tendo ainda uma mão no volante, ainda poderíamos conduzir. - Meus lábios se partem quando o Capitão Rogers não parece acreditar no que escuta, sua aura tornando-se um tom gentil de lilás, os braços cruzados. Sam a desafia, entendendo o lado do amigo e meus olhos se fecham. - Eu só estou... - Natasha Romanoff nunca falha. A Black Widow nunca falha, mas eu posso notar o som se desmanchando em sua voz. Ela também tem medo do que pode acontecer com os Vingadores. - Eu estou apenas avaliando o terreno, nivelando as opções, Sam. Cometemos alguns erros bem públicos, ocasionamos mais óbitos civis que desastres naturais. As pessoas precisam voltar a confiar em nós, e não apenas em nós; - A mão sobre a minha é firme quando aperta meus dedos três vezes seguidas. – Mas também naqueles que virão depois.

*


Desligo o cooktop quando a porta da cozinha é aberta, não me importando em prestar muita atenção na presença que me faz companhia, principalmente enquanto coloco a chaleira vermelha fervente sobre a mesa de mármore negro, ao lado de quatro xícaras azuis escuras. As folhas de chá de hortelã e lascas de gengibre já estão nos respectivos saquinhos em três das xícaras, estes apenas boiam enquanto eu os banho em água morna, a infusão de cheiros fortes dominando o cômodo grande enquanto eu me sento em um dos banquinhos da ilha. Minha mão já está de volta sobre meu livro, uma lembrança deixada por Bruce Banner. E ele estava certo quando me presenteou, afinal, o estudo aplicado da manipulação de moléculas polares sendo um assunto que me interessa.
- O Desmemoriado do Buck deu um pau em você e no Sr. Stark, Nat.
A mulher de estatura mediana revira os olhos claros com certo aborrecimento, se sentando diante de mim e apanhando a primeira xícara sem cerimônia por já imaginar ser a sua; os fios ruivos bagunçados e muito diferentes da aparência bem cuidada de hoje cedo revelando o episódio devastador que dominou sua tarde. Eu marco a página em que estou com a ponta de meu dedo indicador, fechando o livro grande e pesado no intuito de lhe dar total atenção até mesmo sabendo que muito dificilmente irá gostar de conversar. Aperto meus lábios e sei que as minhas sobrancelhas estão juntas quando pego um relance do anel arroxeado ao redor do pescoço pálido da Agente Romanoff.
Mesmo que as cenas que eu pude observar pelo computador fossem pesadas, não imaginei o estrago que Bucky Barnes podia provocar. Na verdade, tenho total conhecimento do quanto me esforcei durante o último ano para ignorar e fingir não perceber que sabia o quão forte e poderoso ele pode ser. De poder quebrar pernas de soldados inimigos com um só chute até afundar o dedo em uma maçã de forma desproposital. Mas não negarei a mim mesma que foi o motivo da tosse horrorizada que deixei escapar quando o vi destruindo uma cela de vidro blindado horas atrás. Quem sabe, eu sou a ingênua e não Visão. Eu fui a inocente em toda a história e me pus a não crer na realidade evidente.
Por mais que essa realidade seja dolorosa de compreender.
- Como diabos você soube disso, ? – A sua voz está arranhando e rouca, me fazendo torcer o nariz em desconforto antes de segurar a xícara em seus lábios por mais um pouco, querendo que beba ainda mais do chá. Ela bebe mais algumas goladas ferventes e umedece os lábios um pouco vermelhos pela temperatura antes de descansar a porcelana na superfície negra, erguendo o dedo para mim e fazendo uma careta. Tasha odeia o sabor de meu chá favorito. – Esquece. Eu nem quero saber se não aumento o seu castigo e só deixo você pegar em um celular daqui a duas décadas.
Dou de ombros, um meio sorriso em minha face.
- Invadi as câmeras, Tasha. – Bebo um gole rápido da bebida. – Sinceramente, para uma equipe alemã de elite, aquele lugar não está nada seguro. Vou até pedir um relatório para F.R.I.D.A.Y sobre quanto tempo demorei. Vinte minutos, provavelmente. Quebrei o seu recorde, Agente Romanoff. De novo. – Explico-me, sendo essa a minha vez de beber de meu chá todo. Natasha não esboça emoção, mas eu quase sorri com o toque de laranja divertido em sua aura. Balanço a cabeça e agora que tenho que falar com o Sr. Stark em razão dos chips, o sabor continental do chá se amarga em minha boca. – Eu queria ter me despedido do Rogers. Wilson. Bucky.
Murmuro com mais tristeza e desapontamento que queria deixar transparecer, deixando a xícara sobre a mesa e mordendo minha língua ao misturar o chá com uma colher. Eu havia treinado esse diálogo sozinha hoje mais cedo, mesmo assim sinto o formigamento em meu nariz que anuncia algumas lágrimas. Natasha suspira, soltando sua xícara vazia na mesa enquanto retira a jaqueta com dificuldade. Seus músculos devem estar um pouco doloridos.
- Como saberíamos que em uma missão de reconhecimento tão... Fácil... Como saberíamos que não íamos mais ver o três depois daquilo? Eu queria também, mas não sei se ainda poderemos vê-los. Não se não for atrás de grades.
Garante com amargura acentuada na voz e eu concordo com a cabeça, ignorando os tons de azul que tomam conta do ar. Itália. Era a missão do trio: encontrar um posto da HYDRA no interior da Itália, logo depois do funeral da Agente Carter, e posteriormente atender a uma reunião da ONU em Vienna. Um pequeno passo na recuperação de Bucky, o seu quarto trabalho de campo após a reabilitação. Mas é claro que não haveria paz. A HYDRA não dá paz a ninguém. Nossa mente não dá paz a ninguém.
- O Rogers fez uma decisão, o Sam fez, eu fiz uma e todos tivemos de fazer. Mas... – A mão de Natasha encontra a minha, a apertando com delicadeza. Três vezes. Eu pisco. Ela, com o passar dos anos, não se importa em tocar em minha pele desnuda. Imagina que eu jamais a machucaria, porém sou eu quem se preocupa com sua confiança exacerbada em mim. Por isso não retribuo o aperto, apenas mantenho o contato visual. – Obrigada. Por escolher estar conosco, .
- Vocês não me deram opção.
Garanto a ela, encarando desta vez a quarta xícara e regulando o tom amargo de minha voz. Eu peguei a louça sem pensar. No piloto automático e imaginando que Steve Rogers chegaria aqui junto com Natasha; se sentaria no banco ao seu lado, indagando se eu havia treinado hoje e se eu já havia me alimentado e puxaria conversa fiada para me entreter, com o seu sorriso bonito no rosto e olhos cativantes. Mas não. Eu o vi pela última vez hoje no início da manhã, quando discordei de sua opinião com tanta força no momento em que pensava em me proteger, e agora ainda me questiono se me perdoaria por isso.
Aperto meus lábios em um sorriso sem frio e sem emoção, soltando a sua mão para abrir meu livro novamente e me esforçar para conseguir ignorar o máximo o aperto em meu peito. Natasha bebe outro gole de seu chá, parecendo entender minha aversão ao contato contínuo e a decisão que fez com Tony e James Rhodes. Eu sei que isso a machuca com profundidade, mesmo que lute para me manter confortável e mentir, pois ainda anseia por uma aproximação mais profunda e se pergunta o porquê de ter defendido a sua escolha e de Stark quando minha mente parecia pender para outra.
Thor Odinson jamais concordaria com isso. Em hipótese alguma deixaria que meros humanos “indignos” lhe dissessem para onde ir, quem salvar e quem deixar perecer apenas por uma boa imagem que não duraria muito em seus eternos milênios como um deus. Sua filosofia de um príncipe herdeiro do trono e outras coisas originárias dos Nove Reinos de Asgard, que não tive tempo de aprender em sua última visita, não se equiparam a breve existência humana a ponto de interferirem tanto. Neste âmbito, talvez Homero estivesse incorreto em escrever Odisseia. Os deuses não nos invejam. Não invejam a juventude e a real condenação humana a morte. Thor deve nos ver como simples poeira cósmica; velhos parceiros de guerra em sua longa existência. É reconfortante.
O Dr. Banner e Clint ainda erguem questões. Seria um tremendo engano dizer que Bruce discordaria, afinal está demasiado desconfortável com a ausência de algemas garantindo que ele não destruirá nada. Talvez a última motivação seja a que garantiu a boa convivência entre nós nas vezes que o ficávamos a sós. Ele estaria do lado de Tony, sem dúvidas. Já Clint, o pai de família que pediu uma aposentadoria adiantada, este sim me deixa em dúvidas. Mas, pretendo saná-las todas assim que possível. Não acredito que ficaremos muito longe uns dos outros por tanto tempo, principalmente quando Barton prometeu trazer Lila, Connor e o pequeno Nathaniel para uma visita.
- Conversamos sobre isso depois. E sobre os seus comentários sarcásticos, também. – Romanoff anuncia expelindo um intenso cansaço, se pondo de pé e ajuntando sua jaqueta, um semblante dolorido ao pôr os pés no chão. Ela deve ter se ferido feio enquanto corria para alcançar Bucky e amenizar o estrago que causaria. Eu ergo a sobrancelha, surpresa com o as cores que se misturam em sua aura serem um alaranjado escuro de prudência e não um brilhante de humor. Ela se afasta, com a xícara na mão e um sorriso reconfortante para afogar a leve dor. E adiciona por cima do ombro enquanto se dirige ao elevador – Amanhã, depois da sua aula e do treino, quero que vá para a Sala de Reunião. Nada de ficar montando brinquedos com Tony, ouviu?
- São armaduras que custam milhões da mais fina tecnologia, Rushman.
Dou um outro sorriso agradável quando a voz do Sr. Stark invade a Área de Convivência e logo posso ver a sua figura se formando na cozinha, o nariz torcido para o cheiro do chá que já dominou todo o andar. Aproveito o descarte anterior de minhas luvas, deixadas em meu quarto hoje mais cedo, para retirar o bule de café da cafeteira extremamente cara, vendo algumas ondas azuis se formarem no ar, como uma corrente de energia azul fina e leve quando não em névoa igualmente poderosa, que mantem tudo se movendo quando na verdade o poder se origina das pontas de meus dedos. É natural e indolor para mim, mas longe de ser genético. Originado de radiação.
- – Meus lábios se curvam em um sorriso quando o inventor pega a xícara, a sua voz forçada saindo nem um pouco parecida com a de Nick Fury, mas eu mesmo assim dou risada da tentativa falha e ele retribui o sorriso. Nunca estive próxima a Nick Fury, mas ouvi a sua voz diversas vezes por trás de paredes. Natasha sempre me escondia quando ele surgia repentinamente. – você já ouviu falar da iniciativa Vingadores? - Meus olhos se estreitam quando o óculos escuro que ele usava é abandonado sobre a pia. Seu rosto também está ferido. Há uma aréola roxa em seu olho e arranhões. Stark mantém as mãos para cima, sarcasticamente, mas com uma pitada de interesse cego e orgulho enquanto despejo o café que havia preparado a pouco em uma xícara e ela navega pela neblina na sua direção.
- Sr. Stark, o senhor já ouviu falar em um tal de Homem de Ferro? – Ironizo em retorno, agora com um sorriso sacana no rosto enquanto o mais velho beberica seu café puro. Ele sabia que me mostrar como hackear câmeras superprotegidas com algoritmos infinitos ainda iria lhe render alguma coisa, mas o fez mesmo assim, a cada segundo se mostrando mais abismado quando eu aprendia rapidamente. – Ele foi criado por um engenheiro genial, é basicamente uma armadura superpoderosa. Mas é claro que, o dono sempre se esquece e acaba levando socos de um Soldado Vampiro. Não que isso seja menos divertido de assistir.
Stark revira os olhos após pegar uma bolsa de gel congelada no freezer.
- Eu deveria estar com vontade de jogar você da janela, Black. Mas me orgulho do monstro que eu criei. – Resmunga e ergue a mão, pedindo um soquinho que eu logo lhe dou, tomando cuidado com os cortes em seus dedos. Stark enterra o rosto na bolsa gelada e contrasta com goladas do café quente. – Preciso da sua opinião sobre uma coisa.
Retirando o celular do bolso do terno, o herói pede minha atenção, deslizando o objeto sobre a mesa e logo revelando vídeos em holograma azul claro, uma tecnologia que todos os celulares da equipe da Nova Instalação dos Vingadores possuem e é somente limitada a eles e outros da confiança de Tony. Eu deixo meu livro de lado pela segunda vez na noite e aceito que não terei chance de finalizá-lo com meus olhos imersos nas imagens diante de mim. No primeiro vídeo identifico ser uma cena oriunda de uma câmera de segurança em alguma rua qualquer, com alguns carros estacionados enquanto um homem força a fechadura de um deles sem a mínima discrição ao olhar continuamente aos dois lados em busca de possíveis testemunhas.
Quero dizer alguma coisa sobre ser normal para “pessoas de bem” roubarem carros, mas palavras imediatas me faltam quando algo que reconheço como outro homem aparece no topo esquerdo da tela, balançando em um fio que não detecto a origem ou material, depois lança algo na perna do ladrão, o derrubando e o algo aparenta ser uma corda, o pendurando no telhado do prédio atrás de si. A imagem congela quando o homem passa em frente a câmera, um gorro de ski vermelho, casaco com mangas longas azuis e óculos escuro. Seria uma cena cômica, se não fosse surpreendente. A flexibilidade, agilidade e maestria é belíssima para olhos não treinados, mas um pouco relaxado nos meus. Os ângulos formados pelo corpo e a força utilizada para conseguir derrubar o ladrão parecem perfeitamente calculados, até.
- Quem é? – Questiono, ampliando a imagem com curiosidade e repetindo o vídeo. Os movimentos do Tarzan de Nova York são rápidos e com uma precisão que não consigo ignorar até que falhe em graciosidade. Parece habituado com tal ou que pensa delicadamente e analisa cada oscilação, que deve prover de um certo tipo de treinamento. Ninguém fica assim de uma hora para a outra. – Quem criou? HYDRA? Área 51? Tem cara de ser um mutante, daqueles que encontramos em Westchester, lembra? Aqueles com o cara azul gigante e peludo. – É preciso me segurar para não projetar as memórias perfeitas e vívidas na mente de Tony. – Mansão X? Ou era Instituto Xavier? Aqueles que ficaram surpresos comigo. É mutante como eles ou foi criado?
Stark maneia a cabeça para o lado, incerto, mas valorizando minha memória.
- Aranhazinho, Moleque-Aranha, alguma coisa que eu não sei. – Dá de ombros e eu abaixo a tela, lendo comentários, glorificando o tal “Aranhazinho”, de Herói do Queens até o Amigão da Vizinhança. Eu olho para Tony, não entendendo até onde quer chegar até que entre em sua cabeça. – Não sei de onde ele saiu, mas não me importo. Você não tem noção da força de tensão da teia que o garoto criou, Black. E no outro vídeo, ele para um carro a mais de 60 quilômetros com as próprias mãos. Super força, reflexos e resistência sobre-humanos. Um pouco como você. – A voz de Stark não parece tão cansada como nos últimos meses, ele não parece irritado com a presença de outro “herói” ou soa sarcástico, pronto para dar um jeito no cara. Soa realmente surpreso e interessado. Perigoso. – Os sentidos foram ampliados em quase 200%, as mãos conseguem se prender em qualquer outra coisa, inclusive subir paredes.
- Isso é... – Muita informação. Eu suspiro, ainda anestesiada com a presença de outro herói. Não são muitos aqueles que os Vingadores confiam, mas sei que Tony não tomaria uma decisão nos pusesse em perigo, principalmente uma decisão mal pensada se considerarmos o ritmo que estamos seguindo. – Incrível. É muito interessante, principalmente para testes genéticos, Tony. Se o Dr. Banner estivesse aqui iria adorar conhecê-lo, mas onde você quer chegar, Sr. Stark? Tem um herói novo e ele ainda não causou problemas, para que você que ele?
Tony Stark dá um brinde com a minha xícara, engolindo todo o conteúdo.
- Vou dar um upgradezinho para o garoto. – Anuncia sem dar muita atenção, logo me fazendo apertar os lábios em desconfiança. Tony Stark não ajuda pessoas desconhecidas com poderes desta maneira. Faz doações milionárias para programas de dessalinização de água do mar para comunidades carentes no Haiti, doa alimentos para países em crise como a Venezuela e funda projetos em faculdades comunitárias. Mas não consigo me acomodar com a ideia de que esteja ajudando alguém que nem conhece desta maneira, lhe confiando sua tecnologia. O seu legado nas mãos de um estranho. – Uma armadura nova e uma interface que eu posso controlar daqui. Vai ajudar enquanto ele mesmo descobre o que pode fazer.
Eu desligo o seu celular, recebendo um olhar desconfiado de Tony.
- Você vai enfrentar o Capitão, não é? Vai confrontar o Steve e conseguir o que quer. – Seu intuito é simples, mas transborda muitas possibilidades. O olhar que Tony sustenta é uma tentativa de parecer severo, tentativa esta que se prova falha quando a sua face lhe entrega, as rugas nos cantos dos olhos cedendo quando tenta relaxar. Meu peito dói com a minha realização e eu me surpreendo por não perceber antes. Balanço a cabeça, pois dentro de mim sei que neste exato momento Steve Rogers está fazendo o mesmo. Como pude não notar antes? – Uma corrida armamentista? Sério, Stark, Paz Armada? Estão se preparando para uma guerra.
Ele não está falando com um chefe de estado, mas comigo. Não precisa personificar o Homem de Ferro agora. Sei que não foi uma decisão fácil se opor a Steve, jamais seria uma decisão fácil se opor a um amigo e eu apoio meu rosto nas mãos, ainda o olhando e sentindo a tensão de seu corpo escorregar em minha direção e vibrar ao meu redor. É um impasse, minha mente me explica, apropriando-se da voz de Tony enquanto meus poderes flutuam ao nosso redor a um nível que apenas eu posso ver, traduzindo tudo que ele sente para mim. Steve é família, o salvou incontáveis vezes, mas este é um tópico mundial. A segurança de todos, afinal ninguém quer repetir o que houve em Sokovia. As pessoas dizem que sou irresponsável, . Mas eu estou me afogando em responsabilidade para corrigir meus erros. Eu espalmo minhas mãos na mesa, silenciando meus pensamentos. Preciso falar com Tony dos chips. Meus poderes estão ficando ligeiramente fora de controle.
- Esquece. Foi uma pergunta idiota, Tony. – Suspiro alto, desviando meu olhar para minhas mãos, as cruzando diante de mim e absorvendo o calor da xícara de chá próxima a meus dedos. Relembra o calor brando que emanava do Capitão Rogers e eu engulo novamente a vontade de jorrar lamurias. Não é meu local de fala, como todos gostam de ressaltar. – Eu entendo, me perdoe. Eu só acho... Horrível, sinceramente.
O Sr. Stark também suspira, balançando a cabeça e afastando os pensamentos.
- Temos 36 horas para capturar o Rogers, Barnes e Wilson. Para entregá-los para Everett Ross ou haverá uma luta armada com as Operações Especiais, com o risco de matarem o Cap e ele morrer como um traidor a bandeira, . – O Homem de Ferro explica, correndo os dedos pelos fios pouco grisalhos e apoiando o rosto na mão, a expressão cansada que havia sumido com o tópico do novo herói retorna. Quero me punir por trazer este sentimento para ele de novo. – A equipe está comprometida. Somos eu, Romanoff, Rhodes e Visão. – Pausa e eu abaixo meus olhos. Wanda. – Eu sempre soube que Wanda não estaria pronta para lutar, em especial ao meu lado, mas não imaginei que se renderia tão fácil. – Concordo com a cabeça. – No fim das contas, a última opção era esse cara e...
Eu ergo meus olhos, piscando quando sua voz se desfaz no fim da frase, como se tivesse percebido que havia soltado informação demais muito tarde. Tony solta um “tsk-tsk” baixo ao bebericar o café novamente e pegar seu celular de cima da mesa, o enfiando no bolso do terno vinho. Tony engoliu uma última golada de café e suspirou. Certo, Wanda foi um soco na boca do estômago. Eu havia deixado o Complexo para uma corrida noturna no bosque quando notei algo incoerente ao meu redor e meus instintos se atiçaram como fogo em gasolina, queimando minha mente e acelerando meu corpo para a busca de respostas.
Então o fogo surgiu há poucos quilômetros de mim, cerca de quatro, bem na divisa que mantém nossa distância das rotas de viagem. Então tive de correr de volta para as Instalações dos Vingadores, o sangue borbulhando em minha mente enquanto seguia os rastros deixados antes por meus sapatos. FRIDAY lançava alertas a cada segundo em meu celular, mas não parei de correr até chegar a tempo de rolar para trás de um arbusto quando um carro deixou os portões a toda velocidade. Visão me encontrou no topo das escadas, coberto de detritos.
- Você. – Eu entreabro meus lábios em horror, mas o Sr. Stark ergue a mão, pedindo silêncio. – Deixe-me ver, Black. – O mais velho estica os braços para cima, parecendo se alongar enquanto eu seguro a barra da mesa, meus olhos arregalados em surpresa. Stark só pode estar brincando. Como pode achar que eu enfrentaria os outros? – Você, minha querida , é um gênio em âmbitos inimagináveis. Já vi você fazendo coisas que eu jamais pensei que alguém além de mim poderia fazer, claro que não com perfeição, mas eu ainda tenho tempo de lhe ensinar muito mais. E você aprende qualquer coisa, . E rápido. Conhece toda a Central de Inteligência de FRIDAY e é uma das duas pessoas a quem eu confiei o programa, incluindo a minha namorada. Ex-namorada, hoje. Mas vou chorar em meu travesseiro de cetim mais tarde e engolir algumas pílulas depois. – Meus lábios se entreabrem novamente, mas com tristeza e Stark ergue a mão, me pedindo para ficar quieta de novo. Ele é Potts terminaram? Oh, céus. Um peso morto cai em meu estômago. – F.R.I.D.A.Y, uma introdução na Srta. Black.
- Jesus, Tony.
Elizabeth Black, possivelmente nascida em Liverpool, Inglaterra e criada no Lar da Srta. Kovnosh Para Moças em Londres até os 5 anos. Foi adotada por meios não-legais pelo General Brock Rumlow da STRIKE, posteriormente identificado como agente duplo da HYDRA, com habitação localizada em Sokovia comprovada pelos nove anos seguintes, mas constantemente redirecionada a centros de treinamentos não mapeados.
É treinada em parkuor, krav maga, hapkido e taekwondo, equipada com conhecimento sobre táticas de combate e luta corpo a corpo com pouca idade. Black é uma atiradora superior com uma extensa gama de armas balísticas domadas. A Srta. Black domina cinco linguagens além do inglês, sendo estas russo, alemão, francês, espanhol e coreano com dialeto nortista. Já seu QI ultrapassa os 186 pontos, sendo um recorde mundial e histórico para alguém da sua idade. Em exames psicológicos fora identificada a memória eidética, crises de pânico e terror noturno.”
Tony abaixa os olhos para o seu café.
No dia 19 de agosto de 2014, foi tratada na Torre dos Vingadores em Nova York pela Dr. Helen Cho em razão de ferimentos referentes a um desabamento, sendo em seguida movida para as Novas Instalações dos Vingadores, estando desde então sobre a guarda destes. No dia 24 de agosto de 2014, foi descoberta a existência de campos sônicos no interior da então paciente, estes carregando meia dezena de poderes consigo, tornando-a uma Interface Neuro-elétrica capaz de modificar a polaridade de partículas ao seu agrado. Poderes como controle mental, telepatia, absorção de energia, campos de força eletromagnéticos e resistência sobre-humana que engloba fator de cura regenerativa e agilidade aprimorada, provenientes da exposição a energias cósmicas do Cetro.
Quando fui “adotada” por Rumlow aos cinco anos de idade, não vi nada de errado pois em minha mente não havia nada incomum em ser escolhida, muito menos a pobre Srta. Kovnosh que estava animada demais por uma de suas crianças ser adotada e o repasse de dinheiro posto em suas mãos para que não houvesse necessidade de papelada e documentação. Meus anos em Londres não passam de borrões acinzentados mesmo com a memória fotográfica, o sabor de sucos de uva passados, chocolates velhos no Natal e invernos congelantes com lábios azuis. Mas ao chegar em um avião de caça russo, onde, meu até então “pai”, me enfiou em uma jaula para animais de grande porte com ração de cachorro, percebi o horror que seria meus subsequentes anos em Sokovia e as constantes viagens para Stalingrado.
Pouquíssima comida que tinha gosto de levedo, tortura que vão além do que consigo enumerar sem ter uma crise, punições físicas que me dão arrepios só de pensar e muito treino que me deixava cheia de hematomas e cicatrizes que me adornam até hoje, mas apenas aquelas anteriores ao Cetro. Após contato com ele meu corpo não tem mais tantas marcas. Não me lembro exatamente de ver a luz do sol nos primeiros sete meses no porão do Castelo da HYDRA, nada muito além de alguns raios de luz que incidiam pelo telhado até onde eu não alcançava. A ausência da vitamina me deu ossos fracos como vidro e tão frágeis que os sons eram músicas para os ouvidos dos torturadores.
Em meu próprio “quarto” eu era treinada como um soldado e torturada como uma rebelde quando não cooperava. Acordava sempre no mesmo horário e sem rastros de Sol, muitas vezes sendo lançada no chão e precisando estar em posição de defesa no mesmo instante para não levar um “surdão” no ouvido e apagar agonizando com zunidos infinitos até ser chutada novamente para me por de pé. Os teores de tortura eram alarmantes e começaram assim que completei sete anos de idade e cuspi na cara de Brock Rumlow quando tentou tocar em meu rosto.
Então, aos poucos os oficiais escolheram as suas preferidas para quando meus resultados em campo não eram satisfatórios: Pau de Arara, este onde me prendiam a uma barra de ferro que era atravessada entre os punhos amarrados e a dobra do joelho, onde ficava por dias sofrendo choques e afogamentos. Em segundo lugar, todos pareciam gostar de me pôr na Geladeira. Um quarto miúdo, com teto baixo onde podiam regular a temperatura até que eu atingisse níveis de hipotermia ou desidratação e estivesse gritando por socorro até minha pele começar a descascar e cabeça latejar.
Aprendi a me defender com as próprias mãos, sem precisar de armas ou acessórios, o que foi uma grande surpresa para a Agente Romanoff quando decidiu iniciar meu treinamento aos moldes dos Vingadores alguns anos atrás. Surpreendeu principalmente o Capitão Rogers quando, aos quinze anos, eu o derrubei com um “roundhouse kick” de quase 1.408 quilos de força, segundo Stark. Então, a sua surpresa foi bem maior quando colocou uma metralhadora Kalashnikov RPK diante de mim na sala de tiro, pedindo que eu lhe mostrasse o que conseguia fazer e identificar. Ela possuía um barriu alongado com bipodes ajustáveis, gatilho com travas de segurança estilho focinho e canhão remodelado para grandes ações. Uma das primeiras armas que me ensinaram a assimilar e atirar. No fim do dia, Tony encomendou novos alvos pois havia destruído a todos e Steve Rogers disse para Natasha que haviam tido sorte em me “resgatar”.
Ele não poderia imaginar a ideia de algo tão mortal nas mãos de outra equipe.
Um dos mísseis lançados por Stark para que pudesse se infiltrar na barreira magnética do Castelo da HYDRA em Sokovia atingiu alguns andares abaixo de mim, estes que se desfizeram e onde eu quase morri ao ser soterrada por pedras. Ainda me lembro das manchas de sangue em minhas pupilas e de como senti que meu peito fosse estourar com as vigas acima dele, a pressão me afundando na neve paralisante e ossos se partindo por todos os lados das maneiras mais horrorosas e nos sons mais agonizantes que podem existir. E por um segundo, me permiti pensar comigo mesma: Por que lutar? Por que não simplesmente parar? Eles já tinham arrancando tudo de mim.
O lar que tinha em Londres, a inocência de jamais ter sangue em minhas mãos antes de me forçarem a treinar com alvos vivos e os sonhos de algo bom. Os sonhos que tinha de poder encontrar uma família que me amasse e ser finalmente salva de Rumlow, da dor e da vontade de vingança. Mas eles já tinham levado e esmagado tantas coisas em mim que não fazia mais sentido querer viver sem saber quem era antes. Estava me esquecendo até mesmo de como o meu rosto era e de como era não ter poderes. Não sabia mais seu eu. A HYDRA apagou tudo. Por que não deixar que arrancassem o sangue de meu corpo e o ar de meus pulmões uma última vez?
Então eu não lutei. Não fiz força para me salvar, apenas fechei meus olhos e pedi a qualquer coisa além das nuvens que acabasse rápido e indolor. Mas sei que jamais esquecerei de como tudo pareceu finalmente acabar quando os dedos quentes de Natasha Romanoff tocaram minha mandíbula em busca de algum sinal de vida e eu pensei ser um anjo me encontrando. Ou quando Steve Rogers ergueu as vigas sobre mim horrorizado com minha situação e gritou por reforços e ajudas pois havia um civil ferido. Ou de como Tony Stark me carregou como se fosse me partir em pedacinhos miúdos, ainda em sua armadura brusca, para a nave. Jamais esquecerei daqueles que salvaram a minha vida quando eu queria morrer e me deram uma chance que eu mesma me recusei a ter.
Eu mantenho meu lábio inferior entre os dentes, olhos focados em minhas mãos pálidas, estas que possuem tanto poder como F.R.I.D.A.Y ressaltou. O fogo azul que corre por minhas veias e queima meus tecidos quando os usos em batalha, feroz e incontrolável. Mas, saber que uma Interface gigantesca conhece da minha história não é tão mal, principalmente quando não sou perseguida por uma imensidão de soldados que querem me prender em uma Penitenciária de Segurança Máxima no meio do oceano, assim como planejam fazer com Wanda Maximoff. E comigo, logo que descobrirem a farsa na qual me enfiaram para tentar me proteger. Deveria ser a sobrinha de Anthony Stark ou de seu pseudônimo Andrew Black, filha de Arthur Black que morreu em um acidente de carro. Clichê e perfeito.
Mas sou a arma nazista que não tem outro lugar para onde fugir.
- Nós precisamos de você, Black.
A voz de Stark soa próxima de mim e eu me viro em sua direção, ele está com os braços cruzados acima do peito e lábios em uma linha fina. O mais velho entende que sou jovem demais para isso, mas sabe que não tem outras opções agora e eu também sei. Se lutar ao lado de Tony, ao lado do Estado, não serei uma ameaça tão grande. Mostrarei ser um objeto de fácil controle, o suficiente para não sequer se interessarem por minha origem. É o lógico a se fazer. Me infiltrar como a nova heroína que apenas quer fazer o certo.
- Eu não vou machucar o Rogers ou o Wilson. Mas eu apenas preciso impedi-los de cometer um erro tão grande como por suas vidas na linha por alguém que com um estalar de dedos matou o Rei de Wakanda. – A aura de Tony está em um tom violeta, misturando-se com um tom de cinza escuro. Meu coração se aperta de novo. Não consigo imaginar que Bucky Barnes tenha feito isso. Não soava cabível quando eu tomei café com ele na mesma manhã do incidente e ele reclamava do teor de açúcar do cereal. - Mas precisamos fazer o que é certo e eu sei que você é poderosa o suficiente para estar lá conosco. Já vi você lutando, manipulando a mente de soldados e criando modelos de armaduras com gadgets que eu nem pensaria. Não colocaria você frente a frente com eles se não tivesse certeza de que não iria se machucar.
Abraço o herói no segundo que termina de falar, encostando minha cabeça em seu peito e mantendo meus olhos abertos pois não sei se quero fechá-los após relembrar meu passado tão avidamente. Não demora muito para que, mesmo que desajeitado, Stark retribua o abraço, com força enquanto dá tapinhas em minha costa. Seu abraço é algo que nunca havia sentindo, afinal tenho muito mais intimidade com Natasha ou tinha com Steve, ambos sendo aqueles que despertavam quando eu acordava no meio da noite gritando com pesadelos que nunca sumiam. Mas agora, Tony me abraça com algo que não consigo traduzir além de carinho e compaixão, além de uma pontada de medo. Eu me afasto, apertando meu braço enquanto dou alguns passos para trás.
As vezes Tony Stark anda com um mancar quase imperceptível aos olhos menos atentos, mas eu consigo o notar com facilidade, principalmente após uma batalha, assim como os alongamentos excessivos que faz. Me questiono se essa é a razão de ele não ser tão afeiçoado a demonstrações excessivas de afeto que envolvem contato. Mas as possibilidades são infinitas, contudo prefiro ficar com a mais provável: dor. Todos os seus ossos já foram quebrados e quebrados de novo dezenas de vezes e eu sei que se recusa a tomar medicações. Então permanece com o nariz meio quebrado em alguns pontos e um pulmão com má cicatrização. No fim das contas, como todos nós ele está ferido, curvado e esmigalhado em partículas finas. Eu estava certa ao falar com Visão. Todos matamos partes de nós mesmos para sobreviver e as cicatrizes não somem.
Ou talvez, Tony se ache indigno do mais singelo carinho.
- Estou dentro, não precisa implorar. – Confirmo, respirando bem fundo e soltando o ar com calma, sentindo partes de minha mente despertarem quando a ideia de usar meus poderes com plena liberdade surge. Partes essas que tenho mantido em estado de latência o máximo de tempo que pude manter com o auxílio do chip de Stark e terapias com psicólogos e psiquiatras. Mas nada consegue realmente me impedir, consegue? Não. – Mas, agora... Precisamos falar sobre algo mais importante, Sr. Stark.
Anúncio, agarrando no ar uma esfera de em tom salmão, a cor de sua aura. Tony solta uma lufada de ar, maravilhado, mas também preocupado. Ruguinhas se formam em sua testa.
- Os chips estão falhando. Os da Wanda não, mas os meus poderes estão encontrando métodos para se infiltrar. Eu pude ver quando o Capitão soube da morte da Agente Carter. E como a Natasha estava cansada. E mais do que eu deveria, no geral. Eu estou conseguindo sentir tudo de novo desde que vocês voltaram. – Relato, destruindo a esfera em uma nuvem de fumaça que escorre por meus dedos quando a aperto com força, agora sendo eu quem caminha pelo cômodo em desconforto. – Estou scriptando tudo, digitalizando em minha mente e compreendendo. E tenho medo de que possa fazer ainda pior se não me parar.
Ele me olha calmo demais.
- , você não é mais só uma garotinha traumatizada. Você consegue se controlar e eu não sei se ainda há necessidade de colocar uma “coleira” você. Isto já soa desumano demais até para mim. – Tony toca meu ombro, paternalmente quando eu paro de tagarelar. Seguro a pedra da pia com força, sentindo ondas percorrerem meu corpo, agora que tudo parece ainda mais amplificado e seu toque apenas amplia a sensação. Bom, o fato de não acordar suando e me arranhando no meio da noite não apaga os meus traumas. E eu ainda temo que posso machucar alguém, principalmente após o acidente de Bucky. Nossa sanidade percorre uma linha tênue lado a lado. – Tem certeza?
Eu concordo com a cabeça, mesmo que a desumanização me machuque.
- Não quero machucar ninguém, não quero perder o controle como o James fez, Tony. Não tanto pelos outros, mas por mim. – Garanto, sentindo um frio tomar conta de meu corpo. É puro egoísmo, mas sei que é necessário pois não consigo imaginar até onde iria em termos de autopunição se causasse dor a alguém. Não estou estável o suficiente. – Não quero torturar ninguém, Sr. Stark. Ultron usou a Wanda para controlá-los e torná-los um contra o outro, e eu não quero correr o risco de fazer o mesmo. – Engulo em seco. – Reveja os chips. Temporariamente. – Adiciono, abraçando meu corpo. – Meu protótipo está quase pronto, mas prefiro não me arriscar e acabar perdendo o controle. E... Bem, a terapia está funcionando. Eu me sinto no controle. Mas isso ainda me assusta.
Tony sorri para mim com gentileza.
- Me ajuda a montar os chips? Se sim, traga o café. Teremos uma longa noite.



Capítulo 2

CIVIL WAR II – THE END OF AN ERA

- Devia ter treinado neste uniforme antes, Nat. – Lamento. – Não sei nem mesmo como ele deve funcionar, mas Tony disse que me adaptaria rápido. – Agora estou apenas balbuciando meus pensamentos. – Só acho que não tive tempo suficiente. Entende? Ah, céus... Natasha isso foi um erro.
Estou rezingando sem parar, pressionando o botão em meu pescoço diversas vezes e bufando, não acostumada com a armadura que me prende dentro de si. É confortável, de uma forma péssima para alguém que passou anos com coleiras no pescoço e sacos sujos cobrindo o rosto. Segura e adaptável, criada para mim e mais ninguém, segundo Stark. Contudo ainda me sinto confinada e essencialmente exposta em razão do material ser justo a minha pele. Respiro bem fundo o ar gelado e perfumado do jatinho silencioso, desconfortável com a máscara negra que cobre minha face e onde meus cílios tocam. Observo tudo a partir das lentes de um computador em tons de azul e violeta, dados sobre cada objeto surgindo em minha frente: desde a temperatura do omelete que Natasha preparou até dados do lote da asa esquerda da aeronave.
- Nem sei para que estou aqui se não irei conseguir machucar alguém.
Natasha sorri para mim de maneira penosa e calma, se levantando do banco de couro onde estava sentada e encarava as nuvens para então seguir em minha direção, onde se senta diante de mim, com uma mesa e uma tensão entre nós. Eu olho pela janela grande demais para um avião normal, tentando também me entreter com as nuvens branquíssimas do céu brilhante e azulado de Berlim. Minhas mãos ainda estão sobre a mesa, mas eu só percebo que a palma de Romanoff está sobre a minha quando as olho. Em um piscar, as luvas negras metálicas se recolhem, parando acima de meu pulso logo abaixo da pulseira que as originam. O uniforme é extremamente intuitivo.
Seus olhos estão nublados e eu sei que ela não dormiu, mas eu não consigo enxergar além do óbvio, não agora que os chips foram renovados e eu passei a manhã inteira encarando o chão enquanto todos os assistentes da Instalação dos Vingadores eram novamente reforçados com os chips que impedem a transmissão neutro-elétrica para mim. Minha mão gelada se aquece no calor da sua, um sentimento que me ocasiona uma pitada de calmaria em todo medo e aflição que me cercam. Lhe ofereço um sorriso agradecido quando ela me imita e remove a sua luva, a palma espalmada na minha. Eu entrelaço nossos dedos e aperto a sua mão, buscando pelo menos um pouco de afirmação. A Dra. Cho, única médica que Tony permite me tratar e estudar, percebeu há um ano que a minha temperatura se modifica dependendo de meu estado emocional.
Por isso Natasha se apressa para me esquentar.
- Eu não queria que você estivesse aqui, petal. – Oh, obrigado. Eu quero responder algo, mas a pressão de lhe acalmar não me deixa, afinal eu sei exatamente o porquê de sua aversão a minha presença. Eu também não queria estar presente para algo que tenho certeza de que acabará de maneira péssima. – Todos sabemos o que vai acontecer se uma trégua não for formada, e eu não queria que você estivesse aqui para ver tudo isso demolir.
Natasha explica devagar buscando meus olhos, o verde dos seus sendo reconfortante e caseiro. Tanto quando os de Pepper Potts na noite anterior quando fiz uma ligação de vídeo e ela me atendeu imediatamente, aliviada por meu contato e animada para saber como meu dia havia sido. Quanto a Tasha, tento passar um pouco de fé em meio a meu desespero, mas os fios negros que cobrem meu rosto enevoam minha imagem. Ela sorri, agitando seus próprios fios ruivos antes de ajustar meu cabelo e eu fecho os olhos. Com cuidado, alinha as mechas rebeldes com meu penteado, da mesma maneira que penteou meu cabelo no hospital após uma crise há alguns meses. É um gesto unicamente seu, que não permito ser praticado por mais ninguém, assim com as três vezes que aperta minha mão sempre.
- Quanto a isso, não há nada que eu possa fazer, . Sinto muito. Nós, infelizmente, precisamos de você. – Confessa e eu consinto, não querendo causar mais dor do que já sente. Ver a criança que auxiliou a moldar e se recuperar por dois anos se erguer para lutar num combate que não é seu, e lutar contra seu melhor amigo principalmente, não deve ser fácil. Nem mesmo para Natasha. – Mas quanto a sua armadura, eu posso te ajudar.
- Já é o suficiente.
- Conversei com Tony por algum tempo enquanto ele a preparava para você e ele tem cuidado dela por uns meses agora. Nós usamos alguns dos estudos que o Dr. Banner e a Dra. Cho fizeram sobre seus poderes também e a tornamos perfeita para você. – Natasha se põe de pé, cruzando os braços enquanto caminha pela nave e eu encaro sua costa alongada. – O uniforme em si é feito basicamente de nylon balístico, igual ao do Rogers. Politeno na área do seu peito e na máscara, mas com traços de nitinol, o mesmo metal da armadura do Stark. – Cita sem muita dificuldade enquanto eu corro meus dedos pela área de meu peito, surpresa com a resistência principalmente em minha garganta. É como uma chapa de aço. – Parece resistente, mas só resiste por fora. Se você precisar mover algo ainda por dentro da armadura, ela vai lhe obedecer. Outro gadget é que ela é psilotermica, então vai variar de acordo com a temperatura do lado de fora pra suportar as suas alterações constantes. – Ele enche um copo de água para si. – As luvas protegem suas mãos do desgaste das correntes que precisar emitir, não deixando que elas queimem. O capacete vai te proteger de uma quantidade baixa de ondas sonoras, mas você pode melhorar isso depois. As áreas que eu disse antes são as mais críticas, por isso são a prova de balas. Mas eu não recomendo que teste isso por enquanto.
- Interessante. Estava pensando em ficar na frente de uma bala, mas vou deixar para a próxima oportunidade. Você sabe, quando procurada pela HYDRA e tudo mais. – Ironizo, percebendo o filete de um sorriso no rosto de Nat. A imito. – Mais alguma coisa que eu precise saber?
- Sabe como você absorve energia? Bem, o brinquedinho novo absorve o dobro da energia. Se lançarem uma carga radioativa ou neurosensiva em você, você vai absorver e transformará a energia em força.
- Wow! Sério? – Minha voz soa animada demais e eu só percebo isso quando Natasha abaixa o rosto, tentando não sorrir, mas não consegue. Ela me dá aquele seu sorriso lindo, radiante e diferente. Um sorriso aquecedor que guarda apenas para sua família; nós. E Steve, Bucky e Sam. – Não que eu queira que você jogue uma granada em mim, mas se o momento chegar, vai ser incrível.
Natasha se apoia na minha poltrona, dando um tapinha em meu ombro sobre o tecido negro com detalhes em couro protegendo minhas extremidades. O dourado do próprio Homem de Ferro também está aqui, alinhando-se a minha silhueta em detalhes delicados nas munhequeiras em meus pulsos, como mini escudos. Minhas bochechas fervem, pois já havia percebido a semelhança com os uniformes dos dois. Quis sorrir quando a percebi. O braço de Natasha está sobre meu ombro e ela beija meu cabelo de maneira rápida, mas significante.
- Eu pedi pelo tecido negro, mas não pelo couro, mas como sempre o idiota do Stark não me escuta. O ego entupiu o canal auditivo dele. – Sorri. – Ele colocou um toque dele, um meu e... Do Steve. A força do Steve. – Nat aperta meu ombro e eu sei que é difícil para ela mencionar Steve Rogers. – Nos seus pulsos, os braceletes são como A Mordida. Um presente da sua pessoa favorita.
Eu dirijo meus olhos para Natasha, sem palavras no instante que minhas mãos se direcionam para sua mão livre, a fazendo sorrir. A Mordida é uma arma de eletrochoque criada pela SHIELD para ela, portanto imaginar que ela está me emprestando o protótipo é gentil demais. Eu deixo um sorriso me escapar antes de abraçar Natasha ainda sem jeito, meus olhos fechados com força enquanto ela retribui o carinho e eu descanso meu rosto em seu estômago, respirando bem fundo.
Nas minhas piores noites – assim que cheguei na Torre dos Vingadores – ela era a única que eu permitia pôr as mãos em mim depois de muito diálogo e regras sobre o toque em minhas cicatrizes e áreas feridas. A única a qual eu não dava descargas elétricas ou gritava e lutava contra como se minha vida dependesse da relutância, pois em certo ponto realmente dependeu. A psicóloga, em unidade com alguns outros médicos, acordou que eu havia visto em Natasha a figura materna e feminina inexistente na HYDRA. Estava acostumada demais com homens sendo aqueles que enfiavam injeções em mim, chutavam-me, torturavam e treinavam. E por ser a principal agente em meu resgate, eu a vi como uma boia salva-vidas.
Então não era incomum que Romanoff fosse a pessoa que eu buscava no meio da noite quando sentia os pesadelos vindo até mim. Precisava de três batidas na sua porta até que ela a abrisse e me acolhesse em seu ninho de lençóis pálidos e travesseiros avermelhados com armas carregadas em baixo. Não haviam perguntas ou palavras que me reprimissem. Natasha me segurava próximo a seu peito, os dedos em meu cabelo e a outra mão segurando meu corpo próximo ao seu, com duas camadas de cobertores sobre mim. Tasha ainda cheira a creme de baunilha, como chantilly e uma pitada de canela. E foi com este exato cheiro que me acostumei a adormecer.
Quando o piloto automático avisa a proximidade e o pouso em minutos no Aeroporto de Brandeburgo eu sinto como se tivesse levado um tiro no peito e fico com a mente dormente. Engulo em seco ao me separar de Natasha, ficando momentaneamente sem ar, tentando me acalmar quando massageia meus dedos. Sinto como se fosse chorar.
- Temos que fazer o que é certo, petal.
Eu não perguntei a Nat o que, no fim das contas, é o certo.
Sei que ela não saberia me responder.

*


- Uau! É tão estranho como cruzamos com as pessoas no aeroporto, não acha?
Posso ouvir as palavras de Tony e do Oficial Rhodes pelo ponto em meu ouvido, mas também posso ouvir a voz calma e sensata daquele que eles tentam impedir. Meus olhos estão bem abertos quando Pantera Negra surge por trás de uma plataforma, pousando metros de distância de Rogers, mas sua presença já fora identificada por FRIDAY em meu uniforme segundos atrás. Minha mente agoniza em desespero que não era para isso acontecer, que – segundo o plano – deveríamos atacar quando fossemos atacados, assim como Natasha me prometeu. Mesmo assim, mesmo sabendo que isso não funcionaria, a proximidade dos dois ainda me preocupa. É neste momento que eu dou alguns passos para frente, fechando meus olhos enquanto a máscara cobre o meu rosto e minha visão é substituída pelas lentes táticas da máscara.
- Seu velho amigo de guerra matou inocentes ontem.
Tony Stark informa, tentando convencer Steve com um detalhe que nenhum de nós parece poder esquecer, ressaltando a gravidade da pessoa com quem se uniu, todavia, a informação não parece ser o suficiente. Como o Capitão América, eu também não consigo assimilar o aviso. Soa muito distante e impossível para quem conhece Bucky Barnes. Quando as mãos de Rogers se fecham em punhos, eu sei que preciso sair de onde estou atrás de um carro e assim o faço. Com passadas lentas, estou nas suas costas e um pouco mais adiantada, porém é a sombra de Natasha que paira entre Steve e Tony. Engulo o nó em minha garganta. A proximidade me permite ver a aura de Steve, este que não recebeu o chip novo e está vulnerável a mim. O tom é esverdeado e com sinais gelados de um azul que circunda tudo, lentamente sendo consumido por um lilás que me assusta. Medo, apreensão e remorso.
- E tem mais cinco supersoldados iguais a ele. – Steve Rogers revida, convicto. Ele não vai desistir, não vai parar até conseguir provar a inocência de Bucky, minha mente transcreve e meu coração se acelera. Rogers não vai parar. – Eu não posso deixar o médico chegar primeiro, Tony. Não dá.
- Steve. – É Nat quem o chama com serenidade e aflição, o fazendo tornar a olhá-la com uma expressão que entendo ser de pesar. Os dois estão feridos demais com os papeis antagônicos inesperados. Meus lábios estão apertados enquanto os olhos de Steve caem para o rosto daquela que considerava sua irmã tanto quando James. – Você sabe o que vai acontecer aqui, não sabe? Quer mesmo resolver essa situação lutando?
Sinto a aproximação de mais pessoas. Reconheço a presença forte de Wanda, por mais que ela tente se esconder de mim, mas a localizo junto com Clint Barton no estacionamento atrás de Tony. Posso sentir quando Sam Wilson e Bucky Barnes passam atrás de mim pelo terminal sete e quero lhes mandar fugir, por mais que saiba que é errado demais. E sinto outras duas pessoas que não consigo identificar, ambas próximas demais ao ponto de eriçar o cabelo de minha nuca. Quando o soldado direciona um olhar pesado e árduo para Stark, eu uso minha voz pela primeira vez, engolindo toda o embaraço e desfazendo-me do nó em minha garganta. Não quero convencer o Capitão de nada, apenas quero lembrá-lo um dos motivos de sua relutância. Um motivo que já havia percebido há muito tempo.
- Cap. – Seu codinome misturado com o doce apelido deixa meus lábios com um suspiro, talvez até mesmo como um pedido e eu percebo a ondulação morna em sua aura quando se vira para mim, ciscos de um vermelho brilhando em algum lugar. Steve jamais viu a armadura que Tony havia preparado para mim, quem sabe isso explique a sombra de surpresa que cruza seus olhos, logo sumindo no mar azul. Ele me reconhece por minha voz. – Por favor, pense no que está fazendo de forma impessoal mesmo que seja só por um segundo. Você não precisa ir assim. Por favor, não vire as costas para todos nós desta forma. – Meus olhos se fecham por trás da máscara e eu posso sentir quando minhas mãos ficam frias. – Nós só queremos fazer o que é melhor para todos. Como você sempre quis. – Tenho certeza da apelação e de como é jogar sujo. – Por favor, pense em tudo o que está arriscando.
A aura do Capitão Rogers vibra em um violeta.
- Me desculpe, . Por favor, me perdoe, mas não há outra opção. Não agora. – Sussurra, flexionando os dedos contra o próprio escudo. Não acredito que a trouxeram aqui, não acredito que colocaram uma menininha em um traje de guerra. A menininha que iriamos proteger. Não acredito que a tornaram uma arma contra mim. Este é um dos momentos que eu entendo a importância dos chips, e até entendo o motivo de minha educação ser particular no prédio dos Vingadores. Não sei se minha mente aguentaria lidar com todos os pensamentos e sentimentos do mundo ao meu redor. – A maioria nem sempre tem razão, doll. Evitar um conflito para preservar a paz não vale a pena se a guerra é silenciosa e a cada passo você está em território inimigo.
O som de metal que toma conta do pátio provém de palmas irônicas de Stark.
- Lindo discurso, Rogers. Mas você sabe quem começou essa guerra, não sabe? Eu não criei os acordos, Cap. Eu só estou pedindo que você, como todo mundo, coopere. Entregue o Barnes para as autoridades e nos ajude. – O Homem de Ferro maneia a cabeça. – Mas eu perdi a paciência, Rogers. Você sempre precisa estar certo. Até mesmo quando não está. Soa familiar demais. – Respirando fundo de maneira exausta e melancólica, Tony coloca as mãos perto da boca, eu desvio meus olhos da aura do Capitão. – Pirralho!
É com um som alto que eu pisco meus olhos, olhando para cima quando, com uma maestria que posso comprovar ao vivo, duas teias de aranha são lançadas. Uma delas se prende ao segundo andar do estacionamento a nossa frente, já a segunda atinge o escudo do Capitão. Eu perco o ar quando o acessório principal do herói deixa as suas mãos, logo sendo estas cobertas por uma teia branca. Todos estão estáticos, principalmente eu, que não esperava que Tony realmente tivesse procurado o homem dos vídeos no YouTube.
A figura alta pousa sobre um dos helicópteros na a pista, abaixado e com as pontas dos dedos de uma mão mantendo o seu equilíbrio enquanto o escudo gigantesco de vibrânio descansa na outra. Um sorriso torto me escapa em meio a dor. Tony estava corretíssimo na questão do upgrade prometido. O moletom colorido e engraçado foi substituído por roupas semelhantes à minha, justas contra o corpo e com acessórios nos pulsos que provavelmente são de onde as teias modificadas se originam. A cor predominante é um clássico Tony Stark; vermelho.
- Mandou bem, garoto.
Stark deu um meio sorriso, direcionando a sua atenção para sua nova criação.
- Valeu! A aterrissagem podia ter sido melhor, mas é que a roupa é nova... - O garoto se explicou, tocando no tecido e me fazendo abaixar os olhos, um traço de amarelo brilhando na aura de Steve que quase me faz sorrir de novo. O Homem-Aranha é só um menino, uma criança como eu. - Mas não tem problema, Sr. Stark! Ela é perfeita! Obrigado, tá? A-ah, Capitão, Sra. Agente Romanoff, e-eu sou um grande fã.
O alívio cômico atinge até mesmo Romanoff, cujos braços ainda estão cruzados diante do corpo quando me olha. A sua expressão de preocupação por trás do pequeno sorriso falso me indaga inúmeras coisas e eu nego com a minha cabeça. Como havíamos combinado no porta-aviões, se Steve fosse desistir, eu deveria acionar o botão em meu uniforme. Avisaríamos Ross imediatamente da localização de Bucky. Mas, não o fiz até agora. Já li e reli a mente de Steve Rogers vezes suficientes para saber que não há escapatória. Ele não vai parar. A não ser que nós o façamos parar. Ainda com a continuidade do discurso de Stark, mesmo com a verdade que Os Vingadores estão sendo desmantelados e ele é o culpado. Mesmo assim não há mudança em sua cabeça.
- Você vai entregar o Barnes e virá agora conosco! - Stark ordena de maneira emocional, seus olhos furiosos quando um suspiro mudo deixa os lábios de Natasha e eu quero me enterrar em seus braços. Mas não há trégua, não para Rogers e então não haverá descanso para nós. - Porque somos nós! Ou virá o Esquadrão do Comando de Operações Especiais sem a menor delicadeza e vão matar o bastardo do rabo de cavalo. – A menção me leva e buscar a presença de Bucky de novo. Então, Rogers não vibra e minha mente dispara. - Colabora.
Meu dedo está sobre o botão quando uma flecha rompe as teias nas mãos de Rogers. Em meio segundo, o Homem-Aranha está no chão e eu preciso me segurar de pé quando uma criatura minúscula se transforma em um outro herói, logo deslizando o escudo para as mãos de Steve. O som da armadura do Sr. Stark se fechando é o suficiente para que minha mente se foque em outra coisa, estes que são Wanda e Clint correndo pelo estacionamento após terem liberado o Capitão.
- Sr. Stark, são Wanda e o Gavião no estacionamento, estão no quarto andar. - Balanço a cabeça ao anunciar, dando um último olhar rápido para Natasha, que retira seu punhal das costas no mesmo instante antes de piscar felina para mim. "Eles são nossos, . Venha." Como um jato, Stark segue na direção do prédio atrás de dele, lançando um último olhar para o Capitão e passar a tarefa de impedi-lo para Rhodes. - Tem mais dois no terminal! Wilson e Barnes!
Informo alto antes de seguir na direção de Stark, voando atrás deste sem dificuldade alguma, com minha agilidade aumentada para combate e a velocidade de propulsão da armadura auxiliando o bater das asas “holográficas” azuis em minha costa, de maneira que consigo alcançá-lo em uma fração mínima de tempo. Encontro ambos Wanda e Clint na pista de decolagem e é do topo de uma das passarelas que lanço o primeiro campo de força contra os dois, barrando o caminho onde iriam fugir das investidas de Stark com um choque bruto. Algo em meu coração – que não está apenas sendo dominado por batidas frenéticas e uma carga insana de adrenalina – se acalma quando percebo que Stark não atira para matar e apenas quer pará-los. Eu desvio meus olhos quando Wanda atinge o campo e cai com um som pesado, sendo reerguida por Clint com agilidade mesmo que mancando pela descarga elétrica que aponto para seu tornozelo.
- Wanda, amor. Você deixou o Visão magoado. - Stark choraminga com humor para tentar disfarçar sua preocupação com o resultado do embate, pairando sobre os dois com o Sol banhando sua armadura. – E aí, Clint? Dá pra ver que a aposentadoria não te fez bem, né? Tá grisalho... O que foi? Cansou de jogar golfe e cultivar sua horta orgânica?
- Acertei dezoito nas dezoito tacadas. - Barton deu de ombros, pretensioso. – E é um jardim de petúnias, Tony. Pensei que você entendia melhor que eu de florzinhas. – Minha visão se focou em Wanda quando eu senti um zumbido agudo em meu ouvido, logo o relacionando com o que sempre sinto quando ela põe seus poderes em ação. Foi um golpe de sorte perceber a armação dela com Barton, o último distraindo Tony enquanto minha ex-colega de quarto dirigia sua atenção para as grades acima de Stark.
Tony, em cima!
Meu grito foi alto e provavelmente desnecessário, afinal os pontos que conectam todo o time fazem um bom trabalho em manter a comunicação, mas não pude me controlar. Tomando uma força que não sabia poder expelir, lanço uma rajada sonora na direção de Wanda, a fazendo escorregar para o chão, gritando enquanto tenta inutilmente cobrir os ouvidos. Afasto o pensamento que esta é a primeira vez que uso meus poderes contra ela quando, com um som estrondoso, carros atingem o chão ao lado de Clint. Estou a mil por segundo enquanto lanço a maior quantidade dos automóveis para longe de Stark, vendo quando auréolas azuis envolvem os mesmos e as vezes os amaçam quando flexiono meus dedos sem querer.
O Homem de Ferro também não falha, partindo muitos ao meio com seu arsenal balístico. Porém o mundo parou quando uma rajada escarlate me atingiu com uma força inimaginável e eu caí de uma altura considerável. O som e as pontadas me atravessaram como uma dor mental, formigando meu corpo e estalando cada neurônio meu até que eu esteja tonta e sinta como se inúmeras lâminas rasguem minha pele e facas arranhem meu crânio de dentro para fora. É agudo e o sangue quente escorre de minha orelha. Senti como se estivesse me afogando quando o som dos carros atingindo o chão tão perto de mim se torna uma sinfonia, meu corpo se curvando em uma forma miúda enquanto eu arfo de dor e logo atinjo o chão com um ruído abafado. Só consegui recobrar o ar longos segundos depois, apertando meus olhos contra os flashes de neve lamacenta que esmagam minha mente.
!’ A voz de Tony Stark reverbera em meus ouvidos e é como se eu pudesse respirar de novo. você está bem?’ Ele geme de dor. ‘Sim, FRIDAY, perfuração. Eu ouvi. Como está a Black?’
Posso ouvir quando FRIDAY informa algo sobre meu fêmur, mas eu estou pressionando minha cabeça chão para retirar o rosto tenebroso e nojento de Rumlow de minha mente. Os flashes de memória embasam minha visão, lágrimas se formando em meus olhos quando posso sentir a mão imunda e gigantesca dele em meu cabelo no momento que me adotou. Todo meu corpo se arrepia e a dor é devastadora demais, assim como a injeção de horror em minha espinha e o som de gritos de mais crianças sendo torturadas invade meus ouvidos e são como mãos infantis raspando dentro de meu peito e eu estou sem poder respirar. A sensação me dá vontade de quebrar um osso, afinal seria bem menos doloroso. Eu conheço esta dor.
!’ Quem grunhe em meu ouvido desta vez é Natasha enquanto eu me esforço para me por de pé, engolindo o sabor de bile em minha boca. Minha perna esquerda vacila e eu deslizo para o asfalto quando um caminhão atinge o chão, ardendo em chamas a alguns metros de mim e as chamas verberam em minha direção. Minhas mãos estão tremendo como os meus joelhos quando as ergo para criar um escudo contra as labaredas de fogo que iriam outrora me engolir. Minha visão tremula pelas lágrimas quando o fogo recobre todo o escudo e o calor ameaça me queimar antes de sumir.
Agora eu estou irritado. Mexeram com a baixinha. É Rhodes quem afirma o óbvio, pousando ao meu lado após a explosão e me ajudando a me por de pé ao segurar em meu cotovelo. Eu respiro fundo, percebendo por trás de minha máscara que F.R.I.D.A.Y sinaliza para a luxação em uma de minhas costelas e algo em minha perna. Isso não é um bom sinal.
Isso é parte do plano, Stark? Uma Natasha sem ar questiona e eu ouço o som metálico da aproximação de Tony.
O meu plano era pegar leve com eles. Vamos ter que tentar...’.
‘Senhor Stark!’ A voz do Homem-Aranha revela um pouco de desespero e eu sei que Tony provavelmente revirou os olhos. O rapaz parece animado demais por estar aqui. ‘Eles estão todos indo para o Hangar Cinco! Acho que o senhor deveria ir lá!’
Não é preciso que ninguém me diga o que fazer, agora que desisto de correr e uso minhas mãos como os propulsores de Tony e Rhodes, sobrevoando como um jato a pista com auxílio das longas asas de energia que surgem atrás de mim, um som arrastado quando se estendem, e estendendo uma de minhas mãos para Natasha pular um dos caminhões. Eu pouso do seu lado quando Visão surge em cena e por um segundo posso ficar relativamente calma. A mão de Natasha está sobre meu braço e eu balanço minha cabeça. Não acredito que os poderes de Wanda despertaram memórias de Sokovia e do Castelo e nem sequer acredito na força que ela usou contra mim. Contudo, lembro de sua resposta para Stark após este mencionar a tristeza de Visão. Foi ela quem foi trancada em um quarto, odiada mundialmente e condenada por seus poderes.
Não fui eu.
Eu voo até que não exista nada dos separando dos aliados de Steve além da cratera aberta no chão por Visão e que deixa o solo incerto. Eu não me importo em ouvir o que ele fala, pois sei que não adianta mais tentar persuadi-lo e apenas precisamos mantê-los ocupados até Everett Ross chegar. Nós perdemos o Capitão Steve Rogers, então se tornou o desafio principal manter um criminoso empatado. É Romanoff que para ao meu lado e Stark fica alguns metros mais distante. Logo Rhodes e o Homem-Aranha tomam seu lugar e nossa formação está pronta. O som de meu coração é extremamente alto, pulsando em meus ouvidos quando meus olhos encontram os de Wanda. Posso perceber a coragem, mas também a vergonha nestes. Infelizmente, não sei se lhe passo o mesmo sentimento. É como um estalar de dedos que minha mente parece se desdobrar de trás para fora. Escoriada e em carne viva, sinapses de minha mentalidade afogadas em Sokovia três anos atrás retornam e eu não consigo mais manter controle pois a raiva está vibrando em meu corpo em razão de seu ataque. Preciso desligar minhas morais e atacar. Fui treinada para isso, afinal.
Respiro bem fundo quando Rogers avança contra nós.
- Merda.
Avanço para meu primeiro adversário e forço Sam Wilson para o chão com um campo eletromagnético no instante que tentou tomar propulsão e ele cai rolando por alguns metros. Meus calcanhares atingem o chão de forma dolorosa, mas eu ainda corro em sua direção a tempo de atingir um chute alto em sua têmpora quanto tenta de colocar de pé, o fazendo cambalear para o lado. Com um bater de asas que levanta uma nuvem alta de poeira, nos lanço na direção de um dos aviões, a força levando a aeronave a se desequilibrar e atingir o chão com um estrondo, mas minhas mãos ainda permanecem seguras contra seu colarinho. A forma do corpo do herói se forma no latão quando este cai de uma altura relativamente perigosa e eu mergulho na sua direção, deferindo um soco imediato no topo da sua maçã do rosto enquanto sua guarda ainda está baixa.
Com as auréolas de minhas mãos tomando um tom metálico de azul, eu pressiono o seu peito, e agarro o mesmo, projetando para trás e atingindo com o corpo do amigo de Steve Rogers no chão com uma força que me preocupa. Antes que eu pudesse nocauteá-lo de uma vez, senti uma outra presença em minha costa e desviei da batula nas mãos de Clint, esta atingindo minha coxa com uma força que me deixa momentaneamente surpresa antes que o ar me falte com a chave de braço que Sam Wilson me prende, parecendo ter se recuperado rápido demais. Estou ofegando e tentando chutar seu joelho quando Clint suspira, parecendo realmente arrependido antes de se precipitar perto de mim, que aproveito o apoio de Sam para alavancar meu corpo e chutar o Gavião no peito, o empurrando para trás e aproveitando a distração do outro para eletrocutá-lo com A Mordida.
Acima de tudo, fui ensinada muito cedo a pensar rápido.
- Oi... Santo Deus! ? – Aceno satírica para o ex-agente mais velho, sua voz revelando o grau gigantesco de surpresa e aversão que tem ao me reconhecer. Como Steve, não esperava que eu estivesse aqui e duvido que todos menos ele e Wanda tenham notado que é comigo que lutam. Talvez seja isso o motivo de atacarem sem se segurar. Decido usufruir da breve vantagem, acenando com as pontas de meus dedos enquanto este se levanta devagar, estralando alguns ossos.
Deve ter se esquecido de alongar.
- Banho de loja? – Aponta para meu uniforme. – Pepper tem bom gosto.
Eu grunhi com a saudação duvidosa. Desvio imediatamente de um dos golpes de Clint com surpresa, cruzando meus braços sobre meu rosto como ele mesmo havia recomendado no caso de um susto, logo atingindo seu braço dominante com um golpe horizontal de meu cotovelo antes de atingi-lo com um meio roundhouse, logo caindo no chão quando o mais velho desvia no último segundo e me derruba com uma rasteira. É uma dor quente e irritada pois Clint não quer me atingir de verdade, mas eu tenho algo a provar, arfando em surpresa quando uma lâmina surge em minha palma. O maldito traje é uma benção. Me ponho de pé tomando impulso com minhas costas, avançando contra ele quando aponta uma flecha diretamente para meu ombro, mas seguro seu arco e desvio dela por um triz e a agarro no ar antes de quebrá-la entre meus dedos. Barton sabia que não ia me ferir de verdade se atingisse ali e agora sinto uma raiva fumegante. Não quero rodinhas na bicicleta ou mãos estendidas para me por de pé.
Quero lutar.
Os eventos seguintes são rápidos demais e eu giro o arco que estava em minhas mãos para baixo, entortando o braço de Clint, mas infelizmente ele consegue me atingir com o outro cotovelo e eu dou para trás, meus dedos deslizando de sua arma e algo quente escorrendo por minha testa, o sabor metálico escorregando para a minha boca por baixo da máscara. É pouco sangue. Se ele quisesse faria mais.
- As crianças estão com saudade! - Bufo com sua conversa fiada enquanto usa o arco como uma vara de luta, tentando atingir-me com ela com precisão, mas intercepto todos os ataques, atingindo ora ela e ora seu peito ou mão, minha lâmina rasgando uma boa parte de seu braço enquanto tenta me constringir e ele grunhe de dor. Mas sei que cometi um erro quando uma das minhas mãos fica presa na linha do arco e Barton se utiliza disso para me puxar em sua direção e atingir a minha cabeça na a sua com muita força antes de me atirar no chão. Eu gemo de dor, a minha faca se retraindo. - Você precisa usar mais os seus joelhos, vai acabar... – Lanço uma carga cinética em seu tornozelo, o arremessando na direção de Natasha, que o recebe com um soco imediato na face que o faz cambalear.
Começo imediatamente a correr quando minha visão de alinha, novamente focada no Hangar Cinco, onde o jato que utilizamos para vir para cá se encontra e defino que mantê-lo longe de Steve Rogers e Bucky Barnes é a minha principal prioridade agora. Enquanto corro por cima de aviões e sobrevoo enormes caixas de madeira, pouco logo abaixo das asas de uma aeronave quando Wanda se aproxima de T'Challa e Bucky, o Príncipe que quase finalizando Barnes quando a jovem o arremessa contra uma das cabines de passageiros vazia no prédio principal, estraçalhando vidro e derrubando uma coluna de cadeiras antes de levitar para encontra-lo. Aproveito-me do esconderijo para atingir Wanda por trás ela bate em uma torre de controle, caindo com as mãos protegendo a cabeça assim com Steve lhe ensinou.
Wanda pode ter os mesmo poderes que eu tenho. Mas carece treinamento.
‘A menininha não está para brincadeira, hum? Bom trabalho.’ Rhodey assobia.
Um grito grotesco me escapa quando o braço de metal de Bucky agarra minha perna, os dedos se enterrando em meus músculos e tendões de maneira dolorida e ele me arrasta do avião, me jogando contra um caminhão com tanta força que minha cabeça gira. Meus joelhos atingem o chão, levando raios dolorosos por meus ossos, contudo sou rápida o suficiente para chutar o seu rosto e peito quando se aproxima, com tanta força que minha perna e torso doem. Minhas pernas tremem quando sua presença não é afastada o suficiente e eu laço um tablado alto na direção dele, correndo e tomando impulso no hipocampo para conseguir saltar contra Barnes e socar seu nariz e sentir seu septo quebrar.
É com uma agilidade digna de um ser super soldado que ele mergulha em minha direção, um de seus socos atingindo o concreto na altura de meu ombro, rachando-o segundos antes de minhas mãos se fecharem em seu crânio, apertando os fios negro de seu cabelo. Eu percebo que funcionou quando seus olhos se apertam e a face assume um tom vermelho, os dentes se apertando e respingos de sangue molham minha roupa quando sua respiração se altera. A frequência que uso para tentar derrubá-lo é alta e eu consigo o chutar para longe de mim antes que seja demais e eu realmente o machuque feio. Barnes não merece sofrer. Nenhum de nós merece.
- James! – Grito em horror, pedindo que recue.
Mesmo ferido e com o sangue enevoando seu rosto, ele me apanha no colo antes de se lançar no chão ao se aproveitar de minhas pernas fecharem-se em sua cintura, segurando minhas duas mãos com força e não saindo de cima de mim mesmo quando tento acertar-lhe uma joelhada, mas o ângulo me impede. Deveria estar em pânico, tremendo de medo e horror, afinal as cenas de ontem são traumatizantes e os ferimentos que causou em grande parte das pessoas quando perdeu controle também.
- Quem é você? – Bucky rosna embebido em sangue quente, como um lobo para uma ovelha. Monstruoso.
Mas eu não fecho meus olhos e paro de lutar quando, com um movimento rápido, Bucky Barnes pressiona o botão em minha garganta e remove minha máscara, os olhos azuis cristalinos focados em mim como uma besta. O seu rosto não me assusta, como fez com grande parte dos outros membros do time, pois as curvas são muito familiares. Sinto lágrimas mornas se formarem em meus olhos e não consigo mais empurrá-lo para longe e constringida pelo soldado por medo de um golpe.
Uma lágrima solitária escorre sem cerimônias quando seu dedo encontra o ponto em meu ouvido, desligando minha conexão com o resto de meu time. Um soluço estrangulado é minha resposta assim que FRIDAY se desliga.
- Você não fez aquilo, fez? – Estou chorando e estática, implorando pela verdade.
Os olhos de James Barnes deveriam ser muito azuis nos anos vinte, quando ainda era apenas um jovem adulto normal que fora designado para a Europa na Segunda Guerra Mundial. Mas hoje são claros como cristal, parecendo ter perdido toda a vida com as sessões de tortura, abusos e mortes que já tiveram de suportar. Bucky nunca soube com quem estava lutando, por que estava lutando e em nome de quem lutava. Viu centenas de inocentes morrerem sem sinal de misericórdia alguma nas suas mãos sem poder fazer nada para impedir o instinto assassino o qual foi socado e empurrado dentro de sua cabeça. Mas estes mesmo olhos que viram atrocidades se focam em mim e por um instante eu não vejo maldade ou desgraça alguma neles. Mesmo com a névoa do passado.
Bucky está perdido, como sempre esteve, pois não tem noção se é responsável ou não pelo o que estão lhe acusando e é isso o que quebra o meu coração. As bochechas coradas pelo esforço, o cabelo embebido em suor, a barba por fazer, o sangue que causei e os olhos assustados e confusos são o reflexo de alguém que desde que retomou controle de si, não viu razão alguma para lutar. Mas, agora, ele parece certo de algo. Certo que não machucou ninguém por vontade própria. É como um animal que se debate em uma armadilha, que está aterrorizado pois sabe o resultado de sua ação, mas tem total conhecimento de que não é culpa sua. Ele aceitou que não trouxe isso para si, mas está resignado que irá lutar para sobreviver. Entendeu que, desta vez, não é o responsável.
Eu sei que ele não irá mentir.
- Foi uma armadilha. – A sua voz soa simpática comigo. Armadilha, emboscada e armação. O choque me atinge e meus lábios se partem, um respirar curto escapando por estes e eu sinto as mãos de Bucky se afrouxando em meus pulsos, pois agora eu o entendi. – O Soldado Invernal foi ativado para aquela missão, . Eu juro que... – Eu preciso agarrar as suas mãos dessa vez, abrindo meus olhos para ver meu reflexo em suas pupilas. – Eu não quis. Me desculpe.
Eu engulo em seco quando balanço a cabeça de cima para baixo, fungando para conseguir domar minhas lágrimas que não param de fluir em razão de toda a pena e piedade que transcorre por cada célula de meu corpo. Seguro em suas mãos com firmeza, pois sei que é isso o que precisa agora, pois sei que é isso o que eu sempre precisei e preciso quando perco o controle. Bucky, pelo o que pude ver pelas filmagens, não resistiu quando o deteram e trancafiaram dentro de uma caixa, como um animal feroz. James Barnes não recua ao ser tratado como nada além de um saco de pele com ossos e órgãos. Ele não acredita ser ou merecer mais do que isso pois é tudo o que sua mente destroçada sempre conheceu. Ele não acredita que merece nada assim como você não acredita, . Sinto vontade de vomitar quando minha mente sussurra todas as informações em minha cabeça.
- Eu sabia. – É tudo o que consigo botar para fora em um suspiro exausto, mas sei também que é tudo o que ele precisava ouvir. Precisava ouvir que alguém ainda acredita que ele é bom e que fez tudo o que pode para se livrar do passado. Minhas mãos apertam as de Bucky com força pois eu ouço quando, mesmo de maneira delicada, os pés de T’Challa atingem o chão a cem metros de nós. Por um mísero segundo – enquanto minha máscara ressurge – não sei mais se luto pelo o que é correto. Junto toda minha força para conseguir falar. – Ainda estamos em times opostos, Barnes.
O brilho fugaz de um sorriso corta seus lábios ensanguentados.
- Sem ressentimentos, docinho.
Eu uso os punhos para lhe afastar, minhas pernas o chutando e empurrando mais longe, desviando do soco que fingiu tentar me dar na cabeça e o posterior em meu peito. Com uma mão sobre o seu ombro, o empurro para baixo, tomando impulso antes de apoiar uma perna em seu ombro desta vez, dando cotoveladas com as extremidades dolorosas de meus ossos em sua cabeça antes que Bucky me pressione contra um caminhão, a mão de metal mantendo meu equilíbrio ao segurar minha panturrilha. A força de seu golpe é fraca e só faz barulho, decidido a não me machucar e eu lhe permito isso. O Rei T’Challa enfia as garras em Bucky e o tira de perto de mim em um rugido. Sem Barnes me segurando contra o caminhão, eu deslizo pela lataria deste, surpresa por minhas pernas não terem desistido de mim.
Perna. Costela. Testa. Tudo dói.
‘Stark, a tampinha está muito ferida.’
Enquanto a Pantera Negra se aproxima de mim com cautela apenas para ser atacado por trás um Bucky estourado em um extinto de proteção que jamais vi, eu me permito suspirar de alívio com a recuperação efetiva e rápida de Barnes e estendo minhas asas, meus dedos me empurrando para cima quando elas batem em um som gracioso, o primeiro movimento já me erguendo por cerca de três metros. Eu permaneço no ar antes de cair próximo do Hangar após voar um pouco e os baques em minha costa surtirem efeito. Me arrasto para baixo de uma passarela de aviões com rispidez antes de recolher minhas asas. Estou apoiada contra uma mala aleatória caída ao meu lado, usando toda a força que tenho para respirar, por mais que a posterior altitude não tenha ajudado em nada com a dor em minha cabeça e minhas costelas pareçam que vão se partir em pedacinhos.
Srta. Black, foram detectadas duas luxações em suas costelas e severas contusões em sua coluna e perna.” Engoli em seco com as palavras de FRIDAY, mas me atentei ao rádio após ligá-lo outra vez, minha mão deslizando para minha coxa ensanguentada que transborda pelo tecido enquanto eu permito que algumas arfadas de dor me escapem. O motivo é um amontoado de coisas que não consigo explicar e que variam de ódio cego pelo o que fizeram com Bucky e o uniforme cuja gola pressiona minha garganta e me deixa com a impressão de usar uma coleira. Apesar de tudo, uso de meus poderes para poder concertar a minha perna da melhor maneira que posso, mordendo meus lábios até o sabor de sangue inundar minha boca já que reconstruir tecido humano com mágica e sem anestesia se assemelha a aço quente em meus músculos.
Respiro fundo antes de me pôr a falar, dedo banhado em sangue pressionando o ponto em meu ouvido com a máscara entre os dois, atenta para o que alguém possa falar. ‘Onde está o pequeninho? Fiquem de olho nele, ele pode estar em qualquer... Meu Deus!’ Um grito fica preso em minha garganta quando o herói sem nome, que eu já quero descobrir, toma o tamanho de um gigante, agarrando as pernas da armadura do Oficial Rhodes. Posso ouvir todos os outros arquejarem com a altura que ele assume, provavelmente entre seis e oito metros.
A distração foi suficiente para que Falcão pudesse atingir o Sr. Stark no ar e lançar longe no mesmo instante que o gigante tacou Rhodes longe em um lançamento perfeito. Me pus de pé com dificuldade, sentindo o tecido de minha coxa se romper novamente e o sangue escorrer sem piedade alguma, mas lancei uma esfera de repulsão no ar há vinte metros de minha posição atual, esta ricocheteando a força com que Stark havia sido empurrado para longe e servindo como uma mola. Usando a força de ricochete do campo, o Homem de Ferro voou na direção do gigante novamente.
“Obrigada.”
Uma turbina estoura atrás de mim e eu não sou consumida pelo fogo que se alastra ao meu lado, simplesmente suspirando em exaustão quando um escudo se forma ao meu redor sem que eu precise me preocupar. Regalias provenientes da Pedra da Mente que hoje se aloja na testa de Visão. É um charme, aliás.
‘Peguei ele!’
O Homem-Aranha anuncia, lançando Rhodes de volta.
‘Certo! Tem alguém do nosso lado escondendo alguma habilidade fantástica?’
Abro minha boca para responder, mas minha atenção é roubada quando duas figuras atravessam o campo de batalha sem serem percebidas. Eu reconheço imediatamente Steve Rogers e Bucky Barnes pela aparência enorme e musculosa dos dois, me abaixando atrás de outro carrinho de malas para não ser notada por estes. Mas, sei que Rhodes já o fez quando encontro a razão de inúmeros carros voarem em sua direção. Não sei se ainda tenho forças para lidar com as investidas de Wanda, não depois de lutar contra Bucky e ouvir de sua boca e mente que ele não era culpado por nada, mas me esforço para caminhar para baixo da passarela, no exato instante que o raio de Visão corta ao meio a torre na frente da entrada do Hangar Cinco e eu perco o equilibro, imaginando o pior graças a proximidade dos heróis do local.
- VÃO! EU A SEGURO! – Ouço o brado desesperado de Wanda no instante que ela para a estrutura no ar, segurando-a para que não interdite a entrada do hangar para Rogers e Barnes.
As lágrimas que tremulam em meus olhos e começam a escorrer por minha bochechas são mistos de vergonha e tristeza, e essa que é a força que me ajuda a caminhar na direção de Wanda. Entendo que não tenho outra opção senão lutar e pelo menos fingir que estou fazendo algo que transcenda a mim. Então algo se rompe dentro de meu corpo, como uma fagulha de chamas que encadeia um incêndio. A tensão em meus dedos queima minhas veias como fogo em gasolina, porém eu espero pelo momento certo de seu ápice, sentindo minha concentração se elevar a um estado de alívio pleno antes que a bomba de energia sônica atinja Wanda Maximoff no momento perfeito, quando ambos os soldados deslizam para dentro do Hangar.
Ela cruza a parede do prédio, um escudo a protegendo do impacto, mas eu sei que a queda deve ser dolorosa e é com muito egoísmo que consigo me sentir vingada. É errado, mas isso me torna humana. Não espero um resultado do que fiz, mas sei que demorei o suficiente e os dois já estão seguros dentro da instalação e não soterrados. Eu respiro bem fundo antes de começar a correr para a comoção com o gigante, implorando para que Natasha tenha conseguido lhes dizer adeus por mim da maneira que me prometeu hoje cedo. Sei as consequências dos atos de Romanoff da mesma maneira que sei a consequência de ter virado as minhas costas para Steve, mas aceitei lidar com elas. E me dói profundamente que Nat não consiga conciliar o seu dever e o seu coração.
‘Alguém tem alguma ideia?’ Grito enquanto projeto um rompante de energia sonora na direção do gigante, mas esta não funciona da maneira que eu queria, apenas o fazendo cobrir os ouvidos e se curvar. A diferença de anatomia é o problema. Sinto que para conseguir derrubá-lo, precisarei de uma vibração monstruosa que ainda não sei projetar e pode afetar os outros. Felizmente, alguém se aproveita do pequeno desconforto que o causei e Visão se lança contra o gigante, o fazendo perder o equilíbrio e cambalear como um boneco de pano.
Oh!
'Aí, gente! Já viram aquele filme antigão, 'O Império Contra-Ataca?' O Homem-Aranha instiga enquanto corre sobre um avião, felizmente conseguindo escapar de uma braçada do gigante atrás de si com agilidade sobre-humana. Meus olhos se arregalam e eu deixo uma risada sem humor escapar, revirando meus olhos quando Stark e Rhodes reclamam da ideia de trazerem um adolescente para ajudar, sem nem sequer entenderem o quão genial tinha acabado de ser. Um dia irão entender, eu imagino.
'A parte quando estão no planeta nevado com os gigantes?' Questiono de volta, espalhando mais algumas distrações contra o gigante na direção de suas pernas e conseguindo lhe forçar a fechá-las.
Tony resmunga algo.
'Isso aí! Q-quem é que está falando?' Aperto meu lábio inferior – que já está se regenerando – entre meus dentes, ainda incrédula com a ideia que havia tido. O rapaz, cuja voz realmente é tão jovem quanto a minha, lança infinitas teias nas pernas do gigante, as apertando em um laço e o fazendo cambalear para trás.
'Tony, Rhodes e Visão! Atinjam-no na parte de cima.' Explico, lançando uma última esfera na direção das pernas do gigante tentando não acertar o Homem-Aranha. Os braços do gigante começam a girar pelo desequilíbrio. É o momento ideal. 'Agora!'
Não tenho tempo de ver o resultado da armadilha, afinal estou focada demais na dor em meu peito que me impede de respirar por alguns instantes como se constringisse o meu peito e atrofiasse minha caixa torácica. Todo o sistema da armadura apita em alerta, um tom vermelho substituído o azul por um vermelho vivo e me apavorando, além de ensurdecendo. Srta. Black, severas contusões foram identificadas e uma hemorragia. O sistema respiratório está comprometido e socorro foi acionado. Deve controlar os batimentos cardíacos até a chegada de ajuda.” O ar me falta no exato instante e eu sei que fiz demais e me arrependo quando minhas mãos tocam o canto inchado e quente da lateral de meu corpo, acima de minhas costelas, o terror me consumindo quando a voz me falta para pedir ajuda no rádio. Desabo no chão, meu rosto grudado à pista, mirando o tecido chamuscado e a palma queimada e ensanguentada de minha mão sem conseguir compreender nada.
Então tudo fica branco.

Capítulo 3

CIVIL WAR – MAKING AMENDS

Quando acordo, a princípio tenho medo de me mexer.
Sinto o sabor metálico de feridas em meus lábios quando corro a língua por eles e pelo interior de minha boca, frisando minha testa de imediato e quase gemendo pelo repuxar do que imagino ser pontos em minha têmpora. Então recuso o ardor em meus olhos assim que os abro, um incômodo estúpido e que me faz piscar algumas vezes e desviar o rosto da luz enorme acima de mim. Estou em um hospital, um hospital muito silencioso onde não ouço ninguém em um raio de cem metros. Não forço mais minha audição pois sei onde isso irá parar.
Percebo que é ideal testar algumas coisas ao em vez disso: então começo pelos dedos de meus pés. Movo todos e toco ambos os pés, suspirando em alívio. Então remexo minhas mãos, cada vez mais confortável ao perceber que não havia dano nenhum em razão das quedas que levei. Lentamente eu abro meus olhos outra vez, estes um pouco mais adaptados a luz que ilumina o quarto. Reconheço o ambiente, logo tendo certeza de que estou no Complexo.
O ar cheira a algo forte e antisséptico, com toques de limão e muito álcool de limpeza. Meu braço direito está com vários tubos atados à parede atrás de mim e eu entorto a cabeça para encarar os quadros e o número exagerado de líquidos, em seguida grunhindo com a dor em meu pescoço. O estalo com força, balançando a cabeça de maneira mais confortável e sentindo meu cabelo em meus ombros nus. Onde estão todos? Tony, Pepper e Nat?
Eu toco algumas das ventosas em meu peito quando meu rosto esquenta, arrancando-as e jogando longe de mim o mais rápido que posso, minhas mãos tremendo e face formigando com o pânico pois não tenho certeza se realmente estou no Complexo. Teriam inúmeras pessoas aqui comigo agora, se eu estivesse.
Natasha, Tony, Rhodes, Bucky e Steve.
Os últimos trazem lágrimas de preocupação para meus olhos e eu gemo de dor pelo ardor, sentindo minha saliva se tornar mais espeça em minha boca e me forço a bater a cabeça no travesseiro, lutando para me acalmar enquanto continuo arrancando tudo. Os bips começam quando inicio a respiração sanfona que a psicóloga me ensinou no início do ano. Tento me sentar, mas uma espécie de tala restritiva em volta da minha cintura me impede de erguer-me mais do que alguns centímetros. O confinamento físico me faz entrar em pânico e estou tentando me erguer para passar os quadris por dentro da tala, sentindo a agulha do soro me machucar, quando uma porta na parede se abre e uma enfermeira entra apressada.
Eu quero me levantar e correr, mas são duas mais que entram no quarto e dominam meu campo de visão, não me deixando ver nada e eu começo a me desfazer em lágrimas quentes que me envergonham. As ventosas são recolocadas aos poucos, mas as mãos das mulheres são mais gentis quando percebem que estou chorando, sem demora retirando algumas que consideram já serem desnecessárias. Uma coloca a bandeja em cima de minhas coxas e aperta algum botão que me coloca sentada devagar, meus membros inferiores tremendo. A tala ao redor de meu corpo some e eu finalmente sinto que posso respirar de novo, secando meu rosto com as minhas mãos frias e com tubos erguendo meu lençol.
- Onde está o Sr. Stark? - Enquanto uma ajusta meus travesseiros, arrisco a pergunta. Pronuncio em voz alta, com tanta clareza quanto permitida por minha voz rouca. Ambas as três enfermeiras se entreolham. Eu junto um pouco mais de força, agarrando a mão da morena ao meu lado, quando aproximava uma agulha de meu cateter. – Onde está Tony Stark?
- O Tony está em Berlim, mas voltará em algumas horas, . – É uma voz feminina conhecida que responde pelas mulheres. Meus lábios se partem em um suspiro aliviado quando a figura confortante da Dra. Helen Cho surge no emaranhado de fios. Eu engulo em seco, soltando a mão da enfermeira de maneira cautelosa. A Dra. Cho está aqui, então sinto que posso relaxar pelo menos um pouco. Ela sorri pra mim, tentando me acalmar, já sabendo como posso reagir ao me sentir em perigo. – Porém você irá precisar ficar em repouso por poucos dias, certo? Uma perfuração no pneumotórax não é algo simples de ser tratado, mesmo com a sua pouca idade e sistema super avançado. Mas, o Stark deixou uma mensagem para você? Quer ouvi-la? – Eu concordo com a cabeça como uma criancinha e não consigo evitar uma sensação reconfortante pelo fato de que alguém está cuidando de mim. – FRIDAY, por favor.

“Você quase matou a todos nós de susto, Coisinha. Até o Visão ficou pálido quando viu você caída naquele chão. Estou voando atrás dos outros para tentar resolver os problemas que o Rogers abandonou, mas sei que ainda terei muitos a ir resolver em casa com você. Não bote fogo no Complexo.”

Quero sair dessa cama. Ver Natasha e Tony, descobrir mais a respeito do que está acontecendo esse eles não conseguiram impedir a fuga de Steve junto com Bucky. E por que eu não deveria sair daqui? Estou me sentindo bem. Mas assim que começo a tentar escapar da maca de novo, sinto um líquido frio entrando em minha veia por um dos tubos e perco a consciência quase imediatamente. Isso acontece por uma quantidade de tempo indeterminada. Acordo, como e, sem resistir ao impulso de tentar escapar da cama ou manipular uma das enfermeiras, sou nocauteada novamente. Pareço estar imersa em um estranho e contínuo loop.

*


Eu soube que algo estava errado no momento em que Tony me abraçou ao acordar em meu quarto na área hospitalar. O abraço fora verdadeiro e intenso demais, algo nada comum para o sempre reservado e nunca sentimental Tony Stark. Eu também não consegui manter o controle de minhas emoções naquele instante, soluçando em seu ombro e no de Pepper quando esta se fez presente por algumas horas. Não houveram perguntas entre eles, mas pude ouvir quando brigaram no corredor pela irresponsabilidade de Stark em arriscar minha vida.
Quando Tony demorou a voltar após uma ligação que os interrompeu, foi ela quem se dedicou a me fazer companhia e eu também pude logo perceber que havia algo errado. Por que Natasha Romanoff não era aquela que estava ali ao meu lado? Ou por que Rhodes ainda não havia vindo no meu quarto com um pacote de M&M's com amendoim?
As notícias chegaram durante o lanche da manhã, trancando minha garganta e me deixando com ainda menos fome. Natasha havia fugido de volta para Rússia ou algum outro lugar no momento que T'Challa informou a Everett Ross sobre a sua mudança de time, sendo ela quem auxiliou na fuga de Steve e agora era inimiga do Estado. A possibilidade de também ser castigada por minha conversa com Bucky me deu vontade de vomitar e assim o fiz durante o banho ao encarar meu corpo machucado com marcas roxas.
Segundo Tony, a fuga de Steve e Barnes seria perdoada, logo que a legitimidade do tal médico que tratou Bucky não foi comprovada, este sendo simplesmente um vingativo civil remanescente de Sokovia que decidiu acionar o Soldado Invernal para destituir os Vingadores de dentro para fora. O que infelizmente conseguiu. Então todos os detalhes do enfrentamento de Steve e Tony na Sibéria foram ocultados de mim, mas eu sei que o escudo do Capitão está em algum lugar neste prédio.
Foi preciso muito para que eu entendesse que os Vingadores haviam se dissipado. Entender que agora Clint Barton jamais irá pôr os olhos em seus filhos e esposa novamente sem ser por trás de um vidro blindado. Sam Wilson foi abandonado por Steve. Wanda Maximoff está amordaçada em algum lugar que a lembre do Castelo da HYDRA. E Scott Lang (O herói que virou uma formiga e logo um gigante), também.
É difícil acreditar que todos estes estão presos em uma prisão de segurança máxima do meio do oceano. Ou acreditar que Natasha é procurada no mundo todo e eu jamais irei vê-la novamente. Ou que Steve Rogers e Bucky Barnes nunca mais voltarão. Foi preciso de muita reflexão e biscoitos queimados – no meio da madrugada e contrabandeados por Happy – para que eu entendesse que havia tudo acabado.
- A fratura foi da L4 até a S1. Laceração extrema da medula.
Abaixo o rosto, sentindo meu nariz formigar e olhos arderem, meus braços se apertando ao redor de meu corpo com mais força do que nas últimas horas em que estive acordada. Tony estava do lado da minha cama assim que acordei hoje, os braços cruzados acima do peito e o rosto inchado e repleto de hematomas, mas dormindo. Ressonando, como Rhodey costuma dizer. A enfermeira ruiva estava de volta com mingau e suco para o café da manhã e sorriu para mim ao informar que o herói estava há dois dias dormindo ora ali ou no sofá do lado de hora e sempre mais alguém se juntava a ele. Sendo ou Happy Hogan ou Pepper Potts. Foi reconfortante por um momento, mas agora não consigo engolir as notícias.
- É paraplegia. – Afirmo baixo após analisar a situação de Rhodey. – Santo Deus...
Quando Tony acena com a cabeça, meu coração se parte.
- Ele ainda não quer conversar, mas já sabe o que tem pela frente.
Stark aperta os lábios, desviando os olhos de minha figura, olhando ao redor da Sala de Conferências. Seu coração está destruído e a mente arrasada. Como todos os heróis através dos anos, Tony tem lidado como coisas inimagináveis: traições, culpa, TEPT, e uma raiva no total que consome a maioria de suas ações. Com a destruição da moral dos vingadores de "Divididos caímos", somado a pausa em seu relacionamento com Pepper, a culpa maçante por Ultron e o perigo constante; a única coisa que Tony tinha o restando era Rhodey. O seu melhor amigo era a única coisa que ele ainda não havia perdido ou colocado em perigo. O único que não havia o traído ou soltado seus segredos. Aquele que não o fazia se sentir culpado por erros passados, mesmo conhecendo a todos eles. Rhodes sempre significou mais que um amigo ou ajudante. É o irmão de Tony. E agora, pelo o que posso imaginar ao contemplar o acidente, Stark teve o gosto amargo de quase perdê-lo.
- Fisioterapia inútil, exames sem resultado e falsas esperanças. – O seu respirar é carregado e dolorido, perceptível pela mão que voa para o seu peito imediatamente o massageando. Sua armadura não o protege mais tanto. Concordo com a cabeça por fim, lutando contra o ardor em meus olhos. – Mas eu vou dar um jeito nisso, não se preocupa, baixinha. – Assinto em silencio, como se já pudesse ver as engrenagens girando em sua mente agora que Tony se esforça para sorrir um pouco para mim. – Mas, para o que importa agora. – Tony se precipitou para o chão antes de ajuntar algo. – Ela deixou para você.
Eu encaro o envelope vermelho sangue diante de mim, lançado por Tony sobre a mesa. Estreito meus olhos para a caligrafia delicada e desenhada onde meu apelido foi escrito, com uma caneta azul escura. Reconheço a caligrafia de Natasha Romanoff e automaticamente tenho medo de abrir a carta.
Eu não tenho medo de Natasha, jamais terei, mas tenho medo de mim. Tenho medo de não conseguir aguentar ler o que deixou para mim e me culpar por não ter a seguido, mesmo que entenda que isso não caiba diretamente a mim. Respiro fundo, sentindo uma dor agra em minhas costelas ao esticar minha mão com alguns dedos enfaixados e apanhar o envelope, o abrindo sem muita pressa antes de mergulhar na carta.

“Petal.
Me perdoe por não dizer adeus. Eu sei que odeia quando não pode se despedir das pessoas, mas não pensei que aquele momento no aeroporto seria a última vez que veria o seu rosto. E ainda que soubesse, duvido que teria forças para me despedir ou mesmo diria o quão orgulhosa estava de vê-la ser tão madura na tomada de uma decisão tão importante ou o quanto desapontada estava por ter crescido rápido demais e ter saído de debaixo da minha asa cedo. Diria também que você é genial e brilhante, . E boa. Acima de tudo boa. É uma boa menina e que merece tudo o que a vida pode oferecer.
Eu amo você.
Preciso que saiba disso. Preciso que saiba que é amada e querida. Eu, Steve, Barnes, Wilson e até mesmo Wanda. Tony, Rhodes, Hogan e Pepper. Essa é a lista de pessoas que amam você e que fariam qualquer coisa por você. Com falhas e as milhares de imperfeições irrevogáveis. Essa é a sua família que ama você. A amo com toda a força que tenho e duvido que tenha algo que me orgulhe e preocupe mais que você neste mundo. Porém eu tive de tomar uma decisão, que entendo ter sido impulsiva e desastrosa, mas reconheço a necessidade dela. Tive de partir e entendo como estou dando as costas para muitas coisas desta maneira. Não faço a mínima ideia do que irão contar a você. Ou se vai ver essa carta. Não sei se acabarei sendo uma vilã ou heroína nos seus ouvidos, mas sei que perder a sua confiança e magoá-la é a última coisa que eu quero. Mas acho que foi isso o que fiz. Me desculpe.
Sei que é uma carta longa e se você estiver irritada comigo e magoada não vai ler ela e provavelmente vai a pôr em chamas, mas quero desejar uma que seja feliz. Por quanto tempo puder pois, para gente como nós, a felicidade é passageira e rara, porém intensa e linda. Espero que se apaixone por viver. Vá no jardim e colha as flores favoritas da Pepper e entenda que a vida é muito mais do que lutar cada dia contra o que fizeram a você quando era uma criança inocente. E espero que também tenha mente e coração aberto para encontrar aceitação pois ainda não tive a oportunidade. Do tipo que vai vibrar pelos seus ossos e acalmar a voz que insiste em dizer que vai tudo acabar em chamas e dor. E que se perdoe pelo erros que foi forçada a cometer, pelo passado que ainda está vivo em você. Meu maior desejo é que se livre das coisas que teve de fazer para se curar, crescer e sobreviver. Você é jovem. Está dando o seu melhor todos os dias. Você é forte mas é humana, é uma criança. Não esqueça disso.
Estou torcendo para que tenha momentos que tirem o ar de seus pulmões. Esses momentos que irão mudar você. Use do dinheiro que deixei no seu quarto em minha mala e faça o máximo de viagens que puder para lugares que purifiquem você. Ouça músicas boas e não só o rock dos anos setenta que o Stark tenta forçar todo mundo a ouvir. Escute músicas que façam o sangue correr mais rápido pelas suas veias. E fique feliz quando olhar para algum garoto idiota e seu estômago se revirar e sentimentos surgirem. Encontre amigos que vão durar, também.
Nos encarceraram por tempo de mais, meu bem. Não construa celas imaginárias ao seu redor. Tem muitas emoções a serem sentidas neste mundo. Quero que sinta a todas elas. Faça um esforço para se encontrar neste meio tempo em que estamos afastadas e entenda o seu coração mais do que a sua mente. Há muito mais beleza nele.
Com carinho, Tasha.”

Um choro mudo me domina e o papel desliza de minha mão devagar, atingindo a mesa em um som afiado quando minhas lágrimas embaçam meus olhos de maneira tão espessa que não vejo mais nada diante de mim. É o pior tipo de choro que existe: meus lábios tremem e as lágrimas são mornas, se amontoando rápido e caindo na mesma intensidade. É um choro quente, uma raiva úmida. Raiva por Natasha fugir. Raiva por ter deixado uma carta.
Raiva por não ter lhe seguido.
Eu curvo minha costa, cabeça pendendo para frente e abraço meu corpo com força, tentando me conter quando percebo que perdi total controle de minhas emoções, mas começa a doer demais segurar todo som e então um suspiro úmido de alívio irrompe de minha garganta e o ar some. Natasha se foi de verdade e me abdicou. Todos se foram e eu fiquei para catar os pedaços do que ainda deixaram de mim.
Então uma sombra se move rapidamente e logo braços estão ao meu redor e eu reconheço o cheiro do perfume forte e quase inebriador de Tony Stark, meu corpo tremendo em seu envoltório enquanto não consigo suprimir minhas emoções de volta em um cantinho de meu cérebro. Eu estou nos braços do herói em um terço de segundo, soluçando contra a jaqueta preta que usa e sentindo seus dedos em meu cabelo que foi penteado por Pepper enquanto eu lanchava. Abraço seus ombros com força, sem sentir vergonha alguma de fazê-lo como sempre senti, agora me sentindo cuidada e protegida pois ele é o único ao meu lado. Fico tonta por um instante: pela dor de tentar recuperar o fôlego enquanto as palavras de Natasha não deixam a minha mente e eu não consigo recobrar o controle.
Não consigo superar o choque que é ter a verdade tão exposta desta maneira. Nat, Steve, Sam e Bucky não vão mais voltar para casa. Nem mesmo Wanda, que sobreviveu aos horrores da HYDRA comigo, irá voltar. Nunca mais. Então como um soco no estômago eu me lembro das palavras que trocamos alguns dias atrás, onde Natasha tinha me prometido que conversaríamos sobre algo envolvendo família e eu soluço de novo, sendo abraçada com ainda mais força por Tony que exala preocupação e despreparo para minha reação. Tento engolir o choro, mas é difícil demais agora que Stark me embala, usando o movimento para tentar me acalmar. Não deve nem mesmo saber o que faz, porém eu estou agradecida demais por sua presença e é isso o que me acalma o suficiente para afastar meu rosto e fechar os olhos com força, tentando normalizar a respiração.
- Está tudo bem. – Stark garante ao tocar em meu rosto. - Vai ficar tudo bem.
Tony sopra com gentileza, sua voz soando arrebatada e distorcida como a minha deve estar, certamente não esperando que o conteúdo de uma simples carta me deixasse assim. Eu posso ouvir o som de seu coração batendo enquanto corre os dedos por minha coluna, logo me abraçando com força de novo e segurando minha cabeça contra seu ombro ao acariciar meu cabelo volumoso, sua respiração se alterando quando percebe o impacto que causa em mim. Ou o impacto que tudo lhe causou. Tony descobriu quem matou seus pais alguns dias atrás, descobriu que Steve sempre soube e não lhe conto e viu seu melhor amigo ser resumido a uma cadeira de rodas. Meus braços estão tremendo e indecisos quando eu retribuo o abraço.
- Eu não queria chorar, Tony. – Sussurro com a voz embargada, balançando a cabeça contra seu ombro. Uso a manga de minha camisa para secar minhas lágrimas e o abraço com ainda mais força quando o maior encosta a cabeça na minha, permitindo que eu me aninhe mais a ele. – Eu não queria machucar você ainda mais, me desculpe. – Imploro com verdade pois nunca quis trazer mais dor para ninguém desde que pus meus pés no Complexo. Sempre afoguei meus monstros e pesadelos em lágrimas contra o travesseiro ou escoadas pelo ralo do chuveiro, pois jamais pedi ajuda de outro além de Tasha. Não queria começar agora, em um momento tão complicado. Ele não merece ter de lidar comigo quando também está confuso. – Eu queria ser mais forte, mas não consigo. Sou apenas eu, Tony.
Os olhos castanhos amendoados de Tony Stark não refletem a força de um herói, mas a fraqueza e a dor de um homem exausto. Aprendemos, até mesmo na HYDRA, que heróis são aquelas pessoas que fizeram o que era necessário para o seu povo, sem se importar com as consequências. Aquela pessoa que serve a algo maior porque deve algo ao mundo ou existe algo que precisa ser feito. Mas os verdadeiros heróis – percebi após me juntar aos Vingadores – são aqueles que tornam magnífica uma vida que já não podem suportar e atravessam oceanos pelo certo assim como Tony e Steve fizeram pelo p que acreditavam ser correto. Os olhos de Stark estão vivos o suficiente e eu, por um segundo, não preciso de poderes para entendê-los.
- Heróis surgem quando não tem outra opção, . – Sua voz está entalada e eu sei que é minha culpa, mas balanço a cabeça em concordância, os sons que escapam de minha boca não param. Tony usa as pontas calejadas dos dedos para secar minhas lágrimas que não cessam antes de beijar minha testa e me puxar para seu colo. Stark segura minha costa e minha nuca, respirando contra mim e comigo, se esforçando para não desabarmos juntos. – E não insista em se chamar de normal ou “só eu”, está me ouvindo? – É uma tentativa de repressão falha, como uma maneira de me provar que ainda está com seu emocional sob controle. Concordo com a cabeça quando um sorriso escapa os lábios do herói. – Herói de verdade não é só que tem constipação emocional. A gente se torna um herói quando tudo aqui dentro faz sentido. – A mão de Tony toca minha cabeça, dando ênfase a suas palavras. – Depende do caminho que tu quer seguir e o esforço que vai pôr nele. E eu vou ficar aqui para guiar te guiar pelo melhor que puder.

*

- Eu não vou virar o ratinho de laboratório de uma adolescente, Stark.
Aperto meus lábios e olho para um entediado Sr. Stark tentando ainda segurar um sorriso pelo pinguinho de humor na voz do Oficial Rhodes quando este se nega a até mesmo me ouvir após eu o ter forçado da forma mais gentil possível a vir para o laboratório. Foi após algumas semanas do diagnóstico que Rhodey decidiu abrir as portas de seu quarto para o convívio com todos, mas ainda não conseguiu se dispor para Visão, mesmo o outro tendo se mantido próximo a seu dormitório dia e noite caso alguma forma de ajuda fosse necessária. Fato que apenas lhe irritou mais e prolongou a raiva. Porém eu tento sempre atualizar Visão sobre o quadro psicológico de James Rhodes e o progresso quase nulo da fisioterapia. E também ter certeza de lhe garantir que não foi, remotamente, sua culpa que Falcão tenha desviado, ou que Rhodes tenha sido atingido pelo raio que desligou sua armadura ou que Stark não tenha impedido.
Porém nem tudo é tão fácil assim.
- Ninguém vai fazer você de ratinho de laboratório, Rhodes. – Stark explica ao tomar uma golada de café, deveras entediado e ainda com uma chave de fenda na mão pois estava no meio do concerto algo em minha armadura quando seu velho amigo entrou no laboratório rindo com Pepper. Pude ouvir enquanto saiam do quarto de Rhodes, mas decidi manter o elemento da surpresa para Tony.
Eu concordo com a cabeça, sorrindo para o coronel.
- Você vai ser, digamos, uma inspiração. – Pepper explica agora do meu lado, apoiando-se em uma mesa e me lançando um sorriso encorajador. – Um modelo ideal para o projeto dela. Afinal, é você quem a quer ajudar acima de tudo.
Rhodes revirou os olhos com falso desdém, empurrando as rodas de sua cadeira para o centro do laboratório e olhando com o rosto franzido para quantidade de telas atrás de mim e os quadros de planos de execução espalhados na parede. Estes brilham em um tom azulado com anotações vermelhas, refletindo para ele uma gama de exames que foi submetido no Hospital Universitário de Columbia, onde foi tratado assim que chegou em Nova Iorque após Berlim. Uma tomografia computadorizada das estruturas internas de seu cérebro e medula brilha com detalhes que anotei em verde, uma ressonância magnética de sua coluna está logo ao lado de gráficos que variam de resultados de sua condução nervosa, mielografia também (Um exame extremamente caro, cortesia de Tony Stark), potenciais somato-sensitivos e resultados de sua punção lombar. Todos organizados e bem estudados por mim.
- Bom, então você pode me explicar exatamente o que pretende fazer, Black?
Bati minhas mãos juntas com um sorriso. Rhodes e Tony sorriram entre si.
- Claro que posso!
Celebro, percebendo que adquirir sua confiança para me deixar trabalhar – mesmo que tão amadoramente em algo que pode ajudá-lo – já é um grande passo. Tanto para Rhodes, quanto para mim, quando já se torna quase impossível cair no sono a noite e a vontade de fazer algo bom é tudo o que passa por minha mente. Clico duas vezes no computador de mesa para que a estrutura holográfica em 3D surja no centro do laboratório, bem na frente de Rhodes enquanto eu me aproximo. Meu sorriso é delicado enquanto analiso o mesmo, tentando controlar o nervosismo para não gaguejar. Quase dou um salto quando Tony apaga as luzes, mas me mantenho imóvel ao absorver o brilho turquesa dos hologramas e das telas disponíveis para verificação de informações.
- Quando nós pensamos em nos mover, ocorre uma gama de atividades cerebrais. E no caso de traumas graves na região cervical, as pessoas acabam, como você, com paraplegia por não terem uma ponte conectora entre sinapses cerebrais e a musculatura. E eu pensei que seria útil a testagem de próteses neurológicas minimamente invasivas. – Aponto para o primeiro par de seus exames que após uma olhada rápida com Tony, encontrei formas de fazer o que ainda resta funcionar. Após ligações incrédulas dele para Cho e alguns amigos, ele confirmou que eu estava certa. – O que planejo fazer, com a ajuda dos médicos do Hospital Universitário e da Dra. Cho, é construir uma interface cérebro-computador que vai ajudar a monitorar tudo que seu cérebro fizer. Onde as atividades que antes controlavam seus movimentos, as sinapses nervosas, vão ser substituídas por um tratamento de estimulação elétrica na sua medula quando quiser e o seu corpo vai responder.
Explico, tocando no primeiro modelo onde mostra a reação dos canais neurais com a eletricidade; um despertar e turgência, logo reagindo a ondas e vibrações. Rhodes entreabriu os lábios mas se manteve em silêncio.
- A revista Nature Medicine já provou que isso é possível. – Adiciono de imediato. Preocupo-me que pense ser alguma coisa que, como Pepper gosta de falar para Tony: “algo que tirou da bunda no último segundo”. – E com mais estudo no seu caso podemos trabalhar o bastante para que eu consiga obter ondas suficiente para te livrar do exoesqueleto em alguns anos, mas não posso garantir. Pepps, pode clicar no segundo projeto, por favor? – Questiono restringida, tornando a olhar para a Srta. Potts quando uma onda de ansiedade corta o meu corpo. Pepper sorri um pouco, despertando de minha apresentação para atender meu pedido. – Agora, para esse projeto eu vou precisar da ajuda do Sr. Stark. A ideia é montar um exoesqueleto, com conexões sensoriais a sua medula, onde as conexões ocorrem. Ele vai responder as atividades cerebrais pela bainha no seu cérebro.
Rhodes não diz nada e me horrorizo pois sinto ter sido apressada.
- No-o básico, bem... – Respiro fundo, sentindo minhas bochechas esquentarem no escuro do laboratório. Estou nervosa e preocupada por ter lhe apressado muita informação ou me envolvido sem perguntar antes. Enfio minhas mãos nos bolsos do casaco, as cerrando em punhos. – Serão sinapses falsas, a partir de ondas eletromagnéticas, que irão "dirigir" um exoesqueleto. – Repito toda a informação, controlando minha entonação para camuflar o nervosismo. – É a partir de um estudo francês que falhou, mas onde consegui, acredito eu, detectar a falha e corrigir. Alterei certos métodos, também, tentando adequar a você, quando aquele era sobre tetraplegia. – Fecho os meus olhos, tendo certeza de que não podem me ver. – Podemos adequar a bainha e os chips para a sua armadura também, dispensando o uso de nanotecnologia. Ela poderia surgir em você e se montar apenas com a força do seu pensamento. Claro que serão semanas de testes e um período de adaptação longo e cansativo, mas eu sinto que posso fazer isso funcionar. – Rhodes me olha assim que abro meus olhos. Não consigo forçar um sorriso. Preciso ser sincera. – Contudo, é uma escolha exclusiva sua entre aceitar ou não.
- Mas é tudo sem pressão. – Tony provoca.
Meus olhos estão focados nos hologramas azuis no mesmo instante, os gráficos e contas rabiscadas na tela de uma das mesas interativas, contas que Tony demorou alguns minutos para efetuar sobre tamanho de cordões, alturas ideais para articulações e voltagens a quais o traje deverá responder. Também o flagro ora ou outra Rhodes olhando para o esboço do exoesqueleto que Stark havia produzido e perguntado minha opinião a cada momento ao ressaltar que aquilo tudo era ideia minha e eu deveria dizer como fazê-lo. Lentamente, eu me afasto para lhe dar mais espaço, sentindo as mãos de Pepper em meus ombros, massageando-os e me arrancando um sorrisinho agradecido. É muito a se pensar, eu admito. Mesmo com os melhores materiais do mundo, uma equipe treinada que Tony garantiu conseguir e todo o apoio: ainda é uma decisão difícil.
Eu observo algo que jamais tinha concebido passar pelos olhos de James Rhodes. Uma invalidez que eu não esperava e não havia posto em uma balança moral até agora, que azeda em minha língua e me irrita. Uma vozinha aguda no fundo da minha mente indaga a possibilidade de isto tudo falhar. De ser um devaneio tolo e infantil como uma criancinha que desenha com giz de cera uma imitação mal feita de uma obra de arte. É fácil crer que podemos tocar os céus quando temos tudo isso. Desvio meus olhos para a mesa digitalizada diante de mim. Sei o seu custo e mesmo assim a usei. São setenta e oito mil dólares da melhor tecnologia já inventada. E a caneta não é um desvio muito longo. Usei o dinheiro de Tony para acessar artigos científicos que custam mais de sete dígitos. É perigo demais acreditar poder fazer um homem andar de novo quando tudo cai tão fácil em minha mão.
Parece que toda a minha crença no sucesso se desfaz.
Mas James Rhodes ainda analisa tudo. Cálculos, gráficos, exames grudados na paredes para que eu pudesse os ver em boa luz e também deve analisar a si mesmo no meio disto tudo. Deve considerar o papel enorme que ausência de uma atenção levou até a sua queda e o tirou os movimentos. Deve pensar em como jamais imaginou que isso aconteceria. E deve sentir raiva e rancor no meio disso tudo. É compreensível e humano que o faça. Não é sua culpa que por alguns dias tivesse aceitado estar condenado a uma cadeira de rodas para sempre. E de repente poder depositar tanta esperança em minhas mãos? Nas mãos de uma adolescente despreparada que nunca fez um curso superior na área? Que conhece há apenas dois anos? Não sei se nem mesmo eu confiaria.
- 138. Foram 138 missões de combate que participei. Em doze anos devem ter sido mais de mil, mas estas 138 foram as piores e as que mais lembro. – Engulo em seco ao concordar com a cabeça como sinal de minha atenção. – Cada uma poderia ter sido a última, mas eu sobrevivi. Vi amigos morrerem e civis também. - Eu retorno o olhar cansado de Rhodes, pondo a minha mão sobre a de Pepper em busca de algo que me assegure novamente da decisão que tomei em ajudá-lo. Cruzo com o olhar de Tony, mas ele não se preocupa mais comigo. – Porque a luta tinha de ser lutada. Um mesmo contrato que o dos últimos dias. E eu assinei porque era o certo. Só que... - É Stark quem se aproxima do amigo, não o olhando, pois, talvez não aguente a barra, mas simplesmente estando ali atrás dele. Não há toque ou som algum, mas sei que isso fortalece Rhodes. Agora Tony me olha. – Só que é uma droga, menina. Foi um baque e tanto. Foi uma bela queda. – Pepper respira fundo. – Mas não mudou a minha cabeça. – Eu sorri quando os olhos dos dois velhos amigos se encontraram. Stark apertou a mão de Rhodes com força, um sorriso indescritível em seus lábios ao piscar para mim. – Você criou um monstrinho, hein, Stark?
Pepper abraçou meus ombros quando os dois riram.
- Vai nessa, . Se o Tony 'Sterco está do seu lado, eu também estou.

Capítulo 4

CIVIL WAR IV – ADEQUATE:

(Dois meses desde a queda dos Vingadores)

Tony estava mofando na sala de estar quando acordei em uma manhã de sábado, e Pepper estava apenas de pijama quando lhe entregou uma xícara enorme do que cheirava a café prensado, o seu favorito. Os dois haviam passado a noite inteira jogando poker com Rhodey e Happy, e eu consegui finalmente respirar aliviada quando Potts o beijou na coroa da cabeça, um sentimento acolhedor e quentinho se espalhando por meu peito ao perceber que talvez houvessem esquecido que Pepper ganhou dele várias vezes e agora tudo está de volta no lugar como antes. Me mantive encolhida no topo das escadas com o capuz de meu moletom cobrindo os fios bagunçados de meu cabelo, observando enquanto Pepper se sentava do seu lado no sofá, as calças de yoga manchadas com o que deveria ser farinha de trigo do café da manhã que senti o cheiro mais cedo.
Os olhos largos e conhecidos de Tony, mesmo enquanto tomava um longo gole da bebida quente, estavam direcionados a um dos meus protótipos sobre a mesa de centro, o esqueleto do que deve ser uma das pernas mecânicas de Rhodes perdido no meio das decorações de porcelana francesa que podem pagar o aluguel de uma casa por severos meses. Ele piscou para afastar a fadiga dos olhos, esfregando as pupilas irritadas com os punhos antes de sua namorada o acompanhar em um bocejo que me fez sorrir no chão gelado. Pepper encostou a cabeça no ombro do maior, respirou fundo e cutucou o meu projeto com a unha vermelha.
- Eu nem sei mais como falar com ela, sabe? Quando o Rogers ou a Romanoff estavam aqui era mais fácil. - Abri meus lábios, me encolhendo ainda mais nas sombras do andar mal iluminado para poder lhe ouvir melhor e evitar ser vista. Se não estivesse ainda tão sonolenta, criaria uma ilusão para não me verem. O sobrenome dos heróis soando entre essas paredes ainda é novo para mim e quebra um tabu. Estou há meses evitando mencioná-los, aterrorizada com a possibilidade de irritar Tony com a mais singela menção. - Eu podia falar alguma besteira e se ela se fechasse, a Natasha ia lá e cuidava disso. Agora parece que eu perdi minha redinha de segurança.
Pepper amaciou o cabelo de Tony, sorrindo com o coração aberto.
- Não importa o que aconteça, é da que estamos falando. - Engoli em seco, mordendo o canto interno de minha bochecha mesmo já tendo percebido isso há um tempo. - Ela é provavelmente a pessoa mais doce e gentil da face da Terra quando não provocada e você sabe disso. - Ela deu um meio sorriso para o namorado, as palavras delicadas em relação a mim afrouxando o nó em minha garganta devido aos sentimentos confusos de Tony. - Não consigo formar um cenário que ela vai estourar contigo.
- É claro que eu sei disso, Pep. - Ele garantiu com certeza, largando o café e corrigindo algumas fiações do exoesqueleto com todo o cuidado do mundo. Observei como os seus dedos se moviam com agilidade para corrigir o meu erro em um dos dutos de fiação e a sombra de um sorrisinho surgiu em sua face abarrotada. Isso significava que é algo novo para pegar em meu pé: “A grandiosíssima herança da HYDRA que nem mesmo sabe conectar fios de diferente voltagens.” Tony pareceu perturbado quando voltou a pensar no assunto dos dois, o humor sumindo. - Mas é uma tremenda mudança e eu estou irritado por ela ter que passar por isso. A é uma boa menina. - O Homem de Ferro deu de ombros, balançando a cabeça. - Muito melhor do que eu era na idade dela.
- Um brinde pelo bom comportamento. E você era uma menina má, Tones?
Potts esbarrou sua xícara na dele e recebeu um revirar de olhos.
- Eu só quero que ela fique confortável, só isso. Ela tá dormindo sozinha em um andar inteiro onde os outras cinco ou seis pessoas ficavam. - Encostei minha cabeça nos joelhos, assentindo mesmo que não possa me ver. - Ela e a Wanda ficavam implicando com a outra a noite toda e era uma bagunça. Agora fica tudo silencioso e a pobre coitada ainda tá enfiada em um quartinho minúsculo. A lá Harry Potter.
- sempre gostou de Harry Potter, deve achar engraçado. - Tony provocou.
- Anthony? - Pepper o chama e Tony grunhiu alguma coisa enquanto tateava a mesa atrás de um alicate. Me esforcei para não me arrastar em sua direção usando telecinese. - Quebre o quarto do Barnes e faça um maior para . - Ela assentou o cabelo rebelde de Tony de novo, prestes a desistir do ato que se mostrava inútil. - Com uma janela enorme, closet e uma banheira. Ou melhor, construa um quarto novo para ela. – As exigências pareciam um exagero sem tamanho. Estou confortável em meu quarto, nem tenho ideia do que fazer se ganhar um espaço maior.
- E no que exatamente isso vai ajudar?
- Ela vai se sentir mais querida. Eu garanto. - Potts vagueou, cruzando as pernas ao terminar seu café sem pressa. - Amanhã eu vou leva-la para fazer compras enquanto estiver em Los Angeles. Ela vem comigo e você tem uns dias para arrumar tudo. – Quase posso ver as engrenagens girando na cabeça de Tony. – E nós podemos convidar aquele professor de Literatura Europeia que ela gostou da última vez, lembra? Arthur Mason? Aquele de Cambridge. Ela gosta de ouvir e conversar com ele... – A menção do professor realmente me animou e a desculpa que vira a seguir de ter de ler mais livros também não foi ignorada. – A gosta tanto de aprender, Tony. Você podia levá-la pro laboratório quando for trabalhar na armadura e ensinar uma coisa ou outra. Só para que não fique sozinha. Vai ser bom para você dois. – Ela prendeu o cabelo ao olhar torto. Também notei a expressão desconhecida que ele apresentou, semelhante a uma luta interna. – Tem uma ideia melhor?
Tony correu os dedos devagar pela ponta do alicate.
- Matricular a em uma escola? Que tal?
- Perdão? – Potts exalou.
Fui treinada para ser uma espiã, sem as falhas que qualquer espião americano conseguiria se livrar. Por isso é fácil suprimir o arfar horrorizado que borbulha em meu peito, o engolindo e fingindo que jamais aconteceu assim como é fácil silenciar os sinais de alerta em minha cabeça para focar no diálogo. Sinto uma onda ansiosa contornar minha silhueta e curvar as mãos em minha garganta na tentativa de cortar o fluxo de ar. Os pelos em meus braços arrepiaram-se e meu estômago revirou-se dentro da barriga. Fiquei imóvel como uma estátua, o sangue por baixo de minha pele assumindo uma temperatura que me fez estremecer. Escola? Tony quer me matricular em uma escola? Como nos filmes que assistimos e garotas insuportáveis empurravam projetos de contra armários? Engoli em seco, absorvendo o silêncio que os adultos propiciavam enquanto tentavam organizar seus pensamentos.
Me forcei a fazer o mesmo, mas a ansiedade paralisante me mantinha aborta da situação em meu cérebro.
- A Dra. Hall disse que seria bom para ela. Só não te disse por que você estava com aquele negócio de "Você precisa se tornar um pouco mais humano, Tony", "Sinto que estou namorando uma máquina, Tony" e "Eu sou bonita demais para você, Tony". - Mesmo com o humor em sua voz, reconheci a seriedade e Pepper também o fez ao socar a costela do mais velho, o fazendo gemer de dor. Pepper ainda conseguiu ser bastante forte por baixo da longa e esguia escultura. O rosto dela demonstrava preocupação igual à que o meu deveria mostrar mais se recusa devido há anos de treino. Ela não se importou com o seu relacionamento que quase terminou, mas sim comigo. Minha boca ficou amarga.
- O que exatamente te disseram, Tony?
- Você quando tentou se livrar de mim ou a psicóloga? - Outro soco e Tony deu um risinho. Pep o imitou. - A Hall disse a escola é uma opção boa para crianças como ela. Seria como um mecanismo de cooperação. Como esse exoesqueleto do Rhodes. Algo como rodinhas de bicicleta. - A analogia é lógica, mas ainda estou com um nó em minha garganta. Pepper assentiu. Pude ver a preocupação aparente em seu rosto amassado e com marcas de travesseiro. - A não gosta de falar com estranhos e isso é compreensível, Pep, mas ela já passou por todas as fases que a doutora disse: a gente fez o tratamento imediato. Psiquiatra e remédios. Agora psicóloga e remédios que nós dois sabemos muito bem que ela não vai tomar. – Seu tom não era como um puxão de orelha, mas, mesmo assim, minha mente vagueou para os tubinhos laranjas com meu nome que estão debaixo de minha cama. Pepper bufou, concordando. – Eu chamei tutores particulares, encorajei socialização com os funcionários. Socialização com a gente! – Apontou para os dois, ainda enumerando todos os seus esforços para me ajudar. Meu coração apertou. – Agora está na hora de ela se abrir para o resto do mundo. Só uma tentativa. Sem pressão.
- Não é sem pressão, Tony... – Sua namorada interviu, os olhos apertados e sobrancelhas juntas em preocupação. Apertei meus lábios em nervosismo. – Seria para gente, mas não somos nós. É a . E ela já passou por coisas inimagináveis. Como que eu vou confiar que enfiá-la numa escola longe daqui, longe dos seguranças e soldados do Complexo, vai ser bom? Lá fora ela vai estar sozinha.
- Eu sei. Por isso tenho uma lista de exigências para as escolas, Pepper. Calma.
- Nada de internato ou Europa, Tony. Ela fica aqui, me ouviu?
- Sim, madame.

*

Posso sentir os olhares preocupados em minhas costas enquanto arrancava os farrapos que antes eram faixas em meus punhos. Tornou-se claro para mim quando um dos homens impediu aquele que viria em minha direção, já tendo se adequado a minha reação irritada e muitas vezes violenta quando um toca em mim. Provavelmente foi aquele com dois dedos quebrados que se tornou cuidadoso. Eu os chamei de Tico e Teco pela ironia e o Sr. Stark também pegou o apelido, ainda que Pepper não goste e insista que eu os chame de Men In Black. Infelizmente, nenhuma denominação se adequa aos dois armários cujo único serviço é andar comigo para todos os cantos do Complexo. Até mesmo montar em Jipes camuflados e subir em um farol militar com snipers quando o dia está bonito e eu decido me deitar no jardim ou correr no bosque.
As bandagens possuíam uma lavagem rosa delicada, impregnadas com meu suor e sangue. Eu as enrolei e deixei ao lado de minha bolsa ao apanhar os dois sacos de trinta quilos cheios de areia, tão grandes que bateram em minhas pernas mesmo que os erguesse acima de minha cabeça. Ouvi o som de um arfar, ainda surpreendendo os dois militares por minha força, mesmo já tendo me visto fazer isso algumas vezes. Já se passaram três dias desde que fiquei sozinha. E dois meses que todos foram embora e mesmo assim não me acostumei com quem Tony Stark decidiu ser proteção o suficiente para mim.
O Complexo estava vazio quando subi as escadas para a cozinha, meus dedos ensanguentados ardiam enquanto se curavam sem esforço. Quando abri uma garrafa de água, observei a pele que em questão de segundos se tornou lisa e brilhante, sem sinais algum que eu havia praticado socos até que estivessem em carne viva. Uma de minhas melhores habilidades que não envolvem minha mente – segundo Bucky Barnes – era a minha incrível velocidade. Posso ser forte, mas sou ainda mais rápida e esguia. Então tentei manter o treinamento que me dava mesmo depois de sua partida. Socos rápidos até derrubar o saco de areia, esteira de no mínimo quinze quilômetros diários e combate corpo a corpo. Não com ele, mas com um dummy de borracha que sempre me deixava ganhar.
Estou me esticando para uma caixa de bolinhos quando ouvi vozes.
- Andrea, essa aqui é a sala de estar. – A animação em meu peito sumiu.
O Sr. Stark e a Srta. Potts adentraram a sala que ficava a algumas passadas largas de onde me encontrava do outro lado da parede e onde Tico e Teco estavam e os cumprimentaram. Queria correr e abraçar Tony, extasiada por ter voltado de viagem tão cedo logo depois de mim e Pepper, mas a jovem asiática que os seguiu para a sala me impediu de mover. Não a conhecia e disto tive certeza, minha memória fotográfica garantindo-me que é uma completa estranha no Complexo e minha vida. Tico cutucou o outro com o cotovelo e com um sorriso nojento e eu fechei a porta da geladeira, debruçando-me sobre a ilha de mármore da cozinha para aproveitar-me do ponto-cego do casal para acionar F.R.I.D.A.Y com meu celular. Um bipe baixo garantiu-me que ela só poderia ser ouvida por quem estava na cozinha.
- F.R.I.D.A.Y, quem é ela? – Fiz uma careta pela rouquidão de minha voz.
“A psicóloga substituta da Dra. Hall: Andrea Jung. Ela trabalha na Secretaria Americana de Educação e foi chamada pelo Sr. Stark para auxiliar no seu ingresso no ensino-médio.”
Meu coração vacilou, pois imaginei que seria consultada de antemão. Uma avalanche de ansiedade e nervosismo me atingiram, enevoando meu raciocínio até que ouvi um som que me despertou, semelhante a um tapa sobre uma mesa.
- O que você quer dizer com "Ela não pode entrar em escola nenhuma?” - Tony indagou com a irritação clara em sua voz, braços cruzados enquanto olhava de cima para a jovem psicóloga no sofá de quarenta mil dólares. Pepper suspirou com desagrado ao encher um copo de whisky com gelo, o anúncio provavelmente o tinha surpreendido ao ponto de apelar para alguns goles mornos de álcool mesmo que fosse seis da tarde. A moça ergueu os óculos para a ponte do nariz em um reflexo nervoso antes de responder com rapidez, referindo-se a pasta vermelha em seu colo ao passar alguns papéis.
- Sinto muito, Sr. Stark, mas quase todas as escolas públicas e privadas que liguei em Nova York disseram que devem se adequar as leis do estado e não podem aceitar ninguém que vive fora dos seus distritos e não tem nenhum histórico educacional fora os últimos catorze meses. – A notícia imediatamente me levou da Terra para o Céu, esticando minha coluna e atentando meus ouvidos para o que falaram em seguida. – Imagino também que a Srta. Black não tenha sido submetida a testes ou provas, então não temos também boletins escolares.
- Andrea, ela tem passaporte e uma carteira de identidade, não é o suficiente?
Pepper retrucou ao se apoiar na janela de vidro, claramente não acreditando no que ouviu, mas tentando soar um pouco mais calma que seu namorado soaria em tal situação. Jung se remexeu no sofá, respirando fundo antes de balançar a cabeça. Ainda é surpreendente o quão assustadores Pepper e Tony podem ser quando querem. Tony estava com as mãos no quadril de maneira autoritária, boca em uma linha reta e olhos focados na jovem psicóloga. Já Virginia Potts mantinha o rosto sério ainda quando bebia, sobrancelhas franzidas e expressão corporal relaxada em contraste. Se não os conhecesse tão bem, também estaria tão nervosa como a jovem.
- Não, Sr. Stark. Sinto em informar que todos os locais para onde liguei também não vão aceitar uma aluna nova após o fim das matrículas para o segundo semestre. – As informações se tornavam cada vez mais calmantes. Isso era bom. – Disseram que iria levantar curiosidade e desordem no sistema se fosse vazado que uma criança da Inciativa Vingadores recebeu tratamento especial para pular as regulações. E disseram que a mídia iria imaginar que ela foi admitida puramente pelos feitos do senhor e isso seria catastrófico para as escolas.
- Isso é ridículo! – Tony resmungou, erguendo as mãos como se culpasse algo acima de nós por tudo isso. Ele estava soltando a gravata azul quando trocou um olhar preocupado com Pepper, que estava divagando em silêncio e com certeza considerando as outras possibilidades dispostas para eles. – E ninguém deveria saber que a é da Inciativa Vingadores, Jung! Este foi um erro exclusivo seu! - Tony rugiu e deu alguns passos para trás, parecendo perdido ao enrolar a gravata na mão, da mesma maneira que fiz hoje ao com as bandagens antes de lutar.
- Mas...
- Tem um "mas"? - Ambos invocaram intrigados, aproximando-se para dar toda atenção a mulher que suspirou antes de prosseguir, passando algumas páginas e fazendo os cachos de seu cabelo balançarem no processo. Pepper largou o copo e chegou mais perto de um sofá diante da outra, dando alguns puxões no paletó de Stark para que também se sentasse.
Temendo que pudessem me ver do novo ângulo, me movi para a outra ponta da ilha, também fora do alcance de Tico e Teco. A pequena intromissão me preocupou. Um “mas” significa uma possibilidade. E com o dinheiro e influência de Tony somado as decisões hábeis de Pepper para contornar contratos legais, é uma possibilidade imensa de êxito. Êxito este que desejo mais que tudo poder evitar, ainda que, após alguns dias, a ideia de ir para uma escola tenha crescido em mim. E não é como se fosse me negar a algo que os dois me ofertassem.
- Tem uma única escola que não segue leis estaduais e pode aceitá-la.
- Isso é perfeito! - Tony deu um tapa na mesa de centro com animação, um sorriso satisfeito abrindo espaço na carranca que ocupava sua face posteriormente. A psicóloga pulou no assento de surpresa e Pepper também, a última indo de imediato se desculpar pela animação do bilionário que apenas acenou para que lhe contasse ainda mais sobre sua descoberta.
- A escola se chama Instituto Midtown de Ciência e Tecnologia. – Engoli em seco quando uma sombra de dúvida e preocupação cruzou o os olhos de Stark, mas foi tão rápido que não tive como identificar a sua origem mesmo com alta proficiência em linguagem corporal. Espalmei minhas mãos no mármore, evitando decair para o nervosismo que se apossou dos meus sentidos. Jung deu uma longa olhada para a ficha antes de continuar. – É uma escola federal para os... Intelectualmente dotados. Para entrar, a terá de provar o seu intelecto.
- E como diabos ela vai fazer isso? – Pepper indagou enquanto Tony soltou uma risadinha, lhe arrancando um sorriso igualmente conspirativo. Senti minhas maças do rosto esquentarem com a clareza do ato dos dois. Concebi que estava tudo em meus registros, assim como muitos detalhes sórdidos estão nos registros dos outros Vingadores que viviam no Complexo. Mas tive certa veemência ao imaginar se Tony Stark, o engenhoso Tony Stark, não se deu o trabalho de adulterar minhas informações e ocultar o que achava correto. Ou se sequer enviou formulários sobre mim para o Governo após os Acordos de Sokovia. “Intelectualmente dotada” não deve estar na lista.
- Eu posso agendar uma prova de nivelamento com a direção da escola. Enviar os requerimentos e as taxas é usual e fácil, mas a prova é a única garantia se ela poderá ou não se matricular. – Mordi minha língua enquanto abria novamente minha garrafa de água, tomando um longo gole enquanto optava pelas opções dispostas para mim. “Sem problemas. Ela vai passar.” É Pepper quem garantiu, cabeça erguida em uma demonstração clara de orgulho que acabou por arrancar um sorriso mínimo de mim. – É uma prova extremamente difícil, Sr. Stark. As estatísticas de 2016 afirmaram que apenas 5% dos alunos que prestaram o exame foram aprovados. Se bem me lembro, o Dr. Banner é um ex-aluno da escola e está em primeiro lugar no ranking do exame com 97% de acertos.
- Eu vou repetir: ela vai passar. Envie os formulários, Jung. – Stark garantiu.
A garrafa ainda estava entre meus dedos quando atravessei o vão da cozinha, surgindo de imediato no campo de visão do casal direcionado para mim. Os olhos de Tony se amornaram em um instante, os lábios se alargando em um pequeno sorriso para me receber no recinto. Ele se colocou de pé ao me ver e ergueu a destra em minha direção, a tempo de Andrea Jung virar a cabeça para me ver, os olhos negros se dilatando e esticando para poder absorver minha imagem. Pepper não se colocou de pé, mas sorriu para mim com carinho e atenção antes de estreitar os olhos ao tomar a minha aparência. Ela esfregou uma têmpora ao dar atenção para os meus pés nus, mordendo o lábio para não soltar uma advertência e uma risada com cena.
Devia estar deveras desleixada, admito. O cabelo grudado em minha testa e bochechas ainda vermelhas e brilhantes com o suor dos exercícios que pratiquei. Tateei minhas coxas com a ponta dos dedos, estes escorregando na calça táctil macia em comparação com a camiseta regata que pinica por ainda ser nova. Ao analisar bem rápido minha aparência, me martirizei por não ter permanecido em meu esconderijo na cozinha. Todos estavam bem vestidos para negócios e reuniões, até mesmo Tico e Teco. Tony nos apresentou ao se aproximar, sua voz soando mais calma e contida em minha presença enquanto estiquei meus dedos atrás de meu corpo, satisfeita quando o par de luvas surgiu em minhas palmas. Respirei fundo antes de me aproximar da psicóloga com um pouco de vergonha, esticando minha mão para apertar a sua, ainda que ela parecesse desconcertada com as luvas de tecido macia que surgiram em questão de segundos.
- É um prazer, Srta. Black. – Ela sorriu com os dentes brancos e perolados, mesmo que eu conseguisse identificar o horror presente em sua voz por estar tão perto e tocando-me. Engoli em seco, com meu melhor sorriso forçado em uma tentativa falha de imitar o meu grau de desconforto dela. Tenho total conhecimento que se Natasha Romanoff estivesse aqui iria puxar minha orelha pela falta de educação, mas é impossível não retribuir o desgosto da psicóloga, este sendo semelhante demais com as expressões que flagrei hora ou outra pela área administrativa do Complexo quando estava sozinha. – Estávamos discutindo a questão do seu ingresso na...
- Escola regular. – Finalizei a sua frase a tempo de sentir as mãos de Tony em meus ombros e o olhar advertido de Virginia Potts em minha direção. Dei outro sorrisinho sarcástico para a psicóloga antes de suspirar fundo em uma tentativa de não me deixar levar pelo intuito generoso de a tratar com o mesmo nível de desprezo em seus olhos, ciente que sou merecedora do mesmo. – Você comentou sobre uma prova de proficiência, não é? – Indaguei e notei ainda mais o olhar conhecedor que Pepper lançou para Stark atrás de mim. – Como funciona?
- Bom... – Jung passou as páginas para alcançar o edital da escola que tinha mencionado poder me aceitar. Ela deu uma rápida lida e analisou antes de erguer os olhos para mim, agora bem mais contida com a presença de seu chefe ao meu lado. – A escola requer um exame, mais direcionado a área da natureza e exatas. Então, imaginando que ela poderia ser a última opção do Sr. Stark e da Srta. Potts, eu peguei alguns livros de onde você pode estudar para a prova, e como o Sr. Stark é, verdadeiramente, um gênio, acredito que ele poderá ajudar com o que precisar.
- Não vai ser necessário. - Pepper se colocou de pé para erguer a sobrancelha, ignorando a pilha de livros que haviam sido erguidos pela psicóloga e prostrados na mesa com um som abafado. Assenti com a cabeça, também não me interessando em analisar os títulos ou temas antes disso.
Andrea trocou um olhar entre nós como se houvesse sido estapeada.
- Srta. Potts, eu tenho certeza de que a ajuda será bem-vinda. Se tem interesse, mesmo remoto, em passar nesse exame tão difícil, o auxílio será necessário. – Jung repetiu sua preocupação outra vez, desta vez erguendo uma dobra de irritação em minha cabeça por duvidar de meu intelecto após uma breve olhada em meu rosto e idade. Suspirei audivelmente ao apanhar um dos livros, sentando-me no lugar que antes foi ocupado por Tony, me adiantando para apanhar uma caneta dentro de uma gaveta perto da mesa de porta-retratos, tendo a deixado lá há alguns dias após jogarmos Dungeons and Dragons.
- Ainda que pareça que eu precise de ajuda...
Folheei o livro grosseiro, correndo meus olhos por fórmulas e teorias que há muito já cavaram espaços em minha mente após tanto analisar livros e artigos científicos espalhados no Complexo. Os algoritmos e raciocínios também já exercitados quando ajudei Tony Stark em seu laboratório e ele não quis perder tempo com cálculos “simples” e os transcreveu para uma folha e deixou que eu me divertisse com eles. Abri o livro didático na sessão de exercícios, no qual severas equações e textos extensos estavam impressos por todas as páginas, ao lado de insígnias das faculdades ou ligas cientificas de onde foram retirados.
Escaneei todas as questões com atenção e certa pressa mesmo que ambos não combinem. Não encontro obstáculo algum para efetuar todo o trabalhos aritméticos, e geométricos em algumas questões, em minha cabeça antes de ir marcando as alternativas corretas de uma a uma. Após finalizar uma página em menos de dois minutos silenciosos onde todos os olhos estão vidrados em mim, lhe ofereci o livro novamente, observando com atenção como ela hesita por um instante.
- Tire a prova, Dra. Jung.
Pepper está sorrindo convencida para mim e Tony tanta se manter sério.
Jung abriu o livro rapidamente e Stark olhou por cima de seu ombro sorrindo ladino sem muita preocupação com os resultados, ainda que ansioso para ver o rápido desfecho. Os dois não disseram nada enquanto ela analisava as questões e o gabarito, indo de página a outra diversas vezes, pois não parecia acreditar nos seus olhos. Andrea buscou o olhar do CEO para garantir que não estava enganada ao ler minhas respostas. A jovem psicóloga sussurrou sua extrema por baixo da respiração.
- Ela errou? - Pepper indagou com uma belíssima atuação.
Stark manteve um meio-sorriso ao erguer o livro.
- São questões de nível superior, Pep. – Ele explicou devagar enquanto Andrea Jung o olhou ainda mantendo o horror e surpresa aparente em sua face. - Não PhD, mas ensino-superior... São questões avançadas... – Apertei meus lábios, subitamente tímida quando Pepper deu uma risadinha e afagou minhas costas, apertando meu ombro em apoio. Tony balançou a cabeça ao sorrir para mim com o orgulho evidente em sua expressão. – , você acertou todas em segundos, sabia? – Tony fechou o livro com um sorriso orgulhoso que tentei imitar em meu estado catatônico de realização. – A menina é um gênio. – Deu de ombros, ao avisar para Jung entrar com o processo de admissão. Ele estava se adiantando para o bar quando anunciou: - Liguem para o MIT! Quem precisa de ensino-médio?
*

(Dois meses e meio desde a queda dos Vingadores)

- Sabe que não é obrigada a nada, não sabe?
Se não houvesse ouvido seus passos no corredor e o som da porta de meu quarto ser destravada, tenho certeza de que saltaria pela presença de Tony Stark em meu humilde aposento completamente renovado. Ele estava escorado na porta deslizante, ainda trajando partes do terno que usava quando alguns oficiais deixaram a instalação horas atrás. Agora os fios castanhos claros estavam em um amontoado desalinhado no topo de sua cabeça e a gravata folgada ao redor de seu colarinho cinza. Eu abaixei os meus olhos, ainda removendo minhas roupas novas de algumas caixas e sacolas de marcas com valores exorbitantes e em meio ao excesso de luxo que me cercava, era quase impossível concordar com sua pergunta.
Tony não estava mais olhando para mim, mas sim para o imenso quarto que projetou para mim em míseros quatro dias e onde a quantidade humilde de roupas e coisas que eu possuía ocupavam um minúsculo canto em meio a magnitude. Eu também dividi minha atenção para a novíssima decoração e em especial para a parede ausente atrás de mim. A vista que tinha é belíssima: um labirinto de flores que brotavam de toda parte, e cada uma delas estava perfeitamente podada pelos gentis e prestativos Donnie e Howel. Para além disto ficava um campo aberto, e mais adiante havia um bosque imenso onde fiz minhas corridas. E eu podia ver os muros ao redor do Complexo dos Vingadores: altos, com guardas em pontos estratégicos, minas terrestres ativas e comboios.
- O meu quarto novo é lindo, Tony. Obrigada. – Comentei quando percebi que já era a minha vez, voltando a me concentrar em dobrar o número exagerado de calças jeans e de moletom que Pepper Potts havia comprado para mim enquanto estávamos em Los Angeles para uma conferência. Até agora já dobrei doze pares e ainda tenho muitos outros das suas últimas compras. – As roupas novas também são. – Me coloquei de pé e naveguei pelo cômodo espaçoso até adentrar o closet modesto que haviam preparado para mim, com gigantescas prateleiras e cabideiros enormes. Coloquei as calças em uma gaveta. Quando retornei para o quarto, Stark direcionou sua atenção para mim. – E os livros que você comprou são... Caros. – Apontei para a larga escrivaninha mobiliada diante de minha cama. Os livros estavam organizados ao lado de minha mochila. Suspirei ao me sentar na cama que era muito alta e proporcionalmente grande e confortável.
- Posso sentar contigo? – Assenti sem muita dúvida e ele cruzou o quarto em passadas relaxadas, como já havia sido ensinado diversas vezes por Pepper ou pela Dra. Hall, tendo de se policiar para não se mover muito rápido e arriscar me assustar. Vendo todo o cuidado que tomava, era complicado demais lhe dizer não para algo tão simples como escola. Stark se sentou a uma distância confortável, cruzando os braços acima do peito. – Roupas, um quarto decente e educação não significa que você deve alguma coisa para mim, . – Garantiu sem esforço e eu balancei minhas pernas, as mãos nuas prostradas em meu colo.
- E quanto a salvar a minha vida e me dar um lugar para ficar? – Instiguei e Tony balançou a cabeça como se eu houvesse perdido a noção. Ficamos em silêncio por certo tempo até que eu tive coragem de falar algo outra vez. – Eu não tenho nada para oferecer, Tony. Não posso mais ir em missões desde o que aconteceu no Rio de Janeiro em outubro. Estou atolada demais com o tratamento do Rhodey para te ajudar no laboratório. Não entendo basicamente nada sobre administração ou economia para ser útil a Pepper. – Expliquei da melhor maneira que conseguia, evitando me lembrar do acontecido no Brasil em minha missão com Bucky. – Então se eu posso ser útil e orgulhar e agradecer vocês de alguma maneira, eu vou fazer.
- A Hall nunca disse nada sobre escola. – Confessou após contemplar minha resposta, apoiando-se nas mãos ao alongar as penas e esticá-las. Ainda que queira me irritar com a sua mentira, percebi que ele estava deveras ciente de minha presença naquela manhã quando discutiu a possibilidade com Pepper. – Só não estava mais aguentando te ver toda tristonha e se empanturrando com os bolinhos que o Barnes gostava. – Abri minha boca, mas me mantive em silêncio. – Você tem dezesseis anos, . Não devia estar presa em uma instalação militar com um monte de soldados e lutando, devia estar se ocupando com outras coisas. – Abaixei minha cabeça quando Tony suspirou. – Mas isso não significa que é o certo para ti, entendeu? – Assenti. – Se ainda quiser, você vai para a escola amanhã e depois pode continuar com a sua vida antiga.
- E se eu quiser continuar na escola?
Tony me olhou desta vez, buscando humor inexistente em meu rosto e voz.
- Você continua. Mas a decisão é sua.
- Sim, senhor.
Horas depois quando os assuntos se esgotaram e minha mente estava implorando por descanso, eu me enfiei debaixo das cobertas enquanto Tony terminou de puxar minhas cortinas para escurecer o quarto, nem se lembrando ou querendo usar FRIDAY para a tarefa. Stark recolheu o paletó e a gravata, os dobrando sobre o braço ao ajuntar também algumas caixas de roupa ainda fechadas e levar para meu closet antes de fechar a porta. Meus olhos estavam fechados quando senti sua presença próxima a minha cama, mas não ousei me mover, imaginando se contemplar a ideia de eu já ter sucumbido a um sono bem merecido. “Isso era coisa da Romanoff, mas...” Tony sussurrou, soando tão vulnerável que mal o reconheci. Estou prestes a anunciar que ainda estou acordada quando sinto sua respiração na raiz de meu cabelo e a sua barba arranhar minha sobrancelha quando pressiona um beijo de boa noite em minha testa. É um selar rápido e gentil, porém longe de ser impessoal e esquentou meu peito.
Sua mão assentou meu cabelo antes que se afastasse e deslizasse a porta ao sair.
Percebi então que certas mudanças eram bem-vindas.



Fim.



Nota da autora: Gostaria muito de agradecer a todos que comentaram essa fanfic e mesmo que tenham sido poucas, estas mensagens me deixaram muito feliz. Uma "segunda temporada" irá sair em breve (questão de dias), então comentem para que eu responda com o link. Essa fanfic é muito especial para mim, então estou muito feliz com a essa recepção e os e-mails que já recebi de leitoras. Ah, deixem dicas de coisas que quiserem ver na próxima, ou coisa do tipo, ou até mesmo só um "oi" por que eu sou carente, KKKKKK. Se cuidem <3



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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