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Finalizada em: 07/02/2021

Capítulo 01



O vento frio de Boston me lembrava o quanto aquela cidade conseguia ser linda no inverno, porém, terrivelmente fria. Depois de cinco anos, decidi voltar e, dessa vez, para ficar. Agora eu estava acompanhada de Jasmine , a pequena garotinha de quatro anos com o sorriso banguela mais lindo e seus cabelos castanhos encaracolados que não paravam de ser balançados com o vento.
— Jas, vamos, princesa. — A chamei quando chegamos em frente ao supermercado. Era meu dia de pagamento e sempre que possível levava Jas comigo para comprarmos algumas de suas guloseimas favoritas. Coloquei-a sentada no carrinho de compras, assim era possível evitar que ela pegasse tudo que visse nas prateleiras.
Pegamos as frutas, verduras e legumes que ela mais gostava, e outros nem tanto, mas que entendia que era para o seu bem. Jas é uma criança que gosta de comer a maioria das coisas que crianças da idade dela não estão acostumadas. Eu realmente não tinha nada para reclamar da minha filha, porém, eu não podia evitar que seus olhos brilhassem quando paramos no corredor de salgadinhos e bolachas. Pedi para que ela escolhesse apenas uma bolacha e um salgadinho, ou ela era capaz de escolher um de cada sabor de todos os tipos das prateleiras. Coloquei outros tipos de bolacha para que ela pudesse comer ao longo do mês quando sentisse vontade. Peguei um pacote de Skittles, ainda era meu doce favorito, e coloquei no carrinho no meio de tudo, junto com uma caixinha de Kinder Ovo que eu daria para Jas quando chegássemos em casa após ela jantar.
Passei todas as compras no caixa, coloquei-as no carrinho de compras novamente e caminhamos até o estacionamento. Coloquei Jas na cadeirinha no banco de trás do carro, o dia na escola normalmente a deixava cansada, mas ela ainda estava com a pilha toda. Talvez o cansaço fosse bater no pequeno corpinho da minha filha quando chegássemos em casa e ela tomasse um banho.
— Mamãe, a tia Tiffy vai lá em casa hoje? — Escutei Jas falar enquanto ela esfregava um olho e olhava para a paisagem da rua em seguida.
— Vai sim, meu amor. A tia Tiffy vai jantar conosco. — Respondi, dando um sorriso pelo espelho retrovisor.
— Oba, será que ela vai levar um docinho para mim? — O sorriso banguela de Jas me fez sorrir ainda mais.
— Ei, formiguinha, nós já compramos doce demais hoje. — Vi ela fazer um bico e continuar olhando pela janela.
Agora eu morava no outro lado da cidade, ficava próximo do meu serviço, mas, infelizmente, longe da minha melhor amiga. Apenas por uma questão de segurança, por mais que eu não pudesse esconder Jas sempre, e nem quisesse escondê-la. Afinal, toda vez que eu olhava para ela, eu podia ver todos os traços de . Jasmine seria sempre uma parte de nós dois.
Estacionei o carro na garagem do prédio, peguei o máximo de compras que consegui, Jas me ajudou com as sacolas levinhas e caminhava sempre ao meu lado, cantarolando a música do desenho da Moana, o seu favorito. Entramos no elevador, mas minha filha já começava a ficar cansada e, com isso, seus olhinhos sonolentos começavam a aparecer.
— Tia, Tiffy! — Minha filha gritou e saiu correndo, cambaleando com as duas sacolas que carregava.
— Cadê a princesa mais linda da tia? — Tiffy pegou-a no colo e beijava minha filha na bochecha, ela nem gostava de ser bajulada.
— Trouxe doce? — Mesmo que ela tenha perguntado baixinho, apenas para Tiffany escutar, eu ainda a pude ouvir cochichar no ouvido da minha amiga.
— Nada de doce, formiguinha. Vamos, já para o banho. — Quando Tiffy a colocou no chão e eu abri a porta de casa, minha filha largou a sacola no chão e saiu correndo em direção ao seu quarto.
— Meu Deus! — Tiffy disse, rindo.
— O que foi? — Perguntei, colocando as compras em cima da mesa. Minha amiga tinha pegado a sacola que Jas largou no meio do caminho e fechado a porta do meu apartamento.
— Ela é a mistura de vocês dois a cada dia que passa. Uma formiguinha feito você, e, bem, o resto todo é do .
— Ouch, eu não carreguei nove meses no meu útero para ouvir esse tipo de coisa. — Eu sabia que ela estava certa, mas não daria o braço a torcer.
— Tudo bem, ela tem seus olhos, está feliz? — Tiffy me ajudava a colocar as comprar no armário. Espiei Jas no corredor, ela estava no seu quarto escolhendo qual brinquedo levaria para o banho.
— Não muito, mas vou aceitar isso como um elogio. — Respondi, voltando minha atenção para minha amiga.
— Você sabe que tem que contar a ele, não sabe? — Tiffy sempre insistia nesse assunto.
— Não vamos falar disso hoje, por favor.
— Eu já escutei isso mais vezes do que gostaria. Por favor, pense no assunto. — Suspirei, cansada, mas concordei com um aceno. Sabia que não tinha convencido Tiffy tanto quanto eu gostaria, mas por hoje era o que eu podia fazer.
— Eu vou dar banho na Jas. Coloca o brócolis para cozinhar para mim, por favor? — Ouvi um grito da minha amiga dizendo que ficaria responsável pelo jantar. Sim, eu tenho a melhor amiga do mundo e não sei o que seria de mim sem ela.

— Só mais uma, só mais uma. — Tiffy fez um aviãozinho para Jas engolir a última colherada do seu jantar. Mesmo que minha filha soubesse comer sozinha, afinal, ela quis aprender desde que parou de comer as papinhas, Tiffy insistia em fazer algumas brincadeiras para interagir ainda mais com ela. Jas adorava tudo aquilo, isso porque minha amiga sempre trazia um pedacinho de chocolate quando jantava conosco e essa era a recompensa de Jas após o jantar, ela sabia disso.
— Parabéns, meu amor. Vamos escovar os dentinhos e já para cama.
— Mas não tem chocolate, mamãe? — Ela olhava sugestiva para Tiffany.
— Você está vendo o monstrinho que você criou? — Olhei para minha amiga, que soltou uma gargalhada.
— Hoje não, princesa. Mas a tia Tiffy vai deixar um chocolate e você come um pedacinho amanhã depois do almoço, tudo bem? Já é tarde para comer doce hoje.
— Ah, tudo bem. — Ela soltou um muxoxo e fez bico, mas eu conhecia a minha filha e sabia que metade daquilo era teatro e a outra era manha.
— Dá boa noite para sua dinda e vamos para cama. — Jas correu até Tiffy, deu um abraço apertado e um beijo na bochecha da minha amiga. Minha princesa estava crescendo tão rápido que isso me assustava. Fiz um sinal de que já voltava para Tiffy e ela entendeu.
Hakuna matata! É lindo dizer! — Jas estava em cima da cama com as pequenas mãozinhas na cintura.
Hakuna matata! Sim, vai entender! — Parei em sua frente, imitando a pose que ela fazia.
Os seus problemas você deve esquecer! — Ela caminhava pela cama tentando imitar o Timão, e ficava cada vez mais engraçado.
Isso é viver, é aprender! — Nós abrimos os braços e cantamos alto uma para outra. — Hakuna matata! — Jas se atirou em meus braços, me apertando com os seus bracinhos.
— Te amo, mamãe. — Ela disse próximo do meu ouvido, o que me fez estremecer. O amor mais puro e verdadeiro estava bem na minha frente.
— Te amo, princesa. — Dei um beijo no topo de sua cabeça e logo Jas se acomodou debaixo das cobertas. Deixei a luminária, que era a rosa com a cúpula de vidro de A Bela e A Fera, acesa para o quarto não ficar totalmente escuro. Em seguida, Jas pegou no sono, deixei a porta encostada e voltei para a sala. Me acomodei no sofá, deitando com a cabeça no colo de Tiffy. Minha amiga entendeu o que eu precisava e começou a fazer um carinho nos meus cabelos.
— O que você quer que eu diga? — Tiffy perguntou, estávamos assistindo um dos seus episódios favoritos de Two and a Half Men. Não me pergunte qual, eu não faço a mínima ideia, só ela via graça nessa série.
— Eu não sei. — Confessei. — Tenho medo de contar e ele querer tirá-la de mim.
— Se ele ousar em pensar nisso, nós vamos ter uma conversa muito séria. — Ela disse, firme. — Mas ele tem direito de pedir guarda compartilhada e, afinal, o advogado é ele, né? Não há pessoa que saiba mais de leis do que ele, entre nós, no caso. — Ouvi minha amiga suspirar, um arrepio passou pelo meu corpo só de pensar em não ter mais minha pequena morando comigo.
Tantas coisas se passavam na minha cabeça que eu acabei adormecendo no sofá mesmo, enquanto Tiffy assistia a série. Quando acordei novamente, Tiffy já não estava mais no meu apartamento, mas havia um bilhete seu pendurado na geladeira.

“Você está exausta, precisa de férias. Por favor, não volte com filho.
Amo vocês.”


Minha cozinha estava devidamente limpa e arrumada, quando olhei no relógio do microondas ele marcava quase duas da manhã. Tomei um banho rápido e fui para o meu quarto dormir, me restava um pouco mais de quatro horas até que eu tivesse que estar em pé de novo.

***


— Mamãe! Mamãe! — Jas pulava em cima da minha cama e gritava pelo meu nome. Aos poucos fui acordando e me dando conta de que estava nevando. — Está nevando, mamãe.
— Eu sei, meu amor. Sabe o que isso significa? — Vi Jas balançar a cabeça freneticamente.
— Cookies! — Gritamos juntas.
— Vamos lá, precisamos nos arrumar e mais tarde nós vamos no seu lugar favorito. — Peguei-a no colo e caminhamos de volta para o seu quarto.
— Patinar no gelo? — Minha filha fez uma pose com a mão no queixo.
— Sim, patinar no gelo. — Ela deu pulinhos em cima da cama.
Separei uma roupa quente para Jas vestir, ela fez questão de pegar o suéter com a rena desenhada na frente que havia ganhado da Tiffy, separei uma calça peluciada e as suas botas favoritas já estavam junto com a roupa. Quando se tratava de roupa, não havia ninguém que pudesse controlar Jasmine, e quando ela não gostava, era pior ainda. Confesso que sua personalidade era bem parecida com a minha.
Enquanto Jas ficava na sala assistindo desenho, aproveitei para tomar um banho rápido. Arrumei os quartos e depois fomos para a cozinha começar a guerra de farinha. Minha filha conseguia ser organizada, do jeitinho dela, e não gostava de ficar suja. Ela era do tipo que gostava mais quando a comida já estava pronta. O cheiro de chocolate exalava pelo nosso apartamento, e como eu tinha uma formiguinha muito ansiosa em casa, Jas olhava para o forno a cada dois minutos. Por sorte, cookies era uma receita bem rápida e não demorou mais de vinte minutos para todos ficarem prontos.
— Senta aqui, vou servir um pouco para nós duas. — Eu disse, colocando Jas no sofá, enrolada no seu cobertor favorito das princesas. Coloquei uma porção de cookies, o suficiente para nós duas, e leite morno em duas canecas. A caneca de Jas era um leãozinho e ela amava aquele objeto.
Quando dei play em Barbie: Lago dos Cisnes, nós nos enrolamos ainda mais na manta quente e começamos a devorar nossos cookies. O bigodinho de leite ficou marcado no rosto de Jas, mas ela acabou desistindo depois de poucas tentativas de passar a língua e tirou com a manga do blusão, me olhando de rabo de olho para ver se eu tinha visto a proeza que ela fez. Acabei fingindo que não vi e terminamos de assistir o desenho, o qual eu já sabia algumas falas de cor de tanto que já assistimos. Olhei pela janela e antes que ficasse mais tarde e mais frio ainda, peguei nossos patins e coloquei dentro da bolsinha que usaria para levá-los até a pista de gelo. Era próximo da nossa casa, então não teria problema. Mas não queria que ficasse muito tarde e Jas acabasse pegando um resfriado.
— Ei, princesa, vamos patinar? — Chamei Jas, que deu um pulo no sofá em dois segundos. Ela correu até seu quarto e pegou a jaqueta de lã que tinha deixado separada em cima da cama junto de sua touca. Ela apareceu na sala de novo, tentando colocar a touca de qualquer jeito na cabeça, isso resultou num emaranhados de cabelos embolados num lado só e a touca torta.
— Mãe, arruma aqui. — Ela parou na minha frente, estava sentada no sofá, colocando meus tênis.
— Deixa a mamãe arrumar, meu amor. — Tirei a touca e ajeitei seus cabelos, coloquei-a corretamente de modo que tapasse suas orelhas também e fechei seu casaco.
Enquanto minha filha estava distraída, consegui observar melhor, e a cada dia que passava, ela fica mais parecia ainda com , seus olhos azuis, o franzir do nariz quando não gostava de algo, o sorriso sapeca quando sabia que tinha feito algo errado. Por fora, ela era todinha ele, mas por dentro, eu sabia que o gênio era igual ao meu: esquentadinha.
— Te amo, princesa. — Beija-a no topo da cabeça e abracei minha pequena bolinha de roupas. — Vamos lá.
O bairro em que morávamos, o famoso Beacon Hill, era formado por ladeiras ladeadas de casas de tijolos em estilo federal e vitoriano, iluminadas por lamparinas antigas. Exatamente como o nosso prédio, cheio de tijolinhos. Com o valor da minha antiga casa em Chicago, consegui comprar um apartamento ali, afinal, o custo de vida era um pouco mais alto do que estava acostumada, mas ficava próximo do meu trabalho e da escola de Jas. Tiffy tinha me convidado para voltar a dividir o apartamento, mas não era justo com ela e nem com Jas, nós precisávamos da nossa privacidade e minha amiga precisava da dela.
Descemos a rua e logo chegamos ao lago congelado, alguns jovens também estavam na pista. Aquele lugar era bem atrativo, principalmente para os turistas na cidade. Como patinar era uma das coisas que eu mais gostava, logo tratei de ensinar para Jas quando ela aprendeu a caminhar sozinha, e ela se apaixonou também.
— Rápido, coloca em mim! — A pequena criaturinha me puxava pela mão, para que ficássemos mais próximas do lago congelado e eu colocasse os patins em seus pés de uma vez. Calcei os meus patins também e, então, começamos a patinar. Jasmine patinava com o seu jeitinho desengonçado, mas ela tentava ao máximo imitar uma patinadora profissional de tanto que assistia na televisão. Eu segurava seus bracinhos para que ela pudesse rodopiar e fazer algumas piruetas, por mais que não conseguisse do jeito que gostaria. Mas, no fim das contas, Jas se divertia bastante.
— Mamãe, ‘tô com soninho. — Eu sabia o que aquilo significava: colo. Ela não gostava de voltar caminhando e sempre dava a mesma desculpa.
— Vamos, filha, é rapidinho. Logo, logo vamos estar em casa.
— Mas, mãe, eu ‘tô com tanto sono. — O bico formado em seu rosto só me deixou uma alternativa: ceder.
— Tudo bem, mas é a última vez. Não vai me enrolar de novo, não.
Peguei-a no colo, Jas estava realmente cansada, pois em seguida pegou no sono. O problema é que ela ficava ainda mais pesada quando estava dormindo. Ela enterrou a cabeça no meu pescoço e eu pude sentir a respiração leve de Jas descansando. Eu estava próxima de casa, apenas mais uma quadra e já chegaríamos em casa, mas meu coração pareceu parar quando vi parado em frente ao meu prédio. Nós já tínhamos nos visto depois que eu voltei, mas nunca com Jasmine. Eu estava nervosa e com medo do que pudesse acontecer.
— Oi, . — Disse, assim que me aproximei do portão.
— Oi, . A gente pode conversar?
— Tem que ser agora? Eu estou um pouco cansada. — Eu não menti, mas não queria ter aquela conversa àquela hora.
— Acho melhor ser agora. — Suspirei, cansada, não tinha nada o que ser feito e não sairia da minha frente enquanto ele não subisse para conversarmos.
— Tudo bem, vamos. — Abri o portão e caminhamos em silêncio até o meu apartamento. Os dois minutos que ficamos dentro do elevador pareceram uma eternidade. Agradeci por Jas estar dormindo, ou ela provavelmente estaria com seus olhos bem arregalados analisando cada traço de e ele veria o quanto os dois eram parecidos.
Abri a porta de casa tentando não me tremer de nervosismo, os olhos azuis de me encarando não ajudavam muito. Coloquei Jas na cama em seu quarto, me preparando para sair do quarto e encarar de vez o que tinha a dizer. Por sorte, enviei uma mensagem a Tiffy avisando que estava na minha casa, ela precisava ficar ciente se algo desse errado.
— Você não me disse que tem uma filha. — Eu nem tive tempo de pensar quando voltei para a sala.
— A gente quase não se viu, né. — Dei de ombros, fingindo indiferença. — Você quer um café? — Não esperei resposta, fiquei na cozinha para manter certa distância de .
— Você e o pai dela estão juntos? — Ouvi falar com certa dificuldade. Minhas mãos estavam tremendo e eu tinha medo de abrir a boca e falar algo errado.
— Não. Eu a crio sozinha. — Porque o pai dela não sabe que tem uma filha, tive vontade de completar, mas preferi ficar calada.
— O quê? Como assim ele não sabe que tem uma filha? — Eu falei? Não, não pode ser. — Quantos anos ela tem? , não minta para mim.
Meu coração estava na garganta, meu rosto começava a esquentar e eu só tinha vontade de chorar. Abri a boca várias vezes, mas não conseguia emitir som algum.
, me diz quantos anos sua filha tem. — estava na minha frente, apertando meus braços, me fazendo prestar atenção nele, mas eu não consegui.
, me solta, está me machucando. — Ele afrouxou os dedos envoltos em meus braços, mas não os soltou. — Jas tem quatro anos. — Respondi, por fim.
— Eu só vou perguntar uma vez, , você teve mais alguém depois de mim?
Não consegui responder, pensei em mil respostas e nenhuma delas seria o suficiente para fazer acreditar. Eu estava errada, sabia disso, mas eu tive meus motivos. Quando eu descobri sobre a gravidez, lembro que o medo, insegurança e a solidão foram meus melhores amigos. Eu estava sem minha melhor amiga para me dar apoio em outra cidade, tentando não demonstrar tudo isso enquanto minha mãe lutava com a doença dela. Eu não queria dar preocupação para ninguém, então escondi até que não pude mais.
— Porra, ! — socou o mármore da pia, me assustando um pouco.
— Para de gritar, Jas está dormindo.
— Para de gritar? É isso que você tem para me dizer? — Ele passou as mãos pelo rosto e pelos cabelos. Eu estava conhecendo outro naquele momento, mas não sabia se queria conhecer aquele . — , você tem ideia da gravidade de toda essa situação? Eu tenho uma filha que eu não sabia que existia.
— Eu estava em Chicago, sem previsão de volta, e com medo. Eu tenho noção sim da gravidade e enfrentei tudo sozinha.
— Porque quis! — Ele gritou comigo, me fazendo encolher.
— O que você teria feito se eu tivesse ligado há cinco anos e dado a notícia: "Oi, , só estou ligando para avisar que estou esperando uma filha sua"?
— Eu teria pegado a porcaria de um avião na mesma hora e ficado ao lado da mulher que eu sempre amei. Agora eu não sei se consigo olhar para sua cara.
Eu podia ouvir os pedaços do meu coração caindo no chão. Eu amava , entretanto, enterrei o sentimento por achar que não era recíproco. Agora eu sabia que não era mais.
— Seja lá qual foi a desculpa que você inventou, desfaça ou invente outra, dê seu jeito. Não vou deixar a Jas continuar sem pai.
— Não a tire de mim, por favor. — Minha voz saiu mais baixa do que eu pensei. Era uma súplica, por mais que eu soubesse que não podia pedir aquilo.
saiu do apartamento batendo a porta e sem me dar uma resposta, deixei meu corpo escorrer até atingir o chão da cozinha. Abracei minhas pernas e me permiti chorar como há muito tempo não acontecia. Não sei quanto tempo fiquei sentada naquele chão, provavelmente mais tempo do que gostaria. Minha vida começava a passar em flashbacks na minha cabeça, tudo rápido demais, até aquela maldita noite. Tiffy vivia me dizendo que mentira tinha perna curta, eu só não quis acreditar.

Capítulo 02



Minha cabeça estava a mil, várias coisas passavam ao mesmo tempo e eu não conseguia chegar a qualquer conclusão. A única coisa que consegui fazer assim que saí do apartamento de foi dirigir até a casa de Tiffy, a pessoa que eu considerava minha melhor amiga, mas sabia que ela tinha dedo nisso tudo. Tiffany deveria saber de Jasmine quando eu nem fazia ideia da sua existência.
Bati na porta até que ela abrisse, não me importava se alguns vizinhos se incomodariam. Eu precisava mais que tudo que Tiffany me atendesse naquele momento. Eu precisava de respostas para algumas perguntas, mas não podia voltar até e resolver tudo civilizadamente, porque eu não conseguiria acreditar em nada que ela me dissesse.
— Me diz tudo o que você sabe sobre a e a minha filha. — Disse, assim que ela abriu a porta. — Não se atreva a mentir, Tiffany, eu te conheço desde que me entendo por gente.
— Entra, . — Ela abriu a porta e me deu espaço. — Eu preciso ter certeza que você não vai surtar.
— Eu estou surtando desde que saí do apartamento da . — Disse, me sentando no sofá e esfregando as mãos no rosto, ainda nervoso.
— Eu vou te contar tudo, mas tem coisas que só a pode responder.
— Não sei se consigo ter uma conversa civilizada agora com ela. Caralho, Tiffany!
— Calma, por favor. — Ela apertou minha mão, mas tudo que ela pudesse fazer para me acalmar seria em vão. Tiffy respirou fundo, fechando os olhos e voltando a me encarar, provavelmente pensando por onde começaria a contar, mas eu só queria que ela me contasse tudo; eu precisava saber a verdade, de uma vez por todas.
— Você lembra que a mãe dela estava doente, não lembra? — Fiz que sim com a cabeça. — Então, a mãe dela faleceu um ano depois que voltou para Chicago, Jas não tinha completado nem um ano.
A cada frase que Tiffy soltava, minha cabeça fazia um nó cada vez maior, porque nada justificava ter passado por tudo isso sozinha. Ela sabia que podia ter me ligado, me mandado uma mensagem, uma carta, um e-mail, qualquer tipo de comunicação. Entretanto, comecei a me questionar se tinha deixado os sinais claros. Será mesmo que ela sabia que podia ter contato comigo?
— Por que ela não me contou? Você sabia que eu estaria lá, sabe que eu teria largado tudo na mesma hora e ido atrás dela.
teve as escolhas dela, isso não cabia a mim decidir, . — Tiffy me olhou com a testa franzida. — Eu disse a ela, praticamente, implorei para te contar. Mas você a conhece tão bem quanto eu, não funcionou. O que você vai fazer?
— Ela pediu para eu não tirar a Jas dela. — Disse, relembrando a cena de horas atrás. — Sinceramente, não sei o que vou fazer.
— Por favor, não tire a Jas dela. Pense bem antes de tomar qualquer decisão, principalmente, se o que você estiver pensando envolver a justiça. Jasmine é o porto seguro dela, não a magoe ainda mais.
— Eu também estou magoado, Tiffany.
— Eu sei, . Mas você ficou trancafiado num escritório de advocacia durante os últimos anos, perdeu a mãe e teve que criar uma criança sozinha. — Eu estava pronto para interrompê-la, mas Tiffy impediu que eu fizesse. — Pensa que vocês podem recomeçar, mas se envolver a justiça sem conversar com ela antes, os dois vão sair ainda mais magoados.
— Eu não sei o que fazer ainda, mas já disse que quero ser o pai que a Jas merece.
O rosto de Tiffany se suavizou por alguns minutos, percebi que minhas mãos tremiam toda vez que eu pensava em Jasmine nas últimas horas. Eu estava morrendo de medo de decepcioná-la, mesmo sabendo que ela nem me conhecia ainda.
— Você vai amá-la. Ah, eu já sou a tia favorita dela, não adianta nem reclamar.
Meu corpo inteiro tremia com aquelas palavras de Tiffany, eu me sentia péssimo por ter perdido os primeiros anos de vida de Jas; contudo, estava determinado a não passar nem um segundo mais longe da minha filha.
— Caramba, eu tenho uma filha. — Falar em voz alta tornava tudo ainda mais real. Esfreguei meu rosto, ainda sem acreditar nas palavras que eu mesmo tinha dito. O misto de sentimentos parecia querer explodir dentro do meu peito, o medo de decepcionar aquele pequeno serzinho me corria por dentro, mas eu estava disposto a ser o melhor pai que a Jasmine merecia.
, eu preciso te pedir uma coisa. — Tiffy segurou minha mão, me fazendo prestar atenção nela. — Nunca, jamais, em momento algum, desconte a sua raiva ou mágoa na Jas. Ela é só uma criança e não tem culpa das escolhas de vocês dois.
— E se ela não gostar de mim? — Tiffy soltou uma risada baixa.
— Ela vai te amar, ela é a mistura perfeita de vocês dois. Não pense coisas negativas, Jas vai te surpreender. — Concordei com a cabeça, tentando fazer o que minha amiga pediu. — Quer dormir aqui?
— Não, preciso ir para casa.
Quando saí do apartamento de Tiffy, mais calmo do que quando cheguei, a única coisa que eu conseguia pensar era em como contaria a Jas sobre mim. Eu realmente esperava que ela contasse. Entretanto, eu precisava descansar também, depois desse longo e turbulento dia, eu precisava de um banho quente e da minha cama. Eu sabia que o sono não viria tão cedo, mas eu precisava tentar.

***


No dia seguinte, apesar de ter ido dormir tarde, acordei cedo. Era a ansiedade falando mais alto, eu não conseguia esconder, estava nervosa para caramba e com medo do que pudesse acontecer ao longo do dia. Respirei algumas vezes, soltando lufadas de ar que eu nem sabia que estava prendendo. Preparei uma xícara de café forte, pensando no dia anterior, pensando no quanto eu tinha explodido com sem dar a chance dela se explicar. Eu estava pronto para pegar meu celular e tentar conversar com ela, com calma e civilizadamente dessa vez, quando o aparelho tocou, mostrando uma mensagem de na tela.

Oi, podemos conversar?
De forma civilizada, eu espero.
Me avise onde podemos nos encontrar.



Na Amorino fica bom para você?


Não me dei conta na hora, mas depois que já tinha enviado, percebi que a Amorino Boston era a sorveteria preferida de . Porém, o lugar ficava no meio do caminho para nós dois.

Sim, chego em dez minutos.



Terminei de me arrumar e saí de casa, tentando não pisar no acelerador como se só tivesse eu dirigindo nas avenidas da cidade, mas eu estava nervoso. Estacionar em frente a Amorino Boston de novo fez um flashback passar pela minha cabeça.

Entramos na Amorino Boston, fugindo o mais rápido do frio e da neve. Sim, estávamos no inverno e estávamos indo tomar sorvete. O lugar estava quase na hora de fechar, então nada melhor que receber um olhar de raiva vindo do atendente.
— Que sabor você quer?
— Morango e pistache.
— Eu vou querer uma casquinha de chocolate meio amargo e outra de morango com pistache. — Falei para o rapaz do outro lado do balcão, enquanto ao meu lado, batia o queixo de tanto frio. - Eu disse para colocar um casaco antes de sair. — A abracei, tentando aquecer seu corpo com o meu.
— Já vamos voltar, eu não vou ficar doente. — Peguei nossos sorvetes, entreguei o dela e caminhamos de volta para o carro. Eu não tinha tanta certeza se ela não ficaria doente desse jeito.
— O que vai fazer em Chicago, agora que acabou a faculdade?
— Cuidar da minha mãe, arrumar um emprego, ter uma vida normal? Eu acho. — Ela deu de ombros, com a atenção no sorvete.
Ficamos em silêncio por alguns minutos, perdidos demais em nossos pensamentos enquanto aproveitamos o sabor do doce gelado.
— Por que você sempre aparece, mesmo sabendo que eu vou embora, ?
— Por que me deixa ficar, mesmo sabendo que vai embora, ? — Respondi com outra pergunta, o que a pegou de surpresa.
— Eu não sei. Talvez exista uma pontinha de masoquismo em mim e, digamos, que ela faz eu querer passar o tempo com você.
— Que bom, porque eu também quero passar o tempo com você.
Os lábios de brilhavam com o doce do sorvete, deixando-os ainda mais convidativos. Não demorei para tê-los junto aos meus; o gosto que eu já sabia de cor e, ainda assim, conseguia ficar cada vez mais viciado toda vez que provava. Dessa vez, beijei-a devagar, aproveitando cada segundo e sensação que ela pudesse me proporcionar. Não importava se seu beijo tinha gosto de sorvete de morango com pistache, ou de vinho, ou de bala Skittles. Eu amava cada gosto de .
Encarei os olhos castanhos de por mais alguns segundos quando nos desgrudamos, eu não queria que aquele momento acabasse; tentava gravar todos os meus últimos momentos ao seu lado, para que — em algum futuro próximo — nós pudéssemos compartilhar essas mesmas lembranças, juntos novamente.
— O que foi? — perguntou, franzindo a testa.
— Não quero que isso acabe. — A frase saiu mais rápido da minha boca do que eu pensava que era possível.
— Eu também não, mas você sabe, já tenho uma passagem e data de volta para Chicago. — Ela respondeu, fechando os olhos e soltando um suspiro. — Vamos para casa?
— Sim, você não terminou de maratonar O Senhor dos Anéis. Acha que eu não percebi que me enganou com essa história de tomar sorvete?
— Ah, eu não fiz nada.
O som da risada de invadiu o carro, o que me fez rir junto. Os olhos fechados toda vez que ela sorria e ria me encantava ainda mais, eu estava perdidamente apaixonado por .


Escutei duas batidas no vidro do carro, o que me fez balançar a cabeça e sair daquele limbo de lembranças que eu não conseguia esquecer. Abaixei o vidro do carro, esperando para ver quem era, e me encarava do lado de fora.
— Tá tudo bem? Você tá aqui faz dez minutos e não saiu do carro. — Ela mordeu o lábio, nervosa, me encarando em busca de uma resposta.
— Sim, já estou indo. — Vi quando ela balançou a cabeça e entrou na sorveteria de novo.
Boston estava terrivelmente frio, me arrependi no minuto que sai do carro e não lembrei de pegar um moletom, tive que me conter apenas com o casaco. estava sentada numa mesa próxima da janela com uma xícara de café em mãos, sentei em sua frente e pedi um café preto forte, eu também precisava de um pouco de coragem.
— Oi, .
— Oi, . — tomou um gole do café e estava prestes a falar quando eu a interrompi.
— Desculpa por ontem, eu sei que passei dos limites.
— Tudo bem, eu só não queria que tivesse sido daquele jeito. Eu estava disposta a contar, eu juro. — Os olhos de brilhavam demais, eu sabia que ela estava segurando o choro. Segurei sua mão por cima da mesa, acariciando. — Ela está ansiosa para te conhecer, você quer ir lá em casa?
— Ela está sozinha em casa? — Perguntei, após perceber que nós já estávamos tempo demais fora de casa. — Se Jas estiver sozinha, ela deve estar precisando de alguma coisa. É melhor irmos.
— Calma, a Tiffy está com ela na minha casa.
— Como ela é? — Perguntei de repente, eu não fazia ideia de como esse encontro seria, mas queria conhecê-la um pouco antes.
— Ela é linda, parece com você. — estava mexendo no celular e nem se deu conta do que acabou de falar, o que me fez rir. Se fosse alguns anos atrás, ela nunca admitiria isso. — Eu carreguei nove meses para ela nascer a sua cara.
me entregou o celular, mostrando uma sequência de fotos de Jasmine.
— Ela tem seus olhos. — Comentei, prestando atenção nas fotos.
— Ela é um pouco teimosa também, mas acho que isso ela herdou de nós dois.
— Foi de você, com certeza.
O som da risada de fez meu corpo relaxar instantaneamente, o que fez eu me sentir ainda pior por ter gritado com ela na noite anterior.
— Eu preciso ir, Tiffy tem que sair e a Jas não pode ficar sozinha. Você quer ir comigo? — Me dei conta que não tinha respondido quando ela perguntou da primeira vez, provavelmente estava encantado demais com as fotos de Jasmine.
— Eu quero, é claro que eu quero. — Respondi rápido.
— Ok, vamos.
Caminhamos até meu carro em silêncio, tinha ido a pé por ser perto de sua casa, mas eu não a deixaria voltar sozinha. Ainda era possível conviver civilizadamente por alguns minutos que fosse. Estávamos deixando todas nossas diferenças de lado pelo bem de Jas, por mais que eu não soubesse exatamente o que fazer. Senti um frio na barriga assim que estacionei em frente ao seu prédio, a noite passada passava pela minha cabeça mais uma vez.
— Você está arrependido? — A voz de soou baixa, seus olhos me encaravam procurando alguma resposta.
— Não, estou com medo.
— O medo me impediu que eu voltasse pra Boston antes e te contasse sobre a Jas. Não precisa ter medo, Jas vai te surpreender para caramba. Você deveria ter visto o sorriso que ela abriu quando eu contei de você.
— Eu deveria ter visto muita coisa. — Eu não conseguia não soar amargurado.
— Eu sei, desculpe.
— Vamos logo, a Jas está esperando por nós.
abriu a porta do apartamento, assim que nós dois entramos, dois pares de olhos encararam a gente. Tiffy estava sentada ao lado de Jasmine e a garotinha me analisava com os seus olhos castanhos redondos; na verdade, e Tiffy faziam a mesma coisa que Jas, e eu não conseguia mover um músculo sequer. Quando Jasmine levantou do sofá e caminhou em minha direção, meus pés pareciam que estavam congelados no chão. Ela me analisava por inteiro, como se eu fosse uma espécie de objeto que ela ainda não sabia como usar. Ela passou a mão pelo queixo e olhou para , chamando a mãe com o dedo indicador. se abaixou e esperou que Jasmine falasse algo em seu ouvido, a mulher tentava controlar o riso enquanto ouvia o que Jas estava falando. Olhei para Tiffany, mas ela deu de ombros com um sorriso no rosto. O pânico deveria estar estampado na minha cara, porque as duas mulheres mais velhas estavam tentando não rir, enquanto eu ficava cada vez mais nervoso.
— Por que você não pergunta para ele, filha? — disse, carinhosa, para a menina, alisando os cabelos rebeldes que caíam por seu rosto. Jas parou ao meu lado com a mão no queixo.
— Você quer conhecer a minha coleção de ursos de pelúcia? — Jas estava com a cabeça inclinada para o lado, esperando por uma resposta minha.
— É claro que eu quero, Jas. — Uma lufada de ar saiu junto com minha resposta. Ela pareceu contente e me puxou pela mão, seguindo para o corredor onde ficava o seu quarto. — O seu quarto não é rosa. — Eu estava parecendo um idiota pelas constatações óbvias que eu fazia, mas Jasmine com toda sua inocência não percebeu a surpresa em minha voz.
— Não, minha cor favorita é azul. — Ela disse, sorrindo, pegando alguns ursos de pelúcia de sua estante. — Olha, esse é o Timão, o Pumba, o Simba, a Nala…

Capítulo 03



Encarei Jas caminhar pelo corredor até seu quarto, a fim de mostrar para todo o seu pequeno mundinho. Eu queria poder tirar aquele sentimento de solidão que começava a me assombrar novamente, mas era mais forte que eu; o medo de ser trocada, mesmo sabendo que Jas nunca faria isso, estava de volta.
— Não, deixe eles ficarem um pouco sozinhos. — Tiffy segurou meu braço quando eu fiz menção de ir atrás. — Eu preciso ir embora, mas tentem não se matar ou fazer outro filho, porque foi isso que vocês fizeram a última vez que ficaram sozinhos.
— Tiffany! — Eu odiava quando minha amiga esfregava na minha cara as coisas que eu tinha feito no passado, e ela sempre fazia isso quando tinha oportunidade.
— É brincadeira, você sabe. Só a última parte que não. Te amo. — Ela me deu um beijo no rosto e foi até o quarto de Jas, se despedindo da minha filha em seguida.
Resolvi seguir o conselho de Tiffy, e tentei me distrair com outra coisa, talvez arrumar a cozinha fosse uma boa ideia. e Jas pareciam estar se divertindo bastante, eu conseguia ouvir as risadas dela quando entrava no personagem e eles brincavam com os ursos de pelúcias, era o que parecia, pelo menos. Era domingo à tarde, estava frio e nevando lá fora, assim como no dia anterior. Decidi fazer um bolo de chocolate para que pudéssemos tomar café da tarde e ficar um pouquinho mais juntos.
— Hum, que cheirinho bom. — Jas apareceu na cozinha quando eu terminava de preparar a cobertura de chocolate.
— Como se eu não soubesse que existe uma formiguinha nessa casa. — Minha filha sorriu, lambendo os beiços em seguida e de olho no bolo em cima da pia. — Vocês querem com ou sem cobertura?
— Com! — Os dois responderam ao mesmo tempo. apareceu no cômodo logo depois de Jas, sentando ao seu lado na mesa.
— Espera, se você é meu pai...— Eu estava de costas quando Jasmine começou a falar, um frio na boca do meu estômago começou a aparecer junto de sua fala. — Qual o seu nome mesmo?
Me virei, esperando que respondesse a pergunta da nossa filha. Jas estava com o cotovelo apoiado na mesa e sua cabeça inclinada para o pai, olhando-o curiosamente.
, . — Ele respondeu, sorrindo para ela, pelo menos a sua cara de pânico já tinha sumido.
— O meu é Jasmine . — Minha filha respondeu, como se ele não soubesse.
— Em breve vai ser Jasmine . — respondeu, Jas abriu um sorriso, mesmo sem entender o que o pai quis dizer com aquela frase.
— O bolo está pronto. — Coloquei dois pratos na mesa e um copo de leite para Jas, para que eles mudassem de assunto. — Você quer café ou leite?
— Leite. — respondeu, começando a comer o bolo pela parte sem cobertura, do mesmo jeito que Jas estava fazendo.
— Mamãe, podemos assistir O Rei Leão depois?
— Hum, por que não assistimos A Pequena Sereia hoje? Assistimos o Rei Leão ontem, filha.
— Tudo bem. — Jas se concentrou no seu bolo, mas me encarava.
— Você quer ficar e assistir com a gente?
— Claro. — Ele sorriu para Jas, ela mostrou o seu sorriso banguela e a boca suja de chocolate. Jas estava encantada por ter por perto, me surpreendia por ela estar quieta até agora.

(...)


Jas dormia no sofá com a cabeça no meu colo quando os créditos do filme começaram a rolar pela tela. estava na ponta do sofá, assistiu todo o desenho junto com a gente; mesmo com Jasmine fazendo comentários o filme todo, ele não reclamou uma única vez, aliás, fazia comentários dos personagens junto com ela.
— Posso colocá-la no quarto? — falou baixo, apenas para eu escutar.
— Claro. — Logo que pegou-a no colo, Jas se aconchegou ainda mais, os bracinhos pequenos se fecharam ao redor de seu pescoço. Liguei a luminária para o quarto não ficar totalmente escuro enquanto a colocava na cama; não pude deixar de perceber quando ele deu um beijo na testa de Jas, aquilo me fez sorrir. Caminhamos de volta para a sala, em silêncio, esperei que falasse alguma coisa, mas acho que tinha sido muita informação para um dia só.
— Então, o que achou dela? — Mordi meu lábio, nervosa, não estava pronta se ele falasse algo negativo.
— Ela é... Incrível. Caramba, Jas é incrível. — Ele sorriu, e eu senti uma onda de alívio me invadir. — Você estava certa, ela me surpreendeu para caramba. Achei que não ia gostar de mim.
— É impossível não gostar de você. — Deixei escapar, mas a essa altura, isso não era mais segredo.
— Eu lembro que você não gostava, e olha onde fomos parar, nós fizemos uma filha juntos. — Agora eu entendia o porquê e Tiffy eram melhores amigos de infância, eles falavam tudo na lata.
— Mas, enfim, eu não posso ser hipócrita e dizer que não estou magoado por você ter me privado disso tudo. A minha cabeça está fervendo agora, para ser bem sincero.
— Eu sei. — Não havia desculpas que pudessem fazer me perdoar, eu sabia disso. — Eu não sei se você vai me perdoar algum dia, mas não desconte sua raiva nela. Jas é o bem mais precioso que eu tenho, é tudo que eu tenho, não quero vê-la magoada por um erro que eu cometi.
— Eu nunca seria capaz de magoá-la.
Podia ser o cansaço do dia falando mais alto, mas tive a impressão de não estar falando somente de Jas, mas ignorei. Eu não queria nenhuma chama de esperança se acendendo dentro de mim, mesmo que eu ainda amasse com todo o meu coração o homem que estava sentado na minha frente.
— Eu posso voltar amanhã? — era uma caixinha de surpresa, agora eu tinha certeza de que Jasmine era uma versão miniatura do pai.
— Espera um pouquinho aí. — Caminhei até meu quarto, pegando o papel com as anotações que fiz mais cedo. — Eu anotei o endereço da escola da Jas e outras informações que você precisa saber sobre ela. Ela é alérgica a corante e intolerante a lactose, mas tem remédio para caso ocorra alguma emergência. O endereço aqui de casa você já sabe e meu número também.
— Tem uma caneta aí? — Alcancei o objeto para ele, apoiou o papel no sofá. — Quando a Jas faz aniversário?
— 12 de julho.
— E você?
— 23 de setembro, por quê? — Eu não estava entendendo toda aquela curiosidade.
— Nós temos uma filha juntos e eu não sei que dia é seu aniversário, .
... — Suspirei, cansada, seria uma batalha perdida discutir com ele. — Você pode aparecer sempre que quiser, Jas vai ficar feliz em vê-lo.
— Você sabe que temos pendências burocráticas para resolver, não sabe? — Apesar de ter mudado de assunto, o tom de sua voz ainda era baixo, posso dizer que até um pouco cauteloso ao tocar naquele assunto.
— Eu sei. O que pretende fazer? — Eu estava morrendo de medo da resposta, mas por mais que doesse, eu precisava encarar aquilo tudo de uma vez por todas.
— Quero que a minha filha tenha o meu sobrenome, o resto vai depender da nossa convivência.
— Você pretende pedir a guarda dela?
— Eu não posso prometer nada. — Engoli em seco, torcia para que aquilo nunca acontecesse, mas agora ele estava deixando claro que existia essa possibilidade. — Espero que você entenda.
— Isso é a única coisa que eu não quero e não vou entender. Mas não vamos discutir mais isso ou pode acontecer uma briga pior que a de ontem.
— Tudo bem, é melhor eu ir para casa. Amanhã eu apareço aqui para ficar mais um pouco com vocês. Qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, me liga.
Caminhamos até a porta, aquele assunto não levaria a nada a não ser outra discussão, nós sabíamos disso.
— Tudo bem, é melhor você ir agora, tá tarde mesmo. Boa noite, .
— Boa noite, . — me deu um beijo na bochecha, o que fez aquela região esquentar com seu toque. Quanta saudade.
Fechei a porta atrás de mim assim que o vi entrar no elevador, respirando aliviada por tudo ter ocorrido bem. O problema é que suas palavras da noite anterior ainda me machucavam.

“Eu teria pego a porcaria de um avião na mesma hora e ficado ao lado da mulher que eu sempre amei. Agora, eu não sei se consigo olhar para sua cara.”

Fui até o quarto de Jas, minha filha ainda dormia tranquilamente. O rosto tão sereno enquanto dormia me fez pensar se um dia Jas escolheria a mim; eu não sei qual seria minha reação se isso acontecesse, mas o medo sempre tomava conta de mim nesses momentos. Acabei adormecendo ao lado da Jas, em sua cama, e dormimos abraçadas.

***




Saí do escritório mais cedo, tinha planejado trabalhar em casa para poder passar mais tempo com Jas, mesmo que isso me custasse menos horas de sono. Ter descoberto de uma hora para outra que eu tinha uma filha não foi a coisa mais fácil do mundo, mas Jasmine me surpreendeu e qualquer esforço que eu fizesse por ela, valeria a pena. Estávamos próximos do Natal, eu não sabia ainda como ia funcionar, mas sabia que era importante que ela passasse a data com , mesmo que eu também quisesse ficar junto dela.
Eu e tínhamos voltado à estaca zero, apesar de termos uma filha juntos, era como se fossemos apenas dois conhecidos. Nos falávamos quando necessário e tudo envolvia Jas, nunca tocamos no assunto sobre o nosso passado e todas as vezes que eu tentei, mudou de assunto; entendi que a melhor opção era deixar aquilo enterrado por enquanto.
— Será que você lembra ainda que tem uma melhor amiga? — Vi Tiffy entrar na minha sala assim que desliguei o computador e estava quase saindo do escritório.
— Eu lembro, ‘tô indo ver a Jas, vamos? — Ela fez que sim com a cabeça, sorrindo.
— É sobre isso mesmo que eu quero falar com você. Como vocês estão?
— Acho que bem. Jas me surpreende todos os dias, é um desenho novo, é uma novidade da escola, qualquer coisa que ela fala me deixa fascinado. Principalmente, por ela querer me contar, sabe? Eu fiquei tanto tempo ausente e ela gosta de mim.
— Ela é assim, ela é igualzinha a você.
— Eu não posso nem discordar, porque ela é sim. — Tiffy sorriu. Assim que as portas do elevador se abriram, cada um ficou num canto, de frente para o outro. — Fala logo, Tiffy.
— Eu ‘tô muito feliz que isso está finalmente acontecendo. — Ela apertou os lábios, pensando se deveria continuar o seu pensamento. — O meu maior medo sempre foi você e a se matarem antes de tudo; eu conheço vocês dois melhor do que qualquer pessoa, mas é bom ver que vocês estão se entendendo.
— Na verdade, só estamos varrendo nossos sentimentos para baixo do tapete e focando no que é melhor pra Jas.
— Sim, porque você gritou com ela quando descobriu tudo, isso não facilita muito as coisas. Não pense que eu não sei o que você disse, eu sei de tudo, . — Os olhos estreitos de Tiffy me encarando indicavam que eu estava um pouco encrencado, mas ela não podia fazer nada no momento, nem eu podia.
— Não tem como esconder nada de você, né? — Tiffy balançou a cabeça, negando, me empurrando pelos ombros quando chegamos no estacionamento. — Eu sei que ela te ama, mas lembre que você não ouviu isso de mim.
Tentei ignorar as palavras de Tiffy, mas aquilo acendeu uma chama de esperança em meu peito, eu só precisava fazer a coisa certa e não deixá-la escapar, como da última vez. Dirigi até a casa de , com uma caixa de chocolates em mãos, pois sabia que Jas gostava. Entretanto, a cena que encontramos abrir a porta era bastante incomum para o que estava acostumado a encontrar.
— Jasmine, eu já mandei você tomar banho. — tentava não gritar com a nossa filha, mas o seu rosto já adquiria um tom de vermelho, indicando que ela estava prestes a explodir.
— Mas eu não quero, mãe. — Jas correu pelo sofá e foi atrás, porém, estava molhada, enrolada na toalha de banho, e quando começou a correr pela casa, o piso molhado a fez escorregar, batendo com as costas no piso de madeira.
— Aí, não acredito. — gemeu de dor. — Não adianta se esconder atrás do seu pai, vai para o seu quarto agora. — Jas estava escondida atrás da minha perna.
— Mas…
— Agora, Jasmine .
— Eu odeio você.
Os olhos de se arregalaram na mesma hora e acredito que eu e Tiffy ficamos do mesmo jeito. Em seguida, se levantou do chão, apertando a toalha em seu corpo, e secando a lágrima que deixou escorrer por sua bochecha.
— Eu já volto, vou me trocar. — Ela falou baixo. Mas, ao contrário do que disse, ela não voltou para a sala. A janta estava pronta, eu e Tiffy organizamos tudo que era necessário, mas nem e nem Jas saíram de seus respectivos quartos.
— Jas, é o papai, abre a porta, princesa. — Bati duas vezes, sem sucesso. — Vamos conversar, Jas.
— A mamãe vai entrar também? — Ela perguntou, sem abrir a porta.
— Não, princesa, vai ser só eu e você. — Respondi baixo, a porta do quarto de ainda estava fechada. Escutei quando o trinco da porta de Jas fez o clique e eu empurrei-a, entrando no cômodo em seguida. — Jas, vem aqui, o papai quer conversar com você. — A chamei para sentar ao meu lado, ela estava emburrada e com os braços cruzados, sentada no meio da cama.
— Mas, pai… — O bico em seu rosto ficou ainda maior, mas eu perdi todo o meu raciocínio quando a escutei me chamar de pai. Era a primeira vez que Jasmine me chamava assim, eu poderia explodir de tanta alegria agora mesmo, mas guardei toda essa felicidade em meu peito para ter a conversa séria que eu precisava ter com ela no momento.
— Filha, vem aqui. — Ela entendeu e sentou ao meu lado. — O que aconteceu mais cedo?
— A mamãe disse para eu tomar banho e eu não quis. — Ela disse um pouco contrariada, ainda de braço cruzado.
— Você sabe que isso é errado, não sabe? Sua mãe trabalhou o dia todo, filha, agora já é tarde e você ainda tá fedorentinha por causa da birra.
— Desculpa. — Ela disse, emburrada.
— Não é para mim que você tem que pedir desculpa, princesa, você lembra o que disse para sua mãe? Isso a deixou magoada, você quer que ela fique magoada com você?
— Não. — Jasmine era igual quando sabia que estava errada, não dava o braço a torcer tão rápido.
— Vamos tomar banho e pedir desculpa para mamãe então? — Demorou alguns minutos para que Jas concordasse e a gente pudesse sair do quarto.
Eu não sabia exatamente o que separar para Jasmine vestir, mas como o horário do jantar já havia passado, acabei escolhendo um pijama quente para ela vestir. Prendi os cabelos dela num coque no alto da cabeça, como já tinha visto fazer algumas vezes, ela me mataria se eu molhasse o cabelo de Jas àquela hora da noite. Depois de pronta, peguei Jas pela mão e batemos na porta do quarto de ; eu não sabia como ela iria reagir, mas esperava que não tivéssemos outra briga. Bati na porta duas vezes, conforme havia feito mais cedo com Jas.
— Já vai. — Alguns segundos depois a porta foi aberta. estava com o rosto inchado e eu sabia que ela estava chorando.
— Jas, o que nós combinamos? — Olhei-a para que ela saísse de trás da minha perna.
— Mamãe, você me desculpa? Eu não te odeio não, eu te amo muito, muitāo. — Jas abriu os braços, como se estivesse medindo o tamanho do seu amor pela mãe.
— É claro que eu te desculpo, meu amor. A mamãe também te ama muitāo. — pegou a nossa filha no colo, abraçando e beijando Jasmine. — Hum, tá cheirosinha agora, a tia Tiffy te deu banho?
— Não, foi o papai. — Ouvir aquela palavrinha sair da boca da minha filha de novo, fazia meu estômago dar mil voltas.
— Ah é, e o pap… Jas, o que você disse?
— Que o papai me deu banho, mamãe. — Jas não percebeu o choque de , mas eu sim, e aquilo me deixou um pouco apreensivo. Por fim, os olhos de encontraram com os meus, ela estava boquiaberta, mas só pude dar um sorriso como resposta.
— Vamos jantar? Eu ‘tô morrendo de fome.
Quando chegamos na cozinha, o cômodo já se encontrava vazio e nem sinal de Tiffany, um bilhete estava pendurado na geladeira.

Achei que seria melhor voltar outro dia. Não façam besteira, amo vocês.
P.s: tem chocolate para Jas na geladeira. Mas você sabe, se não se comportar, não ganha.
Amo vocês.
Tiffy


Ri ao terminar de ler o bilhete, Jas estava na sala prestando atenção no desenho animado que passava na televisão. Quando me dei conta, estava me encarando com um sorriso no rosto, e pelo jeito ela gostava de me surpreender tanto quanto Jas.
— Quer passar a noite aqui?

Capítulo 04

Os meses passavam rápido quando eu estava com Jas ou , ou as duas juntas, mas eu estava adorando tudo de novo que Jasmine trazia para a minha vida. Nada mais era tão simples como antes, mas cada sorriso no rosto da minha filha me lembrava que eu estava fazendo a coisa certa.
Naquela tarde de inverno, ainda estava no escritório e me avisou que chegaria mais tarde, não me importava de ficar em seu apartamento com Jasmine, mesmo que ela tivesse pedido para fazer biscoitos e eu tive que dar a triste notícia de que não sabia cozinhar. A partir de então, ela insistiu para montarmos a árvore de Natal e não sossegou até que eu dissesse sim. No fim, foi muito divertido, embora cansativo também.
— Cheguei. — disse assim que entrou no apartamento. Jas correu até a mãe para abraçá-la.
— Olha, mamãe, nós montamos a árvore de Natal.
— Ah, não acredito, vocês montaram sem mim. — Ela fez um bico, fingindo estar triste para Jas.
— Desculpe, se eu soubesse que gostava, eu tinha esperado você chegar.
— Não tem problema, eu não gosto. — disse baixo quando viu Jas correr para o quarto. — Ah, eu tenho uns vídeos da Jas quando nasceu, você quer ver?
— É claro. — Respondi, animado.
— Ok, depois do jantar, eu coloco. Você fez janta?
— Sim, tem Strogonoff pronto.
— Que delícia, eu já volto. — correu para o seu quarto. Aproveitei para colocar a mesa para o jantar enquanto ela não voltava. Aquela situação era bem familiar, para ser sincero, quase como um déjà vu. Sorri comigo mesmo, deixando os sentimentos daquela memória virem à tona.

(...)


Nós estávamos terminando de assistir Harry Potter, por muita insistência de , eu e Jas aceitamos, mas nós dois não gostávamos. Como o esperado, Jasmine já estava dormindo no sofá e avisou que colocaria os vídeos para eu ver, então peguei nossa filha e a coloquei para dormir em seu quarto. Deixei a luminária acesa e a porta encostada, do mesmo jeito que fazia. Eu já estava acostumado com aquilo, nas poucas vezes que Jas dormiu no meu apartamento, o ritual era o mesmo. Ela nunca dormia no escuro, isso era pedir para Jasmine acordar no meio da noite chorando. Mas antes que eu pudesse voltar para a sala, escutei o choramingo dela e voltei para acalmá-la, o que a fez pegar no sono novamente.
Quando voltei para sala, estava encarando a televisão, mas lágrimas rolavam pelo seu rosto. Olhei para a televisão e um vídeo gravado rolava pela tela, era Jas dando seus primeiros passos com a mãe de a segurando pelos braços. Senti um nó na garganta ao ver o vídeo, pensando no quanto sentia falta da mãe e que Jas não teve a avó ao seu lado por muito tempo. secou o rosto com a manga do blusão assim que me viu parado, próximo do balcão da cozinha.
— Foi só um sonho, ela já voltou a dormir. — desligou a tv, balançando a cabeça concordando com o que eu disse.
— Já tá tarde… Você… É melhor você ir. — Ela disse por fim, olhando o relógio da cozinha, mas ele marcava nove horas ainda. Não era realmente tarde, mas também não era tão cedo, eu normalmente já tinha ido embora essa hora, se fosse um dia normal. — Não foi uma boa ideia ter colocado os vídeos, podemos ver outro dia?
Juntei o resto de coragem que eu ainda tinha e me aproximei dela, a puxando para um abraço. Sentir seu corpo tão colado ao meu depois de tanto tempo, sentindo o seu cheiro e seu toque, fez meu corpo inteiro estremecer; mas senti quando o mesmo aconteceu com o corpo de , ela entrelaçou seus braços na minha cintura e ficamos parados ali por longos segundos, sentindo o toque um do outro. Minha camisa começou a ficar molhada alguns minutos depois e um soluço escapou da boca de , fiz um carinho em seus cabelos, e ela foi se acalmando aos poucos. Não nos desgrudamos em nenhum momento, a saudade falava mais alto; toda vez que suas mãos passeavam pelo meu corpo, um formigamento começava naquela região que seus dedos deixaram rastros.
— Quando eu era pequena, meu pai viajava a trabalho, toda vez que ele voltava, nós íamos para o sítio da minha avó e ficávamos lá até que ele tivesse que viajar de novo. — A voz embargada de soou baixo, mas deixei que ela continuasse. — Mas teve uma viagem que ele não voltou. Perguntei para minha mãe se ele voltaria na próxima semana, mas ela não sabia me dizer; não sei dizer quantas vezes escutei minha mãe chorar baixinho em seu quarto durante a noite. Então, eu esperei que ele voltasse na outra semana, e na outra, e na outra, mas ele não voltou. Com o tempo, entendi que meu pai tinha arranjado outra família; antes da faculdade, minha mãe me contou o que ele disse, naquela noite que ele voltaria para casa, quando ele ligou para ela. Ele estava cansado da gente, e decidiu que não voltaria mais.
— Eu jamais faria isso com vocês. — A apertei em meus braços ainda mais, não fez menção de sair.



— Eu estava com medo, medo que tudo isso se repetisse e Jas saísse machucada. — Respondi, inalando o perfume que eu tanto sentia falta. Os braços de me apertavam cada vez mais, mas eu não queria sair dali, estava me sentindo segura outra vez.
… — Ele puxou meu rosto delicadamente, me encarando nos olhos. O meu ponto fraco. — Eu nunca vou sair do lado de vocês, não importa o que aconteça.
Nossos rostos estavam tão colados que eu podia sentir o hálito fresco de , sua respiração batendo contra a minha e minha boca ansiando para ir de encontro a sua, como nos velhos tempos. Acho que o mesmo acontecia com , já que ele fez o favor de acabar com toda aquela distância. Sentir o seu gosto depois de tanto tempo foi como se o meu corpo tivesse tomado um choque elétrico, a corrente que passou pelo corpo foi instantânea. Eu queria aquilo, eu queria muito aquilo, e estava acontecendo.
Nunca achei que fosse encontrar alguém que se encaixasse tão bem em mim, mas todas as partes de pareciam fazer esse trabalho perfeitamente. Como se o meu corpo tivesse sido desenvolvido exclusivamente para se encaixar ao meu. Suas mãos foram descendo pelo meu corpo, até encontrar a parte de trás das minhas coxas; um suspiro sôfrego escapou dos meus lábios quando entrelacei as pernas em sua cintura, e se movimentou de forma que eu sentisse sua ereção.
— Tem certeza que quer continuar? — Reuni todas as forças, que eu não sabia que tinha, e desgrudei minha boca da sua. Eu sabia que eu queria, mas precisava ter certeza que ele não fosse se arrepender na manhã seguinte.
— É o que eu mais quero.
— Para o meu quarto então.
Seguimos aos tropeços até o fim do corredor, entrando na última porta. Nossos corpos fervendo imploravam por mais contato, mas as roupas pareciam não querer nos ajudar muito. Me livrei do vestido que estava usando enquanto terminava de desabotoar a camisa, eu o ajudava a se livrar do cinto e da calça que ele usava. A cada toque de em meu corpo, o formigamento vinha em seguida, deixando rastros por onde suas mãos passavam. Lembrei dos momentos em que ficamos sozinhos, anos atrás, no apartamento de Tiffy, a sensação ainda era a mesma. O seu gosto, o seu cheiro, tudo em permanecia igual, principalmente, o poder que ele ainda tinha sob meu corpo.
Deixei que ele me dominasse, dominasse o meu corpo, que tivesse total controle da situação, nem que fosse a última vez que fizéssemos aquilo. Mas naquela noite, e só por aquele momento, eu queria que fosse o motivo da minha frenesi.

A campainha da minha casa tocava sem parar. Com certa dificuldade, consegui encontrar as peças de roupas da noite passada e vesti-las rapidamente. Quem quer que fosse, não estava disposto a ir embora. Abri a porta antes que soasse alto pela casa e Jas acordasse antes da hora. Um homem estava parado no lado de fora, esperando para ser atendido.
— Bom dia, em que posso ajudá-lo? — Mesmo contra minha vontade, perguntei educadamente.
—Bom dia, preciso que assine essa intimação e compareça no local indicado para a audiência.
— Audiência, do quê? — As palavras se embaralhavam em minha cabeça, aquilo não fazia sentido algum. Encarei o homem, mas ele não sabia explicar.
— Eu só faço a entrega, por favor, preciso que você assine aqui. — Balancei a cabeça, concordando, sem prestar muita atenção, assinei o papel e fechei a porta assim que ele foi embora.

“Art. 1.584. A guarda unilateral ou compartilhada..”

Não, aquilo não podia estar acontecendo. Não depois de tudo, não depois de ontem. Minhas mãos tremiam ainda mais conforme eu lia cada palavra daquele papel. Ele estava fazendo a única coisa que eu havia pedido para não fazer, eu praticamente implorei para não tirá-la de mim, e era isso que ele estava fazendo.
— Quem era? — Escutei me perguntar, mas eu não consegui responder. Seus olhos desceram para minhas mãos, fixando-se no papel, ele sabia o que era. É claro que sabia, já devia ter pegado um papel daqueles um milhão de vezes nesses anos todos trabalhando no escritório.
, em algum momento que esteve comigo, você foi feliz? — Eu precisava saber, eu precisava tirar aquela dúvida de mim, precisava entender porquê ele estava fazendo aquilo comigo. Mas a resposta que eu queria não veio, me encarava, sério, vi sua boca abrir algumas vezes, mas nenhuma resposta saiu de lá. — Pegue suas coisas e saia da minha casa.
… — Não deixei que ele se aproximasse de mim.
— Nos vemos no tribunal, .



Fim!



Nota da autora: Lana e Connor tiveram uma continuação — nem tão feliz assim —, mas eu tô ansiosa pra saber o que vocês acharam.
Antes que me matem, VAI TER CONTINUAÇÃO SIM! Ela já está sendo escrita e vai entrar no próximo perdidos, aguardem o Perdidos #6 e veremos se eles terão o tão sonhado final feliz.
Eu espero que vocês tenham gostado tanto quanto eu, e sofrido também. Esse final acabou com toda a minha saúde, mas valeu a pena.
Para acompanhar as minhas outras histórias, você pode entrar no meu grupo e receber alguns spoilers, o link está aqui embaixo.
Até a próxima <3

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