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Finalizada em: 25/10/2021

Prólogo

É sempre uma coisa assustadora
Quando o amor está tão forte
Estamos fadados a desabar juntos, desabar juntos



Com um palavrão prestes a escapar da minha boca, meu pager apitou, impedindo que eu xingasse a minha melhor amiga com gosto. Jas me presenteou com uma expressão debochada e eu lancei um olhar feio na sua direção, percebendo que o pager dela também tinha apitado, o que significava que teríamos que deixar aquela discussão inútil para uma outra hora.
Peguei meu pager do bolso do jaleco e franzi o cenho, estranhando o fato de eu estar sendo chamada para o hall principal do hospital. Tecnicamente, eu nem deveria estar sendo chamada para qualquer lugar que não fosse uma emergência, visto que eu deveria estar aproveitando o meu horário livre para almoçar - ou simplesmente me jogar em qualquer sala de descanso, o que, no momento, era a minha maior vontade.
— É alguma reunião? — questionei para Jas, esfregando o meu nariz.
Definitivamente, eu queria me jogar em uma cama macia e dormir por horas. Mas era meu dia de plantão. E eu também tinha pacientes que precisava ficar de olho, já que eu ainda era um pouco cética quanto aos novos residentes.
Comecei a andar lado a lado com a minha melhor amiga, seguindo o caminho oposto do corredor que me levaria direto para o refeitório. Jasmine soltou um suspiro meio irritado, o que me fez apertar o seu ombro em conforto, entendendo perfeitamente o motivo de sua reação. Se havia uma coisa que nós duas odiávamos mais do que médicos arrogantes com complexo de Deus, era reuniões. Tinha sido exatamente por esse motivo que ela recusou o cargo de Residente-Chefe, repassando-o para qualquer outra pessoa que lidasse com aquela papelada toda melhor do que ela.
— Eu prefiro mil vezes a emergência beirando ao caos com traumas do que enfrentar uma reunião. — ela resmungou, me arrancando uma risada.
Eu não duvidava nem um pouco que aquela declaração fosse verdade. Definitivamente, eu também iria preferir a loucura de casos na emergência do que enfrentar uma reunião.
Empurrei o ombro dela com o meu e desejei estar segurando o copo de café espumante do Tim’s, que ficava do outro lado do hospital. Jas e eu viramos um corredor, saindo da área principal da UTI e caminhamos direto até o elevador, que nos levaria ao hall sem precisar acessar as escadas.
— Por que está todo mundo te olhando? — ela questionou.
Virei meu rosto para ela, estreitando os olhos, confusa. Ela apontou discretamente ao nosso redor, me fazendo perceber que estava certa. Algumas enfermeiras estavam me olhando como se eu fosse uma novidade muito boa no meio do dia. Algumas sorriam e outras estavam indo para o mesmo lugar que nós.
— Saiu alguma fofoca nova? — perguntei.
Jas soltou uma risada.
— Desde aquela vez que você e o foram flagrados se pegando pelo nosso chefe? — Jas lembrou. — Não ouvi nada.
Lancei um olhar feio para ela, me recusando a ficar com as bochechas quentes.
— Eu odeio como você se diverte às minhas custas. — murmurei, entrando no elevador e ignorando os olhares dos outros.
Jas riu novamente, mas não disse mais nada. A vez que fui flagrada me esfregando em na sala de mantimentos foi um dos piores momentos que eu já tive na vida. Não me importava em ser pega no flagra por qualquer outra pessoa, mas ser pega no ato pelo chefe em questão… Era outra história. Enquanto eu morria de vergonha, ria como nunca e fiquei sem falar com ele por dois dias seguidos, mesmo que ele enchesse a minha caixa de entrada com inúmeras mensagens.
Ele era o melhor amigo do meu irmão, e alguém que eu ficava, às vezes, sem nenhum compromisso sério. era a minha melhor opção, para ser sincera. Sendo médico, nossas rotinas eram praticamente iguais e não precisávamos cobrar nada um do outro.
O elevador abriu as portas. Jas saiu primeiro que os outros e eu saí por último, com as duas mãos dentro do bolso do jaleco, com uma expressão distraída e infeliz, andando arrastada para o centro do lugar. Sem perceber, esbarrei meu corpo nas costas de Jasmine.
— Por que você parou? — reclamei, me pondo ao lado dela.
Ao invés de me responder, ela me cutucou com o cotovelo. Quando procurei por seu rosto, a cirurgiã de trauma apontou com a cabeça para algo à nossa frente. Seguindo o seu olhar, meus olhos avaliaram as pessoas ao meu redor. Elas abriram espaço para mim, enquanto eu, totalmente confusa com o que estava acontecendo, estreitei os olhos.
Segui o espaço, engolindo a seco ao me deparar com parado do outro lado, me olhando com o que deveria ser o sorriso mais brilhante que ele já me dera.
— Mas o qu… — tentei questionar o que diabos estava acontecendo, quando ele simplesmente abaixou o próprio corpo e ajoelhou-se no chão.
O ar não saiu da minha boca. Meus ouvidos zumbiram com as batidas fortes e aceleradas do meu coração contra a minha caixa torácica. Não era um bom sinal.
Minhas mãos, ainda dentro do bolso do jaleco, fecharam-se em punho, suor estampando a minha palma. Tentei dizer alguma coisa, mas nenhuma palavra saía da minha boca, enquanto eu continuava vendo a cena se desenvolver bem na minha frente.
Um desastre tomando forma.
Algo que não deveria acontecer, mas estava acontecendo e eu não tinha controle algum. Eu tinha plena consciência que todo mundo ao meu redor estavam me olhando com sorrisos alegres e olhos brilhando de expectativas, como se naquele momento, eu fosse a porra da mulher mais sortuda do mundo.
puxou uma caixinha de algum lugar que não prestei atenção. Eu não ouvia nada, senão as próprias batidas nervosas do meu coração.
Eu queria abrir um buraco e sumir. Bem ali, diante de todo mundo.
— a voz de chegou até mim. Minha visão estava nublada, mas eu tinha certeza de que ele estava apontando um anel para mim. — Elizabeth Hawkins — ele disse. — Você aceita casar comigo?
Desejei que ele nunca tivesse perguntado aquilo.
Minha boca ficou seca e meus ombros tremeram, mas ninguém parecia notar o quão assustada eu estava. Apavorada. Simplesmente… Desesperada para correr dali.
Ciente dos olhares e de que eu precisava dar uma resposta, encarei os olhos de . Seu sorriso partiu meu coração e eu senti um nó se formando na minha garganta. Não havia a menor possibilidade de a resposta ser positiva. Por um momento, odiei-o por transformar toda aquela cena em público.
Casar. Casar com ele, com aquele homem que era tão maravilhoso comigo, melhor amigo do meu irmão, que me roubava beijos pelos corredores em horários inapropriados, que me fazia rir depois de um dia ruim e nunca acertava o meu café.
No entanto, mesmo entendendo toda a natureza dos meus sentimentos, eu não conseguia dizer sim. A ideia do casamento me apavorada de uma maneira que eu não conseguia encontrar o caminho de volta até ele. O sorriso de vacilou ao encontrar meu olhar. Tudo deveria estar estampado no meu rosto agora.
Ele deveria saber disso.
? — ouvi Jas me chamar, o tom cauteloso na voz.
No entanto, não olhei para ninguém, exceto .
— Sinto muito. — eu sussurrei.
Desesperada para fugir dali, virei as costas para ele e para todo mundo, indo embora, mas nunca sendo capaz de me afastar da imagem dos olhos de .
Eu era uma pessoa complicada e horrível se fui capaz de magoá-lo daquela maneira. O que só reforçava a minha ideia de que ele merecia alguém muito melhor do que eu.


Capítulo Um

Eu só quero saber agora mesmo
Você quer, você quer resolver isso?
San Diego - Califórnia, EUA
três semanas depois
domingo

— Café?
Levantei o rosto na direção da voz conhecida por mim há mais de dez anos e um suspiro escapou por meus lábios quando percebi o quanto desejei por um café, inconscientemente. Jas sorriu para mim, como se soubesse disso e me estendeu o copo, sentando-se no chão ao meu lado, em um corredor quase vazio de madrugada.
Eu tinha acabado de sair de uma cirurgia extensa e estava com dor nas costas, com sono e com fome, mas sem nenhuma vontade de me arrastar do chão e ir embora do hospital, correndo direto para a maciez da minha cama. Nas últimas três semanas que se sucederam ao pedido desastroso de casamento do — a qual eu nem mesmo tive a porra da decência de dizer não —, continuei me enfiando em cirurgias extensas, estendendo meus horários de plantão e perdendo todas as horas restantes no laboratório de pesquisa. Parecia um bom plano para esquecer que eu tinha estragado uma das melhores coisas que já tinha me acontecido.
— Como você está? — Jas questionou.
Ela olhou para mim e eu devolvi o olhar, encolhendo os ombros, experimentando um gole do café que, graças aos céus, ainda estava quente.
— Quer a resposta curta ou a longa? — Disparei.
Jasmine revirou os olhos, como se fosse uma pergunta idiota. O que, na verdade, era mesmo. Se tratando da minha melhor amiga, ela sempre preferia as respostas longas, com o máximo de detalhes possíveis.
— Está bem. — continuei, bebendo mais um gole do café. — As enfermeiras me odeiam. Eu sei que não fui muito decente com o , mas estou aqui há mais tempo que ele, o que custava ficar um pouco do meu lado?
— Em defesa…
— Eu já sei qual vai ser a sua defesa. — interrompi, revirando os olhos, mas pronta para continuar o meu desabafo desenfreado, já que ela tinha me dado carta branca para isso. — Eu sinto falta dele. Pra caralho. Ele não consegue me olhar, Jas, nem sequer fala comigo e eu sei que não tenho o direito de reclamar sobre isso, mas eu sinto tanto a falta dele. — Encarei o copo de café com uma careta. — E daquele café horroroso que ele me trazia. Não me olhe assim.
Jas deixou cair os ombros. Ela levou uma mão ao meu braço, acariciando a minha pele, me transmitindo um conforto que eu só receberia dela em um momento como aquele. Eu estava sinceramente cansada, mas no fim, só estava lidando com as consequências das minhas próprias escolhas. Jas tinha me entendido — como sempre —, mas, mesmo assim, eu sempre podia ver a pena nos olhos dela. E preferia que ela nunca me olhasse daquela forma, porque não havia nada para sentir pena aqui.
— Foi um pouco difícil para ele, . — ela comentou o óbvio, como se eu não soubesse daquele fato. Claro que tinha sido um pouco difícil para ele. Não significava que também não foi para mim. — Você nem deu uma explicação.
Olhei feio para ela.
— De que lado você está? — reclamei.
— Do seu, sempre. — respondeu. — Mas isso não significa que eu posso fechar os olhos para alguns erros seus. Não posso ser a única que sabe o verdadeiro motivo de você ter recusado.
e eu não tínhamos um relacionamento comum. Não houve pedido de namoro, mas vivíamos juntos quase o tempo todo, então tinha sido normal deduzirem que éramos namorados. Mas nunca, em nenhum momento, nem em todas as minhas ideias mais malucas, eu imaginava um pedido de casamento da parte dele. Para mim, o jeito que ficávamos juntos era mais do que suficiente, mas eu deveria saber que tinha outros desejos.
Uma conversa sincera e abertura do tópico "casamento" teria evitado um monte de dor de cabeça da nossa parte.
— Por que você não conta? — Jas indagou.
Bufei, bebendo mais um gole do café, que estava esfriando. Chequei o relógio no meu pulso, decidindo que não faria mal estender o plantão por mais algumas horas, só para ficar um pouco de olho nas crianças, mesmo que eu tivesse passado essa tarefa para os dois residentes de plantão naquela noite.
— Que diferença isso faz agora? — rebati, verdadeiramente derrotada.
Jas revirou os olhos, mas não disse mais nada. Ao invés disso, silenciosamente ela desistiu do assunto, por ora, e pegou o seu celular no bolso esquerdo do jaleco. Observei seus dedos moverem-se contra a tela do aparelho.
— Quer ver uma coisa que vai te animar? — perguntou, recebendo um aceno positivo da minha parte.
Jas deslizou o dedo pela tela outra vez e estendeu o celular para mim em seguida, me mostrando uma foto.
— Ah, meu Deus! — exclamei, pequenas gotas de felicidade sendo enviadas direto ao meu cérebro. — Ela está a coisa mais linda.
Deixei o café de lado e aceitei o celular, encarando a foto mais uma vez, babando orgulhosamente pela minha afilhada fantasiada de princesa Tiana, enquanto segurava um sapo de pelúcia na mão. Ela olhava para a foto com um sorriso gigante no rosto, exalando uma alegria que qualquer criança de três anos exalaria. Jasmine tinha me dado o melhor presente.
Eu me sentia feliz por ela. Por sua vida finalmente seguir o rumo certo que ela tanto tinha planejado, por ter encontrado um cara incrível como o Scott, e por ter uma filha inteligente e audaciosa de apenas três anos que tinha a todos nós na palma da mão.
— Eu posso organizar um final de semana inteiro para você se distrair com ela. — Jasmine sugeriu. — Ela sente a sua falta.
Sorri minimamente, ainda encarando a foto, sentindo meu coração completamente aquecido. Era exatamente aquilo que eu precisava. De pequenas gotas de felicidades que só minha afilhada preferida — tudo bem, a única —, teria me proporcionado.
— O quão desesperada você está por isso? — perguntei.
Jas nem mesmo escondeu.
— Muito, , por favor — implorou, arrancando uma risada de mim. — Eu estou com saudades de ter um momento romântico com Scott. Sabe há quanto tempo eu não sinto aquele pa…
— Meu Deus, Jas, sem detalhes! — cortei-a, recebendo um suspiro. — Eu já entendi o tamanho do seu desespero. Eu vou adorar passar o final de semana com a Laurinha.
Minha melhor amiga deixou os ombros caírem de alívio. Balancei a cabeça, rindo, mas eu já tinha me acostumado com coisa muito pior. Além do mais, eu achava que podia ser bom passar o dia com a Laurinha e esquecer a rotina e o que a ausência de me causava. Devolvi o celular para Jas, que aceitou e guardou, bloqueando a tela. Quando fiz menção de me levantar, ela abriu a boca.
— Eu também tenho uma notícia.
Virei o rosto para ela novamente, respirando fundo.
— Eu odeio como você prepara o terreno só para me jogar uma bomba depois — reclamei.
Jas deu de ombros. Seu pager apitou e ela retirou do bolso do jaleco, verificando rapidamente quem a estava chamando. Jas levantou primeiro que eu.
— O Colin voltou. — ela disse, simplesmente. — Eu o vi na ala de Emergência, então achei melhor te avisar. Tenho que ir. Boa sorte, querida.
Soltando um beijo no ar, ela se foi. Nem sequer me deu a chance de dizer nada, mas também, o que eu poderia dizer? Colin voltaria uma hora ou outra, mas se ele tinha voltado tão rápido, não podia imaginar como tinha ido as coisas em Chicago. Esfreguei meu rosto com as duas mãos e resolvi me levantar também, saindo daquele estado digno de pena. Quando meu pager também apitou e eu soube que era a Emergência me chamando, ignorei. Era por isso que Jas tinha me avisado. Colin me procuraria e qualquer chance de fugir do encontro que eu tivesse, eu estava aceitando.
Eu precisaria de uma boa dose de comida e várias horas de sono antes de ter que enfrentar o meu irmão.

dia seguinte
segunda


Com um aceno de agradecimento e mais um sorriso cansado estampado em meus lábios, fiquei aliviada pela reunião matinal ter sido encerrada. Não era uma reunião comum e nem frequente, mas como eu tinha sido uma das médicas convidadas para o Congresso Anual de Cirurgia que aconteceria em Seattle, só precisei verificar os últimos detalhes antes de finalmente viajar para passar um final de semana inteiro longe do hospital. Consequentemente, longe de tudo.
Comecei a andar pelo corredor do terceiro andar, na intenção de ir direto para o elevador e seguir para a área pediátrica, mas, quando avistei Colin vindo exatamente na minha direção, girei os meus pés e comecei a andar para o lado oposto, qualquer um que não me levasse direto até ele.
Eu tinha consciência das suas inúmeras mensagens deixadas para mim no meu celular e todas as suas ligações perdidas, uma vez que ele tinha percebido que eu não atenderia qualquer chamada do meu pager se suspeitasse que fosse ele chamando.
! — sua voz chegou até mim.
Não parei de andar e nem virei o rosto em sua direção. Um suspiro cansado escapou dos meus lábios entreabertos e apertei a ponta do meu nariz com força, um gesto que eu costumava fazer toda vez que estava meio irritada. Ele gritou o meu nome de novo, me fazendo perceber que ele tinha apressado os passos para me alcançar. Segundos depois, ele estava exatamente ao meu lado, seguindo os meus passos calmos. Por que eu me apressaria agora que ele tinha me alcançado?
— Você não pode me ignorar para sempre. — ele disse.
Parei de andar, encarando a sua expressão pela primeira vez desde que ele tinha voltado de Chicago, ontem à noite. Meu irmão era quatro anos mais velho do que eu, com um sorriso que sempre alcançava os seus olhos e abriam buracos em suas bochechas. Seus olhos brilhando era um verdadeiro indicativo de que seus sorrisos eram sinceros. Eu sentia falta dele.
— Oi, Colin. — murmurei.
Ele abriu os braços para mim.
— Vem aqui, pirralha.
Revirei os olhos para o apelido infantil, mas aceitei o seu abraço no meio do corredor calmo, sem muitos olhares sobre nós. Minhas mãos envolveram as suas costas e enterrei a minha cabeça contra o seu ombro, sentindo-o acariciar o meu cabelo, me relaxando. Eu não tinha percebido o quanto tinha sentido falta dele e o quão estressada eu estava a ponto de sentir meus músculos relaxarem ao menor recebimento de carinho.
A falta de e ser ignorada por quase todas as enfermeiras me afetaram. Jas tinha estado ao meu lado o tempo todo, mas talvez eu também precisasse um pouco do meu irmão, mesmo que fosse só para ouvir algum sermão.
— Podemos conversar? — ele murmurou, me soltando em seguida.
Respirei fundo, dando de ombros, apontando para a próxima porta.
— Eu tenho escolha?
Ele não respondeu. Esfreguei os meus olhos e segui-o para a porta, entrando no que parecia ser um almoxarifado bagunçado. Quando ele fechou a porta atrás de si, ouvi:
— Sua aparência está péssima.
Soltei uma risada seca e ajeitei o meu cabelo em um coque pouco arrumado. As crianças não se importavam com a minha aparência, estão mais preocupadas que eu pudesse curá-las de qualquer coisa.
— Obrigada. — retruquei, parando bem no meio da sala, com os braços cruzados, de frente para ele. — Como foi a viagem?
Apesar de estar noivo de Nic, Colin não viajou por diversão. Eu podia enxergar a exaustão em seus olhos e como seus ombros estavam tensos, então imaginei que não foi uma maravilha, mas, mesmo assim, perguntei. Ele soltou um suspiro e esfregou o rosto, o primeiro sinal de cansaço que demonstrava longe dos outros.
— É a pergunta errada. — ele respondeu.
Colin olhou para mim, seus olhos me desafiando para enfrentar um assunto que eu não queria lidar. Era por isso que, por mais que eu o amasse, estava fugindo dele desde ontem. Desde quando eu pudesse, na verdade, se isso significasse que ele fosse falar de alguém que eu queria esquecer a existência.
— Colin, eu não me importo. — avisei, observando seus olhos vacilarem.
— Merda, , você deveria. — rebateu, um pouco irritado. — É o nosso pai.
Engoli a seco, umedecendo os meus lábios, nem um pouco pronta para discutir aquele assunto, mais uma vez, mas claro que ele não se importava.
— Ele vai morrer? — a pergunta escapou.
Eu tinha problemas com meu pai desde… Sempre. Houve uma época em que meu irmão também tinha e compartilhamos nossa raiva e frustração juntos, mas alguma coisa mudou entre eles. Colin tinha o perdoado por tudo e, de repente, eu via-os se tratando como pai e filho que nunca tiveram desentendimentos na vida. Sempre achei que as coisas tinham afetado mais a mim do que meu irmão, mas eu nunca quis ser injusta. Então, quando ele me comunicou que nosso pai estava doente e tentou me convencer a deixar tudo para trás, não consegui.
Eu nem mesmo visitei o homem que possibilitou a minha existência ao mundo.
— Ele tem um tempo considerável. — Colin respondeu. — Se vencer a doença.
A resposta deveria doer.
Doeu um pouco, se isso significava alguma coisa, mas não doeu tanto quanto eu gostaria que tivesse doído. Não que eu não me importasse que ele estivesse morrendo, mas ao mesmo tempo… Era complicado passar por cima de todas as coisas. Eu não era como meu irmão, sempre mais abertos a qualquer possibilidade.
— Colin, eu sinto muito, e você sabe que eu sinto. — minha voz saiu fraca. — Mas eu não posso fazer o que você está me pedindo.
Meu irmão pressionou os lábios e me encarou com pesar. Eu sabia que ele entendia a minha relutância, ao mesmo tempo em que tentava me fazer vencer essas barreiras que nós tínhamos construído juntos e que ele quebrou sozinho, sem antes me ensinar a viver livre das mágoas também.
... — sussurrou. — Ele sente a sua falta.
Fosse porque eu estava extremamente sensível devido aos últimos dias ou fosse porque ele me afetava, que meus olhos encheram-se de lágrimas. Abracei meus próprios braços, esfregando a minha pele, uma linha fina de irritação surgindo em meus lábios.
— Ele deveria ter pensado sobre isso quando me deixou sozinha com a mamãe, só para que eu pudesse assisti-la morrer.
Não tinha sido minha intenção ser invadida por lembranças daquela forma. Anos de ressentimento e mágoas acumulados me faziam agir como uma filha insensível que não se importava se o pai estava no leito de morte. Não se importava em fazer uma visita, assim como Colin tinha feito, viajado para Chicago só para que pudesse cuidar dele um pouco.
Meu irmão deveria saber o quanto tudo ainda parecia recente para mim, o quanto ainda era difícil superar todas as lembranças, todas as atitudes erradas que nosso pai teve conosco.
— Ele não teve culpa, . — Colin interveio.
Limpei as lágrimas que seguiram quentes pelas minhas bochechas e soltei uma risada seca, sem humor.
— Da mamãe morrer ou de ter ido embora?
Colin deu um passo, mas parou. Minha pergunta pegou-o de surpresa, porque a resposta não veio imediatamente. Era inútil ter aquela conversa.
— Eu acho que você deveria…
— Eu não consigo entender como você passou por cima de tudo tão fácil. — interrompi, jogando o que eu tinha guardado para mim. — Estou feliz por você, é claro, por que não estaria? Você é meu irmão e fico realmente feliz por as coisas estarem dando certo. Sua reconciliação com o papai, seu noivado com a Nic…
— É por isso que você recusou a proposta de ?
— O quê? - as palavras mal saíram em um sussurro.
— Ele me contou. — meu irmão explicou. — Eu deveria ter o avisado sobre isso, claro, mas ele não me contou que iria fazer isso e-
— Avisado sobre o quê? — exigi, ríspida. — Que eu iria dizer não?
Colin me olhou com ternura. Eu não queria que ele me olhasse assim agora. não devia ser o centro principal do nosso assunto - e era exatamente por isso que eu também estava fugindo dele.
— Você nem disse não, .
Abri a boca, indignada, decidindo que eu deveria ir embora.
— Vá se foder, Colin.
Passei direto por ele, tentando alcançar a porta e deixá-lo para trás. Mas eu mal consegui chegar na maçaneta quando ele começou a falar novamente, ignorando o fato de que eu acabei de mandá-lo se foder.
— Deveria conversar com o papai.
Fechei meus olhos com força, forçando a mim mesma a manter a calma. Não era incomum nós dois discutirmos, mas era cansativo toda vez que aquilo acontecia. Eu tinha perdoado Colin muito mais fácil do que perdoei meu pai.
— Eu tinha 14 anos quando você me deixou. — murmurei, respirando baixinho. — A mamãe tinha morrido e fui obrigada a voltar a morar com o nosso pai, mas você me deixou.
Abri os olhos, mas não me virei para olhá-lo. Mesmo assim, pude receber a respiração pesada que ele soltou.
— Eu precisava ir, , tinha me inscrito para o exército.
Eu sabia daquilo. O problema foi que Colin sequer me avisou sobre sua escolha. Não conversou comigo e nem me preparou para a sua partida, depois da mamãe ter ido, me deixando sozinha com o homem que eu tinha aprendido a desprezar. Colin, naquela época, tinha passado de meu porto seguro para aquele que me jogava no fundo.
— Deve ter sido por isso que foi tão fácil se reconciliar com o papai. — eu disse, a voz amarga na ponta da minha língua. — Você também me abandonou.
Eu não queria ouvir sua resposta, então alcancei a maçaneta, abri a porta e saí.
Esfreguei meu rosto com força e puxei a respiração para dentro, me obrigando a recuperar a postura que eu tinha perdido naquela conversa inútil. Verifiquei o relógio, entrando no elevador, agradecendo mentalmente por estar sozinha e tirei o celular do bolso do jaleco.

diz, às 09:09a.m.:
Laura está na creche?


A resposta veio quase imediatamente.

Jas diz, às 09:09a.m.:
Sim.


Guardei o celular no bolso e apertei o botão do térreo, esperando o elevador parar naquele andar específico. Quando as portas abriram, apressei os meus passos até a creche do hospital, ainda tentando controlar as minhas emoções. Eu odiava o fato de deixar Colin me afetar tanto, sendo o único - antes de Jas -, que me conhecia tão bem. Claro que tinha contado para ele; melhores amigos faziam aquilo. Eu imaginava a expressão magoada e resignada de contando ao meu irmão o quanto eu fui patética e nem um pouco decente ao negar seu pedido de casamento. Em como tudo… Meu Deus, eu me sentia patética.
Quando adentrei o corredor que me levava até a creche, ignorei todos os olhares, tendo plena consciência de que eu deveria estar passando as visitas dos pacientes, mas a àquela altura, precisei aprender a confiar nos meus residentes. Em caso de urgência extrema, eles me contatavam, então eu podia ter um momento de paz com a minha afilhada. Estar com ela me distraía e limpava a minha mente; eu não precisava pensar em mais nada além de estar ali, com ela. Mas antes de entrar na creche e pedir a uma funcionária que chamasse Laura para mim, meus pés pararam do lado de fora. Pela janela, eu podia ver com Laura, ambos sorrindo e derrubando os brinquedos de Lego, quase me esquecendo que eu não era a única que tinha um laço com ela. Laura também era afilhada de .
Meu coração aqueceu com a cena. De amor por ela, e saudade por ele. Meus olhos brilharam com as lágrimas repentinas, assistindo os dois gargalharem juntos, Laura se esquivando da sessão de beijos por suas bochechas que estava distribuindo.
Colin tinha razão.
Eu sequer disse não.

[flashback on]


— Colin, é você?
Não obtive nenhuma resposta depois do clique da porta, mas duas vozes masculinas me indicaram que eu não estava sozinha. Revirei os olhos, meio impaciente pela falta de resposta e enrolei uma toalha no meu corpo, amarrando o cabelo em um coque alto, saindo do quarto em direção à sala.
— Colin, seu idiota, quando eu chamo, gosto de receber uma resposta. - fui falando, conforme andava, apertando o nó da toalha, garantindo que ela não fosse cair, mesmo na frente do meu irmão. — Achei que…
Não consegui completar a frase. Quando levantei o rosto para encarar Colin, notei que ele não estava sozinho. Ao seu lado estava um cara quase do mesmo tamanho que o dele, meio loiro e olhos castanhos demais. Um sorriso surgiu nos lábios do desconhecido, a sobrancelha meio arqueada ao perceber que eu só estava enrolada em uma toalha.
— Ah, oi, . — Colin disse, chamando a minha atenção para si. — Esse é o , ele é médico na nossa unidade.
Colin não se importava com a maneira que eu estava vestida, o que só podia significar uma única coisa: , a quem ele tinha acabado de me apresentar, era um amigo íntimo a quem ele não sentia a necessidade possessiva de me proteger.
, cara, essa é minha irmã, . — ele me apresentou ao médico.
Querendo passar a impressão de educada, estendi a minha mão para , que aceitou. Seu aperto foi delicado e gentil e me senti tentada a devolver o sorriso na mesma intensidade que ele estava me oferecendo, mas Colin me encarava com os olhos atentos.
— É um prazer, . — controlei a minha voz, soltando minha mão da dele. Quando passei os olhos pelo chão da sala, notei malas extras e me virei para Colin. — Ele vai ficar aqui?
Meu irmão deu um sorriso vacilante e coçou a nuca.
— Porra, Colin. — murmurei, contrariada. — Você não sabe mandar uma mensagem de texto, seu idiota? Sabe, para me avisar?
Mantive um sorriso passível no meu rosto. O problema não era ele ter trazido um amigo para passar uma semana de folga conosco, mas não ter me avisado nada sobre. Meu apartamento tinha espaço de sobra para abrigar os dois, mas eu gostaria de ter sido avisada que receberia uma distração cujo sorriso era convidativo. Eu nunca desviava caminho nenhum por um homem - por ninguém, na verdade -, mas por aquele eu teria feito uma exceção.
— Bem, eu esqueci. — meu irmão admitiu, dando de ombros.
— Se tiver algum problema, eu… — tentou dizer, mas eu gesticulei com a mão, descartando.
— Bobagem. — comentei, apontando para o apartamento inteiro. — Há espaço suficiente para todo mundo, eu só gostaria de ter sido avisada mesmo.
Lancei um olhar fuzilante para meu irmão, que fingiu não estar afetado pela minha recém-irritação e riu. O som da sua risada me distraiu e eu respirei fundo, organizando os meus pensamentos. Apontei para as malas de ambos.
— Levem para o quarto, eu não gosto de bagunça na sala e você sabe disso. — apontei para Colin, a expressão séria. — Os dois quartos à direita estão vazios, podem escolher em qual ficar. O meu é o último do corredor. Preciso fazer compras, mas há café da manhã na cozinha. E, ah! — continuei os avisos e abri um sorriso bastante sério e sugestivo, principalmente para Colin, a quem eu conhecia muito bem e era o motivo da única e exclusiva regra que eu tinha dentro daquele apartamento. — Sem garotas no meu apartamento. Existem motéis por um motivo.
abriu a boca, mas não disse nada, fechando-a novamente.
— Desde quando você ficou tão chata? — Colin implicou.
Ele juntou as próprias malas. Eu podia sentir o olhar do seu melhor amigo sobre mim.
— Precavida. — corrigi, apontando um dedo em riste para ele. — Da última vez, precisei mandar dedetizar esse apartamento, você lembra?
Colin me exibiu a maior cara de passagem que ele tinha, fingindo que sua memória estava falhando, o que me fez revirar os olhos. Ele pegou as malas e seguiu para o corredor de onde eu tinha vindo, provavelmente indo escolher o melhor quarto para si.
— E se a garota for você? — questionou.
Pisquei meus olhos para ele, um pouco confusa. Era tão difícil manter-se concentrada em qualquer coisa que ele estivesse dizendo, uma vez que era tão bonito. Um colírio para os meus olhos.
— O quê?
Ele riu.
— Você disse “sem garotas”, mas e se a garota em questão for você? — explicou.
Umedeci os meus lábios, coçando a minha bochecha. Eu definitivamente estava com dificuldade para entender se aquilo era um flerte disfarçado de pergunta ou simplesmente uma dúvida genuína.
— Você está flertando comigo?
abriu um sorriso sugestivo. Eu precisava conversar com Colin sobre ele não trazer amigos bonitos para se hospedarem em meu apartamento.
— Você gostaria? — ele devolveu.
Encolhi os ombros, sorrindo na sua direção.
— Bem, então. — respondi a sua primeira pergunta. — Acho que posso abrir uma exceção.

[flashback off]



Capítulo Dois

Você disse, "Você já tem o meu corpo
Você pode pegar meu amor"


Corri o máximo que eu pude, atravessando as pessoas pelos corredores. Os elevadores não estavam a meu favor no momento, então optei pelas escadas até o segundo andar, onde ficava a ala pediátrica. Meu pager continuava apitando, uma urgência zunindo em meus ouvidos.
Empurrei a porta com força e murmurei pedidos de licenças e desculpas para os outros com quem eu esbarrava por estar correndo desenfreadamente. Quando parei na porta do quarto da paciente, ofegante, adentrei a sala, com dois dos residentes lá dentro, três enfermeiras e um carrinho de parada. Tentando manter a calma e concentração, observei o primeiro residente em cima da cama, fazendo massagem cardíaca no paciente.
— O que aconteceu? — questionei, para ninguém específico, esperando que um deles respondesse.
Um silêncio consumiu o ambiente, somente os bips da máquina sendo ouvido. As linhas estavam retas e não havia nenhuma indicação de atividade cerebral, o que indicava que…
— Nós sabíamos que isso iria acontecer, não é? — A Dra. Brown murmurou ao meu lado, os olhos fixos na criança de oito anos de idade, sem reação. — Ela estava muito frágil e…
— Dra. Brown. — interrompi a segunda residente, fazendo-a olhar para mim com seriedade. — Há quanto tempo ele está fazendo massagem cardíaca?
As enfermeiras olharam com pesar para o Dr. Campbell, que continuava pressionando o peito de Louisa Carter, oito anos, fã dos Lakers.
— 30 minutos.
Respirei pela boca, mantendo a minha compostura e assenti. Louisa era uma das minhas pacientes preferidas, vítima de leucemia linfoide aguda, que iniciou a quimioterapia muito cedo, o que a deixava fraca e suscetível a infecções. A residente estava certa quando disse que isso poderia acontecer, mas mesmo que nós soubéssemos desse fato, não era algo que estávamos esperando que fosse mesmo se concretizar. Respirei fundo, afastando as minhas emoções e me aproximei do residente.
— Campbell... — chamei, mas não houve nenhuma resposta. — Campbell, ela não vai voltar. Você precisa parar a massagem, agora. — nenhuma resposta ainda. — Dr. Campbell!
Segurei o seu braço, obrigando-o a olhar para mim e parar as massagens. Ele estava suando na testa e seus olhos estavam lacrimejados. Eu não era uma médica ruim com nenhum dos residentes, só era uma que queria que eles aprendessem o máximo possível e eu sabia como era difícil querer salvar um paciente e não conseguir. Era ainda mais difícil quando os pacientes não tinham mais do que oito anos de idade. Mesmo assim, fui em frente e me tornei uma das melhores cirurgiãs da Califórnia.
— Declare.
Campbell engoliu a seco e assentiu. Saiu da cama da menina e ajeitou a sua postura, encarando o próprio relógio no pulso. Ele demorou um pouco até dizer as palavras em voz alta, encarando qualquer coisa, menos Louisa.
— Hora da morte: 09h40m.
Campbell saiu logo em seguida e as enfermeiras começaram a organizar o quarto. Andei até Louisa e a encarei, o semblante tão angelical, quase como se ela estivesse simplesmente dormindo. Perder tantas pacientes não tornava mais fácil quando eu sempre perdia outro. Toquei o rosto dela e acenei com a cabeça, uma despedida silenciosa. Me virei para a residente, parada ali ainda e funguei baixinho.
— Onde estão os pais? — questionei.
— Foram comer algo. — respondeu e eu assenti, me preparando emocionalmente para dar mais uma notícia devastadora a dois pais. Nunca ficava mais fácil. — Dra. Hawkins, eu gostaria de notificar os pais.
Parei os meus passos e encarei a Dra. Brown, uma das residentes mais dedicadas, brilhantes e sensível com quem eu já tive o prazer de ensinar. Ela manteve o olhar firme no meu, mantendo o seu pedido.
— Tem certeza? — perguntei, o qual ela assentiu rapidamente em resposta também, sem chance de voltar atrás na própria decisão. — Obrigada.
Ela acenou e eu saí do quarto, entrando em qualquer porta destrancada e vazia dentro, finalmente me permitindo chorar um pouco, o peito apertado.
Eu odiava.
Simplesmente odiava quando não conseguia salvar os pacientes daquela maneira, mesmo que eu tivesse a consciência de ter tentado tudo para lhe devolver a vida.
Limpei as minhas lágrimas, me sentando no chão por um momento. A ausência de , os plantões dobrados, a briga com Colin… Tudo aquilo estava me estressando. Me deixando à beira de um colapso emocional, lembrando que, antes de ser uma cirurgiã, eu ainda era humana. Ouvi meu celular apitar, indicando uma mensagem. Tirei o aparelho do bolso e funguei baixinho, esfregando os meus olhos para me ajustar ao brilho da tela do celular. Quando deslizei o dedo, desbloqueando, abri a barra de notificação, vendo diversas mensagens no WhatsApp que eu não estava a fim de responder. Ao invés disso, deslizei direto para a galeria, abrindo a pasta de fotos que eu tinha de todos os eventos que o hospital organizava para as crianças que precisavam ficar em tratamento intensivo. Quando eu precisava melhorar um pouco o meu dia ou o meu humor, simplesmente me afundava naquelas fotos, encarando os sorrisos esperançosos das crianças, a animação em se ver vestidos de algum personagem que gostavam. Eu também me fantasiava, na maioria dos eventos, e alguns médicos me acompanhavam — entre eles.
Quando a expressão alegre do homem invadiu a minha tela, preenchendo o meu campo visual, meu coração apertou de saudade. Eu tinha tentado falar com ele, mas todas as minhas mensagens tinham sido ignoradas e nossos horários no hospital não batiam, o que ele tinha feito parecer de propósito. E ainda sendo odiada pelas enfermeiras, ninguém me dizia onde ele possivelmente estaria em tal horário, então desisti e deixei-o em paz, tirando quanto tempo fosse longe de mim.
Fechei o álbum no instante em que ele me levou para a próxima foto, onde eu e estávamos fantasiados de Kylo Ren e Rey. Verifiquei o meu e-mail e busquei um específico, do Hospital de Boston me convidando para uma visita - e possivelmente entrevista -, na esperança de me recrutarem para o cargo de Chefe da Pediatria. Quando recebi o e-mail, alguns dias atrás, muito antes do pedido de , eu não tinha considerado nem mesmo ir visitar o hospital, já que eu não tinha a intenção de sair de San Diego - afinal de contas, Colin e todos os meus amigos estavam aqui -, então não respondi. Mas dois dias atrás, o CEO do Hospital tinha entrado em contato direto comigo e, desde então, a proposta estava bem vívida na minha mente. Não era pelo cargo, no entanto. Eu não o cobiçava tanto e tinha certeza de que podia conseguir ele aqui em San Diego. Era pela oportunidade de fuga, de um ar novo, de um recomeço. Então aceitei visitar o hospital, logo depois do Congresso, mas sem dar garantia que eu fosse aceitar a proposta.
Jasmine não sabia daquele detalhe. No momento em que eu contasse, ela surtaria e, para ser sincera, eu não estava com muita bagagem emocional para lidar com mais um problema. Se as coisas seguissem um rumo que me faria mudar de San Diego para Boston, eu contaria, mas até lá… Um pouco de paz era bom. Bloqueei a tela e guardei o celular, ignorando as mensagens e puxei o meu pager, que apitou mais uma vez, avisando que a Emergência estava me chamando. Levantei do chão e guardei o pager novamente, esfregando o meu rosto e ajeitando o meu cabelo, melhorando a minha aparência derrotada, desejando que eu mergulhasse de cabeça no trabalho para esquecer tudo o que me rodeava. Fiz uma nota mental de falar com os pais da Louise depois, porque eu me devia isso. Abri a porta e saí pelo corredor, caminhando devagar até a emergência.
— Fui chamada aqui. — avisei a uma enfermeira na recepção, a única que ainda guardava alguma simpatia por mim a julgar por seu sorriso.
Ela me entregou a ficha e apontou para algo atrás de mim.
— Leito três.
Concordei com um aceno, murmurando um agradecimento, enquanto segurava o tablet e passava os olhos pela ficha preenchida do novo paciente. Era uma criança de dez anos, com fratura exposta. Segui até o leito três e puxei a cortina, mas fui surpreendida pela presença de , pela primeira vez, em duas semanas.
Ele olhou para trás, me encontrando completamente congelada e seu sorriso morreu, sentado bem na beira da maca onde o paciente estava. Seus olhos se sustentaram nos meus por um momento e eu deveria imaginar que ele estaria aqui, já que era um ortopedista. Limpei a minha garganta, desviando o olhar para o menino e os pais, que estavam me encarando.
— Oi, Kyle, como vai? — murmurei, com um sorriso desenhado nos lábios. — Sou a Dra. Hawkins, mas você pode me chamar de . — o menino sorriu para mim, assentindo e eu olhei para a sua fratura exposta, bem abaixo do joelho. — Uau, como você fez isso?
Kyle encolheu os ombros, meio tímido.
— Ele é um pouco agitado. — Sr. Kyle respondeu, como se resumisse tudo. — Estávamos consertando o telhado e apesar de eu ter deixado uma ordem bastante clara sobre ele não subir as escadas, não é como se ele me ouvisse, não é, Kyle?
Ele encarou o menino com seriedade.
— Me desculpe, papai, eu só queria ajudar. — Kyle apressou-se em dizer.
— Ele escorregou em alguma telha lá em cima e caiu. — a Sra. Kyle explicou.
— Tudo bem. — eu disse, com um sorriso. — Nós vamos cuidar disso, ok? — Kyle assentiu. — Está sentindo dor?
Eu esperava uma resposta do menino, enquanto deslizava o dedo pela sua ficha completa, procurando informações sobre possíveis remédios a qual ele pudesse ser alérgico, mas foi a voz de que soou:
— Eu já cuidei disso. — ele disse. — Podemos conversar?
Engoli a seco, olhando rapidamente para os pais do menino e assenti devagar.
— Claro. — respondi, agradecendo mentalmente pela minha voz não ter falhado. — Nós já voltamos.
Os pais concordaram com um aceno e eu saí do leito, com em meu encalço.
… — tentei dizer, mas ele me interrompeu, os olhos escuros.
— Ele vai precisar de cirurgia — avisou, jogando as informações de uma vez. — O procedimento implica em levá-lo para uma tomografia detalhada, mas eu o examinei e estou preocupado com o fluxo sanguíneo. É só uma criança.
Sim, e eu tinha acabado de perder outra.
Pisquei meus olhos, umedecendo os meus lábios. Ele não tinha me dado brecha para falar sobre nada — sobre nós —, a não ser sobre o paciente, então respeitei. Mas, mesmo assim…
— Você acha que podemos conversar sobre nós dois? — sussurrei.
Ele me encarou com algo que eu não consegui identificar, mas não gostei da sensação.
— Não existe nós, Dra. Hawkins. — retrucou. — Você concorda com a cirurgia?
Algo se partiu dentro de mim, mas eu não podia desmoronar no meio da emergência do hospital.
— Sim.
Ele acenou, mil coisas passando pela minha cabeça. Eu me sentia tonta e pisquei meus olhos algumas vezes, enxergando tudo e nada ao mesmo tempo. A sensação vertiginosa deveria ser pelo fato de que eu não comi a manhã inteira.
— E eu sei que você é a cirurgiã principal de plantão, mas eu gostaria que a Dra. Allen te substituísse.
Encarei-o com confusão estampada em meu rosto. Eu estava me sentindo mal o suficiente para não ter dado espaço à indignação que surgiu logo depois.
— O quê? — minha voz mal saiu.
— É minha cirurgia e eu não quero distrações. — ele explicou, tão calmo como sempre estava.
Esfreguei a minha têmpora e respirei fundo, tentando afastar a tontura. Dei um passo vacilante para trás, mantendo os meus olhos nele.
, você não precisa fazer isso. — eu disse.
Ele deu de ombros, mal se importando. Se fosse possível que eu pudesse odiar qualquer parte dele, odiei aquela no momento.
— Não preciso mesmo, mas a graça é que eu posso, não é?
Sem me dar chance de resposta, ele me deu as costas e seguiu de volta para o leito de Kyle, provavelmente informando aos pais que a Dra. Allen iria me substituir. Enxergando tudo confuso e embaraçado, andei de volta até a recepção. Entreguei o tablet de volta à mesma enfermeira, Lena.
— Passe o caso para a Dra. Allen, por favor. — murmurei.
Ela assentiu, pegando o tablet de volta e tentei andar para sair dali, mas eu me sentia mal. Meus lábios formigaram e minha cabeça latejou um pouco e eu me segurei, com as duas mãos firmes, contra o balcão da recepção.
— Dra. Hawkins? — Lena chamou. — Você está bem?
Tive a impressão de que concordei com um aceno.
— Eu…
As palavras nunca saíram.
Perdi a consciência em algum momento, não sem antes ouvir Lena gritar por ajuda e meu corpo cair no chão.

dia seguinte
terça


— Colin?
Abri meus olhos muito devagar, com a sensação de dois elefantes em cima de mim e avistei meu irmão sentado no sofá pequeno do outro lado do quarto. Eu reconhecia a decoração do hospital e notei que eu estava ligada à máquina, com um soro na minha veia. Uma típica paciente. Que sequer tinha forças o suficiente para ser rebelde e querer sair do quarto, porque era verdade quando diziam que os médicos eram os pacientes mais difíceis que existiam.
Meu irmão levantou rapidamente e se colocou ao meu lado, segurando a minha mão. Eu tinha a sensação de que não o via há dias, mas tinha certeza também que discutimos ainda aquela manhã.
... — ele sussurrou, beijando a minha testa com um sorriso nos lábios que chegavam aos seus olhos. — Como você está se sentindo?
— Eu desmaiei? — perguntei, minha voz saindo seca.
Ele deve ter percebido, porque logo em seguida me ofereceu um copo de água, a qual eu aceitei prontamente, bebendo um gole depois dele me ajeitar na cama para ficar sentada. Eu não sentia dor, mas me sentia cansada.
— Sim. — ele respondeu.
Gemi desgostosamente com aquela resposta, envergonhada de ter dado aquele show na frente de todo mundo da emergência.
— Eu estou bem. — garanti ao meu irmão, apertando a sua mão contra a minha, ao notar seu olhar preocupado. — Escute, sobre essa manhã…
, nós discutimos ontem... — sua testa franziu.
— O quê?
Não, eu não podia ter dormido tanto assim. Ainda era fim de manhã quando eu desmaiei, o que não podia significar que eu fiquei desacordada esse tempo todo mesmo.
— Você ficou inconsciente por um dia. — Colin explicou. — A Dra. Allister disse que você precisava descansar. Está sob muito estresse e isso não é bom.
— Eu sei. — resmunguei, desgostosamente.
Soltei um suspiro longo e profundo, esfregando o meu rosto com as duas mãos, parecendo que eu envelheci anos em alguns dias.
— Não, . — Colin continuou. — Isso não é bom, porque…
Ele foi interrompido pela porta sendo aberta. Jasmine entrou logo em seguida, com um sorriso aberto no rosto e a expressão de alívio. Ela andou até mim, sentando-se no lado oposto do meu irmão e segurou a minha mão, acariciando a minha palma.
— Como você está, sua irresponsável? — perguntou, ao mesmo tempo que me dava um sermão implicitamente.
— Eu só esqueci de comer. — me defendi, recebendo um olhar feio da parte dela. — Estou bem.
Jas e Colin trocaram olhares.
Eles eram amigos, claro, mas não eram íntimos e com certeza não trocavam olhares daquela forma, o que fez surgir um alerta vermelho na minha cabeça. Jas apertou ainda mais a minha mão e eu franzi o cenho, confusa.
— Aconteceu alguma coisa?
Meu estômago revirou com a possibilidade de alguma notícia ruim. Eu realmente não estava com o pote de estabilidade emocional cheio, não precisava de mais problemas.
— Queria, nós temos uma notícia para te dar. — Jas começou. — Mas não seria melhor esperar a Dra. Allister…?
Colin balançou a cabeça imediatamente.
— Não, Jasmine. — interveio. — , escute. Você está grávida.
O mundo ficou silencioso ao meu redor e pensei ter escutado errado. Nem mesmo os bipes irritantes das máquinas chegaram aos meus ouvidos. Os dois me olhavam com um semblante preocupado e com expectativas, mas eu não sabia o que dizer, ocupada demais raciocinando os sinais que eu não notei.
Minha menstruação estava atrasada há semanas, mas com todo trabalho no hospital, eu não me importei muito para dar atenção. Andava enjoada e com os nervos à flor da pele, sentindo o dobro de sono que eu não sentia antes. Desejos absurdos de coisas que eu nem gostava de comer.
Desmaiei porque não comi uma manhã inteira. E estava grávida.
A ficha tinha finalmente caído e eu comecei a balançar a cabeça, as lágrimas descendo silenciosas pelas minhas bochechas. Busquei consolo nos olhos do meu irmão e no aperto de mão da minha melhor amiga.
— O que eu vou fazer? — sussurrei, perdida.
Eu não podia estar grávida. Não havia pior momento para aquilo e eu realmente não sabia o que fazer. Minhas mãos tremeram um pouco e eu engoli a seco, pensando sobre tudo. E sobre nada. Eu não conseguia raciocinar direito.
— Nós estamos aqui. — Jas murmurou, Colin concordando. — Nós estamos aqui, vai ficar tudo bem?
Limpei as minhas bochechas e soltei o ar pela boca, assentindo freneticamente para as palavras dela, buscando consolo. Eu não sabia se ia mesmo ficar tudo bem, mas merda, eu precisava que ficasse.
— Ah, . — ela trocou um olhar com o meu irmão de novo e decidi que não gostava daquilo. — Você vai contar ao ?
Colin me estudou. Para ele, seria difícil esconder um segredo que mudava a vida do melhor amigo, mas eu era a sua irmã mais nova, a quem ele sempre jurou ser leal.
— Ele nem olha para mim, Jas. — respondi, um sorriso melancólico nos lábios. — Não posso dar a notícia assim.
Minha melhor amiga assentiu, em silêncio.
— Ele está magoado, mas nenhuma mágoa é válida manter diante disso, . — Colin argumentou, apertando a minha mão também.
Eu concordava com ele, mas ainda assim, as coisas estavam complicadas entre e eu. E eu precisava que tudo de descomplicasse antes.
— Não quero que ele me perdoe porque eu estou grávida. — expliquei. — Quero que ele faça isso porque simplesmente quer.
Meu irmão assentiu. Respirei fundo e apertei os seus dedos contra os meus.
— Eu sei que ele é seu melhor amigo, mas você pode guardar esse segredo? — pedi. — Por um tempo?
Ele deixou os ombros caírem, claramente derrotado.
— Obrigada, Colin. — murmurei, recebendo um aceno dele. — Agora, me digam. Quem está cuidando das minhas crianças?


Capítulo Três

Não desista por qualquer pessoa
Isso seria muito pesado
Ao invés de passar por essas emoções
Eu quero sentir o seu toque
dois dias depois
sexta


— O que você está fazendo aqui?
A voz de Jasmine chamou a minha atenção assim que eu atravessei o corredor que me levava para o terceiro andar. Me virei na direção da voz dela e abri um sorriso, encolhendo os ombros. Ela me olhou de cima a baixo, analisando a roupa casual que eu estava vestindo: uma calça jeans, uma camisa de Star Wars e um tênis, com o cabelo preso em um rabo de cavalo, os lábios pintados de um vermelho claro.
— Preciso ver o Colin. — expliquei a ela, parando na sua frente. — Sabe onde ele está?
— No laboratório, provavelmente. — Jas respondeu e eu assenti.
Desde que eu tinha descoberto a gravidez, tinha mantido a minha decisão de não contar ao , ainda. Jas vinha me vigiando o tempo todo e não parava de falar como tinha ficado preocupado com o meu desmaio e como era chato que ele não soubesse, porque ela queria comemorar. Mas não havia o que comemorar.
Eu estava apavorada com a possibilidade de ser mãe, assim como também fiquei com o pedido de casamento dele. Perdi a minha mãe muito cedo e não tive um bom exemplo de pai — ou de qualquer relacionamento. Depois que conheci , através de Colin, um tempo depois nós começamos a nos envolver, o que não durou muito, porque ele precisou voltar para… Qualquer que fosse o lugar. Ainda era médico do exército e tinha um dever. E quando ele finalmente foi dispensado e começou a trabalhar no hospital ainda quando eu era residente, retornarmos a nossa amizade com benefícios. Estar com ele era fácil, o sexo era bom, a relação era ótima. Exceto que não era uma relação. Não uma romântica e, com certeza, não uma oficial. Com o passar do tempo, eu não me envolvi com mais ninguém, mas nunca conversamos sobre essa coisa que havia entre nós.
Então quando ele fez o pedido de casamento, entrei em pânico.
Eu não podia aceitar se isso significasse que ele iria embora. Era justamente por aquele motivo que eu precisava ver meu irmão. Se ele conseguiu perdoar o nosso pai, o que me impedia de fazer o mesmo?
— Podemos conversar depois? — pedi a Jas, que concordou, então movi os lábios em três palavras. — Eu te amo.
Ela me enviou um beijo pelo ar e me despedi, dando as costas, subindo as escadas que me levariam direto para o laboratório, o atalho mais perto que eu conhecia dentro do hospital.
ainda não falava comigo, mas as enfermeiras pararam de me destratar. E, quando nos esbarrávamos sem querer pelos corredores da pediatria, ele não me ignorava ou tratava com indiferença. Ele me olhava com mais ternura, mas ainda assim, não dizia nada.
— Dra. Hawkins. — ouvi a voz de Campbell e me virei, encontrando o residente um tanto afobado. — Eu não queria importunar, mas…
Esperei até que o coitado pudesse respirar melhor. Ele claramente veio correndo de muito longe para me alcançar até aqui.
— Sinto muito. — ele continuou e incentivei-o a falar o que queria. — Eu soube que a Dra. Allen vai ficar responsável por seus casos enquanto você passa o fim de semana no Congresso, mas…
— Campbell, você pode ir direto ao assunto?
Ele limpou a garganta e assentiu.
— A Dra. Allen me colocou como cirurgião residente principal na cirurgia de Evan Collins, o que significa…
— Eu sei o que significa. — interrompi. — Qual é o problema?
— Isso é uma cirurgia sem supervisão, eu não…
Levantei a mão, impedindo-o de continuar a falar e soltei a respiração, abrindo um sorriso calmo e gentil. Totalmente compreensível que ele estivesse inseguro, mas não havia motivo para tanto alarde.
— Campbell... — comecei. — Retirada de apendicite é uma cirurgia fácil até para um interno do primeiro ano. Você consegue fazer isso.
O residente me olhou um pouco descrente.
— E se houver complicações?
— É um risco. — respondi. — Como qualquer outra cirurgia. Mas acho que você é bem capaz de contornar as complicações também.
Pisquei um olho para ele, sorrindo com confiança e voltei a andar, deixando-o pensar sozinho. Cruzei o próximo corredor e cheguei na porta do laboratório, espiando pela janela se Colin estava ali. A silhueta das costas do seu corpo era bastante visível e uma olhada rápida me permitiu verificar que ele estava sozinho. Bati duas vezes e quando ouvi a voz abafada dele pedindo que eu entrasse, abri a porta e entrei.
— Você não tem um voo em duas horas? — ele perguntou, verificando o relógio no pulso.
Fechei a porta atrás de mim e concordei com um aceno, me sentando em um banco livre. Eu não tinha ideia do que ele estava fazendo ali, mas havia diversos papéis espalhados por uma mesa. Colin não era cirurgião. Ele preferiu simplesmente ser um médico atendente que repassava casos cirúrgicos.
— Você não veio só se despedir de mim. — meu irmão observou, me encarando com uma sobrancelha arqueada e com aquele sorriso zombeteiro nos lábios, mostrando as suas covinhas.
Revirei os olhos e cocei a minha bochecha, tomando coragem para iniciar a conversa.
— Por que você pediu a Nic em casamento? — Soltei a pergunta de uma vez.
Colin olhou para mim por um breve momento e puxou uma cadeira, sentando-se de frente para mim. Eu não esperava que fosse uma longa conversa.
— Pelo motivo óbvio, . — disse. — Eu amo aquela mulher.
Suspirei teatralmente, evitando a vontade de girar os olhos.
— Vamos, Colin. — dei um soquinho em seu braço. — Você sabe que isso não é motivo suficiente. Se fosse o caso, eu teria aceitado o pedido de .
Ele bufou, apontando um dedo para mim.
— Bem observado. — debochou. — Olha, , não há ninguém que entenda seus medos melhor do que eu. Eu demorei tempo demais para pedir Nic em casamento e quase a perdi por isso. Não por não ter feito o pedido, mas por não ter sido sincero com ela em relação à minha vulnerabilidade.
Eu sempre imaginei o meu irmão muito mais seguro do que eu em todas aquelas coisas. Era estranho imaginar demais o Colin vulnerável.
— O que você fez?
— Percebi que eu não sou o nosso pai. — respondeu, sem hesitar. — Toda essa merda dele com a mamãe nos moldou para fracassar em todos os nossos relacionamentos e, por um tempo, foi sempre assim. — ele apontou para mim e depois para ele. — Para mim e para você. Mas eu conheci a Nic e você conheceu o . E pela primeira vez na minha vida, eu não queria mais fracassar.
Estar grávida me permitia ter uma desculpa o suficiente para explicar por que eu andava tão sensível a ponto de meus olhos lacrimejarem.
, não é o nosso pai. — meu irmão continuou. — Ele não vai embora.
— Você não pode me garantir isso. — murmurei, apertando os meus próprios dedos.
— É verdade, eu não posso. — concordou. — Mas como você vai descobrir, se não dá uma chance? Vocês estão nessa enrolação há anos e eu nunca o vi pular fora de nada em relação a você.
Era verdade. nunca me abandonou em momento nenhum. Nas crises de pesadelos, nos piores humores quando eu estava morrendo de cansaço, em todas as vezes em que eu o afastei.
— E eu sinto muito se te fiz pensar que te abandonei. Eu nunca faria isso, pirralha.
Afastei a mão dele do meu cabelo, impedindo que ele me tratasse como quando eu era garota, não querendo que bagunçasse o meu cabelo. Eu não tinha tempo de me arrumar de novo, já estava pronta para ir daqui direto ao aeroporto.
— Estou com medo. — confessei.
Colin me tranquilizou com um sorriso.
— Eu sei. Mas você precisa parar de pensar que seu relacionamento é como o dos nossos pais. Não é.
Levantei os olhos na sua direção, enxergando a diferença entre nós em relação a aparência. As pessoas costumavam dizer que ele tinha os olhos da nossa mãe, enquanto eu tinha o do nosso pai. Ambos os tons escuros.
— Mas como ele conseguiu deixar a nossa mãe? — perguntei, ressentida. — Ela estava tão doente.
Ele não hesitou em me responder.
— É por isso que eu insistia para você conversar com o papai. — disse. — Há uma coisa que você precisa saber. E talvez, sabe, você supere alguma coisa.
Estreitei os meus olhos, desconfiada. A essa altura, dava para perceber que ele sabia de alguma coisa que eu não tinha conhecimento.
— O que eu deveria saber?
— Ouça, , nosso pai está aqui, no hospital. — avisou, me pegando totalmente de surpresa. — Eu não podia ficar viajando para Chicago o tempo todo, então pedi a transferência dele para San Diego. Ele chegou ontem à noite. Está na Ala Vip.
— É claro que está. — falei, como se fosse óbvio. — Por que não me contou?
Ele meio que olhou para minha barriga, instintivamente. Dei outro soco leve em seu braço.
— Não queria te aborrecer. — confessou. — Nic me proibiu exclusivamente de te aborrecer. Mas se você quiser visitá-lo, eu…
Não o deixei terminar a frase, tomada por um desejo impulsivo de entender alguma coisa. Ou talvez acabar com todo aquele ressentimento que eu carregava dentro de mim.
— Pode ir comigo? Agora?
Ele me ofereceu o maior sorriso com covinhas que eu já recebi.
— É claro, pirralha.
Desci do banco e o abracei rapidamente, murmurando um agradecimento.
— Eu te amo, Colin.
— Não mais que eu.

Meus pés travaram em frente ao número 204, da Ala Vip.
Engoli a seco, sentindo algo amargo me consumir, mas Colin apertou a minha mão, me trazendo de volta para a realidade, o que me acalmou um pouco. Ele buscou nos meus olhos a permissão para finalmente abrir a porta e eu assenti. Colin abriu a porta e me puxou para dentro. A TV estava ligada em um canal de esportes e eu não me lembrava se meu pai costumava gostar de algum. Havia diversas lembranças espalhadas pela minha memória, a maioria preenchidas com sua ausência.
— Pai. — Colin chamou a atenção dele.
Ele parecia bem, considerando tudo. Quando seus olhos pararam em mim, pude jurar que havia lágrimas em seus olhos.
… — sussurrou.
A esperança na sua voz me fez perceber que ele estava esperando por aquilo, mas não tinha certeza se realmente aconteceria. Soltei a mão do meu irmão e engoli a seco, me aproximando da cama do meu pai, ficando perto o suficiente.
— Oi, pai. — murmurei, umedecendo os meus lábios. Sem saber o que fazer com as mãos, escondi-as no bolso da calça jeans. — Você parece bem. Está corado.
— Colin te obrigou a vir aqui? — ele perguntou, usando aquele tom autoritário.
Soltei uma risada fraca, balançando a cabeça.
— Não. — respondi. — Eu… Eu pedi para vir.
Ele ficou um momento em silêncio. Colin, que estava atrás de mim para me dar espaço, parou ao meu lado.
— Colin diz que eu preciso saber de uma coisa. — comentei, quebrando o silêncio.
Nosso pai ajeitou a postura na cama, ficando sentado. Meu irmão ajudou-o a ficar confortável com o travesseiro e assisti os dois trocarem um olhar silenciosamente.
— Pai... — Colin disse, em tom de aviso. — Ela precisa saber.
, querida, pode se sentar aqui? — ele pediu.
Hesitei por um momento, mas um olhar encorajador do meu irmão me incentivou e eu acatei o seu pedido sem problema nenhum, me sentando no espaço livre da cama dele.
— Às vezes esqueço que os dois não são mais crianças e não precisam de tanta proteção. — ele começou.
Eu não imaginava o que era que eles achavam que eu precisava saber.
— Do que você está falando? — questionei.
Meu pai soltou um suspiro antes de começar a falar, mantendo seus olhos em mim. Colin parou ao meu lado, colocando uma mão sobre o meu ombro, não percebendo o quão tensa eu estava.
— Sei que acha que abandonei a sua mãe e sinto muito, eu só queria te proteger.
— Proteger de quê, pai? — incentivei-o a me contar, agoniada com tanta enrolação.
— De você a odiar, talvez. — explicou. — Eu não me separei dela, , eu ficaria a minha vida inteira com a sua mãe, mas ela pediu divórcio.
Estreitei os meus olhos, tentando me lembrar daquele fato, mas eu não conseguia. Não era a história que eu passei esse tempo todo acreditando que existia.
— Por quê?
A expressão do meu pai se tornou melancólica.
— Ela estava tendo um caso com o nosso vizinho, o Tommy.
O ar quase ficou preso nos meus pulmões diante daquela revelação. Meus olhos piscaram devagar, desfocado e engoli a seco, sentindo o aperto de Colin no meu ombro.
Minha mãe.
Minha mãe traiu o meu pai com o nosso vizinho. Tommy, que era tão gentil comigo e quase sempre nos convidava para jantar em sua casa. Minha mãe estava sempre perto dele, embora eu não notasse nada, porque ficava o tempo todo com o filho dele.
— O quê…? Isso… — as palavras saíram desconexas da minha boca, as lembranças criando sentido. — Meu Deus, pai, eu não sabia.
Tampei a minha boca, sentindo meus olhos lacrimejarem, odiando a mim mesma por ter acreditado na mentira da minha mãe aquele tempo todo. Ela deixou que eu odiasse o meu pai e nem mesmo quando estava morrendo me agraciou com a verdade.
— Eu sei. — ele disse. — Quando eu descobri, não fiquei aborrecido. Entendia a condição da sua mãe e o meu papel como marido e pai ausente. Pedi mais uma chance para consertar as coisas, mas ela insistiu no divórcio e disse para dividirmos a guarda.
Balancei a cabeça, ainda meio perturbada.
— O Tommy era casado. — sussurrei, lembrando.
Meu pai concordou com um aceno positivo.
— Sim, e você pode imaginar que ele não abriu mão de nada pela sua mãe. — havia raiva na sua voz, que eu captei rapidamente.
Era verdade. Depois que meus pais se separaram, mamãe parou de ver Tommy e ele também nunca mais procurou por ela. Eu me lembrava de vê-la triste pelo canto, mas achava que ela estava assim por causa do meu pai. Porque ele tinha a abandonado e não o contrário.
Me senti enjoada.
— Você me deixou te odiar. Eu achei que… — murmurei, me sentindo um pouco culpada.
— Era melhor que me odiasse do que a ela, . — meu pai disse, com um sorriso resignado nos lábios. — Você idolatrava a sua mãe e Colin era seu herói. Eu sinto muito ter afastado vocês dois.
— Pai…
— Eu sei que isso não justifica a minha ausência todos aqueles anos depois que sua mãe se foi, mas eu também estava magoado.
Surpreendendo a mim mesma, e ele também, me joguei nos seus braços com cuidado, como uma garota carente que precisava de carinho. Ele demorou um tempo para digerir o que estava acontecendo, mas seus braços logo retribuíram o meu abraço e eu chorei silenciosamente, sentindo as lágrimas molharem as minhas bochechas, lembrando de todos os anos em que eu o odiei ou não dei uma chance para que ele pudesse se redimir.
— Eu sinto muito, pai, eu não sabia. — murmurei.
Ele afagou as minhas costas e me afastei um tempo depois, limpando o meu rosto. Não queria ficar com o nariz vermelho ou os olhos inchados no Congresso.
. — ele chamou, estendendo a mão para mim. Eu aceitei. — Você me perdoa?
Olhei para Colin, cujo sorriso iluminava o seu rosto. Ao vê-lo tão feliz daquela forma, me senti muito bem. Voltei a olhar para o meu pai e abri um sorriso sincero, apertando os seus dedos contra os meus.
— Nós dois erramos, pai. — eu disse. — Está tudo bem.


Capítulo Quatro

E amor, você sabe que é um longo caminho
Então você sabe que eu não tenho medo de altura

Seattle - Washington, EUA
14:49 p.m.


Depois de quase três horas de voo, eu precisava de um bom banho, uma boa cama e, definitivamente, um monte de boa comida. Talvez dormir até o dia seguinte, onde eu precisaria comparecer ao Congresso para representar o Hospital Geral de San Diego. Naquele fim de tarde de uma sexta feira, eu não tinha nada melhor para fazer, a não ser me enfiar debaixo de uma coberta, ligar a TV em algum canal pago do hotel e esperar as horas passarem, ignorando os restantes dos meus problemas, como se não houvesse um mundo real lá fora.
Mas havia.
E assim que saí do táxi e um funcionário do hotel me ajudou a fazer o check-in, levando as minhas coisas para o quarto que eu estava hospedada, eu me deparei com meu principal problema na entrada do elevador. Meus pés colaram no chão daquele hotel luxuoso, enquanto meus olhos encontraram os de , que também me olhava com uma expressão neutra, como se já soubesse que iria me encontrar por ali. Eu sabia que havia outro médico escalado para participar do Congresso, mas não tinha ideia de que seria ele.
— Você não vem? — ele chamou, me surpreendendo.
Balancei a cabeça, voltando para a realidade e limpei a minha garganta, obrigando o meu coração a parar de saltar tão forte contra a minha caixa torácica. Era a primeira vez que ele não me tratava com indiferença desde algumas semanas antes, mas talvez ele só estivesse sendo profissional e educado diante de gente importante. Embora só houvesse ele dentro do elevador.
Ele segurou as portas e eu entrei, adotando o silêncio como melhor método, por que o que eu diria? Todo meu corpo gritava que eu escondia um segredo daquele homem. E eu estava nervosa.
Não para contar sobre a gravidez, mas porque a conversa com meu pai teve um efeito inesperado para mim. Entender tudo o que tinha acontecido de verdade, me ajudou a separar meus próprios sentimentos e a enxergar que eu estava projetando o relacionamento dos meus pais na minha relação com . E não era justo. Nem com ele, nem comigo.
Mas mesmo que eu estivesse disposta a ter de volta, as coisas continuavam não sendo fáceis. Eu tinha o magoado para valer e não sabia em que pé ele estava comigo. E eu precisava descobrir, mas estar tão perto dele de novo, daquela maneira, só fazia meu peito apertar de saudade e a vontade de me jogar em seus braços crescia.
— Você está bem? — ele perguntou, me surpreendendo outra vez, a voz tão baixa que eu quase não entendi.
Pisquei meus olhos na direção dele, encarando o seu rosto. Ele tinha uma linha fina de cicatriz, bem perto dos lábios. Seus olhos estavam suaves e não havia indício de sorriso, mas uma preocupação genuína em suas írises.
— Sim, obrigada. — respondi.
Jas e Colin tinham me dito que andava perguntando sobre meu estado desde o episódio do desmaio, dois dias atrás. Também fiquei sabendo pelas enfermeiras - principalmente por Lena —, que ele quem me socorreu, desesperado para me fazer ficar bem.
— Sobre outro dia… — ele começou a falar. — Eu não queria ter sido tão babaca.
— Tudo bem, . — murmurei. — Não foi por isso que eu passei mal.
Ele assentiu. Senti uma vontade súbita de falar alguma coisa de novo, mas as portas do elevador se abriram e ele se fechou de novo. Sem me despedir, com as batidas do meu coração ainda mais aceleradas, saí do elevador, procurando o número da minha porta.
Eu ainda não estava pronta para colocar as cartas na mesa. Não sabia como. Mas eu esperava que eu encontrasse um jeito e, de preferência, que fosse logo.


sábado


Cirurgiões não costumam desistir de salvar uma vida. Nós adoramos o desafio de brincar com a chance de prolongar a vida de qualquer paciente. Por isso, quando perdemos, é comum que passemos a exigir mais de nós mesmos. Costumamos tanto nos importar com as vidas alheias que, às vezes - quase sempre -, esquecemos da nossa própria. Naquela manhã de sábado, primeiro dia do Congresso Anual de Cirurgiões, duas coisas surgiram como lembretes importantes: a vida de um cirurgião importa tanto quanto qualquer vida; e, apesar de nós lidarmos com a morte quase sempre, não significa que ela fica menos assustadora.
! — ouvi a voz de me chamar de algum lugar. -— , cadê você?
Pisquei meus olhos lentamente. Minha cabeça latejava muito alto e muito forte e por um momento, não consegui me mover. Meus ouvidos zumbiam, minha visão estava meio turva.
… — chamei com alguma dificuldade, mas eu não tinha ideia de onde ele estava e se poderia me ouvir.
Quando ajustei minha visão ao ambiente, percebi o que tinha acontecido.
Eu tinha acordado cedo para me preparar para iniciar o Congresso. Não daria uma boa impressão se eu chegasse muito tarde, mas por alguma ironia, estava atrasada 20 minutos, retocando a maquiagem. Optei por usar um vestido azul escuro de manga longa e um salto alto preto que combinava, meu cabelo amarrado em um rabo de cavalo alto. Estava tudo bem quando peguei o elevador e quando eu estava decidida a procurar no meio do Congresso para finalmente resolver aquele impasse entre nós. Eu contaria sobre a gravidez e explicaria a minha reação ao seu pedido de casamento. Esperava que ele entendesse e, mais do que isso, que ele me perdoasse, porque sentir sua estava ficando insuportável. Mas quando cheguei ao salão principal e passei os olhos por todas as pessoas atrás de sua silhueta, todos nós fomos surpreendidos por uma bomba.
A porra de uma bomba de verdade, o que eu imaginava que só acontecia em filme.
Eu não sabia dizer por quanto tempo eu tinha ficado inconsciente, mas ainda ouvia a voz de . Tentei ignorar o zumbido em meus ouvidos e me forcei a levantar, olhando ao redor. Havia diversas pessoas machucadas, mas eu parecia estar completamente inteira, sem nenhum arranhão, exceto uma concussão. Me coloquei de pé e andei entre as pessoas, parando para ajudar alguém machucado. Uma ferida superficial, um sangramento estancado, algum osso quebrado.
! — A voz soou mais perto e fui surpreendida por um abraço. — Graças a Deus, você está bem!
? — sussurrei, sendo apertada por ele, sentindo seus músculos rígidos contra meu corpo. — Você está me apertando.
Ele me soltou, murmurando um pedido de desculpas e pude examinar o seu rosto um pouco mais de perto. Havia um filete de sangue escorrendo pela lateral de sua sobrancelha e, inconscientemente, levei meus dedos até o seu ferimento, vendo-o exibir uma careta.
— Você se machucou.
— Não foi nada. — ele descartou, afastando a minha mão, me analisando inteira para verificar se eu estava bem mesmo.
— O que aconteceu? — perguntei.
Eu ainda me sentia tonta e não precisou me responder. No momento seguinte, um grupo de homens armados invadiram o local destruído, com muita gente ainda caída, apontando suas armas para cada um de nós. segurou a minha mão contra a dele, me puxando para mais perto de si.
— Todo mundo no chão! — um deles gritou.
Os que estavam em pé obedeceram imediatamente, incluindo e eu. Todos nós sentamos no chão, alguns deitaram, e , ainda ao meu lado, não largou a minha mão em nenhum momento. Meu corpo tinha sentido falta do seu toque.
— Se alguém tentar alguma gracinha, vai usar o dia de hoje registrado no óbito. — alguém do meio deles disse. — Como é que vocês dizem? Hora da morte?
Pisquei meus olhos para me manter acordada. O aperto de contra os meus dedos me mantinham sã, mas eu não entendia o que estava acontecendo. Porque tinha uma bomba, quem eram aqueles homens e o que queriam conosco.
Era para ser só mais um dia normal de Congresso entre cirurgiões que gostavam de se mostrar mais arrogantes que os outros. Ao invés disso, estávamos presos com um grupo de terroristas com aparente raiva por médicos cirurgiões.
… — ele chamou.
Tentei não focar nos terroristas. Meu coração palpitava muito forte e muito rápido contra o meu peito.
— Eu ia te procurar, sabia? — sussurrei só para que ele ouvisse, não querendo chamar atenção dos homens para nós. Pelo canto do olho, eu podia ver algumas pessoas se movendo lentamente, algumas ainda machucadas.
, está se sentindo bem? — ele apertou a minha mão. — Você está sangrando.
Eu estava ofegante e meus olhos queriam fechar, o pânico tomando conta de mim diante de toda aquela situação de reféns. Eu realmente acreditava não ser uma pessoa de sorte.
— Estou bem.
Ele não acreditou nenhum pouco.
— Não, , você está mesmo sangrando. — ele insistiu, apontando para as minhas pernas.
Como estávamos de joelho contra o chão, era notável observar o sangue escorrendo pelas minhas pernas. Eu não tinha sentido nada até agora e o pânico cresceu dentro de mim. Soltei a minha mão dele e me toquei, encarando a minha mão encharcada de sangue.
— Ah, merda. — murmurei baixinho, encarando o rosto dele com pesar. — Me desculpe, , eu ia te contar.
Ele nem sequer piscou os olhos.
— Você está grávida?
Um soluço de uma risada sem humor ficou preso na minha garganta. Eu não podia acreditar em tamanha falta de sorte e em lugar pior para dar uma notícia daquelas.
— Acho que o sangramento significa que não estou mais. — respondi.
mal se movia. Ele parecia completamente perturbado com a notícia e pior ainda com a possibilidade de eu estar perdendo o bebê.
— Você precisa de um hospital… — ele disse. — Eu…
Quando ele se virou na direção dos terroristas — que, graças a algum ser divino, não estava prestando atenção em nós —, segurei o seu braço com força, sujando-o um pouco de sangue.
— Por favor, não — sussurrei.
— Ei!
A voz dele foi abafada por um barulho de tiro. Instintivamente, me curvei, minhas duas mãos protegendo a minha cabeça do perigo e do barulho e o corpo de curvou-se contra o meu. Alguns gritos apavorados ecoaram.
Fiquem quietos! — a ordem veio de uma voz mais autoritária.
Meu corpo inteiro estava sofrendo as consequências do estresse e eu mal percebi que estava chorando, agarrada ao corpo de , como eu fazia quando tinha um pesadelo, às vezes. Alguém estava chorando ainda mais alto e senti afagar as minhas costas e beijar os meus cabelos discretamente.
— Vocês não parecem muita coisa agora, não é? — a voz autoritária continuou. — Gostam de brincar de Deus, mas não são capazes de fazer nada para impedir isso agora.
Uma risada ecoou.
— Por que vocês têm raiva de nós? — alguém perguntou.
Eu ainda me recusava a olhar para qualquer coisa. Ficar de olhos fechados e com a cabeça enterrada no peito de Zach era a opção mais segura para mim no momento.
— Eu disse! — a voz gritou dessa vez. — Vocês têm complexos de Deus e são arrogantes. Gostam de distribuir o discurso de que têm como dever salvar a vida de todos os seres humanos, mas não quando eles são de cor e pobres, não é?
Um sistema capitalista programado para a saúde ser somente elitista contribuía para a existência de grupos como aquele. Acreditar na causa era relevante, o perigo morava em como eles resolviam enfrentar essa ideia.
... — sussurrei, só para que ele ouvisse. — Eu não me sinto bem.
Ele ficou tenso contra o meu corpo. A ideia de estar preso ali estava matando-o lentamente, principalmente quando eu ainda continuava sangrando, aumentando ainda mais os riscos de as coisas piorarem.
Eu só queria que tudo acabasse.
Tinha sido preciso uma bomba nos pegar de surpresa e um grupo terrorista nos transformar em reféns para eu sentir aqueles braços envolta do meu corpo de volta. Minha visão tinha voltado a ficar turva e meu corpo ficou mole nos braços dele e eu sabia que estava perdendo a consciência de novo devido a perda considerável de sangue.
, por favor… — implorou, sentindo o meu corpo amolecer.
Eu queria ter permanecido acordada por ele, porque ele estava me pedindo para manter os olhos abertos, mas não consegui.
Tudo escureceu em questão de segundos.

algumas horas depois


Alguém segurava a minha mão.
Devagar, fui abrindo os olhos, o teto sendo a primeira coisa que eu consegui identificar, mas não reconheci o lugar que eu estava. Quando ouvi os bipes, adivinhei que estava em um quarto de hospital pela segunda vez em menos de uma semana e resmunguei desgostosa com aquele fato, o que despertou a atenção da pessoa que segurava a minha mão contra seus dedos quentes.
? — o sussurro de ecoou.
Fiquei tão imensamente feliz e aliviada por ouvir aquela voz que meus dedos apertaram os seus de volta. Ele me ajudou a sentar na cama e umedeci os meus lábios secos, me sentindo mais cansada que o normal, as memórias voltando aos poucos.
A bomba, terroristas, sangramento. Eu perdendo a consciência.
— O que aconteceu?
Ele sentou-se na cama também, perto do espaço das minhas pernas e soltou um suspiro. Observei o seu rosto, notando que ele estava com um curativo na lateral da sobrancelha esquerda.
— A SWAT invadiu logo depois de você ter perdido a consciência. — ele explicou. — Não houve nenhuma morte e eu te trouxe para o hospital. Colin e Jasmine ligaram, tipo, um milhão de vezes, mas eu já os tranquilizei.
Engoli a seco, assentindo. Havia uma pergunta que eu queria fazer, mas eu não conseguia, temendo a resposta. , percebendo a minha hesitação, segurou as minhas duas mãos, beijando uma das palmas.
— Você está bem. — ele disse. — E o bebê também.
Pisquei os olhos, confusa. Meu coração disparou.
— Mas… Eu perdi muito sangue — balbuciei.
— Sim. — concordou. — A médica disse que mais um pouco e você realmente teria perdido a criança. Só resta agradecer à SWAT por ter invadido a tempo. E eu estou meio zangado por você ter me escondido essa notícia.
Deixei meus ombros caírem com um suspiro de pesar, soltando as minhas mãos da dele apenas para esfregar o meu rosto.
Ok. Eu precisava fazer aquilo.
, eu sinto muito — comecei a falar. — Eu sinto muito mesmo não ter dito nada quando você fez o pedido. Nem mesmo um não.
Ele deu de ombros, me oferecendo um sorriso pacífico.
— Tudo bem, . — murmurou. — Eu não deveria sentir raiva porque você não aceitou, é um direito seu.
— Eu sei, mas me ouça. — pedi. — Eu não aceitei porque eu não te amo, muito pelo contrário, Zach, eu te amo, tanto, demais.
Era tão bom finalmente poder extravasar aquelas palavras. Depois de quase morrer, tudo o que eu queria era dizer aquilo pelo maior tempo que me restasse, que me cabia em uma vida inteira com ele.
...
— Quando eu te vi ali, ajoelhado, eu fiquei apavorada... — continuei, passando a língua por meus lábios. — Passei a minha vida inteira assistindo as pessoas indo embora da minha vida e eu não podia abrir uma porta tão grande para você naquele momento, porque, e se você me deixasse? — engoli a seco e balancei a cabeça ao perceber que ele ia abrir a boca para falar. — Não, me escute. O único exemplo de relacionamento que eu tive foram os dos meus pais e, sinceramente, não foi um bom exemplo. Cresci acreditando que o amor podia ser uma farsa, mas eu me apaixonei por você e fiquei assustada. Eu me casaria com você quantas vezes fosse e sei que agora é tarde demais para te dar uma resposta, então…
Perdi o fôlego por um momento e ele me interrompeu.
— Não?
Encarei-o com confusão.
— O quê?
Zach abriu um sorriso enorme, um que era só para mim e que eu senti uma falta enorme de ver.
— Não é tarde demais para me dar a sua resposta se ela for sim.
— Você é um idiota. — murmurei, com um sorriso bem idiota nos lábios.
Ele revirou os olhos, se aproximando mais, o suficiente para que eu tocasse o seu rosto com a ponta dos meus dedos.
— Então? — insistiu.
— Você é a minha pessoa favorita no mundo. É a única que me faz beber café ruim porque nunca consegue decorar o meu pedido. — comecei a falar, assistindo-o revirar os olhos, arrancando uma risada de mim. — Sim, eu me caso com você.
sorriu e segurou o meu rosto com as suas duas mãos. Meu coração deu saltos por ele. Sua boca tomou a minha em um beijo que há muito tempo eu não sentia. A felicidade genuína me consumia a cada pedacinho e desejei poder ser consumida por aquela sensação por todo o resto da minha vida. Ele se afastou de mim e juntou as nossas testas.
— Eu também te amo, aliás. — ele disse.
Assenti devagar, admirando o seu sorriso e acariciei a sua bochecha, pensando sobre uma coisa. Uma coisa que eu deveria compartilhar porque nunca mais queria esconder nada dele.
— Eu fiz as pazes com o meu pai. — contei. — Sabe o que isso significa?
— Menos trauma na sua vida? — ele arriscou.
Soltei uma risada e belisquei a pele do seu braço, negando com a cabeça.
— Que vou poder te apresentar para ele. — corrigi.
Ele franziu a testa.
— Você sabe que já fui apresentado ao seu pai, não é? — questionou, me lembrando.
Soltei o ar pela boca, minha respiração se juntando a dele.
— Você foi apresentado como melhor amigo do Colin. — lembrei, explicando.
— Eu devia estar compreendendo? — ele indagou, confuso.
Bufei baixinho e revirei os olhos, mas continuei sorrindo.
— Agora eu vou te apresentar ao meu pai como o homem que eu quero passar o resto da minha vida.




Fim.



Nota da autora: Eu não tenho ideia se essa fanfic ficou coerente com o plot que eu pensei, porque é madrugada e no momento estou morrendo de sono para pensar se alguma coisa fez sentido, principalmente nesse final corrido (crying rs). Muito obrigada se você chegou até mim!

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Outras Fanfics:
  • In Dark Criminal Minds/Finalizada
  • EXITUS Criminal Minds/Em andamento
  • 12. What Makes a Woman Ficstape Katy Perry/Finalizada
  • 05. Show Me Love Ficstape The Wanted/Finalizada


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