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Última atualização: 20/04/2023

Capítulo 1 ― HYPNOTIC

Se aquela era a pior ou a melhor decisão que já tomara, não sabia dizer. Entretanto, mesmo que não parecesse um grande motivo de orgulho, ela se sentia muito atrevida e aventureira por seguir aquele plano.
Não que ela não amasse o Brasil, porque ela realmente costumava amar. Porém quando adversidades se fizeram presentes em sua terra natal, o pequeno reino de Clortos conseguiu acolhê-la e fazê-la se sentir segura como nenhum outro lugar.
Ela havia praticado por meses, desde antes mesmo de chegar àquela ilha. Não havia desculpas para falhar, ela não admitiria falhar.
Aquela era a sua grande noite. Claro, ela estava indo para o baile de despedida de solteiro do príncipe , o terceiro nome na lista de sucessão do trono de Clortos. Claro, o reino estava prestes a promover um grande evento ― a Seleção ―, que escolheria, entre uma quantidade de donzelas sortidas, a mais nova princesa. Mas, para , aquela era a sua grande noite, sua e de ninguém mais. Era tudo ou nada. Fazer ou morrer, quase literalmente.
Todos os holofotes estavam virados para o Palácio de Moiras. Toda a equipe de imprensa ― ou quase toda ela ― estava reunida na frente e ao redor do local, como cães farejadores, treinada e pronta para registrar todo e qualquer acontecimento.
Quando aproximou-se da bela obra arquitetônica, ela suspirou rapidamente. Todas aquelas colunas dóricas gigantescas, posicionadas uma ao lado da outra e com pouco espaço entre si, apesar de inegavelmente majestosas, faziam-na pensar em uma prisão. A prisão na qual era precisaria viver caso seu plano desse errado.
Nada menos justo, considerando que ela pretendia sequestrar o príncipe.

***


Aquela cena parecia cômica na visão daqueles repórteres. A garota não chamaria qualquer atenção para si se não fosse pelo seu jeito de andar. Era difícil de descrever, parecia que uma de suas pernas era mais curta que a outra, o que fazia com que cada um de seus passos parecesse fora de prumo e ela mancasse.
Os seguranças pouco se importavam com a súbita aproximação da moçoila. Ela não parecia apresentar qualquer tipo de risco. Eles estavam preparados para qualquer invasor ou sinal de ameaça, e aquela garota, bom, ela não parecia se enquadrar em nenhum dos dois casos.
― Com licença, senhor ― ela tentou chamar a atenção de um dos guardas, mas ele escassamente desviou o olhar por um segundo antes de voltar a encarar o horizonte. ― Por favor, não me obrigue a fazer isso.
Quando ela demonstrou a simples intenção de abrir a sua delicada bolsa de mão, o guarda, subitamente alarmado, sacou uma de suas armas e apontou para a garota. Ela, inocentemente, deu um passo para trás e soltou a bolsa, revelando o pequeno item que havia resgatado de dentro da mesma. Uma moeda prateada.
Os dois guardas ― o outro havia transferido toda a sua atenção para a senhorita no momento em que o outro havia apontado sua arma ― olharam atentamente para o objeto, tentando imaginar que tipo de ameaça uma simples moeda poderia representar. A menos que alguém a afiasse a ponto de se transformar em uma shuriken, era apenas uma moeda inocente.
aproveitou sua deixa para prosseguir com o plano.
― Vocês olham para essa moeda tão fixamente que ela passa a ser o foco de toda a sua concentração ― disse num tom de voz baixíssimo, inaudível para qualquer outro senão ela própria e os guardas. ― E, nesse estado de concentração, vocês se tornam mais sensíveis ao vento que os circula. Vocês conseguem sentir a brisa massageando suas bochechas e envolvendo seus corpos. Com isso, o ambiente no qual se encontram se torna muito mais confortável e acolhedor, e vocês conseguem relaxar e esquecer todas as preocupações. Estão concentrados no som da minha voz e somente nele. E, conforme eu falo, vocês se sentem muito a vontade, sentem que podem confiar em mim e obedecer a qualquer instrução que eu ditar. ― Fez uma pausa rápida. ― Vocês estão dispostos a me obedecer?
― Sim, senhorita ― os dois concordaram em uníssono, o que foi bastante para fazer soltar um suspiro aliviado e dar um sorriso triunfante, apreciando a beleza daquele momento.
― Eu estou aqui por ordens do rei. Vocês sabem disso porque Sua Majestade em pessoa avisou-os sobre esse respeito. Você ― apontou para um dos guardas ― ficará aqui no seu posto e você ― direcionou seu rosto para o outro ― me acompanhará até o grande salão. Eu fui clara?
― Sim, senhorita.
― Muito bom.
Logo, ela deu o braço para um dos guardas e deixou que o mesmo a guiasse castelo adentro. Ela tratou de esboçar um sorriso confiante. A primeira parte de seu plano havia funcionado, mas, para alcançar seu objetivo, ela precisava de uma audiência privada com o príncipe . Ela não conseguiria hipnotiza-lo se estivesse cercado de câmeras e pessoas.
Seu plano não estava cem por cento traçado e ela não se orgulhava disso, porém acreditava no próprio potencial de improviso e tentava não se preocupar com isso por enquanto. Quando ela chegou ao grande salão, ela percebeu a enormidade do problema em que estaria metida se tudo aquilo falhasse.
Respirou fundo antes de dispensar o guarda que a acompanhara até ali. Ela não faria aquilo se não fosse necessário. Não recorreria a medidas tão drásticas se não estivesse desesperada. Assim como a sua bolsa de intercâmbio, o seu visto para permanecer em Clortos havia durado apenas um ano e ela estava permanecendo ilegalmente no país por quase dois meses. Não queria voltar para o Brasil e reencontrar-se com todos aqueles os quais havia triunfantemente deixado para trás. Mais do que não querer, ela não podia. Porque tinha medo e estava assustada. Ela havia deixado seu país por um motivo e não poderia retornar pela mesma razão, mas consideravelmente ampliada por sua saída.
Fechou os olhos por um segundo e imaginou um mundo melhor, no qual não precisaria fazer o que estava prestes a fazer, mas se obrigou a retornar a realidade logo em seguida. Deu um passo para frente, na direção do terceiro príncipe, mas o som das portas se abrindo abruptamente atrás de si a fez parar. Olhou para trás a tempo de ver o príncipe herdeiro entrar no salão e avançar com passos largos. Quase como se ela não estivesse ali, o jovem futuro rei de Clortos encontrou em seu caminho até o trono no qual seu pai repousava e, sem se preocupar em desviar, ele simplesmente esbarrou nela como se fosse tão insignificante que não valesse a pena mudar sua rota apenas para não se chocar com a garota.
O impacto talvez fosse fraco para qualquer outra pessoa presente, mas para , que não possuía as pernas muito fortes, foi o bastante para derrubá-la humilhantemente.
Mesmo que sua personalidade gritasse internamente para ser posta para fora em forma de confronto com o homem que ousou derruba-la, se conteve. Ela não precisava e nem podia se expor a qualquer polêmica naquela noite. Fechou os olhos e respirou fundo antes de tentar se levantar. Quando abriu os olhos e apoiou as mãos no chão, ela deparou-se com uma mão estendida para si. Antes que pudesse negar, como pretendia fazer, ela ergueu o olhar e avistou ninguém menos que o terceiro príncipe.
Ela abriu um sorriso satisfeito e aceitou sua ajuda, segurando sua mão e levantando-se com o seu apoio. Uma vez ereta, passou as mãos pelo vestido, na intenção de limpar a poeira e, quando retornou o olhar para sua frente, viu que o príncipe já não estava mais ali.
Assim como todos os outros, já havia direcionado sua atenção para o recém-chegado, ele havia se tornado o foco dos holofotes por praticamente o resto da noite. O que poderia ser uma boa notícia, porque com todos os olhares virados para o príncipe herdeiro, ela teria menos chances de ser vista conduzindo seu irmão mais novo para um lugar distante, se tornou seu fracasso, tendo em vista que, assim como todos os outros, também estava ao redor do irmão.
tentou papear com alguns dos convidados, mas falhou miseravelmente. Aparentemente, ela não valia o tempo. Os bailes reais serviam majoritariamente para fazer contatos, logo, como a jovem intercambista não possuía algum título nobre, não valia a palavra.
A maioria das mulheres, no caso, estava tão ansiosa pelo grande momento da noite que considerava qualquer outra senhorita como sua concorrente. Em algum momento da noite, nobres de todos os territórios de Clortos apresentariam suas patrocinadas para a Seleção. Ao contrário de outros países que aderiram ao processo da seleção, aquele pequeno reino não escolhia suas selecionadas de forma arbitraria, como fazia Illéa, e nem se expunha ao perigo de usá-la para escolher a esposa do príncipe herdeiro, como Cordonia, porque não gostaria de dar a qualquer uma o título de futura rainha.
Quando aproximava o momento em que as selecionadas seriam anunciadas, todas as conversas do salão passaram a ser sobre o grande evento que estava prestes a ter início. Quase todas as conversas. De tempos em tempos, direcionava sua atenção para o pequeno palco onde a família real se encontrava. Era visível que havia algum tipo de tensão rolando naquele espaço. O rei tentava disfarçar, mas era perceptível que estava infeliz com algo que o príncipe mais velho dizia. O resto dos convidados, entretanto, não parecia prestar atenção no momento familiar até que o príncipe herdeiro se levantou bruscamente, com uma feição irritada e punhos cerrados, e saiu pela porta dos fundos do salão.
Uma pequena ideia surgiu na mente de . Ela olhou para o príncipe para confirmar suas suspeitas de que ele agora estava ocupado demais tentando amenizar os estragos deixados pelo irmão mais velho. A maioria dos jornalistas estava tentando conseguir algum comentário por parte da família real sobre o motivo da súbita saída do príncipe herdeiro e o resto das pessoas presentes debatia entre si sobre o ocorrido.
aproveitou o momento para fazer seu caminho para fora do salão, mas não sem antes pegar uma garrafa de soju na badeja de um dos garçons que circulavam pelo local.
Sorrateiramente, a garota contornou o Palácio de Moiras em sua busca pelo príncipe mais velho. Quando se deparou com um grande muro, ela percebeu que este era o único obstáculo que a separava de seu alvo, porque conseguiu escutar sua voz. Então, usando o acessório em seu cabelo, ela conseguiu destrancar e abrir a porta que ameaçava frustrar seus planos.
Uma vez do outro lado, ela ficou surpresa com a cena a sua frente. O príncipe herdeiro estava cercado por uma pequena gangue de vândalos, bastante intimidadores com seus agasalhos de couro e botas pretas brilhantes, mas não tão brilhantes quanto os objetos compridos de metal que carregavam em seus punhos.
― Você não percebe o que está em jogo nesse momento, Vossa Graça ― um dos membros de gangue disse com um tom sarcástico.
― É Vossa Alteza ― o príncipe resmungou de forma cínica, revirando os olhos ― Na verdade, Vossa Alteza Real para você.
Nem um pouco intimidado, o mesmo rapaz investiu contra o príncipe com o objeto em suas mãos. Sua vítima aparentava já ter sido atingida algumas vezes, a julgar pelo pouco de sangue que escorria em seus lábios.
― Se você não aceitar nosso acordo, então não tem utilidade nenhuma para nós ― o agressor voltou a se impor. ― E, com isso, quero dizer que não vejo motivo algum para não me livrar de você agora mesmo. E... Você sabe, começar a negociar com o segundo príncipe. Ele parece muito mais esperto que você, de qualquer forma.
engoliu em seco, refletindo sobre aquela visível ameaça. Alguns segundos depois, ela decidiu sair das sombras. Estendeu a garrafa de bebida alcóolica e cambaleou até os homens.
― Ah, aqui está você, Vossa Ignorância Real ― a garota berrou com a voz embriagada, fingindo ter saído também da porta dos fundos do Grande Salão. ― Não pensou que fosse sair impune esta noite, pensou? Eu deveria ajudar esses rapazes a te darem uma surra.
― Como disse? ― O príncipe ergueu uma sobrancelha, confuso e chocado com aquela aparição.
― Ninguém te ensinou que Vossa Alteza não tem o direito de tratar o resto da sociedade como lixo só por causa dessa porcaria de coroa? ― Acrescentou, aproximando-se do mesmo lentamente.
Quando chegou perto dos membros da gangue, ela estendeu a garrafa para um deles, pedindo com esse gesto para que ele a segurasse. Mesmo estranhando, ele o fez. Os inimigos de meus inimigos são meus amigos, deve ter pensado ele. Ou talvez simplesmente tenha achado a situação engraçada e quis prolongá-la.
Tão rapidamente, de forma que o príncipe nem conseguiu se desvencilhar, ela acertou um soco bem na região do estômago dele. Sacudiu o punho logo em seguida enquanto virava-se para os outros rapazes e ergueu-o na direção daquele que segurava sua bebida, fazendo menção de que a pegaria de volta.
E tão logo quanto pegou a garrafa em sua mão, ela movimentou o braço de forma ligeira e acertou o item de vidro na parte de trás da cabeça do mesmo rapaz. O príncipe aproveitou este momento para tomar um dos objetos que os homens estavam usando como arma da mão de um deles e acertá-lo também na cabeça. A distração da gangue com a falsa bêbada foi o suficiente para fazê-los terem um pouco de vantagem, mas esta não durou muito tempo.
Após vinte segundos de resistência, o príncipe havia sido cercado novamente, porém, dessa vez, em companhia da jovem .
Mas as preces silenciosas da garota foram atendidas e alguns guardas apareceram para socorrê-los. Antes mesmo que os sentinelas tivessem a chance de lutar, os membros de gangue bateram em retirada, conseguindo escapar praticamente sãos e salvos.
― Quem é você? ― O príncipe virou-se para após limpar o sangue em seu rosto e garantir aos guardas recém-chegados que tudo estava bem.
― Alguém que esperava receber um obrigado a esta altura ― riu-se.
― Por que está aqui?
― Vossa Alteza Real é sempre tão desconfiada?
Sem paciência, o príncipe avançou sobre a garota e segurou-lhe os pulsos, apertando-os com força e tentando intimidá-la com o olhar rude. Ela encarou-o de volta com um sorriso falso.
― Eu só quero que demonstre um pouco de gratidão. É tão difícil? ― Insistiu.
― Certo. ― Ele recuou um passo. ― A quem devo dedicar meus agradecimentos?
― ela colocou um pé para trás e inclinou o corpo, em uma saudação formal. ― A seu dispor.
― Você não possui um título da nobreza? Por que estava no baile do meu irmão?
― Já pode tirar as vossas mãos reais de mim? ― Pediu, resgatando seus pulsos.
― O que você quer?
― Está bem, eu serei direta. ― Endireitou a postura. ― Eu quero participar da Seleção.
― O que disse?
― A Seleção. Quero que me indique para ser selecionada. Mas não se preocupe, eu não tenho pretensão alguma sobre o título de princesa ou o coração do seu irmão. Para ser completamente honesta, tudo o que eu preciso é de um visto para permanecer permanentemente em Clortos e a única forma de consegui-lo é por meio da Seleção, claro, até onde sei.
― É isso? ― Ele pareceu pasmo.
― Sim, é isso.
― Existem outras maneiras de conseguir um visto, senhorita.
― Eu não estou aberta a negociações. ― Tentou parecer firme.
Ele riu.
Riu!
achou sua risada um descaso.
― Seus objetivos são pouco ambiciosos, devo admitir. Isso, claro, se o que diz é verdade. Mas não a conheço o suficiente para saber se suas intenções são as que diz que são.
― Eu salvei sua vida ― defendeu-se.
― E essa pode ter sido a decisão mais estúpida que já tomou. ― Ele aproximou-se dela, novamente de forma intimidadora. ― Você não me conhece, não pode ou deve confiar em mim. E eu, analogamente, não vou confiar em você.
― Irmão! ― A voz do terceiro príncipe soou como uma música para os ouvidos de . ― Você está bem? Os guardas me contaram o que aconteceu e eu vim checar com você.
― Eu tenho certeza de que o seu irmão vai sobreviver. ― disse, sarcástica. ― Mas creio que o que há de errado com ele não teve início ou terá fim esta noite. Eu lavo minhas mãos.
Esfregou uma mão na outra enquanto caminhava em direção à porta pela qual havia entrado, mas seus passos foram interrompidos pelo próprio príncipe.
― Os guardas também me contaram sobre tua atitude nobre e a forma como você se arriscou para resgatar meu irmão. ― afirmou de forma respeitosa.
― Eles contaram? ― abriu um sorriso quase que instantaneamente, virando para encarar o príncipe mais novo, mas sem antes olhar de soslaio para o outro membro da família real e capturar sua expressão irritada.
― Sim, claro! ― O rapaz animou-se. ― Eu fiquei impressionado e gostaria de pagar-lhe uma bebida. Mas como as bebidas são gratuitas esta noite, eu queria apenas que se juntasse a mim para um brinde. Corajosa como acredito que deve ser, imagino que tenha muitas outras histórias como essa para compartilhar e fico ansioso para que o faça na minha presença.
― Vossa Alteza parece muito empolgada para ter minha companhia, não sei como poderia recusar ― admitiu de um jeito tímido.
― Tem certeza do que está dizendo, ? ― O mais velho censurou. ― Você não a conhece.
― Nada me impede de conhecê-la de fato. ― Rebateu.
O herdeiro revirou os olhos e deu meia volta, caminhando em direção ao palácio. olhou para e convidou-a silenciosamente a acompanha-lo. Ela o fez sem precisar pensar muito.
De volta ao castelo, o príncipe precisou se despedir de porque já estava começando o momento mais esperado em que os nobres anunciavam em alto e bom tom suas candidatas a futuras princesas. Todos pareciam bastante nervosos, até mesmo a jovem intercambista, que, em meio a toda a confusão, não havia conseguido usar seus dons hipnóticos em nenhum dos dois príncipes presentes, porque não conseguira roubar um segundo sequer de concentração de nenhum deles, logo, mesmo que tentasse, não funcionaria.
― Eu, o representante da Casa , indico a duquesa para a Seleção ― um dos nobres fez-se ouvir após terminar-se o discurso que o rei estava fazendo no momento em que chegaram.
E ele foi seguido por diversos outros duques, condes e viscondes, que pareciam estar confiantes sobre suas indicações. Sempre que um deles se pronunciava, uma salva de palmas se seguia enquanto a selecionada em questão se dirigia ao fundo do grande salão.
― Eu, o príncipe , de Clortos ― o príncipe herdeiro ergueu-se de seu assento dourado por alguns instantes e levantou uma taça de vinho em direção à audiência. ― Indico a senhorita para a Seleção.
Era difícil dizer quem estava mais surpreso, a própria ou o rei.


Capítulo 2 ― THE WAY SHE WALKS

Quando a audiência escutou aquele pronunciamento, todos passaram a procurar a dona daquele nome desconhecido. levou alguns segundos para compreender que aquela era a sua deixa para se juntar às outras selecionadas. No momento em que deu o seu segundo passo, ela sentiu uma ponta de arrependimento.
Ela não precisava adivinhar os pensamentos dos convidados para saber que estavam zombando seu jeito de andar, as risadas e os comentários dos repórteres já tornavam clara a opinião geral. Quando outro nobre anunciou sua patrocinada e esta se tornou o foco das atenções, apressou o passo e chegou às selecionadas. Nenhuma parecia muito interessada em conversar, então a jovem estrangeira se limitou a ficar calada e observar a plateia, sentindo-se humilhada.
Após outros dois nomes, o rei retomou a palavra. Deu um passo a frente e voltou a ser o centro de todos os olhares, inclusive o das selecionadas.
― De agora em diante, essas dez jovens ― disse ― se juntarão à família real no castelo e entrarão no campo de batalha pelo coração do príncipe . Não com escudos e espadas, mas com vestidos e acessórios. ― A audiência riu. revirou os olhos. ― Convido-as a desfilarem até aqui, na frente, para que, de forma simbólica, juntem-se a nós.
Nesse momento, sentiu-se nervosa novamente. Teria que desfilar e aturar todos rindo de seu jeito de andar mais uma vez. Sabia que, se fosse objeto de zombarias mais uma vez, não seria capaz de ficar quieta e simplesmente deixar acontecer, e uma reação desse teor de sua parte provavelmente custaria sua participação na Seleção. Respirou fundo enquanto observava as outras senhoritas, uma por uma e após terem seu nome anunciado, caminharem até a família real.
― Princesa Mareena Irie, da Nova Ásia.
Uma jovem alta e esguia distribuiu sorrisos graciosas para as pessoas em seu caminho, a coroa em sua cabeça quase não atraía olhares, dada a beleza da garota. Seu andar era confiante e compassado, ela não tinha motivos para apressar-se.
― Duquesa , da Casa .
Outra jovem forçou-se a sorrir escassamente para os convidados. Era perceptível que gostaria de acabar logo com aquilo, mas não andou ligeiramente, caminhou numa velocidade normal.
― Senhorita .
Algumas pessoas riram bem baixo do fato de que não havia complemento para Senhorita . O que poderiam dizer? Cidadã de Clortos? Nem isso.
Quando respirou fundo e se preparou para ser mais uma vez motivo de chacota, ela sentiu uma mão tocar seu braço e segurá-lo. Olhou para o lado, assustada instintivamente, para encontrar o príncipe mais velho, . Ele não disse nada, nem fez questão de olhar para ela, apenas, dando o primeiro passo, convidou-a a começar a andar. E ela o fez. Com o herdeiro do trono ao lado da selecionada, ninguém ousou rir durante o desfile, não importando o modo como ela caminhava.
Quando se juntou às outras selecionadas, soltou um suspiro aliviado e virou para agradecer ao príncipe ou questioná-lo por sua atitude, ela ainda não havia decidido, mas ele já não estava ali, tinha voltado para o palco onde o resto da família real estava.
― O príncipe herdeiro foi tão gentil ― a duquesa , uma das selecionadas, inclinou-se para para sussurrar.
― Foi, sim. ― Ela limitou-se a concordar, ainda com suas desconfianças.
― Se eu fosse você, não esperaria gentileza durante Seleção ― a princesa Mareena cortou.
A curta conversa não foi prolongada porque o rei havia voltado a discursar. não prestou atenção porque estava perdida em pensamento. Pensava no que a jovem selecionada havia pontuado. Ela havia planejado tudo até o momento em que entraria na Seleção, mas não imaginava como as coisas seriam a partir daí, depois que o evento começasse de fato. Quando despertou de seus pensamentos, a banda real havia voltado a tocar e o príncipe caçula estava ao centro do palco, acompanhado de sua mãe, a rainha Sari, para uma valsa.
Um enorme espaço vazio havia se formado no centro do Grande Salão, para que o príncipe e a rainha ficassem confortáveis em sua dança, mas, em consequência a isso, os convidados ficavam apertados no pouco espaço que lhes restava.
A rainha Sari era a personificação da delicadeza. Em cada passo que dava, emanava uma aura de segurança e simpatia, movimentava-se com destreza e olhava somente para o filho. Era uma cena linda e, de certa forma, comovente. Quando a dança chegou ao fim, as palmas vieram naturalmente.
O príncipe aproximou-se das selecionadas em seguida e tirou umas delas para dançar. Se a memória de não falhava, a garota se chamava Yehee. Neste momento, vários outros convidados se juntaram a ele e formaram pares para uma valsa.
Quando se deu conta de que todas as outras selecionadas estavam dançando ― literalmente todas! ―, decidiu procurar algum rapaz para acompanha-la e viu ao lado do rei um possível par. Ela não sabia se estava pensando sensatamente quando decidiu convidar o príncipe para dançar, mas o fez mesmo assim.
― Vossa Alteza ― curvou-se para ele. ― O senhor gostaria de dançar?
― Não se eu puder evitar.
Nesse momento, demonstrou estar mais surpresa com a resposta do príncipe herdeiro do que gostaria de deixar transparecer. Ela deu um passo para trás e se curvou para ele, voltando a se virar para o centro do salão.
― Ah, sinceramente... ― Resmungou para si mesma.
― Perdoe-me pela ignorância do meu irmão mais velho ― um rapaz aproximou-se de e ela reconheceu-o no ato. ― Eu imagino que você já me conheça, mas, de qualquer forma, eu sou o príncipe . ― E curvou-se.
― É um prazer conhecê-lo, Alteza. ― Fez uma curta vênia. ― Eu sou .
― Senhorita . ― Ele corrigiu. ― Agora que está na Seleção, precisa de um tratamento mais formal.
― Acho que demorarei a me acostumar com esse tipo de tratamento.
O segundo príncipe apenas riu e ofereceu sua mão para a senhorita, convidando-a para dançar. Ela aceitou sem precisar pensar muito. Não havia muito para se pensar, na verdade. Previsivelmente, não era uma dançarina excelente. Pelo menos, não mais. Não depois do incidente. O primeiro minuto da dança foi, muito provavelmente, uma tortura para , mas ele foi paciente e insistiu, acompanhando o ritmo de sua parceira com um sorriso simpático no rosto.
― Fiquei surpreso quando o meu irmão indicou seu nome para a Seleção. ― Admitiu, após algum tempo calado.
― Eu acho que ninguém ficou mais surpreso que eu, senhor príncipe ― deu um sorriso tímido.
― Não consigo dizer que não acredito nisso. ― Prosseguiu rindo. ― Como você conheceu meu irmão?
― Ah, essa história... ― A garota fez uma pausa, tentando decidir o que deveria contar. Claro, não poderia falar sobre como havia conseguido entrar naquele baile, tampouco sobre como suas ambições acerca da Seleção se resumiam a conseguir um visto permanente, então precisava escolher as palavras com sabedoria. Não queria soar como se estivesse escondendo alguma coisa, mas talvez fosse bom deixar um pouco de mistério, talvez o príncipe a achasse charmosa por isso. ― Eu acho que essa é uma história que cabe ao próprio príncipe contar... ou não contar. Talvez ele deseje dar a sua versão dos fatos para inflar o seu ego real. ― alfinetou e direcionou o olhar para o príncipe mais velho logo em seguida, que continuava no púlpito, sentado isoladamente em seu trono. No momento em que ela o fitou, ele possuía seus olhos fixos nela. Ela abriu um sorriso malandro em sua direção antes de voltar sua atenção para o príncipe .
― Você sabe que somente conseguiu me deixar mais curioso, não sabe?
― Talvez seja essa a minha intenção. ― E continuou sorrindo. ― Eu não possuo um título da nobreza, uma grande quantidade de terras ou riquezas, e muito menos influência política. Tudo o que eu tenho são as minhas histórias. Se eu compartilhá-las de uma só vez, ficarei sem cartas nas mangas.
― Parece justo. ― Ele concordou, parecendo interessado.
Eles prosseguiram dançando em silêncio, porém. Felizmente, não se tratava de um silêncio constrangedor, mas alguns minutos bastante agradáveis até o fim da dança.
― Senhorita , conhecê-la foi uma honra ― o príncipe fez uma vênia respeitosa tão logo quanto a música havia acabado. ― Eu estarei ansioso para ver seu desempenho durante a Seleção.
― Fico muito feliz, Vossa Alteza. ― sorriu. ― Eu vou dar o meu melhor. ― E se curvou.
voltou a ficar sozinha. Permaneceu no mesmo lugar por mais uns instantes, esperando para ver se outra pessoa a convidaria para dançar, mas isso não aconteceu. Então ela apenas caminhou até um dos cantos do Grande Salão e se acomodou em uma mesa. Somente percebeu que tinha a companhia de uma selecionada quando a mesma começou a falar.
― Você é , não é? ― Perguntou.
― Isso. ― Ela demonstrou estar animada por terem lembrado seu nome. ― E você é .
― Sou. ― Sorriu timidamente. ― Você não é daqui, é?
― É tão óbvio?
― Você fala de um jeito diferente. É difícil explicar, mas é fácil de perceber.
― Eu sou do Brasil.
― E o que você está fazendo em Clortos? ― Ela perguntou com curiosidade. costumava achar que era boa em ler as pessoas. Ao encarar a garota por alguns segundos, ela não conseguiu encontrar qualquer sinal de desdém ou o que quer que fosse, apenas interesse.
― Bom, eu trabalhava como barista até a semana passada ― fez-se de boba. ― Agora, eu estou tentando conquistar o coração do príncipe . ― Riu.
― Que coincidência, eu também estou. ― abriu um sorriso ainda maior, entrando na brincadeira. ― Você não está nervosa?
― Estou, um pouco. ― De certo modo, ela não mentiu. Ela não estava nervosa por toda a situação sobre ter que conquistar o príncipe, porque não havia sentido em ficar preocupada com uma competição que ela não almejava ganhar. Entretanto, ninguém mais sabia desse fato e isso a preocupava. não sabia do que as outras seriam capazes de fazer para prejudica-la.
― Eu estou muito nervosa. ― admitiu.
― Espero que não nervosa demais para uma dança ― o príncipe se fez ouvir assim que se aproximou.
Ele estava com a mão direita estendida para , convidando-a a se levantar e acompanha-lo em sua próxima dança. Por mais lisonjeada e contente que estivesse com o pedido, a jovem duquesa olhou para antes de aceitar o convite, perguntando em silêncio se a garota não se importaria.
― Divirta-se. ― Ela disse somente com o movimento dos lábios.
E ela ficou sozinha novamente. Sozinha com os seus pensamentos e fantasmas. Capturou um copo de cerveja na bandeja de um dos garçons que zanzavam pelo local e fez da bebida sua companhia durante alguns minutos, enquanto tentava, silenciosamente, prever no que estava se metendo.
A partir do momento em que o príncipe herdeiro anunciou-a como selecionada, ela havia se tornado uma cidadã de Clortos. Diferente da Seleção de países como Illéa, ali, naquele reino, as selecionadas não eram eliminadas gradativamente. Todas permaneciam até o momento em que o príncipe decidisse anunciar sua escolhida. Claro, a menos que alguma delas cometesse um erro muito grave. Nesse caso, a selecionada seria expulsa, não só da Seleção, mas do reino sem aviso prévio.
respirou fundo. Ela não tinha qualquer pretensão de conquistar o coração do príncipe, muito menos de se tornar a princesa. Tudo o que ela queria era permanecer naquele reino, mesmo que fosse como uma plebeia, ela não se importava. Suas únicas vantagens na competição eram, como já havia dito a , suas histórias e, também, seus dons hipnóticos. Mas, observando aquele salão, vendo a quantidade de câmeras e jornalistas por metro quadrado, ela sabia que seria extremamente difícil, se não impossível, conseguir alguns momentos a sós com qualquer pessoa a fim de hipnotiza-la.
Ela havia praticado hipnose por meses. Era capaz de persuadir pessoas a realizarem suas vontades em nenhum tempo, mas questionava-se se era capaz de conquistar a nobreza e o povo por quem realmente era.
foi retirada de seus devaneios quando o príncipe aproximou-se dela, após dançar com e com mais outra garota. Ele possuía um olhar inocente nos olhos, inocente e brincalhão. Ele estendeu a mão direita para e convidou-a, em silêncio, a se juntar a ele para uma dança.
― Eu estava começando a me perguntar se conseguiria ter a companhia de vossa alteza para uma dança essa noite ― a garota comentou logo quando se levantou.
― Na verdade ― ele esclareceu. ― Por lei, eu sou encorajado, para não dizer obrigado, a dançar pelo menos uma vez com todas as minhas pretendentes.
― Oh! ― suspirou, pensando pela primeira vez sobre isso. Sentindo-se supreendentemente frustrada ao imaginar que o príncipe apenas a havia tirado para dançar com o objetivo de cumprir sua obrigação real.
― Foi por isso que eu dancei com todas as outras primeiro. Agora que já cumpri meu dever, eu posso passar um tempo com você, sem me preocupar com minhas obrigações.
ficou sem palavras pela primeira vez.
― Sério? ― Questionou-o, suspeitando um pouco.
― Sim. ― ficou visivelmente surpreso com as suspeitas da garota, mas não tirou o sorriso do rosto. ― Eu não conheço nenhuma dessas moças e, mesmo que eu só te conheça por alguns rápidos segundos, você é tecnicamente a que eu conheço melhor e a que eu estou mais animado para conhecer mais.
― Mas por quê?
olhou para os lados rapidamente, espiando as pessoas ao redor por um segundo antes de se aproximar um pouco de e sussurrar:
― Eu soube que você deu um soco no meu irmão mais velho. É verdade?
arregalou os olhos e tampou a boca com as duas mãos, rindo.
― O quê? ― Disse de maneira culpada. ― Ele disse isso?
― Não foi ele quem me contou ― riu. ― Isso quer dizer que é verdade?
― Sim. Mas foi com boas intenções, eu juro!
― Eu não vou te repreender por isso, senhorita . ― Ele tentou tranquilizá-la. ― Apenas estou legitimamente impressionado. Nem eu ousaria bater no meu irmão.
― Eu não tenho dúvidas quanto a isso.
Os dois riram, chegando, nesse momento, ao centro do salão, onde finalmente poderiam começar a dançar. Os dois se inclinaram em uma respeitosa saudação antes de finalmente se colocarem a dançar.
― Devo alertá-lo que não sou a melhor dançarina daqui ― disse. ― Então suplico um pouco de paciência, por favor.
― Certamente, minha senhorita. Eu não tenho pressa alguma.
E dançaram em silêncio. Sem querer, perdia alguns passos da coreografia devido ao seu problema na perna direita. estava claramente intrigado com isso, mas não ousou perguntar a respeito.
― Deixe-me aliviar sua curiosidade ― a garota brasileira decidiu tocar no assunto. ― A história por trás da minha enfermidade não é muito atraente, nem muito emocionante, na verdade.
― Perdoe-me por minha intromissão, senhorita, mas isso algo tem algo a ver com o motivo pelo qual você veio para este reino?
― Sim, totalmente. ― E ficou quieta.
Vendo que havia sido tão escassa em suas palavras, se sentiu na obrigação de dizer alguma coisa, mas não sabia exatamente o que falar. Achava que seria estranho tentar confortá-la enquanto dançavam, porém acreditava que seu silêncio soaria como falta de educação. Em meio a esse dilema interno, a dança chegou ao fim. afastou-se para segurar o vestido e fazer uma vênia, e viu sua oportunidade finalmente chegar.
― Senhorita ― ele tomou a mão da garota. ― Eu sei que todo esse processo de seleção pode ser bem cansativo e demandante. Talvez você não sinta isso agora, mas quero que saiba que pode contar comigo. Eu espero que a senhorita perceba que pode confiar em mim e que possa se sentir confortável quando estivermos juntos.
― Você também é obrigado a dizer isso para todas as pretendentes? ― riu.
O terceiro príncipe deu um sorriso amarelo.
― Não com essas palavras.
― Por favor, senhor príncipe, seja mais espontâneo. Posso pedir que vossa alteza diga agora algo que realmente queira, do fundo do coração, e que não esteja previsto em alguma lei?
― Claro. ― Sua alteza fez uma breve pausa, analisando por alguns instantes antes de prosseguir. ― Posso me ver apaixonado por você no futuro.
Mais uma vez, conseguiu deixar sem palavras, sem reação. Durante os primeiros segundos após a fala do príncipe, a garota selecionada ficou apenas encarando-o, embasbacada.
― Por que está dizendo isso, príncipe ?
― Você é tão espontânea e autêntica, senhorita . Eu aprecio isso.
― Ah, sinceramente! ― Ela riu, ainda sem acreditar no que o príncipe estava falando. ― Não diga isso.
― Mas você me pediu para dizer algo espontâneo! ― Ele protestou, achando graça.
― Eu mudei de ideia. ― Cruzou os braços, fazendo birra.
continuou rindo por alguns segundos arrastados. Seu sorriso conseguiu contagiar . Ela não havia reparado até então, mas o jovem príncipe possuía um semblante adorável quando estava assim, sorridente.
O sorriso se desfez com pesar quando o príncipe viu seu irmão mais velho chama-lo com um aceno rápido. Seguindo seu olhar, riu ao descobrir o motivo de sua súbita mudança de feição. E, por sua vez, riu quando viu que estava rindo.
― Em breve, creio que eu e você teremos mais tempo para conversar. ― Avisou. ― Eu estou ansioso para conhecê-la melhor, senhorita .
― Faço minhas as suas palavras, vossa alteza.
Os dois se despediram com uma saudação. O príncipe foi ter com o irmão e os pais, e a selecionada foi se sentar, sentindo-se cansada pela dança. Ela pegou uma bebida e aconchegou-se em uma cadeira no canto do salão.
Enquanto corria os olhos pelo lugar, se pegou sorrindo ao olhar para o príncipe mais novo. Ela procurou as outras selecionadas no salão e tentou imaginar quem seria a ganhadora, pensou que, quem quer que fosse, seria uma jovem de sorte. Deve ser difícil não se apaixonar por ele, pensou, prevendo que provavelmente teria dificuldades em não ter sentimentos pelo príncipe mais novo.
Olhando para o púlpito onde estava a família real, ficou aliviada ao pensar que, dos três príncipes com quais havia tido a chance de conversar, dois eram simpáticos. Ela estava decidida a fazer da seleção uma experiência memorável, mesmo que o herdeiro do trono e, provavelmente, algumas das selecionadas tentassem derruba-la.


Capítulo 3 ― CLOSE YOUR EYES

Durante os arrastados minutos em que esteve naquele corredor, tentou imaginar os piores cenários possíveis derivados daquele momento. As outras selecionadas, no entanto, pareciam bastante tranquilas. Quase como se houvessem se preparado para aquele momento com imensa antecedência, o que provavelmente era verdade. Pelo que ficou sabendo, a Seleção de Clortos era realmente um evento muito antecipado. As selecionadas eram escolhidas muito previamente pelos nobres do pequeno reino, porque participar daquela competição era uma honra e aquelas que se destacavam traziam muito prestígio para suas casas. Então elas eram preparadas, literalmente tomavam cursos para desenvolver habilidades que poderiam ajuda-las durante a Seleção. Não era difícil imaginar o choque de todos quando o nome de foi indicado.
Se pensasse bem nisso, também poderia dizer que havia se preparado para a Seleção por muito tempo. Não como as outras, isso era certo. Desde que chegou ao reino de Clortos, ela sabia que sua estadia tinha um prazo. Um ano, assim como seu visto. Ela tentou de tudo para prorrogar esse prazo, tudo mesmo. Em uma tentativa desesperada, ela até mesmo tentou convencer seu colega de trabalho a se casar com ela, mas não deu certo.

― Eu entendo que você queira continuar aqui em Clortos, realmente entendo. ― Garantiu ele. ― Mas ninguém vai se casar com você para que você consiga a cidadania, esse tipo de loucura só acontece nos filmes.
― Eu estou implorando, por favor. ― já tinha se dado vencida, mas não podia desistir. Não podia. ― Não vou te causar dor de cabeça. Só precisamos ficar casados por um mês, então eu farei uma avaliação e depois o divórcio.
― Eu sinto muito, , mas não posso te ajudar. Um casamento não é um acordo, um contrato. Ninguém se casa desse jeito. ― Fez uma pausa. ― Bom, só o príncipe na Seleção, mas não deixa de ser uma loucura. Por que você não volta para o seu país? Não pode ser tão ruim assim.


É claro que ele não entenderia.
A simples menção da tal Seleção deixou curiosa. A princípio, parecia uma ideia sem pé nem cabeça. Se ela não conseguira arranjar um marido de fachada entre os plebeus, como o faria com a realeza? Mas mesmo que parecesse loucura, quanto mais pensava nisso e pesquisava a respeito, mais a ideia lhe atraia.
Ela leu o regulamento inteiro dezenas de vezes. Fazia todo o sentido. Ela não precisava se casar com o príncipe, apenas precisava estar na competição e ficar até o final. Todas as selecionadas eram consideradas propriedades do reino de Clortos, então não poderiam ser estrangeiras. Como muitas das selecionadas vinham, no entanto, de países aliados, elas recebiam a cidadania naebsamyeoana no início do processo. Era como uma aliança forjada entre o reino e os países aliados que cederam uma de suas senhoritas. Se elas não cometessem nenhum crime ou violassem qualquer regra durante a Seleção, elas sairiam desta como cidadãs de Clortos. E, claro, com um pouco de fama e alguns outros benefícios. Era disso que precisava.
Tudo que ela precisava fazer era convencer algum dos nobres a indica-la como selecionada. Ela sabia que não seria fácil, que seria tão difícil quanto ― ou até mais! ― tentar convencer alguém a se casar com ela. Então ela precisou garantir que alguém fosse louco o suficiente de indica-la.
Então, como as outras selecionadas, mas certamente não da mesma forma, ela se preparou. Estudou o processo, a família real, as casas nobres. Ela sabia que nenhum dos nobres regulares a indicaria, porque eles precisavam da Seleção para ascender, então não deixariam a vitória nas mãos de uma desconhecida qualquer. A única casa nobre que não se beneficiaria da Seleção era a casa , a própria família real. Então foi por esse caminho que seguiu. A família real era extremamente reservada nos assuntos internos, mas todos estavam cientes da reputação do príncipe herdeiro. Ele era visto como a ovelha negra da família, e muitas vezes parecia tomar decisões que visavam simplesmente contrariar o rei. Era perfeito. bolou um plano para que o príncipe herdeiro a indicasse. O plano não era perfeito, mas ela estava confiante de que conseguiria, com ele, sua indicação.
E após ter finalmente conseguido o status de selecionada, estava às cegas. Não havia criado um plano para sua estadia no castelo, porque não queria ganhar, muito pelo contrário. Apenas queria continuar ali, sem incomodar ninguém. Queria ficar invisível até que uma das outras selecionadas ganhasse. Mas simplesmente ficar invisível não seria tão fácil, porque ela teria que efetivamente participar da Seleção como todas as outras. Não querer estar ali, não estar lutando, nada disso tornaria as coisas mais fáceis.
Ela respirou fundo e cruzou os braços, prevendo que sua farsa seria descoberta tão logo quanto chamassem o seu nome.
O baile de despedida de solteiro do terceiro príncipe, , não demorou muito mais após a dança que o mesmo compartilhou com a jovem . Os irmãos mais velhos do rapaz deveriam assumir a frente e dedicar-lhe algumas belas palavras, mas o herdeiro do trono se limitou a erguer sua taça de vinho e inclinar a cabeça.
já estava pronta para ir para o palácio e tirar aquele vestido pomposo e desconfortável quando alguém decidiu frustrar seus planos. As selecionadas foram reunidas em um corredor do Palácio de Moiras e, uma por uma, foram chamadas em uma salinha imediatamente ao lado, na qual permaneciam cerca de dez minutos ou menos.
― A indicação para a Seleção é apenas a primeira etapa. ― Explicou uma senhora emproada carregando uma prancheta. ― Vocês passarão agora por uma espécie de teste, o qual terá a função de averiguar se cada uma das senhoritas está apta a participar do processo.
Era óbvio que não esperava que tudo estivesse garantido, afinal, ela sempre soube que não seria tão fácil enganar e se infiltrar na família real de Clortos, mas ela não pôde evitar o sentimento de preocupação que veio à tona. No momento em que saiu de seu interrogatório e voltou a se juntar às selecionadas, chamou-a para perto.
― Como é? O que aconteceu? ― Indagou.
― Não há nada com o que se preocupar. Aquela senhora que estava aqui há pouco te fará algumas perguntas previsíveis sobre suas habilidades, preferências e a sua opinião sobre o príncipe.
― Ah! ― suspirou aliviada. ― Então é isso?
― Sim. ― Deu um sorriso gentil. ― Como eu disse, não há nada para se preocupar.
E, por um segundo, realmente acreditou nisso e tirou toda a tensão dos ombros.
Isso, claro, até seu nome ser chamado e ela se deparar, não com a senhora de antes, mas com o rei em pessoa, sentado em uma cadeira e com uma papelada em mãos. sentiu um nó ser feito em sua garganta, como se todas as mentiras que havia dito até então estivessem preparando uma armadilha para derrubá-la. O rei estava ali, ela não conseguia imaginar um possível final feliz para aquela cena.
, certo? ― Questionou ele sem olhá-la nos olhos.
― Sim, Vossa Majestade. ― Concentrou-se bastante para não deixar a voz vacilar.
― Estranho... ― Antes mesmo que o rei pudesse completar sua sentença, já sentia um aperto enorme no coração. Certo, então era a partir desse momento que as coisas dariam errado, ela já conseguia ver. ― A única referência oficial que encontrei de uma jovem chamada do Brasil foi essa aqui. ― Ele empurrou uma pasta sobre a mesa para mais perto da garota.
Entre todas as coisas que podia fazer, escolheu a talvez mais sábia para o momento, ela ficou em silêncio. Não abaixou o olhar ou alterou sua expressão, apenas continuou fitando o rei, não demonstrando fraqueza, também. Ela não precisava espiar aquela pasta para saber do que se tratava.
― O que você pode dizer em sua defesa? ― Indagou.
Então era isso. respirou fundo. Ela deveria imaginar que isso aconteceria. O rei não deveria ter tido muito trabalho para conseguir aqueles papeis. Evidentemente um rei não teria dificuldades em encontrar os registros de antecedentes criminais de uma pessoa.
― Eu posso explicar. ― Começou , calmamente. ― Eu não sou a pessoa que o senhor provavelmente imagina agora que eu seja.
― Eu adoraria escutar sua explicação, porque, pelo que vejo, senhorita, você parece ser uma criminosa que chegou em Clortos fugindo e agora representa uma enorme ameaça para a família real.
― Eu não sou uma criminosa. ― Suspirou. ― Eu fui incriminada injustamente, mas isso não importa. Eu tenho a reputação manchada no Brasil, por isso vim para cá. Quero recomeçar minha vida em Clortos.
― Certo. ― Entrelaçou os dedos. ― E por que eu deveria te dar ouvidos?
― Porque quem me indicou para a Seleção foi o príncipe herdeiro.
― Apenas mais uma das tolices de . Pode ser revertida facilmente.
― Hum… ― Pensou rapidamente. ― Como vossa majestade explicaria ao público que o príncipe de Clortos indicou para a Seleção uma jovem com o histórico como o meu? Acho que as pessoas começariam a duvidar dele, como herdeiro do trono, e do senhor, como rei e pai. Seria uma situação bem chata, eu acredito. Que crueldade do príncipe, indicar alguém como eu para casar com o irmão mais novo dele.
― Eu tenho certeza de que posso lidar com isso.
― Eu não teria tanta certeza, majestade. ― Dei um sorriso malandro e confiante.
― Ah, é mesmo? ― Ironizou. ― E por quê?
piscou os olhos rapidamente e olhou para o rei. Ele continuava com a mesma postura de antes, impenetrável, suas palavras possuíam a mesma firmeza do começo da conversa, de modo que indicava que ele não estava abalado ou amedrontado pela fala da garota, e ela realmente não esperava o contrário, mas uma veia sobressalente em sua testa indicava outra coisa: curiosidade. Era tudo o que precisava.
― Simplesmente pelo fato de que… ― Fez uma pausa e inclinou a cabeça para o lado. ― Os seus olhos começam a pesar, as suas pálpebras estão sendo puxadas para baixo, quase como se… como se existisse uma força magnética atraindo-as, você tenta lutar contra isso, porém é inútil. Você está se sentindo tão cansado, foi um dia longo, todas as horas que vossa majestade passou em frente ao público, discursando, tentando entretê-los, tudo isso vem a tona nesse momento e você se sente exausto, extremamente exausto, tanto que isso o faz fechar os olhos e apenas escutar a minha voz.
Quando o rei fechou os olhos, obteve sua resposta de que a hipnose estava funcionando. Isso a deixou com uma sensação de alívio inexplicável, mas mesmo sabendo que estava fazendo algo terrível, ela prosseguiu.
― O senhor não vai se lembrar de nada dessa conversa. ― Prosseguiu. ― Na sua cabeça, não existe nenhum registro controverso no meu nome, eu sou apenas uma jovem brasileira insignificante. Tão insignificante que não o senhor motivos para me dar atenção. O que fizemos aqui foi apenas uma entrevista comum, como as que as outras selecionadas fizeram. Vossa majestade não me vê como uma ameaça, nem se lembra das acusações que me fez, porque eu sou apenas uma selecionada como todas as outras, não tenho nada de especial mesmo. E se qualquer pessoa mencionar qualquer coisa a esse respeito com o senhor, você vai ignorar. Quando eu estalar os meus dedos, tudo o que eu disse passa a ser verdade e o senhor vai apertar a minha mão e me desejar uma boa Seleção.
E estalou os dedos, sentindo o coração na mão. Neste momento, mais do que nunca, era fazer ou morrer. Se o rei fizesse o combinado, ao menos por enquanto, tudo estaria bem. Se não, então era o fim.
O chefe da família real abriu os olhos e encarou com uma expressão indecifrável. Inclinou a cabeça para o lado, respirou fundo, piscou os olhos, uma eternidade se passou até que ele finalmente se pronunciasse.
― A nossa conversa foi bastante interessante… ― Admitiu, levantando-se. ― Tenha uma boa Seleção e também uma boa noite. Descanse, amanhã será um longo dia.
E foi apenas isso. Ele afastou-se da mesa e saiu da sala por uma porta lateral. , apesar de estar infinitamente mais tranquila, apenas se limitou a levantar também e sair da sala por onde entrou. As outras selecionadas pareciam impacientes. estava ansiosa. Assim que a viu, ela ergueu o corpo e foi até .
― Como foi? ― Perguntou, aparentando estar tão curiosa quanto sua voz denunciava.
― Eu gosto de pensar que fui bem.
― Que ótimo! ― Novamente, sua emoção parecia legítima. ― Agora vamos rumo ao castelo. Acho que vamos direto para os nossos quartos e, amanhã, a Seleção já começa no café da manhã.
― Eu não posso mentir. ― deu um sorriso malandra. ― Eu estou mais animada para ir para o quarto e dormir que para o resto.
riu graciosamente, colocando a mão sobre a boca e inclinando o corpo alguns graus para frente.
― Você é engraçada, senhorita . ― Disse.
― Por favor, não me chame de senhorita ― pediu. ― Você pode me chamar de .
― Tudo bem, . E você pode me chamar de , nesse caso.
― Eu já chamava ― confessou, rindo.
A outra também riu. Em seguida, a senhora que fizera a entrevista das outras selecionadas apareceu e guiou-as para a área externa do Palácio de Moiras, na qual embarcariam nas carruagens e seguiriam para o castelo real. não estava mentindo, ela realmente estava animada para ver a cama confortável que a aguardava, mas, novamente, ela teve seus planos frustrados.
Quando sentiu uma mão segurar seu braço com força e puxá-la para longe, ela esperou pelo pior. Claro que isso aconteceria. O rei apenas estava fingindo acreditar e, tão cedo quanto possível, ele mandou seus capangas se livrarem da jovem mentirosa. Eles se livrariam de seu corpo ali mesmo, nos fundos do palácio, não havia motivos para qualquer cerimônia. E ninguém sentiria sua falta. Talvez o príncipe e a duquesa estranhassem sua ausência por um segundo e, logo em seguida, retomassem suas vidas.
O que aconteceu realmente não foi bem o que esperava e ela teria se sentido mais tranquila se não estivesse completamente surpresa. Ao seu lado, não estava o rei ou um de seus capangas, mas o príncipe mais novo em pessoa.
― Se você me puxar desse jeito de novo, eu juro que te bato, . ― Atreveu-se a dizer, ainda vacilante por ter achado, havia três segundos, que estava sendo levada para a própria cova.
A reação do príncipe, no entanto, a fez se arrepender das palavras ditas no momento seguinte. O jovem parecia embasbacado, tinha a boca formando um pequeno círculo e as sobrancelhas levemente torcidas, acompanhando, ainda, um par de olhos arregalados.
― Eu disse bater? ― Deu um sorriso amarelo e nervoso. ― Eu quis dizer gritar.
― A senhorita me chamou de ? ― Ele indagou, ainda com a mesma feição.
― Ah! ― Só então percebeu seu erro, bateu a mão na própria testa em sinal de auto repreensão. ― Eu quis dizer vossa alteza. Por favor, peço que me perdoe.
Suas bochechas de inflaram no adorável sorriso que ele deu.
― Não precisa se desculpar, senhorita. ― Garantiu. ― Eu apenas fiquei surpreso. Você é a primeira dama que me chama pelo nome. Claro, sem contar a minha mãe, mas ela só me chama dessa maneira quando está irritada. Você não está irritada, está? ― Sua pergunta o fez soar legitimamente preocupado com essa possibilidade.
― Não estou. Eu apenas o chamei assim porque ainda não me acostumei com o fato de que eu estou na sua presença. Geralmente, eu não falo com você, apenas falo de você, e quando o faço, estou apenas na presença de uma amiga, então não ajo formalmente.
― A senhorita fala de mim? ― Ele alargou ainda mais o próprio sorriso, parecendo mais satisfeito que alegre.
só precisou de um segundo para perceber que havia falado besteira. De novo.
― Por que você me trouxe para cá, hein? ― Mudou de assunto e também o tom de voz, parecendo estar incomodada. ― Eu tomei um susto.
O jovem príncipe olhou para uma última vez como se não tivesse esquecido o que ela havia dito antes e como se também não fosse esquecer isso tão cedo, mas não insistiu nesse assunto por ora.
― Eu quero que você venha comigo a um lugar. ― Falou.
― A Seleção só começa amanhã.
― Eu sei, mas gostaria que viesse comigo mesmo assim.
― Mas eu estava indo dormir.
Ele fechou os olhos e balançou a cabeça levemente para a esquerda e para a direita, fingindo repreendê-la.
― É uma ordem. ― Acrescentou ele.
― E quem você pensa que é para… ― interrompeu-se quando percebeu que sua fala não fazia nem um pouco de sentido. ― Por que você quer que eu vá?
― Você nem sabe para onde é e já está reclamando ― resmungou.
― Mas, príncipe, eu…
― Eu estou ordenando que me acompanhe, senhorita.
― Sinceramente… ― Murmurou, visivelmente descontente. ― É desse jeito que você planeja me conquistar, vossa alteza?
― Te conquistar? ― Ele achou graça. ― Mas você é a minha pretendente, é o seu trabalho tentar me conquistar.
ficou calada por alguns longos segundos, estava tendo um conflito interno. Ela não sabia se deveria contar para o príncipe de uma vez que realmente não pretendia ganhar aquele concurso ou se era melhor guardar isso em segredo.
― Verdade. Que cabeça a minha ― deu um sorriso falso. ― Para onde você quer me levar, vossa alteza?
― Para a minha verdadeira despedida de solteiro.
A garota sentiu suas bochechas queimarem nesse momento, sem saber explicar o motivo disso.
― As outras garotas estarão lá? ― Indagou, escondendo seu embaraço.
― As outras selecionadas? Não, claro que não.
― Isso não me parece muito apropriado, alteza.
― Não precisa se preocupar, não será nenhuma cerimônia ou algo do gênero. Meus irmãos e eu apenas decidimos visitar uma cidade vizinha e invadir algum baile público, será divertido.
― E eu… ― Tentou pensar em alguma coisa. ― Bom. Então eu acredito que…
A jovem foi interrompida por uma voz. A senhora que havia entrevistado as outras selecionadas anteriormente os havia encontrado. Era difícil decifrar sua expressão, mas ela parecia ao mesmo tempo irritada e surpresa de vê-los ali.
― Senhorita ! ― Repreendeu. ― A sua carruagem a espera. Você não deveria estar aqui. As selecionadas só têm permissão para conversar novamente com o príncipe amanhã. Por favor, venha comigo.
Ela não tentou protestar, apenas se curvou para o príncipe rapidamente antes de acompanhar a senhora. O rapaz, no entanto, não desistiu, segurou a moça pelo braço mais uma vez e sussurrou em seu ouvido:
― A carruagem estará te esperando do lado de fora do castelo real mais tarde. Por favor, apareça.
não respondeu, não assentiu, nem nada. Ela acreditou que a aparição daquela senhora era uma dádiva dos deuses para livrá-la daquela situação. Seria uma boa desculpa para justificar no dia seguinte a sua ausência, ela pensou. Mas, mais tarde, quando chegou finalmente no seu quarto, ela sabia muito bem que não iria dormir tão cedo.


Capítulo 4 ― THE COWARD

― Eu não acredito que você chamou a garota para a sua despedida de solteiro. ― O príncipe herdeiro resolveu não ter o trabalho de tentar disfarçar o seu descontentamento.
Enquanto entrava na limusine, ignorou o comentário do responsável pela sua vaga na Seleção. Ela o conhecia pouco demais para fazer inferências sobre seu caráter, mas se sentia levemente mais inclinada a não gostar dele do que o contrário.
― Por que eu não a chamaria, irmão? ― questionou, indicando estar realmente surpreso com a contrariedade de .
riu, sentando-se ao lado de . De um modo que ficava de frente para e . Era o único lugar disponível e ela estava feliz por isso. Seria constrangedor ter que se sentar ao lado de qualquer um dos outros dois.
― Não é óbvio? ― retomou. ― Despedida de solteiro ― soletrou. ― É o seu último momento de liberdade antes da Seleção. Como você pode convidar uma garota que pode vir a ser sua esposa? É completamente contra as regras das despedidas de solteiro, está na página dois do livro.
riu da fala do mais velho, achando muita graça do que ele dizia.
― E como você pode saber qualquer coisa sobre despedidas de solteiro? ― Retrucou. ― Aliás, como qualquer um de nós pode saber alguma coisa sobre despedidas de solteiro?
Agora, todos riram. Até mesmo . olhou para ele, interessada. Ele não era de rir, aquela expressão parecia extremamente não familiar em seu rosto. Nesse momento, pela primeira vez, ela reparou nos olhos dele. Eram intensos e arrogantes, isso ela há havia notado, mas só agora via que seus olhos eram de cores diferentes. Se ela prestasse bastante atenção, podia reparar como os dois eram completamente distintos.
Percebendo que ela o observava, rapidamente cobriu seu olho direito com a mão e virou o rosto para esse lado, escondendo-o por inteiro. Notando o desconforto dele, desviou o olhar, mas conseguiu ver com a sua visão periférica que o príncipe havia colocado um acessório tapa-olho que cobria uma boa parte do lado direito do seu rosto. Resolveu não encarar para ver detalhes, já que ele parecia estar incomodado. Os príncipes mais novos viram o acontecido e ficaram em silêncio. De repente, a limusine ficou preenchida com uma tensão visível. precisou quebra-la de alguma forma.
― Para onde estamos indo mesmo?
― Para um baile público de uma cidade vizinha. ― informou.
― Então... ― Deu de ombros, demonstrando desinteresse. ― Outro baile?
― Você não gosta de bailes, princesa? alfinetou. ― Porque se não gosta, eu tenho uma péssima notícia para te dar.
― Não é que eu não goste... ― ignorou o sarcasmo na fala do príncipe. Ou simplesmente não notou. ― É só que... Essas sandálias estão acabando comigo. E eu preciso dormir por pelo menos dois dias seguidos para me recuperar do meu cansaço.
Os príncipes, que pareciam preparados para uma resposta afiada, riram da honestidade da garota brasileira. , porém, se limitou a apenas soltar um grunhido que só poderia ser encarado como uma risada dado o contexto. riu também.
― E não me chame de princesa. ― Disse. ― Não sou princesa.
― Mas isso pode mudar no futuro, senhorita . ― interrompeu, dando um sorriso de algum modo inocente e malandro ao mesmo tempo. ― Afinal, você está participando da Seleção, não é como se não houvesse chance disso. Talvez precise acostumar com esse tratamento.
― Ah! Por falar em se acostumar com algum tipo de tratamento. ― começou. ― Que tal se deixássemos de lado, pelo menos por hoje, isso de senhorita e vossa alteza?
― Você sabe que isso é inapropriado, senhorita. ― foi o primeiro a responder.
― Sabe o que também é inapropriado? ― Indagou de maneira retórica. ― Vocês me sequestraram! Eu vou abrir a porta dessa limusine a qualquer momento, pular e sair correndo. Eu deveria estar nos meus aposentos no castelo numa hora dessas, eu sou uma selecionada. Isso é contra as regras, o que vocês estão fazendo comigo.
Enquanto e pareciam chocados com a acusação, havia percebido o tom de brincadeira na fala de imediatamente. Ele disfarçou uma risada abafada.
― Nós não te sequestramos. ― se defendeu, perplexo. ― Você veio por vontade própria.
― Eles vão acreditar na versão de quem contar a história primeiro. ― sorriu, levando a mão até a maçaneta da limusine.
Nesse momento, finalmente os outros príncipes perceberam o que estavam acontecendo. soltou a maçaneta e riu da reação dos príncipes, enquanto desabotoava as sandálias de seus pés.
― Tudo bem? ― Perguntou ela.
― Tudo bem. ― A resposta veio de . ― ― completou.
Terminando de tirar suas sandálias, colocou-as sobre as próprias pernas e passou a olhar para a paisagem através da janela do veículo. Ela não sabia o que esperar da Seleção. Não sabia o que esperar das outras selecionadas, da família real e da mídia. Mesmo que quisesse estar no seu quarto nesse momento, ela decidiu aproveitar aquelas últimas horas de liberdade antes que o processo se iniciasse. E esperava aproveita-las sem carregar o peso de ser uma selecionada e estar na companhia dos príncipes. Um dos quais ela esperava não partir o coração.
A viagem não demorou muito. Quando a limusine se aproximou do seu destino, ficou surpresa com as luzes. Já se aproximava da meia noite, mas a cidade ainda estava acordada por inteiro.
― Não é incrível? ― Exclamou o príncipe .
― Por que estão em festa? ― estava deslumbrada.
― Por causa do início da Seleção.
Nesse momento, estendeu uma máscara para e pediu para que ela a colocasse no rosto. Era estranho como há poucas horas ela não passava de uma garota comum, que certamente passaria despercebida numa multidão. Agora, com as filmagens do baile de início da Seleção tendo ido ao ar em todas as emissoras do reino, ela precisava tomar cuidado para não ser reconhecida.
Os dois outros príncipes já haviam descido da limusine e estavam fazendo seu caminho pela rua onde o veículo estava estacionado. aproveitou o afastamento dos outros para fazer a pergunta que ficou na sua mente durante todo o percurso.
― Qual é o problema do príncipe herdeiro comigo? ― Quis saber.
― Ele não tem um problema com você, senhorita. ― Parou e corrigiu-se. ― . Ele age assim com todo mundo. Tente não levar para o lado pessoal.
― E qual o motivo do tapa-olho?
congelou por um segundo, tentando escolher a melhor maneira de responder essa pergunta. Ele não queria entrar em detalhes e desrespeitar a privacidade do irmão, mas também não queria parecer indelicado.
― Não fale sobre o tapa-olho ― aconselhou. ― Ou sobre o olho dele.
poderia até dizer mais alguma coisa, mas se apressou atrás dos irmãos, então ela fez o mesmo. era visivelmente o mais animado de todos, era muito engraçado de se ver. Aparentemente, eles não saíam muito do castelo, então pareciam estar vislumbrados com as pessoas e a vida na cidade. Descalça, apressou o passo para alcança-los.
― Por acaso, nós temos permissão para estarmos aqui? ― perguntou, surpresa por não ter pensado nisso antes.
― Mais ou menos. ― respondeu, brincalhão.
― O que isso quer dizer?
― Quer dizer que não, não temos permissão. ― esclareceu.
― Mas temos a permissão do príncipe herdeiro ― apontou para o irmão mais velho.
― Vocês têm? ― se fez de desentendido.
Os outros riram, mesmo que o príncipe herdeiro estivesse realmente sério, deixando confusa sobre se ele estaria brincando ou não. Após mais alguns passos, eles chegaram ao tal baile. Era impossível não notar a diferença entre este baile e aquele do qual eles haviam acabado de sair. A começar pelas pessoas. Todas pareciam muito mais livres e felizes no baile público. As danças, muito mais animadas. As pessoas usavam roupas mais simples e os seus rostos estavam cobertos por máscaras. Os príncipes pareciam maravilhados. também estava. Ela já havia participado de algumas festas e eventos populares de Clortos, mas nunca um baile.
Era visível o desbalanceamento de homens e mulheres no lugar, havia muitas damas sentadas, uma vez que o número de homens era expressivamente maior. Então quando os príncipes entraram, algumas moças se aproximaram e os convidaram para uma dança. aceitou, recusou educadamente e apenas desviou o olhar e começou a andar.
Os três que não estavam dançando encontraram uma mesa próxima e sentaram-se.
― Vou pegar bebidas. ― se levantou.
o acompanhou com o olhar enquanto ele se afastava, mas chamou sua atenção rapidamente.
― O que você espera da Seleção, ? ― questionou como quem não queria nada, mas era perceptível que havia um leve toque de genuína curiosidade em sua fala.
foi pega de surpresa por essa pergunta. O que ela poderia dizer? A verdade de que ela esperava conseguir o visto e, depois, viver uma vida normal? Ela tentou imaginar o que poderia dar errado se ela simplesmente fosse sincera. O príncipe mais novo parecia uma pessoa boa, que não a condenaria por suas ambições, mas ela realmente poderia confiar nele? Ela não o conhecia o bastante. Ele agia de forma amigável em relação a ela, mas até onde ela sabia, poderia dizer para ela as mesmas coisas que dizia para as outras, apenas porque era sua obrigação real. Mas, ainda, o príncipe herdeiro sabia suas intenções, sabia que ela estava ali pura e simplesmente para obter o visto permanente. E se ele já tivesse contado ao irmão mais novo? E se fosse esse o motivo da súbita pergunta?
― Como assim, ? ― Fingiu-se de desentendida para ganhar tempo.
― É difícil entender você. ― Admitiu. ― Meu irmão me disse que você pediu que ele te indicasse, hoje depois do seu ato heroico. Por que você pediu que ele te indicasse? ― Ele reformulou a pergunta. ― Eu posso ser jovem, mas não sou tão ingênuo. Todas as selecionadas têm algo a ganhar, todas estão participando do processo porque querem trazer benefícios para suas casas. Mas e quanto a você? Você não quer ser chamada de princesa, então não deve ser pelo título. Não fica confortável sendo o centro das atenções, pelo que pude perceber, logo, eu dúvido que seja pela fama. Então... ― Ele fez uma pausa e avaliou a expressão de . ― Eu devo ter esperanças de que sou eu sua motivação?
fechou os olhos. Essa era a pergunta que ela queria evitar. Ela tinha fortes razões para estar convencida de que não poderia se apaixonar pelo príncipe. O que ela poderia dizer? Ela não poderia abrir o seu coração para um desconhecido, mesmo que fosse o príncipe, e, ainda, não naquele momento, naquele ambiente. Tudo estava errado.
Nesse momento, o príncipe herdeiro voltou, carregando quatro copos de cerveja de uma maneira muito desajeitada, mas surpreendentemente sem derramá-los. agradeceu mentalmente o timing.
― Acho que vou precisar de muita bebida para aguentar vocês esta noite. ― Disse, quebrando a tensão do momento sem perceber. ― , eu acho vi o nosso irmão te chamando. Ele está com uma atitude suspeita. Se eu fosse você, iria conferir.
A feição de se iluminou nesse momento. Pelo que se sabia, ele e eram os mais próximos entre os príncipes, então sua excitação era compreensível. Quando o caçula pediu licença e foi procurar o irmão, esticou o seu braço para pegar uma bebida, mas a impediu.
― O que pensa que está fazendo?
Ela ficou surpresa.
― Você trouxe quatro copos e estamos em quatro, imaginei que um desses fosse para mim.
― Por que eu te faria algum favor? ― Ele cortou. ― E, além disso, você não pode beber álcool. Mesmo que isso não signifique nada para você, amanhã é o primeiro dia da Seleção.
ficou completamente chocada.
― Como você ousa dizer que não significa nada para mim?
― E significa?
―É claro que sim.
― Então o que significa, exatamente? ― Ele deu um gole em sua bebida.
― Você não entenderia.
― Faça o teste. ― cruzou os braços, inclinando a cabeça para ao lado ao mesmo tempo em que erguia uma das sobrancelhas. ― Me ajude a entender.
Foi nesse momento que voltou para a mesa, após ter percebido que não o estava chamando, como dissera . Ele parecia confuso, coçando a cabeça e com uma expressão perdida.
― Você tem certeza de que o me chamou, irmão? ― Questionou. ― Ele parece tão entretido com a moça com quem está dançando.
― Eu devo ter me enganado. Que estranho. ― Fez-se de bobo. ― Mas por que você não vai dançar um pouco, ? Você encheu a nossa paciência falando desse baile por meses, e agora que está finalmente aqui, por que não está aproveitando?
― Eu gostaria de conversar um pouco com a . ― Admitiu.
― Esqueça a . Como eu disse, essa é a sua despedida de solteiro. Dance com outras senhoritas, aproveite um pouco a noite. Você vai ter muito tempo para conversar com essa aqui quando a Seleção começar. Eu tenho certeza de que ela não vai se importar. ― Disse e virou para , esperando por uma confirmação.
― E-eu não me importo. ― Forçou um sorriso. ― Por favor, se divirta.
Mesmo que parecesse em conflito, assentiu e foi para o centro do salão. Não teve qualquer dificuldade em encontrar uma parceira de dança e ficou um pouco incomodada com a rapidez com que ele conseguiu se distrair.
― Continue. ― Pediu o príncipe herdeiro.
― Por que eu deveria me explicar para você? ― ficou brava, mas tentou disfarçar para não atrair olhares.
― Eu te indiquei para a Seleção e ainda tenho tempo de retirar minha indicação.
― Não, não tem. ― deu um sorriso desafiador. ― Está no regulamento. Uma vez feita a indicação, é oficial. Você não pode retirar meu nome do processo, não é assim que funciona.
O príncipe franziu as sobrancelhas.
― Leu as regras algumas vezes e acha que tem algum poder sobre o príncipe herdeiro?
― A lei é maior do que você.
― Pode até ser. Mas eu ainda sou maior do que você.
― E o que você pode fazer? ― Desafiou.
― A pergunta deveria ser... O que eu não posso fazer?
Pelo rumo que a conversa estava seguindo, não deveria ter ficado surpresa com a fala do primeiro príncipe. Porém algo em seu tom de voz, a entonação que ele havia usado a deixou temerosa. Ela estava blefando. Ela tinha coisas a esconder, coisas que poderiam trazer-lhe muitos problemas, mas ela pensou que se parecesse confiante e evitasse falar sobre isso, tudo ficaria bem. Ela estava enganada.
olhou ao redor. Será que ela conseguiria hipnotiza-lo ali? Será que valeria a pena o risco, fazer aquilo no meio de um baile público, rodeado de pessoas e também na presença dos outros príncipes? Se algo desse errado, a menor coisa que fosse, ela estaria condenada. Não conseguia pensar em outras maneiras de evitar essa conversa.
― Podemos deixar essa conversa para outro momento? De preferência, em outro lugar.
respirou pesadamente, visivelmente irritado com a esquiva da selecionada. Em um movimento brusco, ele segurou o pulso da garota e começou a caminhar, forçando-a a segui-lo. Ela ia devagar, devido ao seu problema na perna, mas ele andava apressado e impaciente. Eles saíram pela porta dos fundos do salão, e se encontraram em um beco fracamente iluminado, que parecia ser o depósito de lixo do local onde ocorria o baile.
O príncipe soltou o pulso de abruptamente, fazendo com que ela perdesse o equilíbrio e caísse no chão.
― Qual o problema com a sua perna? ― Ele falou.
― Não sei, qual é o problema com o seu olho? ― Rebateu.
ficou perplexo com o comentário da garota. Mas sua feição passou de perplexidez para ira em uma questão de segundos. se levantou e deu um passo para trás, tentou observar a linguagem corporal do príncipe. Ele escondia as mãos dentro do casaco, sua testa estava franzida, seu corpo extremamente rígido e o seu olhar fixo em . Todos os sinais indicavam inquietação, ansiedade. Seria difícil hipnotiza-lo nesse estado.
― O que você quer que eu diga? ― Ela quis saber, falando com a voz mais estridente do que almejava. ― Eu não estou aqui pela coroa, também não estou aqui pelo amor do príncipe. Mas isso não quer dizer que eu queira magoá-lo. Tudo o que eu queria era estar invisível nessa competição, apenas passar por ela e depois seguir em paz com a minha vida.
― E por que você faz tanta questão de conseguir o visto permanente de Clortos? ― Interrogou. ― Do que você está fugindo no Brasil? O que você está escondendo?
desviou o olhar, seus olhos imediatamente marejando. Ela amaldiçoou mentalmente o fato de não ter conseguido conter as lágrimas. Ela não queria demonstrar qualquer sinal de fraqueza, especialmente na frente dele. Enquanto isso, ele a encarava com completa indiferença.
― Para alguém que vai se tornar rei, você é desprezível. ― Esbravejou enquanto tentava futilmente conter as lágrimas nos olhos. Em meio à sua fala zangada, ela não notou a aproximação de um grupo de pessoas.
e pareceram notar aquela pequena multidão ao mesmo tempo. Antes que pudessem se entreolhar ou fazer qualquer coisa a respeito, o que o príncipe mais temia aconteceu.
― É o príncipe herdeiro. ― Alguém descobriu.
E a partir daí, todos os outros presentes tomaram conhecimento do fato. O príncipe herdeiro estava ali e a garota que estava com ele era uma selecionada em prantos. Somente aí notou que essas pessoas carregavam algumas sacolas de tecido, cheias de frutas, vegetais e outros alimentos estragados, certamente para o descarte. Mas ela só conseguiu perceber isso no momento em que elas começaram a atirar esses alimentos no príncipe.
As pessoas alternavam entre atirar alimentos e ofensas ao príncipe. ficou sem reação, assim como o príncipe no início. Ele apenas tentava desviar dos ataques. também, quando vez ou outra alguém errava o alvo.
― Abdique do trono, é o melhor que você pode fazer! ― Exclamou um homem.
― Você é uma besta!
― O sempre foi melhor que você!
― Até o faria um melhor trabalho.
― Covarde! Monstro!
E esse foi o ápice. teve que abrir caminho entre as pessoas para correr para longe. continuou congelada por alguns instantes, sem saber o que fazer. Ela não era completamente alheia à reputação do primeiro príncipe. Ela havia morado em Clortos por dois anos e sabia que a maioria das pessoas não tinha muita simpatia por ele, mas nunca imaginou que chegava a esse ponto.
Ela abriu caminho entre as pessoas a fim de correr atrás do príncipe herdeiro. Ela não estava no melhor momento com ele, mas ela sabia muito bem como era sofrer esse tipo de linchamento e não desejava isso para ninguém.
― Assassino! ― Mais uma pessoa gritou enquanto se afastava.
Ela continuou correndo, seguindo os passos do príncipe. Ele já estava fora de seu campo de visão, mas ela tentou adivinhar para onde ele havia desaparecido.
! ― Gritou, olhando para os lados, tentando encontrar qualquer evidência do caminho que ele havia tomado. ― Onde você está, ?
Ela não precisou procurar por muito tempo. Dentro de alguns quarteirões, ela encontrou o príncipe mais velho segurando uma barra de metal e depredando um poste de luz. Ela correu até ele e tentou segurar seu braço, para impedir que ele desferisse outro golpe.
― Não faça isso. ― Implorou. ― Você só vai arranjar problemas.
― Vá embora! ― Berrou, afastando-a com o ombro.
― Não vou! ― Disse com autoridade. ― Você não só vai arranjar problemas para você, mas também para os seus irmãos. Pare com isso, faça isso por eles!
E foi o bastante para o príncipe vacilar. Ele largou a barra no chão e caiu de joelhos, cobrindo o rosto com as mãos, parecendo vulnerável pela primeira vez.
― Vá embora ― repetiu ele, mas dessa vez com menos força, num sussurro, a voz quase não saiu. Ele não queria que , ou qualquer pessoa, o visse nesse estado.
― Venha comigo. ― Pediu. ― Vamos voltar para o palácio. Eu direi aos seus irmãos que estou me sentindo enjoada e poderemos ir. Eles não vão suspeitar de nada.
― Por que você está fazendo isso?
― Eu já estive onde você está, e a sensação é ruim o bastante para que eu não queira que ninguém passe por isso.
O príncipe herdeiro ficou calado por alguns instantes. Eles estavam afastados das festividades, de modo que tudo o que pairava no ar era o silêncio e a penumbra. conseguia ouvir a respiração pesada do príncipe, o conflito em seus pensamentos, os seus olhos trêmulos, vagando de um lado para o outro a procura de uma solução. Finalmente, ele se levantou.
― Volte para o baile. ― Disse, finalmente. ― Eles devem ter notado a sua falta.
E foi se afastando.
― Se você contar para alguém o que aconteceu esta noite ― falou sem olhar para trás ―, eu vou providenciar a sua retirada da Seleção.
respirou fundo. Ela deveria imaginar que isso aconteceria, mas não conseguiu evitar o desapontamento. Pelo menos ela havia ganhado alguma vantagem. O príncipe ainda tinha o destino de nas mãos, mas contanto que ela ficasse calada e não ficasse em seu caminho, tudo ficaria bem. Era um alívio, até.
Então ela fez o que ele pediu. Deu meia volta começou a fazer seu caminho de volta ao palácio, pensando na desculpa que inventaria para justificar sua ausência, se houvesse sido notada.
Ao longe, o príncipe herdeiro caminhava vagarosamente e sem rumo. Ele voltaria para o castelo eventualmente, mas queria esfriar a cabeça antes de fazê-lo, antes de adentrar os opressores e julgadores do palácio. Após dar uma dezena de passos, ele olhou para trás, para , que já estava voltando para o baile, apenas por um segundo antes de tornar a olhar para o seu caminho.


Capítulo 5 ― THE FAVORITE ONE

― Tem certeza de que você está bem, ? ― quis confirmar.
― Eu estou, juro! ― Mentiu. ― É apenas um leve enjoo, certamente por causa do nervosismo. Amanhã é um grande dia para todos nós.
― Tudo bem.
e os dois príncipes ficaram em silêncio durante o resto do percurso de volta ao palácio. A selecionada havia esperado um pouco antes de dar uma desculpa e pedir para voltar para o palácio. Não queria atrapalhar a diversão de e , mas seus pés estavam doloridos de correr descalça atrás do príncipe herdeiro depois de ter passado horas usando saltos altíssimos.
― Por favor, peço que me desculpe pelo nosso irmão mais velho ― disse quando finalmente adentraram os altíssimos muros do palácio real. ― Ele é uma pessoa complicada, mas quando você o conhece melhor, ele...
― Continua sendo uma pessoa complicada? ― interrompeu a fala do outro príncipe. ― Sinceramente, ele é assustador.
A selecionada teve que rir da declaração do príncipe mais novo. também riu, mas não em concordância. ficou curiosa quanto à relação dos três príncipes. Pelo que havia percebido naquela noite, e eram os mais próximos entre os três, e parecia ser mais próximo de do que do príncipe mais novo. Ela se perguntou se o havia convidado para sua despedida de solteiro por vontade própria ou por influência do segundo príncipe.
― Como eu ia dizendo... ― retomou. ― Tenha paciência com o nosso irmão, por favor.
― Está tudo bem ― deu de ombros. ― Ele não é tão ruim assim.
― Ele me dá arrepios. ― comentou enquanto eles desciam da limusine, que havia estacionado nos fundos do castelo. ― , vamos pedir que um guarda a leve até a porta dos fundos, para que você entre pela cozinha e vá para o seu quarto. Tudo bem?
― Certo.
― Muito obrigado por ter nos acompanhado essa noite. Lamento que não tenhamos tido uma chance para conversarmos, mas teremos muito tempo juntos pela frente. A Seleção será um processo longo e cansativo, eu temo, mas vou tentar torna-lo bastante agradável para você, tudo bem?
― Não precisa se preocupar com isso, .
― Eu preciso. ― Ele encheu as bochechas ao dar um sorriso bastante amável. ― Você é a minha favorita, afinal.
Quase que como se houvesse sido combinado, e se entreolharam. a olhou na tentativa de capturar a sua reação à fala do irmão. o observou como se pedisse ajuda, foi um instinto. Ela sentia que estava ficando sem tempo. Ela precisava deixar clara a sua situação com o príncipe mais novo. Não era justo deixa-lo criar esperanças se ela sabia que nunca seria capaz de corresponder. Ela ficava esperando por uma oportunidade para contar para ele a verdade, mas nunca o momento parecia apropriado.
― Não diga isso, irmão. ― falou, tomando cuidado com as palavras. ― Não é justo com as outras selecionadas, elas ainda nem tiveram uma chance.
― E você nem me conhece direito. ― complementou. ― Você nunca me viu tomando chá. Como você pode me dar alguma preferência em relação às outras se você nunca me viu tomando chá? Honestamente, e se eu segurar uma xícara de uma maneira ridícula e extremamente embaraçosa?
Ela estava tentando se esquivar, mas sua fala apenas deixou o príncipe mais novo levemente mais interessado nela. juntou-se a e riu também. desviou o olhar, viu sobre o ombro do príncipe que um guarda se aproximava. Seguindo seu olhar, também o viu.
― Bom, a próxima vez que nos veremos será no café da manhã. ― Ele disse. ― Eu vou me certificar que sirvam chá. ― Quando o guarda finalmente os alcançou, se dirigiu a ele. ― Por favor, leve a senhorita para o quarto.
O guarda assentiu em silêncio. Após dizerem suas despedidas, o homem guiou a selecionada para o seu quarto, seguindo silenciosamente na tentativa de não serem vistos. Ela estava tão cansada, tão desgastada, que passou todo o caminho torcendo mentalmente para não encontrar ninguém, para não ter que dar explicações, e suas preces pareciam estar funcionando. Somente quando segurou a maçaneta da porta do seu quarto e finalmente respirou aliviada, uma voz ecoou pelo corredor.
― Senhorita ? ― Mareena, uma outra selecionada, anunciou sua presença. ― De onde você está vindo?
paralisou. Mareena havia sido colocada no quarto da frente, ela provavelmente havia escutado os passos de no piso de madeira. Ela absolutamente não podia admitir que estava com os príncipes. Isso a faria parecer estar com vantagem em relação às outras e o que ela menos desejava era ter destaque.
― Eu fui pegar um pouco de ar. ― inventou uma desculpa.
Mareena soltou um grunhido que parecia ser uma risada debochada.
― Não me surpreende. ― Ela disse. ― Era de se imaginar que você não fosse se acostumar com esse ambiente.
― O que isso quer dizer?
― Vamos encarar os fatos. ― Mareena cruzou os braços, apoiando as costas no alizar da porta. ― Esse não é o seu lugar. Essa competição não é sobre amor ou o coração do príncipe, é sobre encontrar uma princesa adequada. Você não tem um título, não tem riquezas ou influência, e, sinceramente, você nem é bonita o bastante. O que você tem a oferecer? Quanto antes você entender isso, melhor. Entenda o seu lugar na competição e recolha-se à sua insignificância. O príncipe jamais olharia para você duas vezes.
sentiu a força de suas pernas abandona-la. Ela sabia que Mareena tinha razão. Ela planejava ser invisível na competição, e acreditava que seria uma tarefa fácil, uma vez que ela era uma competidora fraca, mas aparentemente esse simples fato lhe dava algum destaque.
Ela precisou respirar fundo. Era uma ironia, realmente. Por causa de pessoas assim ela fugia do Brasil, e para conseguir ficar em Clortos, ela teria que lidar com pessoas assim. Ela observou a expressão de Mareena por poucos segundos, tentando decidir qual abordagem ela seguiria. O príncipe nunca olharia para você duas vezes, a selecionada havia dito.
― Você ficaria surpresa ― respondeu.
E sem dar a Mareena uma chance de dizer mais alguma coisa, entrou em seu quarto e fechou a porta, apoiando as costas contra a mesma, escorregando lentamente até alcançar o chão.
A selecionada fechou os olhos, como se esse simples gesto fosse fazer sumir todos os seus problemas. Ela não tinha um plano. Havia planejado como entraria na seleção, sim, mas falhou em pensar como seria a partir de então.
― O que eu faço? ― Murmurou para si mesma.
não se considerava uma pessoa especialmente metódica, mas ela gostava de ter tudo sob controle e, principalmente, estar ciente do que se passava para que pudesse ter uma ideia de como agir.
Mentalmente, ela enumerou as coisas as quais precisava resolver. Primeiro, ela precisava esclarecer tudo para o príncipe . Falar a verdade para ele, sobre como ela não estava lá por ele, mas pela cidadania, e que não havia qualquer chance de ela se apaixonar por ele. Não que ele não fosse uma pessoa atraente e amigável, porque ele definitivamente era, mas ela não era a pessoa certa para ele. Ela não estava disposta e nem aberta a se apaixonar. Não depois de tudo o que lhe havia acontecido no passado. E, ainda mais, ela não queria entrar nessa luta, não queria ter que lidar com todas as outras selecionadas em busca do coração do príncipe mais novo e, depois disso, caso por alguma benção divina conseguisse conquista-lo, não queria se tornar uma princesa. Queria apenas viver uma vida comum, tranquila, sem muitos problemas. Ela já havia tido problemas demais para uma pessoa só.
Em segundo lugar, ela gostaria também de ser honesta com o primeiro e o segundo príncipe. Os dois aparentavam se importar com o irmão mais novo e ela queria deixar claro que não pretendia magoa-lo, muito pelo contrário. e pareciam pessoas muito boas e ela não queria fazê-los mal, queria tê-los como amigos, se fosse possível. , por outro lado, parecia ter muitas coisas perturbando-o e não queria ser mais um problema em sua vida.
E, finalmente, ela queria planejar sua atitude perante a competição. Qual seria a melhor abordagem? Como ela deveria se portar diante do príncipe e das outras selecionadas, se quisesse ter um pouco de paz?
Com todas essas questões em mente, adormeceu em meio aos seus devaneios, mas sem antes decidir finalmente: ela contaria a verdade no dia seguinte, assim que tivesse um momento a sós com o príncipe . Mas, antes disso, gostaria de conversar com o príncipe herdeiro. Ele não sabia toda a verdade, mas, entre os três, era o que sabia de mais detalhes da história. Então seria mais fácil contar para ele primeiro, e talvez ele até mesmo a ajudasse a pensar em como deveria contar ao príncipe mais novo.
Quando a manhã seguinte chegou, nem abriu os olhos direito quando teve seu quarto invadido por duas senhoritas. Eram suas criadas. Ela as havia conhecido na noite anterior, logo após a cerimônia de início da Seleção. Estando tão cansada e sabendo que teria que dar um jeito de escapulir para se encontrar com o príncipe mais novo, deu um jeito de dispensar suas criadas. Mas, agora, ela queria desfazer essa primeira impressão.
― Bom dia, senhorita . ― Disse uma delas.
― Bom dia! ― A selecionada deu logo um sorriso enorme. ― Como vocês se chamam?
As duas se entreolharam, possivelmente estranhando a abertura de .
― Eu sou a senhorita Kang, e ela é a senhorita Muriel. ― Explicou. ― Nós seremos suas criadas durante a Seleção e também depois dela, caso você venha a ser escolhida no final.
― Entendo.
riu, sabendo que era definitivamente improvável que ela fosse escolhida no final. Ainda, ela achava de extrema estranheza o fato de ter suas próprias criadas. Ela sempre foi acostumada a ter que sempre correr atrás das próprias coisas e se virar sozinha. Então não, ela não entendia realmente.
― O que vai acontecer hoje? ― Ela perguntou.
― Primeiro, nós vamos ajudá-la a se arrumar para o dia de hoje. ― A senhorita Kang prontamente explicou. ― Em seguida, você e as outras selecionadas vão se reunir na ala sul, onde a senhora Harris vai ditar as regras e explicar como acontecerá o processo. Depois disso, o café da manhã com as outras selecionadas. E, finalmente, o resto do dia é livre, para que você possa caminhar pelo castelo, conversar com as outras selecionadas… Enfim, para que você se sinta em casa.
― Isso é ótimo. ― deu de ombros. ― Então quer dizer que, depois do café da manhã, eu posso voltar para o quarto e dormir?
As duas criadas riram timidamente.
― Tecnicamente, sim. Mas não é recomendado. ― Foi a senhorita Muriel quem respondeu.
Mesmo que aparentassem estar na mesma faixa etária, as duas criadas eram completamente opostas uma da outra. Enquanto Kang tinha a pele pálida, o corpo magro e os cabelos extremamente curtos, Muriel tinha a pele negra, marcada por alguns vestígios de vitiligo, o corpo forte, com a musculatura definida e os cabelos impressionantemente longos e ondulados. Cada uma das duas tinha sua própria beleza e, juntas, era difícil não notar os charmes individuais de cada uma. Ambas, porém, transpiravam o mesmo aroma de simpatia.
― Então vocês duas vão me ajudar a ficar bonita para a Seleção? ― Questionou .
― Isso, senhorita. ― A resposta veio de Kang.
― Hoje é o primeiro dia ― a senhorita Muriel assumiu a fala. ― É o dia mais importante, senhorita. A impressão que você passar hoje é a que vai permanecer. Então, por favor, escolha sabiamente. Que impressão a senhorita quer causar? Como podemos trabalhar o seu visual?
pensou por um minuto. Pensou no que Mareena havia lhe dito naquela madrugada, sobre ela não ter nada a oferecer e nem ao menos ser bonita. Ela parou na frente do espelho e analisou seu reflexo rapidamente. Ela nunca havia sido especialmente vaidosa. Claro, ela se preocupava em tomar um cuidado ou outro com a aparência, mas nunca deu muita importância a isso porque sempre parecia haver outra coisa para se preocupar. Mas, naquele momento, por que não se preocupar ao menos um pouco? Não custaria nada. Ela não se considerava uma pessoa feia ou algo do tipo, mas era óbvio que existia um padrão no qual ela não fazia muito esforço para se encaixar.
Na noite anterior, no baile, ela havia se arrumado por conta própria. Um vestido de gala barato e uma maquiagem malfeita, sim, mas estava arrumada dentro do possível. Talvez, ali, se suas criadas se esforçassem bastante, ela poderia parecer bonita. Não custava nada tentar.
― Me surpreendam. ― Pediu, por fim.
Claro, as senhoritas Kang e Muriel não ficaram satisfeitas com a resposta da selecionada, mas após alguns questionamentos, elas conseguiram tirar mais informações da garota. O resultado final surpreendeu . Ela não quis olhar no espelho durante o processo para não estragar a surpresa ou tentar interferir, porque sabia que as duas criadas entendiam melhor do assunto do que ela. E ela fez bem em não interferir. Com alguns cortes de cabelo aqui e ali, uma maquiagem leve, mas bem pensada, e um vestido deslumbrante, estava bonita como nunca antes. Era tão estranho que ela nem conseguiu olhar no espelho por muito tempo.
― Vocês fizeram um ótimo trabalho. ― Ela alternou olhares entre as duas criadas. ― Vocês são artistas, de verdade.
Novamente, as duas sorriram timidamente.
― Muito obrigada, senhorita . ― Agradeceu Kang.
― Por favor, não me chamem de senhorita . ― Implorou. ― Somos da mesma idade, acredito eu, e eu sou só uma plebeia. Podemos ser boas amigas. Podem me chamar de .
E para a surpresa de , nenhuma das duas protestou. Elas pareciam temerosas, e a selecionada julgava que isso era devido ao fato de elas não serem muito bem tratadas no geral, por alguns nobres, mas elas também pareciam felizes com essa intimidade.
Muriel não deu, entretanto, mais abertura para . Ela logo apressou a selecionada, narrando mais uma vez os seus compromissos e afirmando que ela não deveria se atrasar. não questionou. Em poucos minutos, ela estava na ala sul do castelo, na qual todas as outras selecionadas esperavam a tal senhora Harris. Ela não hesitou em se aproximar de , a única selecionada com quem ela havia mantido uma conversa amigável até então. sorriu com a aproximação da garota.
, você não poderia estar mais bonita. ― Elogiou de maneira tímida. ― Adorei o que as suas criadas fizeram com você.
― Obrigada. ― respondeu com a voz baixa. Não estava acostumada a receber elogios por sua aparência, então não sabia ao certo como reagir. ― Você também está linda.
― Como você está se sentindo hoje?
― Nervosa, para falar a verdade. Realmente não sei o que esperar.
― Igualmente! Nem consegui dormir essa noite.
― Nem eu. ― constatou, e estava falando a verdade. ― Você conversou com alguma das outras selecionadas?
― Só com a Mareena e com a Zenobia. ― parecia prestar a fazer um comentário sobre Mareena. Mas decidiu não falar nada. ― E quanto a você?
― Só com você e com a Mareena. Espero que você e eu possamos ser amigas.
― E já não somos? ― deu um sorriso genuíno.
meneou a cabeça, sorrindo também em resposta. Vindo do Brasil, um país conhecido por seu clima hospitaleiro, ela estava acostumada a fazer amizade rapidamente, mas muitas vezes ela cometia o erro de confiar muito rapidamente nas pessoas. Ela sentia verdade em . A duquesa parecia ser uma pessoa verdadeiramente amigável e decidiu dar-lhe um voto de confiança. Esperava que, com o tempo, elas se tornassem mesmo boas amigas.
Pouco tempo depois, a senhora Harris e as restantes selecionadas chegaram. Harris era a mulher que no dia anterior estava sempre andando de um lado para o outro com uma prancheta em mãos. Novamente, ela carregava o objeto, e parecia tão séria que somente sua postura era o bastante para que ninguém ousasse interromper sua fala. Ela estava ditando as regras, como Muriel disse que ela faria.
Era tudo bastante simples, na verdade. As selecionadas, durante o processo, deveriam agir como se fossem princesas. Deveriam se comportar, acompanhar o príncipe quando lhes fosse requisitado e executar algumas tarefas que lhes seriam designadas. Não deveriam agredir fisicamente outra selecionada ou qualquer pessoa do castelo. Não poderiam se envolver com qualquer pessoa que não o príncipe mais novo. Deveriam aparecer pontualmente para as refeições, a menos que alguém da família real lhes desse permissão para se ausentarem. E, finalmente, todas as sextas-feiras, elas teriam que participar de uma entrevista para a emissora local. já antecipava todas essas regras, mas prestou bastante atenção e fez uma lista mental com todas elas. Contanto que as respeitasse, seu visto estava garantido.
― Vou repetir, porque essa parte é muito importante ― a senhora Harris insistiu. ― Vocês devem obedecer todas as ordens que qualquer membro da família real lhes der, mas a prioridade de vocês é o príncipe . Até mesmo se o rei der uma ordem, se sua alteza quiser algo diferente, é ele quem vocês devem escutar. Entendido?
As selecionadas responderam com um coral de entendido. Em seguida, Harris as organizou em uma fila para que se juntassem à família real para o café da manhã. Seguindo a ordem, uma por uma, as selecionadas seriam convidadas a adentrarem o salão.
No momento em que teve seu nome anunciado, sentiu calafrios percorrerem todo o seu corpo. Ela detestava ser o centro das atenções, porque detestava os julgamentos. As pessoas a criticavam pelo seu modo de andar, pela sua postura, pela sua aparência muitas vezes descuidada, pelo seu sotaque e pela sua posição social. Mas, naquele momento, não eram olhares de julgamento, eram olhares de surpresa. Suas criadas haviam feito realmente um bom trabalho. O príncipe mais novo estava embasbacado. não conseguiu segurar o riso. estava com uma expressão de choque e admiração ridícula, ele parecia um bobo. Na cadeira ao lado, o rei a ignorava por completo, o que era um bom sinal. Já a rainha Sari esboçava um sorriso gentil e materno, que, percebeu em seguida, era o mesmo para todas as selecionadas. O príncipe do meio, , possuía um sorriso encorajador, como se mandasse forças silenciosamente para que prosseguisse caminhando. Ele já sabia que ela se sentia desconfortável estando em destaque e queria que ele soubesse que tudo ia ficar bem. O príncipe herdeiro estava sentado ao lado de , e, mesmo que estivesse com os olhos fixos em , sua expressão era realmente indecifrável.
A mesa tinha o formato de um círculo gigantesco e os assentos estavam contados, havia cinco para a família e doze para as selecionadas. Todos os membros da família real estavam sentados juntos, estando em uma extremidade e na outra. As selecionadas começaram a se sentar a partir da cadeira ligeiramente ao lado do príncipe mais novo, claro, portanto a última cadeira vaga era ligeiramente ao lado do príncipe mais velho. sentou ali.
― Oi. ― Disse ela.
Ele não respondeu, no entanto.
― Como você está, Alteza? ― insistiu.
― Desculpe, eu fiz alguma coisa ontem que te deu a impressão de que somos amigos? ― resmungou, virando o olhar para ela. ― Por favor, me diga para que eu possa desfazer esse mal entendido.
aproximou-se um pouco do príncipe e abaixou a voz.
― Não se preocupe, nada do que você fez ontem poderia ser confundido com uma tentativa de fazer amizade. ― Ironizou. ― Quero dizer, eu venho de um país diferente, então talvez não seja a melhor pessoa para julgar, mas se destruir o patrimônio alheio é o que vocês fazem para se aproximar das pessoas, as festas de final de ano da sua família devem ser bárbaras.
Ele franziu as sobrancelhas quase imediatamente, e aproximou um pouco o rosto, abaixando também a voz.
― Eu pensei ter deixado claro que não queria que você comentasse sobre isso com ninguém.
endireitou a coluna, afastando-se subitamente do príncipe e em seguida olhando para os dois lados de maneira suspeita, como se estivesse verificando se outras pessoas prestavam atenção nos dois. Após averiguar que não, a garota voltou-se para ele.
― E quem mais está ouvindo, além das duas únicas pessoas que estavam lá? ― Ela garantiu que sua voz estava baixa o suficiente para que só ele ouvisse.
Ele cerrou os olhos e rapidamente olhou-a de cima abaixo, cruzando os braços em seguida e virando o olhar para frente novamente, para os grandes portões do salão, os quais estavam agora abertos. Uma dezena de criados começou a entrar no local, todos carregando grandes bandejas prateadas e caminhando pelo salão de maneira praticamente coreografada.
― Eu preciso conversar com você sobre uma coisa. ― introduziu, voltando-se para . ― Podemos nos ver mais tarde?
― Você é realmente inacreditável. ― O príncipe revirou os olhos. ― Você não está em posição alguma de solicitar qualquer coisa aqui.
E sua fala atingiu como um balde de água fria. Era verdade, ele era o príncipe herdeiro, ela era apenas uma plebeia. Ela precisava parar de cometer esses erros se quisesse continuar na Seleção. Talvez a noite passada realmente houvesse dado a ela a impressão errada. Eles não eram amigos. Nem , nem e muito menos . Mareena estava certa, ela precisava entender o seu lugar na competição.
Ela curvou os ombros levemente para baixo e abaixou também a cabeça, sentindo-se menor após a fala do príncipe mais velho. Quando um criado se aproximou, entretanto, tirando um bule da bandeja que carregava e, em seguida, enchendo a xícara de de chá, a noite passada se tornou mais real.
― Cortesia do príncipe mais novo ― anunciou o homem.
E foi isso. Foi um gesto simples, sim, mas se sentiu infinitamente melhor. Ela estendeu o olhar para e não ficou surpresa ao ver que ele também a observava, com o mesmo sorriso contagiante de sempre. O modo como suas bochechas inchavam e seus olhos praticamente fechavam quando ele sorria desse jeito o fazia parecer tão inocente e adorável. Foi nesse momento em que ela finalmente se deu conta de que estava enganada. Ela poderia, sim, se apaixonar por ele.


Capítulo 6 ― SHATTERING

Enquanto subia aquela colina, agradeceu mentalmente por ter trocado de roupa após o café da manhã. Foi a coisa mais estranha. Em um momento, ela estava tomando possivelmente o chá mais delicioso de toda a sua vida e comendo as torradas mais perfeitas que já havia provado, ignorando a família real e as selecionadas por completo, até que o príncipe mais novo se levantou e pigarreou, atraindo a atenção de todos.
― Minhas queridas selecionadas ― ele disse. ― Foi um deleite poder ter a vossa companhia nessa manhã. Infelizmente, eu e meu pai temos alguns assuntos que precisam ser abordados com urgência, então vamos nos retirar mais cedo. Mas eu peço que, por favor, aproveitem bastante o café da manhã, e usem o dia de hoje para se conhecerem melhor e para se familiarizarem com o palácio, eu quero vocês se sintam em casa. O dia de hoje é livre, mas eu procurarei cada uma de vocês no período da noite para que possamos conversar brevemente.
E dito isso, , , , o rei Yvan e a rainha Sari se levantaram e saíram pela porta principal. Todas as selecionadas ficaram em silêncio enquanto eles se retiravam, extremamente contidas, mas uma vez que a família real deixou o salão, como se estivesse combinado, as selecionadas se reuniram em pequenos grupos espalhados pelo cômodo. Claro, pensou . Ela ficou desapontada por ficar surpresa. Para as casas nobres de Clortos, a Seleção era um evento muito antecipado, então é claro que todas as selecionadas já se conheciam, certamente haviam formado alianças com meses de antecedência. examinou o salão a procura de , mas até mesmo a duquesa da casa já estava em um grupo.
O olhar das duas selecionadas se encontrou rapidamente, e fez um gesto com a mão, chamando para se juntar a ela, mas ao ver que a princesa Mareena também estava ali, a jovem brasileira decidiu permanecer onde estava para evitar conflitos.
Mas ela só conseguiu ter paz por dois ou três minutos.
― Olha só quem está aqui. ― Uma das selecionadas anunciou sua aproximação com a voz extremamente carregada de sarcasmo. Sem desviar o olhar do seu chá, não conseguiu identificar a voz. ― O que é isso que você está usando na sua cara, hein? Tentando impressionar o príncipe com a sua aparência? Sinceramente, acho que essa tática não vai funcionar. Você apenas parece uma palhaça.
olhou para o lado apenas para ver de quem se tratava. Era Yehee. não sabia muito além de seu nome, logo não tinha um repertório de maneiras com as quais poderia insultar a garota de volta, então naquele momento ela optou pelo silêncio, mantendo uma expressão de indiferença para passar a impressão de que não se importava. Levou a xícara de chá até os lábios e tomou um gole.
― Eu me pergunto... Por que o príncipe herdeiro te indicou? ― Yehee puxou uma cadeira ao lado de e se sentou. ― Inicialmente, meu palpite era que você o chantageou de alguma maneira para conseguir sua vaga na Seleção. ― Ela fez uma pausa e sentiu calafrios percorrerem seu corpo, porém manteve-se ereta e distante. ― Mas não pode ser isso... Como você poderia ter algo contra ele? Você é tão insignificante... Então a resposta que encontrei foi que o príncipe herdeiro apenas fez isso para irritar o rei. Faz todo sentido, não acha? É a cara dele. A ideia de ter uma garota estrangeira sem noção de etiqueta e sem conhecimento nenhum de como as coisas funcionam por aqui na Seleção deve deixar o rei furioso.
Yehee inclinou o corpo para frente, a fim de ficar mais próxima de . Ela, por sua vez, virou o olhar para as outras selecionadas. Todas pareciam tão entretidas em seus próprios planejamentos e conversas que ela e Yehee pareciam estar invisíveis. fez uma nota mental sobre isso.
― Eu estou certa? ― A selecionada quis saber.
― Certa sobre o quê? ― fingiu-se de desentendida.
A outra revirou os olhos.
― Que você não tem papel aqui nessa competição, apenas está ocupando uma vaga.
deu uma risada debochada curta.
― Sim, você tem toda razão. Eu não tenho um título, não tenho riquezas, não tenho influência e muito menos beleza. ― Disse ela. ― Você provavelmente tem tudo isso, se fala de mim com tanta confiança. ― empurrou a cadeira para trás e levantou-se, virando o corpo para Yehee. ― Então por que nenhuma das outras selecionadas quer formar uma aliança com você? ― Fez uma pausa, analisando a expressão da selecionada. Touché. A observação de parecia tê-la atingido. ― É de se esperar que eu não tenha contatos aqui dentro, afinal, não sou ninguém, mas você... Bom, isso é no mínimo embaraçoso.
Dito isso, curvou-se em uma vênia educada e foi embora, deixando todas as outras selecionadas para trás e determinada a ir para o seu quarto e ficar lá até não poder mais. Caminhou por entre os corredores do palácio sem olhar para trás. Temia que, se o fizesse, alguém a fosse chamar de volta, e tudo o que ela menos desejava era estar na presença das outras selecionadas. Ela detestava ser julgada por seu status social, mas parecia estar no lugar em que nada mais importava. Sentiu-se estúpida por ter passado toda aquela maquiagem. Que perda de tempo! Ela nem gostava de se arrumar tanto assim. Por que ela havia tentado ser alguém que ela certamente não era? Ela obviamente não se encaixava no padrão de selecionada adequada, então por que ela deveria se esforçar?
Seguindo pelo caminho que a levaria até seus aposentos, interrompeu seus passos imediatamente ao ouvir a voz do rei. O som estava vindo de um corredor perpendicular e parecia se tratar de uma discussão. Ela fez o máximo pra se esconder atrás de uma escultura para que o monarca não a visse. Ela estava em uma posição difícil. Não queria espiar a conversa do rei, mas se tentasse ir embora e fizesse algum barulho, o rei a veria e concluiria que ela estava, sim, espiando a conversa. Então ela apenas ficou quieta, esperando uma oportunidade para sair sem ser percebida.
― Quantas vezes teremos essa mesma conversa? ― O rei parecia exausto.
― Eu sou o príncipe herdeiro, pelos céus! ― Era a voz de , a qual soava irritadiça, mas também frustrada. ― Por que insiste em me excluir das reuniões do conselho? Como posso saber o que se passa no reino se nunca estou presente?
― Você certamente deve ver e ouvir bastante durante suas andanças irresponsáveis pela cidade. ― Fez uma pausa enquanto respirava pesadamente. ― Quando você começar a agir como o herdeiro do trono, eu começarei a te tratar como tal.
― Pai, por favor. ― possuía um tom de súplica em sua voz, que falhou brevemente em sua última sílaba. ― Eu sou o herdeiro do trono. Não tenho como melhorar se o senhor não me dá oportunidades.
Os dois ficaram em silêncio, e se odiou por estar presente naquele momento. Aquilo não tinha nada a ver com ela. Ela deveria ter ido embora de imediato, mesmo que a vissem. Se sua presença fosse notada agora, seria ainda pior. Ela tentou até mesmo respirar com menor frequência por medo de que sua expiração lhe proporcionasse um flagrante.
― Filho… ― O rei começou. ― Você só me dá desgosto. Mas não se preocupe com o reino. Seus irmãos e estão fazendo um bom trabalho.
Disse isso e começou a se afastar. escutou o barulho de portas fechando e rapidamente ela examinou os arredores, tentando encontrar a melhor maneira de sair dali sem ser vista. O príncipe herdeiro não estava com o rosto virado em sua direção, então ela poderia sair sorrateiramente pela direção oposta. Tomando bastante cuidado para dar passadas longas e silenciosas, ela tratou de sair dali o mais rápido possível.
Ela não deveria ter testemunhado aquilo. Mas ela o havia feito, e não havia como mudar esse fato. Ela tentou afastar essa memória da cabeça, porém era difícil evitar. Por que o rei agia daquela maneira com o príncipe herdeiro? Ela involuntariamente tentou atribuir rótulos de vilão e mocinho. sempre pareceu uma pessoa rude e irresponsável. Por esse motivo o pai o desaprovava? Ou então era o contrário, e o príncipe agia desse modo como uma resposta à atitude do pai. Talvez Yehee tivesse razão e o príncipe herdeiro somente a houvesse indicado para irritar o rei. De qualquer forma, sabia que a história daquela família era muito mais complicada do que aquilo e ela não deveria julgar com base nos poucos elementos que tinha a disposição. Se tinha alguém que sabia como era difícil ser vítima do julgamento público, era ela.
Chegando ao seu quarto, ela ficou aliviada por suas criadas não estarem presentes. Ela realmente precisava de um tempo sozinha para processar ou ignorar tudo o que havia acontecido naquela manhã. A primeira coisa que ela fez, no entanto, foi tomar um curto banho. Tirou toda aquela maquiagem e molhou os cabelos, tentando fingir que nada daquilo estava acontecendo.
Ela não havia levado nenhuma de suas roupas para o palácio, então procurou no guarda-roupa algo simples e sem graça, que fosse fácil de vestir e não apertasse em nenhum lugar. A ansiedade já lhe deixava com falta de ar, ela não precisava de um vestido que dificultasse mais ainda sua respiração. Uma vez vestida, deitou na cama e fechou os olhos. Não queria pensar no dia que teria pela frente, muito menos nas próximas semanas. Pensou no príncipe mais novo. Ele era um doce, de fato. Mas valia todo o sufoco que ela certamente passaria para tentar ficar com ele? Se as outras selecionadas a perturbavam por ser insignificante, ela não queria nem imaginar o inferno que passaria se estivesse à frente da competição. Entretanto, ela logo dispensou esse pensamento. Não era justo e nem sábio tomar decisões naquele momento.
O som de batidas na porta obrigou a afastar por ora seus devaneios. Ela ponderou por alguns segundos se haveria implicações se ela não abrisse a porta, mas decidiu evitar complicações para si mesma e levantou-se, torcendo em cada passo que dava para que fosse o príncipe do outro lado. Mas não era ele. Era o príncipe herdeiro.
― Vossa Alteza. ― Ela não soube como reagir, então se curvou em uma saudação formal. ― A que devo o prazer de sua visita?
Ele suspirou, enquanto desviava o olhar para baixo e ajustava a máscara que cobria parte do seu rosto.
― Por favor, senhorita . ― começou. ― Eu sei que você estava ouvindo minha conversa com meu pai há pouco.
― Perdão? ― Tentou fingir ignorância. Talvez funcionasse.
― Sim, eu sei. Caminhar silenciosamente não é uma de suas qualidades. ― Ele confessou, apontando com o olhar para a perna defeituosa de . ― Você disse que queria conversar comigo. Está bem. Encontre-me em vinte minutos no topo da colina ao sul do palácio, atrás do salgueiro.
franziu as sobrancelhas.
― Por que você não entra e nós conversamos aqui mesmo? ― Resmungou.
― Nos seus aposentos?
― Sim.
― Isso não seria apropriado. ― O príncipe falou como se fosse óbvio. Ele rapidamente deu meia-volta e deu esse assunto por encerrado. ― Você tem vinte minutos. ― E foi embora.
Da varanda do quarto de , ela conseguia avistar a tal colina a qual se referia. Era consideravelmente distante e ela certamente gastaria mais que vinte minutos isso para chegar até lá. Ela respirou fundo, frustrada, bebeu um copo grande de água e calçou um par de sandálias confortáveis antes de ir.
Como sempre, tentou analisar as circunstâncias. Ela queria compreender para qual situação ela estava caminhando em direção naquele momento. Antes do café da manhã, ela estava decidida a contar toda a verdade para o príncipe mais novo, mas antes disso gostaria de conversar sobre isso com o príncipe herdeiro, uma vez que ele já sabia uma parte da história, sobre ela estar ali pela cidadania. Ela ainda estava disposta a contar a verdade? Seria sábio fazê-lo? Ela não confiava no príncipe herdeiro, mas ele já dispunha de munição o suficiente para ataca-la, caso fosse esse seu objetivo, e ele não o houvera feito, então talvez ele não estivesse interessado em prejudica-la. De qualquer forma, decidiu ir aos poucos com o príncipe herdeiro, para primeiro analisar o território antes de agir. E, ainda, ela poderia hipnotiza-lo se fosse necessário.
Foi uma caminhada longa e cansativa. amaldiçoou-se mentalmente por ter se tornado tão sedentária nos últimos meses. Quando finalmente alcançou o salgueiro e avistou o príncipe mais velho, ela deixou o corpo cair no chão.
― Você parece exausta. ― comentou sem olhar diretamente para a garota.
― É porque eu estou.
colocou os braços na cintura, tentando recuperar o fôlego.
― Quem diria que a senhorita que agrediu o príncipe herdeiro não aguentaria uma simples caminhada?
A selecionada levantou-se novamente e aproximou-se de , sentando-se na grama perto de onde ele estava.
― Eu ainda consigo te dar uma surra. ― Ela disse.
E o príncipe herdeiro riu, surpreendentemente. olhou ao redor. Eles realmente estavam sozinhos e não havia ninguém nas proximidades, então eles teriam privacidade ali. Pela postura do príncipe herdeiro, com o corpo relaxado e o rosto descontraído, ele parecia se sentir bem à vontade.
― Devo dizer... ― começou. ― Fiquei surpresa com a sua súbita mudança de ideia. Há pouco você havia me dito que eu não estava em posição de solicitar qualquer coisa. Por que decidiu atender ao meu pedido?
― Acho que nós dois precisamos esclarecer algumas coisas um para o outro.
― Eu concordo.
E ficou em silêncio. Ele queria dizer algo, era visível, então esperou que ele o fizesse, para que pudesse agir em consonância. Ela o observou rapidamente. Ele tinha os cabelos longos, extremamente longos, os quais geralmente ficavam presos em com um elástico no topo da sua cabeça. Naquele momento, no entanto, seus longos cabelos negros voavam com o vento e ele parecia outra pessoa, realmente. Mesmo que ainda usasse suas tradicionais vestes pretas e seu curioso acessório tapa-olho, ele parecia diferente. Menos cuidadoso e em guarda, como geralmente estava. Normalmente, o príncipe herdeiro parecia estar sempre atento aos seus arredores, preparado para um ataque, assim como , mas ele parecia despreocupado naquele momento. Porque ele achava que ela não representava um perigo real. Talvez porque ela parecesse indefesa ou porque ele confiasse nas boas intenções dela, era difícil dizer. Ela se sentiu culpada por ter pensado em hipnotiza-lo.
― Você não pode comentar com ninguém sobre o que você ouviu. ― Ele finalmente disse. ― Sobre a minha conversa com o meu pai.
riu.
― Eu sabia que você diria isso. ― Ela deixou de olhar para ele e fitou o horizonte. ― Mas você não precisa se preocupar, eu não contaria para ninguém. E eu não ouvi de propósito, juro. Eu estava indo para o meu quarto quando aconteceu, foi uma coincidência, um infortúnio. Eu me escondi para que não me vissem, porque não queria que achassem que eu estava espiando.
― Verdade? ― Ele olhou para ela, com um sorriso debochado e cheio de cinismo no rosto. ― E isso funcionou para você?
voltou a encará-lo nesse momento, pronta para rebater a alfinetada, mas algo no rosto do príncipe herdeiro a impediu. Ele estava zombando dela e parecia estar se divertindo. Ela decidiu não tirar isso dele, então apenas deu de ombros, admitindo sua derrota.
Eles ficaram em silêncio por alguns instantes. Apenas observando a paisagem. Os dois tinham coisas a dizer, e os dois gostariam de ouvir o que o outro diria, mas não estavam com pressa. não queria retornar para a Seleção e para as outras selecionadas. não queria voltar para o palácio e para a sua família.
― Meu pai está enganado. ― Ele falou após hesitar por algum tempo. ― Eu não vago irresponsavelmente pela cidade. Na maioria das vezes eu apenas venho para cá.
― Eu acredito em você.
não disse mais nada. E também ficou quieta por um curto intervalo, enquanto pensava na melhor abordagem. Ela tinha decidido começar aos poucos, mas como poderia fazer isso? Ela queria contar a verdade para o príncipe, mas também queria que o príncipe se sentisse confortável para se abrir com ela, e ele não simplesmente contaria tudo naquele momento, mas talvez pudesse contar algo pequeno.
― Por que nós não… ― ela teve uma ideia ― fazemos um jogo?
― Um jogo? ― Ele demonstrou estar genuinamente surpreso.
― Sim. O jogo das cinco perguntas. Você pode me fazer cinco perguntas sobre qualquer coisa e eu tenho que responder honestamente com sim ou não. E depois eu te faço cinco perguntas. Você pode me perguntar primeiro, se quiser. Por que não tenta descobrir algo simples como... O que eu fazia antes de vir para cá?
O príncipe herdeiro riu mais uma vez, como se o divertisse de algum jeito. Ela ficou um pouco aliviada com isso.
― Certo. ― Ele cruzou os braços. ― Você nasceu no Brasil?
― Sim.
― Em qual região?
― Isso é uma pergunta de sim ou não? ― revirou os olhos.
― Certo, certo, me perdoe. ― Ele pensou um pouco. ― Na sua ocupação, você tinha que interagir com outras pessoas?
― Sim.
― É algo relacionado a... Produção de alimentos?
― Não. ― A garota riu, como se a verdade fosse muito distante disso.
O príncipe ponderou por algum tempo, sabendo que lhe restavam apenas duas perguntas. Ele não queria dar a entender que tinha dificuldades em pensar logicamente. Não queria mais uma pessoa questionando suas capacidades.
― Pelo que eu já vi de sua personalidade, por ter me dado um soco e se envolvido em uma luta com rebeldes apenas para tirar algo de mim… ― Ele pensou em voz alta, mas sem muita convicção do que dizia. ― Você parece ter coragem e, talvez, experiência com situações parecidas. Por favor, não zombe de mim se eu estiver completamente errado, porém... Eu poderia chegar à conclusão de que o que você fazia no Brasil tem algo a ver com… Combate?
― Sim! ― Agora, ela sorria. Estava animada por ele estar conseguindo descobrir.
― Então você machucou a sua perna em uma luta? ― quis saber.
― Não. ― cortou instintivamente. ― Suas perguntas acabaram. Mas você praticamente acertou, eu estou impressionada. ― Admitiu. ― Eu era uma lutadora, faixa preta em taekwondo. Inclusive, eu deveria estar concorrendo às olimpíadas esse ano.
O príncipe esperou que ela estendesse sua fala, mas ela se calou. Ele decidiu não insistir. Ele havia descoberto alguma coisa sobre ela, já era um avanço.
― É a sua vez. ― Ele afirmou.
sabia, mas estava pensando no que perguntar. Ele havia começado com algo pequeno e inocente, então ela queria fazer o mesmo, seguir uma abordagem gradual, para que ele não se irritasse e fosse embora.
― Você é o irmão mais velho? ― Ela começou.
― Sim, claro.
― É mais próximo do príncipe do que do príncipe ?
― Sim.
― Indicou meu nome para a seleção para provocar o rei? ― fez questão de olhar para ele nesse momento, queria capturar sua reação.
― Sim… ― Ele fechou os olhos e apoiou a cabeça o tronco da árvore atrás de si.
― E o rei ficou zangado com a minha presença?
abriu os olhos novamente e fitou .
― Surpreendentemente, não. ― Ele admitiu. ― Ele parece ignorar completamente a sua presença aqui, o que é o oposto do que eu achei que faria.
― Ah! ― tentou não esboçar nenhuma reação, para não se entregar. ― Isso é bom. Já é ruim demais ter você me causando problemas, imagine se o rei também estivesse contra mim. ― E fez uma pausa, descobrindo qual seria a sua próxima pergunta. ― A minha presença na Seleção te incomoda?
― Não. ― Ele admitiu, enquanto tentava controlar os próprios cabelos, que estavam pousando em seu rosto com o vento, e não falou mais nada.
respirou aliviada. Aquela era uma boa notícia, e era tudo o que ela precisava saber por ora.
― Acho que por hoje é o suficiente. ― anunciou. ― Do jogo das cinco perguntas, digo. No entanto, acho que podemos fazer isso mais vezes. Cinco perguntas por dia, enquanto eu estiver aqui. O que acha?
― Não vejo por que não.
E o silêncio mais uma vez preencheu o ambiente. Pela posição do sol, logo acima de suas cabeças, supunha que já se aproximava do meio dia. Como não havia mencionado o almoço durante o café da manhã, ela supunha que a família real não estaria presente, restando apenas as selecionadas, e queria vê-las o mínimo possível durante o processo. Então ela apenas aconchegou seu corpo no tronco da árvore e aproveitou a quietude.
Quando o príncipe se moveu, logo ao seu lado, instintivamente direcionou seus olhos na direção do herdeiro. havia levado as mãos ao rosto, e, com um movimento habilidoso, ele removeu a máscara que cobria parcialmente o rosto, soltando-a no chão e fechando os olhos em seguida, mas sem antes capturar a expressão de por um momento. Ela estava curiosa. Queria saber o motivo de o príncipe ter olhos de cores diferentes. Se ele se dava ao trabalho de escondê-los, certamente havia ali uma história. Ela adoraria questioná-lo a esse respeito, porém sabia que não era o melhor momento, que deveria aguardar outro dia, quando ele confiasse mais nela e ela mais nele, porque ela precisaria revelar algo sobre si mesma em troca de uma revelação da parte dele.
― Você tem olhos bonitos. ― se limitou a dizer.
E isso foi o bastante para que o príncipe abrisse seus olhos novamente em sobressalto, extremamente surpreso com o comentário. Tão perplexo que ficou sem entender.
― Como disse? ― Ele indagou, interpretando a fala da garota com uma ofensa.
― Eu apenas disse que seus olhos são bonitos. ― Repetiu, confusa. ― De cores diferentes, é realmente um charme.
― A senhorita está zombando de mim? Acha isso engraçado?
― Por favor, príncipe. ― Ela suspirou. ― Sendo como eu sou, você acha que eu zombaria de você por ser como você é? ― E tombou a cabeça para a direita, referindo-se a própria perna defeituosa.
― Então você não acha que… ― Ele hesitou. ― Que eu sou uma besta? Uma aberração?
O coração de apertou nesse momento. O príncipe herdeiro parecia extremamente vulnerável nesse momento, com o seu par de olhos assimétricos refletindo a luz do meio-dia e as sobrancelhas curvadas para baixo.
― Você nem sempre foi legal comigo. ― Ela admitiu. ― Mas eu sei que você é uma pessoa boa, aí no fundo. Mesmo que por fora seja carrancudo e por vezes rude. É claro que você não é uma besta. Eu não estaria aqui se fosse.
― Isso é… Surpreendentemente gentil da sua parte. ― Ele desviou o olhar, envergonhado.
― Não é nada demais. ― Ela riu antes de continuar. ― Você deveria tentar as vezes. Tentar ser gentil.
Por um segundo ou mais, analisou de cima a baixo, incerto sobre o que dizer em seguida. não exatamente esperava uma resposta, então ficou surpresa quando ouviu a réplica do príncipe.
― Eu vou tentar. ― Afirmou. ― Mas só com você.
― Já é um bom começo. ― Ela se levantou. ― E em boa hora, porque vou precisar da sua ajuda para descer essa colina.
visivelmente tinha na ponta da língua uma resposta para dar a , mas seja lá o que fosse, ele decidiu guardar para si mesmo. Sem questionar, ele colocou o braço da garota ao redor do seu ombro e pacientemente a ajudou a seguir colina abaixo, no sentido contrário ao do palácio, para que ninguém os flagrasse juntos. Mesmo que eles não houvessem feito nada de errado, era melhor evitar que o ocorrido viesse a público, para evitar problemas para ambos.
Quando finalmente alcançaram a planície, os dois se despediram.
― Você não pode contar a ninguém o que conversamos aqui hoje. ― disse antes de se afastar, lançando um olhar ameaçador para o príncipe herdeiro. Mas ele sabia que ela o estava remedando, então apenas riu em resposta.
Quando os dois se afastaram, cada um seguiu uma direção diferente de volta ao palácio. se sentia muito mais leve. Mesmo que ela não houvesse revelado muito para o príncipe mais velho, ela sentia que um laço estava começando a se formar, e isso era realmente um alívio.
Chegando aos corredores do palácio, ela ouviu algumas vozes e mais uma vez ela se viu naquela posição difícil. Se ela se revelasse, pareceria que estava espiando a conversa de quem quer que fosse. Mas se permanecesse onde estava, ela não teria escolha a não ser espiar a conversa.
Dessa vez, ela decidiu ir embora, voltando por onde havia entrado, torcendo para não ser vista, porém não conseguiu evitar ouvir um trecho da conversa.
― Você sabe que é a minha favorita aqui. ― Alguém disse, após uma risada feminina paqueradora.
E sabia exatamente quem estava falando, porque ela já havia escutado aquelas mesmas palavras no dia anterior.
Era o príncipe .



Capítulo 7 ― TRUE MEANING

Quando escutou batidas na porta do seu quarto, não sabia o que esperar. Seria novamente? Ou talvez alguma das selecionadas estivesse a fim de atormentá-la mais um pouco. Ou, ainda, quiçá o príncipe estivesse ali para contar mais mentiras para ela. Ela formou dezenas de teorias na própria cabeça enquanto caminhava em direção à porta, mas nenhuma delas chegou perto da realidade. Quando a jovem selecionada se deparou com um guarda uniformizado no corredor, ela esperou pelo pior.
― Pois não? ― Ela conseguiu manter um tom de voz tranquilo enquanto examinava a expressão facial do guarda, na procura por pistas sobre o que motivava sua presença ali.
― Senhorita , ― ele começou ― a sua presença está sendo solicitada no salão leste.
― Qual é a ocasião?
― O almoço, senhorita. ― O guarda respondeu com um semblante calmo. ― Todas as selecionadas devem estar presentes durante as refeições, a menos que sejam dispensadas por ordem direta.
soltou um suspirou aliviado. Ele tinha razão, as regras eram claras. Ela se sentiu estúpida por ter esquecido, percebendo que realmente ainda não estava completamente consciente sobre a sua posição no castelo. Ela era uma selecionada, não estava ali de férias, então tinha deveres. Ela pediu desculpas ao guarda por ter esquecido, mas achou graça da situação. Por um segundo, ela realmente achou que o guarda estava ali para levá-la presa.
Sem qualquer delonga, aquele guarda a escoltou até o salão leste, no qual todas as outras selecionadas e a rainha a aguardavam. Ela não precisou de uma análise muito profunda para descobrir que ela era a única que faltava, e as outras esperavam pela sua chegada. fez um gesto singelo com uma das mãos, atraindo a atenção de . Ela havia reservado o assento vizinho para ela.
― Obrigada por guardar um lugar para mim. ― foi genuína em seu agradecimento.
― Não foi nada.
Assim que se sentou, as portas se abriram e alguns funcionários começaram a entrar no salão com bandejas repletas de comida. quis chorar de alegria. Desde que havia chegado a Clortos, ela havia vivido à custa do próprio salário de barista, que era pouco, então ela nunca podia se dar o privilégio de ter uma refeição caprichada. Era sempre o bastante para encher a barriga, somente. Agora, ela estava no castelo da família real e iria comer como uma rainha, esse era um dos pontos altos de ser uma selecionada.
Depois de encher o prato de comidas que ela nem sabia o nome, endireitou a coluna e começou a comer com toda a elegância do mundo. Com sua visão periférica, ela conseguia ver duas das selecionadas a observando atentamente, como se esperassem que ela fosse comer como uma selvagem. revirou os olhos enquanto comia educadamente, como sempre fazia. Ela não seria um objeto de diversão de nenhuma garota rica.
― Como você está, ? ― tentou puxar conversa.
― Bem… ― Tomou um gole de seu suco. ― E quanto a você?
― Bem, também.
E ficaram em silêncio. Era complicado. Mesmo que fossem simpáticas uma com a outra, era um relacionamento complicado. As duas estavam, pelo menos na teoria, ali em busca do mesmo objetivo, ficar com o príncipe. , que tinha agora suas dúvidas quanto ao príncipe mais novo, não via como uma concorrente, e esperava encontrar nela uma amiga.
― Os príncipes não vão se juntar a nós para o almoço? ― tentou prolongar a conversa.
― Ao que parece, eles estarão ocupados o resto do dia com uma reunião importante do conselho. Mas devemos esperar o príncipe no período da noite, ele nos fará uma visita.
― Entendo.
― Algumas selecionadas irão tomar chá esta tarde no jardim. ― comentou, baixando consideravelmente o tom de voz. ― A princesa Mareena será a anfitriã. Pensei que poderíamos fazer o mesmo, eu e você. Tomar um chá no meu quarto ou no seu, para nos conhecermos melhor.
― Eu acho uma ótima ideia. ― foi sincera em suas palavras. ― Pode ser no meu quarto.
― Está bem.
Durante o almoço, aprendeu que, mesmo que houvesse terminado de comer, ela só poderia se levantar e ir embora após a rainha tê-lo feito. a alertou um pouco antes que ela cometesse uma gafe. Enquanto esperava pacientemente que a rainha terminasse sua refeição, ela observou as outras selecionadas rapidamente. Ali, perante a rainha, Yehee parecia extremamente contida e amigável. Mareena era a personificação da elegância. Comparada com as outras selecionadas, parecia realmente deslocada. Não estava mais usando o deslumbrante vestido do café da manhã e já havia lavado toda a maquiagem pesada, usava apenas um vestido azul claro simples e o cabelo solto ainda não havia secado por completo. Ela não havia tido tempo para se preparar para o almoço por causa da escolta do guarda, mas ela surpreendentemente não se sentiu mal por isso. Por que diabos ela deveria se arrumar se as outras a julgariam de qualquer forma? Muito melhor ficar em roupas confortáveis.
Quando a rainha terminou sua refeição e se levantou, as outras selecionadas fizeram o mesmo não muito tempo depois. e combinaram de se encontrarem no quarto da primeira uma hora mais tarde.
decidiu aproveitou para se preparar para a chegada de nesse tempo. Ela nunca havia tomado chá da tarde, não sabia muito bem o que fazer, então pediu ajuda para as suas criadas, as quais acabaram fazendo todo o trabalho. ficou surpreendentemente animada com a visita de . Quando a selecionada chegou, ela rapidamente foi abrir a porta com um sorriso contente.
― Seja bem-vinda! ― expressou sua alegria.
― Nossa! Ninguém nunca ficou tão feliz assim em me ver. ― riu.
― Sinceramente, é muito bom conversar com alguém que não seja da família real e que não me olhe por cima.
arregalou os olhos por um segundo e colocou as mãos sobre os ombros de .
― Eu te entendo perfeitamente! ― E puxou para um abraço repentino. ― , eu espero que possamos ser boas amigas aqui. ― E soltou a garota. ― Você é tão genuína, e eu admiro isso em você. Adorei o que você fez com o seu cabelo.
― O que eu fiz com o meu cabelo?
― Sim! Minhas criadas passaram meia hora prendendo o meu cabelo nesse penteado e você simplesmente deixou o seu solto, eu amo isso. Você se importa se eu fizer o mesmo? ― Mas não esperou uma resposta. ― Digo o mesmo das suas roupas. Acho que você está linda assim, tão natural.
― Você acha? Achei que vocês, os nobres, amassem essas roupas pomposas.
― É tão desconfortável, honestamente. Acho que ninguém gosta de usar essas roupas, as pessoas apenas gostam de como elas se parecem quando estão vestidas assim. Eu, pessoalmente, não gosto de jeito nenhum. Por que temos que nos vestir como se estivéssemos no século XIX? Se eu fosse escolher uma época de vestimenta, certamente escolheria a década de quarenta.
riu. falava tão rapidamente e sem pausa, era como se ela estivesse guardando tudo aquilo para si mesma por bastante tempo. Ela estava observando as paredes do quarto de , mas logo voltou o olhar para a dona dos aposentos, percebendo o sorriso que ela carregava no rosto.
― Desculpe, eu estou falando muito?
― Sim. ― admitiu. ― Mas eu não me importo. Gosto disso em você.
E foi o bastante para os olhos de brilharem.
― Gosta? ― Ela abriu um sorriso tímido. ― A minha família me instruiu a ficar mais contida durante a Seleção. Eles não acham que uma mulher deve falar muito, dizem que o charme está no mistério. Eu não concordo com eles, mas o que eu posso fazer além de obedecer? Depois que minha irmã fugiu, eles precisam que eu me destaque na competição para trazer prestígio novamente para a casa .
― A sua irmã fugiu? ― convidou a se sentar.
Nesse momento, uma das criadas de entrou no quarto com uma bandeja na qual carregava duas xícaras de porcelana e um bule, posicionando-os sobre a mesa de cabeceira ao lado da cama. Ambas, e , agradeceram com um sorriso antes de a senhorita Muriel sair novamente.
― Você não ouviu sobre isso? ― retomou a conversa. ― Foi um escândalo, realmente. Era ela quem deveria participar da Seleção, não eu. Ela vinha se preparando para isso havia anos. Há dois meses, no entanto, ela anunciou que estava apaixonada por uma senhorita de um ducado vizinho, e elas fugiram juntas em seguida. Todos do reino falaram sobre isso por semanas.
― Ah! ― exclamou. ― Eu acho que ouvi, sim, algumas pessoas comentando sobre isso.
― Sim... ― Deu de ombros. ― Ainda comentam, até hoje. Depois que minha irmã fugiu, eu, como a segunda filha mais velha, tive que assumir suas responsabilidades.
― Então você não estava preparada para participar da Seleção?
― Na verdade, não. Mas tive dois meses de vantagem, então eu corri para recuperar o tempo perdido.
― Entendo... ― suspirou. ― Deve ter sido difícil.
― Sim e não. ― bebericou o próprio chá. ― Eu fico feliz pela minha irmã. Se eu estar aqui é uma consequência da felicidade dela, como eu poderia não ficar contente?
― É realmente muito nobre da sua parte. Você e a sua irmã devem ser muito próximas.
― E como! ― A outra selecionada deu um sorriso amável. ― Mas eu sabia que, de uma forma ou de outra, minha família arranjaria algum casamento para mim.
meneou a cabeça em concordância. Não sabia muito bem o que dizer. De onde ela vinha, casamentos arranjados pareciam um absurdo. achava um absurdo. Era extremamente irônico que ela estivesse participando de uma competição para se casar com o príncipe. Ela riu, pensando no quão antiquado tudo aquilo era.
— E quanto a você, ? — quis saber. — Qual é a sua história?
— A minha história?
— Sim. — A garota sorriu amigavelmente. — Por que você está aqui em Clortos?
a observou por alguns instantes, pensando no que dizer. Ela conseguia sentir verdade em , ela parecia genuína, então decidiu dar-lhe um voto de confiança.
— Eu vim para Clortos a fim de conseguir um novo começo. Organizar minha vida. — Admitiu. — Estou aqui faz um ano, trabalhando como barista em um café no centro da cidade.
— Esse é o seu primeiro contato com a família real, então?
— Sim. Antes disso, eu só os via pela televisão.
— Imagino que deve ser assustador estar aqui no meio de tudo isso. — gesticulou, referindo-se ao palácio. — É assustador até para mim, e olha que não é a minha primeira vez aqui.
— Você já esteve aqui antes?
— Sim. Quando eu era pequena e meu pai tinha assuntos com o rei, ele me trazia com ele. Eu e os príncipes éramos muito próximos na infância.
O rosto de iluminou nesse momento, cheio de curiosidade.
— Como eram os príncipes quando crianças?
— O príncipe e o príncipe eram muito animados e bagunceiros, estavam sempre correndo pelos corredores do palácio. estava sempre traçando planos malucos. gostava de tentar resolver os problemas do reino, mesmo quando criança, como se fosse uma brincadeira particular sua. Eu lembro de um dia em que ele invadiu uma reunião do conselho para anunciar sua grande descoberta: que para acabar com a miséria bastava distribuir igualmente o dinheiro entre todos.
não pode deixar de sorrir, fazendo uma nota mental de que precisava conhecer melhor o príncipe do meio.
sempre foi mais brincalhão. Sempre foi muito sorridente, enchia os corredores do castelo de alegria. Até hoje.
— Essas parecem ser memórias que você guarda com carinho. — comentou ao observar o nostálgico sorriso que a outra selecionada estampava no rosto.
— Sim! — Confirmou. — Com o passar dos anos, eu parei de frequentar o castelo. Os príncipes e eu só nos vimos algumas raras vezes desde então. Mas essas são lembranças que sempre terei comigo.
ficou em silêncio enquanto despejava mais um pouco de chá na própria xícara.
— E quanto ao príncipe herdeiro? — indagou. — Como ele era como criança?
— Eu não saberia dizer. — Deu de ombros. — O príncipe não cresceu no castelo.
— Não?
— Não. Até onde se sabe, ele foi morar com a família de um comandante do exército real quando tinha dois ou três anos. E somente retornou ao castelo quando tinha dezesseis anos de idade.
— Ah! Não sabia disso.
— Muito pouco é sabido sobre isso, para ser sincera.
— É por esse motivo que… — interrompeu sua fala enquanto formulava o seu questionamento de uma maneira mais suave. — É por essa razão que o povo tem essa atitude negativa em relação ao príncipe ?
— Sim… Acredito que esse é um dos motivos… — se calou, visivelmente havia algo que ela não estava dizendo. — Eu não sei… Existem muitos boatos acerca do príncipe mais velho, e ele é realmente um mistério. Nunca foi a público para negar ou confirmar os rumores, então o povo tem uma certa dificuldade em confiar nele.
queria muito saber sobre o que eram os tais rumores, estava morrendo de curiosidade e não podia negar. Porém, com todo o seu autocontrole, ela decidiu não perguntar. Ela sabia melhor do que dar ouvidos a boatos, e, ainda, se o príncipe quisesse, ele mesmo lhe contaria a verdade.
— E qual é a sua opinião sobre ele? — indagou.
— Eu não colocaria a mão no fogo por ele. — Deu de ombros. — Mas também não o condenaria à fogueira. Eu não acredito em julgar as pessoas com base em informações pela metade.
meneou a cabeça em concordância, agia de maneira sensata. Por ora, ela decidiu mudar de assunto, pediu que lhe contasse mais histórias de sua infância no reino de Clortos, tanto no ducado em que morava quanto no palácio real. Na companhia da selecionada, sentiu que o tempo passou rápido. Mesmo que o castelo fosse tão grande, confortável e majestoso, era um ambiente estranho, então se sentia extremamente acanhada. Mas, com uma amiga, tudo seria diferente.
Depois que se despediu, decidiu dar ao seu quarto um pouco de personalidade. Ao contrário das outras selecionadas, ela não havia levado nenhum pertence para dentro do castelo, apenas as roupas do corpo. Mesmo em seu apartamento alugado em Clortos, ela não tinha muitos pertences. Nenhum portarretrato, nenhuma decoração afetiva, ela havia deixado todas as suas lembranças de sua vida anterior no Brasil. O máximo que ela conseguiu fazer foi mover os móveis e posicioná-los de uma maneira que ela pudesse caminhar confortavelmente pelo cômodo.
A noite chegou e, com ela, a visita do príncipe . O da noite anterior, o das histórias de e o daquela manhã, flertando com alguma outra selecionada, todos pareciam pessoas completamente diferentes. Honestamente, não estava animada para vê-lo. Ela não poderia evitá-lo, mas também não podia confrontá-lo. Ela era uma selecionada, e ele, o príncipe. Ela não estava em posição de fazer isso. Eles se conheciam havia pouco tempo, mas ele a havia feito acreditar que, de algum modo, ele a favorecia. Descobrir que ele não estava sendo sincero foi decepcionante, ela não podia evitar. Ela se sentia extremamente ingênua.
Assim que ele apareceu, ela o convidou a entrar em seu quarto. Ele estava vindo do quarto da frente, da princesa Mareena, a dona das gargalhadas sedutoras no corredor, a que havia alegado ser sua favorita.
― Boa noite, senhorita . ― Ele cumprimentou-a formalmente enquanto fechava a porta atrás de si.
― Boa noite, vossa alteza.
Ele sorriu, certamente estranhando o som dessas palavras na voz de . Ela raramente se referia a ele dessa forma.
― Como foi o seu dia? ― questionou.
― Bastante estressante ― ele suspirou. ― Passei praticamente todo ele cercado por diplomatas e nobres, cada um tentando incansavelmente provar que tem razão, mas não vamos falar sobre isso. ― Ele parecia desconcertado, não sabia se deveria se sentar ou ficar de pé.
achou um pouco engraçada a maneira como ele estava perdido. Ela, que estava sentada na cama, se ergueu e caminhou até a sacada, apoiando-se sobre os balaústres. O príncipe fez o mesmo, mantendo uma distância respeitosa entre os dois.
― E o seu dia, como foi? ― questionou.
Curiosa, o observou. Para ela, as atitudes dele eram inconsistentes. No geral, ele parecia uma pessoa extremamente atenciosa e adorável, mas ela não podia ignorar o que havia visto naquela manhã. Ela apenas precisava encontrar uma abertura para falar sobre isso.
― Foi um dia agradável. ― desviou o olhar, ainda pensativa. ― Eu tive a chance de conversar com uma das selecionadas e com o príncipe .
virou o corpo em noventa graus para ficar de frente para , apoiando o cotovelo direito sobre a balaustrada. apenas inclinou o rosto em sua direção.
― O que foi? ― Ela deu um tom inocente à sua pergunta.
― Você e parecem estar se dando bem.
― Acho que temos algumas coisas em comum.
― Isso é muito irônico. ― tornou a olhar para frente. ― Eu estou fazendo o possível para conseguir a sua atenção, e você favorece o ?
― Você está imaginando coisas. ― fitou . ― Está com ciúme, é isso?
― É claro que estou.
― Não deveria ser eu com ciúmes? Lá fora estão outras onze garotas literalmente disputando pelo seu afeto. Até onde eu sei, você pode me dizer hoje que sou sua favorita e, eu não sei, dizer o mesmo para a Mareena quando for visitá-la.
Apenas disso isso e olhou nos olhos. Pronto. Agora, ele sabia que ela sabia. Pela forma como os seus ombros de encolheram, sabia que ele havia entendido o recado.
― Você sabe o que a Seleção significa, ?
― Sinceramente, não.
― Significa que o reino está enfrentando dificuldades. Isso não é novidade, muito menos segredo. Você deve ter tomado conhecimento dos ataques rebeldes. ― Ele encarou , esperando pela sua confirmação. ― O povo precisa de uma distração. Algo que os dê esperança, que os deixe animados. Algo como a Seleção.
― Então a Seleção é apenas uma distração?
― Para o povo, sim. ― Ele cruzou os braços e virou de frente para a porta que dava para a sacada, apoiando agora as costas na balaustrada. ― Para mim, é o meu futuro. O povo não tem muito apreço por , então dificilmente acompanhariam uma Seleção para ele, e é o segundo na linha de sucessão do trono. Eu, por outro lado, sou o príncipe mais novo. A minha esposa não se tornaria rainha, então sou como uma jogada segura.
permaneceu quieta. Ela não sabia o que dizer e, além disso, sentia que nada precisava ser dito ainda. estava visivelmente concentrado em seu próprio raciocínio.
― Esses são os termos. Todo o país vai me acompanhar enquanto busco pela minha futura esposa, enquanto torço para que entre essas doze mulheres que escolheram esteja o amor da minha vida. Enquanto torço para que, no final, a escolha seja realmente minha.
― Deve ser difícil para você.
― Honestamente ― ele deu de ombros. ― Eu sabia que seria assim. As circunstâncias não são ideais, mas eu encontrei a minha maneira de lidar com isso. Da mesma maneira que eu te trato, eu trato todas as outras. Porque uma de vocês vai ser minha noiva no fim desse processo. Desse modo, mesmo se no final a decisão não for minha, a minha noiva não será uma estranha. Você acha que isso faz sentido?
Nada foi dito por longos segundos. precisava processar o que ele havia dito. E ele parecia preso em seus próprios devaneios. Lá fora, o céu já estava escuro, mas havia poucas estrelas no céu. Quase como se elas estivessem dando aos dois privacidade. A Seleção parecia um evento glamoroso e romântico para um observador externo, mas só quem estava ali, vivendo aquilo, sabia que era muito mais complexo do que aparentava,
― Eu admiro a sua atitude. ― começou. ― Você está lidando muito bem com a situação. Eu não sei se agiria da mesma forma.
― Como você agiria? ― a encarou. Sua curiosidade parecia legítima.
― Eu provavelmente fugiria para um país distante, onde ninguém sabe quem eu sou, e começaria uma nova vida. ― Ela riu brevemente de sua resposta honesta disfarçada de brincadeira. , no entanto, não pareceu notar. ― Eu sinto muito se te interpretei errado e te julguei mal, acho que tudo o que me disse faz, sim, sentido.
― Está tudo bem.
― E, se for possível ― introduziu, engolindo em seco. ― Gostaria que me tratasse como uma amiga de agora em diante, não como uma selecionada.
Ele não respondeu de imediato, o que deixou levemente preocupada com a reação que ele teria. Ele estava sendo honesto, então ela achou que era o momento perfeito para dizer a verdade a ele.
― Está bem. ― Disse, por fim. ― Eu aprecio a sua honestidade, e é reconfortante ter uma amiga entre as selecionadas. Ainda mais uma amiga que tenho certeza que me dará um puxão de orelha quando necessário.
Ela estendeu a mão para , a qual ele não hesitou em aceitar. Os dois olhavam para o horizonte, e o silêncio parecia dizer tudo o que precisava ser dito.


Capítulo 8 ― NOT GUILTY

respirou fundo. Apesar de pequena e inofensiva, aquela sala conseguia ser extremamente intimidadora. As paredes brancas sem qualquer vida, a mesa de madeira completamente áspera e a lâmpada falha sobre sua cabeça, tudo formava um conjunto particularmente assustador, ela achava.
— Como você se declara? — O homem pequeno e irritante perguntou apenas por formalidade.
— Inocente.
Ele revirou os olhos. Aquela era uma causa perdida, sabia disso tão bem quanto o juíz, mas ela não desistiria. De canto de olho, ela fitou rapidamente seu pai e o inútil advogado que ele havia arranjado. Era uma piada, realmente. Não importava quantas vezes ela repetisse, eles pareciam veemente dispostos a não acreditarem nela. Seu pai se importava mais com a própria reputação do que com a filha. Ela não ficava surpresa, mas não podia evitar ficar decepcionada com a rapidez com que ele e o advogado haviam pensado em um acordo. Claro, ela não iria cooperar, mas era mesmo uma causa perdida.
— Por favor, elucide-nos com a sua versão dos fatos, senhorita — pediu o juíz.
— Claro. — Mais uma vez, ela respirou fundo. — Tudo começou há um semestre. Eu pratico taekwondo, e estava na época do campeonato nacional, eu estava me saindo bem na competição. Estava sendo muito desgastante e eu passava uma boa parte do meu tempo treinando.
Ela olhou para frente, para onde estavam os seus dois perpetradores, Ulisses e Ione. Eles possuíam expressões de indiferença tão irritantes nos rostos, sentia vontade de gritar todos os palavrões possíveis, mas resolveu preservar sua ficha criminal.
— Foi nessa época que o Ulisses se aproximou de mim. Eu estava me sentindo ansiosa por causa de toda a pressão e ele se aproveitou da minha vulnerabilidade. Ele vivia me chamando para sair, não porque gostava de mim, mas porque meu pai é o diretor da faculdade e ele queria ganhar benefícios
— Isso é especulação — Ulisses se intrometeu. — Você não pode dar ouvidos a ela.
— Silêncio! — O juiz exclamou. — Você terá a sua vez de falar.
Ulisses curvou os ombros para baixo e afundou na cadeira, e voltou a falar.
— Como eu ia dizendo… Por meses ele me chamou para sair e eu recusei, mas nessa época eu estava tão vulnerável que acabei aceitando. Começamos a namorar rapidamente, ele agia como um perfeito cavalheiro, tudo parecia um verdadeiro conto de fadas. Porém algumas vezes ele falava sobre a ex namorada dele, dizia que ela era louca, que vivia implorando para voltar com ele. Com o tempo, eu percebi que ele falava muito dessa garota, até demais, mas foi só quando ele sumiu uma semana inteira que eu notei que algo estava errado. — Ela fez uma pausa dramática. — Quando eu entrei nas redes sociais da ex dele e vi a foto dos dois juntos, achei que ele estava me traindo. Mas somente depois eu descobri que não, ele não estava me traindo com ela. Ele estava traindo ela comigo.
O advogado de fez um gesto sutil com uma das mãos, na tentativa de apressá-la. Ela teve que revirar os olhos. Aquela era sua única chance de contar a verdade e ela não iria desperdiçá-la.
— Quando eu descobri, eu imediatamente terminei tudo com ele — retomou. — Achei que fosse acabar por aí, mas eu estava enganada. Na mesma semana em que terminamos, eu comecei a receber várias ligações no meio da noite, nas quais uma voz feminina descrevia de quais jeitos ela iria acabar com a minha vida. Um tempo depois, a famosa ex namorada do Ulisses, a Ione, bateu na minha porta para me ameaçar. Era dela a voz no telefone. Desde então, eu não tive mais sossego. Ela me perseguia na faculdade, ela me trancava na sala de aula, colocava bilhetes ameaçadores no meu armário.
Conforme contava a história, agitava seus braços para acompanhar o fluxo da narrativa. Ao seu redor, no entanto, ninguém parecia muito crente na veracidade da sua fala.
— Isso durou semanas a fio, até que um dia nós nos encontramos na escadaria principal do módulo de esportes da faculdade. — Ela direcionou o olhar para Ione, que não poderia estar com uma expressão mais cínica no rosto. — Sempre que a vejo, eu tento sair do seu caminho o mais rápido possível, mas dessa vez eu não consegui. Ela me empurrou da escada, eu rolei por três lances inteiros, machuquei a coluna e a minha perna direita permanentemente. E então eu tive que dizer adeus às olimpíadas. Nunca mais poderei lutar.
Ao fim de sua fala, teve que fazer muito esforço para não chorar. Ela havia passado quase toda a sua vida praticando esportes e artes marciais. Por esse motivo, ela era faixa preta em uma idade tão jovem. E, agora, ela estava tendo sua maior paixão tirada de si tão de repente que ela mal conseguia conciliar tudo. Da maneira como as coisas estavam caminhando, contudo, ela achava que abandonar o dobok era a menor de suas preocupações.
— Certo. — O juiz folheou alguns dos papéis que estavam sobre a sua mesa antes de apontar para Ulisses. — Agora conte a sua versão, jovem.
Ele e a namorada se entreolharam brevemente, ela o encorajando a seguir em frente. amaldiçoou-os mentalmente, impressionada com tamanha descaração.
— Tudo começou há um semestre — ele deu início ao seu depoimento. — Eu e a minha namorada estávamos dando um tempo do nosso relacionamento. Nessa época, eu e a tivemos um caso curto. Eu terminei tudo porque ainda estava apaixonado pela Ione. Nós retomamos o nosso namoro, mas a não lidou muito bem com isso. Na verdade, foi ela quem fez tudo isso. Ela perseguiu a minha namorada na universidade e com ligações e cartas ameaçadoras. — Ele abraçou a namorada mais forte. — Um dia, elas se encontraram na escadaria e a tentou empurrar a Ione escada abaixo, mas ela conseguiu se desvencilhar e foi a quem caiu. Essa é a história toda.
Nesse momento, espiou a reação do juiz, tentando capturar alguma evidência do seu parecer quanto ao caso, mas nada em seu rosto deixava passar qualquer coisa. suspirou, preocupada. O juiz voltou a folhear seus papéis.
— Nesse caso, não existem provas. — Afirmou.
amaldiçoou a si mesma por não ter guardado nenhum dos bilhetes, não ter gravado nenhuma das ligações e não ter testemunhas. Ela nunca havia sequer comentado com um amigo sobre as ameaças. Ela não havia se precavido porque não imaginou que a situação fosse tomar proporções tão grandes. Ela tinha medo, mas torcia para ser apenas um medo bobo. Tudo parecia se tratar apenas de um terror psicológico, ela não imaginava que Ione e Ulisses fossem fazer qualquer coisa contra ela, então ela ficou perplexa quando recebeu uma notificação judicial.
Era realmente surpreendentemente como todos instantaneamente haviam acreditado na versão de Ione dos fatos. As pessoas acreditam na versão de quem conta a história primeiro, dissera seu pai. Afinal, o que era mais provável? Que Ione, uma ginasta artística, houvesse empurrado da escada ou o contrário? Ser uma lutadora definitivamente não foi favorável naquela situação. Em cerca de dias, ela havia perdido todos os seus patrocínios, o respeito de todos os colegas e todos haviam se afastado dela, ela estava completamente sozinha.
Enquanto ela estava no auge de sua carreira, seu pai tinha orgulho de estampar seu rosto em todas as campanhas publicitárias da universidade. Então quando a reputação de foi por água abaixo, ele fez o possível para abafar a situação. Que credibilidade teria uma universidade cujo diretor é o pai de uma criminosa? Desde o princípio, ele estava disposto a encontrar um acordo com Ione e Ulisses para que eles retirassem as acusações. E eles quase teriam acordado, se não fosse pela relutância de em confessar.
Após deliberar por alguns minutos, o juiz reassumiu a palavra.
— Eu declaro culpada da infração de vias de fato.
De relance, conseguiu capturar um sorriso curto se formar no rosto de Ione.
— A pena é branda. — Explicou. — Tempo de cadeia de quinze dias, sessenta horas de serviço comunitário ou, se preferir, pagamento de dois salários mínimos para as vítimas.
Toda essa discussão judicial havia tirado todas as forças de . Em pouco tempo, ela havia perdido tudo, sua carreira, sua reputação e sua saúde. Ela já esperava que a sentença fosse essa, porque tudo parecia estar se encaminhando para esse fim desde o começo. Ela afundou o rosto nas mãos e deixou que seu advogado e seu pai assumissem.
Quando eles concordaram com o pagamento dos salários mínimos, se sentiu um pouco aliviada. Claro, aquilo estaria registrado no seu histórico criminal, mas uma vez que o valor estivesse pago, ela não devia mais nada a ninguém.
Assim que aquela sessão chegou ao fim, foi embora sem olhar para trás. Não queria mais ouvir a voz de nenhum deles, muito menos de seu pai, que a havia jogado debaixo do ônibus na primeira chance que teve. Mas, claro, ele não havia terminado com ela ainda. Naquela mesma noite, ele explicou para ela como seriam as coisas. Ela pegaria o primeiro voo para Clortos, um reino que ficava localizado literalmente do outro lado do planeta. Ele não queria mais ouvir falar dela, queria que ela fosse para o mais longe possível enquanto ele tentava fazer o controle de danos.
Ela não questionou porque não tinha forças, então apenas fez tudo o que foi instruída a fazer. Ela havia perdido tudo, então talvez se mudar para um país distante e recomeçar do zero fosse uma coisa boa. Ela queria muito acreditar nisso.

***


acordou bastante agitada. Em sua mente, ela ainda conseguia ouvir a voz ameaçadora de Ione. Era sempre assim, havia quase dois anos, esses pesadelos a atormentavam pelo menos algumas vezes todo mês. Mesmo que estivesse do outro lado do globo terrestre, ela ainda sentia medo. Ela e seu pai haviam acordado que ela ficaria longe um ano, e somente depois que ele houvesse assumido o controle da situação, ela poderia voltar para o Brasil. Mas ela não voltaria de jeito nenhum. Por isso ela estava ali, por isso precisava da cidadania, para finalmente deixar sua antiga vida para trás. Somente quando pudesse ficar permanentemente em Clortos, ela poderia se dar ao luxo de criar laços, de fazer daquele reino o seu lar.
se endireitou na cama, tentou voltar a dormir, mas ela sabia muito bem que essa era uma causa perdida. Após ponderar por alguns instantes, ela calçou suas sandálias e saiu do quarto, decidida a dar uma volta no castelo. Ela não sabia se tinha permissão, mas resolveu fazê-lo mesmo assim, realmente precisava respirar um pouco. Seu quarto era extremamente confortável, mas, sozinha e com as portas fechadas, ela se sentia aflita.
Enquanto vagava pelos corredores do andar onde ficavam os aposentos das selecionadas, conseguiu escutar uma melodia. Ela sabia que não podia acessar o andar de cima, porque esse era da família real, então, ao notar que o som vinha de algum dos pisos inferiores, ela decidiu segui-lo.
Não foi difícil encontrar a origem da música. Em um salão aberto consideravelmente distante, avistou um piano. Um piano de ouro. Em sua curta estadia no castelo, ela havia visto diversos ornamentos dourados, peças de arte obviamente caríssimas, mas aquele piano era impressionante. E a música que saia dele era tão relaxante e agradável que ela quase não a notava. Quando a música foi interrompida bruscamente, ela foi tirada de seus pensamentos.
— Desculpe — disse o homem à frente do piano. — Eu te acordei?
Dada a pouca luminosidade e a distância que estava, ela demorou alguns segundos para reconhecê-lo.
— Não, não acordou. — Garantiu. — É um belo piano, vossa alteza.
Ele riu.
— É uma relíquia de família. Está conosco há gerações — explicou. — Pensei que você e eu já tivéssemos abandonado as formalidades, senhorita . Quando considerar adequado, pode me chamar simplesmente de .
— É bom saber, .
No seu próprio passo, se aproximou do piano.
— A música também é muito bonita. — retomou.
— Fico feliz que ache isso. — Ele deu um sorriso amigável. — Não estou acostumado a ter uma plateia
— Você sempre toca nesse horário?
— Para ser honesto, eu dificilmente toco piano. Nunca me sobra tempo.
— Então eu acabei de presenciar um evento raro?
— Pode-se dizer que sim.
Os dois sorriram. se sentou no parapeito da janela ligeiramente mais próxima ao piano, limitando a distância entre ela e o príncipe a talvez um metro e meio ou dois. Ela fixou seu olhar no horizonte estampado pela superfície de vidro da fenestra na parede.
— Dia difícil? — perguntou a , porém sem olhá-lo nos olhos.
— Sim. — Ele foi honesto, mas vago. — Não consegue dormir?
— Não.
— Dia difícil? — O jovem príncipe repetiu a pergunta anterior de .
— Sim. — E ela repetiu a resposta.
— Você provavelmente já ouviu isso diversas vezes, mas acreditem em mim: com o tempo, melhora. Você se aprende a lidar com o ritmo do palácio, com a atitude das pessoas, com toda essa pressão.
— Eu espero que você esteja certo.
— E, de qualquer forma, você pode contar comigo. — Ele acrescentou amigavelmente. — Comigo, com o , e até mesmo com o . Se algum de nós puder fazer algo por você, por favor, peça. Não fique intimidada porque somos príncipes.
riu consigo mesma.
— Eu não fico. — Admitiu.
— Tem razão. — riu também, certamente lembrando-se de todas as vezes que havia falado com os príncipes de igual para igual.
Enquanto ria, pensou em como todos os três eram diferentes. possuía um ar mais brincalhão e ingênuo, falava sempre sorrindo. era mais sério, mas ainda assim gentil e amigável, exalava um ar de sabedoria e responsabilidade, mesmo sendo jovem. , no entanto, era sério e distante. Impenetrável à primeira vista, porém uma pessoa boa.
não se julgava uma pessoa muito boa para avaliar caráter, mas depois de ter perdido tantas coisas por se deixar enganar, ela começou a prestar mais atenção nas pequenas coisas; nas expressões faciais e corporais e no ritmo da fala. Ela não era nenhuma perita, mas se tornou uma boa observadora para se proteger. Mesmo que não os conhecesse por muito tempo, ela podia sentir a verdade na fala de . Ela sentia que podia, sim, contar com eles. Ela ficou mais tranquila com isso.



Capítulo 9 ― PRINCES & COMMONERS

— Então… — começou a dizer. — A senhorita agrediu o meu irmão mais velho?
sentiu um calafrio percorrer seu corpo nesse momento. Ela quase não se lembrava disso, mas era verdade, realmente tinha acontecido. Mesmo que não houvesse muito tempo desde esse fato, parecia uma eternidade. Ela estudou a expressão do príncipe do meio, tentando descobrir se ele falava isso sério, curioso ou brincalhão, para que pudesse agir de acordo. Ele parecia apenas genuinamente curioso.
— Sinceramente… — deu um sorriso culpado. — Quando você coloca assim, a situação parece muito desfavorável para mim.
riu, ajeitando-se no banco do piano, colocando cada uma das pernas em um lado diferente, enquanto fitava , intrigado.
— Se você não me contar a história, eu não terei outra alternativa a não ser ver a situação dessa maneira — ele insistiu.
— Seu irmão mais velho não te contou a história?
Mais uma vez, ele riu.
— Senhorita , você é literalmente a única pessoa que se refere ao como meu irmão mais velho, e não como o príncipe herdeiro.
— Mas ele é o seu irmão, não é? — deu um sorriso amarelo, culpado. — É… Crime ou algo do gênero?
— Não é crime, é apenas… Curioso. Eu até diria que é refrescante.
— Refrescante?
— Sim! — naturalmente abriu uma expressão feliz em seu rosto enquanto falava. — Quase como tomar um copo de água gelada em um dia de sol. Entende o que quero dizer?
— Se eu disser que entendo, estarei mentindo.
— A sua atitude em relação a nós, príncipes, é definitivamente singular. Quase como se não nos visse como príncipes, nobres ou de qualquer forma superiores a você.
— Sinceramente, príncipe , não me impressiona que você seja um príncipe.
O príncipe ficou visivelmente chocado com a afirmação da selecionada. Pasmo. Seu rosto formou uma microexpressão de surpresa, mas não conseguiu identificar em seguida nenhum sinal de que estava ofendido, então ela não se preocupou em elaborar melhor sua fala imediatamente.
— Não?
— Não. — Mais uma vez, ela estampou seu sorriso amarelo. — Digo… Você é príncipe apenas porque, por acaso, o seu pai é o rei. Isso foi apenas sorte. Se você fosse um presidente, tivesse sido eleito, conquistado seu cargo, eu ficaria impressionada.
— Então o motivo da sua petulância é que… Você acha que eu não mereço respeito porque tive sorte no meu nascimento?
— Não! Não, por favor, não me entenda mal. — abanou as mãos, descartando essa ideia. — Eu acho que todo mundo merece respeito. Não seria diferente com você, mesmo que você seja um príncipe. O que eu estou dizendo é que é difícil, para mim, te tratar de uma maneira diferente porque você é membro da família real. Quero dizer, olhe para você, nós temos praticamente a mesma idade. É engraçado que eu tenho que me curvar quando você chega.
balançava a cabeça horizontalmente, sua expressão indecifrável, enquanto ouvia o que lhe dizia. Por um segundo, ela pensou se não deveria ter ficado quieta. Ela havia hipnotizado o rei no primeiro dia que havia dividido o mesmo teto que ele. Seria realmente chocante se ela fosse expulsa por ofender o príncipe.
Mesmo que você seja um príncipe… repetiu a fala de . Ele sentiu que precisava sentir aquela frase com sua própria boca para poder refletir sobre ela. — Acredito que tais palavras nunca foram antes ditas.
abaixou os ombros, pensando se agora era o momento em que ela deveria pedir desculpas ou rir e fingir que era apenas uma piada.
— Você não cansa de me surpreender, senhorita . — Ele disse por fim. — Acho que ainda aprenderei muito com você.
— Acha?
— Eu tenho certeza, na verdade. Você tem razão. Tem toda razão, inclusive. — O sorriso voltou ao seu rosto. Não de felicidade, mas de interesse. — Acho que você vai nos dar muita dor de cabeça ainda, mas é bom ter por aqui uma pessoa que não tem medo de colocar um príncipe em seu lugar.
— É um alívio que pense isso. — admitiu, rindo levemente.
— Talvez você deva tomar cuidado com como age quando estiver perto do rei. — Ele disse como quem não quer nada, rapidamente, seguindo de imediato para a sua próxima frase. — Mas, por favor, sinta-se livre para colocar um pouco de juízo na cabeça do meu irmão mais novo.
não respondeu, apenas aumentou o sorriso que levava no rosto, e virou o olhar para a janela, para a paisagem do lado de fora do castelo. Ao longe, ela conseguia identificar uma figura distinta caminhando pelas sombras, aproximando-se do castelo em passos largos. seguiu o olhar de a tempo de ver o príncipe herdeiro direcionar o olhar para a janela onde os dois se encontravam e mudar a direção para a qual estava caminhando. Agora, ele estava indo naquela direção. Pelas suas contas, imaginou que ele levaria cerca de dois, no máximo cinco minutos para chegar até ali.
— Por falar no … — retomou. — Não pude de deixar de notar que nós desviamos da minha pergunta.
— Eu estava torcendo para que você tivesse esquecido.
— Não é algo simples de esquecer, não acha?
sabia que a verdade sobre o momento em que ela abordara o príncipe herdeiro nos fundos do palácio de Moiras não a incriminaria, e o ocorrido não era exatamente um segredo, então ela se forçou a ficar mais tranquila e contar a história.
— O príncipe herdeiro parecia encrencado. — Ela começou. — Ele estava cercado de alguns homens armados, mas não eram armas de fogo, eram barras de ferro, pés-de-cabra, essas coisas. Ele parecia estar em desvantagem e, mesmo que eu não pudesse oferecer muito, resolvi tentar ajudá-lo.
— Decidiu ajudá-lo pela bondade no seu coração?
— Porque eu queria que ele me indicasse para a Seleção. — não mentiu. Ela sentia que o melhor a fazer era abrir o jogo aos poucos, revelando verdades que, tiradas de contexto, poderiam prejudicá-la. Torcia para que o príncipe estivesse tão interessado na história que não prestasse atenção nesse detalhe. — Então eu criei uma distração.
— E foi nesse momento que você socou o meu irmão?
— Sim. Exatamente. Eu queria me enfiar entre aquelas pessoas sem que elas me vissem como uma ameaça, então pensei que bater no príncipe funcionaria.
— Bater no príncipe herdeiro… — comentou, bastante impressionado. — Isso sim é crime. Um crime bem grave, inclusive.
— Mas foi para defendê-lo, e, além do mais, eu nem usei a força.
— Ela usou a força, sim. — O príncipe fez-se ouvir assim que entrou no salão onde os dois estavam.
— Irmão — cumprimentou-o. — Por favor, junte-se a nós. A está contando a história de quando vocês se conheceram.
— Você não cansa de ouvir essa história, ? — repreendeu.
— Não me canso. Nunca perde a graça.
— Espera. — se intrometeu. — Você conhecia a história? Mas você me garantiu o contrário.
— Eu não conhecia a sua versão. — Ele deu de ombros, culpado. — Mas é claro que eu já ouvi a história. Por horas não se falava de outra coisa dentro desse castelo. Todos os guardas e criados estavam comentando a esse respeito.
— Sério?
— Seríssimo. Você é a heroína deles. Todos queriam ter a chance de socar o .
não pôde deixar de rir quando o príncipe mais velho se aproximou e socou o ombro de , brincalhão. Ela achava divertida a amizade dos príncipes. Achava… Refrescante.
— Se isso é verdade, fico surpresa de eu não ter sido levado presa. — Fez uma pausa. — Inclusive, hoje um guarda foi ao meu quarto me escoltar para o almoço. Eu tinha certeza que sairia dali algemada.
e se entreolharam rapidamente. Tentaram disfarçar, mas os havia flagrado, então eles sabiam que teriam que explicar o que estavam escondendo.
— Isso quase aconteceu. — A resposta veio de .
— O que quase aconteceu?
— Quando o rei ficou sabendo o que ocorreu… — assumiu a fala. — Ele quis te expulsar da Seleção. Queria que fosse exilada. Ele é muito rígido, não tolera esse tipo de comportamento, mas o o convenceu a te deixar ficar.
— Eu… Não sei o que dizer. — Ela estava realmente sem palavras. havia convencido o rei a deixá-la ficar na competição? Logo ele? — Você pediu para o rei me deixar ficar?
— Claro que não. — Ele caminhou para o lado do piano, desconfortável. — Pare de falar coisas sem sentido, . Até parece que eu perderia o meu tempo e o tempo do rei com uma coisa dessas.
Disse isso e virou o olhar para o piano, não olhando ninguém nos olhos. sorriu. Confusa, sem entender nada, mas sorriu de qualquer maneira. Só então ela percebeu o objeto que o príncipe carregava em suas mãos. Era uma fita vermelha. O príncipe tinha uma fita vermelha enrolada entre os dedos. Percebendo o olhar de , ele escondeu as mãos atrás do corpo, pedindo silenciosamente para que ela não fizesse perguntas. Ela notou e respeitou seu pedido. Mas não podia evitar ficar curiosa.
— Por que vocês estão acordados a essa hora? — quis saber.
— Não foi nada combinado. Eu não conseguia dormir, o estava tocando piano, e eu segui a melodia até chegar aqui.
Assim que terminou de falar, direcionou o seu olhar para os portões do salão, onde ela viu olhos espertos observando-os. Era Yehee. Ela os havia encontrado ali. Quando a outra selecionada percebeu que havia sido flagrada, ela foi embora, mas o estrago já havia sido feito.
rapidamente correu os olhos pelos arredores. Ela estava a uma distância aceitável dos príncipes. tentou descobrir se, de onde estava, Yehee havia conseguido escutar a conversa. Se sim, até que parte ela teria escutado? Sua mente em um turbilhão de pensamentos, ela tentou refazer a conversa na sua cabeça, tentando descobrir se havia algo que poderia ser usado contra ela. Conhecendo Yehee, ela esperava pelo pior.
Não estava fazendo nada de errado. Não havia nada que a proibisse de falar com os outros príncipes. Mas, em sua experiência própria, não duvidava que Yehee pudesse de alguma maneira distorcer a situação e prejudicá-pa. Ainda, ela temia encontrar Yehee no caminho de volta para o quarto. Será que ela estava por perto, esperando para abordar ? Ou talvez estivesse no seu quarto, planejando o que faria com o que havia visto.
pareceu ler seus pensamentos.
— Quer que eu te acompanhe até os seus aposentos, senhorita ?
— Por favor.
Os dois, então, se despediram de , o qual voltou a tocar piano, enquanto rumavam para o corredor dos quartos das selecionadas. Não conversaram durante o percurso, mas se sentiu melhor por ter o príncipe herdeiro ao seu lado. Yehee não poderia fazer nada com ele ali, poderia?
andava lentamente por conta de sua perna deficiente, mas já parecia estar acostumado ao seu ritmo. Por sorte, eles não encontraram Yehee no caminho de volta. Quando parou em frente ao seu quarto para abrir a porta, ela se virou para agradecer ao príncipe herdeiro, mas ele havia seguido seu caminho. Apenas virou o corpo para trás por um segundo e inclinou a cabeça rapidamente, despedindo-se. ficou grata ao entender o que ele estava fazendo. A princesa Mareena dormia no quarto da frente. Era melhor que ela não visse o príncipe herdeiro levando até a porta do quarto.
Uma vez dentro do quarto, trancou a porta por dentro. Talvez estivesse se preocupando demais, mas ela preferia evitar surpresas. Suas criadas tinham a chave, então não teriam problemas para entrar no quarto na manhã seguinte.
Sem surpresa, não dormiu bem no resto da noite. Estava preocupada com o que poderia acontecer. Temia pelo pior, porque sabia que ele viria.
Mas ele não veio.
Pelo menos, não de imediato.
O resto da semana correu sem grandes acontecimentos. No final de semana aconteceria o Festival da Iluminação no reino de Clortos. Uma festividade tradicional que visava honrar e homenagear os antepassados. Havia tanto a ser feito que todos do castelo se mantinham ocupados. nem viu o rastro dos príncipes nos dias seguintes. Os criados andavam de um lado para o outro carregando materiais e decorações, sempre apressados. Até mesmo as selecionadas tinham atividades para desenvolver.
Durante o festival, toda a área do reino era iluminada com lanternas de papel feitas a mão, confeccionadas por todos, da realeza até as pessoas comuns, então as selecionadas estavam incluídas. A mídia estava presente com força no castelo. Por sorte, nenhuma delas precisava dar entrevista. As câmeras eram apenas para registrar as atividades. As selecionadas apenas seriam entrevistadas na sexta-feira, no jornal oficial.
Com toda a correria, praticamente não teve contato com as outras selecionadas. Ela preferia ficar na varanda do quarto enquanto confeccionava suas lanternas. Volta e meia, porém, ela ouvia durante o almoço cochichos sobre uma selecionada ou outra que alegava ter se encontrado com o príncipe . Mas não se preocupava com isso. Na verdade, ela praticamente não teve preocupações durante a semana, por todo o trabalho que tinha para fazer.
Mas, claro, quando a sexta-feira chegou, e com ela a entrevista no jornal oficial, todas as suas preocupações anteriores voltaram com força. Tendo seu rosto estampado ao vivo em todas as as televisões do reino, ela não podia cometer qualquer deslize.


Capítulo 10 ― PROXIMITY

Todo o palácio estava visivelmente agitado com a aproximação da entrevista com as selecionadas. Não somente pela entrevista em si, mas pelo que ela representava. Ela marcava o início da Seleção, e era o primeiro momento em que era possível dar uma espiada na opinião pública sobre o evento. O reino de Clortos estava sendo foco de pequenos ataques rebeldes havia alguns meses e a Seleção seria a primeira notícia intencional repassada pelo reino; a primeira vez em que a família real faria um pronunciamento oficial sem ser para falar de casualidades.
Até onde sabia, a última Seleção havia ocorrido há cerca de seis anos. Menor e menos importante, apenas para escolher a esposa de um marquês. O evento havia sido bem recebido pelo público e o marquês em questão havia triplicado seus bens, e comprado o título de duque. Até os dias atuais, o casal formado ao fim do evento era bem visto pelo público.
A Seleção era um evento que dividia opiniões, entretanto, mas não era possível negar a sua relevância. Enquanto tomava seu café da manhã entre e Laurette, ela não intencionalmente direcionou o olhar para a família real por alguns segundos, e percebeu que o príncipe a estava fitando. Quis desviar o olhar por instinto, mas o príncipe mais velho fez um movimento rápido com os olhos que lhe chamou a atenção. Ele alternou rapidamente olhares entre a jovem selecionada e a janela ao sul, que exibia a colina na qual os dois haviam se encontrado no outro dia. Ao menos foi como o interpretou.
Ela fez uma cara de cansaço e frustração, e ele revirou os olhos, o que confirmou suas suspeitas. queria conversar com ela no topo da colina. Ela respirou fundo e analisou os arredores. O rei não estava presente. Seria algo relacionado a isso? Em sua rápida inspeção, ela notou que Yehee a estava encarando. Quando percebeu que segurava a atenção de , ela direcionou o rosto para o príncipe e então novamente para , indicando que ela havia visto a interação dos dois. E ela havia flagrado o momento que ela e os dois príncipes mais velhos haviam compartilhado alguns dias antes. Yehee deu uma risada maliciosa antes de voltar sua atenção para seu café do amanhã. tentava decifrar aquele sorriso quando Laurette interrompeu sua linha de raciocínio.
― O que vocês vão vestir hoje a noite?
― Minhas criadas passaram a semana inteira preparando um vestido roxo e cinza para mim ― foi a primeira a responder. ― Minha família acredita que é importante usar as cores oficiais da Casa durante as entrevistas.
― A minha família pensa justamente o contrário ― Laurette replicou. ― Eles querem que eu use as cores da família , para convencer o subconsciente das pessoas que eu combino bem com a família real ou algo assim.
― Parece uma boa estratégia. ― E virou-se para . ― E você, , o que vai vestir?
― Ainda não sei. ― Foi sincera. ― Talvez algum vestido branco para mostrar como eu ficaria bem de noiva.
Era uma brincadeira, claro, mas pareceu dar ideias às outras duas garotas. aproveitou que as duas estavam entretidas e focou em terminar de comer, tentando não pensar em nada, não se preocupar com nada. E surpreendentemente deu certo. Ela evitou direcionar o olhar para a família real e qualquer uma das selecionadas que não as duas que estavam sentadas em seus dois lados. E o café da manhã não se estendeu muito mais além disso.
Antes de chegar no topo da colina, já conseguia ver o príncipe herdeiro sentado próximo a árvore. Ele estava com uma flor nas mãos, e arrancava as pétalas uma por uma, com o olhar fissurado.
― Em quem você está pensando? ― quis saber.
Ele, que parecia não ter notado a aproximação da garota, tomou um leve susto ao ouvir sua voz.
― O quê? ― Seu tom de voz indicou confusão.
― Por que está arrancando as pétalas dessa flor?
― Ah. ― Ele suspirou. ― É um costume idiota de Clortos. Se uma flor tem uma quantidade par de pétalas, você terá um dia bom. ― E continuou removendo as pétalas. Quando sobrou apenas uma e o príncipe fez que ia franzir a sobrancelha, agilmente removeu a pétala restante. ― Por que fez isso?
― A gente pode considerar que a flor tinha uma quantidade par de pétalas se uma delas foi removida por forças da natureza? ― Riu, malandra.
― Não acho que isso possa ser considerado uma força da natureza.
― Pois eu acho que sim. Então fique feliz, príncipe herdeiro, você terá um dia bom.
Disse isso e se sentou ao lado do príncipe na árvore. Próxima dele, mas não a ponto de se tocarem.
― Por que quer falar comigo? ― quis saber.
― Eu… Não sei ao certo. ― Juntou as mãos e olhou para o palácio ao longe. ― Você parece ser boa em causar boas impressões. Digo, o e o falam muito bem sobre você. Eu queria saber como… Como eu… Poderia…
― Posso te fazer uma pergunta? ― o interrompeu.
― Ah. ― Ele pareceu surpreso. ― Claro.
― Você sabe andar de cavalo?
― Que tipo de pergunta é essa?
― Na ficção todos os príncipes sabem andar de cavalo.
― Todo mundo sabe andar de cavalo.
― Eu não sei.
― Como não?
― Eu não sei, nunca tive a oportunidade.
― Se você tivesse me dito antes, eu nunca teria te indicado para a Seleção. ― Ele revirou os olhos. ― O que vão pensar de mim se souberem que eu indiquei uma moça que não tem o mínimo de preparo?
Pelo olhar de , podia ver que ele estava tentando fazer uma piada. Sua tentativa frustrada a fez rir. E ele soltou um pouco de ar pelo nariz em seguida, como as pessoas fazem quando querem rir, mas não tanto. De repente, ele tirou a máscara do rosto, aquela que cobria o seu olho azul, e sabia que ele já se sentia mais confortável.
― Então eu sou boa em causar primeiras impressões? ― Ela deu um sorriso cínico.
― Aparentemente. ― Defendeu-se. ― E eu gostaria de pedir sua ajuda com algo.
― Certo. ― Ajeitou o corpo. ― Em que eu posso ajudar?
― O rei teve que ir para Illéa essa manhã para alguma reunião muito importante. ― Pela escolha de palavras do príncipe, não pôde deixar de notar que ele não parecia saber do que se tratava a tal reunião. ― Então eu, como príncipe herdeiro, terei que assumir seu posto hoje no jornal do reino.
― Você nunca fez isso antes?
― Já, mas nunca fui bem sucedido.
― Entendo. ― pensou um pouco. ― Então você quer minha ajuda para parecer simpático?
― Não sei se simpático é a palavra certa.
riu.
― Para começar, você poderia não usar essa máscara ― e apontou para o objeto tapa-olhos no chão. ― É um pouco intimidador.
― Não. ― Foi firme. ― Isso está fora de questão.
― Tudo bem. ― resolveu não insistir no assunto. ― Bom, o jornal hoje não é sobre você. É sobre o e sobre a Seleção. Apenas tente parecer solidário. Não se preocupe em ser um bom príncipe ou bom futuro rei, seja apenas um bom irmão. É isso que as pessoas querem ver.
Ele ficou calado por alguns segundos.
― Isso… Até que faz sentido.
― Agora é a minha vez. ― E cruzou os braços. ― Hoje eu serei entrevistada no jornal. Mas nunca passei por isso antes. Como geralmente são essas coisas?
― Você só precisa ser você mesma.
― Esse conselho é péssimo. Qual é? Me dê algo melhor.
― Estou falando a verdade. Apenas aja como você age com os outros príncipes, e eles vão gostar de você.
― Se eu agir como ajo com os outros príncipes, tenho certeza de que sairei de lá algemada.
Foi a vez do rir. Dessa vez, um sorriso maior do que os anteriores. Não era uma gargalhada, mas era um progresso.
― É uma possibilidade.
riu como resposta.
― Podemos fazer o jogo das cinco perguntas? ― sugeriu.
― Que tal o jogo das duas mentiras e uma verdade? ― fez uma pausa, mas explicou o jogo logo em seguida. ― Eu te pergunto uma coisa, e você me dá três respostas diferentes, mas apenas uma é a verdade.
― Mas esse jogo não faz sentido. Como eu saberei qual é a verdade?
― Essa é a graça.
― Não tem graça.
― Você não tem graça.
― Tenho uma contraproposta.
― Vá em frente.
― E se… Depois de dar as três respostas, a outra pessoa tenta adivinhar qual é a verdadeira, e se ela acertar, a primeira pessoa tem que se explicar melhor. E se não acertar, a primeira pessoa apenas diz qual é a verdade e não dá mais detalhes.
― Eu gosto dessa sugestão. E eu começo. O que houve com o seu olho?
A pergunta de pareceu surpreender o jovem príncipe, e a surpresa dele surpreendeu , por sua vez. Não era óbvio que ela teria curiosidade sobre isso?
― Você não sabe? ― Sua voz indicava o quão incrédulo ele estava.
― Não. ― E ela respondeu inocentemente.
― Você está zombando de mim?
― Você não me conhece nem um pouco, príncipe?
Ele ficou em silêncio por um segundo, ponderando sobre a pergunta da garota. Era fato, ela era uma estrangeira e havia chegado naquele pequeno reino havia relativamente pouco tempo, mas como era possível que não houvesse escutado nem uma fofoca sequer?
― Faz muito tempo. ― Começou. ― Eu me encontrei no meio de um incêndio. ― Ao dizer isso, mexeu ansiosamente em uma fita vermelha amarrada em seu pulso. ― Ou eu me envolvi em uma briga com facas. Ou… Cai de cavalo.
Mesmo aquele sendo um assunto extremamente delicado para o príncipe, achou engraçado como ele era péssimo naquele jogo. A resposta correta era claramente a primeira opção dada por ele, porque era a única que o havia deixado inquieto, mas não queria que ele se sentisse mal.
― Difícil dizer ― fingiu. ― Mas… Hum… Acho que o incêndio. Ou talvez o cavalo? ― Fez uma pausa curta. ― Não, não. Minha resposta final é o incêndio.
meneou com a cabeça, confirmando o que já era óbvio. Ele esperou um pouquinho antes de se explicar melhor, conforme o combinado. Aparentemente, aquilo não era segredo. Era de conhecimento geral. Então não havia por que esconder algo que poderia muito bem descobrir se perguntasse a qualquer pessoa.
― Eu estava no lugar errado, na hora errada. ― Murmurou. ― Foi quando as coisas começaram a pegar fogo. Literalmente. Tive queimaduras sérias no rosto e no corpo. Os ferimentos no meu globo ocular direito foram tão graves que não houve restauração. Meu olho direito é de vidro, e completamente inútil. Achei que soubesse.
virou o rosto para , para que ela pudesse dar uma olhada de perto, mas ele não conseguiu sustentar o olhar da jovem por muito tempo. Dentro de poucos segundos ele desviou o olhar, mas sem mover o rosto, de modo que ela podia ainda observar seu olho, mas ele não a veria o fazendo.
Com pouquíssima destreza, sentou sobre os seus joelhos a fim de se aproximar do mais velho dos príncipes. Delicadamente, ela posicionou uma das mãos na bochecha esquerda de , movendo seu rosto novamente em sua direção, e observou-o com gentileza. O seu olhar era duro mas, de alguma forma, vulnerável. Ele desviou novamente e franziu as sobrancelhas, irritado.
― Pare de me olhar com esse olhar de pena.
suspirou.
― Não sinto pena de você. ― Deu de ombros. ― Apenas estava admirando uma pessoa bonita.
Foi sincera. Disse isso e desviou o olhar para o horizonte. Não era crime, era? Dizer que o príncipe era bonito. Era difícil não notar. Ele era forte e alto, tinha uma postura de líder. Os longos cabelos negros esvoaçantes pareciam combinar perfeitamente com os olhos do príncipe. O olho de vidro praticamente não era perceptível, só se você já soubesse e estivesse prestando bastante atenção. Além disso, na parte superior da bochecha do príncipe havia uma bastante sutil cicatriz de queimadura. Ele tinha pares de brincos em cada uma de suas orelhas. Certamente um ato de rebeldia, imaginava.
― Você não sente repulsa? ― Mais uma vez ele questionava a fala de . Ele não parecia ser capaz de receber elogios sem ter uma confirmação de sua veracidade.
― Suas cicatrizes não são repulsivas. Elas te dão profundidade, mas não te definem. Você é mais do que o seu olho de vidro. Eu sou mais do que a minha perna deficiente. ― Apoiou uma mão sobre a outra. ― E você é extremamente bonito. Mas deve ser difícil ver isso com um olho só.
E riu.
Esperou ouvir alguma risada ou reclamação, mas a réplica não veio. direcionou o olhar para o príncipe, a fim de capturar sua reação, e flagrou um olhando para o chão, com um olhar pensativo e intenso. Quando estava prestes a fazer um comentário, aproximou o rosto do dela decididamente. Segurou o rosto da jovem com uma das mãos, a puxou para perto e parou. Ela podia sentir sua respiração acelerada. Podia ver a dúvida em seu olho. Ela não soube reagir. Mas ela não precisou. se levantou de forma ligeira e se afastou sem dizer adeus.
ficou sem reação por mais algum tempo. Ele iria beijá-la. Não havia outra maneira de interpretar a situação. E se ele seguisse em frente, como ela reagiria? Ela retribuiria? O que ela pensava sobre aquilo? Um pequeno objeto preto no chão retirou de seus devaneios. havia deixado a sua máscara para trás.
coletou o acessório do chão e apoiou-o sobre as pernas. Não tinha pressa. A entrevista no jornal oficial de Clortos seria no começo da noite, mas as selecionadas haviam sido dispensadas pelo dia, para que se preparassem para o evento. Então não haveria almoço formal. aproveitou para respirar o ar puro daquele lado da propriedade real, e aproveitar a sua solidão por um tempo.
Quando o céu se fechou, indicando uma provável chuva, a jovem selecionada decidiu voltar para o castelo. Foi caminhando a passos curtos e preguiçosos, apenas se apressou quando sentiu as primeiras gotas de água tocarem sua pele. Ela riu enquanto andava. Não tomava chuva havia tanto tempo. A sensação parecia libertadora por algum motivo. Quando finalmente entrou no castelo, seu sorriso morreu. Esperando por ela estavam a princesa Mareena, Yehee e outras duas selecionadas.
Como se tivesse alguma espécie de radar, Mareena imediatamente avistou a máscara de na mão de . Ela esboçou uma expressão de surpresa, mas logo riu, virando-se para as outras selecionadas.
― Acho que não precisamos saber mais nada, meninas. ― Ela começou. ― Parece que temos uma ladra entre nós.
E tomou o objeto da mão de com agressividade.


Capítulo 11 ― BREAKING THE RULES

A jovem estrangeira ficou incrédula. Ela havia pensado em tantos possíveis desdobramentos, mas nunca poderia prever algo assim. Ela reagiria melhor se a acusassem de estar tendo um caso com o príncipe.
― O-o que? ― Balbuciou em meio às risadas.
― O que você é, ? ― A princesa Mareena quis saber. ― Cleptomaníaca, uma espiã ou simplesmente burra? Por que se arriscaria para roubar algo tão insignificante? Não faz sentido.
― Não faz sentido porque não é verdade ― defendeu-se. ― Eu estava… ― Fez uma pausa. O que ela poderia dizer? Que o príncipe havia deixado a máscara para trás e ela pretendia devolvê-la? A verdade levantaria muitos questionamentos, o que não seria bom para ela, e nem para o príncipe.
Pensou em fingir um desmaio, pensou em pegar a máscara e correr, mas nada parecia uma boa ideia. Olhou rapidamente para os lados, procurando algum príncipe, qualquer um dos três poderia ajudá-la. Mas não havia ninguém. pensou em hipnotizá-las, e para isso precisaria que todas as quatro se concentrassem em qualquer coisa. Então em um movimento rápido, ela tomou a máscara da mão de Mareena, fazendo com que todas subitamente olhassem para ela, curiosas sobre o que faria.
Respirou fundo antes de abrir a boca e prosseguir com seu plano de última hora, mas a princesa foi mais rápida. Ela segurou pelo pulso e forçou-a a virar de costas, deixando um dos braços da garota para trás e forçando-o contra sua coluna. Era extremamente doloroso, e sabia muito bem como sair daquela posição, afinal costumava ser uma artista marcial brilhante, mas ela tinha plena noção de que ela estava em menor número. Se ela se defendesse, as outras três selecionadas poderiam muito bem dizer que havia agredido Mareena ou algo do gênero, e ela não podia deixar isso acontecer.
O que Mareena fez a seguir fez ranger os dentes com força. Ela empurrou o corpo da jovem estrangeira para baixo, forçando-a a se ajoelhar. sentia tanta raiva que tinha vontade de chorar, mas não podia deixar que a vissem chorando. Também não podia se defender. A impotência era o pior sentimento de todos.
― Príncipe! ― Ouviu Yehee gritar. ― Príncipe, venha ver.
Ao direcionar o olhar para frente, avistou o próprio príncipe herdeiro virando o corredor. Desatento, ou talvez apenas preocupado, ele escondia seu olho direito com a mão, enquanto tentava manter a postura ereta. Ao ouvir os gritos da selecionada, ele olhou naquela direção e franziu as sobrancelhas quando notou aquela movimentação.
― O que está acontecendo aqui? ― Ele tentou soar imparcial.
Quando Mareena começou a explicar a situação, o príncipe arriscou olhar para . Ela estava encarando o chão, se sentindo vulnerável como não se sentia havia muito tempo..
― Vossa Alteza, nós estávamos caminhando pelos corredores e nos deparamos com a senhorita carregando isso. ― Soltou o punho de e estendeu o acessório tapa-olhos para ele. Sua voz até soava diferente quando ela conversava com o príncipe. ― Ela roubou uma de suas posses preciosas, príncipe. Nós estávamos prestes a levá-la até os guardas, mas que bom que você apareceu. Por favor, aplique a devida punição.
observou a cena que se desenvolvia em sua frente por mais alguns segundos. Yehee estava pressionando os lábios com força, abafando uma risada. As outras duas selecionadas pareciam mais cautelosas, entretanto. seguiu olhando para baixo. Não queria ver o príncipe enquanto se encontrava naquela situação. Ela o odiou por alguns segundos. Ele sabia a verdade, mas não estava pondo um fim ao seu sofrimento.
Após arrastados segundos de silêncio, o príncipe finalmente se pronunciou.
― Levante-se, senhorita . ― E enquanto ela o fazia, direcionou novamente o olhar para a princesa Mareena. ― Obrigado. Eu vou garantir que uma punição seja aplicada. ― Fitou , que ainda fugia do seu olhar. ― Venha comigo, senhorita.
E virou de costas, começando a caminhar. o seguiu com passos tímidos. Olhou para trás brevemente e viu que as outras selecionadas estavam rindo. Em silêncio, ela amaldiçoou cada uma delas.
Seguiram quietos por algum tempo. Ao se depararem com escadas, o príncipe virou para trás e fez que ia ajudar a subir, mas ela se desvencilhou de sua ajuda e subiu as escadas apressadamente. Quando chegaram até a porta de seu quarto, entrou primeiro e pediu que suas criadas se retirassem. Elas estavam trabalhando em alguma costura, mas obedeceram prontamente. Atrás dela, entrou no quarto e encostou a porta.
Ele se aproximou de e segurou seus pulsos, examinando-os rapidamente.
― Você está bem? Elas te machucaram.
o empurrou para trás.
― Por que você não disse nada?! ― Berrou. E começou a chorar nesse momento, pela primeira vez desde que havia chegado no castelo. Não tinha mais forças para continuar segurando. ― Tudo isso aconteceu por sua causa, porque você deixou aquela maldita máscara para trás, mas você não disse nada.
― Por que você não disse a verdade para elas.
― Ah, claro! ― Exclamou, cinicamente. ― Porque admitir que estamos nos encontrando secretamente vai fazer minha estadia aqui muito mais agradável.
Os dois ficaram calados uma vez mais. virou de costas para o príncipe, porque não queria que ele a visse chorando. respirou profundamente enquanto olhava ao redor. Era a primeira vez que entrava no quarto de , e detestava aquelas circunstâncias. Tentou fixar o olhar em um ponto aleatório da parede para não prestar atenção nos arredores.
― Eu sinto muito se te causei algum tipo de dor. ― Disse ele, honestamente. ― Não foi minha intenção.
suspirou e virou para ele por fim.
― A culpa não é sua. ― Admitiu. ― Eu sei que estou sendo injusta, mas é tão difícil estar desse lado. Toda essa competição, essa rivalidade. Tudo é extremamente desgastante.
― Bem vinda à vida no castelo. ― Havia uma pontada de dor em sua fala.
― É tão irônico. ― Afirmou a selecionada. ― Eu vim para cá, para Clortos, porque queria uma vida tranquila, longe de valentões, longe de injustiças. Por que eu entrei nessa cilada.
― Sinceramente, eu me pergunto o mesmo.
Seu comentário fez rir. Uma risada fraca e curta, mas que melhorou seu ânimo.
O sol já estava se pondo, o que indicava que os dois provavelmente já deviam estar se preparando para a tão aguardada aparição no jornal do reino. Os dois perceberam isso ao mesmo tempo, mas não falaram nada a respeito. Nenhum dos dois estava de fato animado para aquele evento.
― Eu posso te proteger, . ― Disse .
― Pode? ― Encarou-o com dureza. ― Da mesma maneira que me protegeu agora há pouco das outras selecionadas.
― Eu farei um trabalho melhor de agora em diante. ― Abaixou a cabeça, envergonhado. ― Eu prometo. Eu me tornarei uma pessoa que é digna da sua bondade.
sentiu o peso de suas palavras. Em pouco tempo, o príncipe havia passado a confiar nela, e ela nele. Mesmo que houvesse altos e baixos, ela conseguia entendê-lo melhor. Entender a origem de sua hostilidade, o motivo do seu comportamento, e podia perceber que ele estava genuinamente tentando ser bom para ela.
Sem pensar duas vezes, levou o corpo até o príncipe mais velho e enfiou-se dentro de um abraço. O herdeiro do trono pareceu tão desconcertado que nem soube como retribuir. Talvez ele simplesmente não soubesse como se comportar diante de um abraço.
Ela conseguia sentir o coração acelerado do príncipe contra o seu peito. Ou talvez fosse o seu próprio coração. Era difícil dizer. Os dois tinham tanta coisa passando pela cabeça, havia tanto a ser dito, mas nenhum sabia direito por onde começar.
Então se arriscou.
― Mais cedo, quando estávamos na colina. Você ia me beijar.
saiu do abraço de supetão, pego de surpresa por aquela pergunta. não sabia de onde havia tirado a coragem para perguntar aquilo, e nem sabia onde queria chegar com aquela conversa, mas por alguma razão estava feliz que havia perguntado.
― Eu… ― Olhou ao redor, procurando uma resposta. ― Não acho que consigo negar de uma forma convincente. Sim. Isso passou pela minha cabeça.
― Por que queria me beijar.
― Porque… ― Pensou um pouco. ― Eu não sei. Você… Me faz sentir como se eu não fosse a pior pessoa do mundo. Você me faz sentir e, em alguns momentos até mesmo acreditar, que eu valho a pena. ― Fez uma pausa prolongada. ― Você é a melhor pessoa que eu conheço.
Mais uma vez, a voz de saiu de uma maneira tão ligeira e intrépida que nem ela mesma acreditou no que disse.
― Então me beija.
não teve reação. Pelo menos, não de imediato. Ele estava perplexo. Em sua cabeça, criava inúmeras teorias em poucas frações de segundo, tentando entender o que exatamente estava acontecendo. Não parecia real. Muito pelo contrário.
― Tem certeza que é o que quer? ― Ele quis garantir. ― Não poderemos voltar atrás se ultrapassarmos esse ponto.
― Só me beija.
E ele obedeceu.
inevitavelmente tinha dúvidas pairando no lado consciente do seu cérebro. Ela não sabia ao certo por que havia feito aquilo. Mas ali, naquele momento, tudo pareceu certo. Tudo parecia se encaixar. O beijo de era como sua personalidade. Decidido, dominante e surpreendentemente doce. apoiou os dois braços nos ombros do príncipe e entrelaçou os dedos atrás do pescoço dele. Ele, por sua vez, posicionou suas mãos na lombar da jovem e puxou-a para perto, como se qualquer milímetro de distância o ferisse.
A garota transferiu as mãos para a nuca do príncipe, segurando-o com força pelos cabelos longos, e prolongou o beijo. Não havia muito tempo desde que havia descoberto que queria aquilo, e somente agora entendia como precisava daquilo. E nada mais existia. Eles não estavam no castelo. Não estavam enfrentando a seleção. Não havia mais ninguém. Era só e dividindo um beijo ardente e deliciosamente longo..
Ela evitava pensar nisso, mas a fazia sentir inteira. Mais do que uma selecionada entre doze. Mais do que uma jovem com um passado secreto. Mais do que uma garota deficiente. Mais do que a soma de suas partes.
Quando eles se afastaram, os dois se olharam nos olhos por alguns segundos até que finalmente disse o que ambos pensavam.
― Quebramos uma regra.
― Quebramos mais do que apenas uma regra.
E novamente o silêncio.
― Eu provavelmente deveria ir.
― Provavelmente, sim.
― Eu vou embora.
E tão ligeiramente que nem deu a a chance de acrescentar qualquer coisa, se retirou. As criadas voltaram logo em seguida, com várias ideias sobre como poderia se arrumar para a entrevista. Enquanto suas criadas faziam todo o trabalho, ela ficou em silêncio, com aquele beijo em sua mente. Ela não podia acreditar que aquilo havia de fato acontecido. Não apenas era um crime, como também poderia custar a sua participação na competição.
Ela não estava interessada no coração do príncipe , já havia deixado isso claro, inclusive para ele, e estava ainda menos interessada na coroa, muito pelo contrário, ela não precisava desse drama. Mas ela precisava ficar na seleção até o fim, e bastava aquele beijo chegar aos ouvidos de qualquer pessoa para que ela fosse expulsa, não apenas da competição, mas do reino. Aquele beijo poderia mandá-la de volta para o Brasil. Aquele beijo poderia ser o seu fim.
Enquanto Muriel passava um batom vermelho escuro em seus lábios, se sentia defensiva. Ela já havia beijado outras pessoas antes, ela sabia como beijos funcionavam, mas não pôde deixar de imaginar se havia como outras pessoas perceberem. Seus lábios eram os mesmos de uma hora atrás, antes de entrarem em contato com os lábios do príncipe. Nada havia mudado. Mas tudo parecia diferente. Será que ela parecia culpada? Talvez seu crime estivesse estampado em seu rosto. Isso era possível.
― Você está bem, senhorita ? ― Quis saber Kang.
Ela quase se assustou com a pergunta.
― Ah! ― Pensou por um segundo. ― Sim, sim. Tudo bem.
― Quando você e Vossa Alteza chegaram, você parecia um pouco incomodada, e agora que ele foi embora, você parece preocupada com algo. ― Comentou a senhorita Muriel.
― E sabemos que o príncipe herdeiro pode ser um pouco… Difícil. ― Acrescentou a outra, antes de receber uma leve cotovelada de Muriel.
Era uma observação simples e, em qualquer outra ocasião, indefesa. Mas havia beijado o príncipe, o que tornava a menor das suspeitas perigosa. Sem pensar duas vezes, rapidamente bateu as mãos uma na outra de supetão, como se fosse falar algo, capturando a atenção de ambas criadas, e antes que qualquer uma dissesse algo, se adiantou.
― Prestem atenção em mim. ― Disse rapidamente. ― Olhem para mim com muita atenção e escutem apenas o som da minha voz. Vocês sentem um pouco de sono, só um pouco, seus olhos começam a pesar um pouquinho, e então um pouco mais, e parece que simplesmente ficar com os olhos abertos é muito esforço. Eventualmente vocês se rendem ao cansaço e fecham os olhos, ouvindo somente ao som da minha voz. ― Fez uma pausa e observou que as duas criadas estavam com os olhos fechados. ― Vocês me ouvem.
― Sim, senhorita .
suspirou, ao mesmo tempo aliviada e triste por ter que fazer isso.
― O príncipe me indicou para a seleção, então temos essa conexão. Não existe motivo para vocês suspeitarem que temos qualquer relação além disso. Nem amizade, nem nada além disso. Sempre que vocês nos virem juntos, vocês vão lembrar disso, e nunca vão comentar sobre o príncipe e eu para ninguém, nem uma para a outra. Vocês me entendem.
― Sim, senhorita .
― Quando eu bater minhas mãos novamente, vocês vão abrir os olhos. Não terão mais sono e não vão se lembrar dessa conversa.
Bateu as palmas das mãos uma vez e sorriu para as duas.
― Será que podemos usar um batom mais sutil? ― pediu educadamente. ― Eu não quero chamar muita atenção hoje.
― Se você passar despercebida, como vai capturar a atenção do príncipe, ? ― A senhorita Kang perguntou, surpresa.
A jovem brasileira achou graça na ironia. Ela havia capturado a atenção dos príncipes justamente tentando ser invisível.
― Vou encantá-lo com a minha personalidade ― brincou.
As duas sorriram amigavelmente e começaram a ajustar a maquiagem de . Elas estavam trabalhando em um vestido esmeralda de seda muito chamativo, mas não teve coragem de recusar. Era óbvio que haviam passado muito tempo naquela peça e estavam tão animadas que ficou empolgada também.
Quando foi direcionada ao estúdio, ficou mais tranquila. Todas as outras selecionadas estavam muito mais adornadas que ela. Usavam jóias de diamante e ouro, e cores que representavam suas casas. Só então ela percebeu o motivo de suas criadas terem escolhido o verde.
Por estar um pouco atrasada, ela se juntou às poucas selecionadas que ainda não haviam entrado no estúdio. Ela via Yehee, mas não via Mareena ou . Certamente já estavam sentadas nas doze cadeiras reservadas para as jovens. De onde estava, atrás da cortina, ela conseguia ver a família real. Os príncipes , , e a rainha Sari.
Quando ouviu seu nome ser anunciado, deu passos lentos e ensaiados, mas pouco graciosos. Ela não queria cair. Não podia evitar seu caminhar manco, mas se fosse cautelosa o bastante não cairia. Ela não precisava disso em rede nacional.
Ao se sentar em seu assento, ela instintivamente direcionou o seu olhar para o príncipe herdeiro. Ele não olhava para ela. Parecia estar em seu próprio mundinho, preocupado com algo. Ela respirou fundo e olhou para , que sorria abobalhado em sua direção. Ela deu um sorriso tímido de volta, e se arrependeu de imediato. A próxima selecionada ainda não havia sido anunciada, então todos os holofotes estavam sobre ela. Mentalmente torceu para que as câmeras não houvessem flagrado aquela interação. Não queria que ninguém criasse teorias sobre sua relação com o príncipe mais novo por causa daquela troca de sorrisos.
Quando a próxima selecionada foi chamada, deu um suspiro aliviado. Havia tanto em sua cabeça que ela não conseguia se concentrar no que estava sendo dito. Havia tantas luzes fortes ao seu redor, tantos flashes e murmúrios na audiência, que ela sentia o coração bater mais acelerado e a visão ficar um pouco turva. Ela tentou se concentrar no padrão das cerâmicas na parede, não era hora de ficar ansiosa.
― Boa noite, meus queridos cidadãos de Clortos. ― Cumprimentou Maxim Ivanova, o carismático jornalista. ― É sempre uma honra poder fazer parte das suas noites de sexta-feira, mas hoje em especial, na presença de todas essas belas donzelas. Vamos dar uma salva de palma para elas, o que acham.
E os aplausos seguiram naturalmente. Toda a família real, exceto pelo príncipe mais velho, aplaudiu. ainda parecia distraído, mas foi retirado de seus devaneios quando Ivanova voltou a falar.
― Eu sei que todos vocês estão animados para conversar com essas jovens damas, mas primeiro o príncipe tem um anúncio a fazer. ― E direcionou seu olhar para o príncipe, convidando-o a se juntar a ele.
Com a postura bastante rígida, se levantou e caminhou até o centro do estúdio. Sua feição era séria, mas podia dizer que ele estava nervoso. Ele obviamente ficava desconfortável sendo o centro das atenções, e pela primeira vez pensou no beijo pelo seu ponto de vista. Também seria ruim para ele se isso fosse a público. E, com esse pensamento, ela olhou para baixo, sentindo-se culpada de ter iniciado as coisas. Foi inconsequente e errado.
― Boa noite. ― Disse ele, sério.
― Boa noite, príncipe! ― Maxim respondeu, animado, mesmo que o cumprimento de não desse abertura para isso.
― Antes de iniciarmos, eu tenho que informar a vocês que infelizmente a princesa Mareena Irie não está mais entre as participantes, e foi convidada a retornar para a Nova Ásia.
A primeira reação do público foi de silêncio, mas logo o estúdio foi tomado por várias vozes abafadas. Somente nesse momento percebeu que Mareena não estava entre elas. Ela e trocaram olhares enquanto contavam silenciosamente as somente onze cadeiras onde as selecionadas se sentaram. A rainha parecia surpresa também, mas os outros príncipes visivelmente já estavam cientes do fato.
― Algo aconteceu, príncipe ? ― Maxim quis saber, mas tentou se manter neutro. Obviamente a expulsão de uma princesa teria consequências, então ele queria abordar a notícia de maneira diplomática.
― Não tolero assédio de qualquer tipo. ― Disse . ― Não importa de onde venha ou a quem está direcionado. Qualquer pessoa que for flagrada tentando importunar outra selecionada não é digna da mão do meu irmão. Sem mais perguntas.
Apenas disse isso e voltou para o seu lugar, apesar de Maxim ter visivelmente mais perguntas. Nesse momento, olhou para por apenas um segundo, quase como se seus olhos estivessem apenas passando por ali e por acaso prolongassem sua estadia um pouco ao encontrarem os dela.
Ele a estava protegendo.
Ele se importava com ela.
De repente, tudo havia ficado muito mais complicado.




Continua...



Nota da autora: Ainda tem alguém aqui?
Obrigada por insistirem em mim e nessa história. Espero que gostem desse capítulo.



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