Última atualização: 03/06/2018

Capítulo 1 - Um Pouco de Mim

“Há muito tempo atrás, alguém me disse que há uma calmaria antes da tempestade. Eu não me importo com o que digam. Com você, qualquer tempestade se acalma. Sinto sua falta, preciso de você aqui comigo. Parecíamos ser feitos um para o outro, mas tivemos que nos separar. Eu espero que não se esqueça de mim, porque a chuva continua caindo lá fora.”

Setembro

Olho para o meu próprio reflexo pelo espelho. Max coloca alguns alfinetes nas costas do meu vestido e mordo o lábio. O vermelho escarlate contrasta com a minha pele branca e meus cabelos escuros e não consigo conter o grande sorriso que se forma em meus lábios.
Minhas mãos tremem de entusiasmo e as junto numa tentativa de disfarçar a ansiedade.
— Como você se sente? — ele me pergunta, segurando a minha mão, e dou uma volta em torno de mim mesma. A saia do vestido roda.
— Poderosa — é a primeira coisa que me vem à mente. — Maravilhosa — acrescento e me viro, observando o vestido de todos os ângulos. Os olhos de Max irradiam orgulho e felicidade. — Você acha que o Oliver vai gostar?
— Ele seria louco se não gostasse! Aposto que não conseguirá prestar atenção em qualquer outra coisa que não seja você — Max tem um sorriso divertido no rosto.
Olho para o espelho novamente só para ter certeza das palavras de Max. Ele tem razão. Ele tem que ter razão. O vestido é tomara-que-caia e marca a minha cintura, num típico modelo Mullet mais curto na frente e que arrasta no chão na parte de trás. Uma real obra de arte.
— Max, as festas de final de ano da empresa do papai valem a pena só pelos seus vestidos! — admito sorridente.
Ele ri.
— Obrigado, Maddy.
Max é um dos melhores estilistas que conheço em toda Grã-Bretanha. É amigo da minha mãe desde sempre, provavelmente, e só costura vestidos maravilhosos. Todos os anos, volto a seu ateliê para fazer um vestido de tirar o fôlego para a confraternização de final de ano da empresa do meu pai.
— Posso ver o da Geneviève? — pergunto curiosamente.
— Claro — ele me guia por inúmeros vestidos e manequins.
Seguro o vestido para que arraste o menos possível no chão. Não quero estragá-lo antes mesmo de pronto.
— Que cor a Gen escolheu?
— Rosa — Max vai para ao lado de um manequim coberto por um lenço de seda e o puxa, revelando o belo vestido rosa pink.
— Uau! — é tudo o que consigo dizer. — Ela ficará espetacular nele.
Já posso imaginar minha irmã do meio com esse vestido: sua silhueta destacada, a fenda frontal desde a coxa, o charme dos saltos. Sem dúvida alguma, Geneviève atrairá olhares por onde passar. Além disso, ela sempre teve o enorme talento de deixar qualquer cara que ela desejasse em suas mãos. Talento muito bem aproveitado por sinal, talvez pela beleza natural dos cabelos ruivos e olhos verdes ou pelo seu carisma nato.
— Ela quis algo surpreendente — Max explica o modelo do vestido e não tira os olhos do manequim.
— Com certeza é surpreendente! — concordo. — Minha irmãzinha está virando uma mulher! — faço beicinho. — Papai vai ter um enfarte quando a vir assim, igual fez comigo — rio.
— E sua mãe também. Os vestidos da Amethist são sempre mais conservadores — ele acrescenta.
Minha mãe.
De repente, lembro-me de que minha mãe está me esperando, e a família toda, para o chá da tarde. Se eu chegar atrasada de novo, ela cortará minha cabeça. Mamãe é uma completa viciada em momentos que reúnem a família, principalmente as refeições, o que implica em me infernizar por chegar atrasada e ser “negligente”.
— Max, eu preciso ir! — seguro seu braço, beirando o desespero, e ele ri.
— O chá, não é? — assinto. — Deixe-me ajudar com o vestido.
Troco-me rapidamente e saio correndo do ateliê.
— Obrigada, Max! — agradeço antes de entrar em meu carro.
— Imagine, garota! — ele sorri e voo para casa.
Um suspiro de alívio escapa pelos meus lábios assim que vejo o enorme portão do condomínio onde vivo. O Margaret’s Palace tem casas enormes e distantes umas das outras. As pessoas que moram aqui têm muitos bens. Isso é um fato. No entanto, não quer dizer que necessariamente são esnobes. Conheço empresários, donos de grandes franquias e butiques, pessoas do meio artístico, médicos e doutores renomados, juízes e advogados e boa parte é muito gentil.
Particularmente, evito dizer que moro aqui e que sou filha dos meus pais, pois a maioria das pessoas cria uma imagem errada da minha pessoa. David Sheldon, meu pai, é um inglês de família abastada, dono de uma franquia enorme cujos produtos variam de cosméticos, a roupas, lingeries, sapato e acessório. Minha mãe, Amethist Sheldon, é uma bailarina francesa charmosa, com uma determinação quase tão forte quanto o ruivo de seu cabelo. Juntos, conciliaram as obrigações empresariais com as familiares e cuidam de suas três filhas, Madelinne, Geneviève e Cécile, da melhor forma possível.
Tenho uma família bem-sucedida, tanto materialmente como emocionalmente. É verdade. Mas os conflitos são inevitáveis, principalmente pelo fato de minha mãe desaprovar completamente o meu namoro com Oliver simplesmente por ele ser Oliver O’Connor, um cantor mundialmente conhecido cuja febre teen continua em seu auge. Segundo ela, não se pode depositar muita confiança nesse tipo de pessoa, o que é ridículo, porque ela também fez parte desse mundo artístico por anos a fio, e que eu vou sair machucada desse relacionamento. Contudo, deixei de me importar com esse tipo de comentário há um bom tempo e mamãe tem que engolir meu namoro já por quase três anos.
Corro para alcançar a enorme porta de entrada de casa e passo pelo hall, subindo as escadas o mais rápido que consigo e já me preparando para ouvir um discurso infindável sobre meu atraso de minutos.
— Boa tarde! — sorrio para todos, jogando-me no sofá ao lado de Gen. CeCe, com seus inocentes seis anos, brinca próxima à mesa de centro e minha mãe me encara.
— Boa noite, Madelinne — ela diz simplesmente.
— Boa tarde, Maddy — papai me deseja, fazendo-me sorrir.
Enquanto meus pais conversam sobre qualquer coisa, eu e Geneviève sussurramos sobre nossos vestidos e como estamos ansiosas para usá-los.
— Como se você não fosse se aproveitar de ninguém naquele vestido — provoco e minha irmã revira os olhos, mas sorri exatamente como mamãe acabou de fazer para meu pai. É surpreendente a semelhança das duas: mesmo sorriso, olhos e cabelo.
— E como está seu vestido, Maddy? — minha mãe pergunta, tomando um gole do seu chá.
— Maravilhoso, mãe! Só falta ajustar alguns... — meu celular começa a tocar e tenho vontade de me afundar no sofá por ter me esquecido de silenciar o aparelho. — Desculpe — peço e vejo o nome do meu namorado brilhando no ecrã. Minha mãe vai me matar, mas preciso atender. — Com licença. Eu já volto.
Todos os olhares estão sobre mim, incluindo o de Thereza, nossa empregada a quem amo. Ela deixa a bandeja com mais docinhos na mesa e volta para a cozinha. Sigo-a, tentando abafar o ringtone por pressionar o celular contra a minha coxa.
— Oi, amor — atendo e mordo o lábio. Tento espionar a reação dos meus pais, mas a tarefa é um pouco difícil por conta da posição que estão em relação a mim.
— Oi, bebê — percebo que seu entusiasmo se esvai aos poucos e posso visualizar seu sorriso se transformar em uma sobrancelha arqueada. — Está tudo bem?
— Está, sim. Eu só cheguei atrasada para o chá. De novo — coço a nuca.
— Que britânico da sua parte chegar atrasada! — Ollie brinca. — É melhor você voltar para lá...
— Desculpe! — imploro, arrastando as sílabas da palavra. — Ligo mais tarde. Eu juro!
— Não precisa se desculpar, boneca — meu peito se aperta e tenho vontade de atravessar o celular só para estar ao seu lado. — Estou com saudade. Amo você.
— Eu também estou — aperto o celular com mais força. — Eu amo muito você. Até mais tarde.
— Até.
Desligo o aparelho por completo, evitando mais distrações, e volto para o sofá.
— Desculpe — peço e me sirvo do chá fumegando na chaleira. Penso em voltar a falar do vestido, mas meu pai decide mudar de assunto sem o meu consentimento.
— Quem era? — enrijeço e busco o seu olhar, sentindo o clima de um debate se formando. Por um segundo, cogito a ideia de fingir que não era ninguém importante, mas não é verdade.
— O Oliver — respondo rapidamente e tomo um gole do chá para não ter que responder mais nada. Minha mãe revira os olhos exageradamente e resmunga, Gen olha para mim, quase me condenando por ter falado a verdade e perturbado a paz em família, e os lábios do meu pai se contraem.
— Tinha que ser... — mamãe pestaneja.
— Mãe! Ele está nos Estados Unidos! O fuso-horário é diferente! — defendo meu namorado.
— Não podia mandar mensagem e precisava atrapalhar o momento que temos para conversar? — ela continua. Bufo e reviro os olhos, sabendo que não existe a possibilidade de ganhar essa discussão.
— Ok, né? O importante é que estamos todos aqui — papai tenta amenizar a situação e começa a perguntar sobre como eu e Geneviève pretendemos passar nossos aniversários no mês que vem, visto que ela nasceu exatamente um dia antes do meu aniversário de dois anos. Lembro-me de que papai disse que minha irmã era um grande presente de aniversário para mim e, a partir de então, todas as festas foram compartilhadas.
Gen responde com a maior boa vontade todos os seus planos e eu apenas digo que não tenho muitos planos por enquanto — apenas passar um tempo com eles e Oliver. Fixo minha atenção no grande lustre de cristal, mas minha mãe continua olhando para mim. Acho impressionante como parece que mamãe é contra a minha felicidade. Quero dizer, eu e Oliver somos aceitos por milhares de fãs ao redor do mundo, mas renegados pela minha própria mãe. Chega a ser ridículo.
Eu amo meu namorado. Qual o problema nisso?
— Maddy — Cécile, agora ao meu lado, sussurra. — Quando o Ollie vai voltar? Estou com saudade dele — ela faz beicinho. CeCe aprendeu logo que o nome do meu namorado não deve ser pronunciado em voz alta perto de mamãe, porém ela não deixa de gostar dele por decreto algum.
— Logo — sussurro e sorrio. — Aí eu a levo para vê-lo, ok?
Um sorriso cresce em seu rosto e minha irmãzinha assente, voltando a prestar atenção ao assunto sobre o próximo festival de dança de que iremos participar. Mamãe fala com tanto entusiasmo sobre o desempenho da minha irmã mais nova no balé que CeCe se encolhe toda envergonhada quando papai a elogia.
Minha mãe é professora de balé clássico, o que influenciou diretamente no fato que todas as suas três filhas se dedicaram à dança desde cedo. No entanto, quando cresci um pouco mais, decidi mudar de balé para jazz e minha mãe quase não conseguiu conter sua decepção. Creio que ela só não me desencorajou totalmente porque todas as formas de arte são bem-vindas nessa casa, exceto meu namorado, e jazz é tão artístico quanto balé. Mas sei que até hoje ela está magoada por eu ter trocado a forma clássica pela moderna.
Entretanto, a professora e mãe Amethist pode se orgulhar de suas duas outras filhas nesse quesito.
A hora passa demoradamente até que papai precisa resolver assuntos “urgentes” de trabalho. Subo correndo para o meu quarto e me jogo em minha cama. Pego o meu celular e sorrio com a foto de bloqueio de tela. É a mesma que está em um dos porta-retratos espalhados pelo meu quarto: eu estava sentada no colo de Oliver na piscina e ele me abraçava. Eu segurava seu rosto próximo ao meu enquanto fazíamos careta. Era um dia de sol e só estávamos juntos porque o acompanhei em sua turnê durante um tempo. Dois loucos apaixonados viajando por lugares lindos.
Disco rapidamente seu número até que atende.
— Oi, amor! Voltei! — cumprimento-o sorrindo.
— Oi, fofa — vejo-o sorrir. Observo meus pés no alto, balançando. — Tudo bem? Sua mãe brigou com você?
— Minha mãe reclama de tudo que tem a ver com nós dois, Ollie. Não se preocupe com ela. Eu estou muito bem — reviro os olhos e ouço sua risada nasalada.
Mudo de assunto e a conversa flui naturalmente. Conto sobre o vestido, sobre o festival de dança e um dos livros que terminei de ler. Oliver me conta sobre os últimos shows e gravações e fala com certa expectativa sobre suas férias.
Infelizmente, não podemos estender muito nossa conversa, já que Oliver precisa se preparar para uma entrevista. Odeio me despedir dele. É como se toda a saudade que deveria ser extinta com a sua voz fosse, na verdade, alimentada. Eu sinto a sua falta por completo: seu abraço, seu cheiro, seu carinho, beijo, mãos, voz, olhos, de acordar ao seu lado e até das nossas discussões esporádicas.
Preciso dele aqui.
Batidas na porta me tiram dos meus pensamentos e Geneviève entra no meu quarto sorrindo para o nada. Apoio o peso do meu tronco pelos cotovelos e arqueio uma sobrancelha, rindo da sua expressão.
— Que cara é essa? — questiono.
Esse sorriso só pode significar duas coisas: ou algo muito bom aconteceu, ou ela está apaixonada. Gen se senta ao meu lado e me encara com um sorriso maior. Do nada, ela enrubesce e esconde o rosto com as mãos, rindo.
— Tenho que lhe contar uma coisa — minha irmã cruza as pernas e segura o seu celular com as duas mãos. Sento-me para prestar o máximo de atenção possível. — Lembra que há umas semanas eu fui para o pub? — assinto. — Reencontrei com um cara sensacional e não paramos de conversar e sair desde então. Ele é lindo, Maddy! Os olhos verdes, o cabelo loiro escuro, aquele olhar sexy e o sorriso perfeito! — cruzo os braços, desconfiando, mas ela se apressa em explicar. — Nós já nos conhecíamos, ok? Ele é filho de um dos sócios do papai.
Arqueio uma sobrancelha. Conheci muitos filhos dos amigos de papai, principalmente por causa das confraternizações da empresa. Não me lembro de nenhum que se enquadre nessas características.
— Qual o nome dele? — pergunto.
— Dylan — Geneviève suspira. — Ele me chamou para sair amanhã — um sorriso rasga seus lábios.
Não perco a oportunidade para provocá-la e brinco:
— Minha irmãzinha está crescendo! — aperto suas bochechas.
— Pare com isso. Eu já tenho dezoito — ela empurra minhas mãos. — Estou com medo de falar para a mamãe.
Sua confissão faz meu estômago se retorcer. Claro que Gen tem medo de como minha mãe vai reagir. Ela sabe como mamãe trata Oliver. No entanto, um dos motivos pelos quais minha mãe odeia Ollie é o fato de que ele não é justamente um filho dos amigos de papai.
— Creio que mamãe não terá o menor dos problemas com Dylan. Se ele faz parte do círculo que ela tanto gosta, não há por que você se preocupar tanto — tento tranquilizá-la.
— Eu sei... É só que eles vão jantar juntos essa noite e eu queria que nossos pais gostassem dele antes mesmo de saber qualquer coisa entre nós — minha irmã faz beicinho.
— Se eles vão jantar juntos, é bem provável que todos já se deem bem, Gen. Relaxe. Deixe-os se divertirem e depois você conta. Mesmo que a mamãe não goste dele e vocês se gostem de verdade para decidirem ficar juntos, a desaprovação dela não será um problema. Olhe só para mim e para o Ollie. Há quanto tempo já não aguentamos isso? — seus olhos verdes estão fixos nos meus. — Todas as tempestades passam.
Minha irmã sorri timidamente e fico feliz por conseguir ajudá-la.

...


Fico deitada no chão, segurando o lenço vermelho que representa meu sangue, enquanto Thomas, meu parceiro de dança, caminha para longe ao som dos últimos acordes de Bleeding Love.
— Muito bom! Adorei a sugestão — minha professora de dança diz ao avaliar nossas ideias para a coreografia do festival. — Descansem e, na próxima aula, continuaremos a montar a coreografia.
— Ok, Rachel — eu e Thom concordamos e batemos as mãos assim que me aproximo dele.
— Vamos arrasar, Thom — sorrio e ele assente.
— Sem dúvida.
Caminhamos entre risos e piadas até que meu parceiro se dirige ao banheiro masculino e eu vou para o vestiário para buscar minhas roupas no armário da academia.
— Eu sabia que aquele cara iria fazê-la “sangrar”. Por isso fiquei com você primeiro — meu corpo fica rígido, mesmo percebendo o sorriso em sua voz.
A voz.
A última voz que eu esperava, mas a que eu mais queria ouvir. Viro-me em sua direção só para ter certeza de que não estou sonhando.
— Que é isso, Mad? Parece que viu um fantasma!
Meu queixo deve estar quase no chão, mas o seu sorriso perfeito quase fechando seus olhos, divertindo-se com a situação, me leva a sorrir largamente e pular em seu pescoço.
— Ollie! — seus braços envolvem minha cintura com força e o abraço com a mesma intensidade, selando nossos lábios várias vezes.
Suas mãos seguram com delicadeza minha nuca e os selinhos se transformam em um beijo sem pressa, como se quiséssemos matar toda a saudade acumulada com esse simples ato.
— Eu amo você tanto, babaca! — sopro quando ele me aperta com mais força contra si. — Por que não me avisou que vinha? Olhe o meu estado! — começo a dizer, apontando para o meu suor, e Ollie ri.
— Por isso que eu não avisei — seu sorriso é contagiante. — Eu amo você, princesa.
Faço beicinho e o beijo novamente. Oliver aproxima seus lábios do meu ouvido, arrepiando-me.
— A única pergunta é: que horas eu poderei levá-la lá para casa para poder matar a saudade? — ele provoca.
Fixo o meu olhar no seu rosto, analisando seu sorriso malicioso, e mordo o lábio. Não existe outro lugar em que eu gostaria de passar a noite, senão em seu abraço.



Capítulo 2 - Paris, Paixões e Crepes

Paris — Quatro anos antes.

Caminho pelo Jardim do Luxemburgo com meu livro em mãos e aproveito o calor dos raios solares em meu rosto. O clima agradável do verão permitiu que muita gente saísse de casa e enchesse as ruas de cores e vida.
Sorrio ao ver todas as pessoas felizes, desde senhoras a bebês, e me sinto bem por estar de volta a essa minha casa. O ar parisiense repõe minhas energias há algum tempo esgotadas pela rotina um tanto quanto agitada da majestosa Londres.
— Maddy? — ouço uma voz masculina e procuro pelo dono.
Quando o vejo, sou tomada por surpresa. Não esperava mesmo encontrá-lo aqui.
— Oliver? — sorrio ao me aproximar dele. Só depois que o cumprimento com dois beijos na bochecha, o que o deixa sem graça, lembro-me de que nós dois somos ingleses e me afundo em vergonha — Desculpe. Mania muito francesa, não é? Sinto muito. Às vezes é mais forte do que eu.
— Você está muito francesa para uma inglesa — ele brinca ao avaliar minha roupa. Talvez seja o lenço em meu pescoço, talvez não. — Só falta a boina. Se eu não conhecesse, com certeza diria que você é uma nativa.
— Eu não fico muito bem de boina — dou de ombros, mas Oliver continua sorrindo. — Mas o que você está fazendo aqui em Paris? Passeando? — coloco meus óculos escuros na cabeça.
— Ah, não — ele enfia as mãos nos bolsos do jeans — Vou fazer um show aqui amanhã.
— Sério? Que ótimo! — sorrio. — E você já conheceu a cidade?
— Eu e os caras da banda demos uma volta, tiramos umas fotos pelos pontos turísticos... — seu sorriso é divertido. — Eu estava procurando um lugar para comer alguma coisa, na verdade.
— Bom, eu estou indo comer crepe. Quer me acompanhar?
Protejo meus olhos com as mãos para poder enxergar o seu olhar caramelizado pela luz do sol. Um sorriso me é oferecido.
— Claro.
— Então vamos. É logo ali — aponto para frente com a cabeça e começamos a caminhar.
O trajeto até a crêperie não é longo, mas o fazemos sem pressa. Conversamos sobre sua estadia na cidade. Conto que cresci nessa região e só voltei a morar na Inglaterra por volta dos doze anos, embora viajasse para lá muitas vezes ao ano.
— Aqui tem os melhores crepes do mundo e outros docinhos — digo ao entrarmos na loja e aponto para o balcão com todos os tipos de macarons possíveis e imagináveis, de diversas cores e recheios. — Já experimentou macarons?
— Meu Deus — seu queixo cai pela quantidade inimaginável dos doces em exposição. — Não, mas vou ter que provar.
— Vai, sim — concordo, rindo pela sua expressão.
O horário de pico já passou e o local está bem tranqüilo. Espero que ninguém atrapalhe Oliver comendo. Propositalmente, escolho uma mesa ao fundo estabelecimento e escolhemos por crepes doces cheios de chocolate e sorvete.
Quando o garçom nos dá as costas, Oliver sorri e diz:
— É engraçado ouvir seu sotaque francês.
— Por quê? — arqueio uma sobrancelha, mas estou sorrindo.
— Não sei — ele dá de ombros. — Num momento, você está falando comigo em inglês e eu entendo cada palavra. No outro, começa a fazer biquinhos e enfatizar os erres, então não entendo mais nada.
— Você se acostuma, mas, se eu começar a falar com muito sotaque enquanto conversamos, é só me chamar a atenção que eu corrijo — prometo.
Enquanto os crepes não chegam, continuamos a conversar como se já nos conhecêssemos há um bom tempo. Aponto para o outro lado da rua, indicando a Academia de Dança em que pratiquei balé quando mais nova, e Oliver ri quando conto que fugia das aulas em que treinávamos ficar na ponta dos pés. Infelizmente, minha mãe sempre me encontrava e me obrigava a voltar.
Arrepio-me de prazer quando levo a massa cheia de chocolate derretido à minha boca e vejo Oliver ter a mesma reação.
— Esse é, sem dúvidas, o melhor crepe da história.
— Eu disse — sorrio, sentindo-me vitoriosa.
— De agora em diante, eu aceito qualquer dica sua! — ele contempla o crepe no prato.
Fico olhando para o seu sorriso por um tempo e sou motivada a sorrir também. Oliver é uma pessoa muito agradável. Percebi isso desde o dia que nos conhecemos no noivado da minha melhor amiga há uns meses. Desde então, todas as vezes que conversamos eu me senti estranhamente à vontade ao seu lado.
Ele é uma boa pessoa. Tenho certeza disso quando fixa seu olhar no meu e me mostra o sorriso mais verdadeiro que alguém um dia já me direcionou.

...


Rio ao ouvi-lo tentar pronunciar algumas palavras em francês.
— Ok. Tente com o meu nome do meio: Victorine.
Oliver tenta e se enrola na pronúncia.
— Isso, sim, é engraçado — brinco. — Um dia você conseguirá. Não se preocupe.
Paro de andar quando chegamos a um marco no chão, mas duvido que ele tenha percebido outra coisa que não seja a enorme Notre Dame e posso perceber que está impressionado com o tamanho da catedral. Já está escuro, mas prometi que o traria a mais um lugar.
— Obrigado pelo encorajamento, mas não sei se posso acreditar nesse caso... — Ollie finge estar decepcionado, porém sorri depois. Balanço a cabeça e olho para o chão, mudando de assunto em seguida.
— Estamos no Point Zéro, o marco zero de Paris — explico. — Daqui se calcula a distância entre Paris e as outras cidades francesas. Existem muitas lendas e superstições envolvendo esse lugar — Oliver olha para o círculo no chão com uma rosa dos ventos gravada ao meio. — Uma delas diz que, se você fizer um pedido pisando dentro do marco, ele se realiza. Tente — encorajo e ele pisa na rosa dos ventos.
Incerto do que fazer, Ollie fecha os olhos e só volta a abri-los segundos mais tarde.
— Só isso? — ele pergunta e eu assinto. Olho para o céu estrelado e sinto a brisa leve me atingir. — Você não vai pedir?
Olho para o marco e respiro fundo.
— Eu não acredito em superstições, mas posso fazer um esforço por você — digo, posicionando-me bem onde Ollie estava.
Fecho os olhos, mordo o lábio e penso no que gostaria de pedir.
Não peço algo ou alguém. Peço um o quê: um sentimento.
O percurso até minha casa nunca pareceu tão próximo. Não sei se pela companhia agradável e por não pararmos de falar por nenhum segundo ou por andarmos um pouco mais rápido.
— Obrigado, Maddy. Eu gostei de conhecer a cidade. Ela é bem... Romântica — Ollie enfia a mão nos bolsos e sorri de canto assim que chegamos a nosso ponto de despedida. Rio do adjetivo escolhido para descrever Paris e me sento no terceiro degrau da pequena escada de acesso à casa.
— Não há de quê — dou duas leves batidas no chão, convidando-o a se sentar ao meu lado enquanto espera seu motorista chegar. — Você ainda tem o meu número? — pergunto assim que ele se senta.
— Sim.
— Caso você precise de mais alguma ajuda enquanto está aqui, fique à vontade para me ligar — aviso, observando-o olhar para o céu. Ollie assente.
Não consigo pensar em mais nada para dizer e caímos no silêncio. Ficamos sentados, apenas olhando para as estrelas, sua mão quase tocando a minha e não me atrevo a movê-la.
— Mad? — ele me chama e viro o meu rosto para encará-lo.
Antes que eu possa responder qualquer coisa, Oliver me beija. Antes que possa entender o que aconteceu, ele já caminha até um carro preto parado em frente à minha coisa, desejando-me uma boa noite antes de ir.
Só consigo sorrir em resposta, sem entender o que se passa em minha cabeça. Entro em casa e não consigo esconder minha felicidade. Afinal, essa é a Cidade do Amor, não é? O que pode dar errado?

Londres — Atualmente.

A claridade atravessa as cortinas do quarto do meu namorado e me viro para observá-lo dormir. Ollie dorme tranquilamente e não tento acordá-lo. Sinto a felicidade correr pelo meu corpo ao perceber quão próximos estamos por dividir o travesseiro.
Fico deitada ali por algum tempo, apenas olhando para o seu rosto, pensando em como parece certo estar com ele ao meu lado, até que seu braço envolve minha cintura e Oliver aproxima mais nossos corpos.
— Bom dia, princesa — ele limpa a garganta, tentando se livrar da rouquidão presente em sua voz.
— Bom dia, amor — respondo com um sorriso no rosto.
— Dormiu bem?
— Muito, e você? — brinco com o seu cabelo.
— Não consigo me lembrar de ter dormido tão bem nos últimos meses — só deixo de sorrir quando Ollie pressiona seus lábios contra os meus e já posso começar o dia.

...


Destranco a porta de casa e, assim que entramos, vejo Cécile correr na direção do meu namorado.
— Ollie! — ela sorri largamente e espera até que ele se agache para abraçá-la.
— Tudo bem, CeCe? — ela assente.
— E você?
— Muito bem também — Oliver sorri para a garotinha.
— Você vai jantar aqui, Ollie? O papai disse que você pode comer com a gente — a curiosidade brilha nos olhos da minha irmã.
Oliver olha para mim com um sorriso e depois volta a encarar CeCe.
— Você quer que eu fique? Eu só fico se você quiser — ele pisca para ela.
— Quero. A mamãe está fazendo lasanha...
— Então eu vou jantar com vocês — Oliver se levanta e minha irmã sai saltitante pela casa.
Sigo para a cozinha com Ollie atrás de mim e vejo minha mãe mexendo o molho de tomate.
— Vamos ter visita? Não acredito que você está cozinhando! — rio e minha mãe revira os olhos.
— Vamos, então tente não me fazer passar vergonha — ela devolve a cutucada, mas não me abalo. — Olá, Oliver.
— Oi, Amethist — ele sorri e acena, porém mamãe não se dá ao trabalho de sorrir de volta.
Reviro os olhos para a verdade: não importa o que Oliver faça, minha mãe nunca será capaz de gostar dele por um motivo ridículo.
— Meu pai está aqui? — pergunto, sentando-me em um dos balcões.
— Não. Hoje ele foi para o escritório, mas, pelo horário, já deve estar voltando — mamãe verifica o relógio. — Não demore para se arrumar. Ok? O sócio do seu pai e a família dele estarão aqui hoje e você precisa passar uma boa impressão. Acho que você conhece o filho dele, Dylan Leto.
— Posso dizer que a Geneviève conhece melhor que eu... — dou de ombro e seguro a mão do meu namorado.
— Imaginei — ela pega uma forma no armário. — De qualquer forma, é importante. Não tente fazer nada que vá envergonhar seu pai, por favor, e desça daí! — mamãe dá leves tapas na minha coxa e sou obrigada a sair de cima do balcão.
— Eu só fiz isso uma vez e foi sem querer! — respondo, referindo-me ao dia em que minha mãe quis me matar por ter derrubado a taça de champanhe em cima de um dos sócios do meu pai. Desde então, minha mãe não confia que posso estar em um jantar importante sem passar vergonha nela. Reprimo a vontade de rir.
— Não importa. Seja mais atenta — ela avisa e volta a mexer o molho. — Vá se arrumar.
Bufo e sigo para o meu quarto, a fim de procurar uma roupa adequada.
Não demoro a me arrumar — pelo menos não tanto quanto Geneviève. Quando chego ao seu quarto para descobrir seu estado emocional ao saber que Dylan vem, eu e Ollie vemos que ela se preocupa em transformar cada mecha de cabelo em cachos perfeitos com o babyliss.
— Ele vai vir! — Gen pula de alegria enquanto ajeita o cabelo.
— Eu estou sabendo — rio, apoiando-me ao batente da porta de seu banheiro.
— Parece que alguém está apaixonada — Oliver zomba da felicidade da minha irmã.
— Não é o fato de eu estar apaixonada — ela nos encara pelo espelho. — Tem noção do quanto ele é lindo, cheiroso, maravilhoso e interessante? Eu não seria a única a passar doze horas seguidas me arrumando só para vê-lo.
— Não sei se tenho mais dó dele ou dela — Ollie brinca, apontando para minha irmã.
— Engraçadinho — Gen sorri cinicamente. — Não se preocupe, querido cunhado. Não vai precisar ter dó de ninguém depois que eu e o Dylan sumirmos da vista de todos vocês.
— Eu não admito uma coisa dessas! — banco a irmã mais velha mandona. — Nem pensar!
— Desculpe, mas não precisei pedir a sua autorização na primeira vez. Quanto mais agora! — Gen ri ao ver minha cara de brava.
— Depois eu que sou a ovelha negra. Mamãe deveria saber das coisas que você faz, irmãzinha — provoco e ela sorri.
— Fique à vontade para contar, irmãzinha — Geneviève pisca.
Balanço a cabeça, mas rio em seguida. Deixo que ela termine de se arrumar e fico esperando os convidados na sala, conversando com Oliver e CeCe. Minha irmã mais nova parece uma bonequinha em seu vestido rodado com um laço enorme atrás e o cabelo preso num rabo de cavalo, deixando sua franja solta. Quando meu pai chega, ele me abraça e cumprimenta Ollie com um sorriso simpático, porém precisa correr para se arrumar e não pode conversar conosco por muito mais tempo.
Às sete em ponto, a família Leto chega e, quando vejo o filho do casal, recordo-me exatamente quem é Dylan Leto.



Capítulo 3 - O Jantar

A casa se enche de conversas paralelas e diferentes tons de voz por todos os lados. Leonora Leto não demora em arranjar assuntos em comum com mamãe. Talvez seja esse aspecto expansivo da sua personalidade combinado com sua elegância que a faça parecer mais jovem do que realmente é. Mark, seu marido, parece animado ao conversar com papai. Mas, se eu o visse na rua, juraria que era alguém frio e um velho um tanto rabugento, não sei se por causa do seu rosto redondo e com o cenho constantemente franzido ou pela gordura extra que o faz parecer mais velho. Ele não pode ser tão mais velho que meu pai.
Então meus olhos ignoram totalmente Cécile no colo de Oliver e deixo de ouvir o que conversam, mesmo com a risada da garotinha sendo quase impossível de ser ignorada. Foco exclusivamente em como Dylan sorri ao conversar com o meu e o seu pai, mas discretamente olha para Geneviève, como se seu sorriso — muito bonito, por sinal — fosse oferecido só a ela, e em como ela retribui com um sorriso envergonhado, embora realmente queira que o loiro continue olhando apenas para ela.
Geneviève não estava exagerando quanto à beleza do garoto. O tom bem claro de sua pele torna o verde de seus olhos muito vivo, o que se harmoniza perfeitamente com o seu topetinho baixo. Ele é aquele tipo de cara que usa skinny e camisa social e isso combina muito com sua postura descontraída e misteriosa ao mesmo tempo.
Esse é o problema.
Eu sei o que esconde. Será que minha irmã sabe? Claro que deve saber. Eles se conheceram num pub. Mas e se não souber? Não posso deixar um cara aleatório e bonito partir o coração da minha ruiva. A forma como se olham torna nítido que já aconteceu alguma coisa entre eles antes e continua acontecendo aqui.
Recordo-me perfeita e detalhadamente da noite em que eu e Ollie decidimos ir a um pub novo e vi Dylan com o copo sempre cheio e inúmeras garotas lindas ao seu redor o tempo todo. Lembro que me assustei ao vê-lo lá daquele jeito, uma vez que em todos os jantares de negócios ou festas de final de ano Dylan parecia tão certinho e quieto que chegava a ser entediante. Mark, certa vez, se vangloriou por seu querido filho ter ajudado em um projeto em prol de crianças carentes na África. Até achei a causa muito nobre e uma atitude louvável, mas, depois da noite que o vi com as garotas, não consegui parar de pensar que ele deve esconder tantas coisas...
Quero dizer, cada um sabe do que faz. Eu não tenho o direito de me intrometer na vida de ninguém. Dylan já tem idade suficiente para responder por suas ações e distinguir o certo do errado. Só não consigo aceitar que possa parecer algo que não é. Com certeza aquelas garotas não estavam necessitando de nada, a não ser de sorte para ser escolhida para passar a noite com Dylan. Juro que só não disse nada a Mark pela mais pura educação. Ele, sim, deveria saber que o que o filho faz não é só ajudar crianças necessitadas. Contudo isso não é um problema que cabe a mim solucionar.
— Você deveria tentar melhorar sua arte de disfarçar – meu namorado me cutuca.
— Sinto muito. Não confio nesse cara com a minha irmã – levo a taça de vinho aos lábios. Sigo com o olhar Gen sair da sala para a cozinha e, quase um minuto depois, Dylan fazer o mesmo.
CeCe corre atrás dos dois com um largo sorriso, segurando seu copo personalizado de um dos contos de fadas da Disney cheio de suco de uva.
— Relaxe, Maddy. Eles não são idiotas de fazer qualquer coisa aqui. Você precisa deixar de se preocupar tanto, até porque sua irmã já é grandinha, não acha?
Reviro os olhos, mas me permito relaxar ao lado do meu namorado com o vinho correndo pelas veias.
Achava que não poderia ficar pior, mas ficou. Durante o jantar, Leonora fala com tanto entusiasmo sobre os planos de Dylan e as ideias para movimentar a empresa que parece que ela quer entrar em algum tipo de competição sobre quem é o cara mais prestativo do mundo. Isso quando não fez questão de enfatizar que a garota que ficasse com seu filho seria a pessoa mais feliz do mundo.
Dylan não parece muito à vontade com a situação em que foi colocado. Ao contrário dele, minha mãe se derrete por completo.
— E você tem quantos anos mesmo, Dylan? – ela sorri.
— Vinte e dois, senhora Sheldon – o loiro responde sem a metade do entusiasmo da mãe.
— Tão novo! – mamãe diz com orgulho. — Quisera eu ter um genro desses...
— Estava demorando – murmuro, revirando os olhos, mas Oliver aperta a minha mão com mais força por baixo da mesa como se pedisse para eu me controlar. Esse tipo de comentário não deveria me abalar nem um pouco.
— O que disse, Madelinne? – papai, que está na ponta da mesa, questiona.
— Que estou adorando! Uau, você tem uma criatividade incrível, Dylan. Jamais sequer pensaria numa ideia dessas. Mas eu não sou a pessoa mais indicada para conversar sobre negócios, certo? – sorrio para o garoto do outro lado da mesa, então olho para mamãe. — Não precisa se preocupar, mãe. Aposto que não vai demorar a acontecer.
— Você nem imagina... – ela me responde e depois toma o resto do seu vinho com os olhos cravados em mim. Sustento essa pequena guerra silenciosa entre nós com o mesmo gesto.
Geneviève enrubesce e abaixa a cabeça. Ela odeia esses comentários e situações tanto quanto eu, porém não é o namorado dela que mamãe agride sem explicação. Não paro de balançar o pé embaixo da mesa por conta da raiva e nervosismo que correm por todo meu corpo.
O clima fica um pouco tenso depois dessa pequena troca de farpas. Meu pai quase precisou de um milagre para que as pessoas voltassem a conversar naturalmente. No final, acho graça de tudo isso. Dylan não tem com quem competir, Leonora não precisa fazer uma propaganda tão exagerada sobre o filho, não há a necessidade de mamãe jogar na cara que acha que esse seja uma melhor opção que meu namorado, mas força meu pai tornar a situação menos vergonhosa. Contudo aproveito a primeira deixa — Amethist indo colocar Cécile na cama quando a pequena começa a bocejar sem parar — para pedir licença e sair da mesa com Oliver.
Gen e Dylan nos acompanham discretamente à medida que nos levantamos das cadeiras. Minha irmã segura meu braço antes de eu alcançar a escada para o segundo andar da casa:
— Achei que a mamãe enfiaria o garfo na sua cabeça, Maddy!
— E quando ela não quer fazer isso, Geneviève? – reviro os olhos. Apesar disso, tenho um sorriso divertido no rosto. Por alguma razão, é bom ser tão teimosa com mamãe quanto ela é comigo. — Sinto muito por aquilo. Às vezes minha mãe esquece o limite do bom senso – digo, olhando para Dylan no primeiro momento, mas depois encaro Oliver.
Ele deve me amar muito mesmo ou ser masoquista para suportar esse tipo de comentário o tempo todo. Prefiro a primeira alternativa.
Meu namorado me abraça de lado e Dylan balança a cabeça ao responder:
— Lido com gente bem pior o tempo todo. Não ouviu a minha mãe? – ele dá de ombros.
Eu poderia dizer que passei a ignorar cada palavra dela depois de tantos comentários desnecessariamente exagerados e que não ouvi quase nada, mas acredito que não seja uma coisa muito educada de se dizer. Pelo menos a mãe dele o elogia, em vez de encontrar defeito onde não existe.
— Bom, uma ótima noite a vocês – desejo, mas então fixo meu olhar sobre Geneviève. — Juízo e cuidado – sorrio quando suas bochechas coram e Dylan acha graça. Irmãs mais velhas têm a obrigação de serem inconvenientes de vez em quando...
Passo o resto da noite trancada com Ollie no quarto exatamente como sempre ficamos: sentados em minha cama. Eu sentada entre suas pernas, fazendo seu peito de encosto, conversando sobre tudo e nada ao mesmo tempo e rindo pelos motivos mais idiotas possíveis.
Quando ficamos em silêncio, seguro a sua mão e fico comparando o tamanho dela com a minha. É simplesmente uma das coisas que mais gosto de fazer, não sei por quê. Minha mão é tão pequena em comparação com a sua que a ponta do meu dedo médio só alcança a metade do seu dedo inteiro. Às vezes, ele fecha seus dedos sobre os meus por pura brincadeira e eu gosto. Parece que Ollie tem tudo sob controle em suas mãos e, ainda assim, não precisa me soltar para fazer tudo ficar bem.
Ele realmente é meu mundo, faz de tudo para me ver sorrir e só quero poder retribuir o que faz por mim.
Oliver não merece a sogra que tem.



Capítulo 4 - Amigos, Compromissos e Trovões

— Mas agora eu fiquei preocupada, Tess — confesso, escolhendo uma das blusinha dispostas nos cabides da loja.
Eu e minha melhor amiga combinamos de vir para o shopping, visto que ela tem “algo importante para me contar”, e já aproveitei para atualizá-la sobre o novo ficante da minha irmã.
Para a minha surpresa, ou talvez decepção, Tess não parece nem um pouco indignada, sequer impressionada!
— Pense pelo lado bom, Maddy — ela sugere. — Vai que essa atração pelo Dylan passa logo. Quem sabe ela só esteja se divertindo um pouco? Se ele for mesmo esse cachorro, a Gen não sustentaria nada por muito tempo. Sua irmã não é burra.
— Sei que não...
Ainda assim, fico pensativa. Não gostaria que Geneviève se evolvesse com um cara que não fosse se entregar também, mesmo que seja só por diversão. Para que isso, Gen? Não tinha outro disponível? Ela poderia ter quem quisesse. Sempre achei que minha irmã preferia os caras românticos aos cafajestes. Então por que Dylan? Ele é só uma distração?
— Madelinne Sheldon, você não pode proibir sua irmã de ficar com um cara, mesmo que ele não seja confiável — Tess consta. — A Gen já é grandinha, não acha?
— Acho, mas ela ainda é minha irmã e não quero que quebre a cara depois.
— Vamos comprar, vai?! Qualquer coisa, batemos nesse Dylan.
— De acordo.
Compramos, rimos muito e tomamos sorvete. A companhia de Tess é simplesmente uma bênção na minha vida. Ela é do tipo de pessoa que me faz rir por absolutamente nada e que consegue arrancar sorrisos de qualquer um à sua volta. Ela sempre estará disposta a escutar o que tenho a dizer e só depois de entender meu lado dá sua opinião — que sempre tem um tom divertido, diga-se de passagem.
— Eu amo esse negócio! — Tess revira os olhos de prazer para seu frappuccino de caramelo.
Sinto o gosto do chocolate com avelã e sorvete invadir minha boca e suspiro. Isso é bom demais.
Percebo que Tess não para de girar seu anel de noivado no dedo. Esse simples gesto me faz ter certeza de que está nervosa.
— O que você está escondendo de mim, Tessalia? — cruzo os braços e arqueio a sobrancelha.
— Eu?! — sua voz soa bem mais aguda do que o normal. Rio pela sua autodenúncia, mas ela bufa, dando-se por vencida. — Ok. Eu tenho que lhe contar uma coisa muito importante.
— Eu sei. Estou esperando por isso desde que saí de casa — sorrio.
— Então, já faz um tempo que eu e o Jeff temos conversado sobre morarmos juntos. Acho que seria legal darmos esse passo.
— Sério?! — minha incredulidade é perceptível. — Vocês já sabem onde vão morar? Tem data de mudança? Quero ajudar a arrumar sua casa. Você está grávida? — disparo a falar, fazendo minha amiga revirar os olhos com um sorriso jogado pelos cantos dos lábios.
— Pelo amor de Deus, Maddy! Não estou grávida! — ela ri. — Vai me deixar falar?
Assinto, completamente ansiosa.
— Bem, você sabe como meus pais são com essas coisas de namorar e morar juntos, então... Eu e o Jeff vamos finalmente nos casar — o sorriso de Tess quase não cabe no rosto e eu quase engasgo com o frappuccino.
— Ai... Meu... Deus! — arregalo os olhos. Eles vão se casar! Casar! Solto um gritinho abafado, tentando conter minha felicidade. Ainda assim, consigo chamar a atenção das pessoas ao nosso redor. Ah, dane-se. Minha melhor amiga vai casar! — Mas já tem data marcada? Como vai ser a cerimônia? Tess, isso é demais! — ponho a mão no peito como se gesto pudesse me acalmar.
A loira ri com meu entusiasmo. Ela sempre foi mais tranquila que eu na questão namoro/casamento e, embora eu e Ollie não tenhamos pressa para casar, eu já planejei muitas coisas. Talvez muito mais do que o próprio Oliver saiba.
— Já está quase tudo certo: local, cerimônia, festa, vestido... — ela sorri mais ainda nessa última parte. — E, principalmente, escolhemos os padrinhos.
Tess olha para mim com um sorriso sugestivo e eu entendo o que ela quer dizer. Eu vou ser madrinha.
— Ai, meu Jesus Cristo, Tessalia! Eu vou enfartar! — bato palmas. O moço da mesa ao lado me olha como se eu tivesse algum tipo de problema e continua a usar seu celular. Não acabe com a minha alegria, moço. — Parabéns, garota! Eu não acredito nisso! Obrigada!
Minha amiga gargalha.
— Era para ser surpresa, mas eu tive que lhe contar. Pretendíamos falar com vocês semana que vem.
— Amiga, tenho que ver meu vestido. Tem preferência por alguma cor?
— Olhe, eu e o Jeff vamos aparecer na casa do Ollie daqui uns dias. Ok? Vamos entregar o convite e tudo mais. Não se preocupe. Até parece que está mais ansiosa que eu — ela revira os olhos, rindo.
— Eu vou ser sua madrinha! Combinamos isso desde sempre! O que você queria?
Tess balança a cabeça para mim, sem deixar de sorrir. Estou muito orgulhosa dela.

...


Começo a gritar e rir como uma hiena quando tudo ao meu redor se transforma em um borrão pela velocidade com que Thomas me gira no ar. Ele é a única coisa na qual consigo focar e percebo que acha graça do meu desespero. Suas mãos seguram firme os meus pulsos, o que torna suas veias saltadas à medida que rodo ao seu redor.
— Thomas, desacelere! Madelinne, dê uma volta em si mesma quando cair no chão — Rachel ordena.
— Preparada? — Thom pergunta.
— Sempre — minha barriga gela enquanto sinto a velocidade diminuir.
Por um momento, parece que vou sair voando, mas apoio minhas mãos no chão para amparar a queda, dando uma volta e meia, e paro sentada. Thomas segura minha mão, ajuda-me a levantar, afasta e aproxima nossos corpos para me embrulhar em seu braço depois e, finalmente, paro aconchegada em seu abraço com uma bochecha encostada ao seu ombro. Seu coração bate rápido pela adrenalina e vejo seu pescoço úmido. Ao passo que tentamos regularizar a respiração, nossos tórax se encostam.
— Adorei. Só tem que controlar os gritos, Maddy — Rachel brinca, fazendo-me rir.
Solto as mãos de Thomas para me distanciar um pouco e me abano.
— Ai, ainda estou um pouco zonza — consto ao fazer uma careta.
— É o efeito do coração partido... — Thomas provoca.
— Vou esfregar na sua cara que, mesmo sofrendo, vou sair maravilhosa dessa situação — jogo meu cabelo completamente úmido de suor e ele dá risada. Thomas é meu parceiro há um bom tempo. Sempre temos alguma piadinha para provocar o outro.
— Cuidado, hein, Madelinne... — Rachel avisa, mas tem um sorriso nos lábios. — Vamos. De novo! — ela volta a ordenar depois de espirrar água em nós dois.

...


— Amor da minha vida, o que aconteceu com você? — pergunto, olhando diretamente para seus olhos castanhos. Oliver não olha para mim.
Cruzo os braços e solto uma pequena risada ao ver sua expressão um tanto emburrada. Ao analisar os movimentos insistentes dos seus dedos batendo na perna, compreendo que Ollie está nervoso. Mas ele não responde nada e continua olhando para a televisão.
Como ajudar se ao menos sei o motivo de estar assim?
Fico brincando com seus fios de cabelo próximos à nuca, sem deixar de analisá-lo.
Respira, inspira. Respira, inspira.
— O que aconteceu, Ollie? Conte para mim — meu tom é baixo e aproveito para apoiar meu queixo em seu ombro. Essa tática sempre funciona.
Meu namorado ainda não responde. Balança a cabeça, respira fundo e me encara. Só então decide abrir a boca.
— Você se divertiu hoje? — ele aperta levemente minha mão. Tento ler a real intenção da pergunta em seus olhos, mas percebo que há certo interesse ali e seu sorrisinho de canto enfatiza isso. Repasso meu dia na cabeça antes de responder.
— Sim! Eu e a Tess ficamos no shopping, conversamos muito e falamos sobre coisas importantes. Depois eu a deixei na casa dela e fui ensaiar com o Thomas — Oliver desvia o olhar. — Ah, entendi tudo — viro meu corpo totalmente na sua direção e rio. — Que gracinha! Está com ciúme! — aperto suas bochechas.
Oliver revira os olhos antes de fixar seu olhar no meu.
— Não é tão gracinha quando se está sentindo ciúme — responde.
— Pare com isso, amor. Você sabe que é meu trabalho, sem contar que você conhece o Thom — faço carinho na sua bochecha.
— Eu sei, mas não é divertido ver você passando a mão em outro cara ou vice-versa...

Abraço meu parceiro por trás e deslizo meus dedos pelo seu abdômen. Thomas põe suas mãos sobre as minhas, desprende-se do abraço e me vira de costas para si. Ele repete meu movimento anterior e depois toma minha mão para que eu dê uma volta em mim mesma e caia em seus braços.
“I don't care what they say. I'm in love with you.” (Não me importo com o que eles dizem. Estou apaixonada por você.)
Nossos rostos se aproximam e acaricio sua bochecha. Sinto sua respiração em minha pele ao segurar seu queixo.
“They try to pull me away,” (Eles tentam me afastar,)
Desvio o meu rosto, dando sequência à coreografia, e Thomas deixa minha coluna ereta novamente. Empurra-me e giro algumas vezes.
“But they don't know the truth.” (Mas eles não sabem a verdade.)
Desabo no chão e esfrego a mão no peito.
“My heart is crippled by the vein” (Meu coração está danificado na veia)
Thom já está atrás de mim. Delicadamente, movimento minhas mãos num círculo imaginário ao meu redor antes de ele se agachar e se inclinar para frente. Minha coluna está a uns 120° e o nariz de Thomas quase toca o meu.
“That I keep on closing.” (Que eu continuo fechando.)
Seguro seu rosto como se quisesse segurá-lo perto de mim.
“You cut me open and I...” (Você me corta e eu...)
Thomas se levanta, indo embora, e me deito no chão.
“Keep bleeding, I keep keep bleeding love.” (Continuo sangrando, continuo sangrando amor.)
Viro a cabeça, colando o ouvido no chão. Estico os braços, fecho os olhos e impulsiono meu busto para cima, como se meu coração lutasse tanto para continuar batendo, mesmo com a dor, que a intensidade do batimento era tão forte como o sintetizador da melodia.
Continuo me contorcendo enquanto Thom cuida da sua parte da coreografia. Abro os olhos e vejo Oliver através da parede de vidro da sala: ele está com as mãos acima da cabeça, apoiadas no vidro, e analisa tudo que eu faço.
“You cut me open...” (Você me corta...)
Sento-me e olho pelo meu ombro, deixando meu cabelo cair sobre meu rosto.


— É tudo uma performance, Ollie. Não vejo motivos para ciúme — defendo meu ponto de vista, sem perder a calma.
— Eu sei — ele respira fundo e desliza os dedos pela minha coxa. — É que... Sei lá... — Ollie busca as palavras certas para descrever seus sentimentos. Talvez essa seja a tarefa mais difícil para alguém, mesmo que esse alguém componha o tempo todo sobre o que sente. — Eu só não posso controlar o que se passa na mente dos caras com quem você dança. Isso me incomoda.
— Bom, primeiro que a maioria dos dançarinos são gays, o que já elimina a sua preocupação. São uns amores, mas jamais me verão de outra forma — explico. — E, segundo, eu pergunto: você acha que eu abriria mão de nós dois por causa de um único momento?
— Não — ele se apressa em responder.
— Obrigada. Agradeço a confiança — umedeço os lábios. — Eu já traí sua confiança alguma vez? — Oliver nega com a cabeça — Então relaxe. Ok? Até porque eu tenho muito mais motivos para ficar enciumada e não fico. Já parou para pensar em quantas garotas o imaginam de todas as formas possíveis? Chega a ser assustador! — brinco, tentando fazê-lo sorrir.
Consegui.
— Eu amo você, Maddy — meu interior vibra com a afirmação.
— Eu também amo você, Oliver — selo nossos lábios.

...


Já faz três dias que Tess me contou que iria se casar. Isso quer dizer que faz três dias que quase não me aguento de ansiedade. Minha amiga disse que o Jeff falaria com Oliver sobre sermos padrinhos deles, mas pelo visto meu namorado não está nem com um terço da minha animação. Perdoável, visto que eu e Tess planejamos ser madrinhas uma da outra desde sempre e Oliver não compartilha desse sonho desde o início.
Pedir para eu esperar é uma tortura. Que horas eles vão chegar?!
— Maddy, pelo amor de Deus! Pare quieta — Ollie pede depois que eu já me levantei do sofá umas dez vezes, troquei de canal cento e quarenta e oito mil vezes, procurei por chocolate na cozinha, mexi no Instagram, deixei o celular de lado, andei de um lado para o outro e fiquei olhando para o teto. — Estou ficando tonto vendo você andar de lá para cá.
— Você não entende! — choramingo.
— O que eu não entendo?
— Eles vão se casar! Casamento. Tem noção do que é isso? E eu vou ser madrinha!
— Amor, sente-se aqui, vai — ele tenta me acalmar e me jogo ao seu lado do sofá.
Aconchego-me em seu abraço e observo o caderno em seu colo com o rascunho de alguma letra de música. Pego a caneta de sua mão e desenho um coração meio torto na borda da folha, enquanto ele afaga meus cabelos.
Então o interfone toca.
— São eles! — levanto-me num pulo e saio correndo para atender, o que assusta um pouco meu namorado. — Pois não?
— Mad! — Tess sorri para a câmera do aparelho, mostrando todos os seus dentes.
Solto um riso abafado e aperto o botão que abre o portão individual. Volto o aparelho no gancho e corro para a porta da frente, a fim de recebê-los à porta.
Tess segura a mão de Jeff e ele segura algo com uma caixa na outra. Todo o caminho por que eles passam está iluminado com as luzes distribuídas pelo jardim. Esse caminho nunca demorou tanto.
— Oi! — minha amiga me cumprimenta toda animada.
— Oi! Oi, Jeff! — meu sorriso quase não cabe no rosto. — Entrem! — dou passagem.
Oliver vem cumprimentá-los e já sinto o clima de felicidade no ar. Não é necessário muito esforço para estarmos todos acomodados no sofá e envolvidos numa conversa animada.
— Graças a Deus vocês chegaram! A Mad estava quase pendurada no teto de ansiedade — Ollie me provoca, mas me abraça pela cintura.
— A Tess só fala nisso o dia inteiro! — Jeff ri.
— Eu quero ver a cara dela quando entregarmos o convite! — Tess se defende e eu imploro:
— Então entregue!
— Calma! Tem a introdução — ela limpa a garganta e começa. — Bom, eu e o Jeff já estamos juntos a um bom tempo e... — seu sorriso é direcionado para o noivo. — Vamos nos casar!
— Isso é lindo! Parabéns! — respondo com toda a animação possível e acabo apertando tão forte a coxa de Oliver que ele se contorce e tira minha mão dali.
— Parabéns mesmo — meu namorado diz, contendo o riso. — Conte, Tess: como foi convencê-lo a se casar?
— Precisei de muita paciência, mas tudo bem, né? Depois de cinco anos juntos, vamos finalmente nos casar — Tess ri e deita a cabeça no ombro do noivo.
— Se eu não quisesse me casar, não casaria. Foi uma decisão por livre e espontânea pressão — Jeff abraça minha amiga enquanto ela revira os olhos, mas ambos sorriem.
Não contenho o riso.
— Brincadeira — ele continua. — Já falamos sobre vocês serem nossos padrinhos e tal, mas queremos entregar esse convite a vocês.
Uma caixa um pouco menor que uma caixa de sapato nos é entregue e eu puxo o lacinho delicadamente trabalhado. Ela é num tom rosa bebê e, ao centro da tampa, as letras T&J estão dentro de um círculo de flores pequenas roxas, creme e amareladas. A fita creme harmoniza com todos os detalhes. Levanto a tampa e há uma mensagem colada ali:
Madelinne & Oliver
Somos muito gratos por ter amigos como vocês, que torcem pela nossa felicidade, que nos ajudaram e que sonharam junto conosco!
O dia do casamento é uma data muito alegre, emocionante, cheia de adrenalina e nervosismo.
Por isso queremos ter vocês mais pertinho de nós neste grande dia que ficará marcado para sempre em nossos corações.
Vocês gostariam de nos ajudar a tornar esse dia mais especial e completo?
Aceitam ser nossos padrinhos?
Amamos vocês!

Com carinho, Tess e Jeff.”


— Ai, meu Deus! Claro que aceitamos! — olho para Ollie e ele sorri para mim.
— Será um prazer — meu namorado acrescenta
Dentro da caixa, há alguns presentinhos: uma garrafinha que, segundo Jeff, tem vodca para Oliver; uma outra garrafinha, mas mais delicada, com aromatizador spray; um sabonete em forma de rosa; uma almofadinha com um M bordado em rosa e três tons de esmalte rosa. Vou chutar que a cor do casamento é rosa.
Há também um convite escrito: “Você aceita ser nossa madrinha?”. Ao abrir, a primeira coisa que noto é a palavra “Maddy” bem grande no topo.
“Sua amizade esteve presente em muitos momentos da minha vida, mas agora é a vez mais importante de todas e eu não poderia fazer isso sem você.
É você quem eu quero ao meu lado para me auxiliar, aguentar, enxugar as minhas (e suas) lágrimas de alegria, comer bastante docinho, dançar muito e aproveitar a festa comigo. A sua presença é muito especial e importante para mim.”

Meus olhos já estão marejados.
No outro lado do convite, tem as informações necessárias para o vestido. Rosa, claro...
— Ai, amiga! — vou até eles para abraçá-los enquanto seco duas lágrimas que escorrem pela minha bochecha. — Vocês não sabem como eu fico feliz por isso. Obrigada mesmo!
— Nós que temos a agradecer — Tess me aperta contra si.
— Menos ao Oliver, né? Não é sempre que se dá vodca para os amigos — Jeff brinca, fazendo Ollie rir.
— Estou muito feliz por vocês dois, de verdade — meu namorado diz, estende a mão para Jeff e ele fazerem um toque.
...


Fico paralisada ao mesmo tempo em que agarro os pulsos de Oliver com toda a minha força. A sensação de pânico me faz querer chorar. Por isso me agarro ao meu namorado.
— Calma. Respire — ele diz calmamente, ao me aconchega em seu peito. Ouço seus batimentos cardíacos tranquilos e agarro sua cintura. Dou um grunhido ao escutar mais um estrondoso trovão. — Shh... — Ollie acaricia minha cabeça.
Tento me concentrar no som do coração do meu namorado e ignorar a chuva que bate forte contra o telhado.
Não tenho medo de chuva, até porque Londres e Paris devem ser os lugares mais chuvosos da face da Terra. O problema é que aceito uma inofensiva garoa fina numa boa, ao passo que odeio ter que ouvir trovões e olhar os raios iluminando o quarto escuro. Já perdi as contas de quantas vezes corri para a cama dos meus pais, desde pequena, quando os trovões atormentavam meu sono. Da última vez, mamãe disse que eu já estava bem grandinha para esse medo e tive que dormir com Geneviève.
Dessa vez, é Oliver e sua cama que me acolhem.
— Ai, meu Deus! — quase choro quando um raio torna o quarto claro e o trovão quase me ensurdece.
— Calma, amor. Está tudo bem — Ollie me abraça mais forte. Ouvir a chuva batendo contra o telhado me causa desespero. Tenho a sensação de que o teto desabará sobre mim. — Você vai usar rosa no casamento do Jeff e da Tess, não é?
— Sim, mas o que isso tem a ver com o momento? — questiono, beirando ao desespero.
— Nada, mas preciso distrair você — a resposta é objetiva.
Respiro fundo ao sentir seus lábios na minha testa.
— Agora está mais calma? Ganhamos até presentes — ele continua e eu assinto. — Vamos ter que fazer presentes fofos para os nossos futuros padrinhos, amor. Gostei da ideia.
— Então vamos fazer — Ollie brinca com o meu cabelo, enquanto faço pequenos círculos imaginários no seu braço.
— Você não acha um pouco estranho eles se casarem porque o pai dela disse para se casarem? Tipo... Eu sei que estão juntos há bastante tempo, mas não me parece certo — digo com certo receio.
— Eles já pensavam nisso antes. Acho que o pai dela foi o empurrão que faltava.
— Você se casaria comigo se meu pai falasse que você deveria pedir a minha mão? Eu ficaria um pouco brava se fosse só por isso — opino com toda a sinceridade.
— Não. Quer dizer, já conversamos sobre isso, Mad. Vamos ficar juntos até acharmos o momento certo para casar.
— Ainda bem que não temos pressa. Nem meus pais — solto um riso nasalado.
— Então não se preocupe com isso agora... — seu tom se transforma num sussurro e sinto que Oliver está prestes a me beijar.
É o que eu faço. Deixo as preocupações para lá e aproveito o carinho do meu namorado até cair no sono.



Capítulo 5 - O Aniversário

Outubro

– Feliz aniversário! Parabéns para você! Que gracinha. Dezenove aninhos! – chacoalho Geneviève em sua cama sem piedade e bato palmas. – O dia já raiou. Vamos! – abro a cortina para deixar o máximo de luz solar possível entrar, o que faz minha irmã grunhir.
– Espere até sexta-feira, Madelinne – ela cobre sua cabeça e se vira para o outro lado.
– Vou fazer vinte e um. Estou ficando velha. Parece que fiz dezoito há alguns dias – faço uma careta, cruzando os braços. – Olhe, um tal de Dylan deixou uma coisa para você – aviso. De alguma forma, o nome Dylan faz Geneviève se sentar mais rápido do que eu faria. Ela semicerra os olhos, procurando o presente pelo quarto, e eu aponto para a poltrona próxima à estante de livros. – Ali e aqui – estendo seus óculos.
Gen esfrega os olhos, põe os óculos, ajeita o cabelo e corre em direção à cesta. Só por curiosidade, fico atrás dela para ver os presentes.
– Ai, meu Deus! – cobre a boca com as mãos, surpresa e encantada.
Vejo um buquê de flores brancas, muitos chocolates – inclusive o preferido de Geneviève: um francês com recheio de creme de macadâmias – e uma correntinha de ouro com o pingente que lembra uma gotinha de diamante.
Ok, tem algo estranho aqui. Dylan foi fofo. Desde quando Dylan Leto é fofo?
Gen solta uma risada tímida ao ler o cartão que estava entre os chocolates e deixa a cesta, a fim de seguir para começar a remexer sua prateleira de livros. Leio o cartão só para ter certeza de se entendi direito.

“Princesa, parabéns pelos seus dezenove anos! Espero que tenha muita paz, saúde, sucesso em tudo o que for fazer, alegria e amor para dar e receber. Amo cada segundo que estamos juntos e quero criar muitas memórias nossas ainda. Por isso tenho mais uma surpresa. Procure entre seus livros na prateleira de cima.
Desejo sempre o seu bem e espero que tenha gostado dos presentes.

Amo você,
Dylan"



Por um momento, tudo que eu imaginava saber sobre Dylan é posto à prova. Ainda não consigo me conformar com o fato de que ele seja capaz de escrever um cartão fofo de aniversário. Qual é o sentido disso? Alguém é capaz de mudar desse jeito?
Ouço o grito agudo da minha irmã e me viro para ver o que aconteceu. Geneviève dá pulinhos de alegria com um sorriso enorme no rosto. Ela me encara e mostra um envelope.
– Eu vou para Dubai!
– Quê?! – franzo o cenho, sem entender direito. Claro que eu não entendi direito. Dylan não levaria minha irmã para Dubai assim do nada. Levaria? – Deixe-me ver!
Uma passagem de avião para os Emirados Árabes e um outro cartãozinho com os dizeres:

“Esse foi o presente que mais gostei de todos. Faça suas malas. Iremos para Dubai no final de semana.”

Eu sabia que o Dylan não daria aqueles presentes de graça! Alguma coisa ele teria que ganhar e, pela cara de Gen, conseguiu.
– Você pode me explicar o que está acontecendo aqui? – questiono, sem saber se soo mais incrédula ou autoritária. Como assim ele vai levá-la para viajar? Viagens assim não se fazem com qualquer um! – Como você vai viajar com um cara com quem está saindo há no máximo dois meses?!
– Jura que vai implicar agora? Eu acabei de acordar, Maddy. Depois podemos discutir – ela pega o envelope da minha mão e o coloca dentro da cesta com os outros presentes.
– Eu acho que você não está entendendo. Que nível de intimidade é esse?
– Quem não está entendendo é você! Dá para me deixar em paz? – ela entra em seu closet para escolher sua roupa.
– É, eu realmente não estou entendendo. Então, por favor, explique – cruzo os braços após parar ao seu lado.
– Ai, Maddy, não é nada de mais! Só vamos viajar – Gen se defende com a mão na cintura, como se sua altura superior à minha ou aparente confiança pudesse me fazer desistir.
Mas eu não vou.
– Claro! Vai ficar jogando Monopoly com o Dylan naquela praia maravilhosa! – ironizo e ela revira os olhos, dá as costas e sai andando. – Geneviève, eu só estou preocupada com você! Você nem o conhece direito!
– Ele não é um assassino psicopata nem um traficante de órgãos, Madelinne. Pode ficar tranquila agora – sua risada irônica me dá nos nervos.
– Que incrível! Mas chamar alguém com quem você sai há pouco tempo para viajar para outro continente não me parece algo muito comum de se fazer...
– Ah, dá um tempo! Você não pode ficar nem um pouquinho feliz por mim? Porque, sabe, eu estou feliz.
– Gen, não é possível que você não saiba da fama do Dylan por aí! Ele não é confiável! Você não acha que está indo rápido demais?
– Olhe aqui, Maddy – minha irmã larga suas roupas na cama e se vira para mim – Você viaja o tempo todo com o Oliver. Não pode me impedir de fazer o mesmo com o Dy. Ele me chamou e eu vou. Por que você não pode confiar em mim? Só porque o Dylan não enrola igual seu namorado?
Arqueio uma sobrancelha, encarando o desafio.
– É exatamente por isso – não minto. – Eu não quero que o Dylan seja como o Oliver, Geneviève, mas para construir um relacionamento sério leva um tempo! Você não pode sair atropelando as fases, jogar tudo para o alto, viajar com um cara que você nem sabe se é a pessoa certa para você e criar expectativas à base de presentes e viagens!
– Acontece que você já tem seu namorado, já está feliz com o seu relacionamento. Então me deixe ser feliz com o meu, porque eu também não quero ficar sozinha. Sei o que estou fazendo e onde estou me metendo. Não precisa se preocupar. Eu me sinto muito bem com o Dylan, ok? Ele se importa comigo e você está até parecendo a mamãe com toda essa implicância! Vai fazer cara feia também quando o Dylan estiver aqui? – o peso das suas palavras me atinge com força. Teria doído menos levar um tapa.
– Eu só não quero que você se machuque – respondo mais baixo, sem acreditar que ela acabou de me comparar à mamãe e por achar que eu a quero sozinha para o resto da vida.
– Não é essa a mesma desculpa que minha mãe lhe dá? – Gen arqueia a sobrancelha e cruza os braços, querendo provar seu argumento. – Eu não vou me machucar, Maddy. E, caso aconteça, acho que já sou grandinha o suficiente para me curar. Agora você pode me deixar aproveitar o resto do meu dia em paz? – seus olhos verdes prendem os meus e não consigo desviar por nada. Odeio discutir com Geneviève e ela não vai mudar de ideia. Virou questão de honra me provar que Dylan não é um cara ruim.
De nada adiantará discutir.
– Feliz aniversário, Geneviève Marie. Tenha um bom dia – saio do seu quarto e fecho a porta, sem olhar para trás.
Não como nada no café da manhã. Só minha vitamina já consegue embrulhar meu estômago. Gen também não fala muito e decide me ignorar completamente, enquanto conversa com a mamãe. CeCe é a única que sorri o tempo todo, principalmente porque Thereza assou fornadas de cookies por causa do aniversário de Geneviève e a garotinha não parou de comer até agora.
– Ok, o que aconteceu com vocês duas? – mamãe pergunta diretamente para mim depois que Gen sai da mesa.
Penso muito bem no que responder antes de abrir a boca e encaro a ruiva à minha frente. Não cabe a mim contar o motivo da briga.
– A gente só discutiu. Vai ficar tudo bem.
Saio da sala de jantar e subo para o meu quarto, pronta para pegar minha bolsa e ir para a Academia dar aula de dança para crianças.

...


Passo pela sala de estar descontraída, mas paro assim que vejo uma cabeça loira no sofá da minha casa.
– Dylan? – tento conter meu desconforto e ele me olha.
– Oi, Madelinne – o sorriso que me oferece é bem bonito, o que me faz pensar se é assim que conquista qualquer garota que quiser. Babaca.
Olho em volta, procurando por Geneviève sem sucesso.
– Cadê a Gen? – indago.
– Ela está se arrumando. Nós vamos sair para jantar – Dylan responde com a maior naturalidade.
– Jantar de aniversário?
– É – Dylan me encara um tanto confuso por conta do questionário, mas sei que ele acha graça. O sorrisinho não deixa seu rosto. – Está tudo bem?
– Eu estou ótima – sorrio de volta, só pensando se devo dizer algumas coisas para Dylan antes que me arrependa. Quando dou por mim, já estou parada à sua frente. – Olhe, Dylan, vou ser bem sincera com você. Não me leve a mal, ok? Só quero ter certeza... Você gosta mesmo da Geneviève, né?
– Entendi tudo... – ele revira os olhos, rindo baixo.
– Então responda – sorrio em resposta. – Eu estou preocupada com a Gen porque ela não teve muitas experiências amorosas. Pelo menos não tantas quanto você, entende? Não quero me meter, mas eu acho que vocês estão indo muito rápido. E, convenhamos, eu sei de algumas coisas sobre você e não quero que magoe minha irmã, porque ela está mesmo apaixonada por você. Só estou preocupada...
O loiro apoia o cotovelo no encosto do sofá, aparentemente super à vontade com o assunto.
– Sim, Maddy, eu gosto mesmo da Gen. Não duvido que você esteja preocupada e até lhe dou razão. Eu sei que você sabe sobre mim, as festas, as garotas... E vá por mim: eu e a Gen já nos conhecemos há um bom tempo. Não estamos indo muito rápido. Você pediu sinceridade? Estou falando. Eu estou tentando ser o mais honesto possível com a Geneviève. Você não precisa se preocupar.
Dylan continuou tranquilo o tempo todo, não titubeou e me pareceu honesto. Mordo o lábio. Talvez ele mereça um voto de confiança. Mas por que continua com esse sorrisinho presunçoso? Com esse ar extremamente confiante? Ele é do tipo de pessoa que é cercada por uma áurea de mistério, que guarda segredos, e muito provavelmente é por isso que as garotas o adoram. E é exatamente pelo mesmo motivo que não consigo confiar muito nele.
Respiro fundo e sorrio fraco.
– Obrigada pela sinceridade. Era só isso mesmo – encolho os ombros. – Tenham uma boa noite e boa viagem...
– Boa noite.
Subo as escadas em direção ao meu quarto e vejo Gen arrumando sua bolsa no seu. Fiquei fora o dia todo e não tive a chance de me desculpar pela briga de hoje de manhã. Ainda que eu ache que estou certa por me preocupar, eu a deixei irritada logo que acordou. E, por mais que eu tenha sido comparada à mamãe, Gen ainda tem o direito de sair com quem ela quiser.
– Gen? – encosto ao batente da sua porta de braços cruzados, esperando que ela me encare por entre os cabelos ruivos que caem no seu rosto. Pela sua expressão, não sabe distinguir se ainda estamos brigadas. – Divirta-se no jantar com o Dylan – meu aviso é sério, mas ofereço um sorriso de canto para ela. O rosto da minha irmã se ilumina por um instante e o sorriso largo toma conta dos seus lábios – Juízo. Entendeu?
– Claro, mãe... – ela revira os olhos, ainda sorrindo, e eu sigo para o meu quarto. Não foi um pedido de desculpas, mas vale por enquanto.
No instante que fecho a porta, meu celular toca com o nome do Ollie brilhando no ecrã.

...


Ouço gritos e risadas à minha volta e afundo meu rosto no travesseiro. Cécile pula na cama e Geneviève me chacoalha.
– A Maddy está velhinha! – CeCe gargalha.
– Uma idosa praticamente! – Gen abre as cortinas e meus olhos queimam.
– Deem-me um presente e me deixem dormir – tenho que limpar a garganta para que minha voz se torne audível e menos rouca.
– Não! – Cécile cai sentada na cama e quase me esmaga.
– Papai e mamãe querem lhe dar os parabéns, já que não vai ter festa. Levante-se – a ruiva puxa meu cobertor com força. – Aliás, o Ollie disse que vai vir daqui a pouco.
– Ok, levantei – sento-me para me espreguiçar e contagio as duas com meu bocejo. – Mas acho que eu deveria ganhar café na cama.
– Que pena, não é mesmo? Conhece as regras: nada de comer nos quartos. Aliás, aconselho você a arrumar esse seu cabelo, pelo amor de Deus! Ah! Parece que a Thereza fez cupcakes, sabe, CeCe?! – as duas saem do meu quarto aos risos com a tentativa bem sucedida de me provocar com os bolinhos.
Agarro um cobertor antes de levantar, mas os raios de sol através da janela me fazem ter vontade de me levantar.
Sorrio para o espelho depois de me arrumar e vou direto para a sala de jantar tomar café da manhã.
– Bom dia! – desejo aos quatro sentados à mesa. Aproximo-me do meu pai para receber seu abraço e faço o mesmo com mamãe. Se ignoramos o fato de eu namorar, conseguimos mesmo manter a paz entre nós duas.
– Bom dia, velhinha – ela sorri.
Thereza fez mesmo os cupcakes para mim! Queria poder comer vários, mas só aguento um e meio. Infelizmente terei que esperar até mais tarde para terminá-los. Quando papai termina seu café, diz:
– Princesas e rainha, eu vou trabalhar. Tenham um ótimo dia – ele dá a volta na mesa, a fim de dar um beijo na cabeça de cada filha e um selinho demorado na esposa. – Amo você – o comentário faz mamãe sorrir, então papai olha para nós e repete a mesma coisa. – Amo todas vocês.
Eu e Geneviève temos uma conversa pelo olhar, enquanto mamãe ajuda a desdobrar as mangas da camisa azul clara do marido, e chegamos à conclusão de que a noite foi muito boa para nossos pais, considerando que ontem saímos todos para jantar em comemoração aos aniversários da semana e eles voltaram bem felizes e apaixonados.
– Pai! – CeCe o chama toda contente. – Eu fiz um desenho para você deixar no escritório.
– Então vamos lá pegar – os dois saem em busca do desenho, sem olhar para trás.
Eu e Geneviève ficamos encarando mamãe com sorrisinhos maliciosos e ela percebe. Tenho vontade de rir da sua suposta repreensão com o olhar.
– A noite foi boa, né, dona Amethist...? – Gen provoca.
– Maravilhosa – mamãe não nega e continua tomando seu chá, mas minha irmã gargalha.
– Ai, é estranho pensar que meus pais fazem... – a ruiva tem calafrios enquanto procura pelas palavras certas.
– Amor? – a mulher arqueia uma sobrancelha e deixa seu chá de lado para responder a filha. – Mais do que você imagina.
– MÃE! – Geneviève reclama com as bochechas coradas e eu deixo todo o riso entalado na minha garganta escapar.
– Vai mexer com o que está quieto, mocinha... – Amethist olha diretamente para a filha do meio com um sorriso malicioso.
De alguma forma, agradeço mesmo à minha mãe por não transformar sexo num assunto proibido dentro de casa. Ela realmente soube nos deixar à vontade para perguntar o que quiséssemos enquanto crescíamos.
– A campainha! – um largo sorriso cresce em meus lábios e corro para abrir a porta.
A primeira coisa que vejo é uma Minnie de pelúcia, uma caixa branca quadrada com um laço preto para mantê-la fechada, um buquê de flores amarelas e meu namorado equilibrando tudo com um sorriso enorme.
– Parabéns para você! – Ollie canta baixinho e eu selo nossos lábios depois de ajudá-lo a segurar os presentes.
– Obrigada, amor. Adorei as flores – confesso ao sentir o doce aroma delas. Assim que entramos no meu quarto, abro a caixa branca para ver o que tem dentro.
Um kit contendo um perfume, creme corporal e para as mãos e óleo de banho, tudo com aroma de flor de cerejeira, um vale para um dia todo no spa, e a parte que eu mais gostei, provavelmente: três pares de meias coloridas de bichinho com antiderrapante – um sapo, ovelha e um gato. Ollie sabe que eu disputo com a CeCe essas meias. Por isso me dá de presente sempre que tem a oportunidade, embora não entenda o porquê dessa obsessão. São lindas. Fale sério! Eu adoro meu namorado.
Pulo em cima do meu namorado e cubro seu rosto de beijos, fazendo-o rir.
– Obrigada, obrigada, obrigada!
– Está com a noite livre? – Oliver pisca um olho para mim e eu não consigo conter o sorriso.

...


– Só não vai derrubar na roupa, hein...
– Eu não vou derrubar, Oliver! – defendo-me e mordo a maçã-do-amor. Inclino a cabeça para frente só por precaução. Olho para minha blusa e sorrio vitoriosa. – Ha! Eu disse que não iria derrubar!
Ollie ri e segura a minha mão para voltarmos a caminhar pelo parque de diversões. Já fomos em quase todos os brinquedos daqui. A noite está bem agradável e as luzes do parque deixam tudo lindo. Além disso, Oliver só foi parado uma vez porque um cara queria saber onde ele havia comprado a pipoca. Está tudo perfeito.
– Acho que só falta a roda-gigante, né? – ele pergunta, olhando ao redor.
– Acho que sim – balanço a cabeça. Não demora para eu ser puxada para o brinquedo e ficar esperando na fila, que é grande o suficiente para eu e meu namorado terminarmos a maçã-do-amor.
– A noite está linda... – as palavras de Ollie me fazem olhar para o céu e observar a lua crescente no céu limpo.
– Está mesmo... Está tudo perfeito, amor. Obrigada – aperto sua mão levemente e recebo seu sorriso mais sincero em resposta.
– Mas a noite não acabou ainda, princesa – ele me abraça para entrarmos juntos na roda-gigante.
Nunca achei a roda-gigante um brinquedo muito útil. Na verdade, acho bem sem graça. Acho que foi projetada para que a parte interessante fosse estar lá no alto e poder ver tudo ao seu redor. Observar o parque de cima com todas as luzes e ver as pessoas virarem pequenas manchinhas é muito bonito. Eu me sinto alta e gosto mesmo de me sentir assim.
Quando chegamos ao topo, Ollie me cutuca.
– Maddy? – viro-me para ele, que está com as mãos no bolso. Oliver respira fundo e olha pelo vidro. Ele está ansioso, o que me deixa preocupada.
– Que foi? – meu sorriso vacila.
– Lembra que quando a Tess disse que iria se casar e você ficou tão animada que estava quase pendurada no lustre?
– Lembro – assinto, sem entender o que isso tem a ver com o momento.
– E lembra quando eu disse que a gente deveria se casar só quando achasse que era o momento certo, sem a pressão dos outros?
– Lembro, Ollie.
– E você lembra quando eu disse, há alguns minutos, que a noite não acabou ainda?
– Sim. O que é que tem? – começo a ficar ansiosa. Ele mexe o a mão no bolso e fixo meu olhar no seu. As peças se juntam na minha mente.
Casamento. Ai. Meu. Deus. Ele não vai fazer isso, vai?
– Madelinne Sheldon – ele vai fazer. Ollie tira uma caixinha do bolso. Ele vai. Meu coração quase explode no peito de tão acelerado. Senhor, ajude-me! – Eu sei que você prefere que nossos melhores momentos aconteçam quando estamos só nós dois. Por isso achei que agora seria o melhor momento – calor. Estou com muito calor. – Desculpe não poder ajoelhar, mas... Você aceita ser a futura senhora O'Connor?
Incrédula, fico olhando para aqueles olhos castanhos boquiaberta, procurando algum sinal de brincadeira ou qualquer coisa do gênero. O anel dentro da caixinha preta é lindo, todo cravejado. Sinto a maçã-do-amor revirar na minha barriga, então minha ficha cai. Preciso responder alguma coisa. Em vez disso, começo a rir de desespero.
– Claro que quero, Oliver! Não me assuste mais, pelo amor de Deus! – percebo que estou tremendo quando ele desliza o anel pelo meu dedo, mas Ollie acha graça.
– Acalme-se ou eu vou virar viúvo antes mesmo de me casar – ele zomba e eu continuo rindo.
– Eu não acredito... – cubro a boca com a mão livre ao avaliar o anel de noivado no meu dedo. – Eu amo muito você! – pulo nos seus braços e ele me recebe com um beijo bem demorado.
Por culpa de Oliver, acabei de sentir um carinho especial por rodas-gigantes.



Capítulo 6 - O Segredo

Olho para a grande pedra no meu anel e fixo o olhar ali. A massagista faz milagre nos meus pés, enquanto Tess sorri para mim.
— Sabe? Ainda não acredito que estou noiva — confesso, tentando esconder a pontada de dor que resulta da mulher amassando meu pé.
— Espere até marcar o casamento. Vai ser pior. Ou ter que decidir o lugar da festa, os docinhos, o vestido, cabelo e convidados. Os convidados são a pior parte — sua risada é divertida. — Sério, precisamos marcar sua despedida de solteira rápido.
Rio ao observá-la de olhos fechados na mesa de massagem ao lado da minha.
— A sua vem primeiro, linda — rebato.
— É. Tenho que decidir isso também... — sua voz fica mole, como se ela fosse cair no sono.
O dia se passa entre salas de Spa, massagens, unhas bem feitas e cabeleireiro. Até a manicure me parabenizou pelo noivado e Tess me fez repetir a história do pedido para todas as mulheres que passavam por nós.
Gostaria de não ter que ir embora. A realidade que rodeia a minha casa é tão sufocante como uma nuvem de fumaça, embora eu não entenda exatamente o porquê.
Quando eu e Oliver contamos para a minha família que estávamos noivos, Cécile nem precisou pensar para comemorar e Geneviève sorriu verdadeiramente, parabenizando-nos com abraços, mas senti certa tensão entre meus pais. Apesar disso, papai nos parabenizou, então tomei a tensão como algo comum entre pais que se preocupam com a felicidade dos seus filhos.
Porém a reação de mamãe foi totalmente diferente da que eu esperava. Não bem como reagiria. Esperava algo como cuspir fogo, soltar fogos de artifício ou me mandar embora de casa de vez. Mas jamais imaginei o que de fato aconteceu.
Obviamente não foram sorrisos e abraços. No entanto, percebi que ela ficou desconfortável. Não só desconfortável. Amethist estava realmente preocupada comigo em relação ao meu namoro. Com o baque da notícia, mamãe ficou chocada, com os lábios entreabertos, esfregando as têmporas sem parar, pálida e o olhar perdido.
Eu sei que tentou disfarçar, mas, antes de sair da sala se queixando de enxaqueca, ela me olhou de uma forma totalmente diferente. Mamãe me olhou com lágrimas presas nos olhos, talvez com medo por uma das decisões mais sérias que tomarei na vida. Apesar de tentar me convencer de que só estava preocupada, aquelas lágrimas me perturbaram o dia todo, fazendo-me pensar no significado delas.
Séria possível minha mãe sentir dor com a notícia do meu casamento com Ollie? Com o meu relacionamento?
Ainda assim, se a dor fosse a única preocupação que tive com respeito à mamãe, estaria maravilhoso! Eu poderia ignorar como todos os outros comentários desnecessários que ela faz. Mas, nessa mesma noite, ela bebeu até meu pai arrancar a taça de vinho dos seus delicados dedos de bailarina.
Minha mãe encheu a cara. Ficou completamente bêbada, a ponto de mal conseguir parar em pé!
Apenas eu e papai a vimos nesse estado deplorável, o que já me dá certo alívio. Ele a levou para o quarto e, no momento em que ela se sentou na cama e me viu escorada ao batente da grande porta dupla, toda sua angústia acumulada escorreu pelos olhos. Sem pensar duas vezes, corri a seu encontro e me agachei ao seu lado, perguntando o que havia acontecido. Aquela situação estava ficando fora do controle, insuportável, principalmente porque minha mãe me olhava e chorava feito um bebê, sem responder.
Então me levantei e a abracei com força, acariciando seus cabelos. Ela me apertou contra si e murmurava algo como “corra” sem parar.
Assim fiquei completamente perturbada, sem a mínima noção de como agir ou o que fazer.
— Madelinne, por favor — ouvi a voz do meu pai bem séria atrás de mim. — Deixe sua mãe descansar. Ela não teve um dia fácil.
Olhei para ele, pensando que estava brincando, mas não estava e tive que me soltar da minha mãe.
Aquilo não podia ser pela notícia do noivado. Tenho certeza. Eu tinha que descobrir o que era e bem rápido.
Quando ia atravessar a porta para sair do quarto, virei uma última vez para confirmar se a situação era real mesmo. Vi papai do mesmo jeito que eu estava antes, afagando os cabelos ruivos com aroma de cereja da mulher.
Foi aí que a ouvi.
Entre soluços, Amethist ergueu o olhar até o do marido e disse alto o suficiente para que eu ouvisse:
— Por favor, não faça isso com ela! Não com a nossa bebê!
E voltou a soluçar.
Papai tentou silenciá-la e me lançou um olhar que mostrava claramente que eu deveria sair e fechar a porta.
Demorei muito para pegar no sono essa noite, revirando-me na cama e pensando. Não fazer o que com quem? Comigo? Eu era a bebê?
Nada fazia real sentido na minha cabeça, senão uma coisa:
Eu preferia mil vezes os fogos de artifício.
— Obrigada! — ouço Tess agradecer a mulher passando spray no seu cabelo. — Vamos, Maddy?
Assinto, dando uma última checada no espelho.
— Adorei! Temos que repetir isso um dia. Estou tão relaxada! — minha amiga começa a falar sem parar até me deixar em casa. Ao mesmo tempo em que consegue me distrair, também me deixa atordoada.
Chego a tempo do chá das cinco, o que me faz sentir paz por alguns segundos. Só alguns.
Se eu achava que as coisas não poderiam ficar mais estranhas, eu estava completamente enganada.
Às cinco horas e vinte oito minutos, mamãe acaba de se sentar no sofá. Onde foi parar o relógio interno dessa mulher?
Eu e Gen percebemos que há algo estranho e não é a ausência do papai.
— Mãe, está tudo bem? — Geneviève pergunta receosa.
— Claro — ela responde sem sentimento algum e nem sequer olha para nós. Apenas continua mexendo seu chá.
Não comentamos mais nada, embora seja óbvio que mamãe está mentindo, camuflando o problema com um “está tudo bem”. Até porque dizer que está tudo bem é sempre mais fácil do que explicar os motivos disso não ser verdade. Mamãe sempre preferiu se manter calada e disfarçar a ter que explicar verdades complicadas.
Depois de acabar sua xícara de chá e não comer nada, a mulher se levanta e sobe as escadas.
Minha irmã e eu nos entreolhamos preocupadas. Primeiro porque ela não reclamou que papai não estava aqui e, segundo, por ficar no máximo dez minutos, mesmo que tivesse chegado atrasada. Geneviève até se levanta para segui-la, mas seguro seu pulso e, por ter mais informações dessa história do que ela, decido ir em seu lugar.
Caminho até a suíte dos meus pais sem medo, mas a coragem decide ir embora assim que abro a porta delicadamente e vejo mamãe passando creme no rosto. Ela me olha pelo espelho e, em questão de segundos, volta a se olhar.
— Não é nada. Pode ir embora — sua voz quase me faz recuar.
Quase
A curiosidade fala mais alto.
— Não enquanto você não me disser o que está acontecendo com você — respondo séria ao fechar a porta.
— Você não entenderia, Madelinne — observo seus dedos, enquanto fecha seu creme e o devolve na penteadeira.
— Realmente, se você não me disser, eu não vou entender — não quero passar a impressão de que estou a forçando a falar. Embora queira gritar por explicações, mantenho a calma.
— Sabe qual é o problema? Os filhos sempre acham que os pais não largam do pé, mas só entendem o real motivo de tanta preocupação quando já é tarde e não podem voltar atrás. Então os pais são obrigados a assistir a seus filhos chorando — depois de dizer isso, seus olhos se encontram com os meus pelo espelho. — E a sofrer junto.
Franzo o cenho.
— E o que isso tem a ver com você bêbada ontem e estranha hoje? — questiono. Quanto mais informações eu conseguir aqui, mais paz terei para dormir à noite.
Abruptamente, mamãe se vira para mim:
— Você tem certeza de que quer mesmo saber?
— Por favor! Eu estou ficando mesmo preocupada. Você nunca agiu assim, mãe! — respondo, quase implorando.
— Não diga que eu não avisei. Foi você quem pediu por isso — ela fica frente a frente comigo, com o maxilar rígido e a cara fechada. Engulo em seco. — Afaste-se desse garoto, Madelinne Victorine — ela segura minha mão, mostrando o anel de noivado. — Afaste-se enquanto você ainda tem isso como opção.
Cambaleio para trás por puxar meu braço de volta com força. Meu cenho continua franzido e não consigo parar de olhar para seus olhos verdes.
— Nunca mais me peça uma coisa dessas — respondo baixo, ainda sem acreditar no que acabei de ouvir.
Não consigo acreditar que tudo que está acontecendo com a minha mãe, toda essa cena de beber até se arrastar e chorar feito um bebê, seja mais um episódio do seu egoísmo. Não consigo acreditar que Amethist Sheldon não consiga colocar a sua opinião errônea de Oliver de lado apenas uma vez só para ficar feliz por mim. Não consigo acreditar porque ela é minha mãe. Meus olhos se enchem de lágrimas e minha visão fica turva.
— Madelinne, eu estou tentando ajudar — ela tenta tocar meu ombro, mas recuo novamente por pura raiva.
— Pare! — grito. — Não preciso da sua ajuda. Eu sei o que estou fazendo!
— Quando você estiver chorando por não ter alternativas, me agradecerá por ter avisado.
— Eu não vou deixar o Oliver! Vamos nos casar e ninguém vai impedir — as lágrimas que tentei segurar escorrem quentes pela minha bochecha. — Qual o problema em ficar feliz por mim uma única vez?
— Nenhum! Mas eu sei do que estou falando, Maddy! Eu não vou poder protegê-la da verdade para sempre! — minha mãe continua dura, mas sei que está tentando se conter para não desabar aqui mesmo. — O que você decidir agora vai mudar a minha vida também.
Essas palavras chegam aos meus ouvidos como se fossem um tapa da realidade. Eu nunca ouvi nada tão ridículo na minha vida.
— Você é a pessoa mais egoísta que eu já conheci — digo tudo muito pausadamente. — Eu cheguei a achar mesmo que você estava preocupada comigo.
— Acha que eu queria fazer isso com você? Estou a avisando para o seu bem, porque, quando você vir que estou certa, pode ter certeza de que será para mim que você vai voltar chorando — ela puxa a respiração com força como se quisesse se manter calma.
Seco minhas lágrimas que escorrem silenciosas com o dorso da mão e solto:
— Eu sei que não importa o que eu faça. Jamais vou ser seu maior motivo de orgulho ou alegria. Mas só peço para você ter mais um pouquinho de paciência. Eu me caso e sumo da sua vida.
O nó na minha garganta chega a me machucar, o gosto amargo na boca me deixa enjoada. Só queria desaparecer.
— O problema, minha filha, é que, quando você assinar a folha do juiz, vai desejar tanto ter me escutado. Eu não queria dizer, mas o dia do seu casamento será o pior dia da sua vida — suas narinas ficam vermelhas e os olhos marejados, o que me deixa mais decepcionada ainda.
— Eu achei que você pudesse se importar comigo ao menos dessa vez — começo a soluçar e percebo que uma lágrima que ela prendia escorre, mas a seca rapidamente. — Não se preocupe em aparecer no meu casamento. Eu não quero você lá. — Não, filha. Eu não vou querer estar lá.
Meu peito se aperta tanto que não consigo respirar. Dou as costas para toda essa cena, corro para o meu quarto e me tranco no banheiro. Ligo a torneira da banheira e entro assim que possível.
O som da água escaldante caindo e meus soluços ecoam nos meus ouvidos. Já não sei se são lágrimas ou água que molham meu corpo. A massagem de hoje não adianta mais nada, pois voltei a ficar completamente tensa com essa situação.
Por que é tão difícil para minha mãe aceitar quem eu amo e me ama de volta? Por que ela não pode ficar feliz só essa vez? Por que acha que meu casamento será o pior dia de toda minha vida?

...


Acordo com Geneviève quase derrubando a porta e me chamando incessantemente.
Sem um pingo de vontade, caminho até destrancar a porta, mas volto para a cama sem ao menos abri-la. Ouço minha irmã caminhando pelo quarto até que se senta na cama e põe sua mão sobre a minha.
— Ei — seu tom é suave. — Você precisa comer.
— Que horas são? — afundo a cabeça no travesseiro.
— Oito e meia.
Levanto a cabeça e percebo que está escuro lá fora. As luzes das casas ao longe estão todas acesas.
Bufo e esfrego os olhos.
— Não estou com fome — digo só para que ela saia daqui, mas o ronco da minha barriga me entrega.
— Eu acho que está — Gen me cutuca e reviro os olhos.
— Minha mãe está lá embaixo?
— Claro. Está todo mundo jantando.
— Vou depois. Obrigada — dou as costas para minha irmã, aconchegando-me no cobertor.
— Vai, Maddy! Por favor! — ela assume uma postura manhosa. Odeio quando faz isso. — Você sumiu a tarde toda, trancou-se no quarto depois de conversar com a mãe e agora não quer dividir o mesmo espaço com ela?!
— Exatamente isso — bocejo.
— Fale sério. O que aconteceu naquele quarto? Você está com cara de quem chorou o dia inteiro.
— Deve ser porque eu, de fato, chorei o dia inteiro — minha voz sai rouca e baixa, bem ao contrário da sua. Não sei se estou disposta para contar o que aconteceu depois do chá. Chorei até pegar no sono e não quero me lembrar disso.
— A mamãe ficou estranha porque você está noiva, não é? — minha irmã solta todo o ar dos seus pulmões.
— Ela falou que eu vou me arrepender de querer casar e que tudo que eu decidir agora vai afetá-la também — solto essas palavras com raiva, sentando-me na cama. — Não achei que ela fosse tão egoísta assim, mas estava enganada.
Geneviève me analisa inteira antes de dizer:
— E você vai se abalar porque a mamãe não concorda com você? Isso não soa nada como Madelinne Sheldon.
— Geneviève, não é tão simples. Você sempre foi a filha preferida. A mamãe nunca foi contra você. Se soubesse o quanto cansa tentar agradar uma pessoa que nunca está satisfeita, você acharia que eu demorei para me abalar.
— Ok, mas ela não precisa saber que isso lhe dói tanto assim. Quem sabe ela desiste de provocar você?
Quero dizer que ela está errada e que vou continuar no meu quarto, mas Gen está certa.
Parece ridículo, mas não posso deixar minha mãe me vencer logo agora, na reta final. Posso descer e ficar quieta, calada, ou provavelmente vou acabar agredindo minha própria mãe.
Preciso me manter firme, inabalável. Porque eu vou casar com Oliver e ponto final.
É por isso que desço até a sala de jantar com minha irmã. Não abro a boca em nenhum momento até ser obrigada a tal, uma vez que papai se dirige a mim:
— Tudo bem, Maddy? — seu interesse transparece em sua voz.
— Estou ótima — digo breve, sem insinuar toda a raiva contida dentro de mim.
— Alguma novidade?
Dou de ombros ao responder:
— Nenhuma. Só as mesmas pessoas dizendo as mesmas coisas, reclamando pelos mesmos motivos...
Sinto o olhar de mamãe sobre mim, mas ela não diz nada, ao passo que Geneviève me chuta por baixo da mesa. Porém continuo sem pensar:
— A mamãe lhe contou que ela não ficou para tomar chá conosco hoje?
Amethist continua comendo, Gen me encara com certa fúria e CeCe apenas continua comendo calada, assim como todas as vezes que ela se sente intimidada.
— Você não tomou chá com elas? — papai pergunta diretamente para a esposa.
— Não.
— Por quê? Se é que posso saber — ele tenta suavizar o clima por abrir um sorriso simpático, contudo mamãe nem olha.
— Que diferença faz? Você também não estava. Qual o problema em faltar só uma vez? — o tom de sua resposta denota cansaço físico e mental e ela dá de ombros.
— Só é estranho — o homem tenta explicar. — Eu avisei que não chegaria a tempo, mas você sempre achou importante passar esses momentos com a família...
— David, há vinte e cinco anos eu faço questão de sentar para tomar um chá com a minha família — mamãe finalmente encara o marido. — Há vinte e um anos eu me esforço para passar tempo de qualidade com as minhas filhas. Posso não ser a melhor mãe do mundo, mas me esforço para conversar com elas — ergo meu olhar até seu rosto. — E há pelo menos quatro anos que todos aqui guardam segredos uns dos outros. Eu cansei de lutar contra essa falta de honestidade.
— Não acha que isso acontece porque você nunca deixa alguém se expressar se não concorda com o que a pessoa pensa? — solto, sem conseguir segurar minha língua.
— Não sou a única a herdar essa característica, Madelinne — seu olhar parece me atingir como balas de uma arma. Parece que ela me deu um soco no estômago.
— A gente poderia comer em paz? — papai pede.
— Você quer dizer quietos? — Gen pergunta um tanto receosa. — Porque eu acho que a mamãe acabou de reclamar disso... — seu tom vai diminuindo quando papai olha para ela com aquele olhar sério.
— Então vamos ser honestos aqui. Quem quer começar? — meu pai larga os talheres, a fim de encarar cada uma das mulheres ao seu redor.
CeCe funga e abaixa a cabeça:
— Desculpe, mãe! Fui eu que comi todo o chocolate da sua gaveta!
Todos os olhares caem sobre a garotinha com os cachos ruivos na ponta dos cabelos. Por um momento, quero mandá-la calar a boca, mas relevo, já que ela não faz a mínima ideia de que o buraco é muito mais embaixo.
— Eu só queria que minha mãe me apoiasse ao menos uma vez e entendesse que vou casar com quem eu amo! — acrescento.
— Eu gosto mesmo do Dylan. Eu diria que estamos bem apaixonados — Geneviève segue as confissões e é seguida pelo meu pai:
— Eu sei que falho em alguns aspectos, como não estar sempre presente para tomar chá com vocês, mas tudo que quero é ver todas vocês felizes.
— Não é essa a verdade que eu quero! — mamãe se exalta e bate na mesa, quase matando papai com o olhar. — Você realmente está ouvindo o que está falando? Ou ouviu o que elas disseram? Porque, se sim, fale de uma vez para elas o que aconteceu, porque eu não aguento mais esconder isso! — ela se levanta. — Por que você não conta, David? Já que estamos todos aqui reunidos para “ser honestos”, facilite para elas! — mamãe aponta para mim com raiva. — Você acha que eu sou egoísta, Madelinne, mas não faz ideia do que o verdadeiro egoísmo é capaz de fazer. Só que você vai descobrir. E você, Geneviève — aponta para ela. — Tenha certeza de que vai sobrar até para você. O mundo dá voltas e tudo muda em um piscar de olhos.
Mamãe sai da sala, deixando o ambiente mergulhado naquele silêncio constrangedor e horrível, até que olho desesperada para Geneviève.
— Pai, do que a mamãe está falando? — ela pergunta depois de engolir em seco.
— Merda — ele murmura e se levanta para ir atrás da mulher, mas não sai sem antes dizer, olhando para minha irmã. — Nada.
Gen e eu trocamos olhares de quem sabe que o “nada” significa “tudo”, enquanto ouvimos papai gritar por mamãe pela casa.
Cécile está petrificada, sem entender o que está acontecendo, mas seus olhos estão marejados.
Não a culpo! Nem eu estou entendendo e o único que poderia nos explicar saiu correndo atrás da esposa raivosa. O pior de tudo é que me sinto culpada pelo que aconteceu aqui. Eu deveria ter ficado quieta quando tomei um chute de Geneviève.
Minha fome vai embora, o que significa que tenho que me esforçar para comer batata frita. Ninguém nunca precisa se esforçar para comer batata frita, por pior que as coisas estejam. O silêncio é esmagador e sei que Geneviève, só pela sua expressão, tenta encaixar o quebra-cabeça em sua mente.
Esse dia poderia acabar logo.
— Eu acho que deveríamos dormir! Amanhã tudo estará melhor — tento ser positiva. Afinal, sinto que é minha obrigação fazer minhas irmãs mais novas se sentirem bem.
— Também acho — Gen sorri.
CeCe remexe no prato e murmura:
— Eu não quero dormir sozinha essa noite.
Fixo meu olhar na minha irmãzinha e ofereço um meio sorriso. Cécile é tão nova para ter que ver essas crises de família. Ela ainda acha que contos de fadas são reais e todo mundo têm seu “felizes para sempre”. Mal sabe ela que relacionamentos duradouros são difíceis de construir e que, ainda assim, têm seus inúmeros problemas. Às vezes esqueço como ela é frágil.
— Então vamos fazer uma festa do pijama! O que acha, Gen? — sugiro.
— Perfeito! Vou pegar os filmes da Barbie — Geneviève confirma, fazendo CeCe sorrir.
Enquanto passo pelo corredor para chegar ao meu quarto, ouço a voz de minha mãe atravessando a porta:
— E você acha que eu quero que minhas filhas passem por isso?!
— Fale baixo, Amethist! — papai a repreende e não ouço mais nada.
Tenho vontade de invadir o quarto e mandá-los ficar quietos. Gostaria de saber que raio de segredo é esse que eles estão escondendo, mas, nesse momento, não posso fazer dessa briga minha prioridade.
Entro de uma vez no meu quarto e já ligo para Oliver.
— Você não está bem, né, princesa? — ele questiona depois que eu o cumprimento.
— As coisas aqui em casa não estão bem desde... — solto todo o ar preso em meus pulmões e agarro meu travesseiro.
— Desde que noivamos — Ollie completa. Prendo a respiração.
Sei que ele sabe que essa é a verdade, mas ouvi-lo dizer isso corta meu coração.
Posso visualizá-lo respirando fundo e passando a mão pelo cabelo.
— Maddy, eu amo você. Não importa o que aconteça.
Sorrio com suas palavras.
— Eu também amo você, Ollie — respiro fundo. — O problema não foi você. É que nossa decisão desencadeou uma série de acontecimentos.
— Não precisa se explicar, Maddy.
— Mas é verdade. Meus pais estão escondendo alguma coisa e não dizem o que é — sinto um gosto amargo na minha boca. — Acabamos de brigar e CeCe ficou sem reação. Vamos fazer uma noite de garotas agora assistindo aos filmes da Barbie.
Ollie ri baixo.
— Você tem a necessidade de mostrar que está tudo bem, né? — posso ver seu sorriso.
— É meu dever como irmã mais velha. CeCe não tem culpa do que está acontecendo nem entende a raiz do problema. Nem eu entendo! Mas eu preciso confortá-la. Por isso vamos dormir juntas.
— Tudo bem então. Tenha uma boa noite, princesa — sei que ele sorri, mas posso notar o cansaço presente em sua voz.
Fico em silêncio por um instante. Nesse momento, gostaria de estar na sua casa e fingir que não existe problema algum. Embora Oliver não admita, sei que a situação é tão cansativa para ele quanto é para mim.
— Eu amo você, Oliver. Jamais se esqueça disso — e desligo antes mesmo de ouvir uma resposta.
Deixo o celular no modo silencioso em cima da escrivaninha, a fim de começar a bagunçar minha cama. Jogo um monte de cobertores e travesseiros por ela, ajusto o volume da televisão e, por fim, desço até a cozinha para procurar algum doce e levar para o quarto.
Ao passar pela sala, percebo que minha mãe está no salão de dança. Ela realiza cada movimento com firmeza, sem titubear e de olhos fechados. Parece que ela quer abafar o som dos seus pensamentos com a música e o balé. Depois de tudo que mamãe disse no jantar, sei que tenho minha parcela de culpa pelo seu descontentamento familiar. De qualquer forma, meu pai quer fingir que não existe problema nenhum, o que só está piorando tudo.
Volto para meu quarto e minhas irmãs já estão lá, cada uma com seu bichinho de pelúcia.
— Olhe o que eu trouxe! — mostro o pacote de marshmallows e tubinhos de morango e elas comemoram.
Assistimos a três filmes da Barbie, os preferidos de cada uma, até que todas estamos com sono e decidimos dormir juntas.
— Vocês acham que o papai vai desculpar a mamãe por ela ter gritado? Papai odeia quando gritam... — Cécile pergunta entre mim e Gen.
— Vai, sim, CeCe. Não se preocupe — Geneviève a abraça.
— O papai e a mamãe sempre resolvem os problemas, baixinha. Agora você precisa dormir. Boa noite, meninas — desejo antes de bocejar.
— Boa noite — elas respondem e logo caio no sono, após me convencer de que tudo será resolvido o mais breve possível.

...


Deixo as meninas dormindo, enquanto desço para tomar café da manhã. Encontro Thereza colocando minha vitamina na mesa.
— Bom dia — sorrio para ela, que sorri de volta.
— Bom dia, Maddy.
Avalio a mesa e não há sinal de alguém ter mexido ali.
— Meu pai ainda não acordou?
— Seu pai saiu cedo e nem tomou café. Já a sua mãe não acordou ainda.
Já são quase nove e meia e minha mãe ainda está na cama? As coisas estão realmente ficando estranhas nessa casa.
— Bom, eu vou comer — dou de ombros. Procuro não pensar muito no que está acontecendo e acabo comendo bem rápido. — Thereza, vou resolver meu vestido de madrinha com o Max, ok? Se minha mãe perguntar por mim, diga que não vou demorar.
— Ok. Até mais tarde.
Tess escolheu o mesmo vestido para todas as madrinhas e, ainda que Max tenha todas as minhas medidas, preciso experimentar e ver se precisa de ajustes.
Cumprimento Christina, a recepcionista, com um grande sorriso, sem precisar esperar muito para que Max venha me ver. Sou conduzida até seu “escritório”, envolvida numa conversa animada.
— É maravilhoso! — analiso todo o vestido rosa bebê. A renda em toda a parte de cima até as mangas me agrada muito e a saia toca o chão.
— É mesmo. Agora vá experimentá-lo.
No provador, ponho o vestido e suspiro ao me olhar no espelho. Sinto muito orgulho da minha amiga e estou completamente feliz em compartilhar mais esse momento com ela. Ao sair e mostrar o resultado para Max, ele sorri satisfeito.
— Coloquei dois zíperes. Entendeu? O da renda é muito frágil e eu não quero acidentes — ele explica.
— Certo.
— A Tessalia tem um ótimo gosto. Com certeza o casamento será muito bonito!
— Com certeza — continuo me virando em frente ao espelho para poder captar todos os detalhes do vestido.
— Você não está bem, né? — Max para ao lado do espelho, cruzando os braços, e me avalia.
Solto todo o ar dos meus pulmões e aperto os olhos ao confessar:
— Oliver me pediu em casamento — mostro o anel. — Mas a minha mãe surtou e meu pai perdeu o controle sobre ela.
Max pisca algumas vezes, tentando processar todas as informações.
— Parabéns! Estou muito feliz por você! — sinto seu abraço forte ao mesmo tempo em que um nó se forma na minha garganta. — Por que sua mãe surtou?
— Não sei! Ela está estranha e não fala o que aconteceu. Desde que eu e Oliver contamos a novidade, ela não ficou brava, mas sei lá... Está descontrolada. Ora chora, ora grita. Não sei o que acontece e ela insiste que meu casamento será um erro.
Max parece pensar.
— Você já tentou perguntar o motivo disso tudo?
— Já e ela só diz que eu deveria me afastar do Oliver — respondo.
Ele me analisa e coça o queixo.
— Talvez o problema não seja o Oliver, mas o casamento em si.
Assimilo suas palavras aos poucos e cruzo os braços.
— Mas qual o problema dela com o casamento em si?
— Isso só ela pode responder — Max abaixa para ajustar a barra do vestido.
Consigo perceber que ele sabe alguma coisa.
— Max, o que você sabe? Você e minha mãe sempre foram melhores amigos. Eu sei que sabe de alguma coisa!
— Maddy, eu não sei de nada que justifique o comportamento da sua mãe — ele continua calmo, espetando alfinetes na barra. — Existem coisas que acontecem que nós não somos capazes de entender e, quando tentamos descobrir, era melhor nunca ter se importado. Você nunca sabe a força da tempestade que está por vir.

...


Não consigo parar de pensar nas palavras de Max durante o almoço. Agora, na mesa, todo mundo finge que nada aconteceu na noite passada.
Vez ou outra, papai pergunta alguma coisa a alguma de nós e mamãe continua calada. Sei pelo modo como não para de movimentar os dedos que está ansiosa.
— Ah! Trouxe coisas novas para vocês — papai sorri para nós.
— Que coisas? — CeCe sorri largamente.
— Pijamas, acho. Uma nova coleção vai sair em duas semanas. Mas tem os perfumes e as maquiagens que vocês queriam também. As caixas de vocês três estão no ali no escritório. A sua já está no quarto, amor — ele olha para mamãe que assente, poupando todo seu esforço.
Depois de almoçarmos, eu, Gen e CeCe vamos ao escritório e vemos três caixas: uma menor trazendo o nome de CeCe e duas igualmente grandes para mim e Geneviève.
Eu e minha irmã do meio levamos as caixas para seu quarto só para comparar e trocar os produtos.
— Amei esse creme! Sinta! — Gen passa um pouco nas mãos e o aroma de frutas vermelhas enche minhas narinas.
— Que delícia! — sorrio. — Meu perfume! — agarro a caixinha roxa e lilás, toda contente. Sempre mandam meu perfume preferido nos carregamentos. O cheiro é simplesmente sensacional e o frasco lembra um diamante.
Separamos os cremes e perfumes, maquiagens e esmaltes para só então partir para os pijamas. A nova coleção está linda mesmo e fico contente com minhas novas aquisições.
— Maddy? — Gen me chama depois que começo a guardar de volta na caixa tudo que tirei. — Você acha que o papai queria agradar a mamãe ao trazer os carregamentos hoje? Ele já tinha trazido algumas coisas na semana passada...
Processo sua pergunta e dou de ombros.
— Talvez. Mas o papai não é de frescura e duvido muito que o problema de ontem tenha a ver com o relacionamento dos dois.
Nossos pais sempre foram conservadores com respeito às suas discussões. Raríssimas vezes vimos um erguendo a voz para o outro ou bufando por uma discussão inacabada. Eles sempre resolvem tudo em particular. Ver mamãe calada como hoje e alterada como ontem sem dúvida causa alarde.
Minha irmã expira pesadamente.
— Eu pensei que o problema pudesse ter a ver com a empresa, mas afetaria a CeCe tanto quanto a gente e em momento nenhum a mamãe mencionou a CeCe nisso.
— Eu fui ver meu vestido no Max e ele disse que deveríamos perguntar o que está acontecendo.
— Seria mais interessante se eles respondessem sem surtar.
— Uma hora eles terão que contar. Só precisamos ter paciência — mordo o lábio.

...


Analiso todos os fotógrafos com suas câmeras enormes focadas em meu namorado em cima de um pequeno palco com a nova amostra do seu perfume. Tomo um gole do espumante em minha taça e escuto, sentada, o que ele tem a dizer:
— Esse perfume é o mais diferente dos que já fiz. Parece mais cítrico. Sem dúvida é o melhor.
Assistentes do evento entregam amostras do perfume para todos os presentes e consigo sentir o aroma.
— Espero que vocês gostem tanto quanto eu — Ollie sorri e palmas explodem no local.
Ele posa para algumas fotos e observo os prédios pela parede de vidro do salão. Eles são tão altos como o que estamos e as ruas lá embaixo são movimentadíssimas.
— Olhe só como ela é elegante — ouço a voz de Oliver e olho para ele.
Seguro sua mão, sorrindo.
— Preciso estar à altura do evento e do acompanhante, né... — ele me abraça.
— Quer comer alguma coisa depois daqui? — Ollie questiona e eu assinto, dando um selinho rápido nele logo depois.
Ficamos mais algum tempo no evento, enquanto Oliver concede mais algumas entrevistas, até que partimos para um restaurante mexicano.
Caio na gargalhada antes de conseguir dar mais uma mordida na tortilla. Oliver ri da minha cara e o chilli cai da massa.
— Assim eu não consigo comer, Ollie! — brigo com ele que dá risada. — Deixe a garota comer, cara — um dos melhores amigos de Oliver e, coincidentemente seu guitarrista, me apoia e lambe os dedos. — Obrigada, Conor! — sorrio. Não gosto muito de comer em locais pouco iluminados, mas o ar daqui é realmente aconchegante.
— Você vai fazer uma despedida de solteiro, Ollie? — Alicia, a namorada de Conor, pergunta. Meu noivo dá de ombros, sem ter uma resposta concreta.
— Eu não sei nem quando vamos casar — Oliver me encara, achando graça.
— Eu sabia que você seria o primeiro a casar! — Conor zomba com um sorrisinho no rosto.
— E eu sabia que você seria o primeiro a arranjar um filho! — rebato e dou risada. Até Conor e Alicia riem.
— Justo — ela põe a mão sobre a barriga bem saliente e toma seu suco natural.
— Cuidado, Ollie — o guitarrista de topetinho avisa. — Você ainda tem tempo para fugir. Só não vale largar no altar.
— Está doido? Só com uma explicação muito boa para me deixar depois desses anos todos — retruco.
— Ah, é? — Oliver enrosca seus dedos nos meus.
— Sim. Se você começasse com graça, eu o faria engolir esse anel.
— Que violência. Meu filho não pode ouvir isso — Alicia brinca, fazendo-me rir.

...


Destranco a porta de casa e o aroma de café da manhã chega aqui.
— Ele não pode fazer isso comigo! — a voz de Geneviève está alterada de uma forma que nunca ouvi antes, mas sem dúvida é ela. A raiva é misturada com soluços e não demora para que eu a veja sair da sala de jantar e correr escadas a cima.
Paro em frente à sala onde meus pais se encontram e ambos parecem transtornado, ainda que meu pai esteja mais sério e mamãe, prestes a chorar. A confusão se instala na minha mente.
O que está acontecendo aqui?
Como se ouvissem minha pergunta, eles me encaram e só pela cara deles decido ir atrás de Gen.
Subo as escadas apressada, entrando no quarto de minha irmã. Ela chora e soluça alto, encolhida, sentada na cama.
— Gen? — controlo meu tom para que seja suave. — O que aconteceu? — sento-me ao seu lado e o olhar que ela dirige a mim é de puro ódio. Quase recuo, então ela engole o choro e responde:
— O Dylan vai se casar — sua voz sai rouca. Meu sangue ferve e cerro os punhos.
— Eu vou matar esse imbecil! — aviso, minha mente já trabalhando em pensar em uma forma de agredi-lo. — Eu juro pela minha vida, Geneviève, que acabo com a vida desse idiota!
— Cuidado ou você vai ficar viúva antes mesmo de se casar — ela expulsa as palavras com repulsa.
Franzo o cenho confusa.
— Quê? — realmente não entendo seu comentário. O que Oliver tem a ver com o fato de Dylan se casar?
— Pois é, Madelinne — ela engole em seco e endireita a coluna. — O Dylan vai se casar. E agora a pior parte para nós duas: o Dylan vai se casar e a noiva é você.



Capítulo 7 - Chuva de Verdades

Meu cérebro processa o que acabou de ser dito e minha primeira reação é rir.
Rir de verdade.
A simples ideia de me casar com o cara por quem minha irmã é apaixonada é ridícula. Pior ainda é a ideia de me casar com uma pessoa que não é meu noivo. Mais ridículo ainda seria trocar o cara que eu amo pelo meu “cunhado”, assim sem mais nem menos. Não faz nenhum sentido.
Minha irmã me fita com os olhos vermelhos e cerrados, tomados por lágrimas.
– Gen, não foi o Dylan que colocou isso aqui no meu dedo – mostro meu anel.
– E você acha que eu não sei?! Eu acabo de voltar da melhor viagem da minha vida com o meu namorado e descubro que ele vai casar! – seu tom se eleva, indignada. – Com a minha irmã!
– Geneviève, de onde você tirou essa ideia absurda, pelo amor de Deus? Tem noção do quanto isso é ridículo? Eu nunca me casaria com o Dylan! Nunca faria isso com você, com o Oliver nem comigo! – já sinto a pele da nuca esquentar, talvez por nervosismo ou raiva.
Casar? Com o Dylan? É a coisa mais idiota que já me disseram e não foram poucas...
Você nunca faria isso – ela aponta para mim. – Mas e o papai? E a mamãe? E a porcaria de segredo que a mamãe estava louca para contar? Você não entendeu ainda? – o peso das suas palavras me deixa imóvel.
– Geneviève, você não pode estar falando sério! – cerro os punhos. Ninguém pode me obrigar a casar com alguém que eu não quero. Aliás, ninguém pode me obrigar a casar! Em que século eles acham que estão? No XV?
– Vá lá embaixo e confirme por si própria – ela desafia com os braços cruzados e sobrancelha arqueada.
Toda essa atitude me deixa mais nervosa e não demoro nadinha para chegar à sala de jantar.
– O que a Geneviève disse é verdade? – questiono com o maxilar tão rígido que não sei como consegui falar. Aperto tanto o encosto da cadeira que minhas articulações ficam brancas.
Mamãe respira fundo e olha para cima para não chorar ou me evitar. Qualquer uma das alternativas me deixa com mais raiva. Papai bufa, toma um pouco de ar e começa a dizer, olhando para suas mãos sobre a mesa. Talvez mesmo sem me encarar, ele saiba que meus olhos poderiam matar qualquer um nesse momento.
– Maddy, minha filha... – corto sua introdução sem nem pensar.
– O que a Geneviève disse é verdade? – É – meu pai me encara e o ódio ferve dentro de mim. – E você não tem escolha.
Por um segundo, me recuso a acreditar. Meu pai nunca faria isso comigo! Ele sempre gostou do Ollie!
– Alguém me explica o que está acontecendo aqui?! – perco de vez as estribeiras.
– Você vai se casar com o Dylan Leto. É isso – meu pai explica. Recuo um passo de repulsa pelo que ouvi.
– Por quê?! – insisto.
– Maddy, existem coisas que...
– Corte essa, pai! Por que eu vou ser obrigada a casar com o Dylan?!
– É uma forma de manter a empresa na família – ele explica. – Se qualquer coisa acontecer comigo e com sua mãe, parte da empresa vai ser sua. Logo, o Dylan vai tomar conta – uma folha me é estendida e só de passar o olho sei que é o contrato do meu suposto casamento.
– Isso só pode ser brincadeira! – rosno.
– Sinto muito. É sério. Eu sei que você não gosta da ideia agora, mas o Dylan é um bom homem. Vai cuidar de você assim como o Oliver faria, com o benefício de vocês estarem juntos todos os dias.
– Eu não estou interessada em olhar para a cara do Dylan todos os dias! Meu Deus, eu não acredito... – puxo meus cabelos para não socar a cara de ninguém.
– Você não tem alternativa. Desculpe. Mas a minha empresa precisa ser bem cuidada também.
– Que ótimo saber que o seu dinheiro vem antes da minha felicidade – reviro os olhos. – Onde fica meu direito de escolha? Por que a Gen não casa?!
– Porque não – meu pai ergue a voz, o que me faz rasgar o contrato em tantos milhares de pedacinhos que minha raiva não deixa contar.
– Eu não vou me casar com o Dylan! Eu vou ficar com o Oliver e não ligo para o raio da sua empresa. Eu não vou deixar que ninguém interfira na minha vida por causa de dinheiro.
– Engraçado você falar isso, porque, até onde eu sei, o Oliver se preocupa bastante com o dinheiro dele também. O Dylan é completamente capaz de lhe proporcionar uma ótima vida também.
– Mas o Ollie não precisa casar ninguém para resolver os problemas dele! De onde surgiu essa ideia idiota? Quem foi o infeliz que pensou nisso? – minha voz desafina, mas eu não paro de encarar meu pai.
Isso só pode ser brincadeira com a minha cara. Ele está insinuando que eu estou noiva por dinheiro?!
– Maddy... Você vai casar com o Dylan. Ponto – ele finaliza, mas eu encaro minha mãe indignada.
– Você não vai falar nada?! – cruzo os braços.
– Filha... – ela respira fundo. – Eu sei como você está se sentindo...
– Não sabe nada! Como você o deixou fazer isso? Ele prometeu lhe dar mais uma dúzia de colares? Eu sei que você odeia o Ollie, mas me casar com o Dylan é demais! – solto tudo, sentindo minha visão ficar turva pelas lágrimas que começam a surgir em meus olhos.
– Eu sei, sim, Maddy! Eu não estava festejando no dia do meu casamento, não era a pessoa mais feliz do mundo nem de longe! Mas vai ficar tudo bem. Você vai ver – nesse momento, meu pai engole em seco, contudo finge que essas palavras não doeram e continua com o queixo erguido.
Intercalo meu olhar de um para o outro, sem entender. A expressão séria dos dois me deixa zonza e enjoada. Como assim mamãe não estava feliz no casamento dela?
A verdade me atinge como um caminhão em alta velocidade e a única coisa que se passa pela minha cabeça é: que merda está acontecendo com o mundo?!
A ideia de que meus pais não se amavam desde o início é simplesmente inaceitável e incabível para mim.
Por que eles nunca contaram a verdade? Se eles não se amavam antes, se amam agora? O que raios é ficar “tudo bem” numa situação dessa?!
– Eu não vou me casar. Não vou! – reafirmo em alto e bom som.
Mamãe levanta o rosto, olhando-me com compaixão, estudando cada centímetro do meu rosto. Seus olhos verdes grandes sustentam nossos olhares com força.
Por vezes esqueço quão bonita essa mulher é, mas é por causa da tristeza em seu olhar que entendo o porquê de tanto tempo desaprovando meu namoro, como se ela me dissesse que tentou me avisar todo esse tempo.
Meu estômago contorce e corro para o meu quarto para gritar com a cara afundada no travesseiro.

...


– De novo! – Rachel grita e volta alguns segundos da música.
Respiro fundo ao me afastar novamente de Thomas. Não estou com muita paciência para fazer trezentas vezes a mesma coisa, porém é exatamente o que minha professora quer que façamos.
Suor escorre pela minha cabeça até a nuca e reforço o meu rabo de cavalo, prendendo bem cada fio de cabelo. Tenho certeza de que estou vermelha e que Thomas percebeu que há algo errado.
Para ajudar a lidar com todo o estresse, a voz de Leona Lewis me faz ter mais raiva ainda. Não sei ao certo como me sentir. Só sei que é algo como fúria, descontentamento, tristeza e medo. Estou com muita vontade de gritar.
Movo o meu corpo, marcando bem cada movimento, da mesma forma que vi Amethist fazer noites atrás. Movimento-me em perfeita sincronia com meu parceiro até que a letra da música me faz paralisar.
And in this world of loneliness I see your face. (E nesse mundo de solidão eu vejo seu rosto.)
Penso em Oliver sorrindo na noite passada e todas as minhas forças são tiradas de mim.
Como estou de costas para Thom, escorrego pelo seu corpo e me sento no chão, derrotada. Meus olhos ardem à medida que tento prender as lágrimas, mas não adianta. Elas simplesmente vêm junto com o crescente e aterrorizante medo de perder a pessoa que amo pelo resto da vida.
Eu jamais seria capaz de sequer magoá-lo de propósito e agora tenho que chutá-lo? Depois de ser pedida em casamento numa noite perfeita?!
– Madelinne? – Rachel pergunta com seu tom de preocupação nítido ao desligar a música.
– Maddy? – Thomas se senta em seus calcanhares após um segundo sem reação. – O que aconteceu?
A coisa mais horrível que meu pai foi capaz de inventar!
Sinto seus braços me envolverem e não ligo se estamos grudentos e suados. Apenas me deixo ser envolvida e continuo tentando inibir os soluços.
– Acho que seria bom encerrar por hoje, certo?! Só faltam dois minutos – meu parceiro diz, olhando para a professora, e eu agradeço mentalmente a consideração.
Acho que Rachel murmura algo sobre buscar água, pois ela sai da sala segundos depois.
Thomas aperta minha mão, como se quisesse me passar segurança.
– Por que, Thom? Por que eles querem que eu o deixe? Eu o amo demais para isso! – escondo o rosto entre as mãos, enquanto vibro pelos soluços.
– Você não precisa deixar ninguém, se não quiser – acho que ele pretende me animar, embora não tenha a mínima ideia do que está acontecendo.
– Você não entende... – seco minhas bochechas, que demoram cerca de um milissegundo para estarem encharcadas de novo. – Eles não vão facilitar dessa vez.
– Então lute de novo. Brigue pelo que você quer, se acha que é o que vale a pena – seu conselho não me anima muito e me faz sentir exausta. Rachel aparece e me entrega uma garrafinha d'água.
Agradeço com um sorriso frouxo. Boa parte da água cai na minha roupa, mas, por incrível que pareça, me causa alívio sentir um pouco de refrigério nesse momento.
Thomas se levanta, ajudando-me a fazer o mesmo em seguida, e diz:
– Fique bem, Maddy. Você sempre consegue passar por esses obstáculos.
Abaixo a cabeça e tento me convencer de que é verdade.
Porque é mesmo. Vou ficar bem. Com certeza ficarei bem. Sem sombra de dúvidas.
Eu sempre fico.
Apresso-me para tomar uma ducha e me maquiar novamente, mas nem todo o corretivo do mundo poderia disfarçar o inchaço do meu nariz. Chega a ser desanimador olhar para o espelho.
Não me importo em chorar, na verdade. O que me incomoda é pensar em como me enganei esse tempo todo. Sempre achei que mamãe fosse meu o problema por não me querer ao lado de Ollie e tudo mais, quando na realidade foi meu pai quem estragou todo meu conto de fadas que já nem é tão mágico assim.
Não consigo me conformar que ele pensa que eu só estou com o Oliver por causa de dinheiro. Até porque, se dinheiro fosse a razão de todos os meus anos de namoro aguentando diferenças de opinião, ficar sem Oliver por perto quase 75% do ano e adolescentes histéricas me mandando mensagens assassinas, eu continuaria em casa solteira, vendo filme e comendo a pipoca que meu pai compra, vestindo um pijama que meu próprio pai mandou confeccionar pra mim.
Isso não faz sentido!
Se meu pai tivesse desaprovado meu namoro desde o começo, toda essa história teria doído menos. Ele me enganou e ainda me fez culpar minha mãe. Como se não bastasse, quer me casar com o namorado da minha irmã. Não consigo lidar com tanta informação assim.
Chega a ser sobrenatural o tanto de raiva que estou conseguindo sentir no peito agora.
Apesar de toda essa raiva, decido não tomar nenhuma decisão agora. Tenho consciência do quão péssima sou para decidir alguma coisa em momentos de raiva. Toda vez que me deixo levar pela emoção, a chance de tudo dar errado é bem próxima de cem por cento. Aliás, não sei até que ponto essa história de casamento será levada a sério. Preciso conversar com Dylan antes de qualquer coisa, para saber se ele estava ciente desde o começo e, se sim, por que brincou com a Gen.
Contar para Oliver está completa e totalmente fora de cogitação. Já sofri muitas emoções hoje para ter que enfrentar mais uma provável briga. Cansei de me estressar e deixá-lo nervoso é a última coisa de que preciso.
Preciso mesmo é ficar calma e é por essa razão que dirijo até a casa do meu noivo. Não quero ter de explicar nada nem vou, porque, se eu não quiser falar, sei que ele não vai questionar. Mas preciso do seu abraço e sei o quanto esse gesto consegue me tranquilizar.
Não tenho a mínima cautela ao abrir a porta de sua casa. Acho que nesse momento sinto mais raiva do que a tristeza que me dominava enquanto eu dançava. Até que acho bom. Raiva é sempre mais fácil de lidar, tão diferente do desapontamento.
– Maluquinha? – a voz de Ollie soa desde a cozinha, levando-me a seguir até lá com os punhos cerrados ao longo do corpo.
Mas, quando o vejo de costas para mim, chacoalhando seu shake de vitamina, o pânico de estar prestes a perder meu porto-seguro volta e minha voz embarga:
– Ollie...
Ele se vira na hora para me analisar. Meus olhos ficam marejados, mas não volto a chorar. Respiro com força, a fim de me manter controlada, porém não consigo esconder totalmente que há algo errado. Esse fato fica óbvio pela sua pergunta:
– O que aconteceu, Mad? – ele larga a vitamina na pia, vindo na minha direção sem titubear, porém a capacidade de falar se esvai do meu ser e não consigo falar nada.
Ollie segura meu rosto entre suas duas grandes mãos e eu instintivamente seguro seu braço, como se pedisse para não me soltar. Fecho os olhos ao perceber que vai beijar minha testa.
Sinto meu coração bater forte e rápido no peito – tanto que tenho quase certeza que meu noivo pode ouvir.
Sem pensar duas vezes, invisto meus lábios contra os seus só para senti-lo mais próximo a mim.
E sinto. Sinto suas mãos segurando meu rosto para eu não me afastar. Sinto seu coração batendo forte como o meu. Sinto seu gosto. Sinto a necessidade de não abandoná-lo nem de ser abandonada.
Sinto Oliver.
E sinto também a necessidade de uma confirmação:
– Eu te amo, Ollie. Preciso de você comigo – sopro ao apertá-lo com força e me aconchegar nele. Seu peito sobe e desce num ritmo tranquilizante. Oliver afaga minha cabeça e mexe no meu cabelo, enquanto responde:
– Eu também amo você. Eu também – sua voz não passa de um sussurro, mas nunca senti tanta segurança nessas palavras.

...


– Vai me contar agora o que aconteceu? – seu tom é suave e faz meu peito vibrar.
Oliver faz cafuné em mim, enquanto me aconchego em seu peito para abraçá-lo. O peso de seu olhar recai sobre mim, porém não tenho coragem o suficiente para retribuir.
Contar ou não contar? Aliás, o que contar? Essas perguntas soam como sinônimos de “magoar agora ou depois?” na minha cabeça. Nunca tive esse problema com Oliver, nossa comunicação sempre foi muito aberta. Mas se nem eu sei explicar para mim mesma o que está acontecendo, quanto mais para ele, que nem imagina que posso me casar com outro homem!
Relembrar da manhã de hoje me faz ficar nervosa novamente.
– Eu e meu pai brigamos – digo simplesmente.
Ollie espera que eu diga mais alguma coisa, mas, como as palavras não vêm, ele balança a cabeça e questiona:
– Tá, e por que vocês brigaram?
– Porque ele não acredita em mim. Ele acha que eu estou com você por interesse.
– Ele disse isso?! – meu noivo realmente se surpreende e eu bufo. Esse assunto me deixa brava mesmo.
– Não com essas palavras, mas disse – fico cutucando as cutículas só para não ter de encará-lo. Olhar para ele ao dizer isso é humilhante.
– Tem certeza ou é coisa da sua cabeça?
– Tenho certeza, Ollie. Quando eu o questionei, não negou. É o que ele acha. Agora por que meu pai acha isso, eu não sei.
– Que estranho... Esperava da sua mãe, talvez, mas não do seu pai – sua mão desce para a minha cintura, onde ele me aperta mais contra si. Durante um breve momento, eu me calo para me concentrar somente no seu peito subindo e descendo por conta da respiração. Oliver já enfrentou muitas tempestades em copos d'água por causa da minha mãe. Dizer que meu pai pensa que nosso relacionamento é de mentira é quase traição. Por isso desabafo:
– Só que, se ele acha, e ele nos acompanha de perto, por que outras pessoas não pensariam? Por que você não pensaria, se nem ao meu pai eu consigo convencer?
– Porque, se eu pensasse isso de você, nós não estaríamos aqui agora tendo essa conversa. Se eu pensasse isso de você, a gente não teria essas alianças no dedo – ele alcança minha mão para apertá-la suavemente. – Maddy, se eu sequer suspeitasse de uma coisa dessas, não existiria um “nós”.
– Acho bom. Porque eu te amo mesmo e, se você não acreditasse, eu iria ficar extremamente chateada. E sabe o quanto eu odeio ficar chatead. – seu riso nasalado toca minha bochecha. Apesar de todas as suas palavras de consolo, ainda sinto que preciso de mais.
Preciso de mais não porque não acredito nele. Preciso de mais porque não sei mais se posso confiar no meu pai e isso desestabilizou tudo que eu construí. Não posso deixar Ollie nem quero ser deixada também.
– Eu não quero que uma idiotice dessa passe pela sua cabeça, ok? – peço. – Promete que não vai me abandonar?
– Agora é você quem está duvidando de mim? – questiona, porém noto o sorriso em sua voz.
– Sério, Ollie. Promete? – ergo meu olhar até o seu e, quando ele percebe que eu realmente preciso disso para ter só um pouquinho de paz mental, ele endireita a postura e segura minhas duas mãos.
– Eu não vou deixá-la. Nunca, ok? Não vão ser esses comentários que vão me fazer mudar de ideia. Você vai ser minha mulher, maluquinha, e eu não vou deixá-la escapar assim tão fácil.
– Eu amo você – sussurro.
– É, eu amo você também. Muito – a mão quentinha dele me passa muito conforto ao senti-lo acariciar minha bochecha.
É impossível imaginar que posso não ter mais o privilégio de passar minhas noites exatamente assim, na segurança do abraço de Oliver.
Não sei se aguentarei muito tempo escondendo a verdade dele.

...


– Comece – peço, apoiando o antebraço na mesa para não deixar o copo de cappuccino com bastante chantilly cair.
Dylan está com a cabeça apoiada na mão, pensativo. Seu expresso permanecia intacto até agora até ele engolir tudo de uma vez.
– Sim, eu sabia – é o que diz, simplesmente, e junta as mãos. Fixo meu olhar no seu, querendo ouvir mais que isso, mas nada vem, exceto minha conclusão de que ele tem belos olhos verdes.
– E por que você não disse nada nem pra mim, nem para a Gen mesmo?
– Porque, quando eu estava saindo com a Gen, eu não achei que duraria muito. Mas, quando eu percebi que a gente já estava criando oportunidades para se encontrar, não tinha mais como voltar atrás. Aliás, qual a possibilidade de eu ficar noivo da irmã de uma garota com quem saí várias vezes nos últimos meses?! – Dylan cutuca a xicarazinha de café vazia enquanto fala. – Quando meu pai começou com essa história, imaginei que ele estava falando da Geneviève e não de você. Quer dizer, você tem namorado, não?
– Eu estou noiva! – ergo minha mão na altura do rosto para ele poder ver meu anel. Eu quero mesmo que ele veja esse anel e entenda que não vai existir casamento nenhum entre mim e ele. Nunca.
– Então! Foi depois do jantar lá na sua casa que eu percebi que quem estava confundindo era eu, e não meu pai. A única coisa que eu pensei naquela noite foi “merda!” – ele revira os olhos, talvez cansado de pensar tanto nesse tópico. – Não sei de onde meu pai tirou essa história ridícula.
– Ah, isso eu sei. Chama “ganância” – meu desprezo é palpável.
– Você vai herdar tudo que eles conquistarem – Dylan contra-argumenta.
– Às custas do meu noivo?! Nem pensar. A Gen poderia herdar tudo com você. Você quer todo aquele império. Eu não. A Gen quer você e eu não.
– E você acha mesmo que eu quero casar com você?! – seu tom varia entre seriedade e ironia. – Sem ofensas.
– Não, tudo bem – balanço as mãos, mas minha postura cai. De alguma forma, ouvir isso não me ofende. Eu realmente não quero que ele queira casar comigo.
– Eu juro que tentei mudar o contrato, mas é impossível. Briguei com meu pai umas quinhentas vezes e não adiantou nada.
– Que encorajador! – cruzo os braços e ele revira os olhos. Decido tocar no ponto delicado sem rodeios, mas com tato. – Você chegou a conversar com a Geneviève?
Tenho medo de saber a resposta só de lembrar o estado em que minha irmã se encontrava quando saí de casa.
Dylan nega com a cabeça.
– Ela não me atende. Se eu quiser falar com ela, vou ter que ir para a sua casa. Não sei nem o que ela vai fazer quando me vir lá... Eu não a magoaria de propósito, mas o pior é que eu sei que parte da culpa é minha – desabafa, diminuindo o tom. – E você? Contou para o Oliver?
– Está louco?! – questiono. – Como você espera que eu conte para o meu noivo que estou noiva de outro cara também? Sabe, as pessoas costumam dividir muita coisa, menos a namorada... Além disso, eu queria falar com você primeiro, ver se tem como reverter a situação...
– Não quero desanimar, mas, como eu disse, as chances são mínimas – explica com uma calma que me irrita.
– Então a gente vai se agarrar ao mínimo e lutar com unhas e dentes.
Nunca fui de desistir fácil e não vai ser agora que isso vai acontecer. Quer queira, quer não, Dylan vai ter que me ajudar a me livrar dessa situação. E eu sei que ele quer se livrar tanto quanto eu, ainda mais depois de ouvi-lo dizer:
– Sabe como é frustrante ter que desistir de alguém depois de fazer tudo certo com uma garota pela primeira vez?
Apoio meus dois braços na mesa, aproximando-me o máximo que a mesa permite do loiro à minha frente, e digo:
– Você não vai desistir, Dylan. Nós não vamos nos casar de jeito nenhum. Vamos fazer qualquer coisa para impedir esse casamento. Entendeu?
Seu olhar semicerrado me faz imaginar que ele pondera a questão, o que o leva a abrir um sorriso, e eu me junto a ele.
Encosto ao banco estofado, a fim de olhar através da janela da cafeteria, e cruzo os braços.
Nunca estive mais determinada a brigar pelo meu noivo.
Meu verdadeiro noivo.

...


Chego a estar com o corpo mole de tanto que dancei na sala de dança daqui de casa. Depois de um longo banho, jogo-me na cama, na expectativa de continuar distraída. Enquanto minha mente estava ocupada com meu próximo movimento, fiquei tranquila e não quero voltar à sensação de estar num beco sem saída.
Muitas coisas ainda não fazem sentido na minha cabeça, principalmente a revelação dos meus pais sobre seu casamento. Como eles nunca contaram isso para nenhuma de nós? Sei que é meio ridículo, mas me sinto traída. Pior, nem sei como olhar para eles de novo. Afinal, eles se amam ou não? Descobrir que o casamento dos seus pais foi arranjado do jeito que eu descobri é extremamente frustrante.
Pego o porta-retratos sobre meu criado-mudo e analiso atentamente a foto ali colocada. Eu e Ollie estávamos tão contentes no dia em que ele me pediu em casamento. Foi tudo tão simples de acontecer, tão emocionante, tão verdadeiro, tão... Apaixonado. Como foi que isso saiu do meu controle?
Como meu pai pode dizer aquelas coisas tão horríveis e descabidas sobre meu relacionamento? Com tanta naturalidade, como se fosse a coisa mais normal do mundo trocar um noivo por outro da noite para o dia? Como ele fez isso comigo depois de tudo? Ele nunca foi contra meu namoro com Oliver, então por que agora fez uma coisa dessas?
– Não vai comer? – apesar do tom baixo, assusto-me ao perceber que mamãe está parada ao pé da minha cama, provavelmente me observando há um bom tempo. Ponho o porta-retratos de volta no lugar, mas nego com a cabeça.
– Não estou com fome – dou de ombros.
Até parece que mamãe enfrenta uma briga interna pensando se deve falar o que está na sua cabeça. Se é que há algo na sua cabeça para se falar. Ela respira fundo e se senta aos meus pés.
– Eu sei que é difícil, Maddy, mas você não pode deixar isso consumi-la – toca meu joelho.
Fico olhando para ela, incrédula, sem dizer nada. Nem uma palavra sequer. Como eu não posso me deixar consumir? Aliás, a única coisa da qual estou consumida é de indignação e raiva. Por quê, meu Deus?! Então solto:
– Mãe, você realmente acha que é fácil descobrir ao mesmo tempo que: primeiro, eu vou ser obrigada a me casar com um cara que não é meu noivo; segundo, um cara que já tem namorada e a garota é ninguém menos que minha irmã e, terceiro, que meus pais nunca se amaram?!
– Quem disse que eu e seu pai não nos amamos? – ela arqueia a sobrancelha do jeito mais Amethist possível, querendo mostrar que está com a razão e ninguém é capaz de contestar tal fato.
Eu odeio essa cara, embora eu faça uma igualzinha.
– Eu estou confusa, ok?! Muito confusa! Será que dá para você contar essa história direito antes que eu imagine coisas muito piores do que a realidade?! A história toda, por favor – cruzo os braços.
Mamãe se abraça, talvez por frio, talvez em autodefesa, e expira:
– Eu sabia que esse dia ia chegar, sabia? Mas não achei que essa conversa ia acontecer desse jeito.
– E eu nunca imaginei que seu casamento foi arranjado. Mãe, eu nem sei se estou pronta para ouvir a verdade! – rebato.
– Se você não está pronta para ouvir, imagine como eu estou por ter que falar – ela balança a cabeça para expulsar qualquer que seja seu pensamento e começa: – Certo. Seus avós tinham um acordo há muito tempo. Eu cresci sabendo que iria me casar com o filho de Henry Sheldon.
– Espere. Quantos anos você tinha quando soube desse acordo? – interrompo. Deus me livre crescer com um destino totalmente traçado! Isso é praticamente uma condenação! Que criança planeja um casamento que não seja de boneca?
– Ah, desde que eu me lembro. Mas só conheci seu pai aos nove anos.
Arregalo os olhos com a informação. Se ela tinha nove, meu pai tinha dez. Como é que duas crianças se conhecem e são condicionadas a pensar: “Ah, vou passar minha vida toda com você”?! Isso é ridículo.
– E você queria isso? – indago, intrigada demais para pensar em qualquer outra coisa.
– Não posso dizer que queria, porque ninguém com nove anos de idade entende o que se casar realmente quer dizer, mas eu não tinha opção. Eu não via isso como algo ruim. Olhe, seu pai sempre me tratou muito bem, não importa o que acontecesse. Quando a gente era mais jovem, eu gostava de passar tempo com ele. Sentia que ele ia para a França só para me ver, o que não era verdade, mas na nossa imaginação era. Seu avô ia para a França a cada seis meses. Eu marcava no calendário quando iria ver seu pai de novo – ela sorri com a lembrança, olhando para nada em especial. Até parece que está revivendo essas cenas de novo e eu sei que está. Nossa mente é realmente incrível para esse tipo de lembrança. – Foi assim até eu completar quinze anos, quando alguém entrou na minha vida e me fez mudar meus conceitos – sua expressão muda de suave para séria.
Ok, essa era provavelmente a parte que ela não estava preparada para contar. Mamãe me encara quando murmuro:
– Você se apaixonou.
Não acharia estranho meus pais terem tido outros relacionamentos antes de se casar. Aliás, eu até imaginava que eles não tinham sido os únicos na vida um do outro. Só que é realmente estranho pensar que o cara por quem minha mãe se apaixonou veio depois do meu pai.
– Perdidamente – admite. Meu coração chega a se partir com essa história. Ela era apaixonada por um e teve que se casar com outro? Isso é maldade!
– Mas... Foi só uma paixão de adolescente ou... Ele foi, tipo... O amor da sua vida? – pergunto, sem ter certeza se quero mesmo saber a resposta. Tenho medo do que está prestes a emergir.
– Qual que é seu conceito de amor da vida? Meu conceito mudou tanto desde que eu tinha sua idade... – ela dá de ombros.
– Ah, fale sério! Amor da vida do tipo que não se passa na sua cabeça estar com outra pessoa, porque só existe uma que a faz sentir todas aquelas coisas que só acontecem quando se ama de verdade. Amor do tipo que dói só de pensar em ter que deixar a pessoa. Do tipo que você se sente em casa, que não precisa ter medo porque tudo vai ficar bem, que você não precisa de mais ninguém... – meu tom vai ficando cada vez mais triste até que não consigo mais olhar para a ruiva perto de mim.
– Então sim. O William era o amor da minha vida.
William. O nome não me soa nada familiar, apesar de ser comum. Esse nome nunca foi mencionado pela minha mãe nem por ninguém aqui. Eu queria ter sabido dessa história antes.
– Meu pai sabe disso?
– Claro que sabe. Ele não é burro. Mas ele continuava gostando de mim e sabia que era com ele que eu ia casar.
“Mas ele continuava gostando de mim”. Meu peito aperta quando me dou conta do que isso significa. Sei que isso é um problema deles, mas não consigo não sentir raiva da minha mãe por saber que ela magoou meu pai. Não se pode dizer que ela estava o iludindo, porque ela não queria se casar, mas ao mesmo tempo estava.
Acho que o que me deixa mais frustrada é saber que meu pai continuava gostando da minha mãe mesmo que ela o rejeitasse. Não é agradável pensar que doía nele saber que a pessoa que ele amava não correspondia com a mesma intensidade.
– Não faça essa cara, Maddy – mamãe pede antes mesmo que eu perceba que estou fazendo careta. – Não pense que era fácil para mim saber que estava machucando seu pai, mas também não era nada fácil pensar que, no final, eu que seria machucada por casar contra a minha vontade.
– O Max sabia disso? Da história toda? – indago. Só preciso da confirmação para ter certeza do porquê Max ficou tão hesitante para me contar o que estava acontecendo.
– Claro que sabia. Desde o começo, inclusive. Ele até queria que eu fugisse com o William – ela acha graça da lembrança. Eu não.
– E o William? O que aconteceu com ele? – fixo minha atenção no seu rosto, tentando tirar toda informação só observando seus olhos. Mamãe abre a boca para responder, sem me encarar de volta, mas demora para de fato dar a resposta:
– Ele seguiu a vida dele.
Não era a resposta que eu esperava. Não era nem a resposta que eu queria. Ele desistiu assim? Fácil? Franzo o cenho, porém Amethist volta a falar.
– O que você queria que eu dissesse? Que ele passou a vida toda chorando por minha causa? As pessoas seguem em frente, Maddy, e aprendem a deixar as coisas para trás.
– Tá, mas fácil assim? Ele não quis nem tentar arranjar um jeito de anular o acordo ou sei lá?! – minha indignação é perceptível, o que faz a mulher revirar os olhos.
– Não, Maddy. Não. Eu estava com ele escondido. Não havia o que ser feito. Eu iria me casar e casei.
Mas que tipo de amor é esse?! Simplesmente desistir não é exatamente o que se espera de duas pessoas que se amam. No entanto, foi só por causa dessa desistência que eu estou aqui ouvindo essa história, que faço parte de uma família, que estou viva. E se minha mãe e William tivessem fugido?
– Então você e meu pai se casaram enquanto você amava um cara que não era ele, mas ele amava você – repasso a informação e logo pergunto, quase num sussurro: – Você algum dia já o amou?
Só percebo que estou apertando meu cobertor quando meus dedos começam a doer pela força investida. Todas as cenas que me lembro dos meus pais juntos nunca denunciaram nada de errado. Eles sempre foram muito próximos. Eu me sinto um tanto enganada. Como ninguém contou isso antes?
Tenho medo da resposta que mamãe dará. Eu não gostaria de saber que meus pais estão juntos só por aparência. A vida pode ser tão incrível quando se vive um amor de verdade! Aliás, se ela não ama meu pai, tudo que ele fez foi em vão? Ela continua se apegando ao passado? Ela é infeliz? Ou melhor, ambos são infelizes?
– Maddy, você nunca me conheceu antes de amar seu pai.
Rapidamente busco seu olhar só para ter certeza de que ela está falando a verdade e, pela sua calma e convicção, eu sei que está. Até consigo respirar aliviada com a confirmação.
Meu pai conseguiu. Minha mãe o ama.
– Não foi rápido nem fácil desapegar do que eu queria e parar de pensar em como a minha vida poderia ter sido diferente, mas eu consegui. Sempre fui apaixonada pela forma que o David me trata e posso dizer que esse é o principal fator para uma mulher se entregar por inteiro – o cantinho dos seus lábios se curva num sorrisinho discreto. – Ele me ama, Maddy. Ele sempre cuidou de mim porque gostava de fazer isso. Queria me ver feliz e nunca mediu esforços para me ver sorrir. É impossível não amar alguém que faz todas essas coisas por você. Além disso, ele me deu meus três maiores amores da vida – não é difícil entender que ela se refere a mim e minhas irmãs como seus maiores amores. Ela sempre faz isso e, apesar de toda raiva que já me fez passar, fico feliz ao saber que ela me ama. Seu tom se eleva um pouquinho só para me provocar, mas depois de suavizar: – E embora você seja a mais teimosa de todos os meus amores, eu nunca quis que você passasse por essa mesma experiência. Tanto que foi a primeira coisa que fiz seu pai prometer quando descobri que estava grávida: nunca arranjar um casamento para o nosso filho.
– Então como você concordou com essa história? Aliás, desde quando o casamento com o Dylan está combinado? – cruzo os braços na defensiva.
– Não concordei. Você não ouviu o que eu acabei de falar?! Eu não queria isso, mas, quando seu pai me contou, ele já tinha assinado tudo – mamãe balança a cabeça antes de continuar. – Seu pai me contou um mês depois de ter assinado o contrato. Você tinha dezoito anos. Foi no mesmo dia em que... – algo a impede de continuar falando, o que me deixa na expectativa:
– No mesmo dia em quê...? – encorajo.
– No mesmo dia em que você me contou que estava conversando com o Oliver – seu tom é tão baixo que preciso me esforçar para ouvir.
Quatro anos. Ela descobriu quando eu contei para ela que estava com Oliver, prestes a começar a namorar. Tanto tempo mentindo para mim e tratando mal meu namorado só para eu terminar com ele antes de chegar a data do meu suposto casamento arranjado. Isso me deixa bastante irritada.
– Se você o fez prometer, como conseguiu perdoá-lo por ter feito exatamente o contrário?! – meu tom é acusatório. A raiva transborda em cada sílaba, meu pescoço está quente. Eu ficaria uma fera caso Ollie fizesse algo assim comigo.
Mas mamãe acha graça e balança a cabeça.
– Madelinne, quantas vezes você acha que seu pai já não me perdoou por ter cometido erros? Por falar uma coisa e fazer outra? Simplesmente por magoá-lo?! Eu não podia ser injusta com ele. E nem comigo. Já passou o tempo em que eu me apegava todos os dias ao passado. Perdoei o que podia ser perdoado e escondi de mim mesma o que não tem perdão. Você ainda vai aprender o que é fazer isso para manter a paz.
Paz?! E agora quer falar de paz?! Odeio esses papos de “você é jovem demais para entender”! Por que raios o ser humano complica tanto em vez de explicar de forma simples e clara?!
– Eu não quero casar com o Dylan – aviso, olhando bem séria nos seus olhos.
– Eu fiz o que eu pude, minha filha. Mas você não tem alternativa. Eu sei que é difícil agora, porém você vai ver que não é tão ruim assim.
– Depois de quanto tempo?! Eu não quero construir uma família com um cara e magoar minha irmã por isso. Eu não quero ter que casar e machucar o Ollie! Ele me ama, ele me trata bem e não mede esforços para me ver sorrir. Como você disse, não é possível não amar alguém assim. Ao contrário do Dylan, quem eu nem conheço direito e nunca quis conhecer. A Gen gosta dele. Eu não vou ficar com ele – explico de modo que fique bem claro tudo que se passa na minha mente.
– As pessoas mudam tanto de opinião, Maddy. Gostar ou não de alguém é uma questão de tempo. Você pode, sim, aprender a amar alguém – seu argumento faz meu estômago revirar e eu ergo o tom.
– Eu não quero aprender a amar alguém quando eu já tenho alguém para amar. Eu não quero aprender a amar alguém quando minha irmã pode fazer isso e vai fazer muito bem. Eu achei que você pudesse me entender, mas parece que continua querendo me ver triste! – cruzo os braços, inconformada.
Por que é tão difícil de ela entender um fato tão simples?!
– Eu entendo, Madelinne! E entendo também que não tem o que fazer para mudar isso! – mamãe se levanta da cama e avisa com cara de brava. – É porque eu a entendo que vou avisá-la de novo: afaste-se do Oliver o mais rápido possível. Seja honesta. Você vai ver que vai ser melhor.
– Eu me recuso a continuar ouvindo isso – reviro os olhos.
– Eu também. Por isso eu acho bom você me escutar. Se não, você vai ver sentir na pele que tudo que você achou trágico até agora não passou de uma tempestade num simples copo d’água e vai ver a tempestade de verdade chegar.
Não a encaro. Só fico olhando minhas mãos. Meu maxilar está tão tenso que mal respiro e só permito encher meus olhos d'água quando ouço a madeira da porta contra o batente.

...


Não volto a falar com Dylan durante essa semana que se arrasta para passar, tampouco me atrevo a mencionar para Oliver o que descobri. Apesar disso, ele reparou que há algo errado. Por isso me deu uma série de sugestões do que fazer para me animar. Ele até disse para eu passar umas semanas na França sozinha para pensar sobre tudo!
Ironicamente, eu não quero pensar em nada. A reviravolta que minha vida deu num período de uma manhã é inacreditável. Mas mais inacreditável ainda é o fato do meu próprio pai ter organizado a pior bagunça em minha cabeça e na vida há tempos.
Acabei constatando que ele iria nos contar a “novidade” no jantar de fim de ano da empresa, para o qual eu planejei o vestido mais incrível para impressionar meu noivo. Queria estar perfeita para ele e, ainda que a vontade permaneça, como farei isso se vou ter que dar um pé na sua bunda em seguida?
Tenho que impedir esse casamento antes que Oliver suspeite de qualquer coisa, porque não estou pronta para contar para ele. Não vou desistir fácil e todo mundo aqui sabe disso.
É com esse pensamento que observo a chuva cair lá fora.
Geneviève se entregou às lágrimas e, inevitavelmente, sinto que é minha culpa. Não sentamos para conversar sobre o tópico “casamento que está arruinando meus planos e minha sanidade mental” ainda, o que me faz ter certeza de que preciso falar com ela. Precisamos xingar o papai juntas o mais rápido possível.
– Oi – entro devagar no seu quarto com um sorrisinho de canto jogado pelo rosto. Ela fecha o notebook em seu colo e o deixa de lado para me dar atenção.
– Oi – Gen parece cansada, mas não está mais com a cara parecendo uma uva-passa de tanto chorar.
– Acho que a gente precisa conversar, né? – sento-me ao seu lado na cama.
– Não sei se vai adiantar alguma coisa – sua voz é doce, embora claramente magoada, e dá de ombros.
– Não fale isso – cruzo os braços. – Eu não vou casar com o Dylan e você sabe que eu vou dar um jeito para isso.
– Boa sorte, mas aposto que você não gostou dessa história de casamento só por causa do seu próprio. Duvido que, se você estivesse solteira, iria reclamar – a ruiva brinca da boca para fora, pois tenho certeza de que a piada a machuca de verdade.
– Você acha mesmo que eu sou uma vaca? Eu nunca iria concordar sabendo que você gosta dele. Isso vai contra todo o código de ética entre irmãs! – rebato, tentando confortá-la. – Você sabe, eu não gosto nada dessa ideia de me juntarem com o Dylan. Tipo, eu nem o conheço!
– Relaxe, Maddy. Eu sei que a culpa não foi sua. Não precisa se desculpar – Gen encolhe os ombros.
Queria ser daquele tipo de gente que é capaz de ler outra pessoa inteira só de observá-la alguns instantes para saber o que se passa na cabeça da minha irmã nesse momento. Geneviève está se esforçando tanto para ser forte e não demonstrar sua fraqueza perto de mim. Será que Dylan já assegurou a ela que não há a menor possibilidade de nos casarmos?
– Você já conversou com o Dylan? – pergunto de cara.
– Sim – respira fundo antes de continuar. – Ele me contou que já sabia de tudo, que confundiu as coisas e tudo mais. Além disso, fez-me prometer que não vou me desesperar com essa história, já que não posso ficar nervosa. Ele vai cuidar de tudo.
Até respiro aliviada ao perceber que Dylan já é meu aliado assumido para Geneviève e agradeço a sinceridade para com ela.
Gen respira fundo outra vez.
– Ele me escreveu uma carta – ela conta.
– Carta? – ninguém mais, além de casais apaixonados, escreve cartas. A notícia realmente me surpreende.
Minha irmã assente. Ela se estica para pegar um envelope no criado-mudo e pega a folha dentro dele. Ou melhor, as folhas. A carta foi grande, deu duas folhas frente e verso, e escrita a punho! Gen abre na parte desejada e começa a ler:
– Genie, nunca pensei que faria isso para alguém. Escrever realmente não é meu forte e minha letra é horrível. Mas, com você, percebi que existem exceções. Errei feio por não ter sido honesto com você desde o princípio e ter confundido a situação. Espero que um dia você possa me perdoar. Quando entendi a gravidade do meu erro, não consegui dormir por noites, só pensando em como me odiaria por magoar e fazer você chorar – sua voz se embarga até um soluço escapar dos seus lábios e os olhos se encherem d'água, mas mesmo assim continua lendo. – Estou me odiando agora, na realidade, por ter causado essa bagunça. Jamais faria isso de propósito. Você me conhece, sabe melhor que eu das idiotices que fiz, mas tenha certeza de que nunca faria nenhuma delas com você. O tempo que passamos juntos só me fez confirmar o óbvio. Eu ficava (e ainda fico) com o coração acelerado quando a via; minhas mãos suavam ao me aproximar; não conseguia me concentrar em nada só de pensar em você e o que pensaria de mim se fizesse isso ou aquilo, ou até se você estava me analisando. Além disso, só queria falar com você dentre todas as pessoas da rodinha e tinha vontade de morrer se você não me mandava mensagem – Gen afasta o papel para suas lágrimas não carimbarem a folha. Observar isso faz meu coração doer. – Desejei do fundo do meu coração e alma não ter a conhecido, porque seu sofrimento seria inexistente. Não ligo se vou me casar com alguém que não amo e ser infeliz por isso, mas me incomoda muito não poder consolá-la quando eu mesmo sou a razão das suas lágrimas. O fato de todos esses sintomas aflorarem cada vez que eu olho para você ou para seu sorriso e me perder em seus enormes redondos olhos verdes... – ela solta uma risadinha. – Só me dão mais certeza da única coisa que me fez enlouquecer: estou louco por uma garota linda e ruiva, mas não sabia como dizer. Estou apaixonado de verdade pela primeira vez relevante na minha vida e me odeio por ter errado com ela. Eu amo você, Geneviève Marie. Só você. Em breve, tudo será resolvido. Prometo. Eu não vou deixá-la jamais.
Preciso me esforçar para entender a última frase, uma vez que os soluços de Gen se tornam incontroláveis.
Fico chocada com tudo que escutei. Isso, essa carta, foi honesta, humilde e fofa. Eu nunca esperaria algo desse tipo vindo do Dylan. Nunca. Ele se declarou para ela com todas as letras!
– Sabe? – ela tenta de controlar, mas seu corpo vibra com o soluço impedido. – Ele sempre me dizia o quanto eu era importante, linda e essas coisas. Mas essa foi a primeira vez que disse que me amava.
Não sei o que responder. Na verdade, acho que não existe uma resposta adequada. Se minhas estruturas foram abaladas com essa carta, imagine as da minha irmã! – Eu não quero chorar. Já chorei a noite toda lendo e relendo isso. – ela seca suas lágrimas e regulariza sua respiração.
Envolvo seu corpo num abraço forte antes de reafirmar:
– Em breve, tudo será resolvido. Nós prometemos.
Ela se aconchega em mim, porém se contorce, apertando a barriga e fazendo careta.
– Que foi?
– Estou enjoada de novo. Tem acontecido bastante ultimamente. Mamãe disse que é por causa do estresse e que meu emocional está abalado – a explicação me faz torcer os lábios de desgosto: Dylan não dorme, eu como compulsivamente todo tipo de coisa gordurosa e Gen não come nada, em vista dos seus enjoos. Incrível.
– Vai dar tudo certo, Gen. Prometo.
Minha irmã segura a minha mão e eu fito a carta na cama. Sinto um frio na barriga por Dylan contar tudo para ela enquanto Oliver, que está há muito mais tempo comigo, não tem consciência da existência de um problema.
A chuva cai sem piedade lá fora e tanto eu quanto Gen não nos mexemos até CeCe nos chamar para jantar.
– Não quero ir – Gen resiste.
– Geneviève, para de ser besta. Você precisa se alimentar – puxo-a pelo braço sem dar a ela a opção de resistência.
Sentamo-nos lado a lado na extensa mesa e esperamos todos estarem servidos para então começar a comer. Papai conversa sobre algo com mamãe, que se esforça para se manter interessada. Aposto que nossa conversa ainda a deixa afetada.
– Mad, estou enjoada – Gen sussurra ao meu lado e aperta a barriga, largando o garfo.
– Não vai comer nem um pouquinho? – insisto. Ela olha para o prato, enrola o macarrão, põe na boca, mastiga devagar e engole. – Viu? Nem foi tão difí... – Gen me surpreende ao se levantar abruptamente e sair correndo com a mão na boca.
A mesa toda se assusta, pedindo-me explicações silenciosas.
– Ela está enjoada – respondo, já indo atrás da minha irmã.
Corro até o lavabo e me arrependo de olhar a ruiva abraçando a privada. Seguro seu cabelo sem olhar em sua direção e me encolho toda vez que ouço o que quer que Geneviève esteja colocando para fora.
Se isso realmente for estresse, vou presenteá-la com uma caixa enorme de calmantes.
Minha irmã tosse depois de terminar o estrago, mas começa a chorar em seguida, o que me deixa bem confusa.
– Ei... – não sei o que dizer, porém ela abraça minhas pernas, fazendo-me desequilibrar por um instante. – Não precisa chorar. Eu vou pegar um remédio para você.
– Não vai adiantar – seu soluço é dolorido e fica ainda pior quando ela fixa seus olhos nos meus. Arqueio a sobrancelha, mas a surpresa mesmo vem em seguida. – Eu estou grávida, Maddy.
Arregalo os olhos e puxo os cabelos:
– QUÊ?! – minha voz sai aguda demais e só piora o choro copioso da menina no chão.
De repente, frases jogadas fazem sentido na minha cabeça:
“Fez-me prometer que não vou me desesperar com essa história, já que não posso me estressar.”
“Estou enjoada de novo. Tem acontecido bastante ultimamente.”
– É isso aí. Estou grávida do Dylan – admite.
– Merda! – é tudo que consigo dizer.
Essa situação acaba de se tornar mil vezes mais complicada.



Capítulo 8 - A Gravidez

– Geneviève, como isso foi acontecer?! – disparo sem pensar ao que ela responde com a voz carregada de ironia, enquanto seca as lágrimas.
– Da forma tradicional, Madelinne!
– Ai, calma! – peço mais para mim mesma do que para minha irmã. – O Dylan já sabe, né?
Gen assente e empurra a porta para fechá-la, o que me leva à segunda pergunta:
– E quando você pretende contar para os nossos pais?
– Eu não sei! Estou desesperada, Maddy. Eles vão me matar! – a ruiva se levanta e me empurra para conseguir chegar até a pia, a fim de lavar o rosto. Analiso atentamente minha irmã, sem saber o que dizer ou que conselho dar. Só sei que um bebê é um assunto muito sério para ser deixado de lado.
– Gen, isso é sério. Você precisa contar. Independente do que vocês decidirem fazer, o papai e a mamãe terão que aceitar.
– Eu sei, Maddy! Eu vou ter o meu filho, mas tem muita coisa acontecendo agora e eu não sei se devo contar! Se você não fosse casar com meu namorado, não seria tão complicado! – minha irmã cospe as palavras como se a culpa fosse minha e sou obrigada a rebater:
– Não sei se você lembra, mas eu tenho meu próprio noivo!
– E ele não sabe de nada!
– Isso não é da sua conta! Estamos falando de você aqui! De você e de um bebê. Você precisa contar para eles!
– E quando você vai contar para o Oliver que vai casar e não será com ele?! – seu tom escarnecedor me faz estremecer.
– Quando for a hora! – abro a porta, mas me viro em sua direção antes de sair dali para dizer: – Tente apontar meus erros quando você tem problemas bem maiores que os meus.
Não espero para ver sua reação. Minha cabeça já estava cheia de preocupações e ganhei mais uma de brinde agora. Termino meu jantar a contragosto, bem devagar, e Geneviève não demora para voltar a se sentar ao meu lado.
O clima nessa casa fica cada vez mais tenso e pesado. Parece que há uma nuvem negra ficando cada vez mais densa bem acima de nós. Infelizmente, não há como impedi-la.
– Ok, Geneviève. O que está acontecendo? – meu pai pergunta, fazendo meu estômago revirar.
– Meu Deus do céu... – mamãe murmura e cruza os braços.
Acho que a próxima a vomitar serei eu. Tenho certeza de que Gen empalideceu. Se ela desmaiar, com certeza eu vou junto.
Ela engole em seco.
– Eu preciso contar uma coisa para vocês – sua voz sai tão baixinha que preciso me esforçar para entender.
Fixo meu olhar no rosto de Cécile. A garotinha observa atentamente Geneviève, esperando sua resposta. Ela não faz ideia da tempestade que vai começar aqui mesmo. Seguro a mão da ruiva e a aperto levemente, dando o encorajamento necessário para continuar.
– Geneviève – mamãe a chama suavemente. Apesar disso, os olhos da minha irmã se enchem d'água. – Somos sua família, filha. Estaremos aqui com você para o que precisar.
Tenho a sensação de que minha mãe sabe toda a história mesmo sem saber. Sexto sentido de mãe? Sem dúvida. Gostaria que ela me informasse se vou conseguir me livrar do casamento arranjado também...
Gen assente e põe uma mecha do cabelo atrás da orelha.
– Eu sei e por isso vou contar – ela aperta de volta a minha mão antes de confessar. – Eu estou grávida do Dylan.
O primeiro momento é de silêncio. O segundo também. Então, num terceiro momento, CeCe o quebra.
– Você vai ter um bebê, Gen?
– Vou, sim, CeCe.
Minha irmã mais nova sorri largamente com toda a sinceridade do seu coração puro de criança. No entanto, enquanto a caçula abraça Geneviève e comemora, nossos pais apenas ficam encarando Gen sem dizer uma única palavra.
Papai não precisa dizer nada. Só a sua cara deixa bem claro as palavras não ditas. Raiva? Não, pior. Decepção. E eu sei que esse olhar que ele lança deixa o emocional dela acabado.
– Você tem certeza, filha? – a preocupação de mamãe é percebida em sua voz.
– Absoluta. Vai fazer um mês – responde, tentando não chorar. É fácil perceber que é difícil para ela. Sua voz fica muito aguda e falhada.
– Você já contou para ele? – visivelmente, mamãe se controla para não surtar enquanto meu pai continua encarando a filha, incrédulo.
Começo a suar frio.
– Sim. Já conversamos sobre o que vamos fazer – ajeita a postura antes de fixar os olhos na mãe, como se ninguém fosse fazê-la mudar de ideia. Abruptamente, viro meu rosto para encará-la e questiono:
– O que você quer dizer com “o que vamos fazer”? Tem outra alternativa além de ter o bebê?
– Adoção – mamãe dá de ombros, sem realmente acreditar que essa seja a decisão.
– Eu não vou dar o meu filho nem assassiná-lo, se essa hipótese passou pela cabeça de algum de vocês – Gen afirma toda decidida.
– Eu acho que teremos uma longa conversa com o Mark e a Leonora – mamãe diz para o meu pai ao que Geneviève retruca:
– Não tem o que conversar, ok?! Eu sei que fui irresponsável e sei também do tamanho da consequência que vou ter que assumir. Eu aceito tudinho.
– Você não faz a mínima ideia da responsabilidade que você vai ter que assumir, mocinha – até assusto quando ouço a voz de papai. Ele não foi rude, estúpido nem bravo. Mas a profunda decepção que suas palavras revelam machuca mais que um tapa.
Acho que Geneviève preferia que ele estivesse gritando, pois agora as lágrimas rolam em sua bochecha sem piedade.
– Vamos fazer o seguinte... – mamãe sugere. – Vamos chamar o Dylan e a família dele para a hora do chá amanhã. Nesse momento, não estamos com capacidade para pensar com clareza pelo choque da notícia, mas amanhã conversamos. Tenho certeza de que vamos encontrar uma solução viável que agrade todo mundo. Até lá, ninguém mais fala nesse assunto.
Deixo um sorriso inoportuno escapar por perceber a ordem por trás do tom controlado da mulher. Essa é a Amethist que eu conheço e fico muitíssimo feliz por ela ter tomado as rédeas da situação.
A mulher pega CeCe pela mão e caminha para fora da sala de jantar. Sem pensar duas vezes, faço o mesmo com Geneviève.
Levo a garota até seu quarto e observo suas mãos tremerem. Ela tenta controlar a respiração, enquanto puxa os cabelos, mas eu a obrigo a parar com seu ataque psicótico.
– Gen, pare! – tento segurar seus braços, porém ela se solta. – Geneviève, calma! Você vai ter esse bebê! Eu não vou deixar que aconteça o contrário.
Minha irmã para de se mexer, a fim de me abraçar aos prantos.
– Promete?
– Claro – acaricio sua cabeça ao sentir seus braços me apertando cada vez mais forte.
– Você viu como ele me olhava? Ele me odeia, Maddy!
– Ah, Gen! Pare de graça! – retruco. – O papai não a odeia. Ele só está chocado porque ninguém esperava que você fosse ficar grávida. Ele só quer que você assuma sua responsabilidade assim como qualquer pai e mãe gostaria que acontecesse.
– Eu sei. Não quero ter de conversar com o Mark. Ele é horrível, Maddy, e louco. Ele vai querer que eu aborte meu filho.
– E desde quando é ele quem decide tudo? Isso aí é com você e com o Dylan, meu amor. Ele não tem que escolher por vocês.
– Você não o conhece... Se ele souber de qualquer coisa que possa estragar o casamento que ele tanto queria entre você e o Dy, ele vai surtar e eu não estou a fim de lidar com surtos.
Bufo. Já sabia que Mark é um idiota, mas ele poderia facilitar, né...
– Relaxe, ruiva. Fique calma – digo. – Não se preocupe com isso agora. Vá dormir e amanhã tudo será resolvido. Acredite. Não vai adiantar você ficar nervosa.
É uma verdade universal que “fique calma” nunca funciona para mulheres com os nervos à flor da pele, mas minha irmã não questiona.
– Boa noite – sorrio de canto e ela faz o mesmo.
Parte meu coração vê-la desse jeito e não poder fazer nada.
Ao sair do quarto, dou de cara com mamãe prestes a entrar.
– Como ela está? – pergunta, visivelmente cansada.
– Estava se descabelando, mas agora está se preparando para dormir.
– Liguei para o Dylan depois de colocar a CeCe na cama. Ela ainda não entendeu por que o fato da Gen ter um bebê não causou uma festa aqui em casa. Agora eu preciso falar com a menininha aí – aponta para a porta do quarto e eu solto todo o ar dos meus pulmões.
– Ela está com medo de enfrentar o Mark – conto e já imploro em seguida. – Pelo amor de Deus, mãe, não deixe esse louco acabar com a minha irmã, ok? A gente já tem problemas demais.
– Ninguém mexe com as minhas filhas, Maddy. Mas enfrentá-lo vai ser bem complicado. Seu pai está atordoado...
Torço os lábios. Cada hora que passa, eu gosto menos do idiota do Mark.
– Bom, boa noite, mãe – desejo e ela sorri.
– Boa noite, baixinha.

...


– Uau – é tudo que Ollie diz depois que conto sobre a gravidez de Gen e que Dylan fez uma carta de amor para ela.
Remexo-me em minha cama, enquanto escuto sua respiração pelo celular.
– Eles já sabem o que vão fazer? – até Oliver fica preocupado com toda a situação.
– Já, mas isso provavelmente vai de encontro com o que o pai do Dylan vai querer.
Explico brevemente a situação. O que me preocupa não é o fato de ter um sobrinho, mas é justamente a mesma questão que fará Mark surtar.
Se o casamento arranjado em si já estava complicado, com um bebê na história piorou. Se Mark só preza a aparência, ele vai querer se livrar da criança a todo custo. Como Dylan se casaria comigo tendo um filho com a minha irmã?
Serei tia e madrasta? Dylan vai ser pai e tio? Se até eu fico confusa, imagine uma criança!
– Mais do que ter engravidado, seria irresponsabilidade não cuidar da criança – Ollie aponta e eu concordo sem duvidar.
Ficamos mais uns quinze minutos no celular, conversando sobre coisas sérias e outras aleatórias. Quando decidimos que precisamos dormir, meu peito se aperta. Uma sirene apita na minha cabeça:
Conte para ele! Conte para ele! Conte para ele!
Eu finjo que não há problema em ignorá-la e chacoalho a cabeça para espantar a sensação de culpa.
Eu odeio despedidas, mesmo as pelo telefone, e é por esse motivo que me condeno por sentir alívio dessa vez.
– Boa noite, amor. Amo você – digo.
– Boa noite, maluquinha. Também amo você.
Desligo o celular e me cubro após colocá-lo no criado-mudo. Talvez pela adrenalina dos últimos acontecimentos, não demoro a cair no sono.



Capítulo 9 - Os Monstros

– Você está muito tensa. Precisa relaxar – Thomas afirma.
– Acredite. Eu estou tentando – respondo, alongando o pescoço.
– Então venha – ele me puxa pela mão, faz-me rodar e arqueio as costas, caindo em seus braços perfeitamente. Isso me faz rir.
Já estou suada desde o primeiro ensaio e preciso muito de um banho. Daqui a pouco, Dylan vai estar em casa e confesso estar ansiosa para ver o que vai dar dessa situação.
Uma coisa é certa: esse será o chá mais tenso que eu já tomei.
– Até mais, amores – Rachel se despede de nós e eu aproveito a mesma deixa para correr para o chuveiro e ir para casa.
Antes de sair da academia, visualizo uma mensagem de Oliver e sorrio ao ler:

Amor: Amo você! Não importa o que aconteça, estou aqui.

Respondo sem pensar duas vezes:

Maddy: Também amo você! Obrigada. Estou indo para casa.

Fitar esses pequenos textos combinados à nossa foto de plano de fundo faz meu coração se apertar. Respiro fundo, bloqueio a tela e jogo o celular na bolsa, sem me importar com qualquer outra mensagem.
Apenas tento me concentrar em qualquer coisa que não me deixe nervosa. Concentro-me na brisa em meu rosto, na música baixa no rádio e no céu. Consigo controlar meus pensamentos até que faltam duas quadras para entrar no condomínio.
Meu estômago se contorce como se eu fosse ter uma dor de barriga, minha pulsação acelera de forma que a ouço em meu ouvido. Não serei parte ativa da conversa, aliás nem participarei da reuniãozinha, mas sinto como se eu mesma estivesse prestes a ir para a forca.
Ao entrar em casa, avisto Thereza colocando a mesa. O cheiro de brownie me deixa arrepiada. Cumprimento-a assim que passo por ela e vou direto para a cozinha tomar água.
– Oi – sorrio fraco para Geneviève que me devolve o mesmo sorriso triste.
Minha irmã respira fundo e só quando põe seu copo na pia percebo o quanto está tremendo.
– Gen... – puxo-a para um abraço e ela enterra a cabeça no meu pescoço, mesmo que precise ficar encurvada para isso. Acaricio suas costas e digo: – Vai ficar tudo bem. Confie no Dylan.
Nunca pensei que fosse dizer essa frase, mas Dylan realmente vai ter que se mostrar de confiança caso o pai dele aja como um completo babaca, como achamos que agirá.
Minha irmã me abraça forte e retribuo seu gesto. Quando a campainha toca, nós duas estremecemos juntas.
Dirigimo-nos até a sala e vejo que nossos pais e Cécile já estão lá. Thereza abre a porta, revelando Dylan na frente seguido por sua família. Gen caminha até o namorado, que a recebe de braços abertos com um beijo na testa. Desde a última vez que o vi, Dylan parece mais cansado. Mesmo assim, sua postura continua, sem demonstrar nenhum traço de derrota.
Ele diz algo no ouvido de Gen antes de virem até onde eu e meus pais estamos. Minha irmã não para de morder o dedão e, mesmo preocupada, continua linda. Por um breve momento, questiono-me quando foi que minha irmã cresceu. Quero dizer, ela está grávida!
– Boa tarde – Dylan nos deseja enquanto abraça Gen pela cintura com uma mão e, com a outra, segura seu paletó preto.
– Boa tarde – meus pais fazem sala e eu murmuro para minha irmã que esperarei no quarto com CeCe.
Se eu queria estar ouvindo a conversa inteira? Ah, queria mesmo. Mas a elegância e o bom senso não me autorizam fazer algo assim. Tudo que posso fazer é desejar que Gen fique bem, que mamãe não deixe o Mark-Babaca vencer e que Dylan faça a parte dele.
Eu e minha irmãzinha aproveitamos os brownies para fazer um chá da tarde com suas bonecas. CeCe me conta a história de todas elas e, mesmo depois de repetir umas dez vezes o nome de cada das bonecas, sempre acabo confundindo. Minha bunda nem cabe direito nessa cadeirinha minúscula.
– Por que a gente não pode descer, Maddy? – CeCe penteia o cabelo da bonequinha descabelada e sem roupa.
Por que as crianças sempre deixam as bonecas peladas?
– Porque a mamãe disse que eles estão resolvendo um assunto sério. Nós não fomos convidadas para o chazinho deles, mas tenho certeza de que o nosso está mais legal – explico, acreditando de verdade nas minhas palavras.
Eu que não queria estar na pele da Geneviève agora.
– É por causa do bebê da Gen? O papai não ficou muito feliz quando ela contou para a gente – sua observação me surpreende. Essa menina é muito esperta para a idade dela e isso me apavora.
De qualquer modo, sou obrigada a concordar.
– Ele só não esperava... Não se preocupe. Imagine: daqui a um tempinho você será a tia CeCe. Já pensou?
A garotinha cai na risada.
– Bebês são fofos. Quero que seja menina para brincar comigo.
– Você vai trocar a fralda também? – provoco e ela faz uma careta.
– Não! Você que vai! – a menina continua rindo e, por alguns minutos, deixo-me focar apenas no chazinho com CeCe e Dona Catarina.
Após uma hora fechadas no quarto, saio de lá com cautela. Não escuto nenhum barulho vindo do andar de baixo, o que me encoraja a descer.
Não há mais ninguém na sala nesse momento nem um rastro sequer de que houve alguém aqui. Não sei onde Gen está nem como está. Não sei se os ânimos se afloraram nem se alguém teve um infarto. Tudo que sei é que vou ter que perguntar para alguém mais tarde.
E o “mais tarde” chega quando vejo meu pai saindo do seu escritório tão atordoado que nem me nota.
– Pai? – ele olha para mim alarmado, finalmente reparando na minha presença. – Está tudo bem?
– Está, sim – ele assente meio confuso e cansado. – Só foi um pouquinho estressante.
– Cadê a Gen?
– No quarto dela, provavelmente, com o Dylan – pela expressão de papai, sei que ele daria qualquer coisa para se deitar e dormir agora. Ele odeia pessoas que discutem e gritam. Não sei como aguentou mais de dez minutos numa sala com Mark-Babaca. Deve ser por isso que agora ele se serve de uma dose de uísque.
– O que aconteceu? – pergunto, por fim. Meu pai respira fundo antes de responder:
– Aconteceu que eles vão ter o bebê e o Mark surtou.
– O Dylan fez alguma coisa?
– Se ele fez? Ele me surpreendeu com seu discurso de “eu sou o pai e vou assumir minhas responsabilidades sem que você se intrometa.” Não é à toa que ele é de vendas – ele sorri de canto antes de virar um gole da bebida amarronzada. – O Mark quase cuspiu fogo. Acho que a ideia de ser avô não foi muito bem aceita por ele.
– Sério, pai. Como você aguenta esse cara? – reviro os olhos.
– Relações comerciais, minha filha. Ele é um ótimo diretor financeiro.
– E péssimo ser humano.
Papai não discorda nem concorda em voz alta, mas dá de ombros e continua:
– Só vamos precisar adaptar esse bebê aos nossos planos...
Reviro os olhos de novo.
– Os planos de que eu nunca concordei em fazer parte?
– Maddy, por favor, esse não é o momento de discutir seus direitos e deveres.
– Pai, o Dylan e a Gen vão ter um bebê. Você entendeu? Por que não juntar os dois?! Eles se amam! E eu amo o Ollie. Todo mundo ia sair contente! – insisto.
– Madelinne, o amor não é o suficiente. Nunca foi. E você sabe disso – ele não me dá tempo de responder. Sobe as escadas e me deixa lá, incrédula e estática.
Não consigo engolir suas palavras. Elas ficam presas, entaladas na minha garganta. Subo correndo para o meu quarto antes que minha vontade de chorar se torne incontrolável.
Jogo-me na cama, frustrada pela cena de minutos atrás se repetir incessantemente na minha cabeça.
“O amor não é o suficiente.”
Sei que meu pai não está errado. Sei mesmo. Infelizmente.
O amor não é o suficiente e nunca foi. Eu sei disso por tudo que passei com Oliver. Já enfrentamos crises, distância, ciúme e tantas outras situações que foram surgindo. Claro que passamos por tudo juntos sem desistir e por amor.
Quisemos continuar juntos porque nos amamos e porque temos um compromisso um com o outro. Quisemos honrar esse compromisso.
Amar é difícil. Traz muitos momentos bons, é verdade. No entanto, existem circunstâncias extremamente complicadas e delicadas para se lidar. Ceder, tentar manter a calma quando o assunto irrita você, manter o respeito pelo outro e por si próprio. Às vezes, não provocamos ou somos provocados por querer. Simplesmente acontece, mas precisamos escolher comprar a paz, deixar as mágoas de lado e seguir em frente, honrando nosso compromisso.
Logicamente, o amor que sentimos facilita superar os problemas, mas chega a um ponto que não é mais só o amor que manda. É mais que isso. Talvez honra, talvez força, talvez submissão ou talvez seja o cansaço de brigar. Tudo por causa de um compromisso que assumimos.
Pergunto-me se foi isso que fez mamãe suportar tempos e tempos de casamento arranjado. Ela não amava meu pai nem tampouco queria se casar, porém aceitou a responsabilidade. Talvez tenha sido o senso de comprometimento falando mais alto que seus sentimentos, não importa quais fossem, que tornou sua vida mais fácil.
De primeiro momento, ela quis fugir e ser feliz com o cara a quem amava. Esse futuro foi tirado dela, mas não seu desejo. Ele apenas ficou ali escondido, reprimido até se apagar. Mamãe preferiu parar de pensar no que sua vida poderia ter sido para conseguir ser feliz na sua realidade. Afinal, como prova de que sentimentos são instáveis demais para se construir planos de uma vida em cima deles, ela passou a amar meu pai.
Como ela mesma disse, amamos pela forma que somos tratados e deixamos de amar pelo mesmo motivo.
Por isso mesmo penso que não aprendemos a amar. Não aprendemos a não amar. Nós aprendemos a não lembrar. Aprendemos a não querer lembrar. Afinal, como podemos dizer que esquecemos alguém que está constantemente em nossos pensamentos? Ou amamos, ou não amamos. Ponto. Podemos, sim, amar alguém que não imaginávamos de primeiro instante, mas o amor leva tempo. Assim como uma fogueira, precisamos alimentar a chama para que não se apague.
Não quero basear minha vida num esconde-esconde. Não quero esconder meus sentimentos de mim mesma. Quero ser feliz de verdade e andar de mãos dadas na rua com Oliver, não com Dylan. Não quero apagar minha fogueira para acender outra.
Esse pensamento me deixa sufocada e lágrimas silenciosas começam a rolar pelo meu rosto até minha linha de raciocínio ser interrompida com batidas na porta.
– Entre – tento não soar afônica.
– Maddy – a voz doce de Cécile chama a minha atenção e olho em sua direção.
– Oi, princesa – sorrio para ela.
Minha irmã entra no quarto com seu traje de bailarina e corre até mim. Ela pensa em falar alguma coisa com um sorriso estampado no rosto, mas para, avaliando meu rosto.
– Você está bem?
– Sim – assinto devagar. – Só estou cansada. Do que você precisa? – forço-me a sorrir.
– Faz um coque em mim, por favor? – ela me estende a escova de cabelo, o lacinho rosa e o fixador.
Começo a mexer em seu cabelo, sem deixar nenhum outro pensamento se infiltrar na minha mente.
– Maddy, você vai assistir à minha apresentação, né? – a garotinha me estende o lacinho.
– Claro, CeCe! Ou você esqueceu que eu também estarei lá me apresentando? – questiono em tom de brincadeira e ela sorri.
– O Ollie vai também? – a esperança dela é palpável e dou risada.
– Creio que sim. Pelo menos até agora, ele não falou nada de não poder ir – respondo ao espirrar o fixador no seu cabelo e sairmos do quarto. Ouço mamãe conversando com alguém num tom agradável lá embaixo e arqueio a sobrancelha. – Tem alguém aí?
– Ah, é! – minha irmãzinha parece se lembrar de algo – O Ollie acabou de chegar. Ele veio ver você – os olhos redondos e brilhantes dela se fixam nos meus antes de eu bisbilhotar o que está acontecendo no andar de baixo.
Meu noivo está mesmo sentado no sofá tomando chá com a minha mãe! E ela está sorrindo!
Agora sei de onde veio toda sua implicância com Ollie, porém é muito estranho vê-los assim.
Faço um sinal para CeCe para que fique quieta e eu consiga ouvir a conversa sem ser vista.
– Sabe, Oliver? Sinto muito por não fazê-lo se sentir à vontade na minha casa. Confesso que eu tinha medo do rumo que seu relacionamento com a minha filha poderia tomar, mas agora tudo isso parece sem necessidade. Você é realmente ótimo e merece tudo de bom.
A expressão surpresa de Oliver é hilária e acredito que a minha também deve ser. Ele fica sem saber o que dizer de imediato, mas responde:
– Obrigado. Eu não magoaria a Maddy de propósito.
– Ah, garoto, você sabe como ela é! – mamãe sorri. – Mesmo que a magoasse, seria necessário apenas uma barra de chocolate para resolver – a risada dos dois é agradável de ouvir, mesmo que o assunto em questão não seja verdade.
Não totalmente.
– Então é isso que vocês pensam de mim?! – questiono e eles me encaram sorrindo, enquanto desço as escadas de mãos dadas com Cécile.
– Mais ou menos – Ollie pisca para mim.
– Bom saber – sento-me ao seu lado e selo nossos lábios rapidamente. CeCe pede chá para mamãe, o que dá oportunidade a Ollie de me olhar surpreso, indicando a minha mãe. Murmuro um “estranho, né?” com um sorriso e aperto sua mão.
CeCe escolhe uns biscoitos que Thereza fez e não pudemos levar lá para cima e come sentada no chão.
– Como você está? – pergunto ao meu noivo.
– Bem. Vim ver como você está – ele sorri e envolve meu pescoço com seu braço.
– Estou bem, na medida do possível – respondo com um leve dar de ombros.
– O que você acha de se distrair um pouquinho? A gente pode ir ver um filme ou sei lá. Você escolhe – Ollie sugere com os lábios colados no meu ouvido e fico toda arrepiada. Um sorriso infantil estampa meu rosto.
– Só vou me arrumar! – dou outro selinho rápido nele e corro escadas acima.
Quando volto para a sala, encontro apenas mamãe lendo um livro novo.
– Cadê o Ollie? – pergunto ao olhar em volta e não encontrá-lo.
– Foi ao banheiro – ela responde, sem desviar os olhos do papel.
Sento-me no sofá com uma sensação esquisita. Tamborilo os dedos na minha própria perna, ansiosa. Antes que eu mesma perceba, as palavras escorregam da minha boca:
– Obrigada por pedir desculpas ao Ollie.
O olhar de mamãe se encontra com o meu e ela pisca algumas vezes antes de responder.
– Eu devia isso a ele – desvio o olhar, sem saber exatamente o que responder, embora concorde que devia mesmo. Mas, quando ela me chama, meu estômago se revira todinho. – Maddy, não o engane. Ele é um bom garoto. Não merece isso.
Paro de respirar por um tempo, apenas fitando minha mãe.
– Vamos, amor? – Ollie aparece de repente, tirando-me do meu transe, e eu concordo.
– Vamos.
Levanto e saio dali rapidamente.

...


– Por que precisa dessa faixa? – pergunto quando Oliver começa a enfaixar minhas mãos, uma de cada vez.
Fomos ao cinema e o filme me deixou bem irritada. Odeio quando o personagem principal morre. A história não faz sentido nenhum. Desperdício de amor fictício. Depois, enquanto caminhávamos no shopping, Oliver foi abordado por uns dois pares de fãs. Não que eu me irrite por isso acontecer, até porque sempre tive consciência de que teria muitos encontros atrapalhados por fãs pedindo fotos, mas seria legal poder sair sem contratempos. Então Ollie decidiu que eu precisava descarregar todos os meus sentimentos de alguma forma e, bem, como eu não estou a fim de chorar, aqui estamos nós em frente ao seu saco de pancadas.
– Primeiro, porque esse saco é pesado. A faixa vai diminuir um pouco o impacto. Segundo, porque você não está acostumada. Se as juntas dos seus dedos já vão ficar machucadas com a proteção, imagine sem. E, terceiro, eu sei que você vai socar esse negócio até não aguentar mais, portanto, eu a obrigo a usar a faixa – explica e termina de amarrar o pano na minha mão.
– Faz sentido – mexo os dedos, verificando se minha mobilidade foi afetada de alguma forma, mas aparentemente está tudo certo. – Vamos ver se isso funciona mesmo.
Não espero resposta e soco o objetivo à minha frente. O peso do saco de pancadas me faz ficar imóvel pela dor aguda que me atinge. Por outro lado, o saco nem se move.
Choramingo, olhando para o meu noivo, e chacoalho as mãos, tentando espantar a dor. Tentativa inútil.
Oliver ri e beija a região dolorida.
– Eu não vou conseguir... – reclamo.
– Pelo amor de Deus, Madelinne! Foi só o primeiro soco! Tente de novo – ele me motiva.
– Ele nem se mexe! – rebato.
– Não importa. Vai!
Sua ordem me faz resmungar igual uma criança brava com os pais, mas me preparo novamente para o ataque.
– Não – Ollie diz e eu o encaro confusa. – Só mexa os braços. Deixe um pé na frente do outro e proteja as costelas com os braços – ele ajeita minha cintura na posição correta e me deixa encurvada. – Tente agora.
– Ok, professor – brinco antes de tentar novamente.
De forma surpreendente, o saco de pancadas se move com mais facilidade.
– Ainda dói, mas acho que funcionou – aviso.
– Vai doer mesmo. Continue.
Esmurrar um objeto inanimado se torna divertido à medida que meu noivo me incentiva e zomba da minha pouca força comparada à sua.
– Você está socando como uma garotinha, monstrinha – provoca.
– Deve ser porque eu sou uma! – decido chutar o saco vermelho só de graça. O suor escorre pela minha testa.
– Agora, sim! – sua surpresa me faz cair na gargalhada.
– Sua vez, monstrão – ofegante, dou espaço para que ele tome meu lugar.
Oliver me oferece um sorriso desafiador. Foca no saco de pancadas como se fosse a única coisa existente em sua academia e, no momento em que o soco é desferido, o som do impacto nem se compara ao meu.
– Isso é humilhação – reviro os olhos.
– Você que pediu – ri.
– Você que quis que eu descarregasse! – retruco.
Abraço o objeto vermelho e me penduro ali só para provocar meu noivo.
– Pronto! Mexeu mais que você, amor – brinco, lutando entre rir e manter o equilíbrio.
– Desça daí, maluquinha – pede, mas ri tanto que se encurva.
Eu adoro observá-lo rindo. Ser o motivo do riso então é incrível. Já passei da fase de querer me esconder quando passo vergonha na sua frente.
– Só porque eu consegui? – meus pés encontram o chão novamente e desfiro um último soco completamente sem força por estar rindo.
– Venha – solto um grito de surpresa quando Ollie me pega no colo.
Ele fica me olhando sorrir e já não sei se meu coração está acelerado só pelo esforço físico ou por estar com Oliver tão próximo de mim. De qualquer forma, seguro seu rosto e o beijo ali mesmo.

...


Sinto os braços do meu noivo na minha cintura e seguro suas mãos. Oliver beija meu ombro, fazendo-me arrepiar e esfrego o meu pé no colchão.
– Você tem noção do quanto eu amo você, Ollie? – questiono baixinho, quase caindo no sono ao perceber meu noivo acariciando minha barriga.
– Acho que tenho – ele responde num sopro. – Talvez seja o mesmo tanto que eu amo você.
Suas palavras pairam no ar e ecoam no meu cérebro, que lateja como se fosse explodir daqui a pouco por todas as preocupações nele contidas.
Meu peito queima e é uma sensação extremamente incômoda. Parece que todo o ar do quarto foi tirado.
– Oliver – chamo sem fôlego. – Eu preciso lhe contar... – agonizo com a força que preciso fazer para respirar e sinto o ar saindo de suas narinas e batendo contra o meu rosto. – Meu pai – tenho a sensação que meu coração será arrancado do peito. – Ele vai me obrigar a casar – lágrimas, as quais eu nem sabia da existência, escorrem pelos meus olhos.
– Ele não precisa obrigar – a voz de Oliver começa suave à medida que acaricia meu rosto, porém isso se torna desesperador pelo tanto de vezes que ele passa a repetir a mesma coisa.
– Você não está entendendo. Meu pai me fará casar com o...
– Eu sei – meu noivo me interrompe e para de fazer carinho em mim. – Eu já sei de tudo – seu tom continua baixo e meu peito aperta. Quero vomitar, porém não consigo sequer me mexer. Só me contorço no lugar. – Você mentiu para mim, monstrinha – minha busca por ar me deixa zonza. Quanto mais tento respirar, menos ar pareço ter. – Você me traiu, mas você não vai mais me enganar, Madelinne. Eu não preciso disso – muitas lágrimas rolam e agarro o lençol. Oliver se inclina sobre mim e o que mais me assusta é o sorriso que ele dá, como se sentisse prazer no meu sofrimento. – Eu queria ver até quando você esconderia... – seca minhas lágrimas em vão. Meus soluços só aumentam. – Seu pai não a obrigará a terminar comigo para casar com o Dylan. Eu vou fazer isso por você... – ele sorri e beija minha bochecha. – Maluquinha.
Junto forças para soltar um grito, suando, e me sento na cama. Olho para o lado e percebo que Oliver me chacoalhava e me chamava preocupado.
Ofego com a mão sobre o peito, tentando entender o que aconteceu, e o encaro fixamente.
– Tudo bem, maluquinha? – ele pergunta, mas não consigo responder. Começo a chorar e tremer. – Já passou. Acabou – na tentativa de me acalmar, Oliver repete isso enquanto acaricia meu cabelo, quando deito sobre seu peito. – Está tudo bem. Foi só um sonho ruim – um beijo é depositado na minha testa à medida que tento regularizar minha respiração.
Foi tudo um pesadelo, embora muito real.



Capítulo 10 - Casamentos

Dezembro

O mês de novembro se arrasta para passar. Ainda assim, é extremamente agitado. Muitas das minhas noites são marcadas por sonhos em que Oliver me deixa, que estou presa num quarto sozinha ou que eu e Dylan estamos acorrentados.
Ninguém aqui em casa consegue manter um diálogo real. Falamos apenas de trivialidades e nos ocupamos com nossas obrigações diárias.
Até que, num belo dia, na primeira semana de dezembro, depois de pegar meu vestido de madrinha com Max, meu pai decide usar a hora do chá para dar uma notícia.
– O casamento já foi marcado.
Fico estática ao ouvir isso e olho bem para ele, sentado à minha frente. Vendo que nem eu, nem Gen nos manifestamos, mamãe questiona:
– E quando será?
– Março. A partir de janeiro, vamos começar a arrumar tudo – ele responde.
Só sinto um nó na garganta que me impede de conseguir falar.
– Daqui três meses? – Gen confirma.
Ela estará grávida de cinco meses. Meu peito aperta ao perceber o pouco tempo restante.
Meu pai confirma e meus olhos se enchem d’água.
– Por que você faz isso comigo? – questiono, sem esperar resposta. Deixo a sala e corro para o jardim da casa.
Sento-me num degrau da pequena escada, a fim de fitar o céu. A brisa bate contra mim, fazendo meus cabelos dançarem. Não escuto o barulho de motor de carro da rua, pois o vento está tão forte que o som das folhas das árvores se movimentando abafa qualquer outro som.
A verdade é que eu tenho medo desse casamento. Medo de não conseguir reverter a situação e ser obrigada a me casar. Medo de contar a Oliver e ele me deixar. Medo de não contar e ele sentir que eu o traí. Medo de deixar de ser feliz.
Mas meu maior medo é de machucar Oliver com a possibilidade de consertá-lo quase nula. Infelizmente, não existe uma alternativa em que eu não o machuque. O que muda é o motivo que escolherei para machucá-lo, apenas.
Além disso, quero me livrar desse contrato logo, assim não precisarei contar a Ollie que meu pai quer forçar um casamento meu com o pai do meu sobrinho. No entanto, tenho medo de não me safar dessa história.
Só de pensar nisso, tenho vontade de chorar de novo.
Ouço passos delicados se aproximando e Geneviève se senta ao meu lado para olhar para o horizonte comigo. Nossa visão é privilegiada por estarmos numa das partes mais altas do condomínio.
– Você não gritou – ela consta enquanto mexo no zíper da minha blusa.
– Não vale a pena. Eu não vou ganhar no grito, de qualquer forma – dou de ombros.
– Às vezes, eu me pergunto se dói nele fazer isso com você – minha irmã confessa. – Você sempre foi o xodó dele. Talvez, se apelar para o lado emocional, consiga alguma coisa... – a ruiva me encoraja, mas balanço a cabeça.
– Eu não queria ter que apelar – respondo com um leve dar de ombros. – Sem contar que eu nem sei o que eu e o Dylan poderíamos fazer para reverter a situação. Estou começando a pensar que fugir não é uma má ideia.
Rimos baixo, tristes.
Minha irmã me encara antes de me abraçar.
– Vai dar tudo certo...
Que assim seja.
Nessa mesma noite, ligo para Dylan. Enquanto não atende, penso se ele está tão cansado quanto eu. Embora nossa situação seja semelhante, ele tem um agravante a mais: ele será pai.
Tenho um pouco de pena dele. Se minha cabeça está cheia, não queria nem ver a sua! Trabalho, casamento arranjado para desfazer e um filho para cuidar é muito para uma pessoa só aguentar.
– Alô? – Dylan atende com o tom de voz normal.
– Oi, Dylan – cumprimento desanimada.
– Você já recebeu a notícia... – consta.
– Esta tarde. Sabe? Antes da data marcada, eu tinha a sensação de que esse casamento não era verdade e que eu poderia fugir a hora que quisesse. Mas...
– Agora ficou real – Dylan completa o raciocínio. – Porque deixou de ser uma ideia e virou um projeto em andamento.
– É... Eu não faço ideia do que fazer. Só sei que esse casamento não deve acontecer. Nem com a gravidez meu pai aliviou!
– Vamos encontrar um jeito, Maddy. Eu sei que vamos.
– Assim espero – mordo o dedão e suspiro.
Não fico muito mais tempo conversando com Dylan. É estranho perceber como nos tornamos cúmplices. No começo, eu não queria ser próxima a ele, porém a necessidade nos aproximou.
Desejo de todo coração que ele esteja certo sobre encontrarmos um jeito.

...


– É daqui cinco dias! Dá para acreditar? – Tess diz superentusiasmada ao experimentar seus biquínis e o enxoval todo.
– Não – eu, sua irmã e prima dizemos juntas.
– Filha, experimente esse depois – Julie entrega uma camisola à Tess.
– E então? – minha amiga desfila com sua camisola e eu fico sem reação imediata.
– Uau!
É tudo o que se ouve no quarto.
– Estou vendo o Jeff pular em cima de você – Dinah, a irmã, diz.
– Eu pularia em você agora – Jane rebate e eu começo a rir.
Não existe a possibilidade da prima de Tess levar qualquer situação a sério. Sempre vai haver algum comentário irônico ou malicioso.
Tess sorri para o espelho ao se observar de todos os ângulos possíveis. Sorrio junto com a minha amiga e não penso em nada senão sua felicidade.

...


– Ai, meu Deus! Amor, você está lindo! – cubro a boca com a mão ao observar Oliver com sua roupa de padrinho.
Ele se olha no espelho e alisa a camisa azul clarinha. A gravata borboleta rosa bebê combina perfeitamente com o meu vestido. Para completar, um suspensório que o deixa muito muito fofo.
Sem dúvida, esses elementos combinados são obra da mente brilhante de Tess.
– Você acha? – meu noivo questiona sorrindo.
– Eu tenho certeza! Eu poderia me casar com você agora mesmo – digo sem titubear.
Oliver me puxa para um abraço e assim ficamos por um bom tempo, enquanto nos olhamos pelo enorme espelho do quarto de vestir do meu noivo.
Fica cada vez mais difícil esconder a verdade dele e a pressão para encontrar uma saída é esmagadora. Penso se, por alguma razão, eu contasse, ele ficaria do meu lado nessa luta ou se afastaria, incapaz de fazer qualquer coisa para pelo menos continuar me apoiando?
Não posso correr o risco de perder meu único ponto de equilíbrio.
Um turbilhão de pensamentos voa pela minha cabeça e, impressionantemente, tudo para quando vejo, nessa mesma noite, Geneviève se trocar para dormir.
Já há uma pequena saliência de barriguinha de grávida, algo que me faz perceber algo muito mais importante: isso não é sobre mim e Oliver ou sobre Dylan e eu sermos obrigados a nos casar. Isso é sobre uma família ser destruída para outra ser formada.
De repente, essa é a única coisa que permeia minha mente até o casamento da minha amiga.

...


– Você está nervosa? – pergunto à Tess.
– Eu diria que sim, mas acho que você está mais que eu – ela ri, mas é obrigada a parar, já que a maquiadora precisa passar o fixador de maquiagem nela.
– A culpa não é minha se eu estou nervosa! – defendo-me, rindo.
A noiva e as madrinhas se arrumaram todas no mesmo lugar, o que resulta em muita risada e crises de ansiedade.
Nós, madrinhas, colocamos nossos vestidos iguais e sorrimos umas para as outras, enquanto esperamos a noiva. Não conseguimos tirar fotos, pois a maquiadora nos proibiu de usarmos nossos celulares. Ajeito meu cabelo por puro nervosismo. Não fiz nenhum penteado extraordinário. Apenas uma trança lateral que, honestamente, ficou incrível.
Eu e Dinah somos as madrinhas por parte de Tess, Stacey é a cunhada de Jeff e Kristin é esposa de um amigo dele. Jane é a dama de companhia e levará as alianças. Seu vestido é muito parecido com o meu, exceto que é da altura do joelho. Acho que só Kristin não está muito nervosa, porém temos que nos controlar, a fim de não desesperar a noiva.
Mas aí Tessalia aparece deslumbrante no seu vestido rosê de princesa cheio de pedrarias e é impossível não surtar.
Meus olhos marejam de emoção.
– Ai, meu Deus. Socorro – eu me abano. – Você está maravilhosa! Não posso borrar minha maquiagem! – minha amiga ri e abraça cada uma de nós.
Os comentários não cessam e a fotógrafa não desperdiça momentos para registrar.
Observo minha melhor amiga sorrir verdadeiramente feliz num dos dias mais importantes de sua vida e fico feliz por ela. Então me dou conta de que ela não tem a mínima ideia do que se passa comigo e que, teoricamente, não terei a mesma sorte de me casar por amor.
Talvez esse seja o motivo pelo qual quero chorar. Estou orgulhosa por ela se casar, mas decepcionada comigo mesma.
Tess está extremamente feliz e veio se preparando para essa nova vida. Eu não podia preocupá-la.
A fotógrafa rouba minha amiga de nós quando chegamos ao local na cerimônia para encontrarmos com nossos pares. A cerimônia vai acontecer durante o pôr-do-sol, o que me faz pensar em todas as fotos maravilhosas que resultarão desse dia.
Há uma represa bem atrás de onde Tess e Jeff ficarão sentados: uma cadeira de balanço debaixo de uma árvore frondosa. O brilho do pôr-do-sol dá um toque de tirar o fôlego. As cadeiras perfeitamente enfileiradas proporcionam aos convidados essa vista privilegiada enquanto aguardam.
– Nervosa? – Oliver me pergunta ao pararmos em frente ao caminho de pétalas que devemos seguir.
– Muito – mostro minhas mãos trêmulas e ele as segura, passando confiança.
– Vai dar tudo certo – Ollie diz, abraçando-me, e deixo ser envolvida pelo seu calor e perfume.
– Só eu que vou rir muito quando o Jeff chorar ao ver a Tess de noiva? – Jane indaga, alisando o vestido.
– Ela está incrível! Com certeza eu vou rir disso! – respondo.
O sol bate em nós e aquece um pouco minha pele gélida. Respiro fundo ao ver Jeff chegando.
– Ai, meu cunhadinho! – Stacey faz uma carinha fofa, como se Jeff fosse seu próprio irmão mais novo.
– Que gracinha! – exclamo, levando todos a arrastarem comentários que o deixam envergonhado. – Sério, Jeff. Você está lindo – elogio assim que ele para ao nosso lado.
Jeff está vestido exatamente como os padrinhos: calça cinza, camisa, gravata borboleta e suspensório. No entanto, sua camisa é rosa bebê e a gravata, azul.
– Você viu o vestido da Tess? – Stacey pergunta ao segurar a mão do marido.
– Não, ela não me deixou ver. Mas eu sei que, de qualquer jeito que ela vier, vai estar linda.
Dou risada desse momento casalzinho apaixonado e principalmente porque percebo que o noivo tenta conter o nervosismo.
A cerimonialista aparece com Julie impecavelmente arrumada e avisa que está na hora da entrada.
– Oi, sogrinha – Jeff a cumprimenta sorrindo. – Você está muito bonita.
– Oi, genrinho. Você também está lindo – Julie segura as mãos dele e, olhando no fundo de seus olhos, diz algo só para ele ouvir, algo que o faz enrubescer, assentir e sorrir mais ainda.
Os pais de Jeff chegam ao nosso encontro e a entrada é organizada.
A música soa e é como se não existisse mais nada ao meu redor. Meu único objetivo é seguir o caminho sem tropeçar e chegar à cadeira dos padrinhos. No momento da entrada da noiva, todos se levantam. Mesmo que eu morra de curiosidade para ver a expressão da minha amiga, fixo meu olhar em Jeff e em como seus olhos brilham ao ver Tess de noiva, e como ficam marejados de emoção. Ele não para de sorrir.
Se Jane estivesse ao meu lado, me cutucaria com certeza.
Seguro a mão de Oliver ao acompanhar com o olhar Tess ir em direção a Jeff, guiada por seu pai que beija sua testa antes de entregá-la ao noivo. De mãos dadas, os noivos seguem para sua cadeira para que o juiz de paz comece seu pequeno discurso, do qual não ouço uma palavra. Apenas fico sentada, observando meus amigos trocarem olhares cúmplices e apaixonados, enquanto seguram a mão um do outro até a hora dos votos.
É completamente visível a ansiedade de Jeff, mas ele não titubeia nem por um segundo em suas palavras:
– Eu, Jeffrey Anthony Tenner, prometo amar e respeitar, proteger e cuidar de você, Tessalia. Não importa o que aconteça, eu vou levá-la comigo para onde quer que eu vá – ele diz, olhando nos olhos da noiva cheios d’água. – Eu amo você.
– Eu, Tessalia Hellen Morris-Tenner, prometo amar e respeitar, proteger e cuidar de você, Jeffrey. Não importa o que aconteça, eu sempre vou lhe fazer companhia quando quiser jogar videogame – todo mundo ri e Tess segura o choro, soltando o ar dos pulmões num riso nervoso. – Para dessa forma criarmos uma família feliz e unida. Eu amo você.
Não consigo parar de sorrir. Estou muito orgulhosa deles só de pensar na alegria que sentem. Acho que a melhor parte de tudo isso é que eles escolheram ser felizes juntos e celebraram essa decisão com as pessoas que mais importam nas suas vidas.
Jane chega com as alianças numa pequena caixinha aveludada e entrega a Jeff para a troca de alianças. Depois de beijarem as alianças um do outro, os recém-casados se beijam e eu tenho certeza de que essa foto ficou espetacular com a luz alaranjada do pôr-do-sol bem atrás deles.

...


– Eu falei que ele iria chorar! Queria ter visto mais de perto... – Jane faz beicinho ao se sentar ao meu lado para comermos o brunch juntas.
– Relaxe. Com certeza estará no álbum de casamento – Ollie ri e apoia um dos braços no encosto da minha cadeira.
– E, se o Jeff não quiser a foto lá, com certeza a Tess vai querer – acrescento. Mordo um pedaço do cupcake de limão e estremeço de prazer. – Eu estava com tanta fome!
– Uhum! – Jane concorda, também mastigando.
À noite, a temperatura cai um pouco e as luzes dispostas entre as árvores deixam o clima extremamente calmo e harmonioso. A música ambiente é baixa até a hora dos recém-casados dançarem a valsa.
Não me surpreendo quando a música que ecoa dos autofalantes não é uma valsa comum, mas uma música do Ed Sheeran. A escolha combina perfeitamente com os dois: bem tranquilos e despreocupados com o mundo. Apenas os dois importam ali. As palmas demoram a cessar quando a dança acaba e os noivos se beijam para finalizar a coreografia.
A festa é seguida por muitas fotos, risadas e danças mal sincronizadas de músicas antigas.
Durante todo o tempo, esqueço absolutamente tudo ao meu redor e só me preocupo em me divertir entre as luzes coloridas. Não consigo segurar o riso entre a cantoria e as coreografias improvisadas com Ollie, Jane, Tess, Jeff, tia Julie e todas as pessoas juntas na rodinha.
Abraço Tess antes que ela seja puxada para outro canto e lhe desejo tudo de melhor. Ela me aperta em resposta e sorri ao dizer:
– Você é a próxima – olhando para Oliver, Jeff e outros três amigos deles estão bebendo alguma coisa. Tess me cutuca, apertando minhas mãos.
– É, eu sou a próxima – olha para Oliver ao longe e retribuo o aperto na mão da minha amiga.
Eu sou a próxima.
Inexplicavelmente, toda a vontade que eu tinha de um dia me casar se esvai do meu ser como o ar de uma bexiga desamarrada. Murcho por dentro.
Saio da pista de dança para me afastar daquele súbito choque de realidade.
– Eu quero lhe mostrar uma coisa – ouço a voz de Oliver em meu ouvido ao mesmo tempo em que sua mão desliza pela minha cintura. Sinto seu hálito quente contrastar com a pele gelada da minha bochecha.
Viro meu rosto para olhar diretamente para seus olhos, que refletem as luzes coloridas piscando. Oliver sorri para mim e sou contagiada a fazer o mesmo pelo simples fato de vê-lo assim. Ele segura minha mão e me deixo ser guiada sem hesitar. À medida que nos afastamos das pessoas, das luzes e da música, sinto mais frio por nos aproximarmos do lago.
Ficamos próximos à árvore em que Tess e Jeff se sentaram na cerimônia e logo compreendo o que meu noivo queria que eu visse.
O céu está completamente bordado de estrelas e o som das árvores não traz outra sensação senão de paz e tranquilidade. As luzes artificiais e a música não chegam com tanta intensidade aqui e, se olharmos para o caminho que percorremos até aqui, é possível ver todas as pessoas rindo e se divertindo.
Ao olhar para o horizonte, fico maravilhada ao perceber que o lago reflete a lua, as árvores e parte dos montes ao fundo.
– Acho que você merece o prêmio de rainha da pista – Ollie brinca e se encosta ao troco da árvore, puxando-me para ficar à sua frente.
– Desde que você seja o rei, eu poderia mesmo dançar todas essas coreografias sem sentido e estranhamente viciantes – sorrio, apoiando minhas mãos em seu peito.
Oliver sorri de canto, me abraça e beija a minha testa.
– O que você acha dessa nossa fuga para ficarmos sozinhos? Achei que talvez você precisasse se acalmar do agito de hoje – ele se explica.
– Poderíamos estar aqui, perdidos no mundo afora ou indo para lugar nenhum, Ollie. Contanto que você esteja comigo, eu já estarei bem – respondo e o aperto mais forte contra mim.
Sua risada nasalada acerta meu rosto, causando leves cócegas ali.
– Você parecia assustada hoje – afirma ao apoiar a cabeça na árvore para olhar fixamente para meu rosto. – Você estava com medo?
Meu estômago revira.
– Não, porque você estava segurando minha mão. Se não, era capaz de eu surtar – o som da dança das árvores quase se sobrepõe à minha voz.
De alguma forma, meu noivo sabe que eu não estou tão bem quanto afirmo. Oliver sabia que eu precisava sair para respirar não só agora, mas há um bom tempo. Ele percebeu que não tenho sido eu ultimamente.
– As pessoas me observando, contando comigo para fazer algo, esperando nada mais que a perfeição. Isso está me deixando louca – explico. – Até parece estranho ouvir isso de uma dançarina profissional, né? – rio nervosa e desvio meu olhar do seu.
Eu não preciso dizer mais nada. Essa sensação de cobrança define tudo que eu tenho sentido sobre tudo. E Oliver sabe que eu não me refiro apenas ao casamento dos nossos amigos. Cair durante a entrada era um problema tão insignificante diante à bagunça na minha cabeça...
Ele levanta meu queixo delicadamente e diz:
– Não precisa ter medo de nada, maluquinha.
Fui criada para atender ao público, suprir suas expectativas e surpreendê-los, mas ultimamente a pressão tem sido avassaladora e o medo de perder tudo é apavorante.
Porém, sinto o abraço de Oliver, a confiança e força que eu precisava direcionada totalmente a mim. Suas palavras tranquilizadoras e seus lábios contra os meus de maneira a me confortar fazem toda a ansiedade e o medo de falhar irem embora.
– Eu estou com você, não estou? E sempre vou estar – ele sopra em meu ouvido e um nó cresce na minha garganta. – Prometo que é só essa sensação que não vai ficar para sempre.
Durante esse momento, sinto-me realmente segura ao lado do meu noivo. Mas, como ele mesmo já me disse uma vez, nada dura para sempre. E essa certeza só me motiva a aproveitar cada milímetro do seu abraço e cada carinho na minha cabeça só para ter a sensação de eternidade por alguns minutos.
Porque sei que esse momento também passará e terei de deixar de ser quem eu quero ser para enfrentar a tempestade longe de Oliver.
E passa mesmo.

Quando acordo no outro dia, mesmo que estivesse dividindo o travesseiro com Ollie, não é a mesma coisa.
Sou tomada pela sensação de haver algo errado aqui entre nós, algo que nos impede de ficarmos mais próximos. Embora eu saiba que boa parte da culpa é minha, admitir isso para mim mesma e para Oliver seria doloroso demais.
Rio da careta que meu noivo faz ao tomar sua vitamina de cor esquisita, enquanto me esquento com uma generosa xícara de chá.
– Maddy... – ele cantarola, segurando o último fonema do meu apelido. Não tenho um pressentimento muito bom. – Acho que precisamos conversar, não é, maluquinha?
Droga!
Imito sua careta. Sei exatamente aonde essa conversa chegará e, sem dúvida alguma, lágrimas rolarão. Minhas lágrimas, pelo menos.
Eu poderia simplesmente dizer que sei exatamente o motivo dessa conversa. No entanto, quero ouvir o que Oliver tem em mente.
– Ok, diga – respiro fundo e posiciono a xícara de chá fumegante mais longe de mim.
Ele me analisa por uns segundos intermináveis e pergunta, por fim:
– O que está acontecendo com você, Mad?
A questão paira no ar e fixo meu olhar no seu, esperando que conclua seu raciocínio, embora não seja minimamente necessário.
– Escute, eu não quero brigar, mas estou preocupado. Eu sei que tem muita coisa acontecendo na sua casa: a apresentação de dança, o casamento da Tess e a sua irmã grávida, mas você não se importa nem mesmo em conversar comigo de verdade – Ollie mantém seu tom baixo, o que, de alguma forma, é pior do que se estivesse gritando. – Eu sei que tem mais coisas acontecendo que você não quer me falar. Estou esperando há um bom tempo você vir e falar comigo, mas isso nunca acontece. Então decidi dar o primeiro passo. Até quando você vai guardar segredos, Maddy? Eu não sou idiota e você sabe o que eu penso sobre esconder coisas um do outro. Não sei nem mais onde você tem passado seus dias – respira fundo e espera dois segundos antes de completar. – Parece que você quer se afastar.
– Desculpe – é o que consigo dizer e me encolho.
Mesmo que doa, tudo que foi dito é verdade. Oliver tem razão em cada vírgula. Eu não sei mesmo onde meu noivo tem passado seus dias. Ele poderia estar trabalhando ou na casa de uma qualquer que eu não saberia. Nem sequer desconfiaria! Minha cabeça ficou tão cheia que me esqueci de cuidar do que era realmente importante. Ou melhor, de quem é importante.
– Eu sei que não é isso que você quer ouvir, mas me desculpe – peço, colocando minha franja atrás da orelha. – Sei que tenho sido negligente quanto a nós ultimamente e me arrependo disso. Eu não quero ficar longe de você, Ollie, e, antes que passe pela sua cabeça, eu nunca traí você. Eu só... Não sei – deixo a postura cair. – Eu só não queria preocupá-lo com coisas irrelevantes.
– Se a preocupa, não é irrelevante. Não acha?
– Acho – murmuro. Eu não tenho desculpas. Não tenho como contra-argumentar. Por isso digo uma das verdades que vem me atormentando. Mesmo que meus olhos fiquem marejados, prendo o choro, sem me importar que o nó na minha garganta só cresça. – Eu só não queria que você me deixasse. Nunca.
Oliver parece entender o que quis dizer e isso o leva a segurar minha mão e acariciá-la.
– Por que eu deixaria você, maluquinha? Eu não prometi que ia ficar com você para sempre? – sua voz suave desencadeia todas as lágrimas presas em meus olhos e, quentes, deixam seu rastro na minha bochecha.
Não, Oliver. Esse é o problema. Você não estará comigo para sempre. Pelo menos assim será, se eu e Dylan não dermos um jeito.
– Prometeu – respondo entre soluços. – Mas você quer cumprir?
– Claro que quero, Maddy! – Oliver responde sem titubear, quase incrédulo por eu duvidar das suas intenções. – Se eu não quisesse, não teria a pedido em casamento!
E é com a menção da palavra “casamento” que o choro vem de verdade.
– Ah, esse é o problema – ele coça a cabeça.
Sim, esse é o problema.
– Você se arrepende? Arrepende-se de ter aceitado?
Não, Ollie. Jamais, sob hipótese alguma.
Nego com a cabeça.
– Então qual o problema? – ele aperta um pouco minha mão, mas não sou capaz de responder. – Você está se sentindo pressionada?
Sim, estou.
Assinto.
– Eu não queria pressionar você, bebê.
– Eu sei – tento secar minhas lágrimas, embora o esforço seja inútil.
– Eu só achei que poderíamos dar esse passo. Era para você ficar feliz, e não sobrecarregada – Ollie explica.
– Podemos – respondo. – Eu fiquei feliz. Eu juro. Mas é tão difícil agir por mim mesma quando já sei o que esperam de mim – solto. – Eu só queria que as coisas fossem mais fáceis para nós e lá em casa, que meus pais facilitassem. Que o simples fato de amar você bastasse. Por que isso não é o suficiente? Por que não pode ser o suficiente?
Eu já sei a resposta: sentimentos mudam. Agora você ama, depois você odeia. Agora você beija e depois quer dar um soco.
Oliver não tem culpa de nada do que está acontecendo e, ironicamente, parece ser a pessoa mais afetada nessa situação.
Isso é injusto.
– Madelinne, eu não tenho pressa. Eu não quero me casar se você não estiver pronta – engulo o choro com dificuldade para observar o rosto do meu noivo agora agachado ao meu lado e tentando secar as lágrimas restantes. – Desde que você esteja bem...
Eu não estou bem nem sei quando vou voltar a estar bem. Só sei que, enquanto Oliver estiver comigo, eu nunca estarei sozinha.
– Mad – ele me chama baixinho. Seu olhar está triste demais para o seu ser. – Eu preciso que você seja sincera comigo. Você quer mesmo se casar?
Não, Ollie. Eu não quero. Pelo menos não com um dos meus noivos.
– Não, Oliver. Não tão cedo – respondo, sem conseguir manter o contato visual.
Se for para meu casamento acontecer, que a simples memória de um contrato não passe nem perto da minha cabeça.
– Contanto que você esteja comigo – ele acaricia minha bochecha com o polegar e sorri de canto. – Eu já estarei bem.
Sua referência à noite passada me faz sorrir fraco também. A frase parece ecoar na minha cabeça e não hesito em abraçá-lo com toda a força.
Embora Oliver não demonstre, eu sei que o que eu disse o magoou. Não queria ter que adiar nossos planos, ainda que nunca tenhamos mencionado nenhuma data em especial, porém, se eu continuasse calada e não contasse parte de como me sinto, ele acabaria desconfiando mais de mim.
A última coisa que preciso é de Oliver desconfiado.
Apesar disso, todo o acontecimento me faz ter a melhor ideia para presenteá-lo.



Capítulo 11 - Descrenças

Nunca acreditei em presentes de Natal, muito menos em todas as crenças e superstições envolvidas em datas comemorativas. Velas de aniversário? Sem chance. Estrelas cadentes? Nem pensar. Beijar debaixo do visco ou na virada do ano? De jeito nenhum.
Dar um presente para alguém, seja no Natal ou no aniversário, é quase como querer comprar o amor dessa pessoa. Eu me recuso a seguir essas tradições só por seguir e Oliver sabe disso.
Ele sabe que eu não deposito absolutamente nenhuma fé nessas superstições. Minha mãe sempre me disse que as pessoas tentam buscar algo ou alguém para culpar pelo resultado das suas ações. À medida que fui crescendo, entendi melhor o que isso queria dizer. Se um casal fica junto depois de se beijar debaixo do visco no Natal, a culpa é da planta? Não faz o menor sentido.
“As pessoas são responsáveis pelo que acontece com elas, Madelinne, não uma tradição milenar. Você escolhe como levará sua vida ou outra pessoa fará isso por você. Não existe acaso ou superstições que mudem isso”, Amethist me disse quando eu tinha catorze anos e perguntei por que nunca a vi beijando papai debaixo do visco. De alguma forma, sabia que mamãe estava certa e eu deveria assumir meus atos antes que alguém me tirasse a liberdade de escolha.
No entanto, só agora entendo o que tomarem uma decisão por mim realmente significa e não tem nada a ver com ser proibida de ir a uma festa como eu achava naquela época.
Ao contrário de mim, Oliver gosta de brincar com a suposta magia das estrelas cadentes e tudo mais. É engraçado como ele sempre tenta me convencer a fazer pedidos e esperar que se realizem. A paz mundial, que eu pedia aos cinco anos, nunca se realizou e estou esperando até hoje. De qualquer forma, aproveito que Oliver fará um show antes do Natal num festival em Paris e que se diverte com essas crenças para entregar seu presente.
– Não crie muita expectativa, ok? – aviso e mordo o lábio.
– Relaxe, bebê – ele ri e abre o embrulho sem a menor delicadeza. O papel se rasga por completo.
Oliver sorri, lançando-me um olhar brilhante ao ver a pequena caixa de madeira toda tingida de preto do tamanho exato de uma foto padrão.
– Abra! – peço mais ansiosa que ele.
Ao abrir, um cartão é a primeira coisa que se vê.

“Você acabou de ganhar uma viagem no tempo.
Esteja pronto para acompanhar sua noiva numa tarde em Paris. Apresente-se na plataforma 7 da ferroviária amanhã (22/12) às 02:30 P.M. Nada de tênis branco!
Mais informações serão dadas em breve.
Eu amo você!
– M”


Os bilhetes do trem estão debaixo do cartão e também coloquei nossa foto da primeira vez que fomos a Paris juntos: nossos pés sobre o Point Zéro.
Antes que meu noivo responda qualquer coisa, só pelo seu sorriso sei que já valeu a pena todo o esforço.

...


A plataforma ferroviária está quase vazia, o que se pode considerar um milagre. Dirigimo-nos ao nosso vagão e procuramos nossos assentos.
Quando o trem está prestes a partir, uma mensagem aparece no pequeno televisor do vagão e Oliver ri envergonhado.

“Espero que tenha passado bem a noite, porque o dia será repleto de surpresas e superstições.
Prepare-se e boa viagem!
– M”


– Você fez isso? – pergunta sorrindo. Aquele sorriso que eu faria qualquer coisa para ver.
Dou de ombros.
– Não foi tão difícil.
– Só você, maluquinha – Ollie põe seu braço ao redor do meu pescoço e beija minha testa.
– Cuidado com o meu cabelo! – chamo sua atenção, mas sorrio.
A viagem não é muito longa, visto que passamos metade dela conversando e a outra metade ouvindo música.
Nossa primeira parada é minha casa para deixarmos nossas malas e, claro, deixo outro cartão para meu noivo.

“Existe uma crença na França que relaciona cadeados ao amor.
Os casais devem escrever suas iniciais num cadeado e trancá-lo numa determinada ponte. Para que seu amor dure para sempre, eles precisam jogar a chave que abriria o cadeado o mais longe possível, a fim de afundá-la no rio.
Cadeados pequenos simbolizam amores frágeis. Cadeados grandes, amores fortes. Quanto maior o cadeado, mais tempo ficarão juntos.
Escolha seu cadeado. A primeira parada é a Pont des Arts.
– M”


– Já começamos com superstições?! – Ollie ri.
– Parece que sim – abro uma caixa com vários cadeados de diferentes tamanhos dentro e os espalho na cama. – Escolha um – digo e analiso cada movimento seu.
Meu noivo avalia todas as opções e ri quando vê um cadeado que tranca cofrinhos.
– Jura?
– Eu precisava ter certeza... – dou de ombros, sem esconder meu sorriso.
– Certo. Já escolhi. E agora?
– Agora nós vamos.
O vento que bate contra meu rosto é cortante e ajeito o protetor de ouvido. O dia está cinzento, quase branco, o que contrasta com as muitas cores dos cadeados presos à ponte.
– Caramba – Oliver se surpreende. – Por que nunca viemos aqui?
– Porque precisava ser no momento certo e, dadas as circunstâncias, já sabemos qual é nosso tipo cadeado – arrumo seu cachecol que estava dobrado e aviso. – Agora você tem que marcar nossas iniciais. Se não, não funciona.
– Muito supersticioso para você – ele brinca e risca o cadeado com a própria chave.
– Vai que funciona, né...?
– Tá, e agora? – Ollie me mostra o cadeado grande e forte com as nossas iniciais marcadas de forma bem rústica.
– Agora temos que achar um lugar para nós – analiso cada pedaço da ponte abarrotada.
– Ali – meu noivo aponta para um cantinho e fecha o cadeado ali. – Quer jogar? – ele me mostra a chave.
– Nem pensar! Se eu jogar mirando o rio, vou acertar a rua. Pode ir – respondo e ele ri. “Mira” e “eu” não são duas palavras que se atraem.
Oliver se prepara, joga o braço para trás para ganhar velocidade e joga a chave. Ouvimos o barulhinho fraco do metal caindo na água e pequenas ondulações se formam na superfície.
– Longe – afirmo.
– Melhor, não é? – enfia as mãos no bolso antes de olhar para mim, na espera da resposta.
– Muito.

...


– Eu vou chegar mais rápido! – digo, sem esperar resposta ou ver sua reação. Saio correndo em direção à grande Torre Eiffel.
– Ei! – ele grita e percebo que começou a correr.
É um pouco difícil ter que correr e desviar das pessoas. Talvez por isso eu pareça um pinguim tentando correr.
Estico o braço para não deixar Oliver ganhar, ao mesmo tempo em que ele faz o mesmo.
– Empate? – pergunto.
– Empate – declara e começamos a rir.
As pessoas ao nosso redor nos olham como se fôssemos crianças desobedientes, porém isso não me incomoda de forma alguma.
Aproveito que a fila não está quilométrica para arrastar meu noivo até a bilheteria.
A essa hora, o sol já está se pondo e a Cidade da Luz já está toda iluminada. À medida que o elevador sobe, abraço Oliver cada vez mais forte por conta da linda visão à nossa disposição. Durante o inverno parisiense, o pôr-do-sol acontece lá pelas cinco e pouco da tarde, mas ver o branco da neve iluminado pelas luzes da cidade faz tudo valer a pena.
Eu poderia chorar.
Ainda aconchegada no seu abraço, ergo o olhar para analisar cada milímetro da sua pele, a barba já despontando a curva avermelhada dos seus lábios e o ar quente que sai das suas narinas e se condensa no ar.
Oliver olha para mim e sorrio ao perceber como seus olhos brilham. Intercalo meu olhar entre seus olhos escuros e seus lábios e não resisto quando a única saída se torna beijá-lo. Eu não queria fazer outra coisa, de qualquer forma.
Quanto mais perto do topo chegamos, mais ansiosa fico. Depois daqui, vamos jantar e foi a parte que eu mais planejei. Tudo tem que sair perfeito.
– Ollie, você se lembra do dia que você me pediu em namoro? – pergunto como quem não quer nada.
– Claro! – ele finge estar ofendido com a pergunta, mas começa a contar a história. Pelo seu tom, até parece que é uma história que nunca perde a graça. E não perde mesmo. – Dez de julho de 2011. Estava quente e você estava com um vestido azul. Eu a levei para assistir ao último dia de gravação do clipe de Us e você riu das nossas habilidades com a dança. Aí eu aproveitei a bagunça, subi na mesa e perguntei se você queria namorar comigo.
Dou risada ao me lembrar de tudo isso.
Essa música de Oliver fala sobre um grupo de amigos de infância que nunca perdem a oportunidade de fazer uma festa. Resumindo: havia muita gente no set de gravação e dava até para confundir com uma verdadeira festa. No intervalo das gravações, Ollie realmente subiu na mesa e fez o pedido. Memorável.
– Ótima memória – alego. – Só esqueceu que os meninos fizeram um pequeno escândalo que chamou mais a atenção do que o pedido em si – ele revira os olhos, mas não segura o riso. – Agora é a hora do penúltimo cartão.
Tiro um pequeno envelope da minha bolsa e estendo a ele.
Meu noivo lê atentamente cada palavra.

“Provavelmente, você acertou como me pediu em namoro, mas vou testar sua memória mais uma vez.
Você se lembra de aonde fomos quando saímos juntos pela primeira vez?
– M”


– Você quer dizer a primeira vez que marcamos um encontro? – ele questiona.
– A primeira vez – é o que digo apenas.
Ele lembra. Eu sei que lembra. Sinto aquele frio na barriga quando percebo que ele vai responder.
– A primeira vez foi... Aqui? – Ollie faz um sinal, indicando a cidade inteira. – Você me levou para ver a cidade, exatamente como agora.
Sorrio de orgulho e selo nossos lábios.
– Muito bem! – o elevador da Torre se abre, indicando o término do passeio, e o conduzo para longe da massa de gente.
Caminhamos de mãos dadas até a crêperie do nosso primeiro encontro, mas, por estar com as cortinas fechadas, Oliver conclui que não está aberta e já lamenta:
– Está fechada! Que droga!
– Fique quieto, Ollie – dou leves batidas na porta de vidro e não demora mais que cinco segundos para que seja aberta. Cumprimento o maître antes de puxar Oliver para dentro do estabelecimento e analiso cada detalhe dali.
Ele fez exatamente o que eu pedi. Há pétalas de rosas espalhadas pelo chão, velas de diferentes tamanhos iluminando o ambiente, uma música baixa de fundo e uma mesa redonda bem no centro do local com apenas um vaso pequeno com uma única rosa lá dentro.
Olho para o rosto de Oliver para ver sua reação e o encontro boquiaberto.
– Você fechou o lugar só para nós? Só você, baixinha! – ele começa a rir e me abraça forte.
– Não é igual ao nosso primeiro encontro, mas eu achei mais interessante assim – vamos até a mesa e o cardápio nos é apresentado.
Não demora para escolhermos os crepes e o vinho. Quando o líquido seco passa pela minha garganta, o sinto um tanto quanto áspero e eu sou apaixonada por essa sensação.
– Obrigado, maluquinha. Obrigado de verdade – Ollie põe sua mão sobre a minha, enquanto olha fixamente para os meus olhos.
– Eu que deveria agradecer – respondo. – Desculpe por ter estado distante ultimamente, mas obrigada por não desistir de mim. Por isso decidi relembrar o que me fez me apaixonar por você. É bom ver que agora eu amo você muito mais.
– Eu não desistiria tão fácil nem a perderia assim – responde, acariciando minha mão.
Eu poderia contar tudo a ele agora mesmo. Poderia, sim. Mas não consigo ao olhar para os seus olhos reluzindo alegria.
– Eu sei que não – é o que respondo, porque é verdade.
Alguns crepes depois, uma garrafa de vinho quase vazia e muitas risadas, entrego ao meu noivo o último cartão.

“Espero que tenha se divertido. Para finalizar, feche os olhos e faça um pedido.
– M”


Oliver ergue o olhar do cartão para mim e sorri ao dizer:
– Point Zéro.
Puxo-lhe pela mão e não demora para chegarmos ao marco no chão com a enorme Catedral de Notre-Dame à sua frente.
– Sabe? – começo. – Já que esse foi o último lugar a que viemos, nada mais justo do que fazermos um pedido para finalizar a noite.
Ele sorri e me puxa pela cintura, seu rosto bem próximo ao meu:
– Eu não tenho mais nada para pedir. Já fui atendido da primeira vez – Oliver desliza seu polegar pelo meu lábio.
– E o que você pediu? – minha voz soa quase inaudível.
– Uma chance. Agora eu já tenho tudo que eu preciso.
Por alguma razão, isso me deixa envergonhada e desvio o olhar do seu com um sorriso que faz minhas bochechas doerem.
Com as duas mãos segurando meu rosto, Oliver encaixa perfeitamente meus lábios nos seus.
Ele me beija ali em cima do Point Zéro, na Cidade da Luz e do Amor, com muitas luzes iluminando esse momento, e não há nada que poderíamos pedir que superaria esse beijo.



Capítulo 12 - Ano Novo

– Eu esqueci completamente! – reclamo ao observar Geneviève se arrumar.
Na verdade, nem se passou pela minha cabeça que a família Leto estaria no jantar de fim de ano da empresa. Mas é óbvio que estaria. Por que não? Afinal, eles fizeram um ótimo negócio esse ano, não?
Esse pensamento me causa náuseas.
– Calma, Maddy. A mamãe disse que esse tipo de contrato é sigiloso. Duvido que alguém mencione o casamento – a ruiva liga o babyliss na tomada.
– Droga! – cruzo os braços emburrada. – Justo quando está tudo maravilhoso e eu e o Ollie tivemos um tempo incrível em Paris tenho que enfrentar o Mark-Babaca de novo? Não dá para ser perfeito, né...
– Sinto muito, mas eu ainda acho que você deveria contar para o Ollie antes que ele descubra – minha irmã continua calma.
Reviro os olhos. Lá vai ela de novo.
– Maddy, você acha que foi fácil para mim contar para o Dylan que eu estava grávida? Se ele quisesse sumir no mundo, sumiria e eu nem teria mais notícias! Mas eu contei, assumi o risco e ele foi o único que sabia durante o primeiro mês. Se você for honesta com o Ollie, quem sabe ele entenda e a ajude? – ela me encara fixamente, porém prefiro observar minhas mãos.
– E se ele não entender? – questiono.
– Se ele não entender, pelo menos você não vai ter o peso da culpa sobre os seus ombros. Porque nada justifica você esconder isso do seu noivo.
– Eu vou contar para ele, ok? Só preciso do momento certo...
Essa conversa me atormenta até eu terminar de me arrumar. Mas, quando vejo o resultado e penso em Oliver me esperando lá embaixo, é só ele que importa.
A correntinha que Ollie me deu de presente, apesar de discreta, brilha no meu pescoço. Vejo Gen com seu vestido rosa e ela está maravilhosa. Max teve que ajustá-lo um pouco para que ela conseguisse respirar e não esmagasse sua barriguinha.
Caminhamos lado a lado até a escada e paramos ao ver que a conversa entre Ollie e Dylan morreu assim que nos viram.
Sorrio ao ver Oliver de terno e ele se torna a única coisa que enxergo enquanto desço as escadas. Ele estuda cada movimento meu até que paro bem à sua frente.
– Oi – cumprimento, contudo Oliver fica mudo por uns segundos.
– Uau. Você está incrível – rio da sua expressão.
– Obrigada.
– Isso é para você – meu noivo me entrega um buquê de rosas vermelhas muito cheirosas.
Sorrio envergonhada e pego as flores.

...


O jantar é num hotel enorme e há muitos convidados. Logo que se entra no salão, pode-se perceber a extrema organização, as mesas bem distribuídas, pessoas conversando civilizadamente, apenas vestidos longos, ternos e gravatas, e muito champanhe. A banda toca um jazz suave e agradável aos meus ouvidos e não é muito difícil encontrar a mesa reservada para o dono da empresa e sua família bem ao centro do salão, debaixo de um lustre gigante de cristal.
Cécile está uma gracinha com seu vestido de princesa branco e vermelho e logo vai para a área das crianças com os monitores. Cumprimento tanto pessoas que conheço como não até chegar à mesa e, por alguma razão, não me surpreendo nem um pouco ao perceber que Mark e Leonora Leto estão na mesma mesa que nós.
– Boa noite – sorrio para eles.
– Madelinne! – Leonora sorri largamente e eu rezo para que ela feche a boca pelo resto da noite. Agradeço quando percebo que ela está mais entusiasmada para ver Gen e seu filho. – Gen? Como está, querida?
– Muito bem. Obrigada – e a ruiva começa a contar sobre o pré-natal. Pela expressão de Leonora, ela aceitou muito bem a paternidade do filho.
Meus pais parecem conhecer todo mundo e cumprimentam um a um. Eles sorriem bastante.
A noite se passa lentamente, embora muito agradável. Até me lembro de como é estar em paz com todas as pessoas ao meu redor e não solto a mão de Oliver só para ter certeza de que não estou sonhando. Mamãe não olha torto para Ollie e papai age naturalmente como sempre. Se esse é algum tipo de falsidade, gostaria que continuassem até eu contar para Oliver a verdade.
Decidi fazer isso na primeira semana do ano. Preciso ser rápida e encontrar um bom momento para falar, mesmo com a minha apresentação de dança em jogo.
Papai se levanta da cadeira e estende a mão para a mulher ao soar uma música do Ray Charles.
– Você me concede essa dança? – ele ajeita a gravata com um sorriso galanteador.
Mamãe se surpreende, mas sorri envergonhada e aceita. Uma vez ela me contou que foi num desses jantares que ela percebeu estar apaixonada por meu pai e só se deu conta disso quando ele a tirou para dançar exatamente essa música.
Nunca tinha feito as contas para saber se o amor tinha vindo antes do casamento ou depois. Na minha cabeça era óbvio que o amor viera antes, mas agora sei que estava enganada.
Apesar disso, ao observá-los dançar, eles realmente parecem apaixonados. O jeito que ela olha para ele e a forma como a conduz é própria de quem se ama.
Quando foi que Amethist deixou isso acontecer? Questiono-me se, em algum momento, ela ficou confusa e dividida entre David e William, algo que me parece pouco provável, uma vez que ela queria fugir com este último.
Observo os dois dançarem lentamente e deito a cabeça no ombro de Oliver. Eles se amam. Ponto.
– Quero ser assim um dia, Ollie – sussurro.
– Então vou começar a treinar agora – ele sorri de canto.
Acho graça. Oliver é uma negação para a dança, não importa o estilo.
Quando a música acaba, todos aplaudem meus pais e papai deposita um selinho nos lábios de mamãe.
– Eles são um casal muito bonito – Leonora consta e eu concordo.
Sim, eles são. E não digo isso só porque são meus pais. Os dois são bonitos juntos como são na aparência. Mamãe parece mais jovem do que realmente é e meu pai não admitiu engordar, coisa que aparentemente Mark-Babaca deixou de ligar faz um bom tempo.
Aproveitamos o tempo que tínhamos depois do jantar para ir para a pista de dança: eu e Ollie, Gen e Dylan.
Meu noivo põe a mão na minha cintura e eu envolvo seu pescoço com meus braços. Assim, dançamos lentamente.
– Você está lindo – digo a Oliver, alisando seu paletó. – Cinza combina com você.
– Você que está. Já peguei metade dos caras olhando para você – gargalho, mas dou de ombros.
– Só tem um cara que me interessa essa noite... – pisco para ele que, sorrindo, me gira em torno de mim mesma, aproveitando a melodia crescente da música.
Dançamos mais umas duas músicas até que papai é chamado para fazer o discurso de agradecimento, o qual eu e Geneviève já decoramos.
– Até que ele foi criativo. Falou outras frases – minha irmã brinca, cutucando-me.
Dou risada.
Quando papai volta, todos o parabenizamos.
– Parabéns, David – Mark-Babaca sorri e segura sua taça. – Gostaria de dizer umas coisas também.
Um arrepio percorre minha espinha no momento em que essas palavras chegam aos meus ouvidos. As conversas paralelas cessam para prestarem atenção.
Sente-se e cale a boca, Mark, antes que eu faça isso por você!
Papai dá a permissão e Mark começa:
– Eu gostaria de agradecer pelo ótimo ano que tivemos na empresa e na família. Mas principalmente... – pelo amor de Deus, Mark! Cale a boca. – Agradecer ao Dylan e à Madelinne por terem aceitado se casar em prol da empresa – seu olhar recai diretamente sobre mim e eu congelo.
Não sei explicar o que acontece a seguir: Oliver congela, eu não respiro, Dylan e Geneviève se entreolham, meus pais olham para mim calados e preocupados. A única que expressa alguma coisa é Leonora. Ela solta uma exclamação tão chocada que tenho vontade de voar no pescoço do seu marido.
– O quê? – Oliver me fita, confuso e bravo. Óbvio que ele espera que, no mínimo, o imbecil do Mark tenha se confundido. Não consigo pensar em nada e meu estômago se revira.
– Mark – meu pai chama a sua atenção.
– Ah, ele não sabia? – o cinismo é nítido em sua voz ao apontar para meu noivo e eu quase jogo a cadeira em cima dele.
– Oliver, não é o que você... – Dylan tenta, mas Ollie o interrompe.
– Cale a boca, Dylan – e cerra os punhos. Começo a entrar em desespero e a primeira coisa que penso é: não chore! Não chore!
– Ollie, por favor... – imploro para ele me escutar e toco seu braço, mas ele recua com ódio e raiva emanando do seu ser.
Isso me mata.
– Eu sabia que você estava mentindo – Oliver murmura. Minha garganta se fecha e meus olhos lacrimejam.
– Oliver – peço, no entanto ele já se levantou e saiu feito um furacão.
– Maddy – meu pai me chama, tentando manter tudo sob controle, mas minha mãe segura sua mão.
– Vai – ela me diz e eu saio correndo.
Não vejo mais ninguém e só procuro desviar de todos os obstáculos em direção ao meu único objetivo: a porta de saída.
– Oliver! – grito no meio da rua, procurando por ele no estacionamento.
Ouço o som do motor e me viro. As luzes do farol se tornam fortes e continuo parada, sem mover um músculo. Impressionantemente, não sinto frio.
Ele me atropelaria depois disso?
Só sei que me encolho toda ao perceber que o carro se aproxima mais do que é considerado seguro. Sinto o capô do carro ficando quente e muito próximo. Então o carro para.
Abro os olhos devagar e vejo Oliver segurando forte o volante, sem me olhar e com o maxilar tensionado. A pequena camada de neve no chão começa a congelar meu pé e eu corro para dentro do carro antes que Ollie mude de ideia.
– Eu juro, Madelinne... – ele avisa com raiva. – Eu juro que não quero ouvir sua voz até chegarmos à sua casa para você tentar me explicar essa merda toda.
Sua ordem me faz engolir em seco.
Não olho para Ollie durante todo o percurso, embora ache que vai nos matar a toda essa velocidade. Mas, se eu achava que as coisas não poderiam piorar, eu não deveria ter destrancado a porta de casa.
Subo direto para o meu quarto e deixo que Oliver feche a porta para não incomodar o silêncio mortal do resto da casa.
– Vai. Explique, Madelinne! – ele cruza os braços. – Explique por que um cara queria agradecer a alegria de ter você para casar com o idiota do filho dele e que você concordou com isso! – sua ironia me esmaga.
– Eu não concordei! – berro de volta. – Eu ia contar para você que meu pai fez a droga de um acordo para manter o monopólio da empresa na família e isso queria dizer que eu teria de me casar com o Dylan, mas eu juro que não concordei com nada! – explico rápido, sentindo lágrimas brotarem nos meus olhos. – Quando eu descobri, surtei e jurei que não ia casar com o Dylan – perco o ar, o desespero evidente. – Eu ia lhe contar, mas...
– Mas o quê? – seus braços se movimentam com fúria. – O que levou você a esconder uma coisa dessas de mim? Qual é seu problema, Madelinne?
– Eu ia lhe contar tantas vezes! Quando a Gen ficou grávida, no casamento da Tess, em Paris...
– Quando Geneviève ficou grávida?! Há quanto tempo você sabe disso? – ele exige saber.
– Desde outubro – murcho.
Seu rosto se contorce de indignação.
– Faz dois meses que você está escondendo isso de mim? – Ollie me olha com nojo e recuo. Desabo na cama, com as lágrimas já rolando.
Ele nunca havia gritado comigo antes.
– Sabe?! Agora tudo faz sentido! Você estava muito estranha. Eu sabia que você estava escondendo algo! Eu lhe dei a oportunidade para falar e você escolheu mentir, Madelinne! Todas aquelas crises porque você estava com outro cara!
– Eu não estava com outro cara! A Gen estava, sempre esteve! Eu só queria acabar com esse contrato tanto quanto o Dylan! – defendo-me. – De início, eu não ia lhe contar porque planejávamos arrumar um jeito de invalidar o contrato e você tinha acabado de me pedir em casamento. Eu só queria ficar com você porque amo só você e não queria que perdesse a confiança em mim.
– Não venha com “eu amo você” agora! Você não queria que eu perdesse a confiança em você? Parabéns. Foi exatamente o que aconteceu!
Começo a soluçar alto e não consigo olhar para ele.
– Você prometeu que não ia me deixar, Oliver – murmuro entre as lágrimas.
– Ah, cale a boca! – Ollie vira as costas para mim.
Levanto-me e seguro seu braço com raiva para que me encare.
– Você não acha que já está ruim o suficiente para mim?! – explodo. – Perder o homem que eu amo, ser obrigada a casar com o pai do meu sobrinho por puro egoísmo do meu pai...
– Você foi tão egoísta quanto ele, Madelinne! – ele berra e eu me encolho. – De onde você tirou que era melhor pra mim não saber de nada?! Você não tinha o direito de escolher isso por mim!
Oliver não está nada conformado com a minha explicação e nega com a cabeça.
– Você continuaria comigo se soubesse?! – questiono enfurecida, mas ele não responde. – Viu por que eu não contei?! Eu não poderia correr o risco de perder você! Eu precisava resolver tudo antes!
– Esse sempre foi o seu problema! – Oliver enfatiza. – Quer ser forte o tempo todo e resolver tudo sozinha, mesmo sabendo que me afetaria tanto quanto a você, a Geneviève ou o Dylan. Mas eu sabia que algo estava errado e meu erro foi ter acreditado que você era forte o suficiente para resolver seus problemas sozinha! – essas palavras me destroem e não tenho como contra-argumentar a verdade. Apenas continuo chorando muito. – Não é isso que significa ser um casal, Maddy? – seus olhos se enchem de lágrimas. – Dividir os problemas? Ajudar um ao outro? Mesmo que a gente terminasse, eu ainda confiaria em você – vejo uma lágrima escorrer pela sua bochecha, mas ele a seca rapidamente. – Agora eu não sei mais o que pensar de você. Quantas outras vezes você escondeu coisas de mim? – sua voz some no final.
Dói ouvir isso dele. Oliver desconfiado é o pior castigo de todo o universo.
– Foi tudo uma mentira – ele diz seco.
– Não! – grito. – Como você pode dizer isso depois de tudo que passamos para ficar juntos? Desde o começo minha mãe queria me impedir de me apaixonar porque ela sabia, mas eu não! E adivinha?! – pego o porta-retratos que tem uma foto nossa na noite em que ele me pediu em casamento e mostro para ele. – Eu me apaixonei! – a fúria me motiva a continuar falando. – Isso foi real para mim! Nós fomos reais! Esse dia foi real. Você não acha?
– Não! – antes que eu consiga impedir, ele joga o porta-retratos longe com força. Solto um grito de susto e me encolho, tentando me proteger dos cacos voando. O vidro se despedaçou inteiro, não sobrou um único pedacinho. – Eu não acho! – ele segura o choro, mas seus lábios tremem. – Eu achava, mas eu não consigo mais acreditar em nada do que você diz.
Meus soluços ecoam pelo quarto e sinto a pele do meu pescoço úmida pelas lágrimas. Não estou melhor que os cacos no chão.
– Já que você gosta de resolver tudo sozinha, então fique sozinha.
– Não, Oliver – imploro, mas minha voz é abafada pelo choro. – Por favor – seguro seu pulso e ele o puxa de volta, olhando-me sem piedade como punição pela suposta traição, e sai do quarto batendo a porta.
Não tenho forças para nada nem para correr atrás dele. Logo, o som dos meus soluços se misturam aos fogos de artifício e encolho todo o meu corpo, molhando meu vestido de lágrimas.
Essa é uma ótima maneira de começar o ano.



Capítulo 13 - Coração de Vidro

Eu não posso deixar acabar assim. Eu não posso deixar tudo acabar. Nunca pensei que brigaríamos dessa forma e a culpa pesa em todo o meu corpo.
Observo a foto do dia do nosso noivado e a aperto contra mim. As lágrimas rolam, agora silenciosas, e sou tomada por uma imensa necessidade de ver Oliver, abraçá-lo e dizer que tudo ficará bem.
Eu não posso deixá-lo sofrer sozinho.
Tiro o vestido e o salto num piscar de olhos para pôr uma roupa quentinha. Pego a chave do meu carro e corro escada a baixo. Não sei o que farei quando o vir, não sei se conseguirei falar, não sei se terá vontade de me ouvir. Só sei que não me arrependo de dirigir até sua casa, mesmo que Oliver provavelmente me fale coisas horríveis.
Destranco sua porta e vejo a caixinha que dei de presente para ele antes de viajar estilhaçada no chão. Engulo em seco e tenho vontade de vomitar. Caminho vagarosamente pela casa, procurando por Oliver, até que ouço seus gritos de raiva vindos da academia.
Por que eu sabia que ele estaria lá, fingindo que o saco de pancadas é minha cara?
A porta está escancarada, permitindo-me observá-lo desferir golpes furiosamente, vermelho de raiva e sem notar minha indesejada presença.
Mas eu o noto. Percebo a raiva exalando do seu ser, a sua expressão fechada como nunca havia visto antes, as veias do pescoço e do braço saltadas, o paletó e a gravata jogados pelo chão e as mangas da camisa arregaçadas irregularmente, os botões desabotoados e o rosto úmido de suor e lágrimas.
Nesse momento, percebo que nada que eu falar mudará alguma coisa. Oliver só ficará mais nervoso e a conversa terminará de um modo nada favorável. Não é a hora mais adequada para conversarmos. Meu coração está acelerado e dói. Parece que tem algo queimando em minha garganta.
Quero acalmá-lo, mas não consigo nem me acalmar.
Seco minhas últimas lágrimas, então ele me vê. Sua postura cai, derrotado, e seus olhos se enchem de lágrimas novamente. Não penso duas vezes em ir ao seu encontro para abraçá-lo com toda força.
Infelizmente, sou obrigada a assistir a ele nesse estado.
Surpreendo-me quando o que faz não é me empurrar, mas retribuir o abraço, apertando-me tanto a ponto de quase me sufocar. Os soluços ficam abafados em meu pescoço e sinto as lágrimas molharem a região. Acaricio sua cabeça, na tentativa de aliviar sua dor.
– Você é uma monstra – ele diz entre os soluços.
Sim, eu sou. E meu pai é o monstro maior.
– Mas você é a minha monstrinha – Deus me ajude. Não chore, Maddy. Respire e continue o acariciando. – Nós prometemos, Maddy – seus braços apertam forte minha cintura. – Você era minha.
– Eu sou sua, Oliver. Eu não pertenço a mais ninguém – respondo suavemente.
De repente, é como se todas as nossas promessas, juras, o cadeado e o Point Zéro ecoassem na minha cabeça para reafirmar minhas palavras.
– Vai ficar tudo bem – murmuro, beijando sua cabeça em seguida. – Eu nunca vou deixar você.
– Não minta, Mad. Você sabe que vai – ele seca suas lágrimas, desfazendo o abraço. Não tenho como responder a isso. – Você sabe que nada ficará bem.
Oliver desmascara minha falsa esperança.
Não ficará nada bem. Nós não ficaremos bem.

...


Acordo sentindo frio no braço. Ainda é madrugada e o frio que me atinge é porque Oliver não está mais deitado ao meu lado. Ele está sentado de costas para mim.
Está encurvado, com os cotovelos apoiados nos joelhos e o rosto escondido entre as mãos, pensativo.
Não posso dizer que sei como se sente. Embora eu seja obrigada a me casar, o causador disso seja meu próprio pai e eu tenha descoberto quase como Ollie, não me senti como ele. Eu escondi a verdade dele, menti e, de certa forma, o iludi. Meu pai fez tudo isso comigo, porém é completamente diferente descobrir que seu pai mentiu para você e descobrir que sua namorada fez o mesmo.
Eu mesma sou culpada pelo que aconteceu. Não pelo casamento em si, mas por perdê-lo dessa forma e por fazê-lo sofrer.
Geneviève estava certa o tempo todo. Nada que eu falar vai justificar meu erro.
Oliver também estava certo: eu fui muito egoísta ao pensar só no meu bem-estar.
Eu só gostaria de me redimir e esquecer tudo por um tempo. Por isso, sento-me na cama e abraço meu noivo por trás. Apoio minha cabeça em seu ombro e ele segura minha mão.
– Acho que você precisa descansar, não é? – digo baixinho, beijo seu pescoço e ele dá de ombros levemente.
– Não consigo – Ollie coça a cabeça.
– Venha cá – conduzo-o pela mão para que se deite e cubro nós dois.
Mas, em vez de fechar os olhos, ele fica olhando para o meu rosto, analisando, observando, pensando.
– Você precisa fechar os olhos – afirmo.
Oliver suspira e os fecha. Seguro suas mãos, acariciando-as com o dedão.
Com o passar do tempo, seus pensamentos inquietantes são vencidos pelo cansaço e ele para de se mexer. A respiração se torna profunda e suave. Sua expressão é tranquila, o corpo, quente, e ele dorme profundamente.
Essa com certeza será a imagem mais difícil de apagar da memória.
Então o deixo dormindo sem olhar para trás, a fim de conseguir manter minha decisão. Não quero ter de encará-lo amanhã de manhã. Oliver precisa do seu tempo para pensar e darei no mínimo isso a ele.
Por isso escolho deixá-lo agora, com a certeza de que doerá menos nele do que em mim.
Quando chego a casa, tudo já está silencioso, embora o carro do meu pai já esteja na garagem. Passa das quatro da manhã e não sinto sono algum.
Pego uma vassoura e uma pá, pensando na bagunça de cacos de vidro em meu quarto, e subo vagarosamente para não fazer muito barulho. Respiro fundo ao perceber que eu poderia estar jogada no chão, despedaçada, assim como os cacos. Ajunto os pedaços maiores e acabo me cortando com os pedacinhos minúsculos quase imperceptíveis.
Não me importo em arrancar os pequenos cacos espetados em meus dedos. Vejo o sangue surgir ali e escorrer, enquanto lavo as feridas.
Arde, mas não tanto quanto meu coração ao ver Oliver chorar por culpa minha.
A vontade de chorar volta e não tento me conter. Preciso descarregar toda essa adrenalina em mim. Pego a foto do dia do meu noivado. Minhas lágrimas escorrem sem dificuldade e tento puxar o ar com força, mas silenciosamente. Passo o dedo por Oliver, pela sua sobrancelha grossa, pelas linhas formadas em sua testa por causa da sua careta confusa, pelos seus lábios e, por fim, pelo seu anel.
Estávamos tão felizes nesse dia que nada podia nos abalar. Foi tudo tão real e verdadeiro que é impossível que Oliver se convença do contrário.
É por isso que choro. Ele não acha mais possível sermos reais um com o outro. Ele não quer nem tentar fazer tudo ficar bem e isso me despedaça, esmaga meus ossos e escorre pelos olhos.
Sei que tudo foi dito num momento de raiva, mas qual a probabilidade de isso ser mentira?
Esse pensamento acaba comigo, principalmente porque só omiti a verdade no presente para tentar salvar nosso futuro. Eu gostaria que Oliver entendesse isso.
– Filha? – ouço a voz da minha mãe na porta do meu quarto. Quando ergo o olhar para sua figura enrolada num robe, as mechas ruivas caindo por um ombro só, as pantufas quentinhas e uma xícara de chá fumegante, não consigo vê-la como a causadora de tantas brigas e confrontos entre nós duas. Só vejo minha mãe, a pessoa que tentou me proteger da atual situação.
A pessoa que me torna incapaz de segurar o choro compulsivo quando vem ao meu encontro. Por que, quando a vejo, minhas emoções se intensificam? Como é possível mães terem esse poder?
– Deus! – mamãe corre para se sentar ao meu lado. Ela me abraça forte, de forma que me aconchego em seu peito, e acaricia minha cabeça. Soluço alto em seu colo como há muitos anos não fazia. Sinto o seu perfume naturalmente adocicado que me lembra baunilha. Eu adorava esse cheiro. – Tudo bem chorar. Pode chorar. A mamãe está aqui.
– Ele quer terminar comigo, mãe – soluço e a aperto contra mim. – Ele não quer me amar mais.
Mamãe tenta me acalmar, acariciando minha cabeça.
– Dê tempo ao garoto, bebê – ela diz baixinho. – Ele só precisa entender o que aconteceu. Ninguém pode tomar uma decisão com raiva.
– E se ele não me quiser mais mesmo assim? – endireito a postura, a fim de encará-la.
Mamãe seca minhas lágrimas.
– Bom, se ele não quiser, você terá de lidar com isso – seu sorriso é fraco. – Você vai sobreviver, baixinha. Eu prometo.
Abaixo o olhar, ainda tremendo pelos soluços incontroláveis.
– Você precisa descansar – ela diz e me entrega a xícara de chá, vai para meu closet e traz meu pijama mais confortável e quentinho.
Tomo o líquido quente para me acalmar e visto meu pijama. Pela primeira vez desde meus dez anos, provavelmente, Amethist me põe na cama e me cobre, põe um bichinho de pelúcia ao meu lado e beija minha testa.
Mas, quando penso que irá embora, ela apenas fecha a porta do quarto e se enfia debaixo das cobertas comigo.
– O que você estava fazendo acordada? – pergunto após um tempo.
– Eu estava preocupada. Você pode ter a idade que for, Madelinne. Ainda é minha filha e eu não sabia onde você estava.
– Mas e o papai? Vai deixá-lo dormir sozinho?
– Cale a boca, Maddy – ela me abraça com ternura. – Você precisa mais de mim do que ele esta noite. Vai por mim. Eu sei do que você precisa.
Não penso em refutar. Por isso desejo a ela uma boa noite e me aconchego em seu abraço.
– Boa noite, baixinha.
Meus olhos se fecham e me convenço de que isso não é um sonho. Até porque Amethist já esteve no meu lado da situação e tenho certeza de que ela sabe do que eu preciso de verdade.
Com certeza, um bom começo é conseguir dormir.

...


Acordo com os olhos mais inchados que o normal pela noite mal dormida e pelas muitas lágrimas roladas. Minha mãe não está mais ao meu lado, mas há evidências de que esteve mesmo aqui até pouco tempo. O seu cheiro está no lençol só para provar que não me enganei ao pensar que esteve aqui durante a noite.
Arrasto-me até o banheiro e não me importo em tentar consertar meu estado deplorável nem trocar de roupa. Apenas escovo os dentes antes de descer para tomar café. – Você deveria pedir desculpas a ela, David – ouço minha mãe dizer calmamente.
– Mesmo que a culpa não seja minha... – ele responde cansado.
– Ela acha que foi. Foi você quem aceitou o acordo.
– Eu sei – papai abaixa a voz.
– É difícil para ela, amor. Nosso bebê realmente amou alguém e agora precisa se afastar. Isso dói nela – mamãe explica no mesmo tom baixo que o marido. – Seja paciente. Você não sabe como é ter um amor escapando por entre seus dedos – ela põe a mão sobre a dele.
– Eu já quase a perdi uma vez, Amethist.
Ela ri baixo.
– Isso não conta. Peça desculpas à Maddy e as coisas vão começar a se ajeitar.
Engulo o nó na garganta antes de deixar de ouvir a conversa de trás da porta.
– Não precisa se desculpar, pai. Desculpas não vão resolver meu problema – digo sem encará-lo, focando toda a minha atenção na vitamina em cima da mesa.
– Maddy... – mamãe chama minha atenção.
– Isso é mais difícil do que eu pensei – meu pai murmura, juntando as mãos.
– Com certeza! – afirmo e decido encarar seu rosto cansado com a barba por fazer. – Sabe o mais impressionante? Todo esse tempo eu achei que minha mãe era a egoísta. Você escondeu bem.
– Desculpe, Madelinne – ele pede.
– Eu já disse que desculpas não vão resolver meu problema.
– Você acha mesmo que eu queria vê-la chorando pelos cantos? Eu não quero ver você sofrendo. Nenhum pai quer – meu pai se defende.
– Ótima coisa a se dizer quando meu noivado já está arruinado – dou de ombros ao morder minha torrada.
– Maddy, eu sinto muito. E, se quer saber, eu me arrependo. Nunca imaginei que você fosse ficar nesse estado – ele perde um pouco do seu poço de paciência.
– Ah, você se arrepende? Bom saber. Estou bem melhor agora – ironizo.
– Madelinne, por favor, não torne as coisas mais difíceis – mamãe me corrige. – Não se recuse a olhar em volta. Seu pai se arrepende, mas não há muita coisa para se fazer agora. E cuidado com esse tom.
– De que lado você está? – questiono, mas ela bufa. Meu peito se aperta e não sinto mais vontade de comer. – Porque agora você fala como se eu realmente pudesse ser feliz num casamento arranjado e amar o pai do meu sobrinho, o mesmo cara que sempre vai pensar na minha irmã antes de pensar em mim e ela, por sua vez, sempre vai ter um pedaço dele para lembrar de tudo que eles tiveram. Acho que vocês não pensaram na possibilidade de eu não ter a mesma sorte que vocês têm de se gostar.
Levanto-me e saio furiosa da presença deles antes que me vejam chorar. Assim que chego ao meu quarto, disco o número de Oliver sem pensar duas vezes.
– Precisamos conversar – é o que digo no segundo em que ele atende.

...


– Oi – sorrio de canto assim que Oliver abre a porta para mim.
– Oi – ele responde quase seco.
Oliver não espera que eu entre para me dar as costas e se jogar no sofá. Não me apresso em ficar nervosa, triste ou levar para o lado pessoal, embora seja puramente pessoal.
Fecho a porta cautelosamente e encaro Oliver por breves segundos. Não sei definir se a raiva é maior que a mágoa, mas suas olheiras evidenciam seu emocional abalado. Sento-me bem à sua frente, na mesinha de centro, e fico observando cada traço seu. Ele não me olha e continua focado na tela do seu celular.
Expiro com força.
– Eu vou fazer um chá antes dessa conversa, porque estou vendo que vai ser bem difícil – anuncio antes de me direcionar à cozinha.
Decido o sabor do chá e ponho a água para ferver. Sento-me na pia, balançando os pés no ar e vendo a água começar a esquentar. Mordo o lábio ao pensar que, em circunstâncias normais, Oliver me veria aqui, me abraçaria e beijaria.
Sou uma completa idiota por deixar chegar a esse ponto. Provavelmente nunca mais vou me perdoar por isso, mesmo que Oliver venha a me perdoar.
Mexo o açúcar nas duas xícaras com o chá já pronto e só percebo a presença do dono da casa quando ele diz:
– Você parece extremamente tranquila.
Não me atrevo a olhar para ele ainda.
– Nem tudo é o que parece – entrego uma xícara a ele. Encosto-me ao batente da porta bem à sua frente. – Só não vale a pena ficar estressada de novo. Não vai resolver nosso problema. Já fiquei nervosa o suficiente com essa situação – a bebida quente escorrega pela minha garganta.
– Você foi embora – Ollie está com o olhar fixo na xícara, mas então o ergue até encontrar o meu. – Você me deixou, Maddy.
Engulo em seco e penso numa resposta adequada. O peso de suas palavras é esmagador, ainda que seu tom seja baixo.
– Eu não queria que meu choro atrapalhasse o pouco sono que você teria – explico. – Então fui chorar na minha cama. Provavelmente mais do que já chorei na minha vida. Além disso, achei que você precisava de um tempo para pensar sem ter que olhar para a minha cara quando acordasse – solto todo o ar dos meus pulmões.
– Eu ainda não entendi por que você não me contou antes. Mesmo tendo pensado a manhã inteira, ainda não faz sentido para mim – nega com a cabeça.
Eu poderia dar mil e uma razões como resposta, mas escolho a que resume todas elas:
– Porque eu tenho medo, Oliver. Eu tive medo antes, estou com medo agora e tenho mais medo ainda do futuro. Você sempre me deu toda a segurança que eu precisava para seguir em frente e a simples ideia de machucá-lo é assustadora. Eu tenho medo. Eu assumo. Sou uma covarde.
Ficamos em silêncio por um longo período e, a cada segundo que se estende, meu coração se aperta mais.
Por favor, fale alguma coisa! Qualquer coisa.
– Eu ainda não concordo – é tudo que diz.
Solto todo o ar que nem sabia que prendia.
– Eu sei. Sinto muito.
Pedir que ele me perdoe parece a atitude mais irônica e mais egoísta que a própria omissão.
– Eu nunca quis magoar você, Ollie – continuo baixinho.
– Mas magoou – ele enfatiza e tenho a sensação de ter uma faca cravada no meu peito.
– Eu sei – olho para cima para evitar que as lágrimas ameacem voltar. – E eu nunca vou me perdoar por isso.
– Você fala isso agora, Madelinne. Daqui a algum tempo, tudo vai passar e você vai, na pior das hipóteses, esquecer todo o estrago que essa história de “casamento arranjado” causou. Principalmente por causa do seu marido.
Oliver me retrata como uma monstra desalmada, algo que me machuca mais ainda. Suas palavras são amargas.
– O Dylan nunca será meu marido de verdade, Oliver – retruco, tentando não tremer.
Dirijo-me até a pia para lavar minha xícara e sinto meus dedos latejarem quando o detergente entra em contato com os pequenos cortes na ponta deles.
– Sabe qual o pior, Maddy? – ele questiona assim que ponho a porcelana no escorredor. Olho por cima do meu ombro e percebo sua constante aproximação. Oliver para ao meu lado e penso duas vezes antes de olhar em seus olhos, só para me arrepender quando o faço. – Eu também não.
Desvio meu olhar para a janela, já sentindo as lágrimas quentes rolarem pela minha bochecha.
Esse foi apenas um cutucão com a faca contra todas as facadas que Oliver desferiu contra mim, mas é a mais dolorosa pela decisão implícita ali. Como aprendi com os cortes em meus dedos, são os pequenos cortes que mais incomodam e os que cortam mais fundo.
Volto a olhar para ele, que está com o olhar triste, e deixo um soluço escapar. Aperto sua cintura num abraço e sinto seus braços me envolverem.
– Eu amo você, Oliver – digo ao senti-lo afagar minha cabeça e perceber que choramos juntos.

...


Reviro-me na cama pela milionésima vez e agradeço ao perceber que o sol já se põe.
Agarro meu urso de pelúcia e fecho os olhos, tentando descansar, mas é quase impossível, porque os sentimentos estão completamente misturados dentro de mim e eu não encontro nenhuma saída para os meus problemas.
Não sei como fugir do casamento nem como consertar as coisas com Oliver.
Embora o casamento possa me aprisionar pelo resto da minha vida, o que mais me preocupa é acertar as contas com Oliver. Por um momento, não me importo se vamos ficar juntos ou não. Eu só quero que ele entenda os motivos de eu ter escondido a verdade dele e que não ficasse com uma visão distorcida de mim, mesmo que não concorde com nada do que eu disser.
Eu sei que não concorda, sei que a confiança entre nós foi abalada, mas sei também que todo o tempo que ficamos juntos foi importante para nós dois.
Eu o amo, Oliver me ama. No entanto, por mais que não tenhamos chegado a nenhuma conclusão hoje, nosso fim parece inevitável, principalmente depois do que ele disse, e essa perspectiva me assombra. Parece que eu estou perdida no escuro, sem poder me refugiar em nada nem ninguém.
– Oi, baixinha – ouço a voz de Gen, mas não encontro forças para me sentar. Apenas viro para poder enxergá-la melhor. – Eu trouxe isto – ela mostra um pote de sorvete de iogurte com amora ao se sentar na minha cama.
Gen estende uma das colheres em sua mão.
– Obrigada – sento-me, cansada e acabada. – Agora você gosta de amora? – pergunto depois de enfiar uma colherada generosa na boca e ver minha irmã fazer o mesmo.
– Não, mas esse negócio de desejo é verdade – dá de ombros.
Assinto.
Depois de um tempo me analisando, Geneviève diz:
– Parece ridículo perguntar como você está quando a resposta é óbvia.
– Obrigada pela compreensão – respondo seca, ainda me concentrando no sorvete.
– Vocês terminaram? – ela pergunta como se estivesse pisando em ovos e eu nego com a cabeça.
– Ainda não.
– Ainda? – sua questão me faz querer jogar tudo para o alto e sumir.
– Parece inevitável, Gen! Eu acho que não temos alternativa – encho a boca de sorvete. – Mas eu não vou terminar com ele.
– Quer xingar todo mundo? – minha irmã oferece e eu deixo um sorriso escapar pela oferta.
Assim a noite se passa: eu e Geneviève reclamando de tudo o que nos incomoda e secando o pote de sorvete. Depois tenho que segurar seu cabelo para que o vômito não atinja nada que não seja o vaso sanitário e minha irmã jura que nunca mais irá tomar um pote inteiro de sorvete, mas nós duas sabemos que é mentira.
Por uns instantes, sinto-me um pouco aliviada por desabafar com alguém que entende meu problema.
Durante essa semana, fica mais difícil estar disponível para conversar com Oliver, pois, além de ensaiar com meus alunos, eu mesma volto a ter ensaios estendidos com Thomas para a apresentação de domingo. Contudo, ligamos um para o outro durante todas as madrugadas. Se eu não o faço, ele faz. Se perco o sono, ele não demora a atender.
O tom da conversa sempre parece uma despedida. Às vezes nem quero atender por saber que vou chorar até pegar no sono depois. Mas sempre atendo, uma vez que é melhor chorar por ouvir sua voz do que por não ouvi-la.
Acompanho a música com Thomas e fecho os olhos. Atualmente, Thom tem sido o único homem na minha vida que não tem me causado raiva, estresse ou ansiedade e, por causa da dança, tenho vontade de permanecer com ele para sempre, sem me importar com as questões que me aguardam fora da academia.
– Quinze minutos! – Rachel diz e desliga a música.
Eu e meu parceiro nos sentamos no chão e bebemos água. Ainda ofegante, deito-me no chão gelado e não me incomodo com o suor escorrendo pela minha testa.
Meu celular começa a tocar e Thom o pega na minha bolsa, sem eu precisar pedir.
– Obrigada – atendo a chamada assim que vejo o nome de Oliver brilhar no ecrã. – Oi, amor – cumprimento cansada.
– Maddy, preciso conversar com você pessoalmente e o mais rápido possível – seu tom é sério e ansioso.
Tenho um péssimo pressentimento que faz meu estômago revirar.
– Eu estou no ensaio agora e ainda tenho mais meia hora. Posso ir para sua casa assim que sair daqui – explico, mordendo a unha.
Oliver fica em silêncio por uns segundos, mas então diz:
– Tudo bem. Não demore. Até mais tarde.
Antes mesmo de eu formular uma resposta, a chamada é encerrada. Olho para o celular só para ter certeza de que ele não está mais lá e bufo quando consto que desligou na minha cara.
Deixo meu celular de lado para fitar o teto. Sinto o olhar de Thomas sobre mim.
– Vocês não estão muito bem, né? – ele pergunta, sem conseguir ser mais direto.
– Estamos numa fase complicada – explico não explicando nada, na verdade.
Meu parceiro se deita ao meu lado e me cutuca.
– Sabe, vocês estão juntos há bastante tempo. Aconteça o que acontecer, tenho certeza que vão superar e se esquecer dessa fase.
Embora Thomas tenha dado a entender que eu e Ollie possamos vir a terminar, ele tem razão provavelmente. Pelo menos, ele e mamãe me disseram que vamos superar.
– Sinceramente, não desejo que vocês terminem – ele reforça. – Mas, caso aconteça, pode ter certeza que, se precisar, eu levo você para dançar a noite toda – seu sorriso fraco me é oferecido.
Fixo meu olhar nos seus olhos castanhos e tenho certeza de que ele se preocupa.
Conheço Thomas o suficiente para saber que seu último relacionamento durou três anos inteiros e eles terminaram porque ela “queria espaço”. Thom era completamente apaixonado e fazia de tudo pela garota.
– Eu acho que não sei mais não ser um casal, Thom. E se terminarmos? – pergunto triste.
– Bom, se vocês terminarem – ele encolhe os ombros antes de enumerar nos dedos. – Você vai chorar muito, querer voltar, se isolar de tudo e todos e as coisas perderão a graça. Mas você vai encontrar sua forma de descarregar e superar. Não vai mais doer pensar nele – o sorriso fraco que não deixa seu rosto até que me consola. – Não se preocupe. Ele também vai sofrer por perder uma garota incrível.
Rio baixo e sorrio depois.
– Você é demais, Thom.

...


Destranco a porta da sala, ansiosa e com um frio na barriga indomável.
– Oliver? – chamo ao perceber que não está aqui.
– Aqui – sua voz ecoa e me viro para encará-lo descer as escadas.
Ele é cauteloso e não há mais traços de leveza que eram tão naturais do seu ser. De alguma forma, apenas o pior se passa pela minha cabeça. Apesar de imaginar inúmeras formas de como Ollie poderia terminar comigo, sou surpreendida por sua pergunta:
– Está com fome?
Fico olhando para ele perplexa até conseguir balançar a cabeça.
– Não. Estou bem – digo.
Fico enjoada só de pensar em comer alguma coisa. Só quero terminar o mais rápido possível o que nem começamos.
– Tem certeza? Você ensaiou o dia inteiro.
– Estou bem, Oliver. Tenho certeza – sento-me no sofá e sorrio de canto.
Ele me analisa por alguns segundos e dá de ombros.
– Tudo bem então...
Oliver se joga ao meu lado e apoia a cabeça ao encosto, fechando os olhos. Nossas mãos se tocam e nenhum dos dois se move, seja para afastar ou segurar a mão um do outro.
Fico olhando para o seu rosto, sua barba bem feita, o seu lábio inferior gordinho, a linha do nariz, a sobrancelha grossa, os olhos fechados e cansados. Oliver provavelmente percebe que estou observando cada detalhe seu e vira o rosto para mim. Ele fica a uma distância muito pequena do meu e isso me proporciona uma vista privilegiada dos olhos escuros que costumavam me tranquilizar.
E é pela forma que ele me olha que sei exatamente o que está prestes a fazer. Sei que está protelando e talvez essa seja a forma mais fácil de postergar o sofrimento, embora já esteja doendo o suficiente.
Por alguma razão, quero que diga logo o que tem a dizer antes que meu interior se corroa por inteiro.
– Eu não pensei que um dia chegaríamos a esse ponto – Ollie confessa.
– Nem eu... – respondo baixo e o peso em meus ombros parece me esmagar. – Eu sei que talvez seja um pouco tarde para isso, mas me desculpe. Por tudo. Eu sei que a culpa é minha e mereço tudo o que você quer me falar.
Ele balança a cabeça frustrado.
– E o que eu quero lhe falar? – sua questão soa quase como um desafio ao que eu me sinto rejeitada, como se minha presença fosse indesejada.
– Eu sei o que você vai fazer, Oliver. Você não me engana – desvio meu olhar para suas mãos que não param de girar a aliança.
Para mim, esse pequeno gesto é a confirmação do que eu já imaginava.
– Parece que nisso somos diferentes... – ele murmura, mas tomo suas palavras como um soco na boca do estômago.
Eu sei que está com raiva e tem motivos mais que suficientes para tal. No entanto, isso chega a ser tortura. Para que dar tantas voltas se o desfecho já está montado?
– Somos e eu deveria aprender mais com você – rebato. – Talvez essa seja minha lição.
– Eu realmente espero que o Dylan não faça isso com você, Madelinne. Ninguém merece o que você fez. Nem eu.
Tenho dificuldades para respirar e mordo minha unha. Não tenho coragem para olhar em seus olhos e a sala cai num silêncio mortal.
– Então é isso? Terminar é o que você realmente quer? – pergunto. Só então percebo que seus olhos estão mais escuros que nunca.
– Óbvio que eu não quero! – ele eleva o tom. – Mas que outra alternativa eu tenho?
Aperto os meus olhos, tentando me livrar das lágrimas que ameaçam a rolar pelos meu rosto.
– Eu não vou desistir de você, Oliver – o nó na minha garganta quase me deixa sem voz.
– Pois deveria – sua sugestão me gera dor física. – Deveria mesmo, já que vai se casar com outro cara.
Foco minha atenção em seus olhos e engulo em seco.
Respiro fundo antes de dizer:
– Não, Oliver. Não foi o Dylan que me deu isso – mostro meu anel. – Eu não vou casar com esse outro cara.
Levanto-me do sofá e, sem olhar sua expressão, saio pela mesma porta que entrei, fugindo da tempestade de sentimentos dentro da casa. Destranco meu carro e, assim que ponho as mãos no volante, desabo e liberto cada mísera lágrima que aprisionei enquanto estava na presença de Oliver.
Saio sem rumo pela cidade.
Não quero aceitar o que acabou de acontecer. O sentimento de rejeição e desprezo é inevitável e eu quero arrancá-los de mim. Não acredito que Oliver desistiu totalmente de nós e me desencorajou a lutar por ele depois de todas as nossas histórias juntos.
Só quero chorar todas as minhas lágrimas e voltar a ter paz na minha cabeça e coração. Sinto como se uma parte de mim tivesse morrido assim que Oliver confirmou nosso término e todos os planos foram enterrados.
Estaciono em frente ao primeiro lugar que me vem à cabeça e aperto a campainha. Nem tento disfarçar a cara lambuzada e inchada das pessoas que passam na rua. Quando Tess abre a porta, seu sorriso desaparece assim que volto a soluçar.
– Maddy? – minha amiga soa preocupada e eu a abraço com toda a minha força.
– Ele não me quer mais, Tess – as lágrimas chegam ao meu pescoço. – Ele terminou comigo.
– Ai, amiga – ela acaricia minha cabeça e não demora para eu estar sentada em seu sofá com uma xícara de chá de camomila na minha frente, contando toda a história.
Conto sobre o contrato, o porquê de eu não ter contado, a minha esperança de resolver tudo, meu noivado completamente arruinado com a festa de ano novo, Oliver furioso e o término iminente.
Até parece que um peso enorme foi tirado das minhas costas só por contar tudo para alguém que eu confio e Tess ouve com atenção, ponderando cada detalhe.
– Eu não queria que acabássemos. Eu só queria que ele entendesse isso – passo os dedos pela xícara com o chá já frio.
Minha amiga não sabe o que dizer e me encara com piedade, então me abraça de lado, secando minha bochecha das lágrimas que pararam de escorrer há algum tempo.
A verdade é que eu precisava apenas de um ouvido amigo. Não quero conselhos. Só abraços.
– Eu gostaria de ajudar, Mad – Tess diz baixo e fixo minha atenção na sua aliança dourada. – Mas eu realmente não sei o que dizer. Nunca se passou pela minha cabeça que isso pudesse acontecer. Parecia que estava tudo certo...
– Tudo bem. Não se preocupe. Eu sei que errei ao não contar para ele. Mas dói tanto, Tess – tenho que fazer força para respirar. Parece que algo pressiona meu peito e me impede de receber o oxigênio. – Eu queria voltar no tempo e fazer tudo certo, mas ele estava tão seco hoje – meus olhos ardem. – Ele não me dá a chance de tentar mudar tudo.
– Ai, amiga – ela me aperta contra si. – Tudo vai passar. Você vai ver.
Prendo-me a Tess e às suas palavras, na esperança de que isso seja verdade.
Quando chego a casa, não me incomodo em ir direto para o meu quarto para evitar qualquer um. Eu me isolo completamente de todos, aprisionada por própria vontade em meu quarto, observando as pétalas do último buquê que Oliver me deu secarem e caírem. A fina garoa lá fora logo se transforma em delicados flocos de neve.
Não sinto fome nem ânimo, muito menos disposição para me levantar da cama. A única visita que recebo é de mamãe e Gen e não preciso dizer o que aconteceu para que entendam meu estado. Por isso não demoram para me deixarem sozinha.
Pela primeira vez em quatro anos, Oliver não atende minha ligação na madrugada e isso me devasta como um aviso para não procurá-lo novamente.
Não me dou ao luxo de acordar mais tarde no sábado, uma vez que passei a noite em claro e não aguento nem mais um minuto na cama. Arrasto-me até a mesa do café e encontro meu pai conversando descontraidamente com CeCe. O sorriso despreocupado da minha irmã desaparece quando vê o estado em que me encontro.
– Bom dia – meu pai me oferece um sorriso de canto quando desabo no meu lugar habitual.
Apenas balanço a cabeça para seu comentário e me sirvo de vitamina.
– Por que você está assim, Maddy? – Cécile me pergunta horrorizada e preocupada, mas não respondo.
– Porque às vezes acontecem coisas que obrigam os casais a se separarem e a Maddy está triste por isso – papai diz. Não consigo nem olhar para ele depois disso e perco o pouco apetite que tinha.
– O Ollie fez isso com ela? – os olhos dela se fixam em mim espantada. – O Ollie não gosta da Maddy chorando, pai. Ele queria fazê-la sorrir.
– É... – meu pai busca uma explicação plausível, mas eu tomo a iniciativa, olhando fixamente para ela.
– Não foi o Oliver que fez isso comigo, CeCe. Fui eu mesma.
O olhar do meu pai cai sobre mim e olho para ele por alguns segundos. Papai sabe que a culpa é dele e, por mais egoísta que seja, desejo que essa culpa permaneça sobre seus ombros por muito tempo.
Minhas emoções variam entre raiva e tristeza durante os ensaios, o que me permite segurar o choro por muito tempo. Porém, quando o último passo é executado pela milésima vez, não consigo me controlar nem mesmo quero me controlar. Então as lágrimas rolam e Thomas já sabe o motivo.



Capítulo 14 - Sangrando Amor

– O Oliver está aqui! – CeCe puxa meu braço e demoro para entender suas palavras. – Ele veio ver a gente, Mad!
Duvido da veracidade das palavras da minha irmã, mas me deixo ser guiada por ela na mais estúpida esperanças de vê-la.
Cécile me guia entre os dançarinos nos bastidores do teatro em que o festival ocorrerá e logo chegamos ao acesso ao palco. Espionando entre as cortinas, ela avista quem estava procurando.
– Ali! – aponta.
Sigo sua indicação, passando os olhos pelos meus pais e Dylan até que o encontro. Subitamente, as vozes que ecoam na sala cessam e só escuto meu coração batendo em meu ouvido. A adrenalina que pulsa em minhas veias me causa calor e uma pequena crise de riso.
Estou feliz por Oliver estar aqui. Não cogitei a possibilidade de sua vinda depois do nosso término, até porque ele nem atendeu minha ligação nem me ligou. Não nos falamos o dia todo ontem nem hoje. Sua presença é realmente uma surpresa.
Cubro meu sorriso com a mão, incrédula.
– Ele veio, CeCe! – olho para minha irmã.
Oliver veio me ver.
As apresentações começam pontualmente e seguem o mesmo padrão quanto à sequência de anúncios: nome da academia de dança, da coreografia, do coreógrafo e da modalidade da dança.
Fico realmente emocionada ao ver Geneviève dançar com mais três bailarinas. Sua barriguinha fica bem marcada com o collant, embora ainda não esteja grande. Intercalo meu olhar entre ela e Dylan só para ver sua reação. Ele não tira os olhos dela em momento algum.
Muitos nomes são chamados e a tensão cresce entre mim e Thomas. A apresentação de Cécile é exatamente antes da minha. Por essa razão, não consigo prestar tanta atenção em seu desempenho quanto gostaria. De qualquer forma, percebo que ela se diverte a cada movimento e vejo Oliver aplaudi-la com um sorriso enorme no rosto no final. CeCe agradece, as luzes se apagam, ela sai do palco e eu e Thom somos anunciados.
A música começa ao mesmo tempo em que uma luz gradual se acende. Olho fixamente para meu parceiro entrando pelo outro lado do palco e sou guiada pelos movimentos há muito decorados.
Porém, na metade da coreografia, percebo que Oliver já não está no lugar que estava há menos de cinco minutos. A frustração que me atinge quando percebo é indescritível.
Ele não veio por mim.
Sinto-me uma idiota por ter achado que Oliver queria me ver. Sem que eu perceba, começo a sentir de verdade o que a música diz. Todos os meus movimentos são mais intensos agora.
Ele não quer me ver.
Procuro focar em Thomas para não me distrair, mas no último passo, quando ele supostamente me joga no chão, faço um barulho horrível na madeira e fico largada com o lenço vermelho. Olho para a porta de saída e vejo Oliver me observando atentamente, sério, indiferente à minha dor.
Olhar em seus olhos dói em meu corpo e um nó se forma na minha garganta. Fecho os olhos, evitando que fiquem marejados, embora seja um pouco tarde para isso.
Quando a sala explode em palmas, o que me força a me levantar para agradecer com Thomas, busco rapidamente olhar na direção de Oliver de novo.
Aperto a mão do meu parceiro e escondo meu rosto em seu pescoço num abraço assim que percebo que Oliver não está mais lá e minha decepção decide transbordar pelos olhos.

...


– Eu só quero ficar sozinha, mãe – digo cansada, ainda olhando para o troféu de primeiro lugar na categoria street-jazz em minhas mãos.
– Tudo bem – ela suspira. – Mas você deveria se distrair. Caso mude de ideia, sairemos em dez minutos.
Mamãe sai do quarto, fechando a porta, e eu me jogo na cama. Passei o resto do festival sentada num banco atrás do palco com Thomas e Geneviève ao meu lado, sem conseguir pensar em muita coisa além de que Oliver não foi para me ver.
Mas me viu.
Não sei como teria reagido caso ele tivesse ficado, provavelmente correria para os seus braços e lá ficaria. Não chorei por muito tempo depois. Na verdade, fiquei com raiva de mim mesma por imaginar que o cara que terminou comigo e está me odiando no atual momento iria me ver. Não faço ideia do porquê estava lá, apesar de não fazer diferença nenhuma agora por eu já estar deprimida.
Minha vontade de sair para jantar com minha família chega próxima de zero e não escondi isso. No entanto, por alguma razão, levo a sério as palavras de minha mãe sobre me distrair quando tudo o que eu queria era pensar numa forma de reconquistar Oliver.
Vou jantar com a minha família.
Tento me manter focada e interessada na conversa, mesmo que exija muito esforço da minha parte. Preciso fazer tanto esforço para escutar quanto para sorrir e me preocupo em comer. Ninguém menciona nada sobre o casamento, mas meu pai faz questão de elogiar a mim e minhas irmãs pelas apresentações até não existirem mais adjetivos possíveis.
– Tenho muito orgulho de quem vocês estão se tornando – ele diz com sinceridade e um meio sorriso muito bonito no rosto.
Eu poderia perdoá-lo por tudo que fez só por esse comentário, pelo orgulho e amor em sua voz. Poderia esquecer a parcela de culpa dele e seguir em frente.
Poderia fingir que está tudo bem e conviver com essa aparência. Poderia mesmo, se não fosse pela intenção que ele tem com meu casamento e a bagunça que causou.
Antes de dormir, penso em todos os últimos acontecimentos até meus olhos ficarem tão pesados que não consigo entender para onde minha mente viajou.
Um barulho irritante perturba meu sono e não demoro para identificar que estão me ligando. Quando percebo isso, meus olhos se arregalam e atendo, mal lendo o identificador de chamadas.
– Oliver? – minha voz quase não sai pela rouquidão.
Meu quarto está completamente escuro, o que permite me concentrar de forma exclusiva em qualquer som do outro lado da linha.
Mas ele não diz nada. Apenas ouço sua respiração profunda e nada mais.
– Oliver? – pergunto de novo com o coração apertado.
– Eu amo você. Sinto sua falta – ouço seu tom baixo, mas firme, e perco o ar.
– Eu também – aperto o celular contra mim e respiro fundo. – Eu também.
Ninguém diz nada durante um bom tempo. Acho que não se faz necessário dizer mais alguma coisa. O que eu queria era ouvir sua voz, apenas. Não sei como continuar a conversa. Não quando Oliver não quer ouvir o que tenho a dizer.
– A sua dança – volto a focar minha atenção nas suas palavras. – Eu gostei bastante. Foi bem real – ele parece pensar bem em cada palavra antes de pronunciá-la.
– Obrigada. Creio que tenho muitos motivos para incorporar a personagem – sorrio de canto, tentando descontrair. Ouço um riso nasalado bem fraco do outro lado da linha que para num piscar de olhos.
– Talvez tenha mesmo – Oliver volta a ficar sério e diz rápido. – Boa noite, Maddy. Bons sonhos.
– Boa noite – murcho. – Eu amo você.
Mas ele já desligou sem ouvir essa última parte.



Capítulo 15 - Preparativos

– Precisamos decidir algumas coisas referentes ao casamento – minha mãe avisa com calma enquanto penteio o cabelo. Permaneço calada, sem alternativas quanto a responder, e ela continua. – Chamei o Dylan para almoçar com a gente e acertar os detalhes. Então... – mamãe suspira. – É melhor você se arrumar. Não podemos demorar para sair.
Respiro fundo, tentando manter a calma, e assinto.
– Claro.
Não demoro para me arrumar, mas, mesmo assim, minha mãe já está na sala esperando enquanto fico pronta. Imagino que os detalhes do casamento tenham a ver com a própria cerimônia, padrinhos e meu vestido. De qualquer maneira, não estou preparada para lidar com esse tipo de coisa agora.
Dylan e eu não conversamos sobre absolutamente nada, até porque ainda acredito que não vamos nos casar. Porém, enquanto não resolvemos esse detalhe, precisamos fingir que está tudo certo.
– Olá, querido – mamãe sorri para Dylan quando chegamos ao restaurante e o encontramos numa mesa bem no canto.
– Oi – ele sorri fraco. – Oi, Maddy.
– Oi, Dylan – sento-me ao seu lado, visto que tenho certeza de que mais ouviremos do que opinaremos nas decisões.
O garçom nos atende e pedimos nosso almoço sem demora. Como eu e meu querido noivo permanecemos quietos, mamãe olha bem para nós e começa.
– Olhe, eu sei muito bem como vocês estão se sentindo e acreditem que eu fiz o máximo para não deixar isso acontecer – ela junta as mãos. – Infelizmente, não deu certo. Sinto muito. Mas vou tentar facilitar o máximo para vocês, escutar o que têm a dizer e ajudar a fazer a futura vida de casados se tornar um pouco melhor, desde que vocês estejam dispostos a ajudar também.
Bufo, tanto pela surpresa quanto pelo cansaço.
– Já tentou convencer meu pai de mudar toda essa bagunça? – questiono.
– Já, mas deu para perceber o meu fracasso – mamãe espera o garçom nos servir as bebidas para responder.
– Então não entendi qual será a ajuda – cruzo os braços.
– Facilite, Madelinne. Não fui eu quem arranjou esse casamento – mamãe rebate e reviro os olhos.
Nem eu.
– Certo, já que não tem o que fazer e vamos nos casar em... – Dylan começa a me encarar. – Dois meses? – assinto e ele volta a olhar para minha mãe. – Dois meses. Então será do nosso jeito.
Endireito a postura e concordo.
– Tudo bem, desde que seja viável – mamãe dá de ombros. – O que vocês têm em mente para a cerimônia e a festa? – ela pega uma caderneta e uma caneta na bolsa.
– Você faz questão de festa? – pergunto a Dylan, deixando bem claro pela minha expressão e voz que gostaria muito que dissesse que não.
– Nem um pouco – o loiro dá de ombros.
– Ótimo. Nada de festa – sorrio para a ruiva que revira os olhos e anota alguma coisa na caderneta. – De preferência, casamento só no civil só para a família. Não vejo por que gastar dinheiro com isso, não é?
– Ok – percebo a frustração de mamãe. Obviamente, ela gostaria que sua primeira filha desse uma festa linda. Outra frustração vinda de mim para sua coleção. – Que tal um almoço ou jantar num restaurante para não passar em branco? Alguma coisa vocês têm que fazer.
Eu e Dylan nos entreolhamos e damos de ombros.
– Tudo bem – a mulher respira fundo. – Vocês precisam morar em algum lugar. Eu separei fotos de alguns imóveis e espero que vocês gostem. Vou encaminhar para o e-mail de vocês, mas seria bom saber o que vocês querem.
– Desde que tenha um quarto para o meu filho... – Dylan avisa.
– Eu já pensei nisso, querido. Não se preocupe – mamãe sorri. – Mas preciso da resposta de vocês o mais rápido possível.
Nossos pratos chegam e todo o apetite que havia sumido nos últimos dias ressurge com força assim que o delicioso aroma de comida enche o ar ao meu redor.
– Temos um outro assunto importante para resolver. Precisamos ir atrás das roupas. Marquei horário com o Max hoje, Maddy.
– Eu poderia ir de jeans que ficaria mais feliz, embora adore Max – tomo um gole da minha bebida.
– Não vou nem me dar ao trabalho de responder – a mulher revira os olhos.
– Apenas minha opinião – dou de ombros indiferente e a ruiva me ignora.
– Além disso, vocês precisam pensar nos padrinhos. Nisso eu não vou me meter.
Eu costumava saber quem seriam meus padrinhos. Sempre disse a Tess que, não importa o que acontecesse, ela seria minha madrinha. Logo, Jeff seria meu padrinho. Mas agora não parece certo chamá-los, embora eu saiba que minha amiga ficará extremamente chateada caso não a chame.
Não faço ideia do que farei. Como em todas as situações, terei de dar um jeito.
Quando estamos nos despedindo para sair do restaurante, Amethist intercala o olhar entre mim e Dylan e diz:
– Não será tão ruim como parece. Nos primeiros meses é difícil, mas vocês vão aprender a conviver.
Odeio seu olhar de piedade. É como se eu não tivesse nenhuma chance de escapar dessa situação.
Ela não vai matar minha esperança.

...


Sinto o cheiro tão gostoso e típico do ateliê de Max assim que passo pela porta. Christina sorri para mim e mamãe e nos cumprimenta alegre.
– Oi, Chris. Tudo bom? – Amethist sorri.
– Tudo bem, e com vocês?
– Muito bem – a ruiva responde.
– Estou ótima – sorrio.
Percebo que a recepcionista realmente acredita que estamos bem e concluo que tanto eu quanto minha mãe podemos mentir muito bem quando queremos.
– Olá, meninas – Max aparece e nos beija duas vezes na bochecha, o típico cumprimento francês. Ele não demora para nos levar à sua sala de criações. – Sua mãe me disse que a traria aqui – recebo um sorriso de canto de sua parte.
– Então você sabe que não estou feliz... – cruzo os braços.
– Sei, mas prometo dar algo de bom no casamento não tão bom assim – Max pisca um olho e encolho os ombros.
– A Maddy e o Dylan não querem fazer uma festa – mamãe informa ao se sentar numa das cadeiras. – Mesmo que seja algo simples, o vestido tem que ser perfeito.
– Maddy, você já pensou em como você gostaria de se casar? – Max pega um lápis e anota meu nome numa folha com um manequim desenhado.
Penso por um instante em todos os modelos de vestidos que vi ou que busquei na internet e essas ideias parecem não significar mais nada.
– Não sei – respondo. – Quer dizer, eu pensava num vestido, mas não tenho certeza. Posso ver os que você tem aí? – peço, já sabendo a resposta.
– Claro.
Max se levanta e me guia até a seção das noivas. Vejo tantos modelos, mas nenhum parece comigo.
– Você sempre falava desse modelo – ele me mostra um vestido muito bonito e assinto. Realmente é o que eu sempre buscava: tomara-que-caia, cintura bem marcada, saia não tão bufante e pedrarias.
Passo a mão pelo tecido e sorrio.
– Quer provar?
Pego o vestido e concordo. Com a ajuda da minha mãe, logo estou vestida. Apareço para Max que me coloca em frente ao espelho e eu fixo o olhar no meu reflexo.
Aliso o vestido e foco a atenção no meu anel de noivado. Ele continua em meu dedo. Não o tirei em nenhum momento. Por essa razão, meus olhos ficam marejados assim como os de mamãe.
A diferença é que Amethist está emocionada, enquanto eu estou frustrada.
O vestido é lindo, é verdade, mas não me sinto feliz por estar vestida assim para Dylan. Sinto-me enjoada e desesperada. Quero tirar esse vestido de mim o mais rápido que puder e largá-lo o mais longe possível.
Tento respirar fundo e me controlar, mas, quando olho para Max, sei que ele sabe como estou me sentindo e que está preocupado, então começo a chorar.
– Ajude-me, Max – corro para o seu abraço. – Eu não quero casar com o Dylan! Eu quero fugir. Tire esse vestido de mim! – soluço.
– Calma – ele me abraça forte. – Vamos tirar esse vestido. Você não precisa ficar com ele – Max diz baixo.
– Eu não quero, não quero... – a essa altura, não sei se estou falando do casamento em si ou do vestido. De qualquer forma, não quero nenhum dos dois.
– Venha, Maddy. Vamos tirar esse vestido – Amethist aperta meu braço devagar e me guia até o provador.
Enquanto visto minhas próprias roupas, fico calada e mamãe me observa.
– Você não precisa usar um vestido de princesa, se isso não lhe fizer bem – ela pendura o vestido no cabide. – Eu sei que você não ficará à vontade com ele.
Não respondo e coloco meu sapato, secando as lágrimas.
– Vamos dar um jeito. Você vai ver – não sei se ela está falando do casamento ou do vestido. De qualquer forma, creio que é do segundo.
Christina me serve uma xícara de chá, enquanto minha mãe e Max conversam baixo e preocupados do outro lado da sala. Não me dou ao trabalho de tentar escutar o que dizem. Apenas me preocupo em me acalmar com o chá.
Não faço ideia de quanto tempo se passou até que Max se senta à minha frente de novo e diz de forma profissional:
– Bem, levando em conta o tamanho do casamento e o seu gosto, vou fazer um vestido mais sóbrio para você, tudo bem? Vou desenhar e enviar para você. Que tal? Alguma sugestão?
Deixo a xícara sobre sua mesa e aviso:
– Nada bufante, por favor. Nada de princesa ou qualquer coisa do gênero. Algo simples, que pareça o menos noiva possível.
– Certo – ele concorda com a cabeça. – E, Maddy – ergo meu olhar até o seu. – Vai dar tudo certo.
Max sorri de canto e solto todo o ar dos meus pulmões.
Tudo certo para mim ou para meu pai? Não tenho coragem de perguntar.



Capítulo 16 - Álcool no Sangue

A noite cai e não tenho notícias de Oliver. Tento ligar, mas seu celular parece desligado. Recebi o e-mail de minha mãe vários links e fotos de diferentes casas. Dei uma olhada breve, mas não cheguei a conversar com Dylan, visto que ele acompanhou Geneviève a uma consulta e ela dormirá na casa dele.
Desabo na cama e caio no sono mais rápido do que imaginei.
Ao longo da semana, volto à rotina normal na academia: dar aula para crianças e ter minha própria aula.
Essa é uma ótima forma de me distrair, exceto quando meu feed de notícias decide transbordar de matérias sobre Oliver saindo todas as noites consecutivas dessa semana, bebendo e ficando com inúmeras garotas em sua companhia.
Sei que só farei mal a mim mesma ao ler essas matérias para adolescentes, mas preciso de muito esforço para evitar. Essa é a única notícia que tenho dele na semana.
As manchetes me deixam realmente irritada. Por que Oliver tem saído e enchido a cara ao lado de várias garotas, enquanto ele supostamente está noivo? Fico com raiva tanto das especulações dos tabloides quanto de Oliver e das garotas ao seu redor, embora essas últimas nem saibam o que está acontecendo.
Cerro os punhos, na tentativa de me convencer de que não há razão para ficar nervosa.
Falho miseravelmente.
Quero gritar com Oliver. Rapidamente disco seu número, mas pondero se devo chamar. Ollie, em teoria, não está fazendo nada de errado. Eu não desisti dele, mas o contrário não é verdade. Isso é óbvio. Nossos problemas não são da conta de ninguém, mas não suporto a ideia de ser perseguida por perguntas sobre o término, traição ou qualquer coisa do gênero.
Ele terminou comigo e não me deve nada.
Quando me lembro disso, tenho vontade de desistir da ligação, mas ele já atendeu.
– Maddy! – Oliver pronuncia meu apelido com todo o entusiasmo do mundo ao atender e eu ouço um ruído ao fundo.
Não preciso pensar para perceber que ele está bêbado. Fale sério. Não são nem onze horas da noite!
– Oliver, você está me escutando? – questiono brava.
– Por que está brava, bebê? – posso visualizar seu sorriso. – Relaxe.
– Não vou relaxar! Você tem noção do que está fazendo? Das especulações que está criando?
– Como se você tivesse o direito de ficar nervosa por isso. Você mesma que causou tudo, maluquinha – Ollie me provoca e eu tenho vontade de socá-lo. – Eu, sim, estou aliviando minha raiva.
Eu não mandei você se enroscar com quinhentas garotas diferentes – respondo ao ouvir risadas de mulher ao fundo. Sei que não adiantará de nada discutir com ele nesse estado. Discutir com bêbado é pior que discutir com uma porta.
– Eu faço o que eu quiser, bebê. Nós terminamos – ele responde com tanta indiferença que me faz explodir.
– Eu me lembro muito bem do dia em que você terminou comigo, Oliver. Agora me responda uma coisa – ponho a mão na cintura, mesmo que ele não me veja. – Você se lembra disso ou sua aliança de noivado o torna mais desejável?
Oliver começa a me xingar e desligo o telefone, tendo que fazer força para respirar. Jogo o celular longe, na cama, e sinto lágrimas quentes descerem pelas minhas bochechas ao ver a foto do meu noivado no criado-mudo.
Isso não é culpa minha. Oliver não quer ser mais meu, logo não posso fazer nada. Mesmo assim, quero brigar com ele.
Por isso, choro pelo mesmo motivo de alguns meses atrás: raiva.
Não demora muito para eu receber um texto enorme de Oliver me chamando de covarde, dizendo que me odeia por tudo que fiz (e não fiz, no caso), que com certeza não serei feliz enquanto ele “poderá aproveitar o que não pôde durante nosso namoro” e que vai “arranjar alguém melhor que eu em todos os sentidos”, além de me desejar uma péssima vida de casada e maiores xingamentos.
Respondo apenas com um “espero que você releia tudo quando estiver sóbrio”, mas ele não visualiza – o que não faz a mínima diferença, já que deixo meu celular bem longe e invado o quarto de Geneviève.
– Vamos assistir a um filme? Preciso me distrair – cruzo os braços.
Gen ergue os olhos, escondidos atrás dos óculos de grau, do seu livro sobre “os benefícios do balé durante a gravidez” e fica me encarando. Não dou muita alternativa a ela, pois já me enfio debaixo das suas cobertas e ligo a televisão no aplicativo de filmes.
– Quer conversar sobre isso? – minha irmã questiona.
– Não. Estou nervosa agora. Quero ver um filme. Depois eu falo, quem sabe... – ajeito o travesseiro.
– Tudo bem. Que filme? – ela pega o controle de mim e passa pelas opções.
– Você escolhe, desde que não seja romance, drama, qualquer coisa que me faça chorar nem terror.
Geneviève revira os olhos e escolhe uma comédia leve. Até consigo sorrir um pouco, mas tenho certeza de que eu riria bem mais se meu humor estivesse estável.
Dylan liga para minha irmã e conversam por algum tempo. Só percebo que eles encerraram a ligação quando ela me abraça e diz:
– Você conseguiu falar com o Ollie, não foi? – Gen pergunta, aparentemente se preparando para dormir.
– Não. Eu falei com a versão bêbada dele – respondo enojada.
– Está brincando? Eu pagaria para vê-lo bêbado! – ela ri.
– Não precisa. Eu mesma lhe mostro. Ele me mandou um texto enorme por mensagem – reviro os olhos, ainda nervosa.
– Eu quero ver! – Gen se senta na cama e bate palmas como uma criança animada. – Deve ter sido bizarro.
Não tenho vontade de mostrar a mensagem para ela, mas não consigo negar. Busco meu celular e abro na minha conversa com Ollie.
A ansiedade de Geneviève é nítida e ela gargalha ao terminar de ler.
– Pare de rir! Não é engraçado! – pego meu celular de volta.
– Ah, Mad! Pare com isso. Claro que é! Ele está bêbado, morrendo de ciúmes e com saudade de você. Olhe esse texto! – ela ri de novo. – Aliás, gostei da resposta.
– Ciúmes... Como se tivesse sido eu quem terminou... Ele nem quis me atender nos últimos dias!
– Mais um motivo para você rir dessa situação. Você vai ver. Quando ele ficar sóbrio, vai morrer de vergonha e lhe pedir desculpas.
Deito-me em sua cama e choramingo, ainda chateada com a situação. Não quero que Oliver me peça desculpas. Eu só queria que voltássemos a ser como antes. Talvez eu não seja a culpada por essa reação dele, mas por que me sinto assim? Eu não quero vê-lo voltando para casa num estado deplorável e sendo fotografado por pessoas que não se importam de fato com o que está acontecendo. Porque eu me importo. Muito.
– Maddy! – Gen me chacoalha, tentando me animar. – Ele ficará bem! Só precisa de um tempo. Vocês ficarão bem e resolverão tudo. Óbvio que Oliver ficou bravo por ter descoberto a história como descobriu, mas vai passar. Vai dar tudo certo...
Por mais que eu não suporte mais ouvir essa frase – “vai dar tudo certo” – pelo simples fato de não ter essa certeza, eu me apego a ela.
Vai dar tudo certo.
Deito-me na perna da minha irmã, enquanto ela acaricia minha cabeça, e observo sua barriga. Ironicamente, não é Geneviève que chora no meu colo por causa de Dylan como parecia no início.
– Como está esse bebê aqui? – pergunto baixinho, segurando a barriga.
– Por enquanto, está ótimo. – a ruiva sorri, apreciando a saliência com o olhar. – Eu e o Dylan já escolhemos os nomes. Se for menina, será Céline. Se for menino, Steven.
– Steven? – sorrio. – Isso tem a ver com...?
– Talvez – ela me interrompe rapidamente e dou risada.
Steven era o nome de um personagem da série preferida de Geneviève quando ela era mais nova. Ela era completamente apaixonada por Steven, do tipo que se imaginava com ele e como seria namorá-lo. Gen ficou obcecada por querer conhecer um Steven, mas nunca encontrou nenhum para a sua decepção.
Duvido que Dylan saiba disso.
– E quando você descobrirá se é o Steven ou a Céline?
– Vou fazer um exame de sangue na próxima semana e então saberemos – seu sorriso cresce, mostrando todo o seu entusiasmo. – Depois disso, poderei comprar as coisas.
– O que você acha é? – pergunto, sendo contagiada pela animação.
– Eu não sei... – encolhe os ombros. – Não tenho preferências, mas o Dylan quer uma menina. Eu só quero que ele venha – ela ri fraco.
Por um momento, imagino Geneviève e Dylan assistindo a uma apresentação de balé de uma garotinha ruiva e sorridente, depois colocando a menina na cama, almoçando juntos.
Não consigo me encaixar nessa realidade, pois não faço parte dela. Essa é a realidade deles, onde não há espaço para mim.
Preciso fugir dela.

...


– Eu gostei bastante dessa – Dylan comenta e me estende seu iPad com as fotos de uma casa que não é grande nem pequena demais. É bem bonita, nova e clara. – Suíte, um quarto para o bebê, uma sala ampla. Acho que podemos colocar essa na planilha.
É difícil agir de acordo com os processos desse casamento quando o que eu quero é justamente o contrário. Dylan veio até minha casa hoje para escolhermos nossa futura casa.
Nossa casa.
Até parece que desistimos de impedir o contrato, o que não é verdade. Não no meu caso.
Mamãe diz que vai nos ajudar até o ponto em que ajudarmos também. Dylan está visivelmente cansado com essa situação, mas não sei se planeja algo para se livrar do casamento. Eu quero fazer, embora não faça ideia do que nem como.
Mas não vou desistir.
Por enquanto, se eu agir como se estivesse me rendendo, posso descobrir a fraqueza desse acordo.
– Pode ser. Gostei também – copio o link da página e colo na planilha. Analiso por um tempo os quatro endereços salvos e respiro fundo. Isso não pode ser real. – Dylan? – chamo antes mesmo de perceber o que vou dizer. – Por que estamos escolhendo uma casa se não vamos morar nela?
Sinto o peso do olhar dele sobre mim e só busco olhá-lo muitos segundos mais tarde. Ele não responde. Não de imediato, pelo menos. Não existe uma resposta plausível. Sei que não. Sinceramente, não esperava que respondesse, mas mesmo assim perguntei.
Talvez isso mantenha acesa sua determinação de acabar logo com o que nossos pais estão fazendo.
– Sinto muito, Maddy, mas que outra alternativa temos? – Dylan encolhe os ombros. – Pelo menos por enquanto não há o que fazer.
– Sempre tem o que fazer – rebato. – Eu não acredito que você está desistindo! Quanto mais demorarmos para desmanchar essa porcaria, mais difícil será! – sinto a raiva fluir pelo meu corpo e tenho vontade de largar tudo e sair correndo para um lugar seguro.
Infelizmente, lembro-me de que meu lugar seguro não está disponível para me receber.
– Eu não estou desistindo – Dylan responde. – Você acha mesmo que eu não reli o contrato milhares de vezes para encontrar qualquer coisa que possamos usar a nosso favor? Ou que eu gosto de planejar onde vou morar com uma garota que deveria fazer isso com outro cara? Eu não gosto, Maddy, e você sabe que não.
Encolho de vergonha e devolvo o iPad para ele.
– Desculpe. Eu estou nervosa – cubro o meu rosto com as mãos. – Eu estava conversando com a Gen ontem e ela me contou que vocês já escolheram os nomes para o bebê. Eu me sinto péssima por estar entre vocês, mesmo contra a minha vontade. Eu só não queria causar problemas para mais ninguém – reclamo.
– A culpa não é sua... – o loiro tenta me confortar. – Vamos dar um jeito.
– Quando? – pergunto, sem colocar fé nas suas palavras. – Temos pouco mais de um mês, Dylan...
– Logo – ele sorri de canto. – Eu prometo.
Tenho vontade de perguntar se pode mesmo cumprir sua própria promessa, mas minha esperança me silencia.
Vejo minha mãe em seu traje de bailarina olhando para nós dois de fora do escritório do meu pai e sei que pensou nas mesmas palavras que eu.
Ela vai embora. Meu celular toca.



Capítulo 17 – O Beijo

Sento-me à sua frente e ele me estende um copo de cappuccino com canela e chantilly extra, algo que sabe que eu pediria pelos anos de experiência.
– Onde você estava? – sua pergunta não é acusatória. Apenas curiosa.
– Acho que a pergunta certa é onde você estava – digo, segurando o copo quente para aquecer meus dedos.
– Você não vai querer saber – os olhos castanhos que costumavam transmitir tanta calma e confiança ganharam olheiras acinzentadas.
– Eu sei que não, Ollie – sorrio numa tentativa de quebrar a tensão que nos rodeia. – Eu estava em casa – torço os lábios e fixo meu olhar na rua esbranquiçada pela neve através do vidro da cafeteria.
– E por que essa cara? – Oliver ri baixo.
– Porque não é divertido escolher a casa na qual eu deveria morar com meu cunhado – explico e seu sorriso fraco vacila.
– Vocês estavam juntos? – ele arranha a tampa do seu copo e não olha para outra coisa senão para mim.
– Dylan tem estado bastante em casa ultimamente, mas isso não quer dizer que é para ficar comigo – respondo com calma por ser a verdade.
Não há mais espaço para mentiras entre nós, considerando que nunca teve.
– A Gen está fazendo uma série de exames e ele quer acompanhá-la – dou de ombros.
– Você emagreceu – ele diz.
– Três quilos em dois meses. Minha mãe está me obrigando a tomar vitaminas para não ficar doente, já que não estou comendo nem dormindo direito.
Oliver fica olhando para o seu café sem dizer nada. Ouvir essas coisas dói nele, eu sei. Não quero magoá-lo mais do que já magoei, uma vez que isso implicaria doer em mim também. Por isso mudo de assunto.
– Mas não foi por isso que você me chamou, né?
– Não – ele limpa a garganta. Endireito a postura, a fim de prestar máxima atenção. – Eu sinto muito por... – posso ver sua vergonha. – Por ter mandado aquilo para você. Não vou dizer que não era o que eu queria falar, mas não precisava ser daquela forma. Eu estava fora do meu estado normal, então me desculpe.
Fico observando cada detalhe do seu corpo e rosto. Sua respiração está pesada e a apreensão é nítida em seu rosto. Geneviève me ajudou a perceber que não valia a pena me estressar ou ficar magoada pelo que Oliver escreveu. Não estou mais brava, mas não consigo expulsar da minha mente as risadas que ouvi através do telefone.
Ele está sem aliança.
Eu não tirei a minha.
– Tudo bem – respiro fundo. – Eu sei que era o que você estava pensando e que o que acontece entre nós é privado. Mas claro que já estão criando inúmeras teorias para o que está acontecendo. Fiquei preocupada pensando se isso traria problemas para você.
– Para mim ou para você? – Oliver questiona bem sério.
– Eu já tenho outros problemas que precisam ser resolvidos. Mais um não faria diferença a essa altura. Mas eu amo você, Oliver, e sei como algumas coisas funcionam por trás do seu microfone e das câmeras. Não quero que manchem sua imagem – respondo no mesmo tom.
– Você ainda está com sua aliança – ele consta após alguns segundos e fixo minha atenção na pedra solitária.
– Eu prometi que não ia tirar.
– Por quê?
– Esperança – ergo o olhar até o seu. – Eu não vou casar contra a minha vontade. Não quando isso faz mal a quem eu amo.
– Espero que você esteja certa disso – seu tom é tão baixo que quase não escuto.
Eu estou mais que certa disso.
Não sei exatamente o que acontece em seguida. Apenas o sigo até o carro e ficamos sem saber como nos despedir.
– Isso é seu – Ollie tira uma touca do carro e coloca na minha cabeça toda desajeitada.
Isso me faz sorrir.
Tiro os pequenos flocos de neve do meu cabelo e ajeito o acessório.
– Obrigada – mordo o lábio. – Você tem a tarde livre hoje?
– Não. Combinei de compor com uns amigos – ele enfia as mãos nos bolsos do casaco.
– Ah... Espero que esteja inspirado – sorrio de canto. Percebo que não responderá, então tento encerrar o assunto. – Tchau, Ollie. Até mais – aceno, mas tudo o que ele faz é me encarar.
Um tanto frustrada, viro as costas e sigo para o meu carro. Estava tudo indo bem até que a neve congelou sua simpatia.
– Maddy! – Oliver me chama e toca meu ombro.
– O quê? – viro-me e, antes de terminar de perguntar, ele me impede.
Oliver me beijou.
Oliver me beijou. Ele realmente me beijou. De primeiro momento, confesso que me assustei por realmente não esperar um beijo de sua parte, mas não demorou quase nada para que eu correspondesse.
Não me importei se estávamos na rua ou se alguém poderia ver. Tudo que me importava era aproveitar o que me fazia tanta falta.
Eu ainda quero estar com Oliver e, depois do que aconteceu hoje, não sei o que pensar sobre o que ele quer.
Oliver me beijou e foi embora.
Demorou mais tempo para eu sair do transe ao perceber que Ollie ia embora do que é considerado normal. Assisti ao seu carro seguir a grande avenida quase vazia, parada no mesmo lugar até a neve quase congelar meus sentidos.
Na hora do jantar, assim como no resto da tarde, não consigo ouvir nada do que conversam.
– Maddy – minha mãe chama a minha atenção, embora esteja calma.
Ergo o meu olhar do prato até ela e balanço a cabeça.
– Desculpe. O que disse?
– Eu só disse para você ouvir sua irmã – mamãe olha para Cécile e faço o mesmo.
– Eu só disse que eu e a mamãe fomos ver o Max hoje depois da aula de balé. Ele fez um vestido lindo para você. Quer dizer, ele só desenhou ainda, mas eu gostei bastante – a garotinha repete descontraída e volta a comer.
– Ah, obrigada – dou de ombros.
– Você viu seu vestido, Maddy? – meu pai pergunta. Percebo que Geneviève balança o pé inquieta, mas não olha para ninguém. Ao contrário, contrai-se toda.
– Não – respondo indiferente e caímos no silêncio.
– A mamãe me contou que você vai se casar, Maddy – a voz de CeCe domina o ambiente e atrai os olhares de todos. – Mas ela disse que vai ser com o Dylan. E o Ollie? – sua incompreensão se torna nítida a cada palavra.
Gen simplesmente pega seu prato, arrasta a cadeira sem piedade e sai da sala, sumindo da nossa vista ao entrar na cozinha.
– Eu não vou casar com o Dylan, CeCe – respondo antes de ir atrás da minha outra irmã.
– Mas... – Cécile não consegue terminar de falar, pois já saí da sala.
Encontro Geneviève apoiada na pia e sei que está nervosa. Deixo meu prato ali, respiro fundo e toco seu ombro, mas ela se afasta.
– Você já tem vestido – percebo que minha irmã está chorando. – Você já tem um vestido lindo – ela me encara com raiva.
– Eu não... – tento pensar em algo que faça sentido. Mas adivinha? Nada.
– Você não o quê, Maddy? Você não sabia que toda noiva precisa de um vestido? – ela eleva o tom. – Ou não sabia que o Max já estava fazendo seu vestido? Fale sério! Você e o Dylan estavam escolhendo uma casa hoje de manhã! O que mais vocês planejaram?
– Gen, eu não quero vestido nenhum, casa nenhuma, muito menos esse casamento! – defendo-me. – Eu odiei o vestido que experimentei, então o Max disse que desenharia outro! Eu também não estou entendendo o porquê de todo esse esforço, já que eu e o Dylan não vamos...
– Não vão se casar? – ela me interrompe com ironia. – Eu ouço essa frase há alguns meses, mas até agora não vi nada acontecer. Por favor, Maddy! Não tente se enganar nem a mim!
Geneviève dá as costas e sai da cozinha.
Fico em choque com suas palavras e revoltada com seu pessimismo. Eu sei que nenhum avanço aconteceu, mas Gen deu a entender que nem eu, nem Dylan estamos nos esforçando o suficiente.
Meu dia já foi cheio de altos e baixos e não queria mais esse baixo para acrescentar à coleção. Preciso fazer alguma coisa e precisa ser agora.
Espero no sofá meu pai terminar de jantar, enquanto vejo as fotos dos desenhos de Max. O vestido é bonito mesmo. Nada de tule ou saias enormes. É longo com a saia bem solta, tem um tipo de cinto delimitando até onde o vestido é justo e o corpete é decorado com crochê.
Eu usaria esse vestido, se não fosse para casar com Dylan. Talvez Gen tenha mesmo um motivo para ficar preocupada. Se uma garota surgisse para casar com Oliver e tivesse um vestido lindo, eu ficaria desesperada, quanto mais se essa garota fosse minha irmã!
Meu pai aparece com CeCe ao seu lado e não hesito em chamá-lo.
– Pai! – ponho-me de pé e ele se vira para mim. – Preciso falar com você rapidinho.
Papai intercala seu olhar entre mim e minha irmã mais nova.
– Eu só vou levar a CeCe lá para cima. Já volto – ele avisa. Assinto e espero alguns minutos jogada no sofá.
Esse tempo me permite pensar em que exatamente quero falar. Não posso dizer tudo logo de cara ou meu pai não estará disposto a me escutar. Preciso agir como sempre fiz quando queria algo dele: deixar que ele mesmo se convença do que seria bom ou não para mim.
– Diga – meu pai se senta no braço do sofá em que estou largada. Endireito minha postura e cruzo as pernas em cima do sofá.
– Bem, eu acabei de ver meu vestido e gostei dele... – elevo meu olhar até o seu e percebo sua surpresa.
– Gostou?
– Gostei. Você viu? – mostro a foto do desenho para ele.
– Muito bonito. Você vai ficar linda nele. Quer dizer, você já é linda, né...
– Mamãe lhe contou que já começamos a escolher a casa e os detalhes do casamento? – questiono como quem não quer nada.
– Que vocês não querem festa? Sim, ela contou. Aliás, sua mãe já está agendando as visitas para ver as casas – informa e prendo a respiração, esfregando a mão no rosto.
Abaixo a cabeça e meu peito aperta. Como meu próprio pai pode falar uma coisa dessas com tanta naturalidade?
– Maddy... – ele percebe que não estou contando essas coisas por estar feliz. Muito pelo contrário. Algo em seu tom me faz querer chorar, porém não me permito derramar uma lágrima sequer. – Não precisa ficar assim – sua mão para em meu ombro e acaricia a região com o dedão.
– Pai, você precisa mudar isso! Eu não posso me casar com o Dylan – ele respira fundo.
– Eu já disse que não posso fazer isso – seu tom é sério.
– E por que não? Não foi você quem fez o contrato? – indago. – Por favor, pai! Não é só por mim! É pela Geneviève, pelo Dylan e pelo bebê deles! – quando dou por mim, já estou de pé andando de um lado para o outro. – O que vai ser dessa criança?
– Eles deveriam ter pensado nisso antes, não acha? – papai arqueia a sobrancelha e cruza os braços.
– Pai, é sério! Eu nunca me recusei a ajudar você, mas agora é a minha vida e a de pelo menos mais três pessoas em jogo!
– Eu não posso fazer mais nada, Madelinne. Sinto muito.
– E por que não? – puxo os meus cabelos.
– Porque não foi ideia minha! – ele se levanta e eu me sinto miseravelmente baixa. – Você precisa se casar. Não existe outra possibilidade.
Quero gritar contra a sua tranquilidade, mas não posso me dar ao luxo de perder a razão. Engulo em seco, tensa, e questiono com raiva:
– Como você pôde fazer isso comigo sabendo de tudo que minha mãe passou ao ser obrigada a casar com você?
Seu rosto fica vermelho.
– Você não sabe de absolutamente nada do que aconteceu entre mim e sua mãe. Não tente comparar as duas situações.
– Eu sei o suficiente! Sei que não tinha nenhum bebê envolvido. Sei que minha mãe não amava você. Sei também que, por sua culpa, minha mãe não pôde se casar com quem ela realmente queria. Ela teve que deixar o William para fazer a sua vontade – acuso com o que sei e vejo minha mãe aparecer na sala.
– O que você acha que sabe sobre o William? – sua pergunta é debochada.
– Que ele amava a minha mãe – retruco.
– Sério? Eu também! – ele zomba. – Por acaso você contou para ela o que o cara que a amava tanto fez logo depois que nos casamos, Amethist? – ele se vira para ela, que para ao nosso lado.
– Não – nega de braços cruzados e respira fundo.
– O que ele fez? – pergunto confusa.
– Ele se casou com a melhor amiga dela. Linda história de amor, não? – meu pai ironiza e tanto eu como mamãe engolimos em seco.
Não acredito numa coisa dessas.
– É verdade? – volto-me diretamente para mamãe.
– É – ela confirma.
– Viu, Madelinne? As pessoas crescem, mudam e superam. Você não é diferente – afirma, então respira fundo e alivia o tom. – Desculpe. Eu não posso fazer nada por você nem pela sua irmã.
Ele dá as costas e sobe as escadas. Estou em choque e caio no sofá por causa dessa conversa, Ollie, Gen, Dylan, meu sobrinho, William e mamãe rodando na minha cabeça.
Mamãe parece que vai dizer algo, mas sobe para seu quarto sem dizer nada.
Acabei de acabar com a possibilidade do meu pai me ajudar por boa vontade.
Demoro para digerir a história entre minha mãe e William. Simplesmente não consigo aceitar. Claro que imaginei que William tivesse se casado, mas não com a melhor amiga da minha mãe. Aliás, que tipo de melhor amiga é essa?
Eu não quero repetir essa história.
Disco o número de Oliver e a cada toque fico mais ansiosa para que atenda. Contudo, ele não o faz nem na primeira, nem na segunda vez. Bufo, tentando eliminar minha frustração. Deixo o celular de lado e vou dormir pensando no beijo.
Afinal, por que fez isso?

...


– Façam de novo! – o sorriso da garotinha é contagiante.
Olho para Thomas, que ri com a empolgação da menina. Afasto-me dele e espero que dê o sinal para que eu possa correr em sua direção e repetir o movimento.
Thom flexiona os joelhos, então corro, dou uma estrelinha e, enquanto ainda estou de cabeça para baixo, meu parceiro segura minha cintura, a fim de me impulsionar para que eu passe por cima do seu ombro.
Quando meus pés encontram o chão novamente, o grupo de crianças vibra.
– De novo! – outra criança pede, mas negamos.
– Desculpe. Agora chega – respondo, ainda ofegante.
Agradecemos a presença na aula das crianças e entrego para eles a partitura de movimentos a serem ensaiados.
– Um dia eu vou conseguir fazer isso, Maddy? – a garotinha sorridente pergunta.
– Claro que vai – sorrio. – Você só precisa treinar bastante e ter um parceiro confiável – olho para Thomas que brinca com as outras crianças. – Isso é muito importante porque é seu parceiro quem o apoia.
Ela parece satisfeita com a resposta e sai da sala junto com as outras crianças.
– Até amanhã, Thom – despeço-me e sigo meu caminho.
Procuro a chave do carro na bolsa, mas fico estática ao ver Oliver parado apoiado em meu carro. Sinto meu coração disparar e a respiração acelera.
Aperto o passo, passando por tudo sem realmente prestar atenção em nada. Sem pensar duas vezes, atiro-me em seus braços. Ergo meu rosto com a intenção clara de beijá-lo, porém não esperava que ele desviaria o rosto como fez.
– Que foi? – pergunto.
– Aqui não – responde simplesmente.
Desvencilho-me do seu abraço e ajeito o cabelo.
– O que você está fazendo aqui?
Oliver dá de ombros.
– Eu só estava passando por aqui, vi seu carro e decidi parar para ver você.
Isso me arranca um sorriso.
– Está com a noite livre? – seu tom convidativo me faz seguir o seu carro até sua casa sem precisar pensar para responder.

...


– Eu sinto falta disso – Oliver admite enquanto penteia meu cabelo com os dedos, comigo aconchegada em seu abraço.
– Eu estou aqui agora, amor – seguro sua mão.
– Até quando? – ele mexe suas pernas inquieto.
Respiro fundo. Olho para meus pés apoiados no sofá, numa estranha tentativa de focar no que realmente importa.
– Até você enjoar de mim – respondo.
– Se fosse para enjoar, eu já teria enjoado, não acha?
Sento-me, a fim de olhá-lo nos olhos e digo:
– Acho que deveríamos ignorar o mundo lá fora para aproveitar esse momento como sempre fizemos. Pode ser?
Oliver afirma com a cabeça levemente ao entrelaçar nossos dedos.
Ele sempre foi o parceiro que me apoiou nas danças da vida.



Capítulo 18 - Segurança

– Madelinne! Você tem quinze minutos para vir para casa! – minha mãe grita ao telefone enquanto coço meus olhos. Fui acordada no susto. – Eu avisei que iríamos visitar uma casa hoje de manhã e você some?!
Limpo a garganta para poder responder, mas mamãe não deixa.
– Não demora. Entendeu?
– Entendi.
Ela desliga o telefone e eu afundo minha cabeça no travesseiro, porém me levanto da cama num pulo logo em seguida.
Arrumo-me com rapidez e Oliver acorda confuso.
– Aonde você está indo? – ele pergunta ao verificar o horário no celular. Oito e meia. Muito cedo para os seus padrões.
– Eu preciso ir – solto todo o ar dos meus pulmões. Aproveito para me sentar na cama e brincar com seu cabelo. Não vou dizer o que estou prestes a fazer. Nem eu queria saber o que vou fazer, na verdade. – Amo você.
Beijo sua bochecha antes de caminhar até a porta.
– E, Oliver? – meu olhar cai sobre seu corpo na cama. – Ligue para mim, ok?
Suas mãos escondem o rosto, talvez pela claridade, e saio correndo da casa.
O tráfego não está intenso. Por isso não levo muito tempo para chegar a casa dentro dos limites de velocidade. Vou direto para a mesa do café, agradecendo mentalmente Thereza por cortar as frutas em cubos e facilitar para mim.
Minha mãe encontra comigo no meio do caminho e começa a falar sem parar:
– Aleluia, Madelinne! Como você some desse jeito sem dar nenhum sinal de vida? Sabe quantas vezes eu liguei para você noite passada? – não tenho tempo de responder, pois ela mesma o faz. – Sete! Você sabe que odeio quando faz isso! Já pedi para me avisar quando não for dormir aqui!
Mamãe se apoia numa das cadeiras e entendo que eu deva dizer alguma coisa por fixar seu olhar em mim.
– Eu mandei mensagem ontem e disse que estava bem – tomo um copo de água inteiro num gole só.
– Você só disse que estava bem – rebate.
– Eu estava bem ontem e estou aqui agora, mãe. Desculpe. Eu esqueci que temos uma casa para visitar, mas foi sem querer. Já podemos ir? Quanto antes formos, antes voltamos – levo o copo para a pia com minha mãe ao meu encalço. – Bom dia, Thereza! – sorrio para a mulher na lavanderia que separa as roupas antes de colocá-las na máquina de lavar.
– Bom dia, mocinha! – sorri de volta.
Mamãe respira fundo e me diz, esforçando-se muito para manter a calma:
– Maddy, eu prometi ajudá-la contanto que você ajudasse também. Você não está facilitando, filha!
– Eu estou aqui agora, mãe! Já escolhi a porcaria do vestido, já decidimos a cerimônia, você disse que entraria em contato com o restaurante, não existem convidados além das famílias e minha madrinha provavelmente vai ser você. O que mais posso fazer? – indago, sem receber uma resposta. – Sinto muito, mas eu não vou aceitar esse casamento de bom grado, se é o que você quer.
Minha mãe chacoalha a cabeça como se pudesse se livrar de pensamentos incômodos e deixa a postura cair.
– Vamos logo – ela diz e busca sua bolsa.
Não falamos mais nada desde então, mas minha mente não para nem por um segundo. Eu vou descobrir uma forma de não me casar, vou encontrar uma falha nesse contrato. Sem dúvida, há uma falha. Sempre há. Farei esse esforço por mim, por Geneviève, por Dylan e por Oliver.
A noite passada foi muito agradável para ser esquecida. Sei que Oliver ainda tem raiva de mim por ter escondido uma situação séria, porém também não quer ficar longe. Mesmo com as incontáveis noites que ele tentou se distanciar, acabou voltando. Ele odeia esse casamento tanto quanto eu e foi pego de mãos atadas.
Ir embora enquanto sou obrigada a deixar Oliver para trás é a pior das situações que tenho que enfrentar.
– Você foi atrás do garoto, não foi? – a voz de mamãe me desperta do meu estado de transe.
A paisagem continua a passar e não preciso responder para que saiba. Ela já sabe. Não é o tipo de pergunta que precisa de resposta. Mordo o lábio depois de soltar todo o ar existente em meus pulmões.
– Acho que você já sabe a resposta.
Pergunto-me se mamãe, prestes a se casar, foi atrás de William. Se sim, como os dois homens envolvidos reagiram? Ela seria a melhor pessoa para me aconselhar. Por que não faz isso?
– Não preciso pensar muito para saber o que foi fazer lá...
Mamãe me lança um olhar de análise antes de dar a seta, indicando que entrará na vaga.
– Tentar reencontrar sua segurança. Conseguiu? – ela desliga o carro. Demoro para entender que me fez uma pergunta por ser atingida pela verdade mais profunda na questão, mas recobro a postura ao ouvir a trava do carro ser aberta.
Amethist volta a olhar para mim, esperando uma resposta clara. Assinto, sem conseguir dizer mais nada.
– Pelo menos essa sorte você teve.
Saímos do carro e nos dirigimos até a imobiliária.
Pela forma como mamãe falou, sei que não teve a mesma oportunidade que eu. Esse pensamento lateja em minha cabeça sem parar. Não consigo prestar atenção na conversa entre mamãe e o homem atrás do notebook. Dois molhos de chave são entregues à ruiva e percebo que a conversa já acabou, portanto podemos seguir nosso caminho.
A primeira casa não é muito longe daqui. Aproveito o tempo para pensar numa forma de perguntar para mamãe o que aconteceu entre ela e William sem fazê-la recuar.
Não sei por que fico nervosa. Afinal, ela é minha mãe. Mesmo assim, meu coração dispara.
E se acontecer comigo o mesmo que aconteceu com ela?
Não, não acontecerá. Eu não vou me casar.
– Você não conseguiu falar com o William? – pergunto de uma vez assim que chegamos à casa.
A fachada é cinza, quase tão fria como minha relação com Dylan.
– Acho que não é o momento para conversarmos sobre isso – mamãe destranca a porta da casa.
– Então quando? Eu gostaria muito de saber!
– Isso já não importa mais – a porta é aberta, revelando a mobília já inclusa na casa.
– Para você talvez não, mas para mim importa. Bastante – paro à sua frente, bloqueando sua passagem para que preste atenção em mim.
A casa é fria mesmo. O ar daqui é gelado. Já não gostei.
Dylan não pôde vir, pois precisava trabalhar. Terei que passar todas as informações para ele.
Mamãe elimina todo o ar dos seus pulmões e coça a nuca.
– Eu falei com ele, mas ele não quis entender. Hoje percebo que estava sendo egoísta. William tinha todo o direito de me mandar sumir da vida dele – ela responde sem explicar muita coisa, enquanto analisa cada centímetro da parede e dos móveis.
Óbvio que William ficou furioso. Eu e Ollie tínhamos feito uma viagem maravilhosa antes de ele descobrir e já ficou fora de si. Por que William não ficaria?
– Ele descobriu a verdade? – pergunto.
– Não. Eu contei para ele. O problema foi ter contado uma semana antes de me casar – mamãe segue pelo corredor até a cozinha depois de verificar o lavabo.
– Meu pai sabia?
– Claro que sabia. Mas eu escondi a verdade do William, Maddy. Isso não foi nem um pouco justo com ele. Quando contei, ele se sentiu traído e com motivo.
Um arrepio percorre meu corpo. Essa história se parece demais com a minha.
– Então ele não quis mais saber de você? – essa parte me intriga. William desistiu assim?
– Exatamente. Eu menti, ele soube e não quis mais saber. Justo. Adorei essa despensa – muda de assunto.
– Mas ele amava você! Você o amava! – rebato.
Nada nessa situação é justo.
Ela olha fixamente para mim:
– Se eu amasse mesmo William, teria poupado muito sofrimento por ser honesta desde o início.
Levo sua resposta para o lado pessoal. Eu amo mesmo Oliver. Ela não tem o direito de falar uma coisa dessa para mim. Eu sei que sou culpada por ter feito a mesma coisa.
– Mas eu amo o Oliver! Eu só queria ser feliz com ele!
– Maddy, eu sei como você se sente. Você acha que eu não pensava assim? Mas nada justifica esconder algo do seu companheiro.
– Já descobri isso – reviro os olhos.
– Olhe que quarto enorme! – mamãe sorri e abre a janela.
A suíte é realmente grande. Menor que a dos meus pais, mas grande. Não pensei que poderia gostar de um papel de parede, mas esse é bem bonito: cinza com detalhes em creme. Acredito que, se eu fosse mesmo morar aqui, trocaria apenas a cama.
O banheiro também é amplo e bem claro. Cabem umas quatro pessoas dentro da banheira. O espelho acompanha toda a extensão da pia com duas cubas.
– Precisaria de uma boa limpeza e pintar as paredes, mas gostei – mamãe consta.
Não respondo. Ainda não superei o que disse sobre meu amor por Oliver.
Agradeço por ser uma casa térrea e abro a porta da varanda do quarto. Descubro que, na verdade, não é uma varanda, mas o quintal da casa com espaço suficiente para uma piscina.
Encosto-me à parede e respiro fundo. Não sei com que seria mais difícil de lidar: ser rejeitada pelo cara com quem você só quer fazer feliz ou assistir a ele se embriagar para tentar esquecer você só para voltar noites depois. Ambos frustrantes.
Tento me distrair, contudo esse pensamento não sai da minha cabeça.
A segunda casa me agrada bem mais, embora não tenha mobília além dos armários embutidos. Ela é menor que a primeira, mas mais clara e nova. Eu poderia viver aqui. Poderia, desde que não fosse com Dylan.
Mamãe analisa tudo e ressalta os pontos positivos, mas não escuto. De repente me sinto exausta, cansada o suficiente para desejar apenas a minha cama.
– Mãe, eu vou ficar um pouco lá fora, ok? – aviso enquanto planeja o quarto do bebê.
Um bebê que nem é meu.
Ela me analisa por um tempo, porém concorda.
Caminho até o jardim da casa e me sento no banco, aproveitando os raios de sol quentes, mesmo com os resquícios de neve pelo chão. Minha respiração se torna perceptível no ar assim que sai da minha boca.
Não aguento mais chorar. Isso não resolve nada, embora alivie muito momentaneamente. Não quero deixar as lágrimas escorrerem e para isso preciso de um esforço extra-humano para conseguir segurá-las.
Olho ao redor a fim de analisar a vizinhança e paro, por fim, para ficar olhando para o asfalto e o pouco movimento de carros nesse horário.
Devo ter falhado miseravelmente na tentativa de disfarçar a vontade de chorar, pois, quando mamãe para ao meu lado – bloqueando o sol de chegar até mim –, ela me encara com ar de piedade.
– Oh, Maddy... – mamãe me abraça, ainda de pé, e me agarro a ela. Antes que perceba, já estou chorando de soluçar e recebo carinho na cabeça.
– Eu só estou cansada, mamãe – tento explicar, mas ela sabe o que estou passando. Não preciso dizer nada.
– Tudo bem. Não tem problema. Você quer ir embora?
Assinto e ela seca minhas lágrimas.
– Vamos então.
Assim que me levanto, abraço a mulher ruiva com toda a minha força. De primeiro instante, ela se surpreende, mas me aceita em seus braços, envolvendo-me com ternura.
– Você abraçava a vovó assim antes de ser obrigada a se casar? – solto sem frear a língua e mamãe respira fundo.
– Minha mãe era a primeira a querer ganhar com meu casamento, Maddy. Eu não tinha o direito de chorar perto dela – mamãe passa a mão pelas minhas costas.
Meu choro cessa aos poucos e é nesse momento que percebo quão pouco sei sobre minha própria mãe.



Capítulo 19 – O Menino, A Mulher

– É um menino! – o sorriso de Geneviève quase não cabe no rosto.
Sorrio, abrindo os braços para que se encaixe num abraço.
– Parabéns, irmãzinha – respiro seu perfume adocicado. – Eu tenho certeza de que você vai cuidar muito bem do Steven e que ele vai trazer muitas alegrias para todos nós.
– Obrigada, Maddy – Gen me aperta. – Você será a melhor tia do mundo.
– Vai, garotinha – ouvimos a voz de mamãe na sala de jantar. – Hora do banho.
CeCe aparece segurando seus livros da lição de casa e sorri ao me ver.
– Já contou para elas? – pergunto.
Geneviève nega com a cabeça, mas corre até mamãe com o exame na mão. CeCe pula, deixa seus livros no chão e levanta a blusa de Gen para ver sua barriga:
– Tem um menino aí? – a menininha pergunta sorridente.
– Tem, sim – Gen sorri de volta.
Aprecio esse momento para guardá-lo em minha memória por um bom tempo. Mamãe abraça Gen, as três sorrindo, e eu não espero para me juntar a elas para ouvir os planos sobre o berço e demais preparativos.
Ligo para Dylan logo depois de comer, mas evito entrar no assunto da visita às casas.
Infelizmente, ele pergunta mesmo assim:
– Você gostou das casas hoje?
Deito na cama e respiro fundo.
– Gostei mais da segunda. A mais nova, sabe? – omito o fato de mal tê-la observado por conta da minha crise de choro. – É menor, mas eu gostei mais.
– Ah... – Dylan fica mudo por um tempo, então decido ir logo ao assunto.
– Dylan, eu preciso de um favor. Eu preciso de uma cópia do contrato do casamento.
– Não deram uma para você? – ele questiona confuso.
Lembro-me do dia em que descobri sobre o casamento e rasguei o contrato em milhares de pedacinhos na frente do meu pai.
– Até deram, mas aconteceu um pequeno acidente – deixo em aberto.
– Você rasgou de raiva, não foi? – ouço seu riso nasalado.
Nessa conjuntura, é melhor rir do que chorar.
– Exatamente. Agora eu preciso de outra cópia.
– Tudo bem. Eu arranjo uma para você. Mas não crie grandes expectativas, ok? Eles foram muito específicos quanto a tudo – ele avisa. – Mas quem sabe, né? Vai que encontramos alguma coisa.
– Não me desanime, Dylan. Essa é minha única esperança – provoco com um leve tom de brincadeira ao fundo.
– Só estou sendo realista – posso notar seu sorriso fraco.
– Bem, de qualquer forma, obrigada... Eu vou desligar porque daqui a pouco a Gen vai ligar para você. Aliás, parabéns pelo menininho!
– De nada e obrigado. Só espero que ele seja mais Geneviève do que Dylan na questão comportamento ou teremos problemas.
Rio.
– Boa noite, Dylan.
– Boa noite, Maddy.
Desligo a chamada e coloco o celular para carregar.
Não recebo mais nenhuma ligação durante a noite.

...


Estaciono em frente à casa de Tess e Jeff e mando uma mensagem para minha amiga avisando que cheguei. Ao trancar o carro, percebo que o que está estacionado à minha frente é o mesmo carro do qual eu já fui passageira várias vezes.
Verifique a placa e tenho certeza disso.
Oliver está aqui.
Minha pulsação acelera juntamente com a respiração, mas não desisto de apertar a campainha. Já está escuro, o que só aumenta minha ansiedade. Bato o pé incessantemente, tentando equilibrar a adrenalina que percorre meu corpo inteiro.
Como Oliver agirá comigo? Vai continuar me ignorando como nessas últimas noites? Não consigo mais entender o que se passa na mente dele. Antes havia um padrão: ele sumia, mas voltava na terceira noite. Dessa vez o padrão foi desconsiderado. Isso me deixou muito frustrada e estressada.
Tess abre a porta com um sorriso no rosto.
– Oi, Maddy.
– Oi, amiga – sorrio fraco e a abraço.
O que vim fazer aqui não é nada divertido. Entro na casa e logo ouço as risadas de Oliver e Jeff vindas da cozinha.
– Você está bem? – minha amiga pergunta.
Encolho os ombros, mas assinto.
– Estou indo. E você?
– Estou bem.
Sorrio por alguém do meu convívio estar bem e, assim que entro na cozinha, vejo os dois homens rindo com suas garrafas de cerveja. Uma nostalgia me atinge, fazendo-me querer observá-los por um bom tempo só para sentir que nada mudou.
Infelizmente, assim que Oliver me vê, fecha a cara.
– Oi, Jeff – sorrio para o moreno.
– Oi, Maddy – um sorriso não deixa seu rosto, mesmo sentindo a tensão dominar a casa.
– Ollie... – mordo o lábio, mas, ao invés de me cumprimentar, ele se levanta.
– Bom, Jeff, eu já vou indo. Amanhã tenho que estar no estúdio cedo. Boa noite para vocês.
– Boa noite – eles se despedem e eu sobro. Oliver me ignora totalmente.
Desabo no banco em que ele estava antes de ir embora, vejo a quantidade de cerveja ainda contida na garrafa e viro goela abaixo sem dó. Jeff parece se compadecer do meu sofrimento ao perguntar:
– Quer outra cerveja?
Nego com a cabeça.
– Talvez algo mais forte?
– Deixe a garota, amor – Tess me abraça, o que me faz soltar um projeto de risada. – Mas, se você quiser encher a cara, o Jeff pode ajudar nisso – dessa vez rio de verdade.
– Obrigada, mas tenho aula para dar amanhã – respondo.
– Mesmo assim, se mudar de ideia... – Jeff dá de ombros e me serve um copo de água bem cheio, depois que minha amiga se senta ao meu lado.
– Eu queria falar com vocês sobre... – bufo. – Meu suposto casamento. Enquanto eu ainda não consigo invalidar o contrato, minha mãe está tomando as rédeas da situação. Supostamente, eu deveria estar encontrando meus padrinhos agora.
Eles não dizem nada, mas têm aquele tipo de conversa mental que apenas pessoas muito próximas conseguem ter. Tenho quase certeza que do estão pensando: por que deveriam testemunhar meu casamento depois do que fiz com Oliver? Por isso me apresso em dizer:
– Eu sempre quis que vocês fossem meus padrinhos, mas, dadas as circunstâncias, acho que não faz sentido. Não depois do que aconteceu.
Tess aperta meu ombro, tentando me confortar.
– Acho que devia essa explicação a vocês.
– Você já conseguiu algo para impedir o casamento? – a loira pergunta e nego com a cabeça.
– Mas o Dylan me deu uma cópia do contrato e estou revisando todas as noites. Mesmo assim está complicado.
– Existe mesmo a possibilidade de você não se casar, Maddy? – Jeff questiona. Sei que ele não quer me desanimar, mas deixo minha postura cair.
– Eu realmente não sei. Mas não é só por mim que eu tenho que acabar com esse desastre. Vocês viram o que acabou de acontecer – aponto para trás e eles sabem que me refiro a Oliver.
– Não quero desanimar você, mas creio que vai demorar para ele esquecer tudo. Eu nunca o vi assim – o amigo diz.
– Jeff! – Tess chama sua atenção.
– Não. Está tudo bem. Eu sei que é verdade mesmo – respiro fundo antes de contar todos os últimos acontecimentos. – É cansativo, sabem? Uma hora ele me diz para esquecer e na noite seguinte me liga dizendo que está com saudade.
– É difícil para ele também, amiga – Tess afirma.
– Eu sei que é. Eu só queria acabar com essa história de casamento e voltar a ter minha vida nos trilhos, por mais que eu saiba que as coisas não vão voltar a ser como antes mesmo que eu me esforce – olho para o céu através da janela e respiro fundo. Como ninguém diz nada, falo a primeira coisa que me vem à mente. – Você tem algo com o teor alcoólico elevado? – dirijo-me a Jeff, que me oferece um sorriso em resposta.
– Nisso eu posso ajudar – ele se levanta e vai buscar o que quer que seja.

...


Jogo o contrato de lado e me deito na cama.
Encontrei um grande nada novamente. Pego meu celular e vou direto para as mensagens de Oliver. Nossa conversa já não está no topo do menu e isso dói. Ele está online, mas não me manda nada. Ontem, na casa de Jeff, foi nosso último contato. Pensei em ligar, porém logo desisti. Se ele quisesse falar comigo, daria um jeito. Eu me pergunto se deveria fazer exatamente o que me pediu que fizesse: esquecê-lo.
Sou fraca demais para querer estar longe dele porque sei o que quero: quero Oliver ao meu lado e mais nada. Contudo, parece que ele não tem certeza do que quer e é isso que me tortura.
Foram tantos planos para serem jogados pela janela.
Talvez o problema seja o fato de que não quero que Oliver se esqueça de mim nem dos nossos planos que torna tão difícil deixá-lo para trás.
– Preciso de ajuda! – Gen invade meu quarto e pula na minha cama. – Não consigo decidir o modelo do berço! Olhe como são lindos!
Minha irmã enfia o celular na minha cara e tenho que afastá-lo para enxergar alguma coisa.
– Olhe como esse creme é lindo! Mas esse marrom também é!
– É mesmo – respiro fundo, pensando no que dizer. – Qual será a cor da decoração?
– Azul bebê. Tudo fica melhor em azul bebê.
– Então eu escolho o creme. Azul bebê combina mais com o creme – respondo.
– Você é demais! Por isso amo você! – ela me abraça e sai saltitante. Só por isso sei que ela já havia decidido qual escolher e só queria uma confirmação.
Afundo a cabeça no travesseiro.
Pelo menos alguém disse que me ama nos últimos dias.

...


Verifico o horário no celular e vejo uma chamada perdida de Oliver. Faz cinco minutos que ele ligou. Olho para minha irmã, Dylan, mamãe e Leonora conversando animados entre roupas e acessórios para bebê. Afasto-me deles devagar, indo parar do outro lado da loja.
Retorno a ligação, mas cai na caixa postal.
A ansiedade se espalha pelo meu corpo e qualquer um que olhar para mim poderá perceber: não paro de bater o celular na minha mão.
Por que Ollie me ligou?
Essa pergunta permanece sem resposta.
– Maddy? – Gen me chama e percebo que está atrás de mim.
Respiro fundo, disfarçando minha curiosidade e ansiedade antes de me virar.
– Olha que coisa mais fofa! – ela tem um pequeno surto. – Qual deles você escolheria? – dois pares de sapatinhos são estendidos para mim.
Realmente, um é mais lindo que o outro. Um é um mini All Star preto e o outro é um mini Nike completamente branco. Aquelas coisinhas pequenininhas, que provavelmente só cabem dois dedos meus dentro, derretem meu coração.
– Eu escolho esse – aponto para o Nike e a vejo um tanto desapontada.
– O Dy também, então ele ganhou – Gen encolhe os ombros.
Percebo que ela quer mesmo o segundo par e me sinto muito bem ao dar de presente a ela. A satisfação ao ver seu sorriso largo de agradecimento é impagável.
Ganhei o meu dia.
Chegamos a casa e Gen, eu e Dylan nos ocupamos em levar os novos acessórios para o quarto de Geneviève,​ enquanto mamãe prepara um chá para Leonora.
– Aconteceu alguma coisa, Maddy? – Dylan pergunta, o que leva minha irmã a parar de apreciar as compras e olhar para mim.
– Por quê? – balanço a cabeça negativamente.
– Você parece agitada, sei lá – ele dá de ombros.
Geneviève morde o lábio ao me analisar da cabeça aos pés. Ela sabe que já não estou conseguindo lidar com Oliver indo e vindo na hora que bem entende e, talvez pela forma que aperto meu celular e vejo se há novas mensagens a cada dois minutos, minha irmã me aconselha:
– É melhor você ir logo. Ele não vai esperar por muito tempo.
Intercalo meu olhar entre os dois por um segundo​ e saio correndo. Onde está a chave do meu carro? Reviro meu quarto para encontrá-la dentro de uma bolsa e deixo tudo como está.
– Mãe, eu preciso sair, ok? Mais tarde eu volto – aviso. Mamãe olha fixamente para mim e a risada de Leonora cessa.
– Tudo bem – ela assente e volto a correr.
Acabo cruzando com meu pai, que reclama por não cumprimentá-lo ao passar por ele, e só lhe desejo uma boa noite.
O frio da noite me atinge, mas não me importo. Não sei o que vou falar para Oliver quando chegar lá. O que determinará isso será sua reação.
Ele me quis. Ele não me atendeu cinco minutos depois.
Estou indo encontrá-lo.
Ele precisa se decidir.
Estaciono em frente à sua casa e me apresso para entrar. Ao mesmo tempo que abro a porta, alguém do outro lado faz o mesmo.
Conor aparece sorrindo, mas o sorriso desaparece logo que me vê.
– Maddy?
– Oi, Conor – sorrio. – Eu preciso falar com o Oliver – tento entrar, mas ele me bloqueia.
– Não acho que seja uma boa ideia.
Com metade do corpo dentro, metade fora da casa, reviro os olhos antes de questionar.
– Por quê? Ele está com uma garota? Não tem problema. Eu espero.
Passo por ele e vejo uma garota no sofá. Logo reconheço Alicia. Sorrimos uma para a outra.
Apoio-me na mesa e seguro o vidro com força, numa tentativa de me manter calma.
– Conor, eu... – Oliver aparece todo arrumado para sair e sinto seu perfume encher a sala. Ele para de falar assim que me vê. – O que você está fazendo aqui?
– Eu vim falar com você – respondo ao endireitar minha postura e me aproximar dele. Sua expressão se fecha.
– Eu estou para sair. Não posso falar agora – sua arrogância não me desmotiva.
– É rápido. Eu prometo – afirmo.
Num piscar de olhos, Conor e Alicia somem da nossa vista. Quero agradecê-los, mas não me atrevo a desviar o olhar de Oliver.
– É melhor você ir embora, Madelinne – ele avisa. Percebo que caminhará até a porta. Por isso seguro seu braço.
– Eu não vou embora, Oliver – continuo firme com a respiração acelerada.
– Então o que você quer?! – ele eleva o tom.
– Eu quero saber o que você quer! – bato o pé.
– Eu quero que você vá embora da minha casa.
– Agora, Oliver! Você quer que eu vá embora agora! Mas e amanhã? Ou mesmo essa noite? – questiono. As palavras arranham minha garganta antes de pronunciá-las. – Uma hora você me liga, diz que me quer, passamos uma noite incrível juntos. Mas no dia seguinte some e nem me manda uma mensagem sequer. O que você pretende com isso? Tem noção do quanto está acabando comigo?
– Não é tão divertido quando é com você, não é? – Oliver provoca.
– Nunca é divertido! Eu nunca sei o que esperar de você! Você me chama, depois me ignora! Sabe o quanto isso piora tudo para mim?
– E você acha que foi fácil perceber que você mentiu para mim? – rebate rispidamente.
– Oliver, eu juro que estou tentando acertar tudo, tentando me redimir, ser boa o suficiente para você, mas nesse vai e volta eu não consigo! Eu quero ser feliz com você, mas você não deixa! – reclamo.
– Você deveria ter pensado nisso antes dessa bagunça toda!
– Eu pensei! – solto um grito esganiçado. – Eu só fiz isso porque eu queria, e ainda quero, ficar com você, quero viver ao seu lado, e passar todos os dias da minha vida com a certeza de que você vai voltar para mim. Isso que você está fazendo é tortura! Você está brincando comigo enquanto eu estou tentando consertar meu futuro! O nosso futuro!
– Então fique à vontade para tentar consertar o que quiser, mas você sabe o que dizem sobre confiança, né? Nunca volta a ser a mesma – Oliver atira.
– Eu jurei a mim mesma que não vou me casar, Ollie – abaixo o tom. – Não faço isso só por mim ou pela minha irmã. Estou fazendo isso por você. Eu quero retribuir todo o tempo e segurança que você me deu. Só que eu estou lutando sozinha – explico. – Mas e você? O que está fazendo em festas diferentes todas as noites, bebendo, só para me ligar quando percebe que não é isso que o faz feliz? – seu rosto fica vermelho.
– Tentando apagar você da minha vida, mas você está dificultando​ meu trabalho – Oliver ironiza e sinto como se ele tivesse me dado um tapa na cara. – Vá embora. Eu preciso sair. E faça o favor de não me ligar mais – esse olhar sem piedade desencadeia um turbilhão de sentimentos em mim, os quais incluem raiva e tristeza. – Eu não​ preciso de você.
Minha respiração acelera. Eu preciso dele, mas ele não me quer aqui. Nem aqui, nem nunca, na verdade. Tudo que eu fiz foi em vão.
– Você tem noção do que está falando? – acuso, batendo o indicador no seu peito. – Tem noção do que está jogando fora? Dos anos que enfrentamos o mundo para ficar juntos?!
– Tenho – embora seu maxilar esteja rígido, seu tom é calmo e decidido.
Uma lágrima fica presa no meu olho, mas não choro. É de raiva.
– Não, você não tem! – eu me exalto. – Se você soubesse, não agiria assim nem me mandaria embora, não ignoraria minhas ligações, muito menos minhas mensagens. Porque, se você tivesse noção, saberia do meu esforço para acabar com um casamento que não deveria nem ser cogitado! E, se você não me quisesse, não me ligaria nunca mais – disparo com raiva tudo que nem sabia que queria dizer. Nesse momento, não me importo nem um pouco de ser mais baixa que ele. Não me sinto inferior de forma alguma. – Mas eu juro, Oliver! Eu juro! Juro que, se você olhar nos meus olhos agora e me mandar ir embora com todas as letras, eu não volto nunca mais e apago seu número para não ligar mais! – tento controlar a respiração, mas cerro os punhos.
Oliver não diz nada.
– O que está acontecendo aqui? – a voz de uma mulher soa no local e chama tanto a minha atenção quanto a de Ollie. A mulher com um longo cabelo castanho com as pontas tingidas de loiro para bem ao lado do meu quase-ex-noivo e se apoia no ombro dele. Por um motivo desconhecido, reparo que ela tem um corpo espetacular. E é alta. – Quem é ela?
A loira pergunta como se eu não estivesse aqui. A mão dele aperta a cintura dela.
Raiva não é a palavra certa para descrever o que estou sentindo. O que eu sinto é bem mais obscuro e sombrio.
Nós duas ficamos olhando para Oliver, encarregando-lhe de responder as duas perguntas dirigidas a ele. Minhas mãos tremem de raiva.
– Vá embora, Madelinne – Ollie responde, olhando fixamente para meus olhos. – Tenha uma ótima noite.
Puxo o ar com força, arranco minha aliança e bato com ela na mesa, largando a joia ali.
– Lembre-se de que foi você quem escolheu isso na próxima vez que pensar em me ligar – aviso. – Seja muito feliz. Espero que não se arrependa do que está fazendo.
Saio da casa marchando e batendo a porta, com o sangue tão quente e cegada pelo ódio que mal vejo Conor e a namorada no jardim. Só consigo murmurar um “boa noite” bem amargurado antes de sair pelo portão e ligar meu carro.
Pela primeira vez, não sinto medo quando o estrondo de um trovão reverbera na rua abaixo.

...


– Ei, ei, ei, ei! – meu pai chama minha atenção quando entro em casa pisando duro e batendo a porta. – Onde você acha que está?
– Pai, pelo amor de Deus – peço com a voz trêmula –, só me deixe em paz por um momento.
Não consigo segurar o soluço que desencadeia uma crise de choro dolorosa.
– O que aconteceu? – ele tenta se aproximar, mas me afasto.
– Você sabe o que aconteceu! – atiro o mais alto que consigo. Parece que tenho uma batata na boca que me impede de falar direito. – A culpa é sua por eu estar assim! Por tudo estar como está!
Saio andando e subo as escadas, pulando dois degraus por vez. Tranco a porta do meu quarto para não ser perturbada por ninguém e começo a recolher tudo que é de Oliver e os presentes que me deu.
Jogo tudo em cima da cama: uma troca de roupa dele, um perfume, escova de dente e algumas pelúcias que ganhei. Opto por deixar guardadas bem onde estão todas as cartas e letras de música que me escreveu. Talvez um dia eu me livre dessas coisas, mas não hoje.
– Eu fico com isso – pego uma camiseta dele e ponho de lado, mas, de resto, jogo tudo numa caixa, incluindo a caixinha da minha aliança.
– Não acredito! – é o que Geneviève diz quando peço a caixa para ela e vê minha cara. Não precisa explicar nada.
– Só me dê a porcaria da caixa, Gen – respondo ríspida. Ela me entrega o papelão sem hesitar e volto para o meu quarto.
Eu também não acredito. Mas, se Oliver já está com outra e quer me esquecer, eu já não posso fazer nada. Fiz todo o possível para salvar nós dois, porém ele não quis ser salvo.
Ele já tem outra para me substituir.
Não me interessa o que eles tenham hoje. Eu sei que Oliver não vai me esquecer tão cedo. Não, não tão cedo, porque a chuva continua caindo lá fora.
Visto apenas sua camiseta e me encolho na cama. Entre os soluços, caio no sono.



Capítulo 20 – Tempestade de Incertezas

– Não acredito!
– Você pode mudar de frase, por favor? – peço para minha irmã, que toma sua xícara de chá de café da manhã.
– Desculpe. Eu só... Não acredito – Gen joga o cabelo para um lado só.
– É melhor acreditar. Não é como se não tivéssemos terminado. Ele fez isso logo que descobriu e está tentando seguir a vida dele – reviro os olhos e termino o cookie que eu nem queria.
– Mas... A mulher era bonita? – Gen pergunta com certa medida de timidez.
Fico olhando para ela. Não sei qual a relevância dessa pergunta, exceto que é mesmo relevante. Se for para me trocar, que ela pelo menos seja bonita.
– Maravilhosa – respondo. – Tipo modelo com as pernas longas e alta.
O fato de ela ser alta mexe com meu psicológico. Isso é praticamente uma afronta.
Minha irmã encolhe os ombros.
– Agora é uma pessoa a menos para me estimular a acabar com tudo isso – apoio os cotovelos na mesa. – Você vem comigo devolver as coisas para ele? – quase imploro.
– Claro – minha irmã sorri de canto.
– Mas e você? – mudo de assunto. – Não vai comer nada?
– Não. Não estou muito bem hoje – faz careta.
Nós duas respiramos fundo e deixamos a postura cair.
Planejo ir à casa de Oliver depois do almoço, que é completamente silencioso e me faz sentir urgência de sair da mesa logo.
Respiro fundo antes de bater na porta porque sei que ele está aí e terei de encará-lo depois da humilhante cena de ontem.
– Está tudo bem. Eu estou aqui com você – Geneviève​ sorri de forma encorajadora. Tenho certeza de que, se eu não estivesse segurando uma caixa, ela apertaria minha mão.
Vejo que põe a mão sobre a barriga e contorce o rosto, mas, antes que eu possa perguntar se está bem, Oliver abre a porta.
Sua falta de expressão é pior do que se estivesse bravo.
– Oi – cumprimento.
– Oi – ele olha para a caixa, a qual denuncia o que vim fazer aqui. – Oi, Geneviève.
– Oi, Ollie – minha irmã respira como se sentisse dor.
– Eu vim devolver suas coisas – estendo a caixa e ele a pega sem hesitar.
Gen solta um gemido e se encolhe, contraindo a barriga.
– Você está bem? – eu e Oliver perguntamos ao mesmo tempo.
Ela assente.
– Eu só preciso de um pouco d'água – Gen pede, contorcendo-se inteira.
– Eu vou pegar – Ollie abre toda a porta e diz com preocupação. – Eu acho melhor você se sentar um pouco.
Ele deixa a caixa no canto da sala e corre para a cozinha.
Seguro Geneviève pelo braço e a conduzo até o sofá. Não​ sei o que fazer nem a gravidade da situação. Sei que grávidas passam mal, mas isso não parece nem um pouco normal.
Minha irmã respira com força e se abana.
– O que você está sentindo? – pergunto depois que ela toma toda a água num gole só. Geneviève treme.
– Está doendo muito – ela aperta a barriga e choraminga. – Parece cólica. Uma cólica muito forte.
– Calma. Vai ficar tudo bem. Respire fundo – Ollie aconselha.
Vejo lágrimas brotarem nos olhos dela. Busco o olhar de Oliver desesperada e, silenciosamente, ele pede para eu não ficar nervosa.
Claro, isso só pioraria tudo.
– Preciso ir ao banheiro – Gen se levanta com esforço e chega ao lavabo.
Mordo o lábio e bato o pé repetidas vezes. E se algo ruim acontecer? O silêncio se instala entre mim e meu ex e não me preocupo em pensar na noite passada.
Nossos olhares buscam o de Gen quando ela sai do banheiro. Ela está pálida e em choque, sem reação. A pior sensação do mundo me atinge.
Seu olhar encontra com o meu e ela murmura:
– Eu estou sangrando.
O oxigênio some da casa e eu sinto estar sendo atingida por um caminhão.
Nesse momento, parece que eu estou em trabalho de parto! Minha respiração acelera e um calor insuportável me envolve. Não consigo me mexer, então Oliver toma as providências necessárias.
– Sente-se aqui, Gen – ele a toma pelo braço para conversar num tom muito sereno. – Vamos ligar para o seu médico. Tudo bem? Vamos para o hospital, mas vai ficar tudo bem, entendeu? É só um susto.
Minha irmã assente, mas lágrimas escorrem cada vez mais rápido dos seus olhos.
– Eu não quero perder meu filho – ela repete e esconde o rosto entre as mãos.
– Você não vai – Oliver responde. – Agora preciso do telefone do seu médico.
Trêmula, a garota procura em sua lista o número pedido, enquanto faço a primeira coisa que me vem à mente: ligo para mamãe.
Vou até a cozinha e tenho dificuldade para acertar até a minha senha por conta da tremedeira.
– Mãe – digo assim que ela atende. O nó na minha garganta dificulta a fala.
– O que aconteceu? – mamãe sabe que há algo bem errado só pela minha voz.
– A Gen está sangrando – solto.
Posso visualizá-la passar a mão pelo cabelo.
– Onde vocês estão?
– Na casa do Oliver. Ele está falando com o médico dela.
Meus olhos se enchem de lágrimas e quase me autorizo a chorar.
– E se algo ruim acontecer, mamãe? – tento controlar a respiração, que acelera constantemente.
– Não vai acontecer – ela responde com firmeza. – É o seguinte: vocês vão fazer exatamente o que o doutor disser e eu vou encontrar com vocês. Você consegue ouvir para onde o médico mandou a Gen ir?
– Vou ver. Espere aí – peço e volto a sala. Gesticulo para Oliver que, de alguma forma, entende a pergunta e responde. – É para ir para o consultório dele.
– Já estou indo para lá – e mamãe desliga.
– Gen, precisamos ir agora para o consultório do seu médico, certo? – Ollie agacha para olhar nos olhos da minha irmã.
Ela concorda com a cabeça, seu rosto completamente lambuzado por lágrimas.
Nesse momento, saímos o mais rápido possível no carro de Oliver. Gen já conseguiu parar de chorar, porém luta para regularizar a respiração.
– Maddy – ela me chama, olhando para mim no banco de trás. – Avisa o Dylan, por favor?
Assinto e disco o número do loiro, que não demora muito a atender.
– Boa tarde – ele cumprimenta.
– Dylan, você precisa ir agora para o consultório do Dr. West.
– O que aconteceu com a Geneviève? – tenho certeza de que já deu um pulo e já pegou a chave do seu carro.
– Ela está sangrando – respondo de uma vez, sem rodeios.
– Já​ estou chegando.
Nunca vi Oliver correr tanto ao volante. Percorremos o caminho todo em metade do tempo, provavelmente. Assim que Gen vê mamãe esperando por ela na entrada da clínica, desaba a chorar de novo.
– Calma. Vai ficar tudo bem, princesa – Amethist repete ao abraçar a filha e correm de mãos dadas até a recepção.
Elas não precisam esperar para entrar no consultório, entretanto eu e Oliver somos obrigados a aguardar na sala de espera. Quando vejo o doutor fechar a porta da sala, quase desabo ali mesmo no chão. Por isso, abraço meu ex com força.
– Nada pode acontecer, Oliver – choramingo e ele hesita por um segundo para retribuir o abraço, mas cede.
– Vai ficar tudo bem.
– Desculpe – peço ao me afastar devagar e me sento na cadeira.
O olhar castanho cai sobre mim por um tempo, analisando cada centímetro da minha postura sem dizer nada. Com calma, senta-se ao meu lado e estende a mão para mim. Não penso duas vezes para segurá-la. Neste momento, preciso de apoio para apoiar minha irmã com o que quer que aconteça.
Não dizemos nada sobre nada. O cheiro de hospital me causa repulsa. Só quero sair correndo. Mulheres aguardam com alguns exames em mãos, algumas grávidas e outras não. Não consigo me sentir mal por Geneviève ter passado na frente de todas elas. Afinal, foi uma emergência.
A televisão ligada num volume extremamente baixo me incomoda. O silêncio como um todo me incomoda e só quando Oliver segura meu joelho que percebo que batia o pé num ritmo constante e irritante.
– Calma. Elas já estão lá dentro – diz.
Obrigo-me a respirar fundo. Parece que as duas já estão lá dentro há meia hora! Quando penso em perguntar sobre Dylan, alguém atravessa a porta da clínica como um furacão. Não tenho dúvida alguma de que seja ele.
Levanto-me rapidamente para falar com ele.
– Onde ela está? – Dylan passa os dedos pelo topete loiro.
– No consultório dois – aponto para a sala.
Ele se dirige rapidamente em direção aos consultórios, porém uma recepcionista se põe a sua frente.
– Senhor, você não pode entrar aqui – a mulher baixinha diz com uma voz suave.
– Claro que posso! – Dylan responde. – Minha namorada está aí dentro! – a pressa e urgência do loiro transparece pelos seus gestos e sua voz, ressoando pela clínica toda.
– Senhor, eu preciso que você se acalme e espere aqui – a baixinha continua serena.
– Eu não tenho tempo para ficar calmo, moça! Minha namorada está sangrando e isso quer dizer que tem algo de errado com o meu filho! Eu vou entrar aí! – Dylan passa por ela e invade o consultório.
Eu poderia ter feito isso, mas teria que correr da recepcionista.
Para passar o tempo e tentar me distrair, ocupo-me em contar quantas fileiras de cadeiras há na sala de espera e quantas cadeiras há em cada fileira: uma, duas, três, quatro, cinco...
Começo a esfregar uma das tatuagens de Oliver como se quisesse tirá-la e acabo me acalmando até que mamãe sai do consultório com Dylan e Gen.
Minha irmã já não chora, mas mantém as mãos sobre a barriga como se quisesse proteger o bebê de tudo.
Eu e Ollie nos levantamos assim que os vemos.
– Então? – pergunto para qualquer um que possa me responder.
Perceptivelmente, minha irmã não é essa pessoa. Ela aperta Dylan com toda a força e ignora todo mundo ao seu redor.
– Aparentemente, sua irmã teve um pico de estresse – mamãe começa a explicar. – O nervosismo causou uma contração no útero para expulsar o bebê e isso levou ao sangramento. Agora ela vai tomar um remédio para ajudar a segurar o bebê e fazer repouso absoluto.
– Mas está tudo bem, né? – questiono.
– Na medida do possível... – mamãe deixa a postura cair.
Respiro fundo aliviada e acaricio o braço da minha irmã. Ela deita sua cabeça no ombro do namorado e não solta de seu abraço sob hipótese alguma. Seus olhos verdes estão mais acinzentados e muito vermelhos por causa do choro.
– Você quer ir lá para casa? – Dylan pergunta, mas não é Geneviève que responde.
– Não. Agora ela precisa descansar na cama dela – mamãe afirma enquanto procura o celular que não para de tocar dentro da bolsa. Com certeza é meu pai.
Dylan olha para Oliver e diz com toda a sinceridade do mundo:
– Muito obrigado por tê-la trazido.
Ollie assente devagar, mas não responde com palavras. Acho que fica surpreso. A essa altura, não diria que Dylan é uma das pessoas preferidas de Ollie.
Caminhamos até os carros devagar, a passos curtos, e silenciosamente nos dividimos nos três carros. Preciso voltar com Oliver para pegar o meu carro em sua casa.
O caminho é tão silencioso que até o rádio está num volume baixo. Não queria que fosse assim, porém não temos o que dizer. Se eu falar alguma coisa sobre a noite passada, estarei iniciando uma briga e eu não estou com ânimo para discutir.
Observo, no meu chaveiro, as chaves da casa de Ollie. Teoricamente, não preciso mais delas. Por isso tiro as chaves do molho e deixo no console do carro.
– O que é isso? – ele pergunta cansado, apontando para onde deixei os objetos metálicos, mas continua atento na rua.
– As chaves da sua casa. Acho que concordamos que não preciso mais delas – por incrível que pareça, minha voz se mantém estável.
Fixo meu olhar no seu rosto, mas Ollie não diz nada. Confesso que tenho vontade de provocá-lo sobre a garota da noite passada, contudo o bom senso me faz segurar a língua.
Ao abrir o portão da casa, Oliver olha para mim, enquanto o motor realiza seu trabalho de abrir o portão.
Esse motor nunca foi tão devagar.
Quando ele finalmente desliga o carro, abro a porta sem que tenha dito nada.
– Obrigada – agradeço a carona e por ter me ajudado com Geneviève. – Se você não tivesse me ajudado, eu provavelmente teria entrado em desespero e atrapalhado tudo.
– Não foi nada – ele sorri de canto. – Ainda bem que ela e o bebê estão bem.
– É... – mordo o lábio. – Agora precisamos esperar. Bom, eu preciso ir – verifico o horário no celular, fingindo ter um compromisso, e Ollie assente. – Adeus, Oliver.
– Adeus – ele responde baixo e eu vou embora.
Dessa vez, Oliver não vem atrás de mim, muito menos me beija. Apenas volto para casa com o adeus ecoando na minha cabeça.
Sempre odiei essa palavra. Sempre odiei despedidas e sempre odiei mudanças.
Apesar disso, com o passar do tempo, me mudar bastante deixou de ser um problema e eu não necessariamente precisei me despedir de algumas pessoas. Não passei a gostar de mudanças. Elas apenas se tornaram comuns e necessárias.
Mas dessa vez é diferente. Eu não estou mudando para outro país. Continuarei exatamente onde estou e Oliver também. Essa despedida não é como aquelas que eu tinha a certeza de que Ollie me ligaria assim que desembarcasse ou me abraçaria forte quando voltasse.
Esse adeus é mais difícil de aceitar e infinitamente mais complicada de lidar.
Essa mudança aconteceu contra a minha vontade e eu nem sei se poderei encontrar Oliver de novo.
Antes de dormir, o dia todo se passa na minha cabeça e o cansaço junto com o estresse me fazem cair no sono rapidinho.

...


Não imaginei que, quando o doutor disse que Geneviève deveria fazer repouso absoluto, mamãe​ a proibiria de subir ou descer as escadas – proibição essa que resultou no revezamento de quem levaria o almoço ou jantar para ela.
Não sei se concordo com esse isolamento. Não acho que Gen precise ficar sozinha. Por isso decido ir almoçar com ela.
Sorrio, tentando animá-la, mas é inegável que está abatida. Geneviève ainda está de pijama e não fez questão de arrumar o cabelo. Seu rosto está bem inchado.
Pego uma cadeira para me sentar ao seu lado.
– Espero que esteja com fome – digo.
– Já tive muito mais – dá de ombros, mas sei que se deliciará com a massa cheia de molho.
Seu quarto cheira a sono e me apresso em abrir a janela.
– Está curtindo seus dias na cama? Aposto que, se fosse há uns anos atrás, você iria adorar – brinco.
– Estou com dor nas costas e não aguento mais ficar deitada – a ruiva confessa. – Acho que a mamãe está exagerando.
– Também acho, mas ela só quer seu bem – reparo no livro dos benefícios do balé durante a gravidez sobre o criado-mudo. – Terminou de ler?
– Terminei, mas não poderei praticar, então... – ela faz uma careta. – Aliás, você tem livros legais? Creio que é só isso que serei autorizada a fazer.
– Vários – sorrio de canto.
Não é necessário pensar muito para saber o que causou o pico de estresse em Geneviève. A situação apenas se agravou mais por estar grávida e os três primeiros meses de gestação são os mais perigosos. Tenho dúvidas​ quanto ao que minha irmã pensa sobre toda essa assistência que está recebendo da família toda. Acredito que, às vezes, ela apenas gostaria de ficar sozinha seja para pensar, chorar ou respirar, mas tem gente o tempo todo em cima dela.
Gen me contou exatamente o que o doutor disse a ela e fiquei assustada. Ele foi quase cruel.
O doutor West não quis alimentar esperanças em minha irmã. Pelo contrário, eu diria que ele já a preparou para perder Steven. Gen disse que as palavras exatas do médico foram: “você nunca ficou grávida antes, o seu corpo não estava preparado para receber esse corpo estranho. Por isso quer expulsá-lo o tempo todo. Como você disse que está passando por uma situação muito estressante, creio que isso tenha agravado a ameaça do aborto. Mas não importa o que aconteça, Geneviève, não fique tão triste. Você é muito jovem. Com certeza poderá ter outros filhos.”
Isso não soa, de forma alguma, encorajador. Por essa razão tento distraí-la ao máximo e fico muito contente por arrancar um pequeno e tímido sorriso dela.
Os assuntos do casamento ficaram em segundo plano com toda a preocupação com Geneviève ocupando nossas mentes, mas não demora para que Dylan assine o contrato de aluguel do apartamento​, algo que todos combinamos de esconder da minha irmã para evitar mais sustos, e mamãe contrata o restaurante para a “festa”.
A cada notícia nova, sinto como se parte da minha esperança morresse, principalmente agora que não tenho Oliver para me apoiar como só ele fazia.
Chorar já se tornou parte do meu dia a dia. Por mais forte que tento ser e por mais que eu me esforce muito para não me deixar abater, algumas vezes é simplesmente doloroso demais reter as lágrimas.
Há uns dias, aproveitei que estava chovendo e deixei a chuva me molhar para que a água se misturasse com as lágrimas e ninguém percebesse. Cada raio que eu observava cortar o céu me trazia uma lembrança diferente do que eu costumava ser e de onde eu costumava estar. Papai me encontrou sentada no jardim ao voltar do trabalho e literalmente teve que me carregar para dentro da casa, pois eu já não tinha forças. Minha garganta arranhava só de abrir a boca e eu ardia em febre.
Mamãe quase enlouqueceu tendo que cuidar de mim, Gen e CeCe ao mesmo tempo.
Confesso que fiquei com dó dela e me senti culpada, mas, àquela altura, eu já não podia fazer nada.
Cada parte do meu dia é repleta de memória​s com Oliver. Absolutamente tudo me lembra sobre nós. Isso é frustrante e reconfortante ao mesmo tempo.
Eu não quero esquecê-lo e, se essa é a única forma de tê-lo comigo, vou continuar dormindo com sua camiseta, ouvindo nossas músicas e relendo todas as cartas.
Isso é meu. Essa parte dele é minha e eu não vou deixá-la escapar. Por esse motivo, não quero conversar sobre estar me machucando, mesmo quando tenho a oportunidade perfeita para falar tudo que quero para alguém que está disposto a me ouvir.
– Você quer conversar? – seu tom suave faz minhas lágrimas escorrerem sem vergonha.
– Só me abrace, Thom – aperto meu parceiro, afundando meu rosto em seu ombro.
– Pode chorar. Faz bem – Thomas diz bem baixinho e faço o que pede sem dificuldade alguma.
Estava segurando essas lágrimas desde que passamos por um casal de bailarinos que dançavam uma música de Oliver tocada no piano. A performance dos dois estava tão incrível, tão real e tão emocionante, que muitos na academia pararam para assisti-los através das paredes de vidro. Eu me emocionei na hora, mas precisei me conter por dar duas aulas seguidas para crianças.
– Você sabe que pode falar comigo se for aliviar, né? – ele reafirma e eu concordo com a cabeça.
Seu comentário me faz pensar bem durante o resto do dia.
Por alguma razão, não quero estar aliviada ou livre de Oliver. Se eu contar para alguém o que passamos, seria como deixar escapar todos os nossos melhores momentos. Eu não preciso me livrar dele e é exatamente isso que acontecerá se eu compartilhar os segredos, os detalhes, as promessas, os toques.
É por isso que não quero contar nada para ninguém. Se as pessoas não fizessem questão de espalhar para os quatro ventos tudo que acontece com elas, não sentiriam tanta falta do que passou porque suas lembranças estariam a salvo.
Salvas na mente e no coração, onde ninguém pode roubar absolutamente nada, ninguém pode mudar um simples detalhes, onde está tudo bem e nem mesmo o tempo pode levá-las embora por completo.
Sinceramente, não ligo se isso é egoísmo ou se são essas mesmas lembranças que me farão demorar para dormir à noite, porque esse é o jeito de Oliver continuar comigo, de eu não deixá-lo ir. Porque eu mantenho o que vivemos bem vívido na minha mente.
Porque ninguém precisa saber da melhor parte do nosso relacionamento nem tirar de mim o que ficou de bom.
Eu vou manter os nossos segredos a salvo em meu coração e na minha cabeça, mesmo que essas tempestades de emoções tentem tirá-los de mim, porque eu não posso deixar ir embora o que eu tenho de mais importante: minha história, minhas memórias, meu lugar seguro. Algo que pertence só a mim e a ele.
Se eu me esquecer, quem é que vai lembrar?

...


– Não entendo por que simplesmente não mudam esse contrato se o resultado será o mesmo... – a voz irritantemente aguda de Leonora enche meus ouvidos e me paralisa.
Sei que é errado ouvir a conversa dos outros escondida atrás da porta, mas o assunto me interessa.
Mamãe e Leonora tomam o chá na sala e me escondo, encostando-me à parede do hall para que não me vejam.
– Não acha, Amethist? A Gen está grávida do Dylan e ela já é maior de idade. Eles não estariam infringindo lei alguma – a mulher com voz de esquilo conclui. – Mas o Mark diz que a Gen é muito nova e insiste que o Dylan fique com a mais velha.
É isso. A idade.
Se a desculpa que eles dão para Geneviève não se casar é a idade, posso resolver isso com facilidade. Aposto que, se conversar com Dylan e Geneviève, encontraremos uma solução em tempo recorde!
– É verdade. Tudo ficaria mais fácil – mamãe concorda, perceptivelmente cansada desse tópico de conversa.
Recuo um pouco e abro a porta de entrada de novo só para fechá-la com mais força para que percebam que cheguei sem desconfiar que ouvi alguma coisa.
Passo por elas como se nada tivesse acontecido.
– Boa tarde – digo entediada, sem parar de andar, e corro escadas acima.
Assim que chego ao meu quarto, já começo a digitar uma mensagem para Dylan. Um sorriso se forma no meu rosto assim que envio a explicação sobre a questão da idade e corro para um banho de comemoração.
Porém, ao sair do banheiro cheirando a flor de algodão, verifico a resposta de Dylan que me desanima completamente.

Dylan: Maddy, não estou a fim de falar sobre isso agora.
Não há mais o que fazer.
Sinto muito.
Deveríamos só aceitar.


Não acredito em suas palavras. Dylan desistiu. Não é possível. Deve ser algum tipo de piada. Como ele se atreve a deixar Geneviève logo agora? Isso não pode ser sério.
Não respondo. Visto uma roupa qualquer e minhas pantufas de panda, que Ollie me deu há dois anos, e corro para contar à minha irmã sobre a descoberta. Assim que entro em seu quarto, encontro-a saindo do banho enrolada em seu roupão de zebrinha.
– Gen, você não sabe! – digo entusiasmada, mas ela apenas desaba em sua cama cansada. Seus olhos verdes estão acinzentados. – Eu descobri por que o papai não quer mudar o contrato! Mark é um babaca e a acha muito nova, mas você não é! Eu não acredito que não pensamos nisso antes. Fale sério! Por que você não está animada? – paro à sua frente e ela só continua me encarando. – Temos a solução!
– Maddy, desista – é sua resposta, deixando a postura cair. – Não tem mais jeito.
– Como não?! – questiono. – É só pensarmos direito. Mesmo que eu e o Ollie não fiquemos juntos, você e o Dylan podem...
– Eu terminei com ele, Maddy – Gen me interrompe e eu despedaço.
– O quê? – questiono abalada. – Vocês não podem... O Steven...
– Como não, Maddy? – seus olhos ficam marejados. – Faltam duas semanas para vocês se casarem. O que você esperava que eu fizesse? A gente terminou. Não há mais nada que possamos fazer para acabar com esse contrato – bufa. – Você vai se casar com o Dy – minha irmã balança a cabeça, segurando-se para não chorar.
– Isso só pode ser algum tipo de brincadeira com a minha cara – saio do quarto, batendo a porta.
Tranco-me sozinha, encolhida na cama, observando o céu cinza lá fora, quando lágrimas decidem escorrer.
Por que só eu continuei com esperança​? Agora ela está escorrendo pelo meu rosto como a garoa pela minha janela.



Capítulo 21 – Tudo Em Excesso Faz Mal, Inclusive Amar

Por alguma razão, o término entre minha irmã e Dylan acabou doendo mais em mim do que achei que doeria. Talvez seja o fato de que agora não exista mais esperança.
Geneviève disse que terminou com o Dylan por minha causa. Talvez seja essa a questão do problema.
A culpa é minha. Eu deveria ajudá-la, não causar preocupação. Isso dói fisicamente: perdi meu noivo, minha liberdade e estou perdendo minha irmã aos poucos.
O vestido branco cai perfeitamente em meu corpo, feito só para mim. Fico apenas olhando para meu reflexo no espelho, mas não vejo nada além de uma garota triste com um vestido lindo.
Não me lembro da última vez que sorri.
Deixei de comparar minha situação com a justiça, pois não há nada justo aqui. Não consigo nem me imaginar assinando a folha do casamento ao lado de Dylan. Quando minha irmã e ele decidiram desistir, não havia mais o que fazer. Sozinha não posso fazer nada.
Não tenho como falar nada, fazer nada nem agir diferente do esperado.
– Você está linda – Max me elogia. Seu tom é suave. Mesmo assim, encolho os ombros.
– Obrigada – apoio-me a uma das mesas ali, sem realmente me sentir assim, e respiro fundo.
– Chega. Eu não aguento mais ver você assim – para a minha surpresa e a de Max, minha mãe diz isso, já se levantando e pegando a bolsa. – Tire o vestido e vamos logo.
Demoro um pouco para processar o que ela disse, mas ainda assim não me troco com rapidez. Não sei o que mamãe planeja. Tudo que sei é que gostaria de ficar na minha cama sozinha.
– Vamos – Amethist avisa bem séria e olha para Max. – Obrigada por tudo.
Abraço o homem com força e sigo mamãe até o carro.
– Aonde estamos indo? – questiono baixo, sem ter certeza de se quero mesmo saber a resposta. Ela passa direto pelo retorno para o caminho de casa, indo para o centro da cidade.
– Vamos tomar um café – e não olha para mim ao responder.
Um café seria muito bem-vindo, principalmente a essa hora. Mas tenho minhas dúvidas quanto a isso resolver os meus problemas.
Não digo uma única palavra depois disso nem opino sobre a cafeteria ou o lugar para nos sentarmos. Mamãe faz o pedido por nós duas e me surpreende ao pedir uma bomba de chocolate para mim.
Eu preciso mesmo de chocolate.
– Pronto. Pode falar – mamãe junta as mãos após me analisar por um bom tempo.
Minhas costas já não doem tanto por ficar o tempo todo encurvada. Ou eu me acostumei com a dor, sei lá.
– Falar o quê? – questiono com um leve dar de ombros.
– Tudo. Tudo que você quiser falar – ela diz.
– Eu não quero falar nada – respiro fundo. – Não vai mudar nada falar do que penso. A decisão já foi tomada. Não há o que fazer – não estou brava. Creio que meu tom varie entre indiferença e conformismo.
– Maddy, você precisa conversar com alguém. Isso alivia muito. Só assim você vai conseguir se recuperar – mamãe faz aquela voz de conselho a ser acatado e eu bufo.
– Como você acha que eu estou, mãe? – questiono, já olhando em seus olhos. Estou cansada de chorar, mas por que sinto meus olhos marejarem? – Eu odiei essa história do começo ao fim, menti para o cara que mais me importava na vida só para perdê-lo no final e agora não existe mais nada a se fazer. Como se não bastasse, minha irmã está se afastando de mim porque eu sou um empecilho na sua vida. Tem como estar melhor? – aperto os olhos para impedir as lágrimas de se formarem. – Eu não consigo mais manter as coisas sob controle. É tudo culpa minha.
– Maddy... – mamãe acaricia minha mão e espera o garçom se retirar para dizer alguma coisa. – Não tem como ser forte o tempo todo, muito menos controlar tudo que acontece. Você não precisa se culpar por tudo que está acontecendo. Você erra, com certeza, mas não é tudo culpa sua.
– Mas o Ollie acha que é e a Gen também – escondo o rosto entre as mãos.
Não chore. Não chore. Não chore.
– A Geneviève sabe que não é culpa sua. Ela só não consegue lidar com isso agora.
– Nem eu – tomo um gole do cappuccino gelado. – Como eu vou conseguir viver com um cara que eu não amo e que está sendo condenado a ser meu marido para o resto da vida? Eu não quero ser infeliz nem amargurada.
– Você não precisa ser infeliz, filha – mamãe me encoraja. Yupi. – É você quem escolhe se seu casamento vai ser feliz e bem-sucedido.
– Mas eu não quero casar com o Dylan. Ele não é bom para mim – choramingo.
– Maddy, eu também não queria me casar com seu pai, também não achava que ele seria bom para mim e olhe só onde estamos! Faz mais de vinte anos que estamos juntos, que temos uma família, mas que principalmente encontramos nossa forma de ser feliz. Levou tempo, mas aconteceu. É assim até com quem se ama. Você não precisa necessariamente amar alguém para ser feliz com ela. Já disse, dependendo de como essa pessoa trata você, se ela se importa com seu bem-estar e se preocupa em tornar sua vida mais fácil, você passa a gostar dela. É inegável. Nós gostamos de quem se importa conosco – embora fale com propriedade, sua voz é suave. – Você pode amar muito alguém, mas, se essa pessoa não lhe der valor, o amor se desgasta. A vida é assim, os sentimentos são assim. Não tem como controlar.
– Mesmo que o Dylan seja bom, mãe – engulo a bomba de chocolate com dificuldade. – Eu não quero ser feliz com ele. Eu quero o Oliver, quero passar minhas noites com ele, dar as mãos, ouvir suas músicas feitas só para mim. Por que eu preciso deixá-lo? – uma lágrima silenciosa escorre pela minha bochecha. – É tão difícil e complicado. Parece que, se eu contar para qualquer pessoa o que eu gosto nele, ou os bons momentos que tivemos, e até os ruins, eu vou deixá-lo escapar, eu vou esquecê-lo. Eu não quero substituí-lo – confesso com o buraco no meu coração ficando maior cada vez mais. – Ele levou uma parte de mim quando foi embora, mãe. A melhor parte – tento prender meus soluços, mas pareço um aspirador de pó com defeito sugando o ar com dificuldade.
– Você pode se reconstituir, Maddy. Todos podemos. Se você só olhar para trás, não vai perceber o que está à frente. Ainda que leve tempo, você vai superar. Tudo vai passar, filha. Inclusive sua dor. Você vai esquecer que está doendo.
– Mas eu não quero esquecê-lo – não consigo conter a cachoeira de lágrimas combinadas com os soluços altos e curtos. – Eu quero me lembrar dele e parece que sofrendo é o único jeito – confesso.
Mamãe me olha com piedade, sua xícara de café quase intocada. Tenho certeza de que minha bomba agora é formada por cinquenta por cento lágrimas.
– Você nunca vai esquecê-lo, Maddy. Infelizmente, você não tem amnésia. Ele faz parte da sua história, está registrado em você. Você só vai se esquecer do que está sentindo, de se culpar, de acabar com você mesma. O Oliver só vai deixar de significar o mesmo – encolho-me. Ollie disse quase a mesma coisa para mim uma vez.
– Por que dói tanto, mãe? – escondo meu rosto e me sinto vibrar com a intensidade do choro.
Ela respira fundo, leva sua xícara à boca, mas diz antes de bebê-lo:
– Porque quem ama demais, sofre demais.
A conversa com mamãe não sai da minha cabeça, que por sua vez lateja, dói e não para de trabalhar nem por um segundo. Não sei qual a pretensão dela ao me dizer tudo aquilo, mas, se a intenção era que eu aceitasse com mais facilidade esse casamento, não foi muito bem-sucedida.
Ainda não quero me casar.
Contudo, quando vi as caixas no meu quarto, precisei começar a juntar minhas coisas.
Nenhuma outra mudança me deixou tão deprimida.
Na tentativa de me animar, mamãe comprou alguns itens novos para a lua-de-mel. Adoro comprar pijamas e lingeries, exceto nesse caso. São bonitos, mas não sinto vontade de usá-los. Fiz questão de esconder tudo numa das caixas, bem no fundo, para evitar olhar ou Gen descobrir.
Largo minhas prateleiras quase vazias após decidir tomar um chá.
Encontro Geneviève sentada com os pés no sofá pensativa. Esquento água para nós duas e me surpreendo ao perceber que não pensei em nada além de prestar atenção na água fervendo. Pego nossas xícaras, encho com o líquido semitransparente para levar até minha irmã e me sento ao seu lado.
– Obrigada – Gen agradece baixinho depois de perceber só após alguns segundos que a xícara era para ela.
Não demora para que volte ao seu transe, olhando fixamente para um ponto da parede.
– Gen? – chamo depois de dois longos minutos de silêncio. Ela me encara. – Como você está? Quero dizer, com tudo acontecendo, você e o Dylan, o Steven...
A ruiva respira fundo antes de dizer qualquer coisa, mas encolhe os ombros.
– Indo. O Steven parece bem, eu não e não sei sobre o Dylan – limpa a garganta.
– Vocês não estão se falando mais? – quero saber. Sei muito bem como é deixar de conversar com a pessoa que você mais quer falar, no entanto sei também que Geneviève não tem raiva de Dylan e vice-versa, o que é um ponto positivo.
– Não – ela morde o lábio. – Eu não ligo para ele, ele não liga para mim. Acho que vai ser mais fácil assim.
Dessa vez, quem respira fundo sou eu.
– Geneviève – ela estremece ao me ouvir chamá-la pelo nome. – Por que você terminou com o Dylan?
Sei que a resposta é óbvia, mas não consigo aceitar que ela se entregou assim. Tínhamos uma chance.
– Por você – ela responde. Fixo meu olhar no seu opaco. – Não posso prejudicar seu casamento mais do que já vai acontecer naturalmente. Eu já estarei presente demais na sua vida.
– Posso pedir uma coisa? – pergunto. Gen assente, meio incerta. – Não vá no meu casamento. Eu não acho justo você presenciar isso.
Geneviève concorda e arranha a xícara sem perceber.
– Maddy? Eu preciso lhe perguntar uma coisa – ela endireita a postura e tira o cabelo do rosto. – O que você acharia se eu cogitasse não deixar meu filho saber que o Dylan é pai dele? – a pergunta é séria, mas demoro para entender.
Como sequer pensar numa coisa dessas?
– Isso não é uma decisão sua, Geneviève – era exatamente o que eu queria dizer, porém não é da minha boca que essas palavras saem.
Eu e minha irmã buscamos o dono da voz que deixa uma caixa no canto da sala. Ele comprou uma cadeirinha de bebê.
Os olhos de Gen quase pulam das órbitas, ela deixa a xícara na mesa de centro e vai ao encontro dele.
– É meu filho também e ele vai saber que tem um pai – a expressão de Dylan condiz com sua voz: cara fechada e respiração acelerada, os ânimos à flor da pele.
– Desculpa, Dy – minha irmã parece se arrepender amargamente já nesse momento. – Eu só estava pensando...
– Você tem noção do que acabou de cogitar? Você me pediu para nunca abandonar nosso filho e agora pede uma coisa dessas? Qual é o seu problema? – Dylan questiona.
– Você não pode me impedir de pensar no que seria melhor para nosso filho! – Gen retruca com os olhos marejados.
– Mas posso discordar. O filho é nosso, tomamos as decisões juntos. Ele vai saber que tem um pai – o loiro retruca. – Você está até parecendo o idiota do meu pai. Não consigo acreditar nisso.
– Eu só queria facilitar nossa vida – Gen começa a chorar. – Desculpe. Eu sou uma idiota.
Dylan respira fundo e balança a cabeça.
– Deixe para lá – ele dá de ombros. Depois aponta para a caixa que acabou de trazer. – Era a que você queria. Espero que goste – o loiro dá as costas e sai da casa.
Corro para abraçar minha irmã e a guio até o sofá.
– Está tudo bem. Vai dar tudo certo – beijo sua cabeça enquanto ela soluça. Saio correndo para tentar alcançar Dylan e o encontro encostado ao seu carro, encurvado. – Dylan... – ele se assusta um pouco, mas se acalma quando percebe que sou eu. – Dylan, não fique bravo com a Gen. Ela não está conseguindo pensar direito. Olhe o que ela está passando.
– Eu sei, Maddy. Mas eu estou passando pelas mesmas coisas e não cogitei em momento algum abandonar meu filho ou tirá-lo da Gen – ele se explica, ainda com raiva.
– Eu sei... – solto todo o ar dos meus pulmões e me encosto ao seu lado. Alguns raios de sol nos atingem, graças ao fim do inverno que se aproxima. Aproveito o calor em minha pele como se fosse um alívio, uma renovação de energia. O vento movimenta meu cabelo. – Só não fique bravo com ela, tá? Duvido que ela impediria você de ver o Steven. A Gen só precisa de paz.
Os olhos verdes de Dylan, bem claros, param sobre meu rosto e ficam me analisando por um tempo.
– Acho que todos nós precisamos – ele responde num tom baixo.
– É, todos precisamos.
Não foi tão difícil de acalmar Gen depois disso, até porque Dylan fez o favor de ligar para ela minutos depois para se desculpar e explicar que o dia não tinha sido dos melhores para ele.
Nessa mesma noite, meu pai me presenteia com um par de saltos lindo. Ainda que eu saiba que é para o casamento, sinto-me na obrigação de agradecer.
Ele está tentando se redimir, sei disso. Mas o que um pedido de desculpas pode resolver agora?
– Sinto muito, Maddy – papai diz, sentado na minha cama.
Ergo meu olhar desde o livro em minhas mãos até o seu.
– Tá. – volto a focar nas palavras impressas no papel.
– É sério, Madelinne – ele respira fundo. – Eu não deveria ter aceitado fazer isso com vocês. Desculpe de verdade.
Sei que ele precisou de muito esforço para me pedir desculpas, mas já é tarde.
– Tudo bem, pai. Eu acredito – endireito minha postura. – Só que isso não muda muita coisa agora.
– Certo – papai olha para o quarto semivazio com caixas empilhadas. Ele engole em seco. – Vou sentir sua falta.
Respiro fundo. Meu pai vai acabar me matando assim.
– Eu também vou sentir sua falta – confesso.
Por mais que ele tenha arruinado meus planos de vida, ainda é meu pai. Eu ainda o amo, apesar de tudo. Claro que estou com raiva, mas não posso dizer que eu o odeio completamente. Talvez eu o odeie por ter me obrigado a me casar, mas só por isso.
– Você pode me abraçar? – ele pede, quase dolorido. – Como quando você era uma menininha e me apertava com força por medo de trovões.
Seus olhos, idênticos aos meus com aquelas pintinhas verdes entre o castanho, pairam sobre mim e por um segundo penso que irá chorar.
Deixo o livro de lado, levanto-me e abro os braços. Não vou negar isso a ele, se é o que o fará feliz.
Papai sorri. Não me lembro da última vez que o apertei tão forte.

...


A aura branca que meus dias estão tomando começa a me irritar. Sapatos brancos, vestido branco, paredes brancas, prateleiras vazias. Mamãe marcou manicure para mim às vésperas do casamento e, para variar, o esmalte é branco. Escolha de mamãe.
Recolho as últimas coisas em meu closet e banheiro para decidir o que vou levar e o que jogar fora.
Não demoro para finalizar o trabalho.
Quando vejo uma última caixa toda decorada, colocada em cima da última prateleira há alguns dias, decido colocá-la em cima da cama. Dentro dessa caixa, estão quatro anos de história. Começo a reler todas as cartas em ordem cronológica, rever todas as fotos, segurar cada lembrança e presente.
Oliver me amou de verdade, isso é óbvio, e, embora esteja com raiva agora, talvez um dia seja capaz de me perdoar.
Eu ainda o amo, com certeza. Não posso evitar. Ao ler a última música que ele compôs para mim, as lágrimas quentes escorrem. Ollie escreveu isso só para mim.
Ele era meu mundo e eu era o dele. Agora é como se eu tivesse de sofrer o luto pela nossa morte, embora eu saiba que ele esteja bem vivo e com outras pessoas.
Não sei o que fazer com todas essas lembranças. Talvez eu as deixe aqui e mamãe jogue fora.
A noite cai lá fora. Ligo para a única pessoa que me vem à mente, que não demora a atender.




Capítulo 22 – Só Mais Uma Dose

– Eu chamaria a Gen, mas ela não está autorizada a colocar uma gota de álcool na boca – digo. Dylan sorri de canto, após engolir sua cerveja. – E acredito que você tenha apreciado o convite.
– Foi um bom convite, realmente – confessa.
O pub é quase completamente escuro, exceto pelas luzes coloridas dispostas propositalmente sobre as prateleiras cheias de bebida no bar. Sexta-feira é o dia oficial para estar lotado e de fato está.
A banda ao vivo mescla seu repertório entre músicas antigas e atuais, mas sempre puxadas para o rock. Balanço a cabeça ao som de uma música dos Red Hot Chili Peppers, fazendo Dylan rir.
Termino meu primeiro drinque e digo:
– Dá para acreditar que vamos nos casar amanhã e nem sequer nos conhecemos? Isso é bizarro!
– Não – ele responde. – Eu nunca me comprometi com nenhuma garota antes de beijá-la – seu tom de piada me faz rir e já peço outro drinque.
– Certo, certo – ofereço a bebida para ele em silêncio, mas recusa com a cabeça. – Vamos nos conhecer – por alguma razão, fico animada com a minha própria ideia e já pergunto. – Quantas namoradas você já teve?
Dylan olha para mim.
– De verdade? – questiona. – Só duas e a Geneviève. A que durou mais tempo ficamos juntos por quatro meses.
Não consigo segurar o riso.
– Isso é sério? Qual é o seu problema, cara? – brinco.
– Eu não era o maior fã de relacionamentos duradouros – ele dá de ombros. Isso eu já sabia. – E você?
– Oliver foi meu segundo namorado, mas digo que foi o único porque decidi que o primeiro não contou. Então, um – explico e é a vez de Dylan rir.
– Por que o primeiro não contou?
– Por uma junção de fatores, como: primeiro, eu devia ter uns quinze anos, coisa de criança. Segundo, foi escondido, porque meu pai não acha que uma pessoa com quinze anos seja responsável o suficiente para namorar sério. Terceiro, durou três semanas. Quarto, eu nem estava tão apaixonada assim e, quinto, ele se assumiu gay dois meses depois – dou de ombros, mas o loiro gargalha. – É sério. E nós ainda nos víamos muito na academia. Constrangedor. Não contou. Oliver foi meu único namorado.
– Tudo bem. Acho que tenho uma história parecida na minha conta.
Não percebo o tempo passar nem fico contando a quantidade de bebidas que tomo. Nesse período, descubro coisas das quais eu nem imaginava sobre Dylan, como: ele adora uísque, viajar e quer conhecer o Japão um dia. Só começou a prestar atenção em arte depois de Geneviève, mas adora ver filmes. E é uma pessoa muito forte para bebidas, do tipo que toma várias doses e consegue andar em linha reta depois.
Totalmente o contrário de mim nesse último aspecto. Já chegamos a um nível que estou rindo de qualquer coisa.
– Dylan! – continuo gargalhando. – Vamos nos casar amanhã! Imagina? Nós dois com cara de ressaca? Vai ser ótimo!
Inclino meu corpo para frente e apoio minhas mãos em seu joelho. Minha saia vermelha sobe um pouco, mas a meia-calça preta não deixa ninguém ver minhas coxas quase tão brancas como o blazer que visto.
O calor torna-se quase insuportável, então me abano.
– Não vai ser dor de cabeça só pelo casamento em si – Dylan brinca. Sua piada nem teve tanta graça, mesmo assim rio de sair lágrima.
Não rio assim há um bom tempo.
Talvez seja essa luz, talvez seja o álcool em meu sangue, quem sabe a música do The Outfield tocando ou o sorriso naturalmente malicioso do meu acompanhante? Não sei o que é, mas realmente aprecio sua companhia. Apoio meu cotovelo no balcão e a bochecha na mão só para observá-lo cantarolar a música.
– Sabe de uma coisa, Dylan? – pergunto com um pequeno sorriso no rosto – Eu também nunca me comprometi com ninguém antes de beijá-lo – as palavras escorregam da minha boca ao mesmo tempo que tento ficar de pé. Por um momento, minhas pernas ficam bambas e quase caio, porém o loiro me ampara, segurando minha cintura com força. Acho graça. – Você me pegou – digo entre risos, minhas mãos apoiadas em seus ombros.
– Sim, eu peguei você – o tom rouco de sua voz próximo ao meu ouvido me causa um arrepio da cabeça aos pés.
Nesse momento, olhando para aqueles olhos verdes, para seus lábios gordinhos, a sua bochecha rosada pelo álcool, sentindo as suas mãos firmes em minha cintura, eu não me preocupo com o que acontecerá amanhã pela primeira vez em meses.
E só quando nossos lábios estão colados num beijo intenso, minhas mãos embrenhando-se em seu cabelo e as suas me apertando contra si, que entendo por que sempre houve garotas correndo atrás de Dylan e eu não quero perdê-lo essa noite, assim como o cantor repete na música.




Capítulo 23 – Dia da Noiva

– Dylan! – chacoalho o cara na cama depois de despertar assustada.
Acordei num quarto que nunca estive antes de cabeça para baixo na cama – com o pé na cara de Dylan, praticamente – e não precisei pensar muito para saber que estou no quarto do loiro.
Não lembro como vim parar aqui. Na verdade, não lembro de muita coisa a partir de certo ponto da noite passada.
– Dylan, eu preciso ir para casa – toco seus ombros e ele aperta os olhos para protegê-los da claridade.
Ele também está com a mesma roupa de ontem.
– Que horas são? – ele murmura aos esfregar os olhos.
– Se eu falar, você não vai levantar – respondo. – Vou deixar você se trocar. Não demore, por favor. Eu preciso ir para o salão me arrumar.
– Ok – Dylan se senta.
Saio do quarto e espero no corredor, encostada à parede, pensando em como minha vida está prestes a mudar. Porém não consigo manter a linha de raciocínio por muito tempo por conta da dor de cabeça que pesa em mim.
Eu vou me casar, ainda não acredito numa coisa dessas. Como se não bastasse, acabei de passar a noite com o ex da minha irmã. Dylan é meu futuro marido, mas só consigo pensar nele como propriedade de Geneviève.
Estávamos bêbados. Passar a noite juntos foi errado?
Dylan abre a porta e se arrasta para fora.
– Vem tomar café – ele me convida a segui-lo.
Ficamos em silêncio enquanto Dylan se encarrega de colocar a mesa do café da manhã. Honestamente. não estou com fome. Só com muita sede. Parece que o meu “noivo” sabe disso e sente o mesmo, porque pega dois copos cheios de água e me entrega um deles.
– Obrigada – agradeço baixinho.
Como apenas duas torradas e tomo um café que Dylan fez na cafeteira.
– Você me acordou sete e meia da manhã? – ele questiona, mas há um leve toque de humor na sua voz.
– Desculpe. É que hoje é meu dia da noiva, sabe? – respondo e ele ri fraco.
– A gente está na merda, hein?
Respiramos fundo.
É, estamos.
– Vamos logo. Quem sabe esse dia passe mais rápido assim? – ele se levanta e eu o sigo.
No meio do caminho, encontramos Leonora.
– Madelinne? – ela se surpreende.
Claro que está surpresa. Até eu estou!
– Bom dia – sorrio para a mulher com voz de esquilo.
– Bom dia, querida. Hoje será um grande dia. Está preparada?
Penso em uma forma gentil de responder essa pergunta sem ofendê-la, mas Dylan toma a frente da situação.
– Claro que não, né, mãe? Isso não foi exatamente ideia nossa.
Leonora não parece nem chocada, nem chateada. Eu sei que não está. Ela mesma queria casar o filho com minha irmã.
– Vamos, Maddy. Você tem coisas a fazer – Dylan diz e se dirige à porta.
– Até mais tarde, Leonora - despeço-me e vou embora.
No carro, continuamos quietos ao ver a paisagem passar até que decido perguntar:
– Dylan? – meu olhar cai sobre ele. – O que nós fizemos foi errado?
O loiro respira fundo e balança a cabeça.
– Eu já não sei o que é certo ou errado, Maddy. Quero dizer, vamos nos casar em algumas horas... – sua postura cai. – Não deveria ser errado. Não namoramos outras pessoas.
– Então por que eu sinto que cometi um erro terrível? – o gosto das minhas palavras é amargo. Só quero me livrar do peso da culpa. Como vou olhar para Geneviève pensando que agarrei o cara que ela ama a noite toda?
– Sinceramente, não sei.
Caímos no silêncio novamente. Para aliviar minha tensão, bato meus dedos na porta do carro num ritmo constante.
– Eu pedi para a Gen não ir ao casamento – solto e Dylan assente.
– Justo.
Meus sentimentos variam entre querer fugir e me casar logo só para esse dia acabar. Ainda preciso levar algumas coisas para o apartamento em que vou morar, algo que pretendo fazer agora de manhã.
– Eu fui me despedir dela ontem à tarde – a voz de Dylan interrompe meus pensamentos.
Demoro uns instantes para entender que fala da minha irmã, mas a ficha cai.
– E como ela estava?
– Péssima, acabada, destruída e arrasada – suas palavras são carregadas de culpa e remorso.
– Sinto muito – é o que consigo dizer.
Chegamos ao condomínio e analiso toda a entrada uma última vez: a grama, as quadras esportivas, o campo de futebol enorme ao longe, as casas enormes.
Essa é a última vez que poderei chamar esse lugar de casa.
Quando Dylan estaciona na frente da casa quase completamente de vidro, meu estômago se contorce. Tenho medo do que acontecerá assim que passar pela porta de entrada.
– Então é isso... – solto todo o ar dos meus pulmões.
– É... – ele concorda.
– Vamos nos casar.
– Sim.
Abro a porta do carro devagar.
– Boa sorte, Dylan.
– Boa sorte, Madelinne.
Saio do carro só para pensar duas vezes antes de abrir a porta de casa. O loiro já fez a volta e segue para onde quer que esteja indo.
Respiro fundo, tomo coragem e a abro.
Não há um único barulho aqui, mas o silêncio é tão ensurdecedor que me deixa tonta.
Subo as escadas sem pressa, como se me movimentar em câmera lenta pudesse afastar o grande desfecho do meu dia. Pego a última mala que falta no meu quarto, a mala para a lua-de-mel, e a levo para a sala.
Não acredito que a lua-de-mel seja tão doce assim, mas não pretendo torná-la mais amarga. Dylan é uma boa pessoa. Quem sabe daqui cinquenta anos eu possa esquecer de tudo o que passamos e ficar confortável naquela situação?
Quer eu queira quer não, meus próximos dias serão cheios de Oliver passeando pela minha cabeça.
Ele foi o primeiro homem que eu amei de verdade. Eu o amei por quatro anos. Não vou esquecê-lo do dia para a noite. Levarei muito tempo para superá-lo.
Penso no que eu deveria fazer primeiro, mas o cronograma está com mamãe. Acho que eu deveria me livrar dessas roupas que cheiram a cigarros com um toque do perfume de Dylan e tomar um banho para acabar com o cheiro do álcool exalando da minha pele.
Antes, porém, tenho uma ideia. Pego meu perfume na mala e corro para o escritório do meu pai em busca de papel e caneta.
Espirro um pouco do perfume na folha, a fim de ficar com o meu cheiro. Bato a caneta na mesa, pensando no que escrever, então divido a folha ao meio, frustrada por não conseguir pensar em nada. Acabo escrevendo nas duas partes:

“Desculpe por tudo. Espero que um dia você possa me perdoar.
– M”


O primeiro bilhete passo por baixo da porta do quarto de Geneviève. O outro precisarei ir um pouco mais longe para entregá-lo.
Eu poderia ter escrito tantas coisas, tentar me justificar, fingir que está tudo bem, mas pedir perdão é a única coisa que vale a pena escrever.
Perdão.
É tudo o que eu preciso.

...


Puxo o freio de mão em frente à imponente casa. É muito difícil ver qualquer coisa lá dentro por conta do grande portão e dos muros. Preciso tomar coragem pela milionésima vez no meu dia antes de tomar uma decisão, mas saio do carro mesmo assim.
Pela fresta do portão consigo ver que as janelas estão fechadas. Não sei se ele está aí ou não. Não tenho notícias suas desde que Gen foi parar no hospital, a não ser o que o Instagram contou: Oliver está trabalhando em músicas novas e compondo para outros artistas.
Não me atrevo a tocar a campainha nem ligo avisando que estou aqui na frente. Apenas fico parada em frente ao portão por alguns minutos.
Enfio o bilhete na caixa de correio e volto para o carro. Saio dali depressa, tentando deixar meu passado somente naquela casa.

...


Preferi ficar numa sala sozinha para a maquiadora fazer seu trabalho. Tento me concentrar apenas nos pincéis em meu rosto e na música baixa ressoando no local.
Mamãe, Leonora e CeCe estão na outra sala já prontas, provavelmente mais ansiosas que eu.
– Está nervosa? – a mulher com olhos escuros lindos pergunta.
Respiro fundo ao perceber que estou trêmula.
– Estou – respondo. Pisco para tentar me acostumar com os cílios postiços.
Não achei que ficaria tão ansiosa, mas fiquei.
Eu sou a noiva do dia. Eu estou sendo produzida para meu suposto dia perfeito. Mas, ainda que não queira, vou me casar e só a palavra “casamento” já faz meu estômago revirar.
Quero que não aconteça, mas, já que acontecerá, que seja rápido!
Já vai dar uma hora da tarde e impressionantemente não estou com fome. A ansiedade não me deixa comer nada. Prefiro ficar em silêncio total e deixar que a cabeleireira puxe e prenda meu cabelo da melhor maneira possível.
Chega a hora de colocar o vestido e Max está aqui para me ajudar. Ele põe os sapatos em meu pé, depois me entrega o buquê de rosas amarelas e beija minha testa.
Max não interrompe meu silêncio. Creio que entenda meus motivos e os respeite. Serei eternamente grata por tê-lo comigo. Mesmo sem dizer nada, eu sinto seu apoio.
– Pronta? – ele pergunta com calma, como se as palavras pudessem me machucar.
Observo meu reflexo pelo espelho e avalio cada centímetro de mim. O vestido é perfeito, os saltos maravilhosos, a maquiagem me deixa incrível.
Mas está tudo branco demais.
Estou pronta, porém não me sinto nem um pouco preparada.
Assinto, fazendo meus brincos dançarem e mesmo assim meu coque não se mexe. A quantidade de laquê foi inacreditável.
Max segura a base das minhas costas, a fim de me guiar para fora e encontrar minha mãe.
O olhar da ruiva é a primeira coisa que procuro ao abrir a porta. Seus olhos verdes muito bem destacados marejam.
– Uau! – Cécile exclama. – Você está linda!
– Sim, está – mamãe cobre a boca com as mãos.
Aparentemente Leonora já foi, mas mamãe e CeCe ficaram para ir comigo e Max.
– Já podemos ir? – questiono.
Que esse dia acabe, por favor!
– Vamos – minha mãe responde e seguimos para o carro.
Max dirige com calma e cuidado. Acho que não quer matar a noiva infeliz no dia do casamento desastroso. Eu não ficaria magoada, caso acontecesse...
Endireito-me no banco do passageiro e franzo o cenho.
Max passa direto pelo cartório.
– Ahn, Max? Acho que você passou a rua – digo.
Ele acelera o carro, depois mamãe olha para ele.
– Cala a boca, Madelinne – mamãe ordena, fazendo CeCe me olhar com um sorriso divertido no rosto.
Meu coração acelera completamente e o sinto pulsar por todo corpo. Por alguma razão, a palavra “sequestro” passa pela minha cabeça.
Isso é ridículo. Como minha própria mãe me sequestraria?
Max muda totalmente o percurso, o que me faz demorar para me localizar. Não saber o que está acontecendo me deixa muito e extremamente nervosa.
– Alguém poderia ser gentil e me explicar para onde estão me levando? – questiono.
– Se você disser mais uma palavra, juro que voltamos para o cartório e você vai se casar – Amethist ameaça e eu calo a boca no mesmo instante.




Capítulo 24 – Superstições

Trilha sonora - Carregue e leia o capítulo escutando!


Eu não vou me casar? Não era isso que estava indo fazer? Não foi por esse casamento que ganhei massagem e uma superprodução essa manhã?
São tantas as perguntas sem respostas que minha cabeça dá um nó.
Max estaciona o carro em frente à estação ferroviária e mamãe voa para fora do carro. Ela abre a porta para mim ao mesmo tempo em que Cécile pega o buquê das minhas mãos e sou puxada para fora do carro.
Minha irmã sorri tão entusiasmada que não é possível duvidar que já soubesse de tudo.
– Madelinne, olhe para mim – mamãe ordena e obedeço. Não existe maior nível de confusão. – Você vai pegar essa passagem e vai ficar na França até eu autorizar você voltar. Está entendendo? Eu já organizei tudo – apenas balanço a cabeça em concordância, hipnotizada pelos olhos verdes que transmitem tanto poder e determinação. Meu foco não poderia ser outro. – Agora vá! Você está quase atrasada.
– Mas e a Gen? O Dylan? E meu pai? – disparo. Não consigo nem imaginar se Dylan sabe de alguma coisa.
– O Dylan já foi atrás da Geneviève. Agora vai! – ela aponta para a entrada da estação. – Eu cuidarei de tudo.
Minha respiração está entrecortada e começo a chorar, talvez por alívio ou em agradecimento.
– Eu amo você, mamãe - aperto-a contra mim.
– Eu também amo você, baixinha – ela me aperta mais forte. – Agora vai! – sou empurrada e começo a correr. – Não olhe para trás! – consigo ouvir mamãe gritar.
Dentro da estação, tendo que segurar a barra do meu vestido e ouvindo os saltos batendo contra o chão de mármore, me sinto perdida por uns minutos. Sou obrigada a parar para recobrar o senso de direção e olho de um lado para o outro.
Tudo roda: as pessoas, muitas pessoas; os números do trem que pegarei; as estações espalhadas pelo mapa na parede, e fico enjoada.
Corro para a minha estação, mas só tenho um minuto para encostar na grade e respirar antes do trem chegar.
Quando já estou lá dentro, desabo no assento, a barra do vestido completamente suja e escondo meu rosto entre as mãos. Sinto o olhar das pessoas curiosas sobre mim, mas não digo nada. Apenas tento entender o que aconteceu.
Minha mãe me ajudou a fugir! A pessoa que eu achava que não me queria feliz impediu que eu fosse infeliz!
Pensar nisso faz com que mais lágrimas rolem e soluços escapem, mas duvido que faça alguma diferença na minha maquiagem depois de tanto fixador que a maquiadora passou.
Vou decepcionar meu pai. Ele ficará bravo com a minha mãe? Estou triste por decepcioná-lo, mas muito aliviada pelo mesmo motivo.
Geneviève.
Minha irmã corre pela minha mente. Ela provavelmente está em sua cama lendo e nem sequer imagina o que acabou de acontecer. Será que Dylan já a encontrou? Não consigo imaginar a reação de Dylan ao saber que não nos casaríamos, mas com certeza foi tão feliz quanto a minha.
CeCe sabia de tudo. Max foi o braço direito da operação. Há quanto tempo ele e mamãe planejaram isso?
Mamãe.
Com certeza a pessoa que eu menos esperava me ajudou. Serei eternamente grata a ela.
Sem celular nem para ver a hora – o meu ficara com Max depois de me trocar – não tenho distração alguma. Apenas fico olhando para os meus sapatos durante o percurso todo da viagem.
Pessoas saem e outras as substituem nos bancos ao lado, mas não consigo parar de pensar em como mamãe precisou ser discreta e corajosa para fazer exatamente o contrário do que papai queria que fizesse.
Ele confessou que se arrependeu. Será que um dia concordará com o que mamãe fez? Será que ficará aliviado por eu não aparecer?
Amethist nunca me surpreendeu tanto, nem quando passou a supostamente odiar Oliver sem razão. Mesmo depois que quase me convenceu que eu poderia ser feliz com Dylan, ela planejou minha fuga e nem sei quando voltarei a vê-la.
Precisarei de bem mais que cinco minutos para abraçá-la quando voltar.
Mamãe só quis me ver bem, talvez pelos métodos errados, mas corrigiu tudo no final.
Preciso contar isso a Oliver. Será que não me casar muda algo entre nós?
Não aguento mais ficar sentada. Até o assento confortável já me incomoda. Sei exatamente em que estação eu deveria descer, ando nesse trem desde que nasci provavelmente, porém se torna estritamente necessário sair dessa caixa o mais rápido que puder.
Levanto-me, seguro a barra no meio do vagão, a fim de me equilibrar, e aliso a saia do vestido.
Chega a ser deplorável observar sua barra. O branco completamente maculado pela sujeira e pó do chão, destruído. Duvido que haja conserto, embora não precise que seja consertado.
Preciso me desculpar com Max por destruir sua obra de arte.
Deixo o vagão assim que para na próxima estação e sinto mais pessoas me observarem. Não é algo muito comum ver uma mulher vestida de noiva com o rosto inchado de tanto chorar andando de trem. Eu também olharia.
Com calma, saio do terminal e o sol primaveril me toca. A leve brisa faz meu vestido dançar e enche não só meus pulmões, mas meu corpo inteiro de esperança. Ver todas aquelas pessoas caminhando, sozinhas ou acompanhadas, sorrindo tranquilamente ou com pressa, faz meu peito se encher de emoção novamente.
Apenas sigo pelas ruas, sem rumo definido, andando devagar para os saltos não me machucarem mais meus dedos.
Pressa para quê? Não vou me casar.
Esse pensamento me faz rir um pouco.
É estranho pensar que, a essa hora, eu já estaria casada, presa a alguém contra a minha vontade. Mais estranho ainda é pensar que consegui escapar de tal destino.
Meu estômago se contorce só de imaginar o que papai e mamãe estão fazendo agora. Será que eles brigaram? Mamãe o perdoou por arranjar um casamento para mim. Ele a perdoará por me livrar dele?
Quando vejo a enorme Catedral de Notre Dame, percebo que não havia outro lugar que eu poderia ter ido. Quero um recomeço e, ao me aproximar da massa de gente, sei que está lá no chão, com uma rosa-dos-ventos esculpida bem no meio.
Não há explicação para ter vindo aqui. Só vim guiada pelo sol e pelo piloto automático.
Mas então paro de andar e aperto meus olhos, querendo ter certeza de que estou enxergando direito.
De repente, não preciso de explicação alguma, porque certas coisas não foram feitas para serem explicadas. Estou enxergando perfeitamente bem.
O mundo para de girar, não escuto nada, não penso em nada nem respiro. Meu foco é única é exclusivamente ele.
Oliver está parado, olhando fixamente para o marco no chão, a apenas uns cinco passos de pisar nele de fato.
Mesmo que minha vontade seja de correr até lá, me contenho. Pé ante pé, com os punhos cerrados para evitar que tremam, chego perto dele. Penso em cutucar seu braço, mas desisto. Oliver segura o bilhete que entreguei em seu correio hoje de manhã.
Tenho vontade de vomitar o que nem comi.
O que Oliver está fazendo em Paris? Por acaso ele sabia de algo? Minha mãe entrou em contato com ele?
Respiro fundo, tentando encher meu peito de coragem e dou mais um passo, a fim de ficar ao seu lado. Não consigo olhar para ele, não sei o que dizer e muito menos se deveria dizer algo.
Fixo meu olhar no Point Zéro e solto a primeira coisa que me vem à mente:
– Existe outra lenda envolvendo esse lugar, uma bem mais conhecida que a primeira – tento soar confiante. – Uma delas é sobre fazer um pedido e ele se realizar. Já a outra vai mais além: diz que, se você pisar no marco no chão, irá voltar a Paris algum dia e, se você estiver acompanhado, reencontrará essa pessoa bem aqui.
Mordo o lábio.
Eu poderia ter dito qualquer outra coisa: poderia dizer que ainda o amo, que minha mãe me ajudou a fugir, que nunca mais vou machucá-lo ou mesmo poderia repetir o que escrevi no bilhete e falar que sinto sua falta. Poderia xingá-lo por todas as garotas com quem ele saiu e implorar para que ele dissesse que me ama e me quer de volta.
Mas, de todas as coisas que eu poderia ter falado, escolhi falar de uma superstição, algo nada concreto e que nunca fez diferença na minha vida. Não sei se faz sentido pensar nisso agora, mas que diferença faz?
Sinto o olhar de Oliver cair sobre mim, o que só me faz sentir mais medo ainda de encará-lo de volta. Não me atrevo a me mexer nem respirar.
Não faço ideia do que esperar. Oliver foi tão inconstante nos últimos dias que nos vimos que todas as minhas certezas sobre ele se tornaram incertas.
Só queria segurar sua mão e dizer que nunca mais irei embora e que deixaria tudo para ficar só com ele.
A cada segundo que passa, minha esperança de ter uma resposta vai se desvanecendo. Chego a pensar que Oliver apenas dará as costas e irá embora.
Por favor, responda!
Ele respira fundo e diz:
– Você acredita nisso? – seu tom é calmo, livre de sarcasmo ou acusação.
Suspiro em claro alívio.
Finalmente decido encará-lo. O castanho de seus olhos está mais claro por conta do sol, o papel entre seus dedos permanece lá, o seu perfume invadindo meus pulmões por conta do vento...
Eu poderia me embriagar com esse aroma.
Uma nuvem obriga o sol a dar uma trégua e Oliver consegue olhar para mim sem ser obrigado a apertar os olhos.
Não sei ao certo o que responder, não sei se estamos aqui por uma razão ou pelo acaso. Não sei nem se o acaso existe! Realmente não sei.
Por essa razão, respondo:
– Estou começando a acreditar – mordo o lábio e Oliver balança a cabeça devagar, concordando com minhas palavras.
O sol volta a brilhar sobre nós.




Epílogo

Londres, 15 de abril de 2016.

Querida Maddy,


Já faz um mês que você partiu. Dá para acreditar? Não consigo nem expressar a saudade que sinto... Espero que o tempo que você esteja passando na França seja o suficiente para colocar a vida nos trilhos novamente.
O que eu faria sem minha irmã mais velha?
Estou muito feliz por saber que você está bem e foi bem difícil acreditar que não iria se casar! Mamãe merece um prêmio. Você deve ter ficado tão chocada quanto eu.
Sinceramente, acho que o papai não ficou furioso com ela. Na verdade, acho que ficou frustrado por não atingir seu objetivo, mas orgulhoso da audácia que a mulher teve.
Quem iria imaginar uma coisa dessas?
Não sei se eles brigaram. O clima aqui em casa ficou estranho depois que mamãe disse que você não voltaria naquele dia nem nos próximos, mas logo passou. A essa altura, papai com certeza sabe onde você está e vive perguntando à mamãe como você está se saindo morando sozinha. Acho que ele está com saudade.
CeCe não para de se gabar pela atitude heroica dela. Acredito que, agora que sabe planejar uma fuga, fará muitas outras. Você deveria vê-la brincando com suas bonecas...
Sabe? Quando o Dy chegou aqui dizendo que vocês não iriam se casar, quase não acreditei. Levou tempo até eu entender o que aconteceu. Acredita que ele queria fugir comigo?
Confesso que iria, mas Steven não deixaria...
Dylan me prometeu que ficaríamos juntos, mas não havia dúvidas quanto a isso, não é?
Maddy, não importa o que aconteça daqui para frente, sei que posso contar com você e vice-versa. Sabe o bilhete que você me deixou no dia do seu casamento? Quero que saiba que nunca achei que a culpa era sua, portanto não se preocupe. Você está mais que perdoada.
Ah! Encontrei com o Thomas esses dias! Precisei ir à academia e ele estava lá. Ele pediu para você voltar logo porque não é justo largá-lo com crianças sozinho, mas que está muito feliz por você.
Sabe quem mais me encontrou?
Oliver. Na verdade, ele me ligou para saber como o Steven estava (não é fofo? Ele ficou superpreocupado depois daquele dia). Ollie me contou que falou com você na França quando tentei explicar que você estava arrependida e não iria se casar.
Acredito que ele a perdoará um dia. Não sei quando, mas vai. Aguarde. Depois da tempestade, sempre vem o arco-íris. Acredite.
Volte logo, sua chata! Preciso de você aqui...

Amo muito você,
Geneviève.




Fim




Nota da autora: E mais um ciclo se encerra! Sou tão apaixonada por essa história que, de vez em quando, me pego relendo capítulos aleatórios. Sou muito grata pelo que essa história me proporcionou e tem me proporcionado. Agradeço de coração todas as pessoas que de uma forma ou de outra fizeram parte do que Tempestade foi, desde que ela era só uma ideia até virar um livro de verdade! Um muito obrigada carregado de muito amor para a Ana, minha beta maravilhosa, que me ensinou códigos de HTML (tenho o arquivo até hoje) e que eu nem conheço pessoalmente, mas tenho saudade! Um obrigada à Maddy, por morar na minha cabeça e me fazer imaginar as mais diversas cenas que fazem meu coração bater mais forte. Você é incrível. E um muito obrigada a você, que está lendo isso aqui! Espero que a Maddy tenha mexido com seu coração também e lhe ensinado algumas coisas. Amo você! Até uma próxima!
Instagram: @bea_izidoro

Nota da beta-reader: Sim, eu vou deixar uma nota, porque esta fic chegou ao fim e eu estou abalada. Obrigada, Bea, por ser uma pessoa tão querida e por presentear o mundo com sua obra!




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