Finalizada em: 04/05/2021

Prólogo
So, tell me, can you turn around? I need someone to tear me down.

Como médico, eu sabia que não devia me encher tanto de cafeína, mas era a única maneira de conseguir me manter acordado por um plantão inteiro no hospital. Eu nem gostava de café, mas entre uma cartela de remédio e um copo diário, eu sempre optava pelo líquido quente e preto.
?
Virei-me na direção da voz, encontrando Brittany parada na porta, ainda segurando a maçaneta. A copa estava vazia, o que me deixava um pouco relaxado por tempo demais, admirando o silêncio, sem os sons de passos apressados pelos corredores, nem os bipes das máquinas dos quartos dos pacientes. Eu amava a minha vida no hospital, mas, às vezes, era difícil lidar.
— Oi... — respondi, depois de beber o último gole do copo.
Joguei o mesmo no lixo, esfregando o meu rosto com as mãos e verifiquei a hora no meu relógio de pulso: faltava doze horas para o fim do plantão e ainda eram duas da tarde em Seattle.
— Paciente de trauma chegando. — Ela avisou, com um sorriso animado e uma piscadela. — Mas, antes, você precisa verificar os leitos um e dois.
— Você sabe que parece minha secretária pessoal, não é? — Cutuquei, apontando um dedo em riste para ela, recebendo um levantar de ombros.
— Sou só uma enfermeira dedicada... — respondeu, tão modesta como era.
Balancei a cabeça e, por pura implicância, empurrei-a devagar pelo ombro, passando pela porta. Ela fechou a mesma, soltando uma risada e pegou o caminho oposto ao meu.
Nós tínhamos uma boa relação de colegas de trabalho. Brittany era enfermeira naquele hospital há muito mais tempo do que eu era médico e ela me ajudava na maior parte do tempo, principalmente quando eu estava de plantão, sempre atenta para que eu não cometesse nenhum erro.
Ajeitei o jaleco branco no meu corpo e empurrei os fios de cabelo para trás, melhorando o meu visual. Era melhor parecer um médico profissional charmoso do que um incompetente cansado.
Meu único conforto naquele dia, era ainda não ter precisado entrar numa sala de cirurgia.
— Oi, Beth! — Cumprimentei a recepcionista atrás do balcão da emergência e ela sorriu para mim, devolvendo o cumprimento. — Preciso da ficha dos pacientes dos leitos um e dois.
Ela assentiu e eu esperei, mas não demorou sequer mais de um minuto para ela me entregar as duas fichas que eu tinha solicitado. Coloquei o do primeiro paciente na frente, agradecendo-a, e andei até o leito um, afastando a cortina, revelando um homem jovem deitado na cama improvisada.
— Joel Tanner! — Encarei-o rapidamente, nem precisando analisar a ficha. — Você, de novo. — Levantei uma sobrancelha na direção dele, esperando a justificativa para a sua décima visita ao hospital só naquele mês.
Ele era um paciente bastante ativo por aqui, desde o seu acidente na colisão dos trens em Seattle, há um mês. Joel teve fraturas expostas nas pernas e quase perdeu o braço no processo.
— Doutor ... — ele observou, um sorriso sem graça estampando o seu rosto.
— O que está acontecendo? — Questionei.
Desde o acidente, Tanner insiste que ainda sente dores nas regiões afetadas do acidente. Na sua primeira visita depois da sua alta, fizemos todos os exames possíveis, mas não acusava nada. Então, receitei remédios. Mas ele continuou vindo.
— Ah, você sabe, o mesmo de sempre... — respondeu, mexendo os ombros.
Soltei um suspiro e segurei as fichas em um lado do braço.
— Joel, eu não posso mais te receitar remédios. — Avisei, um pouco preocupado com a sua dependência. — Suas dores são psicológicas. Já faz mais de um mês.
— Doutor, eu prometo que será a última vez! — Tentou. — Por favor.
Eu não era louco o suficiente para receitar mais um pouco de remédio para ele. Mesmo assim, não quis que ele percebesse a minha intenção, então assenti.
— Aguarde aqui... — pedi, vendo-o concordar com um aceno.
Puxei a cortina de volta, cobrindo-o, dando-lhe o mínimo de privacidade que eu podia oferecer. Andei de volta até a recepção, chamando por Beth.
— Você pode chamar pelo doutor Smith, por favor? — Solicitei. — Diga que eu estou pedindo uma avaliação psicológica.
Ela assentiu mais uma vez, buscando o telefone. Eu estava prestes a ir direto para o paciente do leito dois, mas as portas da emergência foram abertas com urgência e eu lembrei de Brittany dizendo que havia um paciente de trauma chegando.
Deixei as fichas em cima do balcão e andei até os paramédicos.
— O que houve? — Indaguei.
— Acidente de carro na avenida Palmer... — Nina explicou. — Ela levou a pior. Fraturas expostas e concussão.
— Ninguém mais foi atingido?
— Ninguém, cara. — Tony respondeu.
Concordei com um aceno, indicando que eles deviam levar ela para a Sala de Trauma 3.
— Chame a doutora Miller. — Apontei para uma das enfermeiras. — E prepare uma Sala de Operação de emergência.
Vi ela correr para algum lugar e andei direto até a sala, verificando melhor o estado da paciente. Ela estava entubada, a lateral do seu rosto sangrando e com fraturas expostas, como Nina tinha dito.
— Quero o ortopedista de plantão! — Comuniquei para a equipe, esperando que alguém recebesse aquela ordem por si só.
Quando eu estava prestes a verificar a respiração da paciente, meu coração deu um salto. O rosto sereno e a cor do cabelo era familiar para mim, mas ainda assim…
— Doutor ?
Ouvi a voz de alguém me chamar, mas não consegui responder. Eu ainda estava ali, parado ao lado da paciente, encarando-a como se a mesma fosse um fantasma, enquanto os bipes da máquina soavam.
— Doutor ? — A voz chamou ainda mais alto.
A doutora Miller apareceu no meu campo de visão, sacudindo um pouco o meu corpo. Pisquei meus olhos, como se voltasse para a realidade e me afastei um passo.
— Está tudo bem? — Ela me questionou.
— Eu conheço ela. — Minha voz saiu tão baixa, que eu me perguntei se ela tinha mesmo me ouvido.
Eu tinha consciência que a equipe inteira estava me olhando, mas não me importei. Eu a conhecia.
— O que disse?
Engoli a seco.
— Doutora Miller... — comecei a dizer. — Essa é a . Eu amei essa mulher.



Parte 1
Losing light, I’m missing my same old us; before we learned our truth too late.

Quatro meses antes...

? , você pode me ouvir?
Observei quando ela esfregou o rosto com as duas mãos, mania que tinha quando estava estressada. Não estávamos juntos há muito tempo. Na verdade, para ser sincero, eu não sabia se, ao menos, estávamos mesmo juntos. não me dava certeza de nada.
— Estou ouvindo, . — Prometeu.
Mas suas ações me diziam o contrário. As malas abertas no chão, as roupas jogadas na cama, seu estresse consumindo-a. Ela podia estar me ouvindo, mas não devia estar me entendendo.
— O que você está fazendo? — Tentei de novo.
Fazia um tempo que aquilo estava acontecendo entre nós. A falta de comunicação, discussões constantes, ela se afastando.
segurou uma peça de roupa na mão e me encarou. Seus olhos estavam sem o brilho constante e senti falta de um sorriso no seu rosto. Eu não sabia o que diabos estava acontecendo, mas eu queria muito descobrir. Eu queria que aquela mulher linda e inteligente na minha frente se sentisse à vontade comigo, que se abrisse e me contasse todos os seus problemas, para que eu pudesse dizer que eu estava do seu lado, que eu iria ajudá-la. Mas se eu sabia uma coisa sobre , era que ela era uma mulher difícil de pedir ajuda.
— Estou indo embora. — Respondeu, depois do que pareceu uma eternidade.
Pisquei meus olhos, alerta. É claro que eu sabia que ela estava indo embora, eu estava assistindo ela arrumar suas coisas.
— Eu sei disso! — Apontei. — Você não está arrumando malas por diversão.
Ela soltou a peça de roupa em cima da cama e suspirou.
— Não é como as outras vezes, eu… — tentou explicar, afastando o cabelo para o lado. — Eu realmente estou indo embora.
Meu coração bateu forte contra o meu peito, entendendo a sua explicação. sempre ia embora, por quanto tempo fosse, porque não morávamos juntos, mas ela sempre voltava.
Levantei da poltrona, abrindo e fechando a boca, sem saber exatamente o que dizer.
— Você está terminando comigo? — Questionei, finalmente.
mordeu o lábio com força, assentindo devagar.
— Mas, … — engoli a seco, um pouco perdido. — Isso é por causa do pedido de namoro? Eu não…
. — Ela me cortou.
Eu a olhei, buscando alguma resposta.
— Eu teria aceitado o seu pedido de namoro, mas não posso.
Conheci em um evento de arte. Eu não entendia nada de pintura e nem coisa do tipo, mas naquele dia específico, eu estava estressado do trabalho e passei pela galeria de arte, que estava fazendo uma exposição grátis dos quadros de artistas desconhecidos e eu resolvi apreciar um pouco.
Mesmo que eu não fosse um bom entendedor de artes e quadros, eu sabia apreciar alguma coisa.
Ela estava do outro lado da galeria e eu esbarrei nela, sem querer, por estar completamente distraído e derrubei todo o café da mão nela em sua blusa. Ao invés de me xingar de desastrado, riu. Ela riu tanto, que eu achei que fosse um pouco louca.
Desde então, só havia uma única pessoa ocupando o espaço do meu coração, mas, aparentemente, ela não sentia o mesmo.
— Eu fiz algo? — Sussurrei.
Eu queria entender. Só entender o que estava acontecendo. Tínhamos uma boa relação. tinha uma vida completamente diferente da minha e, enquanto eu tinha responsabilidade com o meu trabalho, ela tinha um a mais com o filho.
era um garoto ótimo e eu tinha me dado bem com ele, mas ele ficava a maior parte do tempo na casa da avó.
— Não.
arrumou as coisas mais rápido dessa vez e eu mal percebi isso, só notei quando as malas estavam completamente fechadas. Ela se sentou na beirada da cama e bateu a mão no espaço ao lado, chamando-me para sentar junto. Demorei um pouquinho para aceitar, mas acabei indo até ela e afundei o colchão ao seu lado.
— Você é o melhor cara que eu já conheci na minha vida! — Ela começou a dizer, segurando a minha mão com a sua. — Ninguém permaneceu muito tempo comigo depois de saber do , mas você não só ficou, como também conquistou aquele diamante.
Apertei meus dedos nos seus, percebendo que, eu podia falar qualquer coisa naquele momento, mas ela estava decidida a ir embora e me deixar. Terminar aquilo que a gente tinha e seguir em frente, deixando-me um pouco no escuro, só para depois eu tentar me erguer de novo para outra pessoa.
Mas não tinha outra pessoa. Como eu podia fazer entender aquilo?
— Mas…? — Incentivei ela a falar, porque apesar das palavras bonitas que a fariam ficar, sempre tinha um “porém”.
Ela me deu um sorriso melancólico.
— Um dia você vai entender por que eu estou fazendo isso... — respondeu. — E quando isso acontecer, eu espero que me perdoe.
Meu peito subiu e desceu em uma respiração lenta.
— Você está praticamente me pedindo uma confiança cega. — Comentei.
Ela levantou um ombro, encarando-me.
— É algo que você sempre me deu! — Revidou. — Só estou pedindo para você manter isso.
Assenti devagar e abracei de lado, deixando que ela descansasse a cabeça em meu peito, enquanto o silêncio se instalava entre nós.
Aprendi a amá-la em silêncio e agora eu nem sequer podia dizer isso em voz alta. Ela me odiaria por dificultar a sua partida. E eu não era o tipo de cara que faria ela se sentir mal por sua decisão. Se não queria mais estar comigo, só me restava respeitar.
— E quanto ao ? — Sussurrei, afagando as suas costas.
Despedir-me era a pior parte.
— Ele vai se acostumar... — garantiu-me.
Nós ficamos daquele jeito por tempo suficiente. Eu a ajudei a pegar um táxi com suas coisas e, assistindo ela ir embora, eu sempre soube, em algum lugar dentro de mim, que a pessoa com o coração partido sempre seria eu.

Por ter um vínculo emocional com a paciente — mesmo que não falasse com ela há mais de três meses —, eu não pude participar da cirurgia, então passei o caso para outro médico responsável, enfatizando que eu queria ser o primeiro a receber notícias sobre tudo em relação ao quadro dela.
Eu também não quis ficar assistindo a cirurgia da galeria, então optei por me esconder em uma das salas que não eram muito utilizadas pelos médicos, mas serviam como área de descanso.
Meus pensamentos estavam completamente bagunçados. De alguma forma, eu me sentia culpado por estar em uma mesa de operação agora, mesmo sabendo que não havia nada que eu pudesse ter feito para impedir.
Ela tinha terminado comigo e tinha ido embora. Desde então, não nos falamos mais. Sobre nada. Também nunca mais a vi, o que me fez pensar que ela tinha ido embora não só da minha vida, mas também da cidade. E agora… agora ela estava ali, correndo risco de vida.
Eu me sentia um merda.
Podia ter dito que a amava, ao menos para que ela fosse embora sabendo disso.
Doutor , emergência.
Levantei da cama improvisada, abrindo a porta da sala, andando em direção à emergência, depois de ter escutado o som abafado do microfone soar meu nome em uma chamada. Assim que cheguei perto da recepção, Beth me atendeu.
— Ela ainda está em cirurgia. — Avisou, percebendo que eu estava ansioso por notícias. — Não foi por isso que eu te chamei. Nina entregou as coisas dela e o celular não para de tocar. — Ela me estendeu o celular em uma mão e uma sacola pequena na outra.
Aceitei o celular primeiro, buscando o histórico de chamadas, encontrando três ligações perdidas da escola de .
Quando verifiquei o relógio no meu pulso novamente, me dei conta de que era hora de buscá-lo no colégio. Geralmente, era quem o buscava, mas eu não sabia nada sobre se a avó buscava nessas ocasiões.
Droga! A mãe dela.
— Depois eu pego, tudo bem? — Devolvi a sacola à Beth, que concordou.
Ainda com o celular de na mão, disquei o número da mãe dela. A senhora atendeu no terceiro toque.
?
Hesitei um pouco antes de falar. Eu nunca tive contato direto com a mãe dela.
— Não, senhora ... — respondi. — Meu nome é Shamer, eu sou cirurgião de trauma. Sua filha… sofreu um acidente.
Ela mal respirou do outro lado da linha. A pior parte do meu trabalho era aquela, principalmente porque eu não era muito bom em dar notícias ruins. Eu não sabia enrolar e amenizar, apenas para depois soltar toda a bomba na mão da família. Eu simplesmente era direto ao ponto. Isso não dava chance de ninguém se preparar.
Ouvi uma crise de tosses e ela gritou com alguém, e, enquanto isso, fiquei em silêncio na linha, a ligação toda.
Que hospital ela está? — Questionou.
— O Hospital Central, senhora. — Avisei.
Ela vai sobreviver?
Era uma pergunta que eu queria saber a resposta. Senti-me inútil por isso.
— Infelizmente, eu não sei dizer... — optei pela sinceridade. — Ela está em cirurgia agora. Estou ligando por outro motivo também.
Eu me lembro de você, doutor! — Sua voz saiu suave e tranquila. — Você é o , não é? O rapaz que estava com ela há um tempo.
Não esperava por aquilo. Eu não sabia se contava sobre mim para alguém, além de , e também nunca cobrei conhecer a mãe dela, mas, aparentemente, ela falava.
— Sim, eu sou! — Respondi, na falta do que dizer.
Um suspiro soou do outro lado.
Sei que me ligou por causa do ... — ela se adiantou, tossindo novamente. — Não posso ir buscá-lo e não tem mais ninguém. Estou em um asilo agora, velha demais para qualquer coisa. Sabe que ela nunca tirou o seu nome da administração da escola dele, não sabe?
Não, eu não sabia. Mas aquilo significava que eu podia buscar o garoto, sem nenhum problema. Se ela tinha permitido a direção da escola me deixar sair com o filho, então eu ainda podia fazer isso.
Cuide do meu neto e da minha filha! — Ela pediu. — Me mande notícias. Por favor.
— Farei isso, senhora ! — Prometi.
Encerrei a ligação e guardei o celular no bolso da minha calça.

Uma hora depois de ter pedido que Jack tomasse o meu lugar no plantão por algumas horas, dirigi até a escola de . Ele tinha sido liberado da escola há um tempo, mas eu não pude buscá-lo imediatamente.
Quando estacionei bem perto da calçada, de frente para a escola, avistei-o no jardim do estabelecimento. Saí do carro e adentrei o local, notando que ele era a única criança ali ainda e me senti meio mal por ele, esperando que ele não pensasse que tinha sido esquecido.
Eu ainda era responsável por dar a notícia sobre o estado da sua mãe e não sabia como fazer isso. Dar uma notícia ruim a um adulto era mais fácil do que dar a uma criança. Os adultos entendiam, mas as crianças tinham mil perguntas. Algumas nem dava para responder.
! — me avistou.
Com um sorriso gigante no rosto, ele passou por sua professora como um furacão e correu até mim. Preparado, eu agarrei-o, pegando-o no braço em um abraço apertado. Desde a última vez que eu o vi, ele parecia ter crescido um pouco mais.
— Oi, garotão! — Murmurei depois de um tempo, colocando-o de volta ao chão.
— Onde está a mamãe? — Perguntou.
A pergunta veio rápido demais. Eu ainda não tinha preparado uma resposta plausível.
Baguncei os fios do cabelo dele, tentando ganhar tempo.
— Vamos conversar depois... — avisei, apontando para a mochila dele logo atrás. — Vá buscá-la.
A professora dele veio até mim, estendendo a mão para se apresentar. Eu me apresentei de volta, por pura educação.
— Eu estava ficando preocupada, nunca se atrasa. — Ela explicou, apontando para . — Ela está bem?
Um suspiro longo escapou dos meus lábios.
— Está no hospital... — expliquei.
Ela abriu a boca de surpresa, mas fechou-a em seguida, assentindo.
— Preciso verificar com a direção antes de você levar o . — Ela me avisou. — Sinto muito. Protocolo de segurança.
— Tudo bem! — Concordei.
Fiquei esperando ali, no mesmo lugar, enquanto ela ia para algum lugar lá dentro. esperava perto do portão e minhas pernas batiam contra o chão, sinal de que eu estava nervoso e precisava me acalmar.
Eu tinha medo de que algo acontecesse com . Não queria que ela partisse sem ao menos se despedir do próprio filho ou sem que eu pudesse vê-la sorrir por uma última vez. Eu não conseguia evitar não pensar no pior, meu cérebro sempre me enviando os piores cenários, mesmo que eu quisesse me manter positivo.
A professora voltou e assentiu para mim, de longe. Disse algo para e ele correu até mim novamente, com a bolsa balançando nas costas. Levei-o para o carro, colocando-o no banco de trás com o cinto de segurança e fui para o meu lugar no motorista. Dirigi de volta até o hospital, mas antes de voltar lá para dentro, eu estacionei o carro, tirei meu cinto de segurança e virei meu rosto para o banco de trás, onde ainda estava.
— Ei, campeão! — Chamei, engolindo a seco. Alguma hora eu tinha que dizer. — Preciso te contar uma coisa.
— É sobre a mamãe? — Questionou.
Pisquei meus olhos para ele. era muito esperto e percebia as coisas melhor do que a maioria das outras crianças de oito anos.
— Sim... — concordei. — Você sabe que sou médico, certo?
assentiu, os cachos balançando.
— Ela está pior?
Franzi o cenho com a sua pergunta. Ele não tinha como saber do acidente ainda, certo? Aquela pergunta não fazia sentido.
— Como assim, pior? — Questionei.
encolheu os ombros, os olhos tristes. Eu sentia que tinha perdido alguma coisa, mas não conseguia saber o quê.
— Ela me disse que estava doente. Pediu que eu não me preocupasse... — começou a me dizer, as palavras saindo baixas. — Mas tinha dias que ela não conseguia sair da cama e vomitava sangue. Eu perguntava por que você não podia ajudá-la.

— Por que você não podia ajudá-la? — Indagou.
Sem ter exatamente uma resposta, eu me calei. Se estava doente, por que ela não tinha me dito nada? Por que tinha optado por passar por aquilo tudo sozinha, com uma criança de oito anos em casa e uma mãe no asilo?
Que merda, !
Desviei os olhos de e meu celular começou a tocar, uma ligação do hospital. Não atendi. Como eu estava praticamente do lado de fora do hospital, apenas saí do carro e tirei o garoto do banco de trás do carro, pedindo que ele deixasse a mochila dentro.
Travei o carro e entrei com ele no hospital, indo direto para a ala de emergência.
Beth foi a primeira a me ver chegando. Ela levantou o rosto na minha direção e me chamou com um aceno de mão e eu fui até ela, com o filho de me acompanhando.
— Aconteceu alguma coisa? — Questionei, sempre esperando pelo pior.
Ser um médico não me deixava tanta opção de ser muito otimista em relação aos pacientes, mas eu queria muito estar em relação à . Eu precisava que ela ficasse viva.
— Ela saiu da cirurgia... — respondeu. — Foi transferida para um quarto na UTI.
— UTI?
— Acho melhor você conversar com a doutora Miller. — Sugeriu.
Acenei com a cabeça devagar, automaticamente, passando mil possibilidades na minha cabeça.
Óbvio que era comum um paciente sair da cirurgia e ir direto para a UTI, mas depois que me disse que ela estava doente, eu não sabia exatamente o que esperar.
Puxei a respiração, tentando manter a minha postura leve e normal, e me virei para , que olhava tudo ao redor, como se estivesse ansioso e curioso. Antes de explicar para ele sobre a sua mãe, eu precisava saber o estado dela primeiro.
— Ei, campeão! — Chamei, passando a mão pelos cachos dele. — Preciso fazer uma coisa agora. Você pode ficar com a Beth, enquanto isso?
Ele olhou para mim.
— Ela pode me mostrar o hospital? — Pediu.
Deixei meus ombros caírem e olhei para Beth, que assentiu com um sorriso gentil, concordando em ficar olhando o menino para mim. Agradeci com um aceno e fiz uma nota mental de pagar seu copo de café favorito para ela por uma semana inteira.
— Talvez só um pouco... — respondi, concedendo o seu pedido. — Eu já volto, está bem?
balançou a cabeça concordando e eu o deixei com a Beth, andando imediatamente até a sala de descanso, onde eu troquei de roupa e vesti a roupa usual do hospital, com o jaleco branco por cima, com meu nome bordado bem no bolso do lado esquerdo do meu peito.
Depois, peguei o elevador e adentrei a área da UTI.
Eu não podia entrar lá sendo um visitante e agradeci mentalmente por ter um cargo ali que me permitisse a entrada. Não demorou muito para que eu encontrasse o quarto de . A doutora Miller ainda estava ali, acompanhada do doutor Javier.
! — A mulher exclamou, aliviada por me ver. — Procurei você por toda parte.
— Tive um imprevisto... — expliquei.
Hesitei um pouco, mas acabei olhando para o lado de dentro do quarto. estava na cama, ligada aos aparelhos e entubada, além de estar com curativos. Olhando de longe, apenas parecia que ela estava dormindo.
— Quão grave? — Indaguei.
Lara respirou fundo, como se estivesse sendo difícil me comunicar qualquer notícia ruim.
Eu ainda continuava olhando para , de longe.
— Nós tratamos as fraturas e aliviei a pressão do cérebro dela... — ela começou a me explicar. — A cirurgia seguiu sem nenhuma complicação, mas, infelizmente, ela está em coma. E, , mesmo que ela acorde do coma… Encarei Lara, esperando ela continuar, mas ela não fez isso. Ao invés, olhou para o doutor Javier e eu compreendi, porque ele era oncologista.
— Qual o diagnóstico? — Perguntei.
Temi a resposta mais do que qualquer coisa. Meu corpo inteiro estava tenso e meu coração batia forte demais contra o meu peito. Não era assim que eu esperava reencontrar .
— Tumor cerebral. — Respondeu. — Inoperável. Mesmo que ela sobreviva ao coma, não vai sobreviver à doença.
Ela me disse que estava doente. Tinha dias que ela não conseguia sair da cama e vomitava sangue.
— Quanto tempo?
Não sei se por pena ou respeito, mas ele demorou a responder. E quando a resposta veio, não tinha sido nada confortável.
— Seis meses... — arriscou. — Talvez um ano.
Não era suficiente. Não era nada suficiente para uma vida inteira que eu queria com ela.
Senti meus olhos lacrimejarem e engoli a seco.
— Obrigado. — Agradeci aos dois.
Lara acariciou meu braço, tentando me confortar.
— Vamos deixar vocês sozinhos... — ela disse.
Apenas balancei a cabeça e não esperei que eles fossem.
Entrei no quarto de e parei ao lado da cama dela, segurando a sua mão, esperando que ela apertasse os meus dedos de volta, mas nada aconteceu.
Esperando que estivesse sozinho, fiz o que eu queria ter feito desde que a reconheci na emergência: eu chorei sozinho e em silêncio.



Parte 2
I wish that I was good enough; if only I could wake up; my love, won’t you stay a while?

— Beth pediu para trazer.
Aceitei a sacola estendida que uma das enfermeiras estava me oferecendo. Acenei um agradecimento silencioso e a observei sair da sala em seguida, deixando-me sozinho novamente com .
Eu ainda não tinha saído do quarto para conversar com , porque, afinal, o que eu iria dizer?
Sua mãe estava em coma, eu não tinha ideia de quem era seu pai e sua avó não podia cuidar dele estando internada em um asilo. Eu precisava pensar um pouco, então fiquei ali, depois de ter chorado baixinho e sozinho, segurando a mão dela.
Respirei fundo, esfregando o meu rosto com força. Eu torcia, a cada minuto que passava, que aquilo fosse um pesadelo, mas não era.
Era a mais pura realidade dura que eu tinha que encarar daqui em diante.
Eu não conseguia suportar a ideia de viver em um mundo sem . Não conseguia processar a notícia que seu tumor era inoperável. Mesmo que acordasse… ainda seria um pesadelo.
Encarei a sacola no meu colo e tirei suas coisas de dentro. A bolsa estava meio rasgada e eu não queria invadir a sua privacidade, mas os objetos estavam soltos, permitindo que eu olhasse cada um deles. A maioria eram post it, que percebi terem se soltado de uma pequena carteira dentro. Quando juntei todos os papeizinhos coloridos para pôr na pequena carteira, um colar com pingente de lua e estrela caiu no meu colo.
Eu me lembrava dele. Ela não tirava para nada. Alguma enfermeira devia ter recolhido dela.
Respirei forte e apertei os meus lábios, quando encontrei uma pequena foto nossa. Eu também me lembrava dela.
Eu abraçava por trás, enquanto beijava as suas bochechas, fazendo-a rir por isso. Ela segurava o celular para bater uma foto decente nossa, mas acabou pegando aquele momento.
A lembrança fez meus olhos lacrimejarem mais uma vez, mas o que eu não entendia era por que ela guardava aquela foto, se tinha terminado comigo.
Sem resistir, comecei a ler o primeiro post it que peguei.

“Querido ,
as palavras têm sido minha companheira na sua ausência.
Começo a me questionar seriamente se tomei mesmo a decisão certa.
Mas não há como voltar atrás agora.
.”

Pisquei meus olhos, absorvendo as palavras.
Eu não conseguia acreditar que ela tinha mesmo terminado comigo, porque descobriu que estava doente. Eu queria ter tido a chance de escolher estar ao lado dela, de não a deixar passar por tudo aquilo sozinha. Eu me sentia horrível, como se parte tudo fosse minha culpa.
Suspirando, passei para outro post it, lendo alguns.

“Querido ,
não para de me perguntar sobre você. Eu ainda não aprendi como as crianças entendem o processo do fim e não sei como explicá-lo sobre nós. Talvez um dia você o faça entender melhor do que eu.
.”

“Querido ,
pensei em você hoje o dia todo. Nunca te perguntei, no seu ponto de vista médico, como você lida com o processo de vida e morte. É mais fácil? É mais difícil? Tento não pensar sobre o dia da minha partida, mas é inevitável quando estou deixando pessoas tão importantes para trás.
.”

“Querido ,
fui injusta com você. Te escrever, mesmo que você não leia nenhum desses bilhetes, me faz lidar melhor com tudo. No entanto, me martirizo todos os dias por ter perdido a chance de dizer que eu também te amava.
.”

Havia mais bilhetes, mas não conseguia continuar. Aquela confissão de tinha me pegado de surpresa.
Ela me amava?
Guardei os papéis dentro da carteira e fechei a sacola de novo, deixando-a do lado do sofá pequeno. Levantei-me, parando ao lado da cama dela, segurando a sua mão novamente. Funguei baixinho e encarei o seu rosto sereno.
— Você deveria ter me tido... — sussurrei, esperando que em algum lugar, ela estivesse me ouvindo. — Deveria ter me dito tudo. — Acariciei a palma da sua pele e busquei, nas minhas lembranças, todos os sinais que eu não percebi que ela tinha. tinha conseguido me enganar direitinho. — Vou cuidar do . — Selei a promessa, achando que era o mínimo que eu poderia fazer no momento. — Mas, por favor, . Acorde. — Beijei a sua bochecha levemente e resolvi ir atrás do filho dela.
Andei de volta até a ala de emergência, onde Beth estava com ele. Os dois conversavam sobre algo que eu não entendia, por ainda estar um pouco longe demais para ouvir.
Quando me aproximei, eles perceberam a minha presença.
! — chamou. — Ela me mostrou metade do hospital. Seu trabalho é irado!
Baguncei os cachos dele novamente, balançando a cabeça em negação com um sorriso cansado no rosto. Beth me olhou com melancolia e eu desconfiei que ela já sabia do quadro de e mesmo assim, não tinha contado ao . Aparentemente, aquela parte tinha se tornado responsabilidade minha.
— Obrigado, Beth! — Agradeci e ela assentiu, deixando-me sozinho com o menino.
Puxei a cortina, querendo um pouco de privacidade e deixei sentado na cama desocupada do leito. Eu tentava procurar as palavras certas para iniciar a conversa, mas eu não sabia como. Não existiam palavras certas para aquele tipo de conversa.
— Ei, campeão! — Chamei a sua atenção para mim. — Lembra o que você me disse sobre a sua mãe?
A expressão serena sumiu do rosto do garoto. Ele concordou com um aceno automático.
— A mamãe está bem? — Perguntou e eu consegui notar o medo na sua voz.
Definitivamente, eu não servia para aquela conversa, mas não havia outra opção.
— Olha... — respirei fundo. — A mamãe está mesmo doente. Mas ela também sofreu um acidente. Por favor, fique calmo.
— Acidente? — Ele se agitou.
, sua mãe está em coma. — Avisei. — Você sabe o que é isso?
Ele negou rapidamente com a cabeça.
— Significa que ela está dormindo agora... — comecei a explicar. — Mas não é como nós dormimos à noite. Eu não sei quando sua mãe vai acordar, campeão.
Ele pulou da cama e me abraçou pela cintura. Eu só soube que ele estava chorando, porque escutei ele fungando baixinho. Passei a mão pelo seu cabelo, em um carinho calmo. Deixei-o me abraçar pelo tempo que precisasse.
Ele se afastou de mim e começou a enxugar os próprios olhos. Senti meu coração partir com a cena. Era por aquele e por outros motivos que eu nunca sequer cogitei seguir a Pediatria.
— Vou perder a mamãe?
Era uma pergunta difícil demais de responder.
Abaixei-me o suficiente, ficando na altura dele.
— Eu não sei, . — Optei por responder. — Mas nós vamos torcer por ela, está bem?
Ele balançou a cabeça, concordando e eu o abracei mais uma vez.

O chefe do meu departamento adiantou as minhas férias, mesmo que eu não tenha pedido. Ele alegou que eu não tinha cabeça e nem a capacidade emocional de continuar trabalhando, então sem conseguir argumentar contra a sua decisão, levei para casa.
Para a minha casa, onde ele ficaria por um tempo, até se recuperar.
Pra minha sorte, eu tinha um quarto extra, que logo transformei para ser dele, pelo menos temporariamente. Eu ainda precisava passar na casa de e pegar o restante das coisas de , além de visitar a mãe dela, para que a senhora pudesse assinar os documentos necessários me transformando no responsável pelas decisões médicas de .
— Preciso de ajuda com a atividade da escola... — apareceu um tempo depois.
Quando chegamos em casa, eu expliquei que ele ficaria comigo e perguntei se havia algum problema nisso para ele, mas disse que não, que estava acostumado comigo. Então mostrei o resto do apartamento para ele e falei que ele podia ficar à vontade, que sentisse que a casa fosse dele também e se enfiou no quarto até então, enquanto eu tomei um banho rápido e fui para a cozinha, preparar algo comestível que não fosse pizza e lasanha congelada.
Eu era ótimo em cozinhar, mas os plantões do hospital me deixavam cansados demais para isso, então sempre recorria às comidas congeladas, porque poupava o meu tempo.
— Qual a matéria? — Indaguei.
Enquanto eu terminava de preparar o suco de laranja, observei ele se sentar na cadeira da bancada, ficando de frente para mim. Eu esperava que não fosse tão difícil cuidar de um ser humano daquele tamanho sozinho.
— Matemática. — Ele respondeu.
Expressei uma careta, mostrando que eu não estava muito contente por ser justo aquela matéria e riu, balançando a cabeça, meio que concordando comigo sobre a infelicidade de ser ruim em contas e tudo que envolvia a matéria.
— Vamos comer primeiro e depois eu te ajudo com qualquer atividade, ok? — Sugeri, terminando de preparar o suco.
Ele aceitou.
— O que vai acontecer comigo se a mamãe não acordar? — Ele questionou, de repente, depois de alguns longos segundos de silêncio que se sucedeu depois da minha sugestão.
Eu não respondi imediatamente, sendo pego de surpresa. Dividi o líquido do suco em dois copos e coloquei perto dos pratos de torradas com queijo.
— Você faz muitas perguntas que eu não tenho resposta... — admiti.
mexeu os ombros, ainda querendo uma resposta, qualquer coisa.
— Vovó não pode cuidar de mim. Não tenho mais ninguém.
Lambi meus lábios, odiando estar sem jeito de lidar com os questionamentos internos e emocionais de uma criança.
Saí de trás da bancada e andei até ele, segurando o seu rosto com as minhas mãos, fazendo ele olhar para mim.
— Escute, ! — Eu disse. — Eu sei que não fiquei com a sua mãe por muito tempo, mas fiquei o suficiente para amar você. Você tem a mim, está bem? Farei o que for preciso para cuidar de você. Agora, não quero que fique pensando muito nisso.
Ele concordou, piscando os olhos rápidos demais, tentando afastar as lágrimas. Abri um sorriso confortável para mostrar a ele que estava tudo bem.
— Você pode chorar, . — Expliquei. — Não há nada errado nisso. — Soltei o seu rosto e ele coçou os olhos, tímido.
— Não vai fazer eu ser fraco?
— Não, campeão! — Respondi, ignorando o absurdo. com certeza não tinha ensinado aquilo a ele. — Muito pelo contrário. — Beijei a sua testa e dei um tempo para ele.
Tudo estava sendo mais difícil para do que para mim. Eu ainda conseguia lidar melhor do que ele, mas rezei para que ele não perdesse a tão rápido.
E nem eu.
— Vem, vamos comer! — Chamei, pegando os pratos.
Coloquei o dele na bancada à sua frente e sentei ao seu lado, com meu prato. Eu não estava com muita fome, mas também precisava comer.

Uma semana depois...

, você esqueceu de novo!
Ouvi o grito de e corri até o quarto dele.
Ele estava parado perto da cama, vestido com a farda totalmente ao contrário e me mostrando duas fatias de pão sem as geleias que ele gostava.
— Foi mal, eu esqueci de comprar a geleia! — Admiti, meio culpado por aquilo.
— Eu sei, você sempre esquece. — Pontuou, balançando o pão no ar, antes de colocar de volta dentro da tupperware pequena.
Respirei fundo, deixando os meus ombros caírem, cansados. Eu estava cuidando de há uma semana, levando-o para a escola e aulas de piano, além de passar algumas horas no hospital, na esperança que tivesse alguma reação. Eu estava mais exausto do que estaria se tivesse passado por um plantão de trinta e seis horas seguidas.
— Por que você está com a roupa do avesso? — Indaguei, confuso.
— Você me vestiu assim também! — respondeu, dando de ombros. — Há trinta minutos atrás.
Cocei minha bochecha, lembrando do momento agora. Nós tínhamos acordado meio atrasados e eu saí arrumando o garoto de qualquer jeito, sem ver o que eu estava fazendo pela frente, até depois me dar conta que, na verdade, o meu relógio tinha adiantado duas horas, então não havia atraso algum.
Eu precisava de café. Eu precisava muito de café.
As coisas dele estavam ali agora. Bom, pelo menos a maioria das coisas. Suas roupas, principalmente. Eu tinha passado na casa de para pegar e depois busquei ele na escola, levando-o para visitar a sua avó e ela aproveitou para assinar os documentos. Agora, oficialmente, eu era responsável por qualquer decisão médica que envolvesse a . Ao menos, enquanto ela estivesse desacordada.
— Ajeite a roupa! — Falei, observando-o guardar os livros dentro da mochila. — Nós vamos passar para comprar sua geleia e visitar sua mãe antes de você ir para a escola.
Deixei-o sozinho e fui até o banheiro, lavando o meu rosto mais uma vez e me ocupei em escovar os dentes depois do café da manhã.
Todos os dias, desde que eu o trouxe para cá, tínhamos estabelecidos uma mesma rotina: acordamos, tomamos um banho e o café da manhã, visitamos e eu o levava para a escola. À tarde, depois do almoço, eu o buscava de volta e o levava para a aula de piano, quando era o dia. À noite, eu o ajudava nas tarefas, víamos um filme e ele dormia no sofá. Eu o levava para cama e ainda ficava algumas boas horas acordado. Às vezes, a avó dele ligava e eu o deixava ter privacidade com a ligação.
O tempo todo, sentia falta de .
E via a semelhança dela com : os olhos, o sorriso, a maneira como resmungava sempre de algo quando não gostava. Ela estava presente em tudo nele.
! — gritou. — Estou pronto!
Saí do banheiro e ajeitei a minha camisa, voltando para a sala, onde ele realmente estava pronto, com a farda do lado normal e a mochila nas costas.
— Seus cadarços estão soltos! — Observei, apontando um dedo para os pés dele.
bufou, fazendo-me rir. Aproximei-me dele e me abaixei um pouco, amarrando tudo rápido.
— Podemos ir?
Ele concordou e eu apontei para a porta, pegando a chave do carro.
No caminho, comprei a geleia dele e estacionei de frente ao hospital.
— Deixe a mochila! — Avisei. — É uma visita rápida.
Todo mundo do hospital estava acostumado com a presença de ali agora. Ele conhecia quase a equipe toda e cumprimentava todo mundo que via pela frente, sempre com um sorriso agradável e simpático no rosto, desejando bom dia.
Mesmo que não fosse o horário de visita, eu conseguia vê-la.
não estava mais na UTI. O quadro tinha estabilizado, apesar de ela ainda estar em coma, o que possibilitou ela ser transferida para um quarto. Qualquer coisa que acontecesse, Beth sempre me ligava para contar ou avisar. Nem sempre eu podia estar ali ao lado dela, por conta de .
Eu tinha prometido cuidar dele e estava cumprindo a minha promessa.
— Bom dia, mamãe! — entrou no quarto, andando até a cama e beijou a bochecha da mãe delicadamente.
Eu tinha explicado para ele que, apesar de ela aparentar estar dormindo, nós podíamos conversar com ela. Ela podia estar ouvindo, podia ouvir qualquer coisa. Desde então, a cada visita, contava um pouco do seu dia e como tinha sido a escola. Eu observava tudo em silêncio, ficando do outro lado dela na cama, segurando a sua mão o tempo todo.
cuida muito bem de mim, mãe! — Ele continuou. — Mas ele sempre esquece a minha geleia!
Soltei uma risada gostosa com o que ele tinha dito.
— Você é muito fofoqueiro, garoto! — Acusei, brincando.
Ele levantou as mãos, mostrando que não estava dizendo nenhuma mentira.
— Ele também me veste errado. — Listou. — E não sabe fazer o leito igual você faz, então tenho que dormir assistindo filme.
— Ok, chega de me dedurar para a sua mãe... — falei, olhando o relógio no meu pulso. — Hora da escola. Me espere lá fora um momento.
se despediu da mãe com outro na bochecha. Ele bateu a porta devagar quando saiu e eu deixei um suspiro escapar, sentando-me na beira da cama, encarando o rosto sereno de .
— Já faz uma semana... — comecei a falar, o tom de voz neutro. — Tenho tentado manter as coisas em ordem e o está indo muito bem, mas… nós sentimos a sua falta. O tempo todo, .

?
A voz suave me despertou dos pensamentos e percebi que tinha acabado de chegar. Bebi mais um gole da taça de vinho e anunciei a minha presença na cozinha. Ela apareceu logo depois, com um sorriso leve nos lábios e parou na entrada da cozinha, encostando-se na bancada com o cabelo amarrado e descalça.
— Vinho? — Ofereci, mostrando a garrafa.
Ela negou com a cabeça.
— Dia difícil? — Arriscou.
Assenti com a cabeça e ela veio até mim, parando na minha frente apenas para enrolar as suas duas mãos ao redor do meu pescoço. Seus lábios beijaram os meus delicadamente e eu pousei as minhas mãos ao redor da sua cintura, acariciando aquela parte da sua pele.
Ela afastou o rosto do meu e me encarou.
— O que quer que eu faça? — Perguntou.
Abri um sorriso e toquei sua bochecha com o polegar, admirando a beleza surreal que aquela mulher tinha. Eu não esperava conhecer alguém que me fisgasse tanto àquela altura da minha vida, mas tinha esse poder.
Não éramos namorados e nem nada do tipo, mas passávamos alguns tempos juntos. Tempo demais, devo acrescentar, tempo suficiente para ela me conhecer bem daquela maneira.
Eu me flagrava pensando em dividir uma vida com aquela mulher, mas temia, ao mesmo tempo, que ela fugisse de mim. Eu desconfiava que justamente gostava daquela leveza entre nós, sem cobranças de nada, então eu aceitava o que quer que ela pudesse me oferecer.
— Pode passar a noite? — Pedi.
Ela mordeu o próprio lábio, pensando sobre a minha proposta. Em seguida, virou as costas, colando a sua no meu peito e eu a abracei, beijando o seu ombro exposto, soltando um resmungo.
— Tudo bem... — concordou.
Olhei-a de relance.
— Tudo bem mesmo? — Perguntei, certificando-me. — O vai ficar bem?
— Sim, , ele vai. — Garantiu-me. — Minha mãe pode cuidar dele essa noite.
Eu adorava o , adorava mesmo, mas adorava mais ainda quando conseguia arrumar tempo para passar uma noite inteira comigo sozinha.
Bebi o restante do vinho e virei ela para mim, buscando os seus lábios com necessidade e a beijei. Beijei-a calmamente, sem pressa, porque tínhamos a noite inteira juntos agora.
Ergui o corpo de , colocando-a sentada sobre a bancada, sem quebrar o beijo e comecei a passar minhas mãos ao redor de suas coxas, sentindo seus dedos arranharem a minha nuca devagar, arrepiando cada pedacinho da minha pele. Buscando por fôlego, ela afastou sua boca da minha novamente e eu resmunguei, contrariado com a sua decisão.
espalmou sua mão bem no meio do meu peito ainda coberto e abriu um sorriso bem humorado.
— Achei que antes de começar essa brincadeira, você pudesse me alimentar. Sabe? Comida e etc?
Pisquei meus olhos na direção dela, não caindo nenhum pouco na expressão inocente que ela me passava.
— Você quer comida antes? — Perguntei, verificando se eu estava ouvindo certo mesmo.
Ela prendeu o riso com a minha reação.
— Sim, eu adoraria.
— Mulher... — resmunguei. — Você me enlouquece.
soltou uma gargalhada gostosa e eu me afastei do balcão, abrindo a geladeira, procurando o que eu podia preparar para ela comer. Tirei ovo e queijo, e uma jarra de suco de limão, fechando a geladeira em seguida.
— Não fica assim, ! — Pediu. — Nós temos a noite inteira. Farei o que você quiser.
Coloquei o ovo e o queijo do outro lado da bancada, junto com a jarra de suco, e levantei uma sobrancelha na direção dela.
— É uma promessa bem perigosa... — observei.
Ela deu de ombros, como se não ligasse para isso. Desceu da bancada em um pulo e, enquanto eu preparava o seu jantar, ela me abraçou por trás, passando as suas mãos por toda a região do meu corpo.
— Me alimente primeiro... — ela sussurrou bem perto de mim. — E eu alimento você depois.
— Meu Deus, ! — Arfei, agarrando a promessa com força para mim. — Feito.
Ela gargalhou mais uma vez. E eu consegui guardar cada nota daquele som para mim.

! — Corri até o garoto, que estava totalmente jogado na grama, e me abaixei na sua direção, mas em seguida, ouvi a gargalhada gostosa dele e ele me olhou com diversão nos olhos, a bola agarrada ao corpo.
— Te enganei direitinho! — Ele apontou um dedo para mim, levantando do chão e se manteve sentado sobre a grama suja, ainda rindo.
Acabei sentando junto dele também e fiz a minha melhor expressão carrancuda de quem não tinha gostado nada da brincadeira.
— Não tem graça! — Reclamei, dando um peteleco em seu braço. Ele ainda ria com gosto. — Você me assustou, podia ter se machucado de verdade!
Eu não era bom em dar sermão. Assim que encarei ele de novo e notei que ele ainda estava rindo, eu acabei relaxando os meus músculos e sorri também, feliz por vê-lo gargalhar e se divertir, mesmo que fosse às minhas custas.
Ele sentia falta de e eu tentava distraí-lo a todo momento, para que ele não ficasse o tempo todo pensando nela ou no estado dela. Ou simplesmente no fato de que, em algum momento, ele ia perdê-la.
Eu não sabia como prepará-lo para aquilo, quando nem eu estava.
— Foi divertido! — Ele me empurrou devagar.
Estávamos jogando bola há um tempo, no jardim atrás do condomínio, mas já estava ficando tarde e nós dois estávamos completamente sujos de lama e suor. Eu me sentia cansado também, mas era um cansaço bom. Cuidar daquele garoto distraía a minha mente também, mas toda vez que eu entrava no meu quarto e me deparava com todos os post it de que eu tinha colado no meu espelho, eu desabava mais um pouquinho.
— Sua ideia de diversão é bem diferente da minha... — respondi a ele.
me mostrou a língua e eu aproveitei para puxá-lo para mim, começando a enchê-lo de cosquinhas, fazendo-o rir ainda mais, enquanto tentava se esquivar de mim, mas não conseguia.
! — Gritou, sem fôlego. — , por favor!
Deixei-o em paz, se recuperando. Ele regularizou a respiração um momento depois e peguei a bola de volta para mim, respirando com força.
Eu amava aquele garoto.
— Queria que você fosse o meu pai. — Ele disse, depois de um tempo.
Fiquei tão surpreso com a sua declaração, que mal consegui me mexer.
— O que você disse?
Ele olhou para mim com um sorriso gigante e se jogou em cima de mim em um abraço de urso. Agarrei-o com as duas mãos e senti ele deitar a sua cabeça no meu ombro.
— Queria que você fosse o meu pai. — Repetiu, com mais firmeza dessa vez.
Ele não viu, mas eu abri um sorriso tão grande, que quase não coube no meu rosto. Definitivamente, eu faria tudo por aquele garoto.
— Eu também, .



Parte 3
Is it true? My faith is shaken, but I still believe; this is you, this is me, this is all we need; so won’t you stay a while? And hold me while you wait.

Duas semanas depois...

— É verdade?
A doutora Miller me olhou com um sorriso sincero e balançou a cabeça positivamente. Respirei fundo, tentando acalmar as batidas do meu coração, mas parecia impossível.
Encarei a porta do quarto de , decidindo se eu deveria entrar de uma vez ou não, com medo de encarar o que eu iria encontrar, mas a doutora Miller não iria mentir para mim.
estava acordada, estável, sem nenhum problema. Fora o câncer, nenhuma sequela do acidente.
, você pode ir. — Miller me incentivou.
Eu tinha recebido a ligação um minuto depois que deixei no colégio. Nós não tínhamos conseguido visitar naquela manhã, mas prometi que ele a visitaria de tarde, já que não tinha aula de piano. Agora eu estava ali. E ela estava acordada.
— Obrigado! — Agradeci à Miller.
Andei até a porta e fechei os olhos por um momento, respirando fundo mais uma vez, antes de finalmente girar a maçaneta e entrar no quarto.
piscou os olhos devagar e eu pude ver a surpresa nos seus olhos ao perceber a minha presença. Eu me sentia nervoso.
? — Ela me chamou, a voz baixa e rouca.
Sorri fechado e parei ao lado dela na cama, segurando a sua mão, como sempre fiz toda vez que a visitava, nessas três semanas inteiras. Ela tentou apertar os meus dedos, mas eu balancei a cabeça.
— Oi, ! — Sussurrei.
Eu estava emocionado.
Assisti lágrimas solitárias molhar o rosto dela e me apressei em limpar cada uma delas, sussurrando que ela não tinha por que chorar, que estava tudo bem.
Mesmo que não bem por inteiro.
— Eu sinto tanto, , sinto muito. De verdade! — Ela começou a dizer, a voz baixa, segurando a minha mão com a maior força que conseguia.
, pare.
Sentei bem na beirada da cama, ajudando-a a ficar sentada. Coloquei o travesseiro nas costas dela, tentando deixá-la o mais confortável possível. Ela ainda não tinha toda a força recuperada e mal conseguia falar com firmeza. Era normal depois de ter passado três semanas em coma. Ela precisava se recuperar primeiro.
?
— Na escola. — Avisei. — Fiquei com ele o tempo todo, sua mãe não podia.
Ela mexeu a cabeça devagar, mostrando que tinha consciência daquilo. Mas pude ver o alívio na sua respiração ao se dar conta de que o filho estava bem.
— Ele ainda não sabe que você acordou... — continuei, ainda segurando a mão dela. — Vou contar quando buscá-lo e o trago aqui, está bem?
assentiu, concordando.
Eu estava aliviado e feliz por vê-la finalmente acordada. Ela ainda parecia um pouco pálida e frágil, mas só de estar acordada e falando comigo, já era um alívio enorme.
— Acredito que você soube... — ela começou.
— Sim.
— Eu queria ter te contado no momento em que descobri... — ela contou, os lábios tremendo. — Eu queria mesmo, mas não consegui. Você tinha uma vida sem mim e eu não podia chegar e te jogar toda essa bagunça do nada.
Neguei com a cabeça.
— Não seria do nada, . — Lamentei. — Nós nos conhecíamos. E eu amava você, deveria ter me contado. Eu aceitaria qualquer bagunça sua.
Mais lágrimas molharam o rosto dela e eu acariciei a sua bochecha, confortando-a.
— Você devia ter a chance de amar alguém que não vai te deixar... — ela disse. — Não queria desperdiçar o seu tempo.
— Vi seus post its... — comentei, umedecendo os meus lábios. — Queria ter sido bom o suficiente para você.
Ela balançou a cabeça devagar.
— Você foi. — Sussurrou. — Por isso, eu não pude ficar.
Eu não guardava nem um pingo de mágoa daquela mulher. Entendia por que ela tinha decidido tudo sozinha e me deixado de fora, mesmo que não tivesse consultado a minha opinião. Era a vida dela e ela estava decidindo o que achava que fosse melhor, mas eu não afastava a sensação de que eu realmente poderia ter sido mais. Suficiente.
— Você sabe que não vou sobreviver... — ela sussurrou.
As palavras doeram mais do que eu tinha previsto. Meus olhos lacrimejaram e eu abaixei a cabeça, afastando a minha mão de sua bochecha, concordando com um aceno.
— Você precisa me ajudar a encontrar um lar para o ... — ela continuou, apertando os meus dedos. — Não suporto a ideia de deixá-lo sozinho aqui.
Levantei o rosto na sua direção.
, ele já tem um lar. — Retruquei.
Ela engoliu a seco, mordendo a parte interna da bochecha. Não esperava pela minha resposta, mas estava pensando nela agora. Eu não iria ajudá-la a encontrar um lar para , não iria encontrar outra família, pessoas desconhecidas, para cuidar dele. Não. Ele estava bem comigo e me conhecia.
— Ele não é sua responsabilidade. — Ela tentou explicar.
Balancei a cabeça, pedindo que ela parasse de falar por ali. Seria complicado conseguir a guarda dele depois, era verdade, mas eu tinha uma maneira muito mais simples de resolver tudo. Eu só esperava que ela aceitasse.
— Ele já tem um lar. — Repeti. — Cuidei dele todos os dias desde que você sofreu o acidente. Aprendi a não esquecer sua geleia todas as manhãs e parei de vesti-lo com a roupa pelo avesso todas as vezes. Aprendi a fazer o leite da sua forma para que ele não dormisse no meio do filme toda noite e aprendi matemática para ajudá-lo nas tarefas da escola.
tinha recomeçado a chorar. Eu não desviei os olhos dela nem por um momento, ainda pensando, no meio das palavras, que ela continuava linda como sempre.
— Toda vez que ele tem pesadelo ou sente a sua falta, ele se enfia no meio da minha cama de madrugada, achando que eu não o vejo e sai toda manhã antes de eu acordar. — Continuei. — Adaptei a minha vida e encaixei esse garoto em todas minhas rotinas, , e não vou encontrar um lar para ele, porque ele já tem um.

Case comigo.
Fiquei surpreso comigo mesmo por realmente ter soltado aquilo. Eu não achava que teria coragem para tanto, mas não me arrependia.
— O quê? — Ela limpou as lágrimas com a mão livre, confusa.
Eu sorri, aproximando-me mais um pouco dela. estava surpresa demais.
Case comigo, ? — Sussurrei o pedido novamente. — Case comigo e eu me tornarei o guardião legal do através da nossa união. Passe o resto da sua vida comigo.
Ela riu, acenando como se me achasse louco. Talvez eu fosse mesmo, um pouco, mas era totalmente por ela.
— Não é muito tempo... — ela avisou.
— Faremos desse tempo uma eternidade, então. — Prometi. — Casa comigo?
assentiu freneticamente, um sorriso enorme nos lábios, as lágrimas ainda molhando o seu rosto.
Sim.
Meu coração parecia que ia saltar para fora do meu peito de tanta felicidade que aquela simples palavra me causou. Aproximei o meu rosto dela e juntei meus lábios nos seus, beijando-a com calma e com saudade.
Ela se tornaria a minha esposa.
— Eu te amo — Ela finalmente declarou.
E eu não poderia pedir mais nada no mundo.

Um mês depois...

... — chamei, em vão. — ! Você pode parar de correr um pouco?
Tentei afrouxar a gravata, acalmando os meus nervos. Os convidados pareciam tranquilos à luz do som no jardim e o padre estava paciente, mas, sinceramente, eu começava a achar que a cerimônia estava atrasando mais do que o normal e não parava de correr ao redor da grama.
— Relaxa, ! — Ele gritou.
Relaxar… ninguém entendia que eu era o noivo e desconhecia essa palavra no momento?
Tentei respirar fundo e deixei ele em paz, correndo à vontade, porque eu sabia que depois ele viria até mim, pedindo para tirar o terno, alegando estar com calor e completamente suado. O sol não estava forte o suficiente para aquilo, mas ele correr não ajudava.
tinha saído do hospital há uma semana. E eu imediatamente marquei a nossa cerimônia de casamento, porque tempo não era algo que nós tínhamos exatamente. Ela me garantiu que sua mãe seria muito bem cuidada depois que se fosse, mas avisei que ela também se tornaria minha responsabilidade e eu cuidaria dela no que fosse dentro do asilo. A senhora parecia feliz pela filha.
— Olha, ! — gritou de novo, apontando para a entrada do jardim. — É a mamãe!
Olhei imediatamente para a entrada e o garoto estava certo. Ele correu para ficar no seu lugar e todos os convidados levantaram ao som da música nupcial. entrava sozinha, com um sorriso enorme no rosto e eu senti meus olhos lacrimejarem de emoção ao notar como ela estava linda vestida de noiva. Ela tinha raspado o cabelo semanas antes e usava um lenço branco na cabeça, mas isso não a deixava menos bonita, muito pelo contrário. Meu amor por ela só aumentava.
— Você está linda! — Elogiei-a, assim que ela chegou perto de mim, estendendo o seu braço na minha direção.
Eu aceitei e beijei a sua bochecha rapidamente, ficando de frente e ajoelhados para o padre.
Ele começou o discurso comum de casamento e todos nós ficamos em silêncio, ouvindo tudo. apertava a minha mão a cada segundo, mais nervosa do que eu, mas não me importei. Ela podia apertar quantas vezes fosse, eu não reclamaria.
, você aceita como seu legítimo esposo? — O padre perguntou.
Ela sorriu para mim.
— Sim.
O padre então virou para mim.
, você aceita como sua legítima esposa, para amá-la e respeitá-la, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, até que a morte os separe?
Eu não pensaria em morte hoje. Ela era um assunto proibido agora.
— Sim.
— Eu os declaro marido e mulher! — O padre encerrou. — Pode beijar a noiva.
Levantei do chão e beijei o seu sorriso, capturando-o para mim, naquele momento, para sempre.
correu até nós e nós dois olhamos para ele.
— Agora eu posso te chamar de pai?
Nós rimos, acompanhados pelos convidados.
Baguncei os cachos dele.
— Como quiser, campeão.



Epílogo
Won’t you stay a while?

morreu oito meses depois do nosso casamento.
Nós fizemos tudo o que ela queria aproveitar e ela não largou em nenhum momento, dizendo o tempo todo e todos os dias que o amava. Tínhamos explicado para ele sobre a gravidade da doença dela na intenção de prepará-lo da sua partida, mas ninguém nunca está preparado para a morte de alguém de verdade. Muito menos uma criança.
Mas estava lidando surpreendentemente melhor do que eu esperava. Todas as noites, quando pensava que eu estava dormindo, ele chorava baixinho na cama. Eu dava duas batidinhas leve na sua porta e ele aparecia no meu quarto um minuto depois, deitando ao meu lado.
Não falávamos uma palavra, só acompanhamos um ao outro no luto e adormecemos, todas as noites.
Eu o levava para visitar a avó três vezes por semanas e fazia de tudo para distraí-lo de pensar na ausência de , mas, às vezes, não dava certo. Ele me abraçava repentinamente e começava a chorar, no meio de um filme, de uma refeição, na hora das ajudas com as atividades.
Às vezes, eu chorava junto.
— Estou pronto! — anunciou, na entrada do corredor.
Peguei a chave no sofá e acenei com a cabeça para ele me seguir. Fechei a porta do apartamento e fomos direto para o estacionamento, entrando no carro.
Eu dirigi calmamente pelas ruas, agradecendo mentalmente que o trânsito estava tranquilo e não demorei muito para chegar ao nosso destino.
Era o primeiro mês de aniversário da morte de e tinha me pedido para levá-lo ao cemitério.
Estacionei o carro do outro lado da rua e atravessei com ele. segurava uma rosa branca na mão e caminhou o tempo todo em silêncio ao meu lado. Quando chegamos na lápide de , ele se ajoelhou na frente dela, passando os dedos pelo nome dela escrito ali e colocou a rosa sobre seu túmulo.
— Eu sinto muito a sua falta, mamãe. — Ele murmurou.
Funguei baixinho, coçando o meu nariz. Ele olhou para mim, estendendo a sua mão e eu aceitei, ajoelhando-me ao lado dele.
— Também sinto a sua falta, . — Sussurrei.
começou a contar coisas do seu dia para ela, como fazia quando ela estava em coma. Era diferente agora, mas ele insistia em fazer mesmo assim. Eu fiquei em silêncio o tempo todo, somente escutando sua conversa com ela, deixando-o ter a sua privacidade, sem que eu me intrometesse. Eu sentia que deixá-lo falar com fazia ele se sentir melhor.
— Eu finalmente aprendi matemática, mãe! — Ele continuava dizendo. — Mas ainda é um pouco difícil, então o precisa me ajudar.
Sorri levemente com aquilo, sentando-me de costas para a lápide.
— Meus amigos dizem que vai parar de doer... — murmurou. — Mas eles não perderam você como eu. Eles não…
De repente, ele parou de falar, começando a chorar baixinho. Soltei o ar, olhando para ele ao meu lado.
— Venha cá, garoto. — Chamei.
se aproximou de mim, sentando ao meu lado e eu o abracei como podia, deixando-o chorar. Esperei ele se acalmar, encarando o imenso céu azul, como se estivesse nos vendo agora.
Assim que ele se acalmou, levantou a cabeça e me acompanhou, encarando o céu também. Ele fungou, coçando os olhos e o nariz e respirou fundo.
Depois de um tempo, perguntou:
— Vou esquecer a mamãe?
Consegui sentir o medo em sua voz.
Pisquei meus olhos para o céu e abaixei o meu rosto, encarando-o. Como de costume, baguncei os seus cachos em um carinho leve e beijei a sua cabeça, selando a promessa.
— Não, campeão. — Prometi, abraçando-o com mais firmeza. — Não vai.



FIM!



Nota da autora: Eu só tenho agradecer a Tayná, que foi beta, scripter e organizadora desse ficstape junto comigo! Obrigada pela paciência e por aguentar meu estresse e surto rs
No mais, se alguém for me xingar por causa dessa história, eu aconselho culpar o cantor dono dessa música, eu só segui a letra e não tenho nada a ver com nenhuma tristeza causada a ninguém HAHAHA
Espero que tenham gostado, um beijo!



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