02. Shut down

Finalizada em 12/06/2023

Capítulo Único


2016

Estava frio na capital coreana, mas não era por conta da temperatura extremamente baixa que tinha seu corpo todo tremendo, o calafrio que a preenchia era diferente daqueles causados pelo clima gélido e de quando o vento extremamente forte e gelado ricocheteia contra a pele. Era a ansiedade falando mais alto e a deixando cada vez mais nervosa enquanto esperava do lado de fora da grande sala em que esteve por muitos dias indo e vindo devido as inúmeras fases do teste para trainee que estava participando dentro da BigHit Entertainment. Esperava, assim como as outras vinte garotas, para saber o resultado e, se fosse a escolhida do universo por pelo menos uma vez em sua vida — como sempre repetia em mantra –, ouviria seu nome ser chamado.
Em seus quase dezesseis anos de idade, Cha já havia decidido exatamente o que queria para sua vida, ainda que fosse muito nova para acreditar em uma perspectiva duradoura — sua avó sempre lhe dizia que ela ainda iria mudar muito de ideia sobre a própria plantação para construir seu futuro, mas ela batia o pé e firmemente dizia que cantar, dançar, performar e todos os outros adendos que vem com o pacote idol era o que ela queria e estava predestinada a fazer. Sentia em cada extremo de seu corpo que o potencial crescente a levaria para muito longe, ela só precisava acreditar e se esforçar, mostrar seu talento e suas vontades. E, mesmo sendo sua terceira empresa no período de um ano nas tentativas, estava muito longe de pensar em desistir.
2016 tinha acabado de chegar e, independente da resposta recebida ali nos próximos minutos, tinha um bom pressentimento para o que viria nos novos meses a seguir, afinal, seriam novas chances. Uma coisa que herdou de seu pai: a positividade. Fosse lá para qual lugar o seu herói havia ido, colocaria a mão no fogo afirmando que ele a olhava todos os dias e deveria estar orgulhoso em saber que não tinha desistido, por mais doloroso que fosse receber respostas negativas. “Se continuar seguindo apenas a noite, seus sonhos serão apenas sonhos”, era o que ele dizia.
Demorou para que compreendesse o que ele queria dizer com aquilo, mas quando finalmente passou por sua compreensão, teve como consequência todos os testes dos quais participou, sendo o da BigHit o de maior expressão. Tinha chegado na fase final.
Quando a porta se abriu e o gerente da seleção surgiu, sentiu seu coração bater mais forte do que sua própria força de vontade. Parecia que em seus pés tinham sido colocados sacos de areia, pesando mais do que cinco quilos cada, estava difícil de se mover. Sentiu-se aliviada por aqueles segundos ao não ter seu nome chamado na primeira leva de dez garotas, mas pouco tempo depois, o aperto no peito novamente a assolou. Em sua cabeça só se passavam mantras positivos, como se algum sentido desconhecido a dissesse bem ao fundo que tudo daria certo. E poderia dar, de forma relativa, porém.
E isso a deixava sempre em ansiedade: saber sobre a relatividade das coisas, assim como a do tempo — Einstein poderia estar errado; ela queria muito que estivesse.
Ao ver as meninas que foram chamadas, saírem uma por uma, endireitou seu corpo, ouvindo a outra leva de nomes serem citados. Mais dez garotas sonhadoras e agora ela era uma delas. Entrou novamente na sala, tendo, além dos selecionadores e o CEO da empresa, o grupo que chamavam de carro chefe e que estava começando a criar muita expressão na Coréia do Sul desde seu debut no kpop. O era um grupo muito bom, ela gostava, mas soube se comportar ao estar ali na mesma sala que eles, ainda julgando se era realmente necessário a presença deles naquela seleção de novas treinees. O que eles tinham de tão importante para dizer ou ajudar nas escolhas?
— Seremos breves. — A voz de Bang PD, o CEO, foi a primeira a ecoar. Ele estava escorado na mesa à frente das inúmeras cadeiras, enquanto as dez meninas ficavam no centro das atenções. — Queremos agradecer a todas vocês pelas participações e empenho, foi realmente uma decisão muito difícil. A quem eu não disser o nome, saiba que poderá tentar em outras seletivas… Não é um motivo para desistir, apenas para melhorar.
Todas curvaram-se lentamente e agradeceram, sob uma salva de palmas. Então o gerente da seletiva iniciou a leitura de seu papel. Estava em outro mundo, apenas com o corpo presente, mas, parecendo como uma mão lhe puxando, ouvir seu nome sendo o último dentre os três citados, foi a melhor de todas as sensações que já pôde sentir em sua vida.

2019

— Você deveria ir para casa descansar.
sentiu um frio na espinha ao ouvir a voz ecoar em seu ouvido dentro do cubículo que formava o espaço do elevador. Não importava quanto tempo passasse, ela nunca iria se acostumar com os encontros breves e de uma quase coincidência quando entrava em ambientes do prédio e encontrava qualquer um dos membros do grupo “carro chefe” da empresa.
Se virou em meio ângulo, apenas para encará-lo enquanto se curvava brevemente, tentando manter a postura ao mesmo passo que refletia a fala dele. Significava que ela era notada?
— Não estou aqui há muito tempo — disse com a voz baixa.
— Eu já fui como você, então te entendo. E justamente por isso estou te dizendo que deveria ir descansar. — Ele insistiu, ignorando a desculpa dela. Parecia que tinha tudo muito claro sobre . — Também perdi muito da minha vida tentando alcançar a perfeição que eles querem, até debutar e… Na minha época, as coisas foram ainda mais difíceis. Pelo menos para quem começou junto com a empresa.
assentiu, ficando envergonhada.
— Gosto de ficar aqui e trabalhar… E devo muito a eles. Você sabe, não em agradecimento, mas dinheiro mesmo. — riu nasalado, encarando os próprios pés.
— Você é mesmo muito teimosa.
“Persistente”, ela quis dizer.
— Tente descansar pelo menos. — novamente ele retornou ao primeiro conselho, exatamente no instante em que a porta do elevador abriu. — Nunca vai ser tarde para dar certo. — se desencostou da parede e saiu, parando na porta e se virando para ela ao ouvi-la dizer:
— Já estou aqui há cinco anos, muitas pessoas vieram e foram… Mas eu sei que ainda vou ter o meu momento, sunbae. Nem que seja somente por trás dos bastidores, é música que eu amo fazer.
— Continuo te desejando sorte.
Ele sorriu simples, curvando-se em despedida, enquanto a porta se fechava.
esqueceu que deveria ter descido no andar em que ele havia entrado no elevador pelo nervosismo de estar no mesmo ambiente que , um dos principais nomes da, agora, Hybe — na verdade, do cenário da música internacional. Ainda não conseguia se acostumar em estar diariamente tão próxima dele e dos demais idols que tinham ali, que já haviam debutado.
Era estranho pensar que alguém como , ou — seu nome real — pudesse ter opinião sobre ela, uma simples e persistente trainee que, mesmo depois de muitas tentativas e derrotas, ainda batia o pé e permanecia ali, tentando o seu momento de estreia. Poderia parecer mais fácil ir embora, claro, mas isso seria uma reação ao pensar pelo seu próprio ponto de vista, e não uma ação. E o que ela queria era agir, era fazer acontecer. Além de que, sua estadia ali era envolta de inúmeros detalhes, principalmente financeiros, então não dava para simplesmente fugir e deixar seu sonho para trás com todas as complicações.
Suspirou após sua breve reflexão e apertou o botão para que as portas se abrissem, saindo do elevador. Notou que o corredor estava vazio, acreditando, então, que deveria ter entrado em alguma sala. Pegou o celular do bolso, depois de alguns passos até o final do corredor e se sentou no carpete, encostada na parede. Sabia que o quinto andar era tranquilo e as salas possuíam vedação acústica, a privacidade existia dentro e fora delas. Ali ela poderia fazer sua ligação tranquilamente, sem se preocupar tanto em ser ouvida.
Hanuoll atendeu logo no primeiro toque.
! Estava pensando em você agora mesmo… Como está? — a irmã disse do outro lado e, pelo volume e entoação da voz, apostaria que ela estava na feira de frutos do mar.
Queria ter a mesma empolgação naquela ligação, mas a intenção de encontrar um canto que pudesse ligar para sua irmã não tinha sequer uma sombra se motivação pela felicidade ou qualquer sentimento positivo. Ela estava destruída e se sentindo sufocada; longe de casa, com dificuldade de encontrar um caminho menos perturbado e se sentindo sozinha vinte e quatro horas por dia.
Naquela manhã, outro banho de água fria havia lhe tirado mais um centímetro de esperança, porém.
E ao ouvir a voz de Hannie, seu peito se apertou e o ar faltou. soluçou e as primeiras lágrimas saíram.
? Querida? Você está chorando? — Hanuoll perguntou, estava completamente preocupada do outro lado.
— Eles irão desistir de formar o grupo. — respondeu entre um soluço e outro.
Oi? Como assim? — pôde notar que do outro lado o barulho se tornou menos intenso. — Você disse que estava tão perto…
— Sim, eu disse. — ergueu a cabeça, olhando fixamente para um ponto na parede. — Mas as coisas mudaram e não vai mais ter grupo, não vai ter mais nada.
E agora?
— Não sei. Acho que vou ficar aqui para trabalhar no que eles me oferecerem e pagar essa dívida, então volto pra casa depois. — suspirou.
As duas ficaram em silêncio por um momento, enquanto Maya controlava o ritmo de sua respiração novamente e ia acalmando sua ansiedade. Estava se sentindo totalmente destruída por dentro ao afirmar sua possível derrota, depois de tanto lutar para estar onde estava. A verdade era que nada ia bem. Depois de uma longa tentativa da empresa, o grupo que ela estava designada a entrar e estrear no cenário do kpop foi dado como uma tentativa falha e cancelada.
E ela não queria assumir.
Naquele dia, mais cedo, em uma breve reunião, foi notificada que não haveria mais grupo e que somente ela tinha sobrado no investimento. Foi lhe passado o portfólio completo com o valor que aquilo tudo gerou para o seu nome e, compreensivelmente, deram diversas opções flexíveis para que sua dívida fosse paga. Embora houvessem os testes e todos os processos de admissão, o projeto era investido por aqueles que fossem se tornar idols. não era de uma família muito rica e, diferente dos outros que tiveram a opção de rescindir o contrato e pagar o que tinham de pagar, ela precisaria fazer trabalhos ali mesmo na empresa para poder se ver livre e voltar para sua cidade.
— Não conte pro papai e para mamãe. Eu vou ficar aqui… Eles me deram essa opção e eu posso trabalhar em algo.
Quem sabe isso não seja uma outra porta sendo aberta? Tente olhar por uma outra perspectiva. — Hanuoll respondeu, tentando soar agradável.
riu nasalado, nervosa. Fungou o nariz, passando a mão livre no rosto, respirou fundo e, quando ia dizer algo, ouviu um barulho de fechadura. Olhou para o lado e viu sair de uma sala, sozinho.
— Você está aí… — ele disse ao vê-la, sorrindo simples. — Está tudo bem? — questionou, aparentemente preocupado.
Ela prendeu o ar e demorou alguns segundos para responder tanto ele quanto a irmã.
— Hannie, eu vou precisar desligar… Fica bem. A gente se fala. — não esperou a resposta e encerrou a chamada, se levantando apressada. — Estava falando com minha irmã…
— Está tudo bem? Você estava chorando?
— E-estava. Mas está tudo bem… — sorriu para passar tranquilidade. — Desculpe, eu atrapalhei você?
— Não! Não deu para ouvir nada. — sorriu simpático e colocou as mãos nos bolsos. — Sai para ir tomar um café. E você? Não vai pra casa?
Casa, gostaria muito de deitar no colo de sua mãe naquele momento.
— Ainda não. Eu-
— Me faz companhia pra um café, então? — cortou ela, sendo apressado, assim como ao se levantar.
Cogitar negar foi algo que passou pela cabeça de em primeira instância, mas naquele momento ela precisava de algo para desviar os pensamentos negativos, então respondeu:
— Aceito.


Às vezes é possível ver luz no fim do túnel, certamente. Geralmente quando tudo está num momento difícil, complicado de ver por outro lado, observando a parte contrária da correnteza, a última coisa que se pensa é que vai dar certo. Ninguém quer ouvir que dará certo, porque isso só é validado quando há a solução e se realmente irá funcionar. A paciência é inimiga da perspectiva. E passava dias e noites alimentando seus desejos e planos, configurando a si para a ideia de que tudo daria certo, mesmo que eventualmente.
Contudo, o eventual se torna cansativo de esperar.
E ela estava exausta.
Lembrava-se de como seu pai sempre lhe dizia que deveria persistir e insistir, mas no atual momento de sua vida, isso soava como um conselho patético e sem noção.
Em seus anos de vida, descobriu que a tentativa sempre lhe fora ensinada de uma forma errônea — não só a ela, mas todos os seres participantes do senso comum. A partir do nascimento, é dito que a tentativa é o que você faz pra chegar lá, mas ela tinha sua própria teoria de que o tentar já era fazer. Já era estar lá. E com isso, dizer que deveria persistir em seu sonho, como seu pai dizia, deveria ter sido ensinado que já estaria o vivendo, com o porém de que nada na vida é como se deseja ou simplesmente quer. Não tem como querer algo e simplesmente ser.
O universo provém infinitas possibilidades e isso ela aprendeu sozinha.
E mais uma vez ela tinha uma outra alternativa, em meio ao seu incansável impulso de continuar onde estava. Conseguiu a chance de fazer parte da equipe que iria performar com o numa premiação que estava próxima. Seria o backup de uma dançarina que, infelizmente, tinha tido complicações após um acidente durante os ensaios. Ela sabia mais ou menos a coreografia e como seria a apresentação, por sempre dar seu jeito e olhar, admirando o trabalho que eles faziam, então não foi difícil de se sincronizar com eles.
Mas tinha algo que parecia não encaixar e ela queria opinar, só não sabia como. Entretanto, o universo parecia sempre lhe oferecer caminhos.
Em um intervalo do ensaio ela percebeu que demorou mais tempo discutindo algo possivelmente com o produtor que estava perto do som, e desta vez ela podia ouvir por estar mais perto. Ele parecia um pouco descontente com alguma coisa, indo e voltando diversas vezes dali e gesticulando, apontando, como se estivesse emitindo opiniões no que o outro operava ali. Ficou parada no seu lugar, mas ao ouvi-lo sugerir uma mixagem no período de break da apresentação, disse:
— Se você voltar a batida em duas casas, fica confuso?
Os dois olharam confusos para a direção ela, em seguida, trocaram olhares.
— Me desculpe… Eu… Eu…
— Eu acho que sua ideia pode funcionar. — disse, descruzando os braços. — O que acha, Lee?
O produtor assentiu, mexendo em algo no computador. Em seguida, saiu na caixa de som.
— Eu acho que você deveria produzir músicas, .
Ela encarou com os olhos arregalados, confusa e surpresa.
— Um sentido desse não é tão fácil de encontrar… — O produtor completou.
— Mas eu não tenho experiência e já passei dos dezoito. — estava perdida, com seu coração batendo a mil.
apenas encarou o produtor ao seu lado, que pareceu compreender com apenas um olhar o que o idol queria dizer e assentiu, para a surpresa dela, tomando a frente:
— Você não terá experiência se não trabalhar com isso. E nunca é tarde para aprender.
Infinitas possibilidades do universo.
— Nós vamos começar a produzir um novo álbum e se você tiver ideias e quiser apresentar, pode me procurar. — ele sorriu amigável, deixando ainda mais embasbacada.


FIM



Nota da autora: Oie. Espero que tenha gostado! Me acompanhe no instagram como: @mhobiautora





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