Última atualização: Fanfic finalizada.

Parte Um

150 dias se passaram desde que terminou comigo.
Tentando seguir o manual de superação pós término, fingia todos os dias que estava bem e que o fim do relacionamento não tinha me afetado tanto quanto eu achava que afetaria, mas eu estava mentindo. Eu era uma celebridade famosa, fazia parte do The Four Colors e era um exemplo para milhares de fãs jovens, é claro que eu tinha que fingir que estava bem. O tempo todo. Para todo mundo, incluindo minhas próprias amigas que, para minha sorte, faziam parte da banda junto comigo. Quando estava sozinha, eu chorava e encarava fotos antigas na tela do meu celular, que eu tinha jurado para Kenzie que eu tinha apagado, mas não tive coragem. tinha sido importante para mim por tempo demais e era tudo o que eu idealizei em um relacionamento perfeito. Não tínhamos problemas, não brigávamos muito, gostávamos das mesmas coisas. Eu o amava.
?
Parei de encarar a tela do celular e fechei o Instagram, levantando o rosto na direção de Jamie. As outras estavam jogadas no sofá, em lados opostos, tão entretidas no celular quanto eu estava, mas Jamie gostava de passar o tempo de outra maneira. Tínhamos acabado de finalizar um show e eu estava tão cansada quanto elas.
— Oi — respondi, olhando-a.
Jamie era a mais nova do grupo. Os fãs costumavam chamá-la de mascote, tanto por sua idade quanto por sua altura. Ela estava sentada na cadeira, de costas para o espelho, me encarando com os olhos brilhantes e eu sabia que ela estava prestes a pedir alguma coisa. A parte mais ruim de finalizar um show e estar cansada era que Jamie tinha mais energia extra.
— Podemos passar no drive-thru do McDonalds e pedir hambúrgueres duplos? — sugeriu, como se não estivesse um pouco tarde da noite, mas isso não era nenhum empecilho para ela. Eu desconfiava que nada era. — E depois chorar vendo filmes românticos?
— Não — respondi rápido demais, fazendo com que Kenzie e Haven levantassem os olhos para me encarar.
— “Não” para o McDonalds ou para o filme? — Jamie questionou, confusa.
Eu preferia chorar vendo os filmes sozinha. Jamie podia ser um pouco lerda na maior parte do tempo, mas eu tinha certeza de que ela não era burra a ponto de não notar que eu ainda estava bem mal por causa do . Não queria criar um alarde para a banda inteira ficar de olho em mim, esperando que eu despedaçasse como se fosse de vidro.
Eu podia lidar com o fim de um relacionamento. Não era a primeira vez, afinal. E eu tinha certeza de que não seria a última, mas não tinha doído tanto das outras vezes.
— Para o filme.
— Algum motivo específico? — Kenzie questionou, a sobrancelha arqueada, como se me desafiasse a falar. De todas, ela era a mais esperta de nós.
— Só estou cansada — respondi, o que não era totalmente uma mentira.
— Então você vai comigo? — a mais nova voltou a me perguntar.
Desviei os olhos de Kenzie para encarar Jamie e deixei um suspiro escapar quando percebi que eu não conseguiria dizer não para ela. Eu sabia que ela gostava de sair escondida assim porque achava divertido se disfarçar e se enturmar no meio dos fãs, mas, sinceramente, eu não estava com humor para aquilo.
Nem para nada, ultimamente. Até fingir tudo estava me cansando, mas como eu precisava de uma distração para me livrar da tentação de stalkear o perfil de , eu cedi.
— Sim — aceitei.
Haven largou o celular, levantando do sofá para se livrar da maquiagem. Ela era tão alta que Jamie parecia fazer parte do grupo dos sete anões de Branca de Neve. O pensamento me fez sorrir minimamente.
— Como você tem tanto pique, pelo amor de Deus? — Haven indagou para a mais nova, como se tentasse desvendar um dilema. — Ensaiamos o dia inteiro e acabamos de fazer um show de duas horas, com coreografias! Estou morrendo por dentro e vou xingar a Clarisse se ela demorar mais um pouco.
Jamie, no entanto, apenas respondeu com um dar de ombros.
— Eu não sei por que você continua insistindo nessa questão — Kenzie se intrometeu, sem desviar o olhar da tela do seu celular. — Anos convivendo juntas e ainda não percebeu que ela não é normal.
Haven começou a rir, mas Kenzie foi acertada com um frasco de batom, protestada por Jamie.
Eu amava aquelas meninas. Tinham se tornado a minha família desde que fui embora da cidade dos meus pais para tentar a vida na cidade grande.
— Deixem a mascote em paz — impliquei, recebendo um olhar indignado da mais nova.
Teríamos continuado a implicar com ela, mas Clarisse abriu a porta, entrando no camarim logo em seguida. Ela tinha um sorriso radiante no rosto e desejei que sua animação me contagiasse.
— O show foi um sucesso, meninas! — ela exclamou, a voz adotando um tom mais alto de animação. — Vocês arrasaram tanto que acabei de receber uma proposta!
Nos entreolhamos, desconfiadas. Geralmente, as notícias eram boas, mas nosso último ano tinha sido tão cheio de shows e turnês que tudo o que nós quatro estávamos desejando era um tempo de férias e descanso. Se nossa agente falasse que a proposta tinha a ver com estender mais ainda o período de turnê, receberia quatro expressões derrotadas como resposta.
Mesmo Jamie, com toda a sua energia extra, vinha pedindo por algumas semanas de descanso.
— Não fiquem tão apreensivas — Clarisse continuou. — É uma boa proposta.
Eu não tinha percebido que ela estava segurando folhas de papéis até ela resolver entregar uma a cada uma de nós. Peguei o meu primeiro, passei os olhos no que tinha escrito e quase não acreditei que aquilo estivesse acontecendo.
— Um documentário? — Haven exclamou, totalmente surpresa.
— Pela Netflix? — Kenzie continuou.
— Sim, sim! — Clarisse confirmou, tão animada quanto. — Eu disse que falaria com vocês sobre isso, mas eu acho que é uma ótima oportunidade para a carreira de vocês. E os fãs iriam amar!
Era um péssimo momento para receber uma proposta de documentário quando eu estava uma bagunça e estava lutando para que ninguém percebesse. Por outro lado, nossa agente estava certa quando falava que era uma ótima oportunidade para a nossa carreira e, consequentemente, para o crescimento da banda.
— Se a gente aceitar, quando precisaríamos começar? — Jamie questionou.
Clarisse parecia tranquila em responder aquilo.
— Quando retornarem das férias — ela avisou. — Eu entendo que a turnê tenha sido bastante cansativa para todas. Vocês vão precisar de um bom descanso antes de começarem a trabalhar no terceiro álbum.
E aquilo significava que eu precisava rezar por algum milagre de inspiração na minha vida para escrever as músicas, porque no meu estado atual… não iria sair sequer uma nota melódica.
— Nós aceitamos, então? — Kenzie, a mais velha de nós, indagou.
Respirei fundo. Eu seria louca se recusasse uma oportunidade como aquela.
— Sim — Jamie, eu e Haven respondemos em uníssono.
Clarisse deu um pulinho de empolgação e todas elas caíram em cima de mim, no maior abraço desajeitado do mundo. Por um momento, me senti quase feliz, como se não houvesse mais nada fora daquela bolha de felicidade que acabamos de criar.

Clarisse tinha liberado para que fôssemos para casa, descansar depois do show que tínhamos tido. Como ainda estávamos em Londres, cada uma de nós tinha uma casa própria, em bairros próximos, para facilitar os nossos encontros, assim não precisávamos ficar hospedadas em hotéis. Tinha sido um dia bem puxado, mas eu estava muito satisfeita em ver que tudo tinha dado certo e que os fãs estavam felizes com o último show dessa noite. Nós ainda tínhamos mais dois para fechar a turnê, e então podíamos finalmente ter o prazer de estender um tempo de férias. As outras meninas tinham decidido visitar os pais, mas eu estava indecisa. Eu não via meus pais há meses e talvez realmente fosse bom passar um tempo com ambos, mas eu também sentia a necessidade urgente de ficar sozinha por alguns dias. Queria poder soltar a minha tristeza em paz, sentir que eu estava uma bagunça inteira e sem vontade nenhuma de mudar o meu humor. Queria pensar em , chorar, aprender a esquecê-lo. Queria parar de fingir que o fim do relacionamento tinha me feito mais bem do que mal, queria… queria que todos soubessem a bagunça que eu tinha ficado por dentro.
— Estou pronta.
Levantei os olhos na direção de Jamie, que tinha vestido um casaco grosso por cima de uma camisa e jeans azul. O cabelo loiro estava preso em um rabo de cavalo e ela usava uns óculos de sol. Olhei para o meu pulso, fingindo verificar o horário em um relógio inexistente.
— É quase madrugada — apontei. — Tenho certeza de que não há sol lá fora.
Eu não pude ver, mas, pelo seu sorriso, soube que ela tinha revirado os olhos por trás dos óculos.
— É só um disfarce, boba — respondeu, como se fosse óbvio.
Bati na minha própria testa, encenando a minha burrice, como se eu não tivesse pensado naquela ideia. Mas Jamie ainda era Jamie, qualquer um na rua podia reconhecê-la. Desistindo de acabar com a sua alegria, dei de ombros e me levantei, pegando o meu casaco na cabine que havia atrás da porta. Vesti-o, puxando o capuz para cobrir a minha cabeça, outro disfarce inútil. Haven, Kenzie e Clarisse tinham ido embora primeiro, dispensando o nosso convite de desfrutar das gorduras do McDonalds e eu fiquei esperando Jamie trocar de roupa e se livrar da maquiagem. Naquele meio tempo, fiquei navegando pelo feed do twitter, lendo as últimas novidades que os fãs twittaram sobre o show. Tive tempo até de responder alguns, mas não consegui aproveitar muito. Seguimos pelo corredor até o estacionamento. Não tínhamos nosso próprio carro pelo simples fato de não ter tempo nenhum de ficar dirigindo por aí sozinha, mas pelo menos alugar um não fazia mal.
— Quer dirigir? — Jamie me ofereceu, balançando a chave para mim.
Parei do lado da porta do motorista e assenti, agarrando a chave que ela tinha jogado. Entrei no carro, me sentando no banco, esperando que ela entrasse e colocasse o cinto de segurança para dar partida. Eu só tinha aceitado aquela ideia porque sabia que havia algum McDonalds perto daqui. E pedir o lanche pelo drive-thru diminuía as nossas chances de sermos reconhecidas.
Ao meu lado, a mais nova resmungou algo inaudível.
— Desembucha — mandei, mantendo meus olhos na estrada, embora estivesse vazia e calma.
Jamie era a mais agitada de todas nós, o que significava que ela sempre tinha assunto para manter uma conversa e adorava ficar o dia inteiro falando sobre qualquer coisa, então quando ela optava pelo silêncio e começava a resmungar palavras incompreensíveis, eu sabia que tinha alguma coisa errada. Mesmo que ela falasse tanto, a melhor dançarina do grupo não sabia como dizer algo que realmente queria.
— Sinto você distante, — ela finalmente disse, a voz calma.
Não era o que eu esperava. Nas últimas semanas que se sucederam desde que terminou comigo, tentei sempre manter o meu melhor na relação com as meninas para que as coisas continuassem normais. Eu ainda ria, brincava, implicava. Era esperta o suficiente para também perceber os olhares preocupados que elas me lançavam. Uma vez, depois do ensaio da coreografia de This is The Beat, Jamie me encontrou no banheiro, chorando. Ela nunca disse uma palavra sobre, mas dormiu comigo por dois dias seguidos, me entupindo de chocolate amargo.
— Só estou um pouco cansada — respondi, apertando os meus dedos contra o volante.
Continuei mantendo a concentração na estrada, virando à esquerda. Jamie soltou um suspiro resignado, como se não acreditasse muito nas minhas palavras, mas o que eu podia fazer?
— Nós todas estamos — ela argumentou. — Isso não muda o fato de que você está distante.
Foi a minha vez de suspirar. Estava ficando cada vez mais difícil sustentar a mentira de que eu estava ótima.
— Jamie, eu não sei o que você quer que eu diga — fui sincera, mordendo a parte interna da minha bochecha, lançando um olhar rápido de lado para ela. — Ou que eu faça.
— Eu queria… — Ela espremeu os ombros, como se tentasse decidir o que dizer. — Sei lá, que você dividisse conosco o que está passando para que a gente te apoie, como fizemos com a Kenzie, lembra?
Entrei na fila do drive-thru e esperei o carro na nossa frente fazer o pedido. Então me virei para Jamie e estreitei os olhos.
— A Kenzie ficou uma semana seguida bebendo vinho e vodca — lembrei. Foi uma semana bem bagunçada para a banda, mas pelo menos a Kenzie ficou melhor. — Depois ela quis colocar fogo no carro do Alex.
Jamie fez uma careta, mordendo a pele do polegar, como se estivesse esquecido daquela parte de propósito.
— Não conta que ela não chegou a fazer isso? — questionou.
Eu quase sorri.
— Não — respondi, firme. — Porque nós estávamos lá.
Jamie sabia que se não estivéssemos com a Kenzie naquele instante em que ela teve a absurda ideia de destruir o carro do ex com fogo, a mais velha teria concretizado o pensamento com muito orgulho. Seria um escândalo para a banda e Clarisse enlouqueceria.
Quando pensei que Jamie fosse desistir, ela abriu a boca de novo, voltando para a sua ideia inicial de me fazer compartilhar o meu próprio sofrimento. Eu estava em uma banda e dividia muita coisa com as meninas, mas não significava que eu precisava compartilhar tudo.
— O que eu estou tentando dizer é… — ela tentou, mas eu a interrompi.
— Eu estou bem, Jamie — cortei-a, voltando a colocar as mãos no volante para seguir com a fila, mas eu não consegui fazer o carro andar.
Do outro lado da calçada, estava . A imagem dele por si só já me fazia paralisar totalmente, mas ele não estava sozinho.
? — Ouvi Jamie me chamar, mas não respondi.
Eu sabia que ela tinha seguido o meu olhar e encontrado com outra garota, porque eu a ouvi soltar o ar.
— Aquela é a…
— Trisha Cooper — murmurei, concordando.
Meu coração ficou pequeno dentro do peito e uma bola enorme se formava dentro da minha garganta. Meus olhos se encheram de água, ainda observando os dois juntos. Trisha era a atriz sensação do momento e eu até tinha acompanhado a sua série de estreia, mas não imaginava encontrá-la protagonizando uma cena romântica com o meu ex, comigo assistindo escondida dentro de um carro, na fila de um drive-thru. Meu Deus, eu me sentia patética.
— Acho que deveríamos ir, — Jamie sussurrou, acariciando o meu ombro.
Assenti devagar, sem compreender exatamente o que ela tinha me dito. Quando beijou Trisha nos lábios, meu estômago embrulhou e meus dedos ficaram brancos, de tanto que eu estava apertando o volante. Trisha se afastou dele, rindo de algo que ele disse, mas quando ela se virou, me deixando olhá-la de frente, engasguei com o ar. A atriz estava usando a mesma camisa que ele tinha me dado de presente de um ano de namoro, depois de um show no Amsterdã.
— Nossa, — sussurrei, como se não pudesse acreditar.
Pior era notar que eu não sentia ódio dele por aquilo. Também não consegui odiá-la por ter ficado linda com a mesma camisa.
Jamie me chamou mais uma vez. Dessa vez, desviei os olhos do novo casal, passei a mão pela bochecha, limpando uma lágrima teimosa que escorreu e segui a fila com o carro.
— Filmes românticos? — Jamie sugeriu novamente.
Considerando que eu queria muito uma desculpa para chorar agora, só tinha uma resposta.
— Sim.

[flashback on]


Finalizei o último estrofe de It's All About You, quase sem fôlego pela adrenalina que me envolvia. Kenzie pulava sem parar, interagindo com o público e Jamie ria, sendo abraçada por Haven. Eu estava feliz por ter finalizado mais um show completo, sem nenhum incidente. Procurei as meninas, apontando o microfone para a plateia, ouvindo os gritos animados.
— Ai, muito obrigada, Amsterdã! — gritei, em agradecimento.
Recebemos mais ovações e aplausos excitados. Como de costume, segurei a mão de Haven, ficando em uma fila reta com as outras e nos abaixamos, fazendo uma reverência em agradecimento.
Kenzie e Haven, como também era de costume, jogaram algum objeto pessoal de cada uma e nós saímos do palco, ainda sendo aplaudidas. Seguindo pelo corredor, nosso personal trainer jogou uma garrafa de água para cada uma de nós e eu não esperei sequer um minuto para virar tudo em um gole, tamanha a minha sede.
— Isso foi tão incrível! — Haven exclamou, correndo pelo corredor.
Eu gostava do meu trabalho, porque, acima de tudo, as meninas me divertiam. Às vezes era tão cansativo que eu não sentia nada a não ser um puxado desgaste emocional, mas, no final, todo o cansaço valia a pena quando eu via os olhares e os sorrisos dos fãs nos shows. Ou quando recebia notificação de menção no twitter a cada meio segundo, mesmo que eu não conseguisse ler ou responder tudo.
Quando chegamos ao nosso camarim, me joguei no primeiro sofá que vi. Ao menos, aquele espaço era muito maior do que o outro, comportando dois sofás e um puff, deixando as quatro espalhadas pelo canto, enquanto esperávamos a nossa agente aparecer. Eu não sabia o que Clarisse fazia durante o nosso show, mas ela demorava um bocado para aparecer depois.
— Eu estava pensando que podíamos cantar a versão acústica de It’s All About You no próximo show — Kenzie murmurou a sugestão, ainda bebendo a sua garrafa de água. — Eu gosto da melancolia que a música passa e os fãs adoram acompanhar a letra.
— É uma boa ideia — murmurei de volta, permanecendo deitada no sofá.
Aquela música tinha um peso emocional enorme para a Kenzie. Se havia alguém que cantava a música com tanto sentimento envolvido, era ela.
— Posso sugerir o nosso próximo cover? — Jamie indagou, sentada na cadeira de frente ao espelho, se livrando da maquiagem, como sempre.
— Depende — Haven respondeu. — É Beatles de novo?
Kenzie e eu soltamos uma risada.
— Qual é o seu problema com os Beatles? — Jamie reclamou, passando um algodão molhado sobre a bochecha.
Eu não me metia naquela discussão, mas admitia que a mais nova tinha uma obsessão enorme de abrir os nossos shows com alguma música dos Beatles. Não custava nada diversificar nosso estilo musical.
— Nenhum. — Haven deu de ombros, como se fosse inocente.
— Qual sua sugestão, Jamie? — perguntei, curiosa.
Jamie voltou a olhar para si mesma no espelho e demorou um pouco para responder a minha pergunta, como se estivesse protestando contra Haven. Eu esperei a sua atitude infantil passar.
— Eu estava pensando em The Lumineers — ela explicou.
Kenzie arqueou uma sobrancelha na menção da banda.
— Se você disser que quer fazer cover de Sleep On The Floor, eu vou… — Kenzie tentou ameaçar, mas não completou a frase.
A loira se virou na cadeira, abrindo um sorriso enorme e cínico, piscando os olhos inocentemente em direção a Kenzie.
— É justamente Sleep On The Floor, como você adivinhou? — questionou, ironia escorrendo pelo seu tom de voz.
Kenzie fechou a cara e jogou a garrafa de água vazia em Jamie, que desviou, murmurando um agressiva baixinho, mas todas nós ouvimos.
— Não vou abrir o nosso show cantando Sleep On The Floor — a morena declarou.
Jamie não pareceu se importar com a recusa.
— Ah — ela disse. — Nós vamos, sim.
Me levantei do sofá no momento em que Haven abriu a boca para complementar algo à nova discussão, mas foi impedida com a porta sendo aberta e Clarisse entrando por ela. Verifiquei o relógio na parede, constatando que ela não tinha demorado muito a aparecer daquela vez. Precisávamos ir para o hotel e pegar um voo de manhã logo cedo para voltar direto para Londres.
— ela me chamou, apontando para a porta atrás de si. — está aqui. Camarim cinco.
Pisquei os olhos, escondendo a surpresa. Eu não sabia que estava em Amsterdã ou que ele viria em algum momento, mas não falei nada.
— Eu volto em dez minutos — avisei a minha agente, que assentiu.
Ela era tão compreensiva que eu poderia abraçá-la por três minutos inteirinhos e ela não reclamaria.
— Não dá para foder em dez minutos, ! — Kenzie e Haven gritaram, com a risada de Jamie no fundo.
Dei um sorriso amarelo para as duas e mostrei o dedo do meio para ambas, antes de sair pela porta e seguir pelo corredor até o camarim cinco. Eu tinha esquecido de perguntar a Clarisse se ele estava sozinho, mas, por via das dúvidas, bati na porta e esperei. Não durou sequer um minuto inteiro e a porta foi aberta, revelando um de camisa com mangas longas, jeans azul rasgado e barba por fazer, acompanhado por seus fios de cabelo bagunçados.
— Não sabia que você estava aqui — foi a primeira coisa que eu disse.
— Eu queria fazer uma surpresa — ele respondeu, me dando espaço para entrar no camarim, percebendo que ele estava sozinho. — Por favor, entre.
Eu entrei, o observando fechar a porta.
— Está sozinho? — questionei, curiosa para saber onde estavam os meninos.
Assim como eu, também fazia parte de uma banda, na qual ele era o guitarrista. Seu estilo era mais indie, o que era muito diferente do meu, mas uma noite em um evento comum nos juntou e, desde então, estávamos juntos.
— Os meninos estão na Califórnia — me respondeu. — Como eu disse, eu vim fazer uma surpresa.
Mordi a pele do meu polegar, desconfiada. Olhei ao redor, sentindo-o se aproximar de mim e me agarrar pela cintura. Eu espalmei as minhas duas mãos nos seus ombros, beijando-o devagar.
— Eu gostei da surpresa — admiti. — Mas você não precisava de todo esse trabalho, podíamos nos encontrar em Londres.
riu, beijando a base do meu pescoço.
— Meu Deus, — murmurou contra a minha pele, claramente se divertindo às minhas custas. — Sua memória é tão ruim.
— Ei! — protestei, batendo em seu ombro com um pouco de força demais.
Ele me abraçou com a mesma intensidade.
— É nosso aniversário de namoro, sua esquecida — ele avisou.
Fechei meus olhos, cobrindo o rosto com as mãos, me sentindo envergonhada por esquecer aquela data. Era tanta coisa acontecendo que eu não conseguia parar para pensar se tinha algo que eu precisava priorizar. Tipo o meu namoro.
— Ah, — lamentei, tirando as mãos do rosto. Mordi o meu lábio, estampando uma careta desgostosa. — Mil desculpas!
Ele balançou a cabeça, distribuindo beijos por todo o meu rosto, fazendo com que eu me sentisse um pouquinho melhor e menos culpada por ter esquecido.
— Fiz uma coisa para você — ele avisou.
Gemi, desgostosa.
— Isso só piora — reclamei, mas deixei ele me soltar.
andou até um sofá, pegando uma sacola vermelha, me estendendo. Umedeci os lábios, me sentindo péssima por não ter nada para dar a ele naquele momento, mas afastei o pensamento. Aceitei a sacola e tirei uma camisa dentro do pacote, lendo a frase que estava estampada na frente.

“Sou seu maior fã.
Com amor, .”


— Ah, — suspirei, guardando a camisa de volta na sacola, mas havia um colar dentro, cujo pingente formava uma borboleta. — Você é cheio de surpresas.
Ele sorriu, me abraçando por trás dessa vez.
— Feliz aniversário de namoro — desejou, sussurrando perto do meu ouvido.
Joguei a sacola de volta no sofá, resolvendo que eu daria atenção aos presentes depois. Virei-me para ele, segurando seu rosto com as duas mãos, sorrindo.
— Prometi dez minutos — lembrei.
Ele beliscou a pele da minha cintura devagar, assentindo, começando a distribuir beijos por meu pescoço de novo, descendo até o colo do meu decote.
— É suficiente para mim.
Mas eu duvidava. Eu sempre precisava de mais do que dez minutos com .

[flashback off]


Dia seguinte, Londres.


Não consegui dormir a noite inteira. Jamie, por outro lado, teve o sono dos anjos. Nós duas passamos quase metade da noite vendo filmes ruins de comédias românticas — mas eu não chorei sequer uma vez — e nos entupimos de gorduras dos hambúrgueres. Quando me certifiquei de que minha colega de banda — e melhor amiga — tinha dormido, fiquei sozinha na escuridão da sala, tomando uma taça de vinho, revivendo a lembrança de com a atriz. A camisa que ela usava ainda estava na minha mente, mas a forma como eles riram juntos despedaçou o meu coração, como se ele ainda pudesse se partir mais do que já estava. Juntar os pedaços estava sendo muito difícil e eu não queria me prolongar no processo mais lento de colar cada pedaço partido. Eu devia ter aprendido a não me envolver com ninguém com o trabalho que eu tinha. Não dava para conseguir conciliar trabalho, relacionamento e vida pessoal tudo ao mesmo tempo. Minha vida pessoal era o meu trabalho. Eram duas linhas muito tênues, quase impossíveis de separar.
— Jamie me contou o que aconteceu ontem à noite.
Não precisei levantar o rosto para saber quem era. Kenzie não fazia muita questão de esconder a sua presença em lugar nenhum, então era fácil saber pelos seus passos pesados que era ela quem estava entrando. Eu tinha chegado ao estúdio cedo demais com Jamie, que veio o caminho inteiro resmungando que tinha mais uma hora de sono que não aproveitou, mas eu não aguentava mais ficar sozinha naquela casa sem fazer nada, simplesmente esperando ela acordar para finalmente aparecer no estúdio. Nós tínhamos passagem de som e uma reunião marcada com Clarisse.
— Você tem algo para me dizer? — questionei, deixando o papel e a caneta de lado.
O papel ainda estava branco, do mesmo jeito que eu tinha pegado. Eu dividia o posto de compor as músicas com Haven, mas ultimamente não vinha inspiração para nada. Nem sequer um refrão, uma melodia. Nada.
Isso me preocupava, porque a produção do próximo álbum estava chegando.
— Engraçado — Kenzie murmurou, sentando-se ao meu lado. — Eu ia te perguntar a mesma coisa.
Encarei a minha amiga e deixei os ombros caírem quando percebi que não havia nenhum olhar de julgamento na sua expressão. Ken estava tão calma que me deixou surpresa.
— Eu queria odiá-lo — confessei em voz baixa. — Ele estava ali, rindo e beijando outra e ela estava com o mesmo presente que ele tinha me dado e eu desejei muito odiá-lo.
Meus lábios tremeram, mas Kenzie não disse nada. Ela só pegou a minha mão e juntou com as dela, como se não soubesse a melhor maneira de me reconfortar, mas sua tentativa era o que contava para mim.
— Você não é como eu — ela disse, sorrindo fechado. — Seu coração é tão puro que não caberia um sentimento tão ruim. E, para ser sincera, não acho que você tem motivos fortes para odiá-lo.
Ela tinha razão. e eu tivemos um término tão amigável, e por mais que eu quisesse encontrar detalhes para sentir ódio dele, não conseguia. Não havia ressentimentos entre nós, mas nunca mais nos falamos depois. Ele nunca tinha sido um bacaba comigo, só… algumas coisas acabavam mais rápido do que as outras.
— Você odiou o Alex — lembrei.
Kenzie deu de ombros.
— Eu odeio metade do mundo — se defendeu e eu soltei uma risada, constatando que era a mais pura verdade.
— chamou. — Nós somos suas melhores amigas. Você pode fingir para o mundo inteiro que está bem, mas nós sabemos que você não está. Jamie está preocupada o tempo inteiro. Tentei fazer com que ela te deixasse um pouco em paz, mas ela é meio teimosa.
Concordei com um aceno de cabeça, sem saber exatamente o que dizer.
— O que eu estou querendo dizer — ela continuou, balançando a minha mão —, é que todas nós precisamos de um tempo sozinhas. Você precisa mais do que nós. Você precisa viver tudo o que está sentindo, , não há nada de errado em ficar triste pelo fim de um relacionamento — ela suspirou, como se entendesse muito bem sobre o que estava falando. — Mas não vai conseguir superar tudo se continuar mentindo para si mesma.
Eu não percebi que estava chorando até fungar baixinho. Com a mão livre, limpei as minhas bochechas e me senti grata por ter três garotas malucas como amigas.
— Nós ainda temos mais dois shows — lembrei a ela.
— É verdade — respondeu. — Mas, depois disso, nós estamos livres. E você vai poder cuidar desse coração aí.
Ela apontou para o meu peito, indicando o meu coração. Assenti devagar e puxei as mãos dela, beijando as suas palmas exageradamente. Kenzie revirou os olhos e me puxou para um abraço. Não era exatamente do feitio dela fazer aquilo, mas de vez em quando ela abria algumas exceções.
— Obrigada, Ken.


Parte Dois

?
Rabisquei o papel com um lápis preto com a ponta quase acabando, os pensamentos totalmente longe. Eu pensava na minha conversa com a Ken e mais uma porção de coisas. Às vezes, queria poder desligar meus pensamentos e não pensar em nada por um longo tempo, só sentindo paz e sem lembrar de nenhuma preocupação.
Ou de .
Principalmente de .
?
Uma bolinha de papel caiu no meu colo e eu levantei o rosto, notando que as meninas e Clarisse estavam me encarando. Jamie soltou uma risadinha, achando graça o fato de eu ter ficado distraída a maior parte da reunião e eu levantei o dedo médio para ela, um pouco emburrada.
Eu estava cansada de me sentir daquela forma e precisava dar um jeito de me sentir produtiva de novo. Se o meu estado começasse a me atrapalhar no trabalho, eu estaria um pouquinho ferrada.
— O quê? — resmunguei, deixando o papel e o lápis de lado.
Cocei minha bochecha, ouvindo o suspiro de Clarisse. Eu ouvi as vozes delas discutindo algumas coisas, mas não prestei atenção o suficiente para debater sobre.
— Acho que acabei de tomar uma decisão — Clarisse disse.
Nossa agente deixou os ombros caírem, como se também estivesse cansada, mas escondendo de nós. Nós fazíamos a maior parte do trabalho pesado, mas isso não significava que as coisas eram mais fáceis para Clarisse.
— Boa ou ruim? — Haven questionou, enfiando uma batata frita na boca.
Eu não tinha ideia do momento em que ela conseguiu aquele alimento, mas não disse nada. Haven tinha a incrível habilidade de estar sempre comendo, em todas as horas. Eu lembrava do momento em um show, quando precisei fazer um solo e ela ficou bem atrás, sentada no chão do palco, enchendo a boca de cheetos. Os fãs também estavam acostumados com aquele jeito um pouco incomum dela.
— Nós podemos decidir essa coisa de documentário depois das férias — Clarisse começou a dizer. — Vocês precisam de descanso. Você, principalmente, .
Ela apontou um dedo em riste para mim. Era tolice pensar que Clarisse não tinha percebido a minha mudança de comportamento depois do fim do meu namoro, apesar dos meus esforços de seguir a minha rotina à risca. Eu fazia o meu trabalho da mesma maneira de antes, mas, infelizmente, não havia nenhuma empolgação no meu corpo. Céus, eu tinha chorado na apresentação de Your Favorite Song e eu nem tinha um solo em destaque nela.
— Os produtores não já estão aqui? — Kenzie pontuou.
— Sim — nossa agente respondeu. — Mas eu resolvo isso. Vocês estão cansadas e a anda muito distraída.
— Mas ainda temos mais dois shows antes das férias — Jamie lembrou, tirando os olhos do celular.
— Que, ainda bem, vão ser aqui em Londres — Clarisse respondeu. — É o seguinte, o fechamento da turnê é nesse fim de semana. A partir de segunda-feira, vocês estão de férias. Três semanas. E eu espero que seja suficiente para um descanso claro, porque vamos ter muito trabalho quando voltar. Não me importa para onde vocês vão ou se vão ficar aqui, só… descansem — ela fez uma pausa. — E, ?
— Sim? — resmunguei, automaticamente.
— Tente compor.
Forcei um sorriso, assentindo. Eu esperava, de verdade, que ela não contasse muito com aquilo. O máximo que iria receber, era uma página em branco com um ponto de interrogação enorme desenhado. Haven olhou para mim e fez um joinha despreocupado com a mão, me comunicando silenciosamente para eu não me preocupar com aquilo. Ela também tinha a responsabilidade de compor e não me deixaria na mão. Faria todo o álbum, se fosse preciso. Nós resgataríamos músicas antigas, se assim fosse.
— Puta merda! — Jamie exclamou, tão de repente que acabou derrubando um copo de água em Kenzie, de surpresa.
A mais nova sequer lembrou de pedir desculpas, sendo alvo do olhar assassino de Ken, e levantou do sofá que estava meio deitada. Ela ainda encarava a tela do celular.
— O que foi? — Haven questionou, de uma vez, curiosa demais para saber o motivo de tanto espanto.
Kenzie passou a mão pela barriga, limpando a água da blusa amarela que usava. Eu apenas esperava uma resposta, em silêncio.
— Vou deixar vocês sozinhas. — Clarisse levantou, balançando a cabeça para o desastre de Jamie.
Nós concordamos com um aceno desinteressado e eu só soube que ela tinha saído mesmo pelo clique da porta.
— Hm — Jamie resmungou, olhando para todas nós. — Não sei se posso dizer isso em voz alta.
Assisti Ken, ao meu lado, revirar os olhos.
— Anda logo, Jamie — reclamou.
Jamie respirou bem fundo. Entregou o celular para Haven, que estava mais perto dela. Mas Haven não disse nada. Ao invés disso, enfiou mais batatas na boca e devolveu o celular para Jamie, mas Ken foi mais rápida e pegou para si, lendo o que estava na tela. Tentei me esticar para ver também, mas Ken se virou para mim.
— Olha, — ela começou a dizer. — está noivo.
Eu não sei o que aconteceu em seguida. Me engasguei com saliva e comecei a tossir para valer, sem conseguir emitir uma palavra qualquer. Haven desistiu das batatas e levantou, correndo na minha direção, começando a dar tapinhas nas minhas costas, como se aquilo fosse funcionar.
— Por que você nunca é delicada? — Jamie reclamou para a mais velha.
Meu peito queimava e eu tentei controlar a crise de tosse, pedindo que Haven parasse de bater nas minhas costas, mas como eu não conseguia dizer uma palavra completa, ela não entendeu. Não sei quanto tempo aquele momento durou, mas finalmente me acalmei, aceitando o copo de água que Jamie tinha me oferecido. Ken tinha roubado as batatas de Haven e agora estava comendo sozinha, parecendo que nada tinha acabado de acontecer.
— O que você disse? — finalmente consegui perguntar.
Tinha esperança de que fosse um delírio meu ouvir o que ela tinha dito. , noivo? Ele sequer pensava em casamento.
Porra. Eu compus Marry Me Sometime depois dele ter dito que não pensava em se casar.
— Eu disse… — Ken começou a dizer, mas Haven interrompeu.
— Cala a boca, Ken!
Kenzie não era insensível. Não era mesmo. Ela tinha um coração enorme. Mas não tinha paciência para aquelas coisas. Se algo tinha que doer, que doesse de uma vez. Ela sempre preferia ser direta com aquelas coisas e eu não a culpava, mas as meninas tinham pensamentos muito diferentes.
— Está tudo bem, gente — tranquilizei as meninas e respirei fundo, me livrando do copo de água. — Eu só fiquei… surpresa.
Elas assentiram, compreendendo. Por mais curiosa que eu estivesse, não quis ver a notícia, mas eu sabia que assim que eu entrasse nas minhas redes sociais, a primeira coisa que eu veria era justamente isso.
— Acho que você devia compor uma música maneira em resposta — Ken comentou, de boca cheia. — Algo como “Morra, !” ou “Espero que você tenha diarréia no dia do seu casamento”.
Jamie começou a rir e eu balancei a cabeça em negação, mas eu estava sorrindo também, aliviada por aquele momento cômico. Ken cutucava a ferida, mas ela também curava.
— Eu ainda estava me acostumando com a ideia de namoro — confessei baixinho para elas, o momento de riso cessando. — Mas agora noivado… uau.
— Você acha que vai ser convidada? — Jamie indagou, pensando.
Ela resmungou quando recebeu um tapa no braço de Haven.
— Você é ingênua assim mesmo ou só gosta de ser inconveniente? — reclamou com a mais nova.
— É uma questão válida — a outra se defendeu. — Caras assim gostam de convidar as ex namoradas. Qual o problema?
Bom, não me importava qual fosse o tipo de cara que era, eu não queria ser convidada para o seu casamento. Já estava lidando com coisas demais antes de receber essa notícia.
— Sabe o que eu acho? — interrompi a discussão, fazendo as três me encararem. — Devíamos focar nas férias. Então, me contem: para onde vocês vão?

Uma semana depois


A parte mais chata de ter um coração partido é agir como se você não tivesse um.
Ninguém gostava de acompanhar uma garota sofrendo por alguém, porque nos tornamos o centro daquilo, obcecadas o tempo todo em reviver o relacionamento que achávamos que era perfeito. Até o fim dele.
Como uma figura pública, fingi o tempo todo que nada era sobre mim ou sobre e, depois da notícia do seu noivado, tentei bloquear a minha mente para não pensar mais nele, mas tinha um problema: a minha mãe.
Mamãe gostava do . E, morando em uma cidade escondida do resto do mundo, sequer sabia o que era uma rede social, então ela não tinha acesso a muitas notícias do mundo das celebridades e isso me incluía.
— Como vai o , querida? — a pergunta veio em um tom gentil, no café da manhã servido na mesa.
Cate, a minha irmã, engoliu um pouco de leite e olhou para mamãe com os olhos semicerrados. Meus pais podiam não ser muito espertos com tecnologias e internet, mas Cate era e ela sabia de tudo.
— Mamãe! — repreendeu, o tom de voz saindo fino. — O está em outra, lembra?
Forcei um sorriso, mastigando uma torrada de manteiga. Eu não sabia se nossa mãe fazia aquilo de propósito ou se ela constantemente se esquecia das coisas mesmo. Papai costumava dizer que as relações de hoje em dia eram muito complicadas de acompanhar. Ele, inclusive, não estava ali naquele momento. Tinha a mania irritante de acordar muito cedo para perambular pela cidade, dando a desculpa de que uma caminhada era saudável.
Bem, eu não discordava, mas ele tinha o dia inteiro para fazer a tal caminhada.
— Tudo bem, Cate — murmurei.
— Ora — mamãe reclamou. — Querer saber um pouco do rapaz não faz mal.
Eu tinha chegado há dois dias e sempre estava respondendo a alguma pergunta a respeito de . Sinceramente, eu amava a minha mãe, mas precisava de um tempo daquilo. Estava começando a me arrepender de não ter acompanhado Kenzie e Jamie na viagem para Las Vegas primeiro antes de parar ali. Talvez uma diversão como aquela fosse o que eu realmente estava precisando, mas agora era tarde demais.
Cate balançou a cabeça em negação e voltou a comer em silêncio, terminando o seu leite quente, enquanto eu apenas decidi ficar na torrada. Mesmo de férias, eu não gostava de fugir da dieta — um pouco rigorosa demais —, que seguíamos por causa das coreografias.
— Conte a ela a novidade — minha irmã pediu.
A primeira coisa que eu contei para Cate, quando cheguei, foi a novidade do documentário produzido pela Netflix. Não tinha saído essa notícia oficialmente em nenhum site, mas minha irmã não era fofoqueira e guardaria aquele segredo, e ela gritou tanto que achei que não fosse escutar por pelo menos algumas horas, mas fiquei bem.
Terminei a torrada e bebi um pouco do suco de laranja, mordendo a parte interna da minha bochecha, encarando os olhos curiosos de mamãe, que sempre amava uma novidade envolvendo minha banda. Ela adorava as meninas e sempre reclamava por eu não conseguir trazê-las todas as vezes em que eu aparecia ali.
— A Netflix convidou a banda para um documentário — contei.
— Ah, meu Deus, querida! — ela exclamou, levantando-se da cadeira e deu a volta na mesa para chegar até mim. — Isso é maravilhoso!
A mais velha me abraçou desajeitadamente, enchendo meu rosto de beijos, enquanto eu sorria, tentando abraçá-la de volta. Cate jogou um pedaço de torrada em mim, mas não me importei, porque agora eu me sentia em casa.

— Eu vou dar uma volta.
Cate levantou os olhos para mim, segurando o livro aberto no colo e me olhou de cima a baixo, como se me avaliasse. Ela era professora infantil, mas também estava de férias e passava a maior parte do tempo ajudando nossos pais na casa e lendo. Eu não sabia se ela tinha uma vida social melhor do que a minha, porque Cate não me contava quase nada.
— Vai encontrar alguém específico? — questionou.
— Não — respondi, apontando o óbvio.
Eu não tinha contato com mais ninguém daquela cidade depois que eu entrei na banda. Todo mundo me conhecia, porque eu cresci aqui, mas agora eu mal aparecia. Onde diabos eu iria encontrar alguém específico?
— A cidade continua a mesma — ela avisou. — Só para lembrar.
Ela voltou a ler e eu balancei a cabeça, saindo de casa. Era uma cidade pequena e tranquila, mas eu sempre odiei pelo mesmo motivo. Não havia nada que eu fizesse que meus pais não soubessem depois, porque as bocas alheias não conseguiam ficar fechadas.
Enquanto eu caminhava pela calçada, constatando que Cate estava certa, senti meu celular vibrar, me indicando uma nova mensagem. Quando desbloqueei a tela, foi inevitável não sorrir ao abrir a imagem que Jamie tinha mandado, dela e Kenzie juntas, ainda em Vegas, totalmente bêbadas. Eu esperava, sinceramente, que aquelas duas loucas não fossem parar em sites de fofocas e enlouquecessem a Clarisse. Fiquei verificando algumas outras mensagens enquanto andava, mas um som coletivo chamou a minha atenção. Quando guardei o celular de volta, mantendo a promessa de não verificar por muito tempo minhas redes sociais, olhei ao meu redor, me dando conta de que eu estava perto da praça. Havia uma pequena multidão reunida em círculo e a música vinha de algum lugar dali. Como eu era um pouquinho curiosa, segui até a multidão, passando por pessoas maiores do que eu, tentando chegar mais à frente para olhar o que estava acontecendo.
Assim que atravessei o pequeno círculo de pessoas, percebi o que estava rolando. Dois grupos disputavam uma batalha de dança. Eu tinha esquecido daquelas batalhas. Cresci assistindo cada uma delas que acontecia na rua, nos bares, em qualquer lugar. Nunca participei de nenhum grupo, mas foi assim que minha paixão pela dança tinha começado e foi o que me ajudou a fazer parte de uma banda hoje em dia.
Reconheci os Breakers dançando e me senti nostálgica, como se eu tivesse dezesseis anos outra vez. Eles continuavam muito bons e melhores do que eu esperava, mas de repente a música acabou e a batalha foi interrompida com um gesto do líder do grupo. A multidão ficou confusa e eu estava prestes a me afastar um pouco, quando ele se pronunciou na minha direção.
Foi quando percebi que Caleb tinha me reconhecido.
— Calma aí, calma aí! — ele exclamou, pedindo silêncio de todo mundo e apontou para mim com um sorriso descrente no rosto. — Estou mesmo vendo uma celebridade pessoalmente?
Eu estava acostumada a ser o centro das atenções daquela maneira, afinal, eu cantava e dançava para milhares de pessoas, mas fiquei um pouco constrangida com aquela exposição. Aquelas pessoas me conheciam, não eram como os meus fãs.
?
Uma voz familiar soou e uma garota da minha idade surgiu atrás de Caleb, andando até mim. Sem me dar nenhuma oportunidade de me preparar, me abraçou. Eu retribuí o abraço com a mesma vontade que ela, sem me dar conta de que eu senti falta do meu antigo ciclo de amizade. Sendo pega de surpresa novamente, braços masculinos nos envolveram e eu quase caí para trás, ouvindo risadas do público, esquecendo por um momento que eles ainda estavam ali.
— Você vai nos sufocar, idiota! — reclamou, se afastando de mim.
Pude respirar com mais clareza agora e encarei os meus dois melhores amigos de infância na minha frente. Eu não o vinha há anos, nem mesmo nas férias corridas que eu tinha.
— Caramba, ! — ignorou a reclamação de e fingiu dar um soco no meu ombro. — Você nos esqueceu.
Soltei uma risada sem graça, me sentindo um pouco culpada, porque era, em partes, verdade. Não era que eu tinha esquecido deles, mas seguimos caminhos tão diferentes que tinha ficado difícil manter contato.
— Saiam! — Caleb pediu, afastando os dois de mim. — É minha vez de cumprimentar a nossa celebridade favorita!
Eu ri, mas abracei ele.
— Líder dos Breakers — murmurei. — Quem diria, hein?
Caleb sempre foi maluco pelos grupos de dança de rua, mas só conseguiu entrar em um grupo depois de muito tempo. Eu não imaginava que um dia ele chegaria a ser líder de um grupo que acompanhamos a nossa infância inteira, mas estava orgulhosa dele.
— É, você sabe — disse ele, se afastando do abraço. — Cada um com a fama que merece.
Empurrei-o com o ombro, por pura implicância.
— Um papo sério agora, , eu soube do seu cara lá — continuou, uma expressão séria. — Se você quiser alguma…
— Está tudo bem, Caleb — cortei-o, antes que ele completasse a sua ameaça e sorri. — Sério.
Ele apontou um dedo para mim, duvidando um pouco da minha resposta, mas logo em seguida desfez a expressão séria e abriu um sorriso gigante.
— Resolvido, então. — Deu-se por vencido. — Apareça no bar depois. Vamos te esperar para uma batalha.
— Uau, obrigada, mas eu realmente dispenso, Caleb.
Uma expressão de falsa indignação surgiu em seu rosto.
— O quê? Você tem a ginga, garota.
Balancei os ombros.
— Não tenho ginga para me humilhar — respondi, explicando. — Tenho talento para outro tipo de dança.
Eu já tentei uma vez, mas realmente era péssima para os passos de dança de rua. Eu preferia as coreografias livres que Kenzie criava.
— De qualquer forma, o convite está feito — ele disse. — Foi bom te ver.
Concordei com um aceno e me despedi dele com um high five, ouvindo-o pedir para a multidão circular. Quando todo mundo seguiu seu rumo, suspirei, mas e ainda estavam ali. Encarei-os em silêncio, sentindo o peso da saudade intensa entre nós e a lembrança do nosso último encontro, as lágrimas nos olhos de e a raiva na expressão de . Eu tinha os deixado para trás sem pensar duas vezes, tamanha era a minha necessidade de fugir daquela cidade e conhecer mais do mundo. Eu só não sabia que chegaria até onde eu estava agora.
— Nós podemos conversar? — pedi, mordendo o meu lábio.
abriu um sorriso lindo e empurrou os fios de cabelo para trás com os dedos. Era bom saber que, apesar da minha distância, eles tinham permanecido juntos.
— A lanchonete do Cal's ainda está aberta — sugeriu. — Você quer ir até lá?
A lanchonete costumava ser o nosso ponto de encontro favorito, então acenei com a cabeça, concordando. Como não ficava muito longe, nós três fomos andando, em silêncio, por alguns minutos, até finalmente chegar à lanchonete. Preferimos nos sentar à mesa do lado de fora. e sentaram lado a lado e eu me sentei na frente deles.
A maneira como se moviam, o silêncio sincronizado, o constrangimento repentino me fez perceber uma coisa.
— Vocês estão juntos agora, não é? — perguntei.
Eu não tinha problema nenhum com aquilo, muito pelo contrário. Eu tinha um passado com os dois e ficaria feliz se a resposta fosse sim.
— Bem, não oficialmente… — respondeu e revirou os olhos.
— Você sabe que a não gosta de rótulos — ele me explicou e eu assenti. — Mas, sim, estamos juntos.
Abri um sorriso sincero ao ouvir a resposta.
— Eu fico feliz por isso — comentei. — De verdade.
Foi difícil superar os dois. Mais do que estava sendo difícil superar o , mas as meninas me ajudaram no processo. Tantas vezes eu quis voltar por causa deles, mas não cedi.
— Nós sentimos a sua falta — disse. — Todos os dias, desde que você se foi. Encontrar você agora é…
Ela não conseguiu completar a frase, talvez por falta de palavra adequada, mas eu a entendi perfeitamente.
— Eu sei que não justifica o quanto fui babaca, mas eu tinha dezoito anos na época — comecei a falar. — Nós éramos muitos jovens e limitados por crescer aqui e eu tinha mais sede de conhecer o restante do mundo do que…
— Do que ficar conosco — completou por mim.
Fiquei constrangida com o quanto aquilo era verdade.
Nós éramos amigos desde crianças e descobrimos tudo juntos: amor, primeiro beijo, sexo. Tudo. Eu não me lembrava do quanto tinha coisas inacabadas no meu passado. E tinha mais ainda no presente.
— Tudo bem. — usou as mãos para fazer um gesto de negação. — Não precisamos nos lamentar por isso mais. Você tem um problema maior agora, não é?
— Se por “problema” você quer dizer “superar um término e seguir em frente”, sim, eu tenho — respondi, dando de ombros.
segurou a minha mão sobre a mesa e deu um sorriso de lado.
— Eu sempre soube que nenhum cara te amaria melhor do que eu — disse.
Bati na mão dele e comecei a rir, com exclamando que aquilo foi tão ruim que ela preferiu não ter escutado. Fiquei aliviada por ainda me sentir leve perto deles e por eles ainda se sentirem à vontade na minha presença a ponto de zoarem comigo daquela forma.
— Agradeço seu amor, — falei. — Mas, infelizmente para mim, meu coração não escolhe.
Paramos a conversa para fazer os nossos pedidos. Eu sabia que não devia ultrapassar a dieta daquela forma, mas eu sentia tanta falta dos hambúrgueres do Cal que abri uma exceção só daquela vez. Além do mais, eu compensaria tudo nos treinos que teria quando voltasse das férias, porque Clarisse não iria pegar leve conosco. Feitos os pedidos, nós esperamos para comer.
— Superar alguém é a parte mais chata e difícil de ter um relacionamento — reiniciou a conversa.
— Vocês não parecem ter problemas com isso — observei.
Eu não me cansava de pensar que era ótimo ver os dois juntos.
— Não agora — rebateu. — Mas tivemos antes, quando você foi embora. Nós nos apoiamos um no outro. Eu tive que aguentar a raiva da e ela teve que aguentar a minha melancolia.
— Sinto muito — sussurrei, sem saber exatamente o que dizer.
Eu podia ter sido poupada daquela, mas eu merecia.
Observei empurrar o ombro de com força e senti a intensidade da intimidade me atingir.
— Me conte sobre ele — ela pediu, mudando de assunto.
Esperei o garçom terminar de colocar os nossos pedidos na mesa e peguei o meu copo de milkshake de chocolate com baunilha, experimentando. Eu quase gemi de prazer ao perceber que ainda era o mesmo gosto.
— Sobre quem? — questionei.
deu uma mordida no seu hambúrguer favorito: com ovos fritos e queijo derretido.
— Seu ex.
Deixei o copo de milkshake de lado e experimentei meu próprio hambúrguer, antes de responder.
— Se meu objetivo é esquecer o — raciocinei. — Como falar dele vai me ajudar?
— Não vai — ela foi sincera, o que me fez rir. — Eu só queria saber dele mesmo.
Naquele momento, eu queria estar com inspiração para compor uma melodia sobre o que eu estava sentindo. Mas eu não conseguia pensar em nada, nem mesmo em uma pequena nota, me sentindo bloqueada em todos os níveis. Estar constantemente de cara com fins e começos não estava me ajudando. Eu começava a pensar se tinha mesmo sido uma boa ideia passar aquelas férias na casa dos meus pais e não em um retiro espiritual ou algo do tipo.
Talvez eu precisasse de uma jornada de autoconhecimento, como os filmes gostavam de enaltecer.
Ou talvez eu estivesse exatamente onde deveria estar.
era… — Lambi os meus lábios, buscando alguma memória para mim. Eu tinha mais coisas positivas do que negativas para dizer sobre ele e eu não sabia se isso tornava as coisas ruins ou boas. — Era incrível comigo.
Contei mais do que isso para eles. Falar sobre para duas pessoas que não me viam há anos, mas me conheciam fora da banda, tinha sido estranho, mas, ao mesmo tempo, fui tomada por um alívio. Eu tinha moldado uma imagem tão perfeita dele que era difícil me desfazer.
— Você o ama mesmo — constatou, limpando a maionese do canto do lábio.
— Sim — respondi, admitindo. — Não sabia que ele terminar comigo me afetaria tanto.
Geralmente, qualquer pessoa que eu me envolvesse, eu superava rápido. Com o trabalho que eu tinha e o tempo que demandava tudo, eu mal tinha tempo para pensar na pessoa em questão, mas com
— Não importa — disse. — Qualquer término é difícil. Bem, depende muito da pessoa.
Concordei com um aceno e terminei de comer o restante do meu lanche.
— E agora ele está noivo, não é? — indagou, com cuidado.
Eu assenti em resposta.
— E como você está se sentindo quanto a isso?
Pensei um pouco. Ultimamente, estava complicado parar para definir meus sentimentos, mas eu tinha uma palavra melhor agora.
— Eu estou uma bagunça — admiti. — Mas, ao mesmo tempo, estou feliz por ele ter encontrado alguém. Algumas pessoas simplesmente… ficam bem com o amor.
— Mas também está tudo bem ficar triste ou com raiva porque não é você no lugar dela — continuou.
Mordi a parte interna da minha bochecha, pensando sobre aquilo. Eu vinha tentando não me sentir triste por não estar no lugar da Trisha, mas não parecia justo comigo.
— Você parece bem nas mídias — comentou, terminando de comer. — Nós gostamos de te acompanhar.
— É, você sabe. — Mexi um ombro com indiferença. — Os tabloides adoram perseguir alguém triste pelo fim de um relacionamento. Eu não queria que soubessem que estou uma bagunça e me sinto pequena.
Eles compreenderam com um aceno discreto e positivo de cabeça.
— Você também é compositora, certo? — perguntou.
— Sim.
— Eu sei que há milhares de artistas que têm músicas e álbuns sobre términos e fins, mas acho que você podia escrever sobre como se sente, sobre sua fase — ele continuou. — Pode te ajudar.
Soltei um suspiro chateado.
— Eu sei — admiti. — O problema é que me sinto bloqueada. Não consigo compor nem uma mísera nota.
deixou os ombros caírem. Ele me compreendia, porque, na época, era tão bom compositor quanto eu. Na verdade, tinha sido assim que aprendi a compor: através dele.
— Então está aí. — bateu as mãos na mesa, empolgada de repente. — Vamos te desbloquear. Você vai superar o . Nós somos a prova viva de que você consegue.
Ela me lançou um sorriso tão lindo que não tinha como eu discordar de qualquer coisa que ela falasse sobre. Estiquei as minhas mãos para os dois e eles aceitaram, cada um entrelaçando sua mão com a minha e eu apertei os dedos deles contra os meus, sentindo falta daquela sensação, daquela troca de toques íntimos que um dia fomos tão bons em compartilhar.
Pisquei meus olhos, exibindo um sorriso melancólico.
— Eu quero que saibam que, apesar de tudo, eu amei vocês — confessei baixinho, encarando os dois bem na minha frente.
Meu coração, antes de amar qualquer pessoa, tinha aprendido a amar eles.
Eles apertaram meus dedos de volta. beijou a minha palma.
— Você já pensou algum dia no que poderíamos ter sido se não tivesse ido embora? — ele me questionou.
— Sim — respondi, sem hesitar. — Sim, eu já pensei.
E era a mais pura verdade que eu poderia ter dito naquele momento.


Parte Três

Uma semana depois


Tateei cegamente pela cama pequena à procura do celular, que não parava de tocar. Eu não conseguia encontrar o bendito aparelho em lugar nenhum, então, resmungando desgostosamente, fui obrigada a abrir os olhos e levantar um pouco o meu corpo, me concentrando para notar de onde estava vindo o som irritante.
O toque do meu celular era ótimo, mas não chegava a tanto quando atrapalhava o meu sono. Encontrei o celular debaixo de um dos lençóis que me cobria e cocei os meus olhos, tentando me despertar. O nome de Kenzie brilhava na minha tela, com sua foto de fundo, pedindo que eu aceitasse a chamada de vídeo. Como ela já me viu em estados piores do que descabelada ao acordar, eu aceitei.
Finalmente! — rabugenta como sempre, ela exclamou do outro lado.
Tudo o que eu fiz foi ela receber uma careta mal humorada da minha parte.
— Você sabe que horas são? — retruquei, me ajeitando melhor na cama.
É um horário adequado o suficiente para você já estar acordada, Bela Adormecida — rebateu. — Eu queria saber como você está.
— Viva, como você pode notar — respondi. — Como foi em Vegas?
Kenzie me contou algumas de suas aventuras com Jamie, que depois pegaram caminhos separados para passar o restante da semana na casa dos pais. Estávamos na segunda semana de férias e eu nem queria pensar sobre o momento em que precisaria voltar para o trabalho e encarar a realidade mais de perto. Eu me sentia em casa e finalmente estava matando toda a saudade dos meus pais. Minha mãe me mimava como podia, Cate implicava comigo por causa de e , e meu pai, mesmo que não fosse todo afetuoso como mamãe era, passava noites acordado comigo, vendo filmes ruins.
E como está tudo por aí? — ela questionou, depois de terminar de relatar o fim da viagem e de como implicou o caminho inteiro com a integrante mais nova. — Vi a foto que você postou.
Nós tínhamos uma conta privada, separada da nossa vida de fama, somente para os amigos mais íntimos ou conhecidos. Eu costumava postar mais sobre minha vida pessoal lá do que na minha conta pública, que eu usava mais para publicar sobre a minha vida na banda com as meninas. Era bom ter um controle daquilo.
— Você sabe que não consegue ser discreta, não é? — avisei a ela, que deu de ombros como se fosse inocente. — Está tudo bem por aqui. E, sim, são eles.
Kenzie deu um sorrisinho na tela que me faria jogar uma almofada nela se eu a visse pessoalmente, mas naquele momento eu estava impossibilitada de realizar o meu desejo, então apenas bufei com a sua atitude. Eu tinha contado para as meninas um pouco do meu passado e, principalmente, tinha contado sobre e . Kenzie sempre foi a mais curiosa para conhecer ambos, mas eu nunca criei a oportunidade para aquilo acontecer. Afinal, também era a primeira vez que eu reencontrava os dois depois de anos separados.
— E como você se sente?
— Em relação a…? — Eu sabia ao que ela se referia, mas queria ganhar tempo.
— Não se faça de boba, não combina com você — retrucou.
Kenzie ajeitou melhor a câmera do outro lado, me deixando vê-la inteira em um ângulo favorável e ter um vislumbre do seu antigo quarto. Tentando me concentrar, resolvi responder à sua pergunta, já que ela não me deixaria em paz.
— Eu não esperava vê-los, para ser sincera — admiti, levantando da cama e caminhando até o banheiro, segurando o celular bem na frente do meu rosto. — Eles continuam os mesmos, mas agora… juntos.
— Sem você?
— Sim, Ken, a vida continua para algumas pessoas, sabe? — ecoei, irônica, com um sorrisinho de lado.
Ela me devolveu o dedo do meio. Me olhei no espelho rapidamente e posicionei o celular em um lugar alto, onde ainda pudesse vê-la.
— Hm — resmungou. — E já rolou alguma coisa?
— Kenzie!
Encarei-a com intensidade, balançando a cabeça para o seu questionamento e comecei a escovar os meus dentes, me recusando a responder aquela pergunta. Às vezes, eu odiava o fato de que ela não sabia ser delicada.
— O quê? — Se fez de desentendida. — Você precisa superar o e sabe disso!
Ela estava certa, claro, mas eu me sentia duas vezes pior em pensar sobre me aproveitar de e para superar uma pessoa que eles nem conheciam. Eu não era a favor de usar alguém para esquecer outro e magoar a pessoa no processo.
— Conversa inadequada para um horário tão cedo de manhã — resmunguei, com a escova ainda na boca.
— São quase dez horas, , acorda! — reclamou, revirando os olhos.
Ai, que merda! Não percebi que já era tão tarde e eu ainda perdi o café da manhã com minha família. Ultimamente, tinha começado a passar meus dias e noites com minha dupla de amigos e eu muitas vezes perdia a noção dos horários por isso, mas estava me ajudando a manter a cabeça no lugar e me distrair.
— Você conseguiu compor alguma coisa? — ela continuou.
Deixei meus ombros caírem, me sentindo derrotada por alguns segundos. Houve um tempo em que compor era fácil para mim, como andar de bicicleta. Terminei de escovar os dentes e lavei o rosto.
— Não — respondi. — Mas o está tentando me ajudar.
Ela assentiu.
Eu espero que você consiga — desejou. — Talvez possa falar com a Haven depois, não precisa fazer tudo sozinha.
— Eu sei — concordei, escutando alguém chamá-la. — Nos encontramos semana que vem?
Era uma tradição da banda. Nós quatro sempre nos juntamos na última semana das nossas férias para passar um tempo juntas sem que envolvessem trabalhos, entrevistas, músicas ou coreografias. Nós simplesmente agíamos como amigas que estavam em uma viagem juntas.
Sim — ela concordou e se despediu, encerrando a ligação.
Destravei a tela do meu celular e comecei a responder mensagens particulares de Jamie e Haven, além das mensagens dos nossos grupos. Ignorei todos os outros, mas não sem antes ver um convite de almoço na casa de .

Algumas horas mais tarde, eu estava sentada no tapete da sala, com e seu violão e um caderno com folhas espalhadas pelo chão. Ele estava me mostrando algumas de suas composições e, segundo ele, todas eram antigas, já que fazia um tempo que ele não parava para sentar e compor algo novo. Eu encarava admirada todas as suas anotações, enquanto ele dedilhava devagar e baixinho o violão em seu colo. estava na cozinha, pois tinha recusado ajuda para o almoço, e eu não sabia o que ela estava aprontando, então resolvi ficar ali na sala.
— Você nunca pensou em vender os direitos autorais dessas músicas? — encarei-o.
parou de dedilhar a melodia baixa do violão, passou os olhos pelas folhas e, em seguida, parou em mim. Ele tinha uma aura muito intensa ao seu redor que eu amava.
— Não — admitiu, sincero. — Todas as músicas são sobre você e , então são bem pessoais.
Eu prestei atenção o suficiente nas letras para ter notado aquilo, mas não quis saber a resposta. Mesmo assim, ela veio sem que eu sequer questionasse para obtê-la.
— Você é incrível, — elogiei, com um sorriso aberto no rosto. — Deveria explorar esse talento.
Ele me devolveu o sorriso e assentiu. trabalhava ensinando crianças a tocar violão e dava aulas de balé. Nossas vidas estavam sempre conectadas através das artes.
— Vou ver se precisa de ajuda — ele avisou e eu concordei com um aceno.
deixou o violão protegido em cima do sofá e eu continuei sentada no chão, começando a juntar os papéis de volta para o caderno. Eram letras incríveis e pessoais. Assim que juntei tudo, ouvi meu celular apitar, indicando uma mensagem. Quando destravei a tela, percebi que eram notificações de mentions no Twitter, uma atrás da outra. Confusa, abri o aplicativo e cliquei na primeira notificação que vi, vendo uma pessoa aleatória me mencionar em um comentário de um link de entrevista. Cliquei no link e o site me direcionou para um vídeo.
Quando dei play, me arrependi na mesma hora, mas não consegui fechar e voltar atrás. Era , com seus companheiros de banda, sendo entrevistado por Sparks Hoops, do programa noturno This Is a Show!
— Então, — o apresentador iniciou com ele. — Nós estamos sabendo da novidade. Noivado, hein?
riu, mas estava se divertindo por estar ali. Seus amigos fizeram um barulho estranho e a plateia gritou no fundo.
— É, foi meio repentino, na verdade — ele respondeu, calmo e sereno como sempre era. — Mas, ao mesmo tempo, pareceu certo.
— Nós, do programa, te desejamos felicidades nessa nova jornada — Sparks disse. — Mas também queremos saber. Ninguém entendeu quando você anunciou o fim do relacionamento com . Vocês pareciam bem, vocês estavam bem, não é?
deu uma risada sem graça e se remexeu no sofá, desconfortável. Até seus amigos ficaram em silêncio. Ele demorou um pouco até finalmente responder.
é uma pessoa incrível — ele começou. — Nós tivemos um relacionamento ótimo, mas o amor não sustenta tudo. É difícil, estando em uma banda, manter um relacionamento com outra pessoa do mesmo ramo.
Senti meus olhos lacrimejarem sem que eu percebesse.
— Eu espero que ela entenda que, apesar de eu estar com a Trisha agora, isso nunca anulou tudo o que eu senti por ela em todo tempo que ficamos juntos — ele continuou, rasgando mais um pouco os pedacinhos do meu coração. — Só não éramos mais certos um para o outro.

Fechei o navegador do vídeo e bloqueei o celular de volta, ignorando todas as mentions que me pediam para ver o vídeo. Eu estava indo bem e agora estava chorando baixinho, sentada no tapete da sala de , me sentindo mais patética do que eu era.
?
Limpei meu rosto rapidamente, mas apareceu ao meu lado, se abaixando para ficar na mesma altura que a minha. Sua mão pousou no meu ombro, afagando a minha pele em um carinho que há muito tempo eu não reconhecia.
— Ouvi tudo do vídeo — ela confessou.
Com lágrimas embaixo dos olhos, levantei o rosto na direção dela. sorriu fechado para mim e segurou o meu queixo com uma mão, enquanto a outra limpava o que restou das minhas lágrimas. Eu me sentia uma adolescente que não conseguia superar o primeiro amor e que tinha sido trocada muito fácil no processo, mas o que eu entendia sobre aquilo?
— Vem, vou abrir uma garrafa de vinho — avisou.
Funguei baixinho e deixei o celular para trás, seguindo ela direto para a cozinha, onde a mesa estava posta com o almoço. nos viu entrando, mas balançou a cabeça em negação quando ele franziu a testa, confuso.
— Vamos almoçar — ela anunciou. — E depois, vamos beber.

Perdi a noção de quantas taças de vinho eu tinha tomado, mas não me importava.
Eu estava com e na sala de volta, depois de ter terminado o almoço. Ela tinha preparado o nosso prato favorito quando éramos crianças: macarrão com queijo e orégano. tinha me proibido de acessar minhas redes sociais no celular de novo, visto que eu tinha ficado mal por causa do vídeo de falando sobre mim. Eu tinha certeza de que havia mensagens das meninas sobre aquilo, mas, como eu não conseguia o acesso ao celular, resolvi que eu poderia responder depois.
— Vocês dançam, mas não fazem parte de nenhuma equipe? — continuei o assunto que tínhamos começado.
Descobri que eles eram bons no break dance e que Caleb tinha os convidado para fazer parte da equipe, mas ambos recusaram.
— É só diversão — respondeu, bebendo os últimos goles do vinho.
, ao meu lado, concordou. Eles me explicaram que gostavam de dançar, mas também gostavam de dar aulas para as crianças e aquilo pagava as contas e eles estavam felizes. Eu queria ter sido assim: ter me contentado em ficar naquela cidade pequena, com qualquer oportunidade que me surgisse, mas minhas vontades sempre foram grandes demais para caberem ali.
— Nós temos vagas para dançarinos, caso um dia vocês precisem — comentei, virando mais um gole da taça.
O copo ficou vazio e eu optei por não beber mais nada antes que eu começasse a me sentir tonta e voltasse bêbada para casa.
— Por falar em dança, eu gosto muito do seu solo em Talking Dirty confidenciou.
Kenzie tinha mesmo caprichado na coreografia daquela música. O clipe inteiro deu trabalho, porque cada uma de nós precisava fazer um solo e depois juntar os passos com os dançarinos e em grupo, mas o resultado tinha sido impecável. E eu amava performar a dança ao vivo.
— Eu também gosto — confessei, um pouco alterada.
Me deitei contra o tapete, encarando o teto escuro.
— Você também compôs a música? — indagou.
— Não — contei. — Eu divido o posto com a Haven, às vezes. Nessa época, ela estava bastante… empolgada.
A música falava sobre coisas sujas durante o sexo e eu tinha certeza que Haven era especialista nisso, mas eu nunca quis saber muitos detalhes. Gostava de preservar a imagem pura que eu tinha dela, mas era inevitável evitar ela falar sobre, de tempo em tempo. De todas nós, ela era a que tinha a vida sexual mais ativa, mas nos proporcionou uma das melhores músicas do álbum.
— Você pode… — começou a dizer, mas pigarreou antes de continuar. — Pode dançar para nós?
Levantei imediatamente, surpresa com o pedido. Ele estava bem ao meu lado, enquanto estava sentada de frente para mim. Encarei os dois, engolindo a seco, pensando sobre o pedido. O convite.
— O meu solo? — sussurrei.
assentiu. Quando olhei para , os olhos dela brilhavam. Lembrei da sensação que era eles me olharem daquela maneira, como se eu fosse a única coisa do mundo presente para eles agora. E não houvesse mais nada lá fora. Sem responder, prendi o meu cabelo em um coque alto e me levantei do chão. Eu não precisava da música para dançar, meu corpo sabia todas as coreografias de cor, principalmente aquela, que eu tanto treinei por muito tempo.
Com a respiração acelerada, esperei que ficasse ao lado de , de frente para mim, prontos para me assistirem em silêncio. Então comecei. Devagar, lenta, concentrada. Deixei que os olhos deles acompanhassem cada movimento do meu corpo e dancei o meu solo tão bem quanto eu me lembrava. Meu peito subia e descia devido à respiração pesada e rápida. Em algum momento da dança, puxei comigo. Eu tinha terminado o meu solo e a próxima parte era com um dançarino, mas não sabia, então guiei as mãos dela até as partes estratégicas do meu corpo. Abri um sorriso em sua direção, tocando o seu rosto com delicadeza, sem desviar os olhos dela por um momento sequer. Eu tinha consciência de que nos assistia.
Quando eu estava preparada para finalizar os meus passos, me surpreendeu. Seus lábios buscaram os meus com urgência e ela me beijou, mostrando que nunca tinha esquecido como era a sensação dos nossos lábios juntos. Eu a beijei, os pensamentos nublados pelo álcool, e puxei-a pela barra de sua blusa, sentindo a necessidade de tê-la mais perto de mim, como se eu ainda tivesse dezesseis anos. Um calor urgente me consumiu e eu não larguei os seus lábios por nenhum segundo, sentindo as suas mãos passearem pela lateral do meu corpo. Eu estava consumida por aquele momento, pela sensação de ser desejada. Foi só quando senti as mãos ásperas e quentes de passando pelas minhas costas que tive um súbito surto de consciência e me afastei de , soltando a sua blusa.
Arfei, puxando a respiração para dentro, tentando me recuperar.
— Desculpa — sussurrei, a voz mal saindo. — Desculpa, eu não posso…
Me senti a pior pessoa do mundo por ter deixado o momento se estender. Eu tinha dito a Kenzie que não faria aquilo e lá estava eu, me aproveitando. Não era justo, mas tinha sido tão bom não lembrar que existia.
— Não posso fazer isso com vocês — comecei a me explicar, a respiração controlada. — Não posso ficar com vocês para esquecer momentaneamente alguém e depois ir embora como se nada tivesse acontecido. Não quero que tentem me superar de novo.
e trocaram olhares silenciosos. Ela tocou o meu braço delicadamente e sorriu gentilmente para mim.
, está tudo bem — garantiu. — Nós sabemos disso.
— Eu sei que você está sofrendo pelo seu ex — continuou. — Mas não vejo mal nenhum em um remember.
Ele me deu uma piscadela e eu comecei a rir, não acreditando no tamanho da sua audácia.
— Nós somos adultos agora — disse. — Somos maduros o suficiente para entender qualquer coisa que acontece entre nós. Eu acho que nós podemos aproveitar muito bem seus últimos dias de férias juntos. E se, no meio do processo, isso te ajuda a não pensar no seu ex, eu só vejo vantagens.
— Não se sinta mal em nos usar — completou. — Nós estamos usando você também.
Estapeei o seu braço com força, mas havia um enorme sorriso no meu rosto. Se era possível, eu estava mais leve agora do que não estava antes. Eu não sabia que precisava dos dois em um dos piores momentos da minha vida, mas eles estavam certos. Eu queria aquilo tanto quanto eles, que mal havia em aproveitar uma oportunidade?
estava lá com sua noiva agora, seguindo a sua vida. Eu também podia seguir a minha.
— Isso foi meio cruel. — Apontei um dedo em riste para .
Ele fingiu querer morder o meu dedo e me empurrou para cima dele. me agarrou pela cintura e distribuiu beijos molhados pelo meu pescoço antes de finalmente me beijar também.

— O que você está pensando agora?
Ajeitei meu corpo na cama, apoiando o meu queixo contra o peito de . tinha ido à cozinha, comunicando que estava com fome e iria trazer uma bandeja com coisas para comer e eu fiquei ali deitada e preguiçosa ao lado de . Encarei ele por um momento, analisando a sua pergunta e, no fim, eu não tinha exatamente uma resposta.
— Que talvez eu devesse aparecer aqui mais vezes — contei.
Ele soltou uma risada gostosa e seus dedos começaram a acariciar a pele das minhas costas nuas.
— Seu trabalho é meio complicado para isso — ele lembrou. — As mazelas de ser famosa.
Soltei um resmungo contrariado, odiando ele estar certo.
— Eu tenho algumas brechas às vezes — expliquei.
— Estamos muito longe de Londres, .
Comecei a batucar contra a pele do seu peito, mordendo o meu lábio. Se já era difícil estar ali para visitar os meus pais, seria duas vezes mais difícil oferecer alguns dos meus dias livres a eles. A única conclusão que eu cheguei naquele dia, era que eu não deveria fazer nenhuma promessa. E não fiz.
— Limpe a sua mente — ele sugeriu.
— O quê?
Fiquei um pouco confusa, mas me afastou delicadamente, se levantou da cama, vestindo somente uma cueca, e andou pelo quarto até encontrar seu segundo violão favorito. Ele estava meio velho, já que tinha sido o primeiro instrumento que ele tinha ganhado do meu pai, mas guardava como se fosse valioso. De certa forma, era.
Ajeitei o meu corpo sobre a cama, ainda me cobrindo com o lençol branco, já que eu tinha sido a única indecente a não colocar as roupas de volta. entrou no quarto usando somente uma camisa do , que mal cobria as suas coxas, mas deixava ela ainda mais linda. Ela segurava uma bandeja pequena e veio até mim, colocando-a com cuidado na cama. Havia três copos de sucos de laranja, uvas, algumas torradas e três fatias de bolo. Devia estar quase anoitecendo.
— Aqui. — voltou para cama, sentando-se do outro lado.
Eu peguei o copo de suco oferecido por e bebi alguns goles, agradecendo com um murmúrio. Observei posicionar o violão no colo e ele jogou o caderno pequeno para mim, junto a um lápis desgastado.
— O que você espera que eu faça? — perguntei.
Pedi que me estendesse a minha blusa, que estava bem abaixo dos pés dela. Ela se abaixou, se esticando um pouco, e me jogou a camisa. Soltei o lençol e vesti a blusa, ficando devidamente coberta, ao menos na parte de cima, e amarrei o meu cabelo com cuidado.
— Tente compor — ele me instruiu. ficou em silêncio, mastigando a sua fatia de bolo. — Olhe ao redor e busque se inspirar um pouco.
… — Minha voz morreu quando ele levantou os olhos na minha direção.
Ele estava tentando me ajudar e eu era grata por isso, mas não era tão fácil buscar inspiração daquela maneira. ofereceu o copo de suco a ele, que aceitou.
— Posso tocar qualquer nota que você quiser.
Soltei um suspiro longo e deixei o copo de suco de lado.
— Tudo bem se não conseguir, argumentou.
— Me entregue esse violão. — Estendi as mãos para .
Ele encolheu os ombros, mas atendeu o meu pedido e me entregou o instrumento. Posicionei no meu colo e toquei as cordas, que apesar do tempo, estavam intactas. sabia como cuidar das coisas.
Eu não precisava de instrumento para compor, mas, quando arriscava, preferia usar uma guitarra. Dedilhei os dedos nas cordas e uma nota melódica soou.
I’m still a mess, oh, since you left — comecei a cantar baixinho, tentando saber se as palavras combinavam em um certo ritmo. — If I can’t be happy, happy with you — continuei, sentindo os olhares dos dois sobre mim, mas não olhei para nenhum deles. — I’ll be happy, happy for you.
Suspirei, parando de cantar. Deixei o violão de lado e encarei os dois.
— Não consigo — admiti.
Mesmo assim, aquelas palavras tinham sido as únicas coisas que eu consegui compor em meses.
— Acho que se você trabalhar em cima disso, vai conseguir — aconselhou.
— Eu anotei — rabiscou o caderno, mostrando o que ela tinha escrito para mim —, caso você esqueça. Você tem muito essa mania de duvidar da própria capacidade.
Ela revirou os olhos, me repreendendo silenciosamente. Peguei o caderno e deixei em cima da escrivaninha ao meu lado.
— Eu trabalho isso depois — declarei. — Ainda estou de férias.
Eles riram, mas aceitaram a minha condição.
— Caleb mandou uma mensagem nos convidando para o bar — disse. — Você vem?
Como eu tinha menos de uma semana ali e gostaria de aproveitar mais, assenti, aceitando o convite. Só esperava que Caleb não inventasse mesmo de me fazer participar de qualquer batalha de dança que fosse, eu não iria.
— Só preciso passar em casa antes — avisei.
— Temos tempo para um outro round então? — sugeriu.
Eu e rimos e eu joguei uma das almofadas em cima dele, que agarrou sem pensar.
Talvez fosse cedo demais para compreender que eu ia sentir falta deles quando voltasse para Londres e para minha agenda lotada de shows.

Alguns dias depois


— Tente voltar mais vezes, querida. Nós sentimos a sua falta. — Mamãe acariciou a minha bochecha, as lágrimas emotivas nos olhos.
Eu estava acostumada com ela quase sempre chorando toda vez que eu precisava voltar para Londres. Mas, daquela vez, eu realmente precisava dar um jeito de voltar mais vezes. Quando entrei na banda e as coisas começaram a dar certo, tentei trazer meus pais e minha irmã para virem morar comigo, mas papai disse que preferia continuar na sua vida tranquila, em uma cidade escondida do mundo. Mesmo assim, ele sentia orgulho de mim e nada mudaria isso. Cate achava que ali também era o seu lugar, mas presenteei ela com um apartamento na Inglaterra, só para o caso dela precisar de um lugar extra para ficar um pouco sozinha.
— Eu prometo, mamãe — respondi, beijando as suas bochechas carinhosamente.
Ela se afastou, dando espaço para o meu pai, que se aproximou de mim. Ele tinha a velhice bem sob os seus pés e nunca reclamava de sua vida tranquila que vivia.
— Cuide da mamãe por mim. — Beijei a testa dele.
Ele balançou a cabeça, assentindo.
— Tome cuidado com o mundo, está bem? — ele murmurou, batendo devagar na minha bochecha esquerda. — E não deixe ninguém ser cruel com o seu coração. Não me importa se for homem ou mulher.
Eu sorri.
— Eu te amo, pai — sussurrei, deixando-o me abraçar. Logo em seguida, Cate me abraçou toda empolgada. Ela não gostava que eu fosse embora, mas entendia e não ficava triste por isso.
— Você pode me mandar tudo em primeira mão sobre o documentário? — pediu.
Mordi o meu lábio, pensando.
— Não sei, mas eu vou tentar — prometi. — Se você não vazar nada antes.
Uma vez, isso aconteceu. Mandei um trecho de uma música inédita para ela e levei um esporro de Clarisse depois, porque a música tinha vazado e eu descobri que a culpa era da Cate. Desde aquele episódio, tomava cuidado com as coisas que compartilhava com ela, mas, desde então, minha irmã nunca vazou mais nada.
— Isso nunca mais aconteceu — ela rebateu, indignada. — Eu sou a sua irmã favorita!
— Você é a única, Cate — apontei o óbvio.
Ela deu de ombros, encerrando a discussão.
— Bom, volte logo. — Me abraçou rapidamente. — E, dessa vez, traga presentes.
Balancei a cabeça sorrindo e ajeitei o meu sobretudo preto contra o meu corpo. Estávamos no aeroporto fazia uma hora e meu voo seria em menos de trinta minutos. Antes de estar ali, fiquei em uma ligação de dez minutos com as meninas, combinando que todas iríamos para a minha casa dessa vez. Nós quatro morávamos relativamente perto umas das outras, mas só usamos uma casa para todas as bagunças e a minha era a escolhida da vez.
Eu estava prestes a ir para a área de embarcação, para que meus pais fossem embora e não ficassem tanto tempo ali, esperando que meu voo fosse anunciado. Eu não gostava muito de estender as despedidas, preferia que fosse tudo rápido.
Mas quando me abaixei um pouco para pegar o resto das minhas coisas, avistei e do outro lado, parados, de mãos dadas. Meu coração bateu mais forte que o normal ao avistá-los. Ambos sorriam para mim.
— Nós vamos deixá-los — mamãe disse, percebendo o que estava acontecendo. Eu sempre soube que não dava para esconder nada daquela mulher. — Ligue para casa quando chegar.
Concordei com um aceno e assisti eles irem embora, retribuindo o aceno exagerado de Cate.
e chegaram até mim.
— Acho que merecíamos uma despedida digna dessa vez — disse.
Eu não pretendia ir embora sem me despedir deles, mas não encontrei tempo para um momento sozinho com eles. E estava de voo marcado, que não podia perder, mas estava feliz por eles terem aparecido ali.
— Eu não posso prometer sempre voltar, mas… — comecei a falar. — Podemos manter contato.
assentiu. Segurei a mão dela e a de e os dois me abraçaram, me deixando sentir o cheiro único de ambos. Eu me sentia muito mais leve por me reconectar com parte do meu passado e agora só precisava estar bem com o meu presente.
Separei o abraço e suspirei, umedecendo os meus lábios com a língua, guardando cada parte das feições deles para mim. era mais delicado e era mais pé no chão e decidida, mas ambos se completavam de uma maneira única. Não precisavam de mim.
Nunca tinham precisado.
sussurrou. — Nós sempre vamos amar você.
Soltei o ar com as palavras. Abri um sorriso sincero e discreto e me aproximei o suficiente para beijar a bochecha dela, bem perto dos seus lábios.
— Eu sei — sussurrei de volta. — Cuidem um do outro. Eu vou mandar notícias.
Ela assentiu. Olhei para , seus lindos olhos brilhantes e toquei o seu rosto, beijando-lhe a bochecha da mesma maneira que beijei a .
— Fiquem juntos.


Parte Quatro

Londres


— Estou cansada. Quem teve essa ideia absurda?
Kenzie resmungou, ao meu lado, um pouquinho mal humorada por ter sido obrigada a correr na esteira por vinte minutos em uma velocidade que ela mal podia acompanhar, mas, no final, tinha conseguido.
— Foi a Haven — entreguei, jogada no sofá. — Porque ela é louca e acho que devíamos devolvê-la.
Haven nos desafiou a fazer exercícios físicos com tempos e velocidades extremas e queria saber quem ganhava. Eu desisti primeiro e Jamie logo depois, mas Kenzie venceu tudo, ultrapassando a própria Haven, que não gostou de perder. Eu não sabia por que fazíamos aquilo.
Exercícios físicos não eram a minha ideia de diversão, mas, quando nos juntamos, as quatro na casa de uma, parecia que nos tornávamos adolescentes.
— O continua gostoso? — Jamie questionou, de repente.
Soltei uma risada gostosa pela mudança de assunto repentina. Por anos, tentei me acostumar com aquele jeito dela.
— Foi mal, , eu espalhei — Ken debochou, sem mostrar nenhum pingo de arrependimento.
Ela tinha me encurralado, no primeiro dia que voltei para Londres, se finalmente tinha rolado algo com e . Como eu não sabia mentir para aquela aprendiz de megera, contei tudo. Não bastasse aquilo, ela ainda tinha o prazer de fofocar para as meninas.
— Sim, continua — respondi, virando a cabeça no sofá para olhá-la melhor, jogada no chão da sala. — Tudo por causa de Talking Dirty.
Haven fez um barulho com a boca.
— Eu disse que essa música era poderosa — se gabou. — Agora você podia usar um pouco dessa inspiração para fazer uma parte dois.
— Espera aí. — Jamie levantou do chão, apontando para mim. — Você transou com os dois?
Achei engraçada a sua reação. Jamie era maravilhosa, mas, na maior parte do tempo, tinha dificuldade de pegar as coisas no ar. Ou a fofoca completa.
— O pacote todo, sua lerda — Ken rebateu.
Como ela estava bem ao meu lado do sofá, bati meu ombro no seu com força.
— Pelo amor de Deus, eu não vou transformar minha vida sexual em um tópico de conversa — reclamei, me levantando.
Esfreguei o meu rosto, coçando o meu nariz, encerrando aquele assunto. Fazia quatro dias desde que eu tinha chegado a Londres e cumpri a minha promessa de manter contato com os dois. E agora faltavam dois dias para nossas férias acabarem.
— Está bem, então — Jamie reclamou. — Como vai a nossa pré-produção para o próximo álbum?
Haven mordeu a pele do polegar, olhando para mim. Eu ainda não tinha conseguido compor nada, além daqueles míseros trechos com . Até tentei continuar depois, mas nada veio.
Nada.
— Estamos trabalhando nisso — Haven respondeu. — Eu tenho alguns rabiscos e posso complementar com a .
Haven era tão talentosa quanto eu, mas ela preferia ficar com os instrumentos do que propriamente as letras das músicas.
— Nós temos mais alguns dias — respondi, tentando consolar mais a mim mesma do que a elas.
O problema era que a produção do próximo álbum seria acompanhada pelos produtores da Netflix, que queriam ver de perto o nosso processo de criação. Eu odiaria ser gravada com bloqueio. Ainda íamos receber o roteiro, mas Clarisse tinha passado boa parte das coisas para nós. Uma banda preparada era melhor do que uma despreparada. Evitava o cometimento de micos maiores.
— Vai dar tudo certo — Jamie disse, com seu otimismo de sempre.
Nós quatro assentimos em sincronia e eu senti a minha barriga reclamar de fome. Com os olhares que recebi, percebi que não era a única ali querendo comida. Verifiquei o relógio e percebi que já tinha anoitecido.
— Podemos sair para jantar? — Jamie sugeriu.
O risco de sermos reconhecidas e paradas na rua era grande, mas, ao mesmo tempo, também merecíamos viver um pouco em sociedade, sem precisar se disfarçar.
— É uma boa ideia? — Haven indagou, meio preocupada. — Na melhor das hipóteses, podemos pedir pizza e paquerar o entregador.
Nós rimos, mas ninguém comprou a ideia.
— Podemos ir ao restaurante de sempre — Ken solucionou, sentando-se no sofá. — Eles têm um sistema de segurança bom o suficiente.
— Você fala como se fôssemos ser assassinadas — rebati.
Ela deu de ombros antes de continuar seu argumento.
— Os fãs podem ser um pouco… calorentos.
Jamie bateu palmas ritmadas, chamando a nossa atenção.
— Então vamos nos arrumar — avisou. — Temos meia hora para todo mundo ficar pronta.

Eu pensava menos no agora.
Evitava entrar nas redes sociais e as meninas não tocavam no nome dele — exceto, talvez, a Jamie, que se esquecia disso —, e passamos a maior parte do dia inteiro juntas, ou dormindo, então eu não tinha nenhuma brecha livre para preencher os meus pensamentos com lembranças dele. Caminhava para um processo lento, mas que estava dando resultado. Eu sabia que, assim que começasse a produção do álbum e as entrevistas fossem marcadas, eu receberia perguntas sobre ele e seu noivado. Eu receberia todo tipo de pergunta, deveria estar preparada para responder todas elas e podia lidar com isso.
Mas eu não estava preparada para bater cara a cara com ele acompanhado da noiva no mesmo restaurante que eu e as meninas escolhemos para encerrar a nossa noite daquele dia.
Kenzie xingou baixinho ao perceber que eu tinha paralisado no meio da porta e Jamie ficou nervosa com a aproximação de até nós. Haven segurou o meu braço, como se quisesse me forçar a andar, mas meus pés tinham sido plantados ali, no chão.
Ele tinha um sorriso brilhante no rosto e sua noiva estava deslumbrante naquele vestido verde, e ele não tinha ideia de que eu não estava parada para cumprimentá-los, mas porque eu simplesmente travei diante da cena, torcendo que ele não fosse o ex bonzinho que cumprimentava a antiga namorada diante da atual para mostrar que tudo tinha terminado bem.
Eu não queria ser legal com ela. Nem com ele.
Mas quando parou na nossa frente, alheio aos olhares mortais que Kenzie lançava em sua direção, eu não tive muita escolha.
— Oi, — ele disse.
Havia um gosto amargo na minha boca que me impediu de responder. Pisquei os meus olhos lentamente, acompanhando o sorriso de Trisha na minha direção, o anel de noivado brilhando em seu dedo. Odiei constatar que eles combinavam e como estava feliz.
Haven apertou o meu braço com delicadeza, me lembrando que eu ainda tinha que responder alguma coisa. Jamie assistia tudo em silêncio, roendo as unhas feitas.
— Oi, — sussurrei, forçando um sorriso nos meus lábios.
Meu coração parecia querer pular para fora do meu corpo. Tentei não demonstrar quão arrasada e pequena eu me sentia.
— Você está bem? — Trisha questionou, o tom de voz gentil. — Você parece um pouco pálida.
Kenzie surgiu do meu outro lado.
— Ela está ótima! — respondeu por mim, um tom um pouco ácido. — Deve ser a fome.
Pigarreei, pedindo, em silêncio, que Kenzie ficasse quieta. Eu não queria que o momento se tornasse mais constrangedor do que já estava.
— Estou bem, obrigada — respondi a Trisha, ainda com um sorriso forçado no rosto. — Parabéns pelo noivado, . Fico feliz por você.
Fiquei ainda mais arrasada ao perceber que minhas palavras eram sinceras. Ele assentiu para mim, agradecendo com um aceno. Antes que pudesse dizer qualquer coisa que estendesse mais aquele momento, pedi licença para me retirar e saí do restaurante.
As meninas me seguiram logo em seguida.
— Eu disse — Haven resmungou. — Era melhor ter ficado com a pizza.
Jamie chutou a sua canela e ela resmungou um ai exagerado. Eu não estava com clima para brincadeiras. Meus pensamentos estavam nublados de novo, repletos de lembranças que eu não queria acessar no momento, mas o encontro inesperado me proporcionou sem que eu pedisse.
O ar estava gelado ali fora. Mesmo com o casaco, não consegui fugir do frio. Ou talvez eu não estivesse tremendo por conta do frio, mas de surpresa.
— Eu quero ir para casa — declarei, encerrando qualquer que fosse a discussão sobre elas.
Mas não consegui evitar desabar ali mesmo e as três me abraçaram juntas, esperando que eu me acalmasse.

Quando voltamos para casa, eu me tranquei no meu quarto, sob os protestos das meninas. Elas ficaram batendo por uma hora na porta, gritando e cantando o meu nome, mas eu não abri sequer uma vez. Antes de me trancar lá dentro, arrastei comigo uma garrafa de vinho.
Percebendo que elas tinham me deixado em paz, continuei andando pelo espaço do meu quarto, descalça e com o vestido azul curto manchado de vinho, segurando a garrafa em uma mão. Eu bebia goles longos e meus olhos estavam molhados devido às lágrimas recentes que resolveram me acompanhar pelo resto da noite.
Por que uma pessoa machucava tanto a outra? Como alguém tinha aquele poder? Eu estava cansada daquilo. Queria meu coração completo de novo, queria que o amor fosse fácil e livre, como eu me sentia quando estava com e . Queria que as pessoas parassem de complicar as coisas.
Queria que parassem de nos magoar.
Bebi mais um longo gole da garrafa, percebendo que ela estava vazia. Eu tinha tomado mais da metade e me sentia levemente alterada, repassando a cena do restaurante na minha mente o tempo todo.
Que inferno.
Parei de arrastar meus pés no chão e respirei fundo, olhando ao meu redor. Eu tinha um violão guardado em algum lugar ali. Deixei a garrafa no chão e abri o meu closet, encontrando o instrumento bem escondido, mais no canto direito. Retirei o violão e peguei o meu caderno de composições e uma caneta qualquer e me joguei no chão de qualquer jeito.
Primeiro eu posicionei o instrumento no meu colo, tentando me familiarizar com ele. Fazia tempo que não me arriscava a tocar nada para valer. Era Haven quem me ajudava naquela parte, mas eu queria compor sozinha daquela vez.
disse que eu precisava compor o que eu estava sentindo. E eu estava me sentindo uma bagunça.
Uma enorme e tremenda bagunça.
Bebi mais um gole do vinho e limpei a minha boca com as costas da mão. Busquei na minha memória os pequenos trechos que eu tinha tentando escrever quando estava com e . O álcool estava dificultando grande parte do meu processo de memória, mas eu consegui resgatar e passei para o caderno. Eu alternava entre usar o violão para estudar a melodia e compor a letra sem muita pressa. Não tinha ideia de que horas eram, mas eu sabia que já era muito tarde. Provavelmente, as meninas estavam dormindo, cansadas de me esperarem.
And you know I’d be lyin’. — Comecei a dedilhar baixinho. — If I say I don’t feel nothin’ at all oh-oh, I’ve been tryna be the bigger person.
Respirei entre a melodia. Anotei o que eu tinha acabado de criar, decidindo que eu melhoraria depois.
Agora, naquele exato momento, só tinha que aproveitar o meu estado e o lapso de inspiração que me consumia.
But it’s hard when I’ve been feelin’ so small. — Continuei, sentindo lágrimas molharem as minhas bochechas. — And nobody knows.
Eu não sei dizer quanto tempo fiquei ali, compondo. Eu terminei a garrafa toda de vinho. Chorei a maior parte do tempo.
Mas, no final, eu tinha rabiscado uma canção inteira.
Tomada por uma nova energia, me levantei do chão, deixei o violão na cama e limpei o meu rosto das lágrimas. Peguei o caderninho e abri a porta, saindo correndo pelo corredor e descendo as escadas com a mesma rapidez.
— Aconteceu alguma coisa? — Jamie ficou de pé imediatamente.
Ao contrário do que eu pensava, elas não estavam dormindo. Estavam assistindo qualquer besteira, esperando o momento em que eu ia sair do quarto. Haven e Kenzie também ficaram de pé.
— Aconteceu! — exclamei, aliviada e satisfeita.
— O que aconteceu? — Haven questionou, ansiosa pelo suspense.
Balancei o meu caderno no ar. Elas sabiam o que aquilo significava.
— Eu sei que eu estou bêbada, mas eu consegui compor uma canção inteira!
Elas se aproximaram ao mesmo tempo, examinando o caderno que eu tinha estendido. Eu me sentia leve depois de chorar várias horas sozinha.
— Fico tão feliz por isso, ! — Haven exclamou, me abraçando de lado pelo pescoço.
Kenzie desenhou um sorriso orgulhoso no rosto para mim e Jamie pegou o caderno da minha mão, analisando a letra.
— Você colocou tudo o que estava sentindo aqui. — Ela passou os dedos pelas palavras.
Funguei baixinho, observando-a.
— Sim, coloquei — confessei.
Não era sempre assim? Algumas músicas eu me inspirava mais do que as outras. Mas essa tinha um pedaço do meu coração inteiro.
— Você já tem um título? — Ken indagou.
Haven separou o abraço e eu pensei um pouquinho, respirando fundo.
A Mess — anunciei. — (Happy For You).
Elas sorriram para mim. E eu me senti tão grata por tê-las na minha vida.
— Não me importo mais se o mundo inteiro souber que eu fiquei uma bagunça depois do — completei. — Porque é tudo verdade.


Epílogo

— Como vocês se sentem agora?
A câmera focou nas quatros integrantes da girlband The Four Colors. Elas estavam radiantes, depois de um mês inteiro sendo acompanhadas por produtores e câmeras por todas as partes que iam e agora estavam prestes a entrar no
The Late Show para a primeira entrevista sobre o próximo álbum de lançamento. Iriam revelar o nome e a primeira canção em primeira mão, além de anunciar o lançamento de um clipe inédito.
— Eu me sinto… — Jamie fez uma cara pensativa, mostrando uma expressão fofa, sempre relembrando ao público porque ela era a mascote do grupo. — Não sei. Feliz, talvez.
O sentimento era puramente genuíno. A risada que ela soltou a seguir apenas comprovou o seu estado de espírito e a mais nova realmente se sentia feliz. Ela amava aquele período do lançamento de um álbum novo, das expectativas dos fãs, das brincadeiras das entrevistas para arrancar sempre mais novidades em relação à banda. O documentário não era mais segredo. Mas a data de lançamento era.
Nem mesmo elas sabiam sobre aquilo.
— Eu também estou feliz — Haven completou, a câmera focando completamente nela agora. Seus olhos brilhavam de excitação. — Esse álbum, especialmente, teve um pedaço muito pessoal de cada uma de nós. Estou muito animada com o resultado.
Haven e Jamie trocaram um high-five e a câmera focou em Kenzie agora, nos bastidores do programa da noite. Os tecidos das roupas que elas usavam brilhavam em contraste com a luz da câmera.
— Eu me sinto grata — Kenzie respondeu, surpreendendo. — E me sinto sortuda por estar rodeada por essas meninas incríveis que sempre dão tudo de si para ter um resultado extraordinário.
As meninas soltaram um “Aaah” exagerado de emoção e agarraram Kenzie, que não se deixou ser abraçada por mais do que dois segundos, fazendo as amigas rirem.
— Não liguem muito, gente — Jamie disse. — Ela costuma ser rabugenta assim mesmo.
Kenzie deu um peteleco com força no braço de Jamie, que reclamou. As câmeras captavam todos os momentos e detalhes delas juntas. Elas tiveram cenas separadas e cenas com as famílias, o que exigiu que elas viajassem de volta para as suas cidades natal. E finalmente aproveitou a oportunidade para apresentar suas amigas a e .
— E você, ? — alguém atrás da câmera perguntou. — Como se sente?
tinha um sorriso enorme no rosto. Parecia alegremente iluminada, diferente de semanas antes, que estava sempre com um semblante cansado e triste. Quando a produção do novo álbum começou, ela mudou totalmente de humor, principalmente depois de ter conseguido inspiração para compor a sua primeira música.
Todo o processo tinha a ajudado a seguir em frente e esquecer . Ela tinha um mundo inteiro lá fora e resolveu cumprir a promessa para o pai: não deixaria mais seu coração ser quebrado por quem quer que fosse. Ela detinha aquele poder, por menor que fosse.
— Me sinto radiante — respondeu, finalmente. — Não há nenhuma bagunça para arrumar mais, mas… ficar perdida um tempo em uma estrada não é o fim. Minha mãe costuma dizer que a vida é feita de começos. — Ela sorriu sincera. dizia que aquele era o seu sorriso favorito. — Nós estamos em um novo começo agora.
A segunda câmera focou nas meninas abraçando agora. Jamie, sensível como era, fungou baixinho, emocionada com as palavras e o momento que se seguia. Estavam juntas há anos e os laços que as uniam desde o teste só se fortaleciam. Jamie acreditava que era o tipo de amizade que duraria uma vida inteira.
— E… corta!


— Senhora e senhores, por favor, recebam as nossas convidadas — Stephen anunciou. — A girlband The Four Colors!
O som de aplausos preencheu o ambiente. Cada uma das meninas entrou em fila e acenaram para a plateia, cumprimentando o apresentador logo em seguida, antes de finalmente se sentarem no sofá disponibilizado para os convidados.
— Uau — Stephen murmurou. — Vocês estão radiantes, meninas!
Elas sorriram, agradecendo em uníssono.
— Ok, nós vamos começar com um papo sério, ok? — o apresentador comunicou, recebendo acenos de cabeça positivos. — Então… estão solteiras, certo?
Jamie começou a rir, acompanhada das meninas. Não era um assunto tão sério quanto ele tinha colocado em pauta, mas Stephen gostava de fazer aquele tipo de gracinha.
— Bom, depende do que você define “solteiras” — Kenzie brincou.
Stephen fingiu estar pensativo.
— Sabe, a definição comum — ele rebateu. — Que significa que vocês não estão dividindo a vida com ninguém — ele levantou um dedo antes que Ken pudesse retrucar — romanticamente.
A plateia riu.
— Não se preocupe, Stephen — interviu. — A Kenzie gosta de dificultar a vida de todo mundo! Sim, nós estamos solteiras.
Kenzie lançou um olhar mortal para de brincadeira e a outra levantou os braços em rendição.
Qualquer um podia perceber, Clarisse pensou, olhando as meninas dos bastidores, que estava completamente leve, como se tivesse tirado um peso das costas. A agente tinha ficado aliviada por encontrá-la daquela maneira. Tinha temido que o período de férias não funcionasse para ela, mas aparentemente, tinha funcionado muito bem. Ela andava mais risonha, leve e feliz.
Como não tinha ficado nem mesmo com .
— Antes de seguir e liberar os quadros da noite para vocês, meninas, eu queria comunicar que estou muito lisonjeado de ser a primeira pessoa a receber as informações inéditas sobre a nova produção de vocês — Stephen comentou. — O que vocês têm para me dizer sobre o novo álbum?
— É um álbum pessoal — Jamie começou, assentindo. — Cada música tem uma parte de algum processo que nós passamos.
Embora Kenzie e Jamie não fossem compositoras, elas participaram daquele processo. Depois da criação de com A Mess, elas decidiram que o conceito do álbum seria ter um pedaço de cada uma, como se pudessem internalizar cada momento que elas passaram juntas até ali.
— Estamos realmente orgulhosas do resultado e esperamos que vocês gostem tanto quanto nós — Haven completou.
— Modéstia à parte, é meu álbum favorito — Kenzie confessou, levantando um ombro.
— Também é o meu. — umedeceu os lábios, coçando a bochecha. — Eu adoro todo o nosso processo de produção, mas esse especialmente me ajudou a me reconstruir.
Stephen concordou com um sorriso, girando um pouco a sua cadeira do outro lado da mesa.
— Eu não quero ser inconveniente, mas já sendo… — o apresentador iniciou, arrancando risadas das meninas e da plateia. — Você diz isso por causa do Calehs, ?
soltou uma risada nervosa. Na verdade, ela já esperava por alguma menção do ex, mas era como se tivesse esquecido todas as respostas.
— Não principalmente — respondeu. — Mas, sim. Eu estou feliz pela nova vida dele e realmente desejo coisas boas, mas o fim nem sempre é fácil.
Como se compreendesse perfeitamente, o apresentador apertou os lábios.
— Chegou a hora da primeira revelação da noite! — Ele se virou para a câmera principal. — Senhoras e senhores, estamos com as meninas do The Four Colors e vamos anunciar, em primeira mão, o nome do próximo álbum de estúdio da banda. Jamie, por favor, quer fazer as honras como mascote do grupo?
A mais nova riu e assentiu, empolgada. A câmera virou imediatamente para ela e, com o aval das meninas, Jamie umedeceu os lábios.
— O nome do nosso próximo álbum de estúdio é Confetti — ela anunciou.
Aplausos preencheram o ambiente e uma imagem do álbum com o nome apareceu em uma tela enorme atrás delas. Até o próprio apresentador aplaudiu.
— Maravilhoso! — elogiou. — Nós vamos continuar essa conversa, mas eu adoraria agora ver a apresentação da primeira música inédita de vocês. Meninas, façam as honras!
Elas concordaram com um aceno positivo e levantaram do sofá, andando até o meio central do palco.
— Oi, gente! — cumprimentou a plateia, que devolveu com a mesma animação. — Essa música se chama A Mess (Happy 4 U), e, ao contrário do que muita gente vai pensar quando ouvir a letra dela, não é sobre ! — explicou, arrancando risadas. — É sobre mim e sobre todas as outras garotas que se sentiram uma bagunça depois de um término.
As meninas ficaram em fila reta e a primeira melodia começou a tocar, iniciando com Kenzie cantando a primeira parte da canção.
tinha ficado uma bagunça por muito tempo depois do fim, mas não havia nada que a impedisse de mostrar agora que todo fim era uma porta para um começo.

Protect myself, ‘cause the feelings never lies
(Me protejo, porque os sentimentos nunca mentem)
We fine, yeah
(Nós estamos bem, sim)
Got my peace sign in the ar, yeah
(Estou com o meu sinal de paz levantado)
If you’re happy, I’m happy, I’m happy for you
(Se você está feliz, eu estou feliz, eu estou feliz por você)


FIM



Nota da autora: Finalizar essa shortfic foi um parto porque meu prazo era curto HAHAHA. Eu espero que eu tenha conseguido passar o que eu queria na história, porque eu nunca me enrolei tanto escrevendo algo. Mas o que importa foi que eu me diverti! Espero que tenham gostado e deem todo o amor a essas misturinhas lindas, porque o álbum é maravilhoso! Um beijo.



Outras Fanfics:
In Dark — (Criminal Minds/Em andamento)
Operação Bebê — (Originais/Em andamento)
EXITUS — (Criminal Minds/Em andamento)
05. Break Free — (Ficstape Perdidos #2/Originais)
07. Since We're Alone — (Ficstape Perdidos #3/Originais)

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