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Última atualização: 27/09/2024

Realidade

Eu estava tentando extravasar, pois internamente só conseguia sentir raiva de tudo e de todos. Eu odiava a nova cidade, odiava o divórcio dos meus pais, odiava a nova casa e principalmente odiava o capitão do time de hóquei da nova escola. Somente desejava voltar para casa em Atlanta, mas minha nova realidade diária seguia na cidade de Vancouver, ao sul do Canadá. E a única coisa que me transmitia paz era aquela enorme pista de gelo, e os patins nos meus pés.

Meu primeiro contato com a patinação artística foi em um campeonato regional de Atlanta há dez anos atrás, meu avô ainda estava vivo e havia me levado com ele. Os dias de nevasca do inverno tinha dado uma trégua, nos deixando assistir às apresentações, lembro dele comentar que meus olhos brilharam com os movimentos de uma das garotas que apresentavam. E sim, senti que internamente meu coração começou a pulsar mais forte, desejando fazer o mesmo que elas.

— Para uma garota inicialmente sedentária… — sussurrei rindo ao me lembrar do meu primeiro dia de aula de patinação — Que bom que ainda era uma criança quando comecei…

Me mantive ao centro da pista de gelo, respirando com tranquilidade ao fechar meus olhos. Sentindo o ambiente em minha frente e mentalizando o salto em que me preparava para dar. Aos poucos comecei a me mover lentamente pela pista, circulando o lugar até poder acelerar meus passos, então ao posicionar o patins com a borda traseira interna, alonguei a perna livre por trás e usei a lâmina da perna livre para pegar impulso, finalizando assim com um salto flip duplo.

Um sorriso de satisfação de conquista surgiu de forma espontânea em meu rosto. Já se completavam três meses naquela cidade totalmente longe dos patins, me sentia tão sufocada e triste com aquele lugar que nem mesmo tinha coragem para fazer o que mais amava na vida.

— Olha só, ela realmente sabe patinar. — a voz do capitão desagradável de repente ecoou pelo lugar, chamando minha atenção para ele.

Vestido com o uniforme do time da escola e seu taco de hóquei na mão direita, seu olhar sempre confiante parecia ter alguma coisa de errado. Pelo pouco que sabia, entre as fofocas dos corredores, ele não tinha um bom relacionamento com o pai, e piorava ainda mais quando se aproximava no aniversário do falecimento de sua mãe. O que, de acordo com o calendário, seria na próxima semana.

— O que faz aqui? — indaguei mantendo o olhar firme para ele.
— Aparentemente, acho que o mesmo que você. — ele abaixou o olhar, encarando um pouco o taco em sua mão — Se importa de dividir o gelo comigo?

Aqui sim era estranho, ele sendo educado sem sarcasmo.

— A escola é pública, não é? — assenti, não dando muita abertura.

Ele deu alguns passos sobre o gelo, utilizando o taco para conduzir o disco por todo o lugar até chegar diante do gol. Tentei não me importar com sua presença, mas diante do fato de ser a primeira vez em que estava sozinha com ele ali, não consegui conter meu olhar que seguia fixo em seus movimentos de frustração. Ele repetiu a mesma sequência de passos mais umas cinco vezes, até que em um giro em falso para jogar o disco na rede, acabou se desequilibrando e seu corpo caindo ao chão de imediato.

?! — eu gritei seu nome no susto, preocupada se havia se machucado.

Me aproximei dele e abaixando, o olhei ainda em choque.

— Você está bem? — indaguei, no impulso do momento.

Eu jamais me importaria em outras circunstâncias.

— Não, , não está nada bem… — ele me olhou, era nítido a raiva em seus olhos, tanto que conseguia superar o meu nível de chateação — Por que eu não bati a cabeça? Se eu não existisse, não atrapalharia a vida dele.

A amargura em sua voz, me lembrou de como me sentia em relação ao divórcio dos meus pais, do quanto eu detestava ter que passar por todo o drama familiar. Isso me fez perceber que eu não era a única pessoa que precisava daquela pista para sobreviver às realidades da vida.

Não importa cada noite que esperei
Cada rua ou labirinto que cruzei
Porque o céu tem conspirado a meu favor
E a um segundo de render-me te encontrei. 
- Creo en Ti / Lunafly


Recomeço

3 meses antes…

Sempre fomos a família modelo, pelo menos era assim que os amigos dos meus pais nos intitulavam, por isso, minha ficha só caiu quando meu pai me mandou arrumar as malas dizendo que partiríamos na manhã seguinte. Aquela noite, tinha sido a primeira vez que os vi gritar em meio a uma discussão, e no final, a única frase que ficou em minha mente foi:

“Não deixarei minha filha morar com um sedutor qualquer.”

A deixa que faltava para que eu enfim entendesse que não havia volta, e o mais desapontador foi minha mãe aceitar de bom grado, abrindo mão de minha guarda. Ela trocou meu pai, a mim, nossa família por um homem que certamente a faria bem mais feliz que era, conseguia ver nitidamente no seu olhar quando me despedi antes de partir.

Ou pelo menos, era o que ela fazia questão de aparentar. Será que alguma vez ela nos amou de verdade?

Com algumas paradas no caminho para descanso, enfrentamos mais de 40 horas de viagem de carro de Atlanta a Vancouver, comigo em silêncio com meus fones de ouvido e uma imensa revolta interna, que não seria amenizada facilmente. Sentia raiva por ter que abandonar meu sonho de competir nas regionais de patinação artística, eu havia me machucado em um treino no ano passado, o que me obrigou a desistir das regionais juvenil e nem mesmo sonhar com o Campeonato Nacional. Este seria o meu ano de mostrar todo o meu esforço e amor pela pista de gelo, e assim poder honrar a memória do meu avô e seu apoio por mim. Entretanto agora, estava sem um treinador, sem uma equipe e partindo para um lugar no qual eu não desejava estar.

— Finalmente chegamos. — disse meu pai, ao desligar o carro em frente a um prédio com o aspecto de antigo, parte da fachada era em tijolinho com a aparência de gasto.

Eu não me importei muito com o anúncio, o ignorei por completo e permaneci dentro do carro, enquanto ele descia na frente. Não queria fazer a garota mimada, mas parte de mim se recusava a admitir que ao colocar meus pés naquele país, seria um recomeço em minha vida. E que a perfeição não era real.

— Vou te dar alguns minutos… — disse meu pai, ao debruçar na janela do lado do motorista, senti seu olhar preocupado para mim — , sei que está sendo difícil para você, pode me odiar agora, eu não vou ficar chateado, mas terá que se acostumar com a nossa nova realidade.

Mantive meu silêncio olhando para frente, não queria encará-lo. Era óbvio que não estava sendo fácil para meu pai lidar com a traição, ter que tomar a iniciativa do pedido de divórcio e ainda não abrir mão de ser meu responsável legal. O que mais me doeu nisso tudo não foi o caos que nossa vida tinha se transformado, mas foi o fato de minha mãe não se importar com a minha partida, não se importar com meus sonhos e de como a patinação era importante para mim.

— Charlie! — uma voz feminina soou de longe, desconhecida para mim, porém parecia íntima para ele.

Não me contive em olhar pelo retrovisor o sorriso da mulher ao vê-lo, e a forma cordial e gentil que meu pai a cumprimentou. Será que se conheciam há muito tempo? Tentei não me importar com isso e voltei meu olhar para a tela do celular. Havia uma mensagem de Meredith, perguntando se já havia chegado na nova cidade.

— Que bom que chegaram bem. — comentou a mulher, estava próximo o suficiente do carro para que eu ouvisse — Como foi a viagem?
— Cansativa. — respondeu ele, suspirando fraco — Mas, nada que uma boa noite de sono não ajude.
— Tenho certeza que sim, que bom que aceitou a oferta, Vancouver é uma bela cidade e cheia de oportunidades para quem quer recomeçar. — disse ela, voltando seu olhar para o carro.

Ainda conseguia vê-la pelo retrovisor.

— Lamento que você e a Violet, não tenha… — ela se calou, certamente sem saber o que dizer para consolá-lo.
— Agradeço pelo apoio… Você é uma grande amiga. — disse meu pai, baixando um pouco mais a voz.
— Amigos são para isso. — pela sua voz, me pareceu frustrada.

Logo, eles se afastaram do carro, continuando a conversa e seguindo em direção ao prédio. Outra grande mudança? Saímos de uma confortável e espaçosa casa para um minúsculo apartamento, e eu nunca imaginei morar em um. Voltei minha atenção para o celular e abri a conversa do whatsapp.


💬
Acabamos de chegar…
O que faço agora? Já estou com saudades


Dos seus amigos, ou da pista de gelo?
Dos dois.
kkkkkkkkkkk
como está a equipe?


a real?


claro

estão tristes também
você era a nossa inspiração



hmmmmm
que fofas


vai voltar a patinar?


não sei,
acho que não tenho mais força para isso
eu amo o gelo, amo meus patins
mas
não estou no meu melhor momento


não deixe isso te parar
patinação é como respirar para nós



eu sei.
💬



Respirei fundo, e após guardar o celular no bolso, finalmente desci do carro. As árvores balançaram um pouco, gerando uma leve brisa, sendo início de primavera só me lembrava que seria um pesadelo ter que lidar com uma transferência bem ao final do semestre. Dei o primeiro passo me afastando do carro, eu não queria entrar no prédio, nem ter que usar minha educação com uma mulher desconhecida. Gravei no aplicativo do Maps minha localização, e comecei a caminhar pela rua sem nenhuma direção, olhando a paisagem da vegetação se misturar a arquitetura dos prédios, quase me perdi em meus pensamentos.

Foi um breve momento regado a uma sensação gostosa de paz, me deixando intrigada a princípio, até que…

— Ai! — disse assim que sofri um esbarrão com um garoto, causando minha queda ao chão — Não olha por onde anda?

Reclamei, ao voltar meus olhos para meu joelho e visualizar um corte no jeans da calça, com traços de sangue. Logo senti uma ardência na região machucada, então voltei meu olhar para o garoto.

— Era você que estava distraída. — disse ele, ao retirar o head fone do ouvido, e empinar seu skate para pegá-lo — Eu consegui ouvir aquela senhora dizendo para tomar cuidado.

Ele apontou para a mulher de cabelos grisalhos que varria a calçada do outro lado da rua.

— Primeiro, eu não estava distraída. — me levantei irritada, por sua falta de cavalheirismo — Segundo, não deveria inventar coisas para evitar um pedido de desculpas, certamente você me viu e me derrubou de propósito.
— Ah, sim, foi de propósito. — ele riu baixo, num ar sarcástico — Quando saí de manhã de casa, disse a mim mesmo: hoje vou atropelar a primeira garota distraída que eu ver na rua, mesmo ela sendo razoavelmente bonita.
— Seu sarcasmo não me atinge. — retruquei limpando minha roupa da poeira da calçada.
— Impressionante, como já está recuperada… — ele soltou o skate das mãos, pisando com o pé direito — Tenha cuidado para não ser atropelada por um carro da próxima vez.

Me advertiu ele, voltando a colocar o headphone, enquanto se afastava.

— Cuidado você, para não esbarrar com um. — gritei o observando se afastar, e bufando — Arrogante.

Revirei meus olhos com o episódio, e voltei minha atenção para meu joelho esquerdo levemente arranhado. Em segundos, meu celular tocou, uma ligação do meu pai, tentei ignorar a princípio, mas acabei atendendo, assim poderia tranquilizá-lo.

— Oi, pai. — disse ao atender.
, onde está? Desci para pegar as malas no carro e você tinha sumido. — disse ele, num tom de preocupação.
— Apenas estou dando uma volta pelo quarteirão. — expliquei a ele, para que acalmasse — Não disse que eu deveria dar uma chance ao lugar?!

O feitiço virou contra o feiticeiro.

— Sabe o caminho de volta? — indagou ele, suavizando mais a voz — Se quiser, posso te buscar.
— Eu não estou perdida, já estou voltando. — avisei a ele, num tom baixo.
— Não demore, estou fazendo aquele macarrão que você gosta. — pediu ele, suavizando mais a voz — E queria te apresentar uma pessoa.
— Hum. — eu encerrei a ligação, e guardei o celular no bolso mais uma vez, enquanto voltava a caminhar.

Pelo menos tinha um ponto positivo em se mudar no final da semana, era sexta-feira e não teria que enfrentar a nova escola já no dia seguinte na nova cidade. Não que eu odiasse o ensino médio, pelo contrário, Atlanta estava sendo um sonho para mim. A equipe de patinação artística era bem popular, então a escola toda me conhecia e admirava meu talento, em Vancouver seria totalmente diferente, soube que eles veneram o hockey. Sendo honesta, não me importa a parte da popularidade, pois sempre existiu como uma consequência para mim, minha preocupação estava em minha reputação como uma boa aluna, afinal, na minha antiga escola, meu bom desempenho e minhas notas é que realmente chamavam a atenção. O fato é que, perder a vontade de patinar me deixava mais angustiada, e realmente desejo que seja apenas uma fase.

— Tenho mesmo que entrar?! — sussurrei para mim mesma, ao me colocar em frente ao prédio.

Tomei impulso e entrei, desviei de duas senhoras que estavam aguardando o elevador e subi pelas escadas. A porta estava entreaberta, certamente me esperando, já que eu ainda não tinha as chaves da nossa nova residência, e ao entrar, me deparei com meu pai e sua “amiga” em risos. Me mantive em silêncio, os observando por um momento, até que eles perceberam minha presença e ficaram um pouco mais sem graça.

. — disse meu pai, no seu habitual tom baixo e sereno, dando um sorriso sem graça pela situação — Quero que conheça uma amiga do trabalho, Clair Jones, ela tem nos ajudado bastante com a mudança.
— Amiga do trabalho?! — reforcei a informação, não conseguindo associá-la.
— Prazer, eu sou a supervisora responsável pela filial da loja aqui em Vancouver. — disse a mulher, esticando a mão em cumprimento.

Eu olhei, tentando controlar minha careta de novo e voltei meu olhar para meu pai.

— Estou sem fome. — aleguei já me direcionando para o corredor dos quartos.
!? — eu ouvi seu chamado repreensivo, porém não me importei e continuei seguindo.
— Deixa ela, deve estar sendo complicado passar por tudo isso, ter sua vida mudada da noite para o dia. — a voz da amiga soou, num tom moderado, o que me deixou surpresa por tentar me defender — Acredite, ela está passando por um misto de emoções que nem mesmo deve conseguir entender.

Me apressei a entrar na primeira porta que vi e felizmente entrei no quarto que queria: o meu. Olhei para a lateral da escrivaninha e reconheci minhas malas ao lado, juntamente com a mochila depositada em cima do móvel. Caminhei até a cama e me joguei em cima, ao fechar os olhos, tentei ignorar ao máximo o machucado no joelho, mesmo com a leve ardência presente.

— Por que as coisas não podem continuar sendo como antes? — sussurrei ao me lembrar do natal passado, e da alegria que senti ao ganhar o último presente do meu avô em vida.

Um par de patins novos, que eu levaria um tempo para amaciá-los, mas exatamente do modelo que eu queria. A minha queda nos treinos ano passado foi a ponta do iceberg, fiquei mais de dois meses sem conseguir andar e proibida de pensar em patinar, então veio a doença do vovô e nossos poucos momentos juntos entre as idas e vindas do hospital, em seguida seu falecimento e agora, o divórcio dos meus pais com essa realidade longe de casa. Certamente eu jamais me sentiria em casa estando em Vancouver.

— Ainda acordada? — a voz do meu pai soou da cozinha, ao me ver.

No relógio batia duas da madrugada.

— Eu não consegui dormir. — expliquei a ele, ao me aproximar do espaço da cozinha.

Ele se manteve sentado na banqueta alta, com um dos braços sobre a bancada me observando atentamente. Pude perceber seus olhos vermelhos, tão tristes quanto os meus.

— Quer um chocolate quente?! — perguntou.

Assenti com a cabeça, aceitando. Logo, papai ergueu seu corpo e se aproximou do armário para pegar o pote de chocolate. Aquela era sua receita infalível para todas as vezes que me via deprimida, sua forma de dizer que estava comigo não importa o que acontecesse. Talvez, ambos apenas precisavam disso, o silêncio compartilhado e uma saborosa xícara de chocolate. Logo pela manhã, quando finalmente me levantei da cama, troquei de roupa e segui para a cozinha, meu pai não estava no apartamento, porém, o café preparado em cima da mesa tinha um cheiro incrível.

— Fui ao mercado, precisamos reabastecer os armários que nos alimenta, tenhas um bom desjejum. — sussurrei ao ler seu bilhete, segurando o riso.

Papai amava usar os termos que lia em nossos livros de romance vitorianos do século XIX. Mesmo que fosse estranho para os outros, eu achava incrível compartilhar os meus gostos por literatura inglesa vitoriana com ele, que sempre fazia questão de se inteirar do assunto para termos o que conversar além da patinação. Certamente, essa cumplicidade que tínhamos era o ponto chave da minha aceitação em me mudar com ele, sem questionar.

— Panquecas com geleia de morango, ovos mexidos com bacon e torradas com pasta de amendoim. — disse ao me sentar na cadeira e analisar o café bem coberto por um plástico — Bem pensado pai, querendo recomeçar com um café americano tradicional.

Iniciei a degustação do meu banquete, agradecendo a Deus por meu pai ser tão bom cozinhando. Uma das qualidades que infelizmente não herdei dele, pois sigo sendo uma negação na cozinha, queimando até a água do macarrão instantâneo. Neste tempo, recebi uma mensagem de Meredith, com várias fotos de pontos turísticos de Vancouver, assim como endereços de lugares legais que eu deveria ir. Eu ri de leve, com suas figurinhas até que ela me enviou o link de uma localização do Google Maps, contendo uma pista de patinação. Minha melhor amiga era incrível, e seu empenho em me ajudar a me adaptar à nova realidade me fazia sentir um pouco mais amparada. Mas o que mais me fazia rir, era sua empolgação em dizer que agora tinha uma casa de férias em Vancouver.

— Hillcrest Rink. — li o nome da pista em voz alta, analisando a distância que ficava do prédio.

Segundo as pesquisas de Meredith, era relativamente perto, eu estava ao norte da cidade em Gastown e o rinque mais ao centro, assim como minha nova escola, eu poderia chegar facilmente de metrô ou ônibus. Assim que terminei o café, refleti um pouco sobre explorar o guia turístico que minha amiga fez com tanto carinho, afinal, não tinha nada de importante em meu cronograma para o segundo dia de recomeço. Me espreguicei um pouco ainda sentada na cadeira e me levantei, levando a louça para a pia e lavando em seguida.

— Por que não? — indaguei para mim mesma, ao pensar que não seria tão ruim assim caminhar um pouco.

Já que meu pai estava fora, e certamente voltaria mais tarde, não queria passar meu dia encarando o teto, menos ainda ter que lidar com o silêncio que havia se instalado entre eu e meu pai. Voltei para o quarto e abri a mala, para pegar um cardigan de tecido de malha bem fino e o vesti completando o look com meu all star, fechando novamente, meu olhar se voltou para a caixa com minhas coisas da patinação. Mais uma vez senti uma leve angústia dentro de mim, que fez meus olhos lacrimejar. Reuni o restante de ânimo que encontrei após os minutos de nostalgia, ao me lembrar do brilho nos olhos do meu avô quando me via patinar, então peguei uma ecobag transversal que tinha e joguei minha carteira e o celular dentro.

Após trinta e dois minutos dentro do metrô e uma pequena caminhada no trajeto, lá estava eu entrando no prédio do Hillcrest Rink. Para uma refrescante manhã de primavera, em pleno sábado, estranhei o estacionamento vazio e a fraca movimentação. Me aproximando do guichê de informações na entrada, perguntei à funcionária o motivo do lugar estar vazio, em resposta, descobri que haviam reservado aquele dia para o treino de um dos times juniores de hockey da cidade.

— Fechado especificamente para o treino do Vancouver Giants. — disse em um tom baixo, ao ler o que estava escrito no cartaz próximo a porta de passagem para a pista de gelo.

Me afastei da coluna com o cartaz e logo impulsionei meu corpo para porta da pista, afinal, estava fechado para o treino, mas não dizia que não poderia entrar. Foi quando de repente senti alguém esbarrar em mim, quase me derrubando.

— Ei! — gritei, assim que senti o impacto, então olhei para frente, me deparando com três rapazes vestindo o uniforme completo de jogador de hockey — As pessoas desse lugar não sabem ser educadas?
— Você que não deveria ficar no meio do caminho. — disse o garoto da ponta direita, ao retirar o capacete, deixando escapar um sorriso debochado.
— Parece que esse é o seu esporte preferido. — logo o garoto que estava no meio se virou para mim, também retirando o capacete.

Era ele…
O arrogante do skate do dia anterior. Desci meus olhos até seu braço, notando a letra C bordada em sua camisa, demarcando que era o capitão.

— Eu não estava no caminho de ninguém. — retruquei, controlando minha surpresa por cruzar novamente com ele — Mas parece ser o esporte favorito de alguém como você trombar nas pessoas.
— Talvez, afinal, é o que mais fazemos nos jogos de hockey. — disse ele, com ar sarcástico, e um sorriso de canto presunçoso.

Eu revirei com os olhos, bufando de leve e dei meia volta para me retirar de lá.

— Não está curiosa para ver nosso treino? — indagou ele, elevando mais o tom.
— E por que eu veria?! — me virei novamente para ele, o olhando confusa.
— Por minha causa, é claro. — ele riu, parecia confiante em suas palavras — Achou mesmo que eu não iria desconfiar de nada? Mesmo agindo assim, só para chamar minha atenção.
— Do que você está falando? — indaguei não entendendo o assunto.
— Pode confessar, você é uma daquelas loucas do meu fã clube, que me seguem em todos os lugares. — explicou ele, mais abertamente.

Eu soltei uma gargalhada alta, não me contendo.

— Além de arrogante, é muito prepotente. — disse ao controlar meus risos — Primeiro, eu nunca te vi na minha vida, e espero não te ver nunca mais, e segundo, eu não me interesso por hockey. Na verdade, eu odeio esse esporte.

Nem mesmo lhe dei tempo para rebater minhas palavras, me afastei rapidamente saindo do prédio. Estava levemente irritada, e sem acreditar que existia alguém tão egocêntrico assim.

— Ei! — sua voz soou ao longe, me gritando — Garota distraída.

Eu parei de andar e me virei para ele, já estava bem no centro do estacionamento.

— Estou começando a achar que é você quem está querendo me seguir. — disse de forma irônica, ao cruzar meus braços — O que quer desta vez?
— Por que veio aqui, se não gosta de hockey? — indagou ele, ao retomar o fôlego após correr atrás de mim.

Meu coração se apertou inesperadamente, senti meus olhos desejosos para lacrimejar, porém me mantive firme.

— Não é da sua conta. — eu o ignorei completamente, voltando a caminhar para longe dali.

A cada passo que eu dava, não me contive em refletir em sua pergunta.
O que eu realmente tinha ido fazer ali?
Se havia fechado meu coração para a patinação, o que me levou a seguir a empolgação de Meredith?




Meu primeiro final de semana passou com tanta rapidez, que quando me assustei, o despertador do celular já estava tocando na segunda pela manhã e eu não queria ter que lidar com este recomeço. Fiquei me encarando no espelho do banheiro por um tempo, após lavar meu rosto, até finalmente tomar coragem para trocar de roupa e seguir para a cozinha.

— Bom dia. — disse papai, com um olhar carinhoso para mim.

Ele sabia que eu ainda estava chateada com nossa situação, com tudo o que tinha acontecido, mas como um cavalheiro, não iria forçar um diálogo comigo. Como não estava com fome, apenas ajeitei a mochila em minhas costas e me despedi antes de sair. Ao chegar na nova escola, tive que respirar fundo, umas cinco vezes antes de entrar, e ainda não sabia o que fazer para sobreviver ao primeiro dia. Contudo, ali estava eu, a nova aluna bolsista do colégio particular mais disputado da cidade, o Tenebrae Elite High School.

— Bonjour classe. — disse a professora de francês, Constance Flair — Gostaria que dessem as boas-vindas à nova aluna transferida da América, a senhorita Grimer.

Assim que ela assentiu para que eu entrasse na sala, dei alguns passos lentos e tortuosos passando pela porta, até me colocar de frente para todos. Meus olhos passaram por cada um rapidamente, até focar em uma só pessoa como se fosse um ímã. Ele sentado na penúltima cadeira ao lado da janela, com um sorriso de canto discreto e o olhar tão surpreso quanto o meu.

Sim, o arrogante do skate.

— Senhor presidente, poderia dar as boas-vindas a nossa nova aluna?! — pediu a professora.

O que me fez me sentir constrangida, principalmente por ser exatamente ele que se levantou de imediato.

— Senhorita Grimer. — disse ele, num tom firme e seguro — Eu sou o presidente do grêmio estudantil, Collins, seja bem-vinda a nossa escola.

A imponência de sua voz e intensidade de seu olhar me estremeceram, por um curto espaço de tempo.

Não espere por um milagre especial
Há um caminho bruto em nossa frente
Com um futuro e obstáculos desconhecidos, não irei mudar
Não posso desistir.
- Into The New World (다시 만난 세계) / Girls' Generation

Resiliência

3 meses antes…

Quando criança, meus pais viviam dizendo que eu era muito sortuda, entretanto, esta mesma sorte que me acompanhou por longos anos, pareceu ter me abandonado. Talvez porque tinha um nome e sobrenome: vovô Daniel Grimer. E ali estava eu, diante da nova classe em que passaria o restante do semestre e a única carteira vazia, era aquela em frente a mesa do presidente. Engoli seco, ao enfrentar os ataques de olhares furiosos de algumas meninas e curiosos de outras, será que ela por causa do lugar onde me sentaria.

— Bem, agora podemos prosseguir com nossa aula. — a professora se pronunciou, segundos depois que finalmente consegui me acomodar.

Foi estranho e desconfortável passar as horas em sala, com olhares em minha direção e cochichos sobre a garota que ousou se sentar na frente do imperador. Algo que piorou no intervalo, já que a cada passo pelo corredor, mais e mais alunas me encaravam. Estava começando a ter medo do fã clube daquele arrogante, e ao mesmo tempo entender o motivo dele achar que eu estava o seguindo.

— Ah não, eu não vou passar pano para ele. — disse comigo mesma, balançando a cabeça, espantando aquele pensamento.
— Falando assim sozinha, é que todos vão achar que você é louca mesmo. — uma voz descontraída soou atrás dela, seguido de uma risada boba.
— Falou comigo? — eu me virei para ele, me deparando com um garoto com roupas descoladas e um par de patins pendurados no ombro esquerdo.

Porque será que o gelo me perseguia até mesmo quando eu estava longe dele?

— Mas é claro, você é a única garota nessa escola com coragem o suficiente para se sentar perto de vossa majestade. — uma garota se colocou ao lado dele, também com um par de patins, com o olhar admirado e ao mesmo tempo curioso.
— Eu ainda acho que ela é maluca. — afirmou ele, de forma espontânea.
— Vocês não me conhecem. — eu dei um passo para trás para me afastar deles, quando o inimaginável aconteceu.

Pela terceira vez, senti alguém trombar em mim, e logo aquele alguém que eu não queria. Ouvindo uma risada sarcástica vindo dele.

— Estava imaginando quando você iria esbarrar em mim de novo. — sua voz irônica me fez bufar de imediato — Já que é tão distraída.

Quanto egocentrismo.

— Você realmente acha que o mundo gira em torno de você?! — me virei para ele, deixando minhas expressões faciais mais sérias — Além de arrogante, é egocêntrico! Deve ser por causa do seu fã clube, bem dedicadas, não é?! Por que não se concentra nelas?
— Me desculpe atrapalhar, mas… Vocês se conhecem? — indagou o menino que me chamou de louca.
— Sim, não. — dissemos em coral, o presidente afirmando e eu negando.
— Que isso, esse já é o nosso terceiro encontro. — brincou ele, ao notar que algumas meninas estavam próximas o suficiente para ouvir.

É claro que nessa altura da situação, vários celulares já estavam em nossa direção, olhares curiosos e cochichos. Perplexa eu estava a ponto de não conseguir formular uma resposta, apenas o ignorei e sai daquele ambiente sufocante, tentando não entrar em surtos com todos os olhares atentos aos meus movimentos. O que me levou a imaginar que enfrentar aquela escola seria pior que enfrentar minha maior rival em um campeonato regional.

— Droga… — disse com raiva, assim que finalmente voltei a razão e percebi que estava no ginásio, bem em frente a pista de gelo — Com todos os lugares dessa escola imensa e eu venho parar aqui?!

Bufei novamente revoltada com aquilo. Como meu corpo havia me levado ali de forma involuntária?! Olhar para o gelo me fez sentir saudades de casa, na América, saudades dos bons momentos com meu avô, da vida que eu tinha que era perfeita. Um sentimento de angústia começou a tomar conta de mim, e quando percebi, já estava caída ao chão no centro da pista, em lágrimas. Como tinha chegado ali? Minhas lembranças me guiaram para o melhor lugar do mundo para mim.

— Você está bem?! — a voz da menina que me chamou de corajosa, me despertou de meus devaneios misturados em lágrimas — Você está chorando?!
— Hum?! — eu sequei as minhas lágrimas rapidamente, e respirei fundo — Não…
— Estava sim… — o tom elevado da voz do garoto que me chamou de louca surgiu mais ao fundo.

O que me fez tombar a cabeça e vê-lo se aproximar de nós, enquanto patinava.

— O que vocês querem agora? Já me chamaram de louca. — disse, ao me levantar com um pouco de dificuldade.
— Ficamos preocupados, já que você saiu correndo. — explicou ele, com um olhar sensibilizado.
— É, não vamos te julgar se você tem vergonha de dizer que gosta do imperador. — reforçou a menina, com um sorriso solidário.
— Primeiro… — eu endireitei meu corpo, deixando minha postura impecável, mesmo sem o equilíbrio dos patins — Eu não gosto dele e não o conheço, e segundo, seria maravilhoso se não estivéssemos na mesma sala.
— Uau. — disse o garoto — Agora senti confiança… Eu disse que ela não era daquelas malucas do fã clube.

Tentei controlar meu olhar perplexo, mas eu sempre fui tão expressiva.

— Você acabou de me chamar de maluca há minutos atrás no corredor. — retruquei, refrescando sua memória.
— Ah… Mas aquilo foi diferente. — ele riu baixo, certamente se lembrando — Eu disse que você era maluca por se sentar perto dele… Queria ser da sua sala só pra ver isso.
— Desculpe, mas a turma já está cheia por causa do fã clube. — explicou a menina, rindo dele.
— Olha, eu não sei vocês, mas… Estamos no meio da pista de gelo e meu dia já foi em surtos, então, não quero arrumar mais nenhuma confusão para mim. — eu tentei me afastar deles, porém, sem sorte meu corpo cambaleou em desequilíbrio.
— Calma aí novata maluca. — brincou o garoto ao me amparar, com a ajuda da outra menina — Não se preocupe, a pista de gelo é nossa hoje.
— E o que isso significa? — indaguei, sendo amparada pelos dois, para retornarmos as laterais da arquibancada.
— Quer dizer que a vossa majestade e todo o restante do time de hóquei, não podem entrar aqui. — explicou o garoto, com ar de satisfação — Você está segura com a gente.

Ele soltou uma gargalhada boba no final.

— Deixe de ser bobo, Dylan. — disse a menina, me fazendo descobrir o nome dele, finalmente — E a propósito, meu nome é Lola.
— O meu você acabou de ouvir, eu sou o Dylan, somos da equipe de patinação artística. — completou ele, a apresentação.
— Obrigada, por me ajudarem. — assenti ao seu cumprimento — O meu nome, acho que ambos já sabem.
— Nós e geral da escola. — comentou ela, se referindo aos outros alunos.
— Imaginei. — comentei, após finalmente chegarmos em terra firme — Não me lembro de vocês no último campeonato.
— Ah, é que eu não quis participar, não patino por esporte, é mais uma terapia para mim, sou muito hiperativo e bagunceiro, segundo o meu pai, eu preciso de algo que me faça ter disciplina. — explicou Dylan, indo se sentar para tirar os patins — E como eu não queria me juntar aos militares juniores, encontrei meu escape na pista de gelo.
— Militares juniores?! — não me contive em rir de sua colocação.
— O pai dele é policial. — disse Lola, ao suspirar fraco, retirando os patins dela também — Eu não estive na temporada passada, porque não consegui me classificar nem aqui na escola.
— Nós dois sabemos o motivo. — comentou Dylan, deixando o mistério no ar.
— Dylan, porque escolheu a patinação e não o hóquei? Como os outros? — perguntei curiosa, mudando de assunto.

Afinal, se ele não disse abertamente o motivo, não seria eu a invadir a privacidade deles, logo no primeiro dia.

— Eu não gosto de violência, e patinação é mais… — ele respirou fundo, voltando o olhar para a pista de gelo — Acho que me entendeu.

Assenti com a cabeça.
Para um primeiro dia que havia começado de forma meio constrangedora, passar algumas horas no ginásio conversando com os dois havia sido a melhor coisa desde a mudança, principalmente pelo nosso assunto em comum: a patinação. Apesar de não me abrir de imediato e revelar que também patinava, pude sentir o amor que ambos tinham pelos patins, e de como me identificava com eles nesse quesito. Até mesmo descobri que a equipe contava com mais três patinadoras.

— Tem certeza que não quer minha companhia?! — perguntou Dylan, assim que nos despedimos de Lola, e a observamos subir na moto do irmão.
— Tenho, não quero te atrasar, você mora bem mais longe da escola e eu já decorei o caminho de volta. — assegurei a ele, com confiança.
— Tudo bem, mas qualquer coisa, me liga. — ele concordou com um sorriso gentil, que me fez lembrar meu amigo Thomas, da equipe de Atlanta.
— Obrigada, Dylan. — eu sorri de volta e fiquei por alguns minutos no mesmo lugar, enquanto ele se afastava seguindo seu caminho.

Soltei um suspiro cansado, por mais que tivesse sobrevivido até o final do meu primeiro dia de aula, foi graças aos dois, que me permitiram me esconder no ginásio. Para uma aluna perfeccionista e disciplinada como eu, era vergonhoso admitir que tinha matado aula, entretanto, nas circunstâncias emocionais que me encontrava…

Seria aceitável.

Caminhei dois quarteirões até o ponto de ônibus e me sentei no banco para esperar. A brisa do final da tarde se mostrou inspiradora, e decidi colocar meus fones de ouvido para apreciar uma boa música, e nada como uma playlist recheada de músicas do BTS para relaxar e me fazer esquecer o desastre que havia sido meu primeiro dia. Ao longe, avistei vossa majestade em seu skate, seguindo pela rua lateral, por mais que tentasse ignorá-lo, meus olhos o seguiram até ele parar na esquina e mover sua atenção para minha direção.

— O que ele está fazendo? — indaguei para mim mesma, ao perceber que ele estava me encarando.

Com uma sorte repentina, o ônibus apareceu e pude adentrá-lo. Assim que cheguei em casa, nem mesmo notei se meu pai estava em casa, apenas segui para o quarto e me tranquei nele. Deixando a mochila em cima da cadeira, meu corpo se jogou automaticamente na cama e ali ficou adormecido por algumas horas, até que finalmente despertei tarde da noite.

— Devo dizer bom dia?! — brincou meu pai, puxando assunto, assim que saí do quarto.
— Hum?! — o olhei ainda com minhas vistas parcialmente embaçadas, caminhando até a cozinha enquanto esfregava os olhos — Que horas são?
— Quase meia noite. — respondeu ele, mantendo sua atenção em mim — Como foi o primeiro dia?
— Uma tragédia. — respondi de imediato, sem medir as palavras.

Mesmo zangada pela mudança, não conseguia mentir.

— O que aconteceu?! — indagou ele, num tom preocupado.
— Me sinto deslocada, e não acho que vou me adaptar aqui. — reclamei mais uma vez, a realidade.
— Querida… — ele tombou de leve a cabeça, avaliando as minhas expressões, deixou a voz mais suave ainda e continuou com compreensão — Sei que tem sido difícil para você, também não será fácil para mim iniciar do zero, mas…
— Não podemos mesmo voltar para Atlanta? — o olhei com chateação.
— Não. — respondeu como sua palavra final, porém, levantou em seguida da banqueta que estava sentado e se aproximou de mim, me dando um abraço carinhoso e reconfortante — Você sempre foi uma garota resiliente, até no momento em que se machucou e não pode ir ao campeonato, superou a fisioterapia de cabeça erguida… Sei que vai conseguir, vamos construir novas lembranças aqui, e seguir em busca de novas conquistas.

Eu apenas assenti as suas palavras, sem forças ou ânimo para argumentar. Era inspirador a forma como ele acreditava em minha capacidade e potencial, principalmente para me adaptar às adversidades. Afinal, eu já havia caído muitas vezes na pista de gelo, e em todas não me mantive ao chão, sempre seguia me levantando e tentando novamente.

— Está com fome? — indagou ele, se afastando de mim e seguindo até a geladeira.
— Hum. — assenti com a cabeça, o observando.
— Que tal um banho, vou preparar um lanche para nós. — sugeriu ele.

Segui seu conselho, ainda com aquela angustiante sensação de impotência. Mesmo não querendo, teria que encarar de frente. Na manhã seguinte, acordei um pouco antes do despertador, me dirigi ao banheiro e lavei meu rosto, meu olhar permaneceu fixo em meu reflexo no espelho por alguns minutos.

Quando foi que me perdi da garota corajosa que havia dentro de mim?

Resiliência… — sussurrei, ainda me encarando — Preciso ter resiliência.

Não seria fácil, mas também não era impossível.
Assim que cheguei na escola, avistei Dylan e Lola conversando com uma garota, eu não a tinha visto no dia anterior, mas fiquei surpresa ao ver um par de patins pendurado em sua bolsa transversal. Tentei ignorá-los de início, havia sido legal passar um tempo no ginásio e vê-los treinar, mas ainda não estava pronta para voltar a patinação e talvez ficar perto deles poderia me deixar ainda mais frustrada.

Ajeitei a mochila no ombro, assim como a touca na minha cabeça, então dei a volta pela lateral do prédio principal, assim chegaria a entrada que dava para a biblioteca. Assim que passei no corredor, tentei ser o mais discreta e invisível que poderia, sem sucesso é claro, pois metade da escola já sabia quem eu era e a outra metade, apenas conhecia o meu nome.

Grimer?! — uma voz desconhecida me chamou no corredor, atraindo ainda mais a atenção dos outros alunos.

Meu corpo gelou na hora.
Somente as pessoas mais próximas me chamavam por aquele apelido. Me virei para sua direção e lá estava a garota da entrada, acompanhada de Dylan e Lola. Vendo-a mais de perto, tive a sensação de já tê-la visto antes, mas não me recordava de onde.

— Eu falei que ela se lembrava de mim. — disse a garota para os dois, enquanto se aproximava de mim.
— Eu te conheço?! — perguntei, confusa e ao mesmo tempo intrigada.
— Tem certeza que ela lembra de você? — Dylan riu baixo.
— Não se lembra de mim? Sou Emma. — a garota me lançou um olhar de chateação e frustração, certamente por não entender quem era ela — Treinamos juntas no início do ano passado para as eliminatórias juvenis, mas você se machucou na segunda semana… Justo no dia em que ia me apresentar para sua equipe.

Ah!?

— Me desculpe… Bem que achei seu rosto familiar. — realmente me lembrava vagamente, pois compareci a alguns treinos ao longo da temporada, para dar apoio moral à equipe.

Naquele tempo, ainda que estivesse sofrendo pela perda do vovô e chateada por meu tornozelo, mesmo com meu coração em pedaços, a pista de gelo era como um ímã que me atraía.

— Então, você patina também? — indagou Lola, surpresa com a revelação.
— Patinava. — a corrigi, com base em minha realidade atual.
— Uma vez dos patins, sempre dos patins. — disse Dylan ao se colocar ao meu lado — Então, não fale no passado, algo que possivelmente ainda vive dentro de você.
— O que você sabe sobre isso? — retruquei olhando-o com seriedade.
— Sei, porque eu vivo isso. — ele sorriu com graça e piscou de leve.

Senti um sorriso sutil no canto do meu rosto, por que tentasse me enganar, ele estava certo, e isso que deixava um pouco irritada.

— Vocês estão atrasados. — de repente duas meninas se aproximaram da gente, com olhares soberbos e ar de superioridade — Temos uma reunião agora.
— Não estamos atrasados, Cherry, o treinador Urisc disse que chegaria dez minutos depois do combinado. — explicou Lola, não se importando com a pose delas.
— O treinador chegar dez minutos depois não lhe dá o direito de se atrasar. — interveio a outra garota, arqueando a sobrancelha — É por isso que continua sendo uma patinadora medíocre, além de não ter talento.
— O que você disse?! — Lola em seu temperamento explosivo avançou contra a garota, sendo segurada por Dylan — Repete isso de novo.
— Pare Lola, não vale a pena. — Dylan, tentou chamá-la a razão enquanto a arrastava para longe do grupo.
— Me solta, não me importo se for expulsa desta vez, vou arrancar os cabelos dela. — gritou Lola, com seu olhar de fúria, enquanto o amigo lhe afastava ainda mais de nós.
— E você?! O que acha que está fazendo?! — perguntou a tal Cherry, me encarando como se quisesse me esfolar viva.

Nem mesmo a conhecia, mas já sentia sua antipatia a meu respeito.

— Falou comigo?! — a encarei de volta.

Não é porque estava revoltada com a vida, que me deixaria intimidar por ela.

— Com quem mais falaria? — retrucou ela, não se importando com a presença de Emma ao lado — Você é a única intrusa aqui, e não falo apenas do time de patinação.
— Intrusa?! — soltei uma risada irônica, e logo meu olhar se desviou dela para o capitão do time de hóquei.

Sua silhueta que havia virado o corredor, veio seguindo em nossa direção, com um sorriso discreto no canto do rosto e seu olhar debochado para mim.

— Eu não sei do que está falando, mas também não me interessa. — dei o primeiro para me retirar dali.

Já tinha que conviver com vossa majestade em sala de aula, quanto eu menos esbarrar nele nos corredores, seria um alívio para mim.

— Fique longe dele. — o tom de Cherry soou como ordem.

Eu apenas ignorei suas palavras, pois não me importava mesmo em me aproximar de ninguém do time de hóquei, principalmente o capitão. Me desviei delas e segui em frente passando por ele, como se nunca tivesse o visto antes, nem mesmo olhei para o lado e continuei meu caminho.

!? — apenas ouvi a voz de Emma me chamando, enquanto seguia atrás de mim.
— Não acho que deveria me seguir, você pode se atrasar para sua reunião. — disse a ela, continuando com minha atenção à frente.
— Mas é sobre isso mesmo que queria falar com você. — contou ela, parecendo estar sem fôlego por tentar me acompanhar — Sobre a reunião.
— O que quer dizer sobre isso? Eu não sou da equipe. — parei no meu do corredor e a olhei.
— Mas o treinador quer que você faça parte. — disse ela, com certa empolgação — Eu contei sobre você para ele, e mostrei o vídeo das competições que participou no seu primeiro ano de patinação.
— E por que fez isso?! — perguntei a ela, sentindo minha vida sendo invadida.
— É que… Você é sensacional quando patina, tenho certeza que se não tivesse machucado, teria ganhado as regionais. — a certeza em sua voz, trouxe de volta todo o sentimento de frustração que me forçava a manter guardado dentro de mim.

Senti meus olhos lacrimejar no momento, e me afastando dela, saí correndo em direção à saída mais próxima. Uma chuva de pensamentos estava tomando conta de mim, que me impedia de raciocinar. Foi neste momento que trombei em alguém, a poucos passos da porta.

— Você realmente não consegue resistir, não é?! — o som debochado da voz de Collins, fez meu sangue ferver de raiva.

Por que as pessoas desse lugar eram tão insensíveis e arrogantes a ponto de achar que tudo era sobre elas.

— Me esquece. — gritei com ele, não ponderando a entonação de raiva em minha voz, o empurrando em seguida.

Logo a frase de Dylan soou em minha cabeça: Garota maluca. Gostaria mesmo que todos achassem isso e parassem de me encarar como se eu fosse um ovni. Continuei correndo até chegar à saída da escola, e aproveitei a oportunidade para me distanciar o máximo que poderia. Com lágrimas escorrendo pelo meu rosto, parei por um momento e me vi diante de um ponto de ônibus, então, me sentei no banco e fiquei olhando os carros passarem por um tempo.

Aquilo me trouxe uma pontinha de paz e serenidade, talvez por sempre fazer isso com meu avô quando estava vivo. Ele sempre sabia onde me encontrar nos meus momentos de drama e melancolia. Soltei um suspiro cansado e abri a mochila remexendo-a até encontrar meu celular, naquele momento, não sabia onde estava e apenas digitei uma mensagem e mandei para minha melhor amiga.

Meri…

O que foi?

Quero sair daqui.

O que houve amiga?

Esse lugar é horrível,
nem mesmo cheguei a uma semana
e não suporto mais


Estava mesmo sendo insuportável.

?! — curiosamente ouvi alguém dizer o meu nome, me fazendo voltar a atenção para o lado.

Era a chefe do papai. O que ela estaria fazendo ali?
Limpei minhas lágrimas, rapidamente para que ela não percebesse.

— Senhora Jones. — sussurrei ao me levantar do banco, notando algumas sacolas em suas mãos — O que faz aqui?
— Ia te perguntar o mesmo. — comentou a mulher, com o olhar curioso — Está perdida? Se quiser eu posso te levar para a escola.
— Não precisa, obrigada. — ela ajeitou a mochila nas costas — Não estou perdida, e preciso ir agora.

Dei impulso para me afastar dela.

… — ela me chamou novamente.
— Sim?! — a olhei novamente.
— Eu lamento que sua vida tenha mudado de forma radical, e… — ela parecia ponderar as palavras para não ser invasiva — Sei como está se sentindo.
— Ninguém sabe como estou me sentindo. — dei meia volta e me afastei dela, seguindo para o outro lado da rua, em direção ao metrô.

Não queria ser grosseira, mas não estava bem emocionalmente para lidar com fatores externos, se nem mesmo conseguia lidar com o que se passava dentro de mim. Passei todo o dia caminhando aleatoriamente até que, ao final da tarde, cheguei ao meu novo lar. Fiquei parada em frente ao prédio por alguns minutos, vendo minhas lembranças passarem por meus olhos, até que chegou a minha última apresentação com meu avô em vida.

Senti as lágrimas escorrerem pelo meu rosto.

— Não consigo ter resiliência, não sem você, vovô. — continuei chorando, até que senti alguém segurar em minha mão e me puxar para um abraço apertado, me fazendo desabar em lágrimas.
— Está tudo bem, minha pequena… Pode chorar. — as palavras de conforto do papai, foi a melhor coisa que ouvi desde que saímos de Atlanta.

Sentir seu abraço não somente me fez chorar mais, como me permitiu sentir um pouquinho de paz e conforto. Algo que não sentia a muito tempo, mas que lá no fundo ansiava bastante.

— Eu não sou o seu avô, mas sou o seu pai, sabe que pode contar comigo. — sussurrou ele, com um tom estranho, parecia segurar suas emoções para me passar segurança — Estou aqui por você, minha pequena.
— Obrigada, papai. — assenti, tentando lutar contra a angústia que sentia.

Estava passando por um turbilhão de emoções.
A morte do vovô, meu acidente nos treinos, a traição da mamãe terminando no divórcio deles, minha mudança para Vancouver, meu medo de voltar a patinar, a escola nova e toda essa pressão que estava sentindo.

Eu só queria continuar ali por alguns minutos, sentindo seu abraço.

Eu vou te abraçar, vou segurar suas mãos
Se você se sentir confortável
Eu darei tudo de mim
Eu quero proteger o seu sorriso
(Eu quero proteger você)
Pra sempre. - Promise / EXO


Rotina

2 meses antes…



Confesso que as quatro primeiras semanas em Vancouver foram muito difíceis, principalmente por meus conflitos internos. A cada dia inventava uma desculpa diferente para não ver o treinador Urisc, entretanto, quanto mais eu me esforçava para me afastar da equipe de patinação, mais Dylan, Emma e Lola criavam motivos para se aproximarem de mim.

Ignorado os olhares atravessados quando passava pelos corredores, e a notória presença do presidente do grêmio estudantil sentado atrás de mim. Meus dias começaram a compor uma leve rotina, em que pela manhã desfrutava de um café da manhã com meu pai e após horas de aula, meus novos amigos da patinação me faziam acompanhar seus treinos, ainda que um pouco forçada.

— Ela precisa dar mais impulso na perna esquerda. — comentei, ao observar Cherry fazendo um salto específico que chamamos de Lutz.
— O que você entende sobre isso?! — indagou Ava, a outra patinadora que claramente era amiga da princesinha da escola, certamente ouvindo o meu comentário — É apenas uma novata bisbilhoteira que nem deveria estar aqui.

Em algumas conversas aleatórias no intervalo e nas escapadas para a biblioteca, descobri os motivos para Lola não conseguir se classificar para nenhum campeonato. A elite da escola sempre tinha preferência, principalmente Cherry, a filha da diretora e sua amiga, Ava Smith, a enteada do vereador.

— Você ouviu? — tentei não ser irônica, porém, sem sucesso.
— Saia do ginásio. — Ava ordenou como se fosse a dona da escola.
— Você não pode me expulsar daqui. — cruzei os braços, me mantendo parada onde estava.

Confesso que não queria ficar assistindo a senhorita Barbie errando várias vezes o mesmo salto, por um pequeno detalhe de impulso que deveria saber.

— Tem certeza que não?! — insistiu ela, com o olhar atravessado para mim.
— O que está acontecendo aqui?! — indagou Dylan ao se aproximar com Emma.
— Nada, só estava convidando a intrusa a deixar o ginásio. — Ava deixou sua voz com o tom mais sutil — Todos nós sabemos que o treino da equipe é confidencial.
— Deixa de ser insuportável. — disse Lola, entrando na conversa — Eu vi muito bem quando você expulsou ela daqui, se achando a dona da escola.
— Ela não é da equipe, então, não é bem-vinda aqui. — continuou Ava, demonstrando antipatia.
— Uau, isso tudo porque eu fiz um pequeno comentário?! — segurei o riso, achando desnecessário, porém, não me importando.
— Vocês poderiam fazer silêncio?! — de repente Cherry parou no centro da pista e nos olhou fúria — Estou tentando realizar um salto aqui.
— Não é minha culpa, só estou tentando esvaziar o ambiente. — Ava manteve seu olhar em mim — Além de intrusa, ela falou mal do seu salto.
— O que?! — Cherry com seu olhar superior, patinou até se aproximar do lado da arquibancada onde estávamos — O que alguém como você teria para falar do meu salto? Acha que conhece de patinação?
— Ela conhece sim. — disse Emma, tentando me defender.
— Emma não precisa. — disse ponderando minhas palavras — Eu não disse nada demais, e minha opinião não importa.
— Você disse que a Cherry estava saltando errado. — comentou Ava, colocando mais intriga na discussão.
— É apenas uma opinião. — interviu Dylan, achando desnecessário toda comoção delas — Como se vocês duas não ficassem falando dos nossos saltos.
— Elas se acham as perfeitas. — reclamou Lola, bufando em seguida.

Cherry passou pelo acesso saindo da pista de gelo, então retirou seus patins e os esticou para mim.

— Se acha que sua opinião é boa demais, pegue os meus patins ou os da Ava e venha me mostrar como se faz. — concluiu ela, com o olhar superior para mim.

Meu coração se apertou de início e logo disparou a acelerar. Não pelo desafio e afronta dela, mas a ideia de voltar a patinar já me deixava em crise, um gatilho que me conduzia as más lembranças.

— É óbvio que ela nem sabe o que está dizendo. — mais uma vez Ava lançou seu veneno sobre mim.

Eu me vi tão paralisada naquele momento, que não conseguia ter uma reação.

— Me desculpem por acabar com a reunião, mas esta pista de gelo agora pertence ao time de hóquei. — a voz de Collins soou atrás de mim.

Pela primeira vez me senti aliviada ao ouví-la.
Segurei o quanto pude as minhas emoções e dando o primeiro passo para me afastar, apenas me virei e saí correndo do ginásio, sem me importar de ter trombado nele no processo. Desta vez não fugiria da escola, pois havia prometido ao meu pai que tentaria, pois mais que fosse difícil ou doloroso, eu tentaria. Por mim, por ele e pelo vovô.

— Cinco minutos, eu só preciso de cinco minutos. — disse ao me trancar dentro de um reservado no banheiro feminino do segundo andar do prédio.

O que realmente seria cinco minutos, acabou durando todo o horário do intervalo e parte da aula de geografia. Retornei para o último horário, os alunos ainda estavam conversando em seus grupinhos quando entrei na sala. A aula seria de literatura francesa, havia me esquecido que o Canadá também falava francês, e tinha aulas de história, gramática e literatura francesa. Todo o ambiente silenciou com a minha presença, e os olhares se voltaram em minha direção acompanhando os passos que eu dava até a carteira. Tentei passar rapidamente pelas primeiras carteiras até chegar à última fileira, meu lugar nunca pareceu tão distante quanto naquele momento. Assim que me sentei, notei a ausência do nosso presidente.

— Eles ainda estão treinando? — sussurrei intrigada, ao voltar meu olhar para a janela.

Não que eu me interessasse e nem deveria estar pensando nisso.

! — Emma seguiu até mim e se sentou na cadeira ao lado — Eu esqueci de te dizer que fui transferida para sua sala.
— Emma. — dei um sorriso fechado para ela — Não se incomoda de sentar ao meu lado?

Indaguei a ela, curiosa.

— Por que? — seu olhar demonstrou estar confuso.
— É que… As últimas fileiras são do time de hóquei. — expliquei o motivo — Todos já ficam me encarando por sentar aqui.
— Fique tranquila, esse lugar não é tão problemático quanto o seu.

Ela soltou uma risada espontânea.

— Ah… Me desculpa por… Pela confusão que a Ava causou. — seu olhar baixou, consegui notar que ela também estava chateada.
— Está tudo bem… — assenti voltando meu olhar para a janela — Talvez ela esteja certa… Talvez eu não saiba de nada.
— Não diga isso… — ela deu uma pausa e ouvi o barulho de sua movimentação — Nem se elas se fundissem, conseguiriam chegar ao seu nível.

Mantive-me em silêncio por um tempo, longe em meus pensamentos, até que voltei meu olhar para frente, lá estava o presidente da turma, encostado no quadro branco, com as mãos nos bolsos da calça e o olhar em minha direção. Era desconfortável tê-lo me encarando assim, mas pelo menos desta vez tinha um leve fundamento, além de apenas ser a garota distraída que esbarra nele. Bem, pelo menos era assim que ele se referia a mim, agora havia algo a mais entre nós, mais do que apenas esbarrões, havia uma rivalidade sutil e oculta entre o melhor aluno da escola e a novata com o um currículo acadêmico de Atlanta de causar inveja.

Eu não patinava mais, porém, ainda era uma aluna exemplar.

E pior…

Sempre fui competitiva em sala de aula.

— Bom dia, classe. Bom dia, senhor presidente. — disse o senhor Foster, nosso professor de literatura, ao se deparar com ele ainda encostado ao quadro — Gostaria de tomar seu assento?!

Collins assentiu com o olhar e caminhou com um sorriso de canto, até sua mesa atrás de mim. Consegui sentir toda a sua movimentação, principalmente as batidas de seus dedos na mesa, que pareciam demonstrar sua inquietação.

— Hoje vamos iniciar nosso circuito de debates comparativos entre a literatura francesa e inglesa. — disse o senhor Foster, já iniciando sua aula num tom empolgado — Tenho certeza que vocês irão gostar, separei dois romances para que possam ler e na próxima aula iniciaremos as discussões dos dois primeiros capítulos de cada.

Ele abriu sua pasta e retirou uma pilha de papéis A5, que parecia conter nosso cronograma de leitura semanal. Ele já havia dito na semana passada que faria isso, assim não deixaria nenhum aluno dar a desculpa que não conseguiu ler.

— E quais romances selecionou, senhor Foster? — indagou Cherry, se ajeitando na carteira.

Eu ainda não conseguia lidar com o fato dela ser da mesma turma que eu, assim como sua amiga Ava e a irmã gêmea Alba. Trocava as três pela companhia de Dylan e Lola, sem nenhuma dúvida.

— Nosso romance francês é Os três mosqueteiros por Alexandre Dumas, e o romance inglês será O retrato de Dorian Gray escrito por Oscar Wilde. — anunciou ele, com certa pompa, como se tivesse feito uma boa escolha.

Os cochichos vieram de todos. E percebi que algumas meninas gostaram da escolha. Já os garotos, bem… Agiram como garotos.

— Me desculpe professor Foster, mas não consigo visualizar nenhum link que me faça querer encontrar comparativos entre as duas obras. — eu tentei ficar em silêncio, mas a nerd que habitava em mim conhecia ambas as histórias e se negava fazer silêncio — Por mais que Oscar Wilde tentasse fazer uma crítica à sociedade pela forma em que as pessoas vivem suas vidas de autodestruição centrado em um homem preso aos seus desejos, Alexandre Dumas apresenta uma narrativa de aventuras que enfatiza o companheirismo e a amizade de quatro homens, algo mais profundo e superior que as luxúrias de um homem com seu retrato.
— Olha só, temos uma amante de livros nesta turma. — o professor Foster, tentando demonstrar entusiasmo, porém, seu olhar confuso parecia mais estar tentando digerir meu argumento.

O silêncio tomou conta da sala, com o professor disfarçando sua perplexidade. Então, uma risada veio de forma sutil, me fazendo virar para trás.

— O que foi? Falei algo engraçado? — perguntei a Collins.
— Não, só acho que sua leitura sobre Dorian Gray foi bastante rasa para dizer que apenas conta a história de alguém preso aos seus desejos. — explicou ele, o ponto de sua risada — A história de Dorian Gray consegue ser mais profunda do que se imagina.
— Ah, sim… Quanta profundidade…— comentei, soltando uma risada sarcástica, não abaixando a guarda — Não acho que minhas leituras são rasas, senhor presidente, mas devo confessar que estou curiosa por vê-lo defender tanto este livro.
— Bem, já que suas leituras não são rasas, me diga um ponto que a levou a este conceito de Dorian Gray. — insistiu ele.

Neste momento, o silêncio já pairava na sala com a atenção de todos, em nós dois. Já nossa atenção, estava um no outro.

— Bem, que tal deixarmos o debate para a próxima aula, mesmo que eu esteja me deliciando com… — eu não estava me atentando às palavras do professor, que se esforçava para suavizar a situação, e certamente, o capitão do time de hóquei também não estava se importando com o fato.
— Não preciso de muito para expor o óbvio. — desta vez, soltei outra gargalhada sarcástica, mantendo o olhar nele — Viver levianamente se beneficiando de uma longa juventude, enquanto desfruta de todas as formas de libertinagem, certamente para alguém como você uma leitura assim deve interessar. Mas é somente isso que eu vejo em toda a narrativa.
— Como imaginei… Pessoas que já possuem um pré julgamento para tudo são exatamente assim como você. — retrucou ele, mantendo a seriedade no olhar — Apesar de se mostrar alguém culta, não sabe nem mesmo diferenciar uma narrativa que demonstra o sofrimento de um personagem aprisionado por seus desejos que possui o medo de ver o próprio reflexo por não se sentir digno da vida que lhe foi proposta e culpado pelos seus pecados… O quadro apenas demonstrava o quão triste e vazio era a vida de Dorian, não apenas o quanto sua alma era sombria e carregada de imoralidade, a juventude se tornou sua prisão, e foi a forma que o autor encontrou para retratar a realidade de algumas pessoas de sua época.

Admito que não esperava por esse argumento, menos ainda pelo olhar confiante e profundo que emanava dele. Vossa majestade não era o melhor aluno apenas por fama, ou por seus feitos na pista de gelo, suas notas altas não eram compradas como eu havia imaginado. Ele realmente tinha neurônios, e era interessante o bastante manter uma linha de debate com ele.

— Bem… — logo uma tosse seca veio do professor, que literalmente não detinha mais o controle da aula — Diante desta discussão tão acalorada e estimulante, que tal escolhemos juntos outros títulos? Já que estes já foram…

Sua proposta parecia racional para o momento, pois, era óbvio que não teria mais nenhuma graça falar de Dorian Gray e D'Artagnan na próxima aula, depois daquele embate.

— Se posso sugerir professor, gostaria de indicar Orgulho e Preconceito. — disse Collins, com o olhar fixo em mim.

Aquilo parecia uma indireta.

— É claro, se a novata concordar. — continuou ele, num tom mais provocativo.
— Hum?! — o soar do professor pareceu confuso.
— Eu não me oponho. — virei meu corpo para frente e olhei para o senhor Foster — Mas também quero sugerir um título… O Conde de Monte Cristo.

Então me voltei para trás novamente, encarando vossa majestade.

— Se o presidente não se opor, é claro. — devolvi a provocação.
— Nenhuma objeção. — disse Collins, dando um sorriso de canto debochado.
— Maravilha… Vamos de Jane Austen e Alexandre Dumas. — concordou o professor, de imediato, certamente com medo de mais alguma discussão antecipada partindo de nós dois — Existem alguns exemplares na biblioteca, para aqueles que não possuem o livro, e enviarei o pdf no email de vocês para evitar desculpas futuras.

Eu voltei meu corpo para frente, mantendo a atenção ao professor até o final da aula.

— Agora que todos estão com o cronograma de leituras, vamos fazer uma revisão das características da literatura francesa contemporânea e como identificá-la na narrativa. — anunciou o professor, após entregar a cada aluno as folhas em sua mão.

Segundo ele, queria ter certeza de que ninguém ficaria sem as orientações. Claro que os muitos comentários sobre nosso pequeno debate haviam se espalhado rapidamente pela escola. O que me custou alguns empurrões e esbarrões agressivos pelos corredores até o portão. Claro que eu era a única louca o suficiente para desafiar o presidente e não me importar com a represália de seu fã clube.

Minha volta para casa foi silenciosa e tranquila dentro do ônibus, demorou um pouco devido a um problema no motor, que nos fez esperar por outro ônibus no meio do caminho. Quando entrei no apartamento, já era noite e meu pai que havia chegado antes de mim, se mantinha concentrado na cozinha, preparando nosso jantar.

— Boa noite, papai. — disse ao me aproximar dele, e o observar.
— Bom dia, querida. — ele sorriu de leve, e voltou-se para mim, piscando de leve — Como foi seu dia?
— Cansativo, mas divertido. — respondi rindo de leve.

Aquele “bom dia” me lembrou o vovô, que sempre me cumprimentava assim, em qualquer hora do dia. Deu uma aquecida em meu coração.

— Algo relacionado aos patins? — indagou ele.

Meu pai mais do que eu mesma, tinha grandes expectativas para que eu voltasse a patinar, o que me deixava ainda mais frustrada por não conseguir. Aquele bloqueio que não conseguia enfrentar, lá no fundo, me fazia sentir fraca e incapaz.

— Não… Talvez… — soltei um suspiro fraco — Sempre que penso em patinar novamente, sinto um aperto em meu coração, e o medo toma conta de mim.
— Não acha que precisa de uma ajuda profissional? — sugeriu ele.

Papai já havia falado sobre isso outras vezes, ter o acompanhamento de um psicólogo para me ajudar a superar as turbulências da vida.

— As quedas vem para nos fazer mais fortes ao levantar. — ele parou o que fazia e me olhou com mais atenção — , seus olhos brilham quando está patinando e com isso você transmite uma luz incrível, que encanta a todos que assiste.
— Eu tenho medo de voltar, de não conseguir patinar de novo, porque o vovô não está mais aqui. — confessei a ele, o ponto chave da minha insegurança.
— Mas é claro que seu avô está aqui. — ele segurou em minha mão e me puxou para perto, para me abraçar forte — Em nosso coração, pois não deixamos de amá-lo pela ausência, e em nossas memórias, pois jamais o esqueceremos… E pensei que, patinar, é uma forma de honrar a memória dele.

Assenti permanecendo em silêncio, apenas me aninhando nos braços do papai, com as lágrimas escorrendo por meus olhos. Estava grata por ainda ter ele para me apoiar.

— Promete que vai tentar? — pediu ele, num tom mais baixo, porém, acolhedor.
— Prometo. — respondi acanhada, quase em sussurro — Eu te amo, papai.
— Eu te amo querida. — disse ele, ao acariciar meus cabelos — Agora me ajude a terminar o jantar.
— O senhor sempre deixa a cozinha uma bagunça. — o repreendi num tom de brincadeira, o fazendo rir alto.

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As semanas passaram e o professor Foster havia iniciado seus debates sobre os livros, assim como eu, o presidente também se reservou o direito de permanecer em silêncio nas duas primeiras rodadas. Vossa majestade não parecia de bom-humor nos dias que seguiram, talvez pela derrota que o time da escola sofreu no último jogo de hóquei, que custou uma longa repressão do treinador. Ou talvez pelos boatos de que seu pai havia retornado de uma viagem política e demonstrado sua insatisfação com o desempenho do filho como capitão.

Não sabia muito bem como era o relacionamento deles, e meus novos amigos não gostavam de mencionar o assunto, apenas que o vereador Frederick Collins era um homem autoritário e abusivo com o filho.

— Bom dia, treinador Urisc. — disse, após dar dois toques na porta de sua sala.

Após muito relutar, e com uma promessa feita ao meu pai, finalmente eu estava diante do treinador, para falar sobre minha entrada no time de patinação.

— Bom dia, senhorita Grimer. — ele manteve a serenidade no olhar, com um toque sutil de curiosidade por me ver ali — Achei que não a conheceria até o final do ano letivo.
— Me desculpe, por… Demorar a me decidir. — respirei fundo, tentando manter a coragem que levei semanas para reunir — Estou com problemas de bloqueio e…
— Emma me contou. — seu tom pareceu apático à minha situação.
— Então, o senhor sabe que talvez eu não consiga… — era doloroso admitir a realidade, e ao mesmo tempo lutar contra meus medos para trilhar um recomeço, mas de alguma forma precisava ter resiliência para continuar.
— Não me importa se não consegue no momento, eu ainda a quero em minha equipe, de alguma forma, o pequeno espaço de tempo que a senhorita esteve visível a este universo do gelo, conseguiu deixar sua marca entre o júri que lhe assistiu em seu primeiro campeonato. — continuou ele, inexpressivo — Eu vi as suas apresentações e sei do seu potencial, então, lhe darei até o final do semestre para se recuperar, quero lhe treinar para o campeonato do próximo ano.
— Sim, senhor. — assenti, engolindo seco.

O treinador Urisc não parecia amigável e bondoso como a senhorita Petrick de Atlanta. E isso me deixou preocupada e ainda mais insegura.

— Venha comigo. — disse ele, ao se levantar de sua cadeira e passar por mim, seguindo para fora de seu escritório, ao lado dos vestiários.

Os outros membros da equipe de patinação estavam treinando na pista de gelo, e pareciam concentrados nos movimentos que davam.

— Equipe de patinação. — gritou ele, chamando a atenção até dos meninos do time de hóquei, que conversavam na arquibancada.
— Sim, treinador. — disse eles, em coral.

Por alguns instantes, ele esperou para que todos chegassem até a borda onde estávamos, para que ele pudesse fazer seu pronunciamento.

— Quero informar a vocês, a entrada de mais um membro na equipe. — o treinador voltou o olhar para mim — A senhorita Grimer, está oficialmente se juntando a nós.

Logo o olhar atravessado e arrogante de Cherry veio em minha direção, assim como a expressão de surpresa dos meus amigos.

— Inicialmente ela não irá treinar com vocês, então, podem retornar ao que faziam e redobrar a atenção em todos os saltos que derem. — ordenou ele, direto e objetivo, retornando sua atenção a mim, ele retirou um cartão do bolso e esticou para mim — Seu treinamento começará a partir da próxima semana, no final da aula, quero que se encontre com a pessoa deste cartão, ela irá te ajudar.

Assenti com a cabeça, ao pegar o cartão de sua mão. Me afastando do treinador, respirei fundo, sentindo meu coração apertar novamente, então virei meu olhar de relance para a arquibancada, notando o olhar do capitão para mim. Visivelmente, ele também estava surpreso com a notícia.

Horas depois, no último horário, estávamos nós mais uma vez na aula de literatura.

— Bom dia, classe. Bom dia, senhor presidente. — disse o senhor Foster, ao adentrar com sua animação de sempre — Hoje teremos nosso terceiro debate sobre as leituras, confesso que ando chateado pela falta de interesse da turma em relatar suas reflexões, e espero que hoje tenhamos mais comentários.

Certamente ele se referia aos rivais da literatura, vulgo eu e vossa majestade.

— Primeiro… — ele olhou em minha direção — Senhor presidente, gostaria de transmitir o comunicado à classe agora?
— Sim, professor. — Collins se levantou e caminhou a passos tranquilos e lentos até a frente, com o olhar sereno — Agradeço por me ceder alguns minutos.
— De qualquer forma eu teria que fazê-lo. — o professor se voltou para nós com o olhar cansado — Quero todos sentados e atentos, temos um comunicado aos alunos.

Vossa magestade manteve o olhar voltado para mim.

— Como todos sabem, a vaga de vice-presidente do grêmio estudantil continua aberta e como não houve candidatas para a posição, uma votação foi feita pelo corpo docente para escolher a aluna mais adequada que ocupará este lugar.

Alguns cochichos foram surgindo enquanto ele se pronunciava. Eu havia me esquecido que para compôr a liderança do grêmio estudantil, segundo as regras, deveria ser um casal. Ou seja, se o presidente for um garoto, o vice deveria obrigatoriamente ser uma garota, e vice-versa. Para ser honesta, não ligava para o assunto, então, não tive o interesse em saber sobre.

— Eles chegaram a um nome. — ele pareceu respirar fundo, talvez para causar um clima de mistério e deixar a todos curiosos — Grimer.
— O que?! — o tom questionador de Cherry soou alto e revoltado.

Era de se esperar.
Contudo, eu também estava surpresa pelo anúncio. Eu não queria ser vice, não queria essa responsabilidade, menos ainda trabalhar ao lado de vossa majestade. Já era louca o suficiente para enfrentá-lo nas aulas e alimentar nossa rivalidade estudantil, entretanto, jamais imaginei chegar a este ponto.

— Vice-presidente do grêmio estudantil. — disse Emma, ao olhar para mim, com espanto e surpresa — Agora você é a rainha da escola, vossa majestade.

Eu o que?!

Someone call the doctor.
- Overdose / EXO


Round 1

2 meses antes…

No dia seguinte à minha promoção, comecei a sentir mais incômodo ainda ao passar pelos corredores da escola e enfrentar todos cochichando pelos cantos, os olhares atravessados para mim e pior, a fúria escorrendo pelos olhos de Cherry e o fã clube de vossa majestade. Por ser a filha da diretora, a patricinha número 1 não poderia se candidatar ao grêmio estudantil, pois configuraria conflito de interesse.

— Temos uma reunião agora, após a aula. — disse Collins, num tom de ordem ao se colocar ao lado da minha mesa.
— Eu já tenho outros compromissos. — anunciei a ele, ao me levantar da cadeira e encará-lo sem demonstrar medo.
— Cancele-os então, você possui uma responsabilidade agora. — retrucou ele, mantendo a serenidade na voz — Como vice-presidente.

A entonação que ele utilizou fez com que todos voltassem a atenção de todos para nós.

— Eu não pedi para ser a vice. — argumentei, não me deixando intimidar.
— Bem, foi uma escolha do corpo docente, o que significa que não pode recusar. — seu tom ficou mais firme, como se odiasse minha forma de contrariá-lo.
— E essa reunião vai demorar? — indaguei, controlando minha chateação — Como já disse, tenho compromisso.

Não que fosse urgente, porém, havia prometido ao papai que jantaria com ele na casa de sua amiga do trabalho, por isso, queria chegar mais cedo em casa para adiantar os deveres da escola. Me virei para o lado e peguei a mochila, colocando os cadernos dentro, então, voltei para ele demonstrando em meu olhar que estava pronta. Collins me conduziu até a sala do grêmio estudantil, onde haviam mais três alunos nos aguardando, e um deles era Alba Smith, irmã gêmea de Ava. Eu somente conseguia diferenciar as duas pelo fato de Ava ser mais magra e com seus cabelos tingidos de loiro, quanto Alba ser naturalmente morena e com seu corpo mais robusto.

— Vice-presidente, estes são Jeremy, nosso tesoureiro, e Lisa Black, nossa secretária, e Alba é a nossa relações públicas. — disse ele, assim que nos colocamos à frente da mesa de reuniões, para conhecer — É ela quem organiza as festas e eventos da escola.
— Prazer. — disse aos três, sem saber como reagir a presença da terceira patricinha na equipe.

O silêncio nem teve tempo de se estabelecer no ambiente, pois a empolgação de nossa secretária era nítida em seu rosto.

— Então finalmente você se tornou a nossa vice-presidente… — comentou Lisa, com um sorriso gentil no rosto — Estava torcendo para que fosse você.
— Sério… — virei meu rosto para o presidente — Existe mais algo que eu deva saber?
— Não, apenas que os professores tinham uma lista de possibilidades e você foi a melhor de todas. — ele manteve suas palavras ditas em sala de aula.
— Os membros do grêmio sabiam sobre os nomes da lista dos professores. — disse Alba, me olhando de cima a baixo — Se é isso que quer saber.

E por mais que tentasse ser discreta, eu percebi.

— Vamos começar a reunião?! — perguntei ignorando aquilo, e me sentando na cadeira presidencial que ficava na ponta da mesa.
— Este lugar é do presi… — disse Lisa, no impulso assim que me sentei, então se calou por algum motivo.
— De quem?! — me fiz a sonsa, voltando meu olhar para Collins em provocação.

Algo dentro de mim me dizia que a culpa de eu ser a vice, era exclusivamente dele.

— Lisa, abra a ata da reunião. — ordenou Collins, ignorando minha atitude de sentar em sua cadeira, deu alguns passos até a janela, se apoiando no peitoril — Vamos registrar a posse da nossa vice-presidente, e discutir sobre o próximo evento dos alunos.
— Verdade, nossa feira de ciências está próxima e devemos organizá-la sob a supervisão dos professores de química, física e biologia. — comentou Alba, ao abrir sua agenda para conferir as datas dos próximos eventos do ano letivo — Depois disso, teremos a pausa para as férias de verão, mas antes, temos que preparar o baile de formatura dos veteranos, então, retornamos com o show de talentos na segunda semana do outono, e seguimos para o dia de ação de graças e voilá, natal.
— Nossa… — sussurrei, não imaginando que teria tanta coisa assim e que era de nossa responsabilidade.
— Uma coisa por vez Alba. — Collins a repreendeu de início, eu conseguia sentir que seu olhar estava fixo em mim, o que me fazia querer encará-lo também, porém, me contive — Concentre-se primeiro na Feira de Ciências, os alunos terão que escolher entre as três disciplina, qual trabalho vão apresentar.
— Este ano será individual? — indagou Lisa, ao parar de escrever para olhá-lo — Foi assim no ano passado.
— Eu vou confirmar com os professores. — disse Alba, enquanto anotava em sua agenda as informações — Farei o comunicado aos alunos pelo jornal da escola, assim que todos os detalhes estiverem acertados com o corpo docente.

A primeiro momento, Alba me pareceu uma daquelas alunas super eficientes e organizadas, e os comentários que ouvi dos meus amigos de patins, é que a patricinha tinha mesmo um toc por organização, que fazia dela quase insuportável. Ao contrário de sua irmã que era mais popular pela patinação, a relações públicas de nosso grêmio estudantil não chamavam tanta atenção assim.

— Terceiro tópico, precisamos de orçamento para o baile de formatura dos veteranos, nosso caixa já está comprometido, alguma sugestão, tesoureiro? — o presidente a todo momento continuou com seu tom firme e sério, entretanto, sereno e o olhar fixo em mim.
— Rifas?! — sugeriu Jeremy, em forma de pergunta.
— E o que iríamos rifar? — indagou Alba, num tom irônico — Você?
— O presidente. — eu finalmente me pronunciei, e agora direcionando meu olhar para ele, o encarando como queria desde o início — E não será uma rifa, vamos promover um leilão com os membros do time de hóquei, e a pessoa que der o maior lance para cada um deles, terá o benefício de desfrutar um date perfeito com seu jogador. O que acham?

Collins começou a rir de imediato, certamente achando insano minha ideia.

— Eu estava brincando… — disse Jeremy, num tom perplexo.
— Você quer leiloar o time de hóquei?! — ele se afastou da janela, caminhando até para ao meu lado, então girando a cadeira, me posicionou de frente para ele — O que te faz pensar que pode?
— Sou a vice-presidente. — respondi, usando o cargo a meu favor.
— Garota distraída… Sua ousadia é interessante. — retrucou ele, mantendo as mãos apoiadas nos braços da cadeira, aproximando mais seu rosto do meu — Me convença a aceitar.
— Tem uma ideia melhor? — o confrontei.
— Pode dar certo. — disse Alba, curiosamente em minha defesa.

Isso me estranhou. Todos nós olhamos para ela, esperando por suas palavras de sensatez para explicar como a minha proposta poderia dar certo. Afinal, eu só havia dito aquilo no improviso para provocá-lo.

— Como?! — Collins ergueu seu corpo, com a atenção nela.
— É um fato que o time de hóquei é bem popular, não somente em nossa escola, mas entre todas da cidade de Vancouver e região. — iniciou Alba, construindo seu argumento, que inesperadamente defendia a minha ideia — Se anunciarmos o leilão, será apenas para convidadas seletas, então podemos ganhar mais vendendo ingressos vip para o evento, e por fim, leiloando um date perfeito para cada jogador do time, arrecadamos não somente a quantia para o baile, como também uma sobra para guardar em caixa.

Vossa majestade ficou em silêncio, parecia refletir sobre o assunto e tal possibilidade.

— Então, vossa majestade?! — insisti, ao me levantar da cadeira e encará-lo — O que me diz?!
— Deixaremos o assunto em aberto, até a próxima reunião. — anunciou ele, mantendo o olhar em mim — Feche a ata, Lisa.
— Sim, senhor. — disse a garota de imediato.

Eu senti a movimentação de Alba se levantando da cadeira e recolhendo suas coisas, assim como Jeremy e Lisa. O silêncio entre a realeza se estabeleceu, após a saída dos outros membros.

— Já que está encerrada a reunião… — eu me movi para sair também, porém, fui parada por ele, que segurou em meu braço, de uma forma cautelosa — Não gostou da sua nomeação?
— Algo me diz que você é o causador dela. — retruquei, abaixando o olhar para sua mão que me segurava — Você admite?
— Admitir? Por que faria isso? — indagou ele, com aquele seu olhar seguro e intenso, se aproximando mais — Foi você quem chamou a atenção de todos.

Eu engoli seco, ao recordar minha trajetória desde o primeiro esbarrão até ali, e realmente eu não facilitava para mim, já que estava sempre protagonizando os maiores barracos da escola. Não me indignei a formular meu argumento para ele, e odiava admitir a verdade, então, me soltei e segui em direção a porta.

— Te vejo amanhã. — disse ele, num tom debochado.

Bufei um pouco de raiva, e ainda me lembrei que tinha um jantar para participar com meu pai. Ignorando as pessoas ao meu redor, segui até o ponto de ônibus e esperei por um tempo, até que passou. Por minutos, me peguei perdida em meus pensamentos, pensando em todo tumulto que aconteceu em um curto espaço de tempo.

— Pai?! Já está em casa? — perguntei ao entrar no apartamento, e colocar minha mochila no sofá.

Olhei pelo lugar e constatei que estava sozinha. Um suspiro fraco, peguei a mochila novamente e segui para meu quarto, antes de fazer qualquer coisa, fui ao banheiro para tomar uma ducha rápida, então me vesti casualmente para o jantar. Seguindo até minha bancada de estudos, sentei na cadeira e abri os livros, iniciando meus estudos. Tinha um relatório sobre minha leitura dos livros escolhidos para entregar na próxima aula ao professor Foster.

— Que dor nas costas… — sussurrei ao me espreguiçar da cadeira, voltando meu olhar para o celular ao lado.

Tinha uma mensagem de Meredith, peguei o aparelho para ler, porém, ouvi o barulho do meu pai chegando. Logo, guardei o celular no bolso e me levantei para seguir para sala, papai estava falando ao celular, e seu olhar não parecia contente.

— Querida! — papai encerrou a ligação assim que me viu, então pareceu forçar um sorriso para não me preocupar — Como foi seu dia?
— Cheio assim como minha semana, cada dia uma novidade que faz minha rotina mudar totalmente. — contei a ele, indo lhe dar um abraço — E o seu?
— Cansativo, como de todo trabalhador assalariado. — brincou ele, me arrancando algumas risadas — Está mesmo tudo bem, ir ao jantar?
— Sim, por que não estaria? — indaguei a ele.
— Sei que não gosta da minha amiga. — papai foi direto e sincero quanto sua percepção as minhas reações nas muitas vezes que Clair nos visitou.
— Não é que eu não goste… — não sabia como reagir, nem o que dizer — Eu só não estou acostumada com a ideia de você com outra mulher, mesmo sabendo que a culpa é da mamãe e que o senhor merece começar de novo.
— Eu e Clair somos apenas amigos, nada mais que isso. — assegurou ele, me transmitindo confiança em seu olhar — Se algum dia eu me apaixonar novamente, será a primeira a saber.
— Hum. — assentiu com a cabeça, dando um sorriso fechado.

Eu apenas queria que ele fosse feliz novamente.

— E nenhuma mulher, vai tomar o seu lugar em meu coração. — garantiu ele, ao me puxar novamente para outro abraço — Você é a minha princesinha do gelo.
— Te amo, papai. — senti umas lágrimas surgirem no canto dos meus olhos.

Senti mais que nunca que éramos nós dois contra o mundo agora.

— Acho melhor irmos agora, senão, vamos nos atrasar. — disse a ele, que começou a rir um pouco — Papai?!
— Sim, vamos querida.

Papai se incumbiu de trancar o apartamento, enquanto eu desci as escadas na frente. Seguimos em seu carro até chegar na área mais residencial da cidade, em que as casas apresentavam uma arquitetura tradicional francesa, que me fazia lembrar algumas ruas de Paris. A casa em que Clair morava, não era luxuosa quanto pensei que seria, porém, era muito bonita e bem decorada a ponto de me impressionar. Dois andares e modesta, uma bela residência para famílias de classe média.

— Estou feliz que tenham aceitado meu convite. — disse Clair, com seus olhos brilhando ao direcionar sua atenção ao meu pai.

Se ele não conseguia notar as intenções dela, realmente meu pai estava anestesiado para o universo do amor. Pois era bem visível o interesse da senhorita Jones por ele.

— Entrem, por favor. — convidou ela, ao abrir um pouco mais a porta para entrarmos — Sintam-se em casa.
— Agradecemos a hospitalidade. — disse papai, sendo cordial e formal.

Ela sorriu de forma singelo.

— E você, ?! Como tem ido na escola? — indagou ela, tentando me inserir na conversa.
— Hum?! — eu que estava tentando me atentar aos detalhes da decoração de sua casa, voltei meu olhar para ela — A escola?
— Sim… Soube que você é a nova vice-presidente do grêmio estudantil. — comentou ela.
— Papai te contou?! — devolvi a pergunta.
— Não. — respondeu meu pai — Como sabe, Clair.
— Ah… — ela riu baixo, certamente achando estranha a pergunta dele — Meus comentaram ontem, quando chegaram da escola.
— Seus filhos?! — por essa eu não esperava.
— Os meninos, eu havia me esquecido deles. — meu pai riu junto, parecia se lembrar do fato.
— Eles estão no porão jogando com um amigo, por que não vai lá dar um oi?! — sugeriu Clair, parecendo se esforçar ao máximo para que eu me sinta à vontade.
— Tudo bem. — assenti, também me esforçando para não ser a filha chata e intransigente.
— Segunda porta a direita. — informou ela.

Caminhei na direção indicada, então, passei pela porta e desci as escadas. E mais uma vez me vi impressionada, ao perceber que até mesmo o porão da casa dela, não era daqueles lugares sujos e úmidos como nos filmes, pelo contrário, parecia o melhor lugar do mundo para um gamer. Me mantive silenciosa, apenas observando os dois garotos de costas, jogando freneticamente enquanto apertavam os botões do joystick.

Pareciam nem notar minha presença.

Mas espera… Não tinham três?

— Onde está o terceiro?! — sussurrei confusa com a cena.
— Quer jogar também?! — aquela voz conhecida, que me deixava irritada e ao mesmo tempo abalada, soou atrás de mim, fazendo meu corpo arrepiar.

O que ele estava fazendo ali?

E se ele era o amigo… Quem eram os dois que jogavam?

— Vossa majestade. — disse num tom sarcástico, ao me virar e encará-lo — Devo entender sua presença aqui?
— Deve? — ele sorriu de canto, então passou por mim, seguindo até os outros — Você deveriam ser melhores anfitriões.
— Do que está falando? — um deles perguntou, ao soltar o joystick e olhá-lo.
— A visita da tia Clair chegou. — respondeu ele, com a serenidade de sempre, voltando o olhar para mim.
— Ah, a filha do amigo da mamãe. — ambos se levantaram do sofá e olharam em minha direção também.

Os gêmeos Gregory e Noah.
Ao contrário de mim, que estava estática, eles pareciam nada surpresos em me ver.

Será que já sabiam quem eu era?

Ou melhor, que era eu?

Por isso o presidente estava lá?

Agora, todos estão olhando para nós com pipoca na boca,
Esperando para ver o que vai acontecer com nós dois.
- Lotto / EXO


Round 2

2 mês antes…

Juro que tentei disfarçar minha surpresa, mas certamente meus olhos não foram tão discretos assim. Respirei tranquilamente e me mantive no canto próximo a porta, os encarando. Collins manteve seu olhar fixo em mim com profundidade, até que um dos gêmeos se levantou do sofá.

— É seu nome, não é? - perguntou Noah, dando um passo para perto.
. — o corrigi — é apenas para os íntimos.
— Estamos quase em família mesmo. — Gregori soltou uma gargalhada boba, mantendo o olhar na tela da televisão — Dependendo de como as coisas serão no jantar de hoje, no final da noite te chamamos de irmãzinha.

Ambos os gêmeos riram um pouco e pude notar que Collins segurou o riso.

— Vocês sabem de algo que eu não sei? — indaguei a eles adentrando mais o porão de jogos.
— Não. — Noah manteve um sorriso bobo no rosto — Mas não é um mistério difícil de decifrar, nossa mãe gosta do seu pai e achamos que é recíproco.
— Se houvesse alguma coisa, meu pai me contaria. — disse a eles.
— Acho que é questão de tempo, . — Noah piscou de leve com uma risada e esticou o joystick para mim — Sabe jogar?
— O que estão jogando? — indaguei.

Como poderia mudar de assunto tão rapidamente? Eu estava curiosa para saber como era a amizade do meu pai com a Clair, e certamente eles sabiam mais do que eu.

—Need For Speed. — respondeu Gregory.
— Legal. — peguei o joystick da sua mão e com ousadia me sentei no sofá, me aconchegando — Vou jogar contra quem?
— Capitão?! — Gregory se levantou e ofereceu a ele seu joystick.
— Com prazer. — Collins sorriu de canto ao pegar o objeto, e ao sentar ao meu lado, senti um respiro profundo vindo de sua parte.

Foi um longo tempo de disputa frenética que passamos no porão, até Clair nos chamarem para o jantar. Era um fato que nem eu e menos ainda Collins queria encerrar. Confesso que nunca fui tão ligada a games, porém, com um amigo igual ao Thomas, era complicado não saber sobre games ou não saber jogar algum.

— Tia Clair, o cheiro está muito bom. — elogiou Collins, assim que finalmente chegamos no andar de cima.
— Saber isso me deixa mais tranquila. — disse ela, com sutileza ao voltar seu olhar para mim — Espero que tenha sobrevivido a estes gamers incontroláveis.
— Ah, minha é experiente quando o assunto é games. — brincou meu pai, certamente se lembrando da minha antiga equipe de patinação.
— Foi um duelo de titãs lá embaixo. — comentou Noah, rindo baixo.
— Digamos que não aceitamos empate. — relatou Collins, mantendo o olhar em mim.
— Menos ainda a derrota. — concordei com ele.
— Vamos ao jantar. — disse Clair, ao me direcionar para a mesa.

Me sentei ao lado do papai, bem de frente para o presidente. Cochichos dos gêmeos sobre o cheiro da comida e olhares tímidos de Clair para o meu pai. Porém, o que me deixou intrigada, foi o olhar de Collins para mim.

— O que achou do strogonoff? — indagou Clair, após um breve silêncio ter pairado sobre a mesa de jantar.
— Está muito gostoso. — respondi a ela, dando um sorriso singelo — Agradeço por ter nos convidado para o jantar.
— Eu estou feliz, por terem aceitado. — disse ela, ao voltar seu olhar sutil para meu pai.

Realmente, tinha que concordar com os gêmeos, era uma questão de tempo para aquele casal se assumir.

Meu pai e a mãe deles.

— Papai. — disse assim que chegamos em casa, e o olhei com seriedade.
— Sim querida? — ele me olhou com sutileza, parecia curioso para saber minha opinião sincera sobre o jantar — Algum comentário a fazer?
— Bem… — caminhei até o sofá e me sentei nele — Confesso que fiquei surpresa com a presença do Collins lá, mas fiquei mais atenta aos olhares da Clair para o senhor.
— Hum… — ele riu de leve e seguiu para se sentar ao meu lado — Quer que eu atualize a nossa conversa de antes do jantar?
— Sim, por favor. — pedi a ele, também curiosa.
— Acho que podemos subir o nível para uma amizade colorida. — ele riu baixo, com o olhar envergonhado.
— Pai?! — eu me virei para ele, atenta ao que ele contaria a seguir.
— Bem, eu já te disse que crescemos juntos, até que ela se mudou com os pais para Vancouver e nossa amizade permaneceu apenas nas cartas. — contou ele, novamente o resumo da história — Mas devo confessar que quase rolou um beijo, enquanto ficamos sozinhos na cozinha.
— Hum… — eu ri baixo, me aninhando nos braços dele.

Por mais que pudesse ser estranho para mim, vê-lo com aquele brilho nos olhos me deixava mais relaxada e feliz. Com a sensação de esperança para dias melhores em nossa vida. Papai merecia ser feliz novamente no amor.

Os dias se passaram e finalmente tive coragem para enfrentar meu bloqueio e me encontrar com a pessoa que o treinador me recomendou. Após o final da aula, segui até o endereço correto, o papel estava tão amassado em minhas mãos trêmulas que precisei anotar no bloco de notas do celular caso ele se perdesse. Fiquei encarando a porta por minutos, até que a mesma fez um barulho, destravou e abriu sozinha.

— Entre. — disse uma voz vinda do fundo.

Respirei fundo e dei o primeiro passo. Era uma voz feminina, o que me deu um pouco mais de tranquilidade. Assim que entrei, a porta se fechou atrás de mim, me permitindo ver a silhueta da dona daquela voz aveludada.

— Você deve ser . — disse a mulher com um sorriso singelo no rosto.

Assenti com o rosto, observando discretamente ao meu redor. A casa era muito bem decorada e organizada, por estar afastada do centro comercial de Vancouver, e sendo a última de uma rua fechada e tranquila, tinha apenas o andar térreo e seu tamanho bem espaçoso. Voltei meu olhar para ela, notando que a mesma se apoiava em uma bengala, seu rosto jovem não demonstrava ser uma pessoa que precisasse de ajuda para se locomover. E abaixando mais o olhar, pude ver na perna esquerda sendo escondida pela saia que vestia, uma pontinha discreta do que seria uma cicatriz.

— Aceita um chá?! — ofereceu ela, num tom animado, estendendo a mão para eu adentrar o lugar.
— Não, obrigada. — deu um sorriso fechado, ainda tímida por estar ali — O treinador me disse que poderia me ajudar a voltar aos patins.
— Bem... Eu posso te orientar no que for possível, mas quem escolhe se levantar é você. — suas palavras soaram sérias e francas.
— Quero vencer o medo e resistir ao bloqueio que venho sofrendo. — assegurei a ela, confiante em minha decisão.

Havia passado a madrugada conversando com meu pai sobre finalmente ir naquele encontro. Sobre não recuar, ser forte e corajosa, como o vovô sempre me influenciava a ser.

— Que bom que está decidida a isso. — ela manteve seu olhar sereno — Meu nome é Rachel, eu e o Igor somos amigos de longa data, e antes dele ser treinador da escola, fomos parceiros no gelo.
— Sério?! — por aquilo eu não esperava.

O treinador Urisc com suas expressões tão sérias e frias, não me parecia alguém da patinação artística.

— E como ele virou treinador de hóquei também? — indaguei curiosa.
— Ele sempre foi um pouco dos dois. — ela riu de leve, parecia se lembrar de alguma lembrança do passado — Costumávamos fazer apostas naquela época, se ele perdesse os jogos de hóquei, eu patinava sozinha... Acho que é por isso que o time sempre vencia, mas então, ele deixou oficialmente a patinação artística no dia em que eu descobri que não poderia mais patinar.

Ela tocou de leve na saia e levantou rapidamente para que eu visse sua cicatriz.

— Mas... É claro que nem mesmo essa bengala poderia me afastar dos patins. — ela riu baixo, me guiando pelos cômodos até chegarmos na cozinha — Só Deus, mas Ele me permite usá-los em momentos especiais.
— Você ainda patina, mesmo assim?! — meu olhar surpreso era visível para ela.

E estava mesmo admirada com sua história.

— Claro que sim. — assentiu ela, com o olhar confiante — Nossa mente é uma caixinha de mistério, se você se convence que pode fazer, você consegue, mesmo seu corpo dizendo que não. E eu decidi não me limitar pelos machucados da vida.
— Eu também não quero me limitar. — revelei a ela, usando-a como uma referência.
— Que tal me contar um pouco sobre seu primeiro campeonato. — pediu ela, se virando para abrir a porta do armário e retirar uma chaleira.
— Não vai me fazer patinar hoje? — perguntei com o olhar atento a ela.
— Mas é claro que não, primeiro, preciso conquistar sua confiança. — ela continuou concentrada no que fazia.

Eu comecei a contar toda a minha história a ela, desde o dia em que vi a competição com o vovô, até minha vinda de Atlanta para Vancouver. Ao final da nossa tarde, degustamos uma saborosa torta de maçã com chá de hibisco que ela tinha feito naquele tempo. Quando voltei para casa, encontrei meu pai na cozinha preparando o jantar enquanto cantarolava uma música antiga.

Ele parecia muito animado por sinal.

— Bom dia, flor do dia. — brinquei com ele, ao me aproximar, deixando a mochila na cadeira.
— Olá querida. — ele sorriu para mim e voltou sua atenção para a panela que mexia — Como está?! Como foi o treino?
— Foi bom, eu acho, não treinei hoje para ser honesta, apenas conversamos. — contei a ele, puxando a cadeira para me sentar — O nome da pessoa que o treinador me indicou é Rachel, ela foi patinadora profissional por três anos até sofrer um acidente.
— Ela ainda patina?! — perguntou ele, curioso.
— Sim... E me deixou impressionada. — confessei a ele.
— Pelo que?
— Por não desistir. — expliquei — Por resistir às dores e à insegurança.
— Isso é bom, me sinto mais tranquilo por treinar com alguém que entende pelo que está passando.

Assenti com a cabeça, concordando com ele.

Eu também estava me sentindo mais tranquila após conversar com Rachel, leve pelas risadas que demos naquela tarde, após as muitas histórias que me contou dos seus tempos de colegial. E passei o restante da semana seguindo minha rotina de recomeço com muita resiliência. Confesso que foi uma sensação incrível ao colocar os patins pela primeira vez, após tanto tempo afastada. Diante da pista de gelo improvisada que Rachel tinha no quintal dos fundos, meu coração acelerou como se tivesse diante da pista do campeonato regional, como no passado. Eu me lembrava daquela sensação, tanto que fez meu corpo arrepiar, ao dar o primeiro passo na pista e sentir o gelo sendo riscado pelos patins.

— Esse momento é único. — disse ela, me incentivando a continuar.

Fechei meus olhos, e me permiti explorar os poucos metros daquela pista.

Ao chegar em casa à noite, a primeira coisa que fiz foi conversar com meu pai e lhe contar como havia sido aquele dia, como eu enfrentei meus medos e finalmente consegui voltar a patinar. Claro que ele ficou super feliz com a notícia, tanto que ousou pedir pizza para o jantar em comemoração me permitindo escolher os sabores. Na manhã seguinte, aula de literatura na primeira hora com mais uma sessão de debates sobre a leitura do semestre

— Eu não ousaria dizer que há uma comparação entre ambos os livros em questão de enredo. — finalmente me pronunciei sobre o assunto, diante de um comentário feito por Bowlmer, um nerd do clube de matemática — Além de passarem em contextos históricos diferentes e escrito por autores de culturas diferentes, vejo que O Conde de Monte Cristo baseia sua história mais em uma questão política-social, ao contrário de Orgulho e Preconceito que enfatiza seu romance na diferença de classes e em como a primeira impressão de uma pessoa pode ser errada quanto ao outro, causando pré-julgamentos.
— Mesmo que não esteja tão explícito para o leitor, Dumas também trabalha a diferença de classes, não ao nível do romance, mas a amizade de Edmund e Fernand demonstra isso claramente. — logo Collins se posicionou, sua voz mesmo firme soava com suavidade vindo atrás de mim — E quanto ao contexto político-social, Orgulho e Preconceito demonstra isso com a inserção de Wickham, principalmente por ser da milícia.
— E você acha mesmo que Wickham é o fator político-social de Orgulho e Preconceito? — eu me virei para ele — O personagem apenas corresponde a uma parcela mínima do enredo para trazer a ânsia da autora por um triângulo amoroso que jamais existiu. É totalmente diferente para Edmund que perdeu até sua dignidade pela inveja de alguém que achou ser seu amigo, o que demonstrou até mesmo a corrupção da justiça francesa.
— Wickham também colocou em xeque a honestidade da família de Darcy, e se um dote também não for uma contribuição para os questionamentos políticos-sociais da história, podemos lembrar que nos séculos passados as mulheres não tinham direitos a herança, e suas vidas dependiam de bons casamentos com homens afortunados. — retrucou ele, como se tivesse seus argumentos pré-programados — Sempre há um contexto político-social em histórias de época, mesmo que seja um simples romance.
— É exatamente aí que eu quero chegar, o direito a herança dado apenas para os filhos sempre foi uma das discussões mais abordadas por Jane Austen, o que fica ainda mais visível no livro Razão e Sensibilidade. — o encarei — Finalmente algo interessante vindo de você.
— Muito bem observado, pelo presidente e nossa vice, e devo enfatizar que este detalhe em específico é sim o elo de ligação e comparação entre as histórias. Finalmente chegamos ao ponto que eu queria. — disse o professor, com entusiasmo, como se tivesse saboreando a cena como se fosse um episódio de séries da Netflix — Vamos nos atentar ao contexto social da época, Mercedes casou-se com Mondego por estar grávida do seu amado que foi preso, assim como as irmãs Bennet precisavam encontrar bons pretendentes para se casarem para garantirem seu futuro.
— No caso de Mercedes, ela não obteve escolha, a não ser casar-se com o amigo, pois seu noivo havia sido preso. — voltei-me para o professor — Mas as irmãs Bennet tinham escolhas quanto a quem casariam, se não fosse assim, Lizzie não teria sido bem sucedida ao rejeitar o primo distante e a irmã se desviado para casar-se com Wickham.
— Sejamos honestos que tudo foi bem previsível, quanto ao destino de Lizzie com o senhor Darcy. — Collins soltou uma risada atrás de mim — As trocas de olhares, os confrontos recheados de argumentos fortes e de impacto, Elizabeth realmente estava ansiosa para encontrar um cavalheiro que a instigasse e Darcy uma dama que lhe deixasse sem palavras.

Logo ouvi uma chuva de suspiros femininos pela sala.

Sério?!

— Que aluno aplicado. — comentei virando meu corpo para frente, desistindo de construir outro argumento contra ele — Você realmente sabe ler.
— Te deixei sem palavras?! — brincou ele, ao se inclinar mais pra frente e sussurrar em meu ouvido.
— Não pense que venceu, senhorita Bennet, é apenas um empate. — avisei a ele, com segurança.

As horas foram passando, ao final da tarde, precisei desmarcar meu treino com Rachel para participar da reunião do Grêmio Estudantil. Mais uma vez, meu hábito de irritá-lo me conduziu a sentar em sua cadeira, não importando com seu olhar fixo em mim, estava mesmo atenta a agenda de Alba e suas mil e uma anotações sobre o baile dos veteranos e nosso orçamento reduzido.

— Lisa, inicie a ata da reunião. — disse Collins, fazendo todos se atentarem a ele — Tópico único, baile dos veteranos.
— Você ainda não deu sua resposta presidente. — me pronunciei, mantendo a atenção em Lisa.
— Sobre? — indagou ele.
— Minha ideia do leilão. — o lembrei do assunto, recordando meu primeiro dia como vice-presidente.
— Tomei minha decisão. — eu senti sua movimentação em minha direção e logo a cadeira virou com o impulso de suas mãos me deixando de frente para ele — O time de hóquei aceita participar com uma condição.
— Qual?! — perguntei curiosa, e ao mesmo tempo chocada por aceitarem.
— Que a vice-presidente também seja leiloada. — completou ele.

Seu olhar estava sério, porém, com um toque de malícia.

— O que?! — os outros disseram em coral.
— Desafio aceito. — disse, não demonstrando insegurança em meu olhar.

Se ele queria jogar, vamos jogar!

Round 2

--

— Surpresa!!! — vozes de empolgação e entusiasmo soaram assim que abri a porta e vi meus amigos de Atlanta.
— Meredith, Thomas?! — os olhei surpresa e quase sem reação — O que fazem aqui?
— Ora essa, como assim o que fazemos aqui? — Meredith me olhou confusa por minha surpresa — Viemos competir nas preliminares juniores, nossa escola foi convidada.
— Apesar de ficarmos apenas uma semana. — Thomas fez bico.
— Ah... — eu havia me esquecido.
— Não vai nos dar um abraço de bem-vindos? — indagou Thomas.
— Mas é claro. — eu ri baixo e os abracei de imediato — Me desculpem, é que me esqueci desses pequenos eventos extra oficiais.
— Você e sua memória. — Meredith riu, enquanto entrava com Thomas.
— Esse lugar é pequeno. — comentou ele.
— Thomas, não faça esses comentários, sua casa é bem menor. — brincou Meredith.
— E onde vocês estão ficando?! — perguntou curiosa, guiando-os até a sala.
— Estamos hospedados em um hostel bancado pela escola. — respondeu Marg, indo se sentar no sofá — E você, senhorita? Quais as novidades?
— Não tenho tantas, porém a melhor de todas é que consegui voltar a patinar. — contei a eles.
— VIVAAAAA!!! — disseram em coral, fazendo movimentos de dancinhas engraçadas.
— Não fiquem muito afoitos. — os adverti de leve — Ainda não estou cem por cento segura, e às vezes travo um pouco quando me lembro do meu acidente.
— Mas tudo é aos poucos, Aly. — disse Thomas, colocando a mão no meu ombro com o olhar gentil — O que importa é que venceu a primeira barreira e voltou aos patins.
— Isso é verdade. — concordou Marg, puxando uma almofada e me olhando curiosa — Mas... Eu quero mesmo é saber do tal capitão do time de hóquei.
— Pare de ser fofoqueira. — Thomas a repreendeu num tom brincalhão.
— Ah, eu só quero me atualizar do assunto. — ela riu, mas ainda esperando a resposta.
— Hum... Você não vai acreditar quando eu te contar o que ficou acertado sobre o leilão do grêmio estudantil.
— Pois me conte, porque hoje é nossa folga e só voltamos a competição amanhã.

Eu ri de leve com a empolgação vindo dela. Nunca imaginei que Margareth fosse tão curiosa assim, principalmente sobre minha sobrevivência em Vancouver.

Com um futuro e obstáculos desconhecidos,
não irei mudar
Não posso desistir.
- Into The New World (다시 만난 세계) / Girls' Generation


Replay

1 semana antes…

A estadia dos meus amigos foi tão rápida, assim como passar dos dias no último mês. Além dos estudos e meu progresso nos treinos à tarde na casa da Rachel, eu também tinha a responsabilidade de auxiliar na organização do famigerado Leilão dos Veteranos. E apesar do perfeccionismo de Alba com suas exigências de um general, inspecionando cada detalhe, foi divertido participar e me garantiu muitas gargalhadas com os comentários de Jeremy e Lisa.

Enfim, a grande noite chegou.

O leilão seria realizado na quadra da escola, que se encontrava toda ornamentada para o evento com as seletas vinte cadeiras para as convidadas vips. E esta foi a parte que mais me surpreendeu, a lista continha as jovens mais influentes não apenas da região de Vancouver, como também até dos Estados Unidos. Até a diretora Dolores Johnson, tinha seu assento reservado na primeira fileira, e claro que em paralelo com o leilão dos jogadores do time de hóquei da escola, havia o meu que seria realizado para uma lista mais privada ainda, na biblioteca.

— Bem, aqui estamos para a noite mais esperada do ano, após o baile dos veteranos. — disse Alba, assim que nos reunimos na porta do ginásio com o time de hóquei — Jeremy e Lisa ficarão encarregados da recepção na biblioteca, o leilão de nossa vice será após a do time.
— E eu terei que ficar lá na biblioteca? — indaguei parcialmente chateada, queria ver minha ideia funcionando na coordenação da Alba.
— Sim, querida queen, você deve estar presente para atrair mais a atenção e desejo dos nossos convidados. — explicou Alba, com o olhar de quem não queria ser contrariada.
— Ok. — assenti sem contestação, desviando meu olhar discretamente para o presidente.

Algo dentro de mim me dizia que ele ainda estava aprontando mais alguma coisa.

— Vejo você no final da noite, queen. — Collins piscou de leve para mim e entrou no ginásio acompanhado dos outros jogadores.

Eu realmente queria ver…

— Não se preocupe, . — Lisa veio cochichar em meu ouvido — O leilão deles será transmitido para as alunas que não podem participar, mas pagaram para ver. Posso te enviar o link.
— Sério? — por essa eu não esperava.
— Sim, Alba achou que seria bom mais um meio para arrecadar recursos. — explicou Lisa.
— Bem a cara daquela mercenária. — ri baixo, ao me afastar da porta e seguir com eles.

Mais uma surpresa?!
Alba sabia bem fazer o seu trabalho, pois a biblioteca também estava alinhada e com rostos importantes entre a elite jovem da cidade. E lembrando bem da apresentação que ela fez para divulgação do leilão paralelo da vice-presidente, o currículo estava impecável.

— Espero que curta a noite, . — disse Lisa, assim que adentramos o lugar e todos os olhares vieram em minha direção.
— Como conseguiram este vídeo? — indaguei ao reconhecer o vídeo da minha primeira competição.
— Nosso querido tesoureiro também é um hacker. — brincou Jeremy, ao falar de si mesmo na terceira pessoa — Vou conferir a lista de convidados e Lisa, verifique se todos estão sendo bem servidos.
— E quanto a mim?! — perguntei curiosa.
— Socialize, queria vice-presidente. — disse seriamente, num tom de brincadeira.

Assenti observando Lisa se afastar aos risos com ele, tentando entender como eu iria me socializar ali. Admito que não sou muito boa em socializar… Dei alguns passos pela biblioteca até chegar na mesa do projetor, estava mesmo curiosa pela movimentação no ginásio.

— Queen. — disse uma voz desconhecida.
— Sim?! — me virei com serenidade, não reconhecendo o dono da voz — Eu poderia até perguntar se te conheço, mas… Todos aqui são desconhecidos para mim.

Ele deu uma risada boba.

— Isaac Rivers, sou capitão do time profissional de hóquei, Vancouver Canucks. — ele esticou a mão em cumprimento — Prazer, espero que já tenha ouvido falar do meu time, pelo menos.
— Vagamente. — sorri e apertei sua mão em cumprimento — Mas sei que seu time é o maior viral do Vancouver Giants.
— Mais ou menos. — ele riu baixo, mantendo o olhar em mim — Eles são juniores.
— Hum… — eu voltei meu olhar para os outros, que conversavam tranquilamente espalhados em pequenos grupos pelo lugar.
— Pelo que vejo, você é uma excelente patinadora. — comentou ele, puxando minha atenção para si — Achei interessante o vídeo de sua apresentação.
— Sim, parei por um tempo, porém, estou retornando aos poucos. — expliquei um pouco retraída — Você acompanha a patinação artística?
— Um pouco, acho interessante as coreografias. — ele manteve a leveza no olhar, bem fixo em mim — E cá entre nós, é mais bonito do que ver doze caras correndo atrás de um disco.
— Isso é verdade. — concordei, dando uma risada rápida e sutil.
— Espero poder vê-la no próximo campeonato regional de Vancouver. — comentou ele — Minha irmã mais nova compete também, mas não na sua categoria.
— Hum… — assenti com o rosto, sentindo um frio na barriga.

Passamos mais alguns minutos conversando, até que finalmente o leilão principal finalizou e Alba apareceu na biblioteca acompanhada do presidente. De imediato pude perceber seu olhar atravessado para Isaac, que me fez rir de leve. Após umas palavras introdutórias sobre o objetivo daquele leilão, Alba pediu para que os cavalheiros se acomodassem nas poltronas e deu-se início.

Eu não sabia quem havia arrematado Collins na outra recepção, mas estava curiosa para saber quem daria o maior lance por um date comigo. Começando com cem dólares, os valores pouco a pouco foram aumentando, de forma surpreendente.

No ápice dos lances…

— Três mil dólares, do cavalheiro de terno azul marinho. — disse Alba, assim que Isaac levantou sua placa.

Todos se entreolharam surpresos pelo valor.

— Três mil, dou-lhe uma… — continuou ela, parecendo se animar.
— Três e quinhentos. — Collins levantou sua placa, me deixando estática.

O presidente que até o momento estava apenas observando entrou no jogo.

— Três e setecentos. — disse Isaac, em confronto.
— Três e oitocentos. — retrucou Collins.
— Quatro mil. — aumentou Isaac, causando mais cochichos pela biblioteca.

E assim seguiu os lances de ambos os cavalheiros, até que…

— Sete mil. — disse Collins em alto o bom tom.

Fazendo todos se surpreenderem ainda mais.

— Sete mil, dou-lhe uma… — continuou Alba, voltando seu olhar para Isaac, assim como eu — Dou-lhe duas… Vendido ao nosso presidente!

E confesso que esperava um longo embate entre ambos, porém, o visitante desistiu, me deixando estática com o olhar malicioso de Collins para mim. Era um fato que ao longo daqueles três meses convivendo com ele, de alguma forma estávamos um pouco mais próximos, principalmente devido ao grêmio estudantil e aos patins.

— Senhor Darcy, acho que me deves uma dança agora. — brincou Collins, rindo baixo ao se aproximar de mim.
— Parece que sim, senhorita Bennet. — brinquei de volta, em sua referência às nossas aulas de literatura — Você não ia mesmo deixar ele ganhar, não é?!

Collins apenas sorriu de canto para mim e se afastou.
O que me causou curiosidade e ansiedade ao mesmo tempo.

--

Atualmente…

Naquela pista de gelo, fria e parcialmente iluminada, o silêncio que havia se estabelecido entre nós foi quebrado com um gesto meu. Erguendo meu corpo, estiquei a mão para ajudá-lo a se levantar.

— O que está fazendo? — indagou ele, ao olhar aquilo confuso.
— Te devo uma dança, lembra? — expliquei a ele, com serenidade.

Naquele momento, havia me esquecido das minhas chateações com as brigas entre meus pais, devido ao anúncio do namoro dele com a sua amiga Clair. E apenas senti que deveria deixar aquela noite mais leve e divertida para os dois corações que buscavam conforto na pista de gelo.

— Já passou uma semana desde o leilão e ainda não tivemos nosso date. — o lembrei, mantendo minha mão esticada.
— Eu aceito a dança. — disse ele, ao segurar minha mão e se levantar com minha ajuda — Mas não vai contar pelo leilão.

Eu o olhei em choque.

— Esquece então, você não deve nem saber dançar no gelo. — dei de ombros, o provocando.
— Você duvida? — com sua mão ainda segurando a minha, ele me puxou para mais perto — Eu vi sua coreografia de casal, você só se machucou naquele treino, porque seu parceiro não te segurou direito.
— Desde quando se interessa por patinação artística, ? — perguntei, impressionada com seu argumento.

E não estava errado.

— Desde o dia em que te conheci. — respondeu com segurança.

Collins apoiou sua mão em minha cintura, e com suavidade iniciamos nossos movimentos sincronizados, exatamente como minha coreografia.

Pela primeira vez eu me sentia forte, corajosa e segura para voltar a patinar com liberdade.

É a minha primeira vez sentindo algo assim Meu cérebro e pensamentos estão preenchidos por você Preenchidos pelas suas expressões e suas risadas. - My Answer

Recomeço: Seja forte e corajoso.” [Josué 1:9]



FIM?!



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