Capítulo 1
A tarde ensolarada era agradável de se apreciar do quintal decorado dos . Varais de lâmpadas garimpadas em antiquários pendiam sobre as cabeças dos convidados, compondo o ambiente junto com as luminárias de chão, caixotes e barris. A longa mesa de madeira crua estava coberta de flores brancas e folhagens, sousplats de crochê em fio de algodão e talheres prateados. Os pratos e taças, assim como os assentos na pequena área da cerimônia, eram descombinados entre si, frutos de diversas visitas a feiras de garagem e de artesanato.
O cavalete com fotos do casal estava posicionado ao lado da mesa de boas-vindas, que comportava dois grandes jarros com água e frutas, e um belo álbum em branco, com canetinhas, carimbos, fitas e uma câmera polaroide. As poucas crianças presentes eram sobrinhos, filhos de amigos e dois afilhados, e todos tinham um lugar reservado na pequena mesa que mimicava a dos adultos, mas com menu, numa opinião quase unânime entre os presentes, ainda mais atrativo. Quem recusaria uma bela porção de batatas fritas e livros para colorir, afinal?
Acomodados, os vinte convidados aproveitaram o almoço cuidadosamente preparado e conversavam sobre amenidades, compartilhavam experiências vividas com os recém-casados e se emocionavam com as memórias. Acreditando ser aquele o momento propício, se levantou, ajeitou a camisa branca de manga curta e os suspensórios e limpou a garganta, pedindo gentilmente a atenção dos amigos e familiares.
— Oi, pessoal! Obrigado por estarem aqui, hoje. É um dia especial, e vocês estão tornando esse momento ainda mais incrível.
Uma salva de palmas encobriu a voz do anfitrião, que sorriu animado em resposta.
— Eu e fizemos questão de uma cerimônia mais intimista, então se você está aqui, saiba que foi selecionado a dedo entre todos os nossos inúmeros amigos e colegas. E nós somos muito populares, sabem? Essa não foi uma tarefa fácil... Exceto por você, Mackie, a me forçou a te chamar.
— Ah, vai se danar! — Anthony Mackie, parceiro de trabalho, melhor amigo e padrinho de casamento de rebateu, bem-humorado, arrancando algumas risadas do casal e dos outros convidados. esperou alguns minutos até que os ânimos se acalmassem antes de retomar seu discurso.
— Bom, acho que vocês devem saber, mas eu tenho sinestesia, que é um pequeno distúrbio neurológico que causa o cruzamento dos sentidos. Esses cruzamentos podem variar, mas no meu caso, as emoções têm cores.
procurou a mão da esposa e a apertou de leve. retribuiu, e tomou aquilo como um encorajamento.
— Ao longo desses cinco anos, me fez ver cores diferentes, e cada uma delas construiu esse momento. Agora, eu queria compartilhar algumas delas com vocês.
O cavalete com fotos do casal estava posicionado ao lado da mesa de boas-vindas, que comportava dois grandes jarros com água e frutas, e um belo álbum em branco, com canetinhas, carimbos, fitas e uma câmera polaroide. As poucas crianças presentes eram sobrinhos, filhos de amigos e dois afilhados, e todos tinham um lugar reservado na pequena mesa que mimicava a dos adultos, mas com menu, numa opinião quase unânime entre os presentes, ainda mais atrativo. Quem recusaria uma bela porção de batatas fritas e livros para colorir, afinal?
Acomodados, os vinte convidados aproveitaram o almoço cuidadosamente preparado e conversavam sobre amenidades, compartilhavam experiências vividas com os recém-casados e se emocionavam com as memórias. Acreditando ser aquele o momento propício, se levantou, ajeitou a camisa branca de manga curta e os suspensórios e limpou a garganta, pedindo gentilmente a atenção dos amigos e familiares.
— Oi, pessoal! Obrigado por estarem aqui, hoje. É um dia especial, e vocês estão tornando esse momento ainda mais incrível.
Uma salva de palmas encobriu a voz do anfitrião, que sorriu animado em resposta.
— Eu e fizemos questão de uma cerimônia mais intimista, então se você está aqui, saiba que foi selecionado a dedo entre todos os nossos inúmeros amigos e colegas. E nós somos muito populares, sabem? Essa não foi uma tarefa fácil... Exceto por você, Mackie, a me forçou a te chamar.
— Ah, vai se danar! — Anthony Mackie, parceiro de trabalho, melhor amigo e padrinho de casamento de rebateu, bem-humorado, arrancando algumas risadas do casal e dos outros convidados. esperou alguns minutos até que os ânimos se acalmassem antes de retomar seu discurso.
— Bom, acho que vocês devem saber, mas eu tenho sinestesia, que é um pequeno distúrbio neurológico que causa o cruzamento dos sentidos. Esses cruzamentos podem variar, mas no meu caso, as emoções têm cores.
procurou a mão da esposa e a apertou de leve. retribuiu, e tomou aquilo como um encorajamento.
— Ao longo desses cinco anos, me fez ver cores diferentes, e cada uma delas construiu esse momento. Agora, eu queria compartilhar algumas delas com vocês.
Roxo
Cinco anos atrás
nunca tinha se sentido tão perdido. Emocionalmente, talvez, mas geograficamente, e ainda usando um GSP, jamais! A cidade toda tinha um tom de sépia que o rapaz odiava e o deixava ainda mais estressado, como se estar perdido e atrasado para uma das entrevistas mais importantes de sua vida não fosse suficiente.
Mesmo depois de dois meses, a cidade de Nova York ainda parecia um tanto quanto confusa, com suas inúmeras ruas e aquele tanto de gente andando de um lado para o outro. De olhos grudados no celular, o rapaz não viu a moça que vinha em sua direção, igualmente distraída falando freneticamente ao telefone.
— Sim, Josh, a premiere é em julho, e não em junho. Eu sei, se não fosse por mim você estaria fodi-AAH—
— Mas que droga! Você não olha por onde anda?
não precisou olhar para baixo para saber o estrago que aquele encontrão tinha causado. O café quente que a moça carregava agora tingia a camisa social branca do rapaz de Albuquerque, que tentava afastar o tecido do corpo para não se queimar ainda mais. Aquele não podia ser um bom presságio!
— Eu não olho? Você que tinha que ter desviado, eu não tinha para onde sair — a moça ralhou, tentando enxugar a porção de café que caiu na blusa verde que ela usava.
Indignado, finalmente encarou a desaforada, pronto para comprar uma briga. Estava prestes a dizer umas boas verdades quando ouviu o celular apitar com uma mensagem perguntando se ele havia desistido da entrevista. Ignorou o fato de que a moça realmente estava presa entre as mesas na calçada da cafeteria e que, portanto, estava certa, e decidiu não falar mais nada. Acenou com a mão, deixando o assunto de lado, e voltou a prestar atenção no GPS, questionando se dar meia volta e ir para casa não era uma decisão mais correta.
Depois de dar a volta no quarteirão, finalmente achou o prédio e quis xingar alguém muito alto e com palavras de baixíssimo calão. Havia passado por ele algumas vezes, e se tivesse entrado antes da última volta, teria evitado o banho de café preto. Respirou fundo, vestindo o blazer apesar do calor que fazia no meio do verão novaiorquino, e foi até a recepção da editora.
— Bom dia! Meu nome é , eu tenho uma entrevista marcada para agora.
A mulher sorriu, tentando mascarar a condescendência.
— Ah, sim. Sua entrevista era às 9h, certo? — , disfarçadamente, sacou o celular do bolso e olhou o relógio. Estava dez minutos atrasado. Para amenizar, tentou a tática de seduzir a secretária, e lançou um sorriso amarelo forçado. — Tudo bem, você deu sorte hoje, eu acho. Sente-se. Pode pegar um café, se quiser. Você deve ser chamado em breve.
agradeceu, mas passou bem longe da cafeteira. Ainda sentia o peito pinicando pela queimadura. Pegou uma edição antiga do caderno esportivo da revista para a qual esperava escrever se a entrevista corresse bem, e tentou focar a concentração na leitura.
— Senhor ? — a secretária chamou, alguns minutos mais tarde. — Pode me acompanhar, por favor?
Seguiu a mulher até a sala da chefia, fazendo todo o esforço possível para controlar o tremor nas mãos — e no resto do corpo, agora que o café havia esfriado e a camisa molhada estava gelada. Sorriu mais uma vez, e logo franziu o nariz com a reação abobalhada da mulher.
— Vamos lá, , coragem.
Respirou fundo e bateu na porta, torcendo pelo melhor (àquela altura, era o máximo que ele podia fazer).
— Pode entrar.
Com a mão na maçaneta, abriu a porta.
Se a camisa já não estivesse gelada, teria esfriado naquele momento, com a queda brusca na temperatura corporal do candidato. Esfregando os olhos, analisou a editora-chefe da revista, torcendo para estar MUITO enganado. A moça, sentada atrás da placa onde se lia “A. ”, levantou os olhos da tela do computador e virou-se para o jornalista parado à porta com um sorriso caloroso que logo se desfez.
— Ah, a ironia do destino.
Reparando que a moça vestia agora uma camiseta estampada e, revoltantemente, bebia uma bela xícara de café, soltou um grunhido indecifrável.
Pelo resto do dia, sem entender bem o que estava acontecendo, viu o mundo em um tom arroxeado, até então desconhecido para o rapaz, e tentou não se incomodar com a ideia de que aquela era a mesma cor do batom usado pela editora desaforada.
nunca tinha se sentido tão perdido. Emocionalmente, talvez, mas geograficamente, e ainda usando um GSP, jamais! A cidade toda tinha um tom de sépia que o rapaz odiava e o deixava ainda mais estressado, como se estar perdido e atrasado para uma das entrevistas mais importantes de sua vida não fosse suficiente.
Mesmo depois de dois meses, a cidade de Nova York ainda parecia um tanto quanto confusa, com suas inúmeras ruas e aquele tanto de gente andando de um lado para o outro. De olhos grudados no celular, o rapaz não viu a moça que vinha em sua direção, igualmente distraída falando freneticamente ao telefone.
— Sim, Josh, a premiere é em julho, e não em junho. Eu sei, se não fosse por mim você estaria fodi-AAH—
— Mas que droga! Você não olha por onde anda?
não precisou olhar para baixo para saber o estrago que aquele encontrão tinha causado. O café quente que a moça carregava agora tingia a camisa social branca do rapaz de Albuquerque, que tentava afastar o tecido do corpo para não se queimar ainda mais. Aquele não podia ser um bom presságio!
— Eu não olho? Você que tinha que ter desviado, eu não tinha para onde sair — a moça ralhou, tentando enxugar a porção de café que caiu na blusa verde que ela usava.
Indignado, finalmente encarou a desaforada, pronto para comprar uma briga. Estava prestes a dizer umas boas verdades quando ouviu o celular apitar com uma mensagem perguntando se ele havia desistido da entrevista. Ignorou o fato de que a moça realmente estava presa entre as mesas na calçada da cafeteria e que, portanto, estava certa, e decidiu não falar mais nada. Acenou com a mão, deixando o assunto de lado, e voltou a prestar atenção no GPS, questionando se dar meia volta e ir para casa não era uma decisão mais correta.
Depois de dar a volta no quarteirão, finalmente achou o prédio e quis xingar alguém muito alto e com palavras de baixíssimo calão. Havia passado por ele algumas vezes, e se tivesse entrado antes da última volta, teria evitado o banho de café preto. Respirou fundo, vestindo o blazer apesar do calor que fazia no meio do verão novaiorquino, e foi até a recepção da editora.
— Bom dia! Meu nome é , eu tenho uma entrevista marcada para agora.
A mulher sorriu, tentando mascarar a condescendência.
— Ah, sim. Sua entrevista era às 9h, certo? — , disfarçadamente, sacou o celular do bolso e olhou o relógio. Estava dez minutos atrasado. Para amenizar, tentou a tática de seduzir a secretária, e lançou um sorriso amarelo forçado. — Tudo bem, você deu sorte hoje, eu acho. Sente-se. Pode pegar um café, se quiser. Você deve ser chamado em breve.
agradeceu, mas passou bem longe da cafeteira. Ainda sentia o peito pinicando pela queimadura. Pegou uma edição antiga do caderno esportivo da revista para a qual esperava escrever se a entrevista corresse bem, e tentou focar a concentração na leitura.
— Senhor ? — a secretária chamou, alguns minutos mais tarde. — Pode me acompanhar, por favor?
Seguiu a mulher até a sala da chefia, fazendo todo o esforço possível para controlar o tremor nas mãos — e no resto do corpo, agora que o café havia esfriado e a camisa molhada estava gelada. Sorriu mais uma vez, e logo franziu o nariz com a reação abobalhada da mulher.
— Vamos lá, , coragem.
Respirou fundo e bateu na porta, torcendo pelo melhor (àquela altura, era o máximo que ele podia fazer).
— Pode entrar.
Com a mão na maçaneta, abriu a porta.
Se a camisa já não estivesse gelada, teria esfriado naquele momento, com a queda brusca na temperatura corporal do candidato. Esfregando os olhos, analisou a editora-chefe da revista, torcendo para estar MUITO enganado. A moça, sentada atrás da placa onde se lia “A. ”, levantou os olhos da tela do computador e virou-se para o jornalista parado à porta com um sorriso caloroso que logo se desfez.
— Ah, a ironia do destino.
Reparando que a moça vestia agora uma camiseta estampada e, revoltantemente, bebia uma bela xícara de café, soltou um grunhido indecifrável.
Pelo resto do dia, sem entender bem o que estava acontecendo, viu o mundo em um tom arroxeado, até então desconhecido para o rapaz, e tentou não se incomodar com a ideia de que aquela era a mesma cor do batom usado pela editora desaforada.
Índigo
Quatro anos e sete meses atrás
A revista estava um caos aquela semana.
Estavam entrando no segundo semestre de 2015, e toda a redação se desdobrava para planejar o acompanhamento das movimentações que antecediam o ano de eleições presidenciais. , como a editora-chefe era chamada pelo restante da equipe, estava à beira de um ataque de nervos, reformulando linhas editoriais e designando líderes para cada setor do caderno de política, que teria boas páginas a mais durante o ano seguinte. Tudo o que ela pedia aos jornalistas era que precisassem dela o mínimo possível por sete dias e a deixassem se concentrar, mas
— ! Imaginei que te encontraria aqui.
— , eu tenho quase certeza de que coloquei uma placa na porta proibindo especificamente a sua entrada nessa sala há pelo menos quinze dias.
— Ah, é? Não vi nada ali — sorriu, maroto, amassando sem muita discrição o papel que tinha acabado de arrancar da porta.
Já fazia cinco meses desde que o currículo robusto do rapaz havia impressionado e resultado na contratação do jornalista — e na mudança drástica de humor na editora. Não que fosse desagradável trabalhar lá antes de entrar para a equipe, mas era inegável que o homem conseguia amolecer corações e levantar o astral por onde quer que fosse.
Toda aquela marra e tensão criadas entre ele e a editora-chefe da revista haviam se transformado em uma amizade divertida de assistir, cheia de provocações, alfinetadas e bastante afeto. era a única pessoa em toda a redação que a chamava de , e respondia o apelido chamando o rapaz de (e, às vezes, “idiota”, “GPS quebrado”, “Don Juan”, entre outros).
— O que você quer, ? — voltou a fitar o computador, teclando ágil e velozmente.
— Saber como a minha editora favorita está, se ela precisa de alguma coisa, se quer um café...?
— Quero paz para terminar de designar as equipes para o ano que vem!
sentiu um leve formigamento na base da nuca, ansioso.
— Você vai fazer o anúncio hoje? — arqueou uma das sobrancelhas e encarou o jornalista por cima dos óculos finos que usava. — Ok, não está mais aqui quem perguntou. Eu vou sair e deixar você fazer o seu trabalho.
— Quanta generosidade.
A bem da verdade, estava menos preocupado do que demonstrava, mesmo estando plenamente a par da importância daquele dia. Trabalhando numa revista com circulação nacional, ser responsável pelas matérias certas podia ser um alavancador de carreiras, e naquele ano, estar no caderno de política era meio caminho andado nessa direção. não tinha grandes inseguranças a respeito de sua experiência e currículo, e sabia que admirava seu trabalho e estimava sua amizade.
Observou os colegas ansiosos, correndo de um lado para o outro, finalizando matérias e revisando projetos para fechar a edição daquele mês, fingindo não estar preocupados com as novas atribuições. Achou graça, mas compreendeu. Voltou a se concentrar no próprio trabalho e ali, entre anotações e pesquisas, não viu o tempo passar.
— Com licença, pessoal. Um minuto da atenção de vocês, por favor.
finalmente saiu do escritório e se pronunciou, quase no final do expediente. Toda a equipe imediatamente parou o que estava fazendo para ouvir a editora.
— Obrigada. Em primeiro lugar, eu gostaria de parabenizar a todos pelo desempenho exemplar durante essa semana. A maior parte do planejamento de pautas para o ano que vem já está pronto, e o calendário de eventos políticos está particularmente bem executado — acenou para o pessoal do setor de estratégia e logística, que agradeceu o cumprimento. — Em segundo lugar, e acredito que seja o maior interesse de vocês, eu peço que guardem as dúvidas para o final e mantenham papel, caneta e ouvidos a postos para o anúncio das equipes do caderno de política e seus responsáveis.
De modo geral, os jornalistas eram divididos em alguns níveis:
os redatores-chefes, responsáveis pelo direcionamento da revista como um todo e encabeçados por ;
os redatores, jornalistas com posições fixas em cada caderno, especializados naquela área e responsáveis por determinar as matérias e temas centrais de cada edição;
e por fim, os colunistas, que escreviam para diversas áreas e cadernos, sem pertencer a uma equipe específica dentro da redação. se encaixava nesse grupo.
Em momentos excepcionais como um ano eleitoral, copa do mundo e as Olimpíadas, direcionava redatores e colunistas com exclusividade para os setores mais exigidos.
— Josh, você fica responsável pelo criminal, todo o levantamento das fichas e histórico de corrupção e afins, junto com o Stephen e a Abby. Você pode escalar mais quatro colunistas para a sua equipe.
Josh agradeceu e nomeou quatros jornalistas com quem costumava trabalhar nesse tipo de reportagem.
— E para fechar, na seção de economia, a redatora responsável será a Alicia, auxiliada pelo Christopher e a Mary-Jane, com três colunistas.
— Fico com o Sam, a Wendy e o Tristan.
— Ok, anotado — terminou de rabiscar alguma coisa na prancheta que segurava e sorriu abertamente para os colegas. — É isso, pessoal! Essas são as equipes do caderno de política para 2016. Desejo a vocês um bom trabalho e boa sorte. Será um ano caótico!
Toda a equipe fez barulho e parabenizou os selecionados. voltou para seu escritório, seguida de perto por um inconformado.
— ! Que bom, me poupa o trabalho de te procurar. Eu estava combinando um happy hour com o pessoal, você quer vir com a gente? — a editora perguntou, finalmente alegre em ver o amigo depois de um dia tão cansativo.
— Happy hour? — ainda estava com dificuldades para pensar. — Não, . Eu queria entender o que aconteceu — questionou apontando para a porta.
— Olha, eu sei que pode ser um pouco confuso. Em outras editoras esse não é um procedimento padrão, mas nós gostamos de explorar todas as habilidades dos nossos jornalis—
— Não. Não é isso. Eu entendi a mecânica das equipes e tudo mais, mas... eu esperava...
tirou os óculos e cruzou as mãos sobre a mesa, buscando os olhos azuis do rapaz.
— Esperava ser escalado para o caderno de política? Em ano eleitoral?
— Bom — o jornalista cruzou os braços na frente do corpo, frustrado —, é!
— , quantos artigos relacionados a política você já escreveu desde que chegou aqui?
— O que? Eu...
— E quantos você escreveu antes de entrar aqui?
— A Wendy e o Tristan também nunca escreverem sobre política!
— , se você acha que vai conseguir alguma vantagem fácil aqui por ser meu amigo, eu te convido imediatamente a passar no RH e se retirar da minha equipe — arregalou os olhos, sentindo a temperatura do corpo cair. Aquele não era o rumo que ele imaginava para aquela conversa. — A Wendy e o Tristan têm excelentes artigos de economia no currículo, e por isso eles foram escalados. Você, por outro lado, não aguentaria duas semanas falando de política. É entediante, mesmo quando é caótico.
— E você assumiu que eu não daria conta de fazer um trabalho sério?
— Eu assumi, pelas peças impecáveis que vi no seu portfólio da faculdade, que você se daria muito melhor encabeçando o caderno de esportes, agora que a vaga do Christopher está livre e nós precisamos de uma boa cobertura da temporada da NFL — rebateu, pegando seu celular e a bolsa, e desligando o computador. — Acho que era esse o seu objetivo profissional, não era? Ser jornalista esportivo?
Desnorteado, concordou com a cabeça, devagar, a boca entreaberta e os olhos vidrados como os de um peixe morto.
— Ótimo! — sorriu, satisfeita. — Agora para de reclamar e pega as suas coisas. Nós temos um happy hour para ir, e pela dor de cabeça que você me causou, me deve uma bebida.
sabia que devia ficar feliz. Por Deus, ele devia ficar eufórico e sair gritando pelo escritório! Depois de quatro anos no mercado, ele finalmente conseguiu uma matéria esportiva — a cobertura da NFL! Ele ia assistir o Super Bowl ao vivo! — e tudo o que ele conseguia ver era o azul escuro desconcertante e desagradável.
A revista estava um caos aquela semana.
Estavam entrando no segundo semestre de 2015, e toda a redação se desdobrava para planejar o acompanhamento das movimentações que antecediam o ano de eleições presidenciais. , como a editora-chefe era chamada pelo restante da equipe, estava à beira de um ataque de nervos, reformulando linhas editoriais e designando líderes para cada setor do caderno de política, que teria boas páginas a mais durante o ano seguinte. Tudo o que ela pedia aos jornalistas era que precisassem dela o mínimo possível por sete dias e a deixassem se concentrar, mas
— ! Imaginei que te encontraria aqui.
— , eu tenho quase certeza de que coloquei uma placa na porta proibindo especificamente a sua entrada nessa sala há pelo menos quinze dias.
— Ah, é? Não vi nada ali — sorriu, maroto, amassando sem muita discrição o papel que tinha acabado de arrancar da porta.
Já fazia cinco meses desde que o currículo robusto do rapaz havia impressionado e resultado na contratação do jornalista — e na mudança drástica de humor na editora. Não que fosse desagradável trabalhar lá antes de entrar para a equipe, mas era inegável que o homem conseguia amolecer corações e levantar o astral por onde quer que fosse.
Toda aquela marra e tensão criadas entre ele e a editora-chefe da revista haviam se transformado em uma amizade divertida de assistir, cheia de provocações, alfinetadas e bastante afeto. era a única pessoa em toda a redação que a chamava de , e respondia o apelido chamando o rapaz de (e, às vezes, “idiota”, “GPS quebrado”, “Don Juan”, entre outros).
— O que você quer, ? — voltou a fitar o computador, teclando ágil e velozmente.
— Saber como a minha editora favorita está, se ela precisa de alguma coisa, se quer um café...?
— Quero paz para terminar de designar as equipes para o ano que vem!
sentiu um leve formigamento na base da nuca, ansioso.
— Você vai fazer o anúncio hoje? — arqueou uma das sobrancelhas e encarou o jornalista por cima dos óculos finos que usava. — Ok, não está mais aqui quem perguntou. Eu vou sair e deixar você fazer o seu trabalho.
— Quanta generosidade.
A bem da verdade, estava menos preocupado do que demonstrava, mesmo estando plenamente a par da importância daquele dia. Trabalhando numa revista com circulação nacional, ser responsável pelas matérias certas podia ser um alavancador de carreiras, e naquele ano, estar no caderno de política era meio caminho andado nessa direção. não tinha grandes inseguranças a respeito de sua experiência e currículo, e sabia que admirava seu trabalho e estimava sua amizade.
Observou os colegas ansiosos, correndo de um lado para o outro, finalizando matérias e revisando projetos para fechar a edição daquele mês, fingindo não estar preocupados com as novas atribuições. Achou graça, mas compreendeu. Voltou a se concentrar no próprio trabalho e ali, entre anotações e pesquisas, não viu o tempo passar.
— Com licença, pessoal. Um minuto da atenção de vocês, por favor.
finalmente saiu do escritório e se pronunciou, quase no final do expediente. Toda a equipe imediatamente parou o que estava fazendo para ouvir a editora.
— Obrigada. Em primeiro lugar, eu gostaria de parabenizar a todos pelo desempenho exemplar durante essa semana. A maior parte do planejamento de pautas para o ano que vem já está pronto, e o calendário de eventos políticos está particularmente bem executado — acenou para o pessoal do setor de estratégia e logística, que agradeceu o cumprimento. — Em segundo lugar, e acredito que seja o maior interesse de vocês, eu peço que guardem as dúvidas para o final e mantenham papel, caneta e ouvidos a postos para o anúncio das equipes do caderno de política e seus responsáveis.
De modo geral, os jornalistas eram divididos em alguns níveis:
os redatores-chefes, responsáveis pelo direcionamento da revista como um todo e encabeçados por ;
os redatores, jornalistas com posições fixas em cada caderno, especializados naquela área e responsáveis por determinar as matérias e temas centrais de cada edição;
e por fim, os colunistas, que escreviam para diversas áreas e cadernos, sem pertencer a uma equipe específica dentro da redação. se encaixava nesse grupo.
Em momentos excepcionais como um ano eleitoral, copa do mundo e as Olimpíadas, direcionava redatores e colunistas com exclusividade para os setores mais exigidos.
— Josh, você fica responsável pelo criminal, todo o levantamento das fichas e histórico de corrupção e afins, junto com o Stephen e a Abby. Você pode escalar mais quatro colunistas para a sua equipe.
Josh agradeceu e nomeou quatros jornalistas com quem costumava trabalhar nesse tipo de reportagem.
— E para fechar, na seção de economia, a redatora responsável será a Alicia, auxiliada pelo Christopher e a Mary-Jane, com três colunistas.
— Fico com o Sam, a Wendy e o Tristan.
— Ok, anotado — terminou de rabiscar alguma coisa na prancheta que segurava e sorriu abertamente para os colegas. — É isso, pessoal! Essas são as equipes do caderno de política para 2016. Desejo a vocês um bom trabalho e boa sorte. Será um ano caótico!
Toda a equipe fez barulho e parabenizou os selecionados. voltou para seu escritório, seguida de perto por um inconformado.
— ! Que bom, me poupa o trabalho de te procurar. Eu estava combinando um happy hour com o pessoal, você quer vir com a gente? — a editora perguntou, finalmente alegre em ver o amigo depois de um dia tão cansativo.
— Happy hour? — ainda estava com dificuldades para pensar. — Não, . Eu queria entender o que aconteceu — questionou apontando para a porta.
— Olha, eu sei que pode ser um pouco confuso. Em outras editoras esse não é um procedimento padrão, mas nós gostamos de explorar todas as habilidades dos nossos jornalis—
— Não. Não é isso. Eu entendi a mecânica das equipes e tudo mais, mas... eu esperava...
tirou os óculos e cruzou as mãos sobre a mesa, buscando os olhos azuis do rapaz.
— Esperava ser escalado para o caderno de política? Em ano eleitoral?
— Bom — o jornalista cruzou os braços na frente do corpo, frustrado —, é!
— , quantos artigos relacionados a política você já escreveu desde que chegou aqui?
— O que? Eu...
— E quantos você escreveu antes de entrar aqui?
— A Wendy e o Tristan também nunca escreverem sobre política!
— , se você acha que vai conseguir alguma vantagem fácil aqui por ser meu amigo, eu te convido imediatamente a passar no RH e se retirar da minha equipe — arregalou os olhos, sentindo a temperatura do corpo cair. Aquele não era o rumo que ele imaginava para aquela conversa. — A Wendy e o Tristan têm excelentes artigos de economia no currículo, e por isso eles foram escalados. Você, por outro lado, não aguentaria duas semanas falando de política. É entediante, mesmo quando é caótico.
— E você assumiu que eu não daria conta de fazer um trabalho sério?
— Eu assumi, pelas peças impecáveis que vi no seu portfólio da faculdade, que você se daria muito melhor encabeçando o caderno de esportes, agora que a vaga do Christopher está livre e nós precisamos de uma boa cobertura da temporada da NFL — rebateu, pegando seu celular e a bolsa, e desligando o computador. — Acho que era esse o seu objetivo profissional, não era? Ser jornalista esportivo?
Desnorteado, concordou com a cabeça, devagar, a boca entreaberta e os olhos vidrados como os de um peixe morto.
— Ótimo! — sorriu, satisfeita. — Agora para de reclamar e pega as suas coisas. Nós temos um happy hour para ir, e pela dor de cabeça que você me causou, me deve uma bebida.
sabia que devia ficar feliz. Por Deus, ele devia ficar eufórico e sair gritando pelo escritório! Depois de quatro anos no mercado, ele finalmente conseguiu uma matéria esportiva — a cobertura da NFL! Ele ia assistir o Super Bowl ao vivo! — e tudo o que ele conseguia ver era o azul escuro desconcertante e desagradável.
Azul
Três anos atrás
não via a hora de chegar em casa e tomar um banho quente.
Depois de quarenta e cinco dias viajando de estado em estado para acompanhar os treinamentos pré-NBA, estava de volta à Nova York. Trazia um carregamento de uniformes e bonés dos principais times e, verdade seja dita, aquela camiseta dos Warriors, assinada pela maior parte do elenco campeão da última temporada e favorito daquele ano, seria emoldurada e pendurada na sala do apartamento do jornalista o mais rápido possível.
Ainda estava surpreso por ter sobrevivido um mês e meio longe da cafeteira que havia ganhado de presente de quando pediu demissão da revista após receber um convite da ESPN graças à cobertura da NFL na temporada de 2015-16. Cansado, sentia falta da própria cama, do sofá macio, dos temperos que gostava de usar na comida e, principalmente, da roupa cheia de pelos de Tyson, o boxer folgado e carinhoso que estava passando uma temporada na casa de Anthony, melhor amigo do jornalista.
Girou a chave na fechadura e abriu a porta, tateando a parede em busca do interruptor.
— SURPRESA!!
acedeu a luz e quase morreu de susto com o grito dos parentes e amigos. Antes que se desse conta, Tyson estava pulando no colo dele, enchendo o rapaz de pelos e baba, e imediatamente deixou de sentir falta da roupa suja. Fez carinho no cachorro e buscou um petisco no pote que ficava no aparador de entrada, acalmando o furacão de quatro patas e finalmente podendo olhar ao redor.
Todo o apartamento estava decorado com bandeirolas azuis e brancas, bexigas e serpentinas penduradas no teto. Nas bandeirinhas, lia-se “Feliz aniversário” em letras douradas, e se lembrou que aquele havia sido o primeiro aniversário que passara sozinho em muito tempo, acompanhado apenas de uma taça de vinho e anotações sobre estatísticas no quarto do hotel em Los Angeles, na semana anterior.
O bolo de baunilha com morangos, favorito do rapaz, ocupava a mesa de centro da sala, com um número exageradamente maior do que o necessário de velas faiscando sobre a cobertura. Outros docinhos e quitutes preenchiam o resto do espaço, junto com os copos e bebidas. Para um cara de vinte e oito anos recém completos, aquela era uma senhora festa!
— Legal a estratégia de comemorar o meu nascimento me matando do coração — brincou.
— A ideia foi da sua mãe. Você sabe, né... Ela te deu a vida, então ela pode tirar.
— Anthony!
— Ai! Dona , é brincadeira. Ai! Socorro!
Cecilia, mãe de , agora perseguia Anthony, esbofeteando o rapaz com o pano de prato e fazendo todo mundo cair na gargalhada. Com os ânimos mais calmos, puderam cantar parabéns e cortar o bolo feito por Cecilia.
A sinestesia era um tópico recorrente na vida de . Na infância, enfrentou problemas de comunicação quando ainda estava aprendendo a se expressar e usava as cores para dizer como estava se sentindo, e até mesmo problemas acadêmicos, como quando fez uma série de desenhos monstruosos em tons de amarelo para um trabalho de artes sobre gêneros literários e cinematográficos em que precisou representar o terror.
Ao longo dos anos, Cecilia aprendeu a falar a linguagem emocional do filho, e descobriu que podia tirar coisas boas dali, também. Todo o quarto de era decorado com objetos nas cores que representavam bons sentimentos, e as cores “ruins” eram evitadas dentro da casa. O azul usado na decoração da festa era uma das cores favoritas do rapaz, e estar rodeado de felicidade era uma das melhores coisas que já havia experienciado.
— Eu não acredito que você veio de Albuquerque e ainda teve disposição de preparar uma surpresa dessas para mim — abraçou a mãe, agradecido pelo gesto de carinho.
— Ora, e você achou mesmo que eu não viria passar seu aniversário com você, mesmo que uma semana atrasado? Mas não agradeça a mim, eu não fiz nada além de assar um bolo.
— Não fez? Quem foi, então? O Anthony eu tenho certeza que não foi — riu, confuso, observando os amigos em busca de quem poderia ter organizado tudo aquilo.
— Pois coloque esses neurônios para funcionar e adivinhe! Te garanto que não é tão difícil — Cecilia desafiou, colocando as mãos na cintura. Sorriu ao ver a expressão abobalhada do filho que tinha, agora, os olhos fixos na editora-chefe que brincava com Tyson no outro lado da sala.
não via a hora de chegar em casa e tomar um banho quente.
Depois de quarenta e cinco dias viajando de estado em estado para acompanhar os treinamentos pré-NBA, estava de volta à Nova York. Trazia um carregamento de uniformes e bonés dos principais times e, verdade seja dita, aquela camiseta dos Warriors, assinada pela maior parte do elenco campeão da última temporada e favorito daquele ano, seria emoldurada e pendurada na sala do apartamento do jornalista o mais rápido possível.
Ainda estava surpreso por ter sobrevivido um mês e meio longe da cafeteira que havia ganhado de presente de quando pediu demissão da revista após receber um convite da ESPN graças à cobertura da NFL na temporada de 2015-16. Cansado, sentia falta da própria cama, do sofá macio, dos temperos que gostava de usar na comida e, principalmente, da roupa cheia de pelos de Tyson, o boxer folgado e carinhoso que estava passando uma temporada na casa de Anthony, melhor amigo do jornalista.
Girou a chave na fechadura e abriu a porta, tateando a parede em busca do interruptor.
— SURPRESA!!
acedeu a luz e quase morreu de susto com o grito dos parentes e amigos. Antes que se desse conta, Tyson estava pulando no colo dele, enchendo o rapaz de pelos e baba, e imediatamente deixou de sentir falta da roupa suja. Fez carinho no cachorro e buscou um petisco no pote que ficava no aparador de entrada, acalmando o furacão de quatro patas e finalmente podendo olhar ao redor.
Todo o apartamento estava decorado com bandeirolas azuis e brancas, bexigas e serpentinas penduradas no teto. Nas bandeirinhas, lia-se “Feliz aniversário” em letras douradas, e se lembrou que aquele havia sido o primeiro aniversário que passara sozinho em muito tempo, acompanhado apenas de uma taça de vinho e anotações sobre estatísticas no quarto do hotel em Los Angeles, na semana anterior.
O bolo de baunilha com morangos, favorito do rapaz, ocupava a mesa de centro da sala, com um número exageradamente maior do que o necessário de velas faiscando sobre a cobertura. Outros docinhos e quitutes preenchiam o resto do espaço, junto com os copos e bebidas. Para um cara de vinte e oito anos recém completos, aquela era uma senhora festa!
— Legal a estratégia de comemorar o meu nascimento me matando do coração — brincou.
— A ideia foi da sua mãe. Você sabe, né... Ela te deu a vida, então ela pode tirar.
— Anthony!
— Ai! Dona , é brincadeira. Ai! Socorro!
Cecilia, mãe de , agora perseguia Anthony, esbofeteando o rapaz com o pano de prato e fazendo todo mundo cair na gargalhada. Com os ânimos mais calmos, puderam cantar parabéns e cortar o bolo feito por Cecilia.
A sinestesia era um tópico recorrente na vida de . Na infância, enfrentou problemas de comunicação quando ainda estava aprendendo a se expressar e usava as cores para dizer como estava se sentindo, e até mesmo problemas acadêmicos, como quando fez uma série de desenhos monstruosos em tons de amarelo para um trabalho de artes sobre gêneros literários e cinematográficos em que precisou representar o terror.
Ao longo dos anos, Cecilia aprendeu a falar a linguagem emocional do filho, e descobriu que podia tirar coisas boas dali, também. Todo o quarto de era decorado com objetos nas cores que representavam bons sentimentos, e as cores “ruins” eram evitadas dentro da casa. O azul usado na decoração da festa era uma das cores favoritas do rapaz, e estar rodeado de felicidade era uma das melhores coisas que já havia experienciado.
— Eu não acredito que você veio de Albuquerque e ainda teve disposição de preparar uma surpresa dessas para mim — abraçou a mãe, agradecido pelo gesto de carinho.
— Ora, e você achou mesmo que eu não viria passar seu aniversário com você, mesmo que uma semana atrasado? Mas não agradeça a mim, eu não fiz nada além de assar um bolo.
— Não fez? Quem foi, então? O Anthony eu tenho certeza que não foi — riu, confuso, observando os amigos em busca de quem poderia ter organizado tudo aquilo.
— Pois coloque esses neurônios para funcionar e adivinhe! Te garanto que não é tão difícil — Cecilia desafiou, colocando as mãos na cintura. Sorriu ao ver a expressão abobalhada do filho que tinha, agora, os olhos fixos na editora-chefe que brincava com Tyson no outro lado da sala.
Verde
Dois anos e cinco meses atrás
— , pelo amor de Deus, você precisa levar isso. O Tyson vai amar!
Definitivamente, convidar para acompanhá-lo na aventura de mobiliar a nova casa foi um erro. Passar “rapidinho” na IKEA para comprar alguns itens extras de decoração foi um erro maior ainda. O apartamento antigo de foi um achado no meio daquela selva de pedra. Chegando na cidade, se mudar para um imóvel já equipado com móveis e alguns eletrodomésticos era a melhor coisa que ele podia querer, mas não imaginou que ele só estaria adiando o inevitável problema de ter que comprar tudo do zero.
— , ele já tem uma cama, a minha. Você acha que ele vai deixar de dormir comigo para dormir numa almofada no chão?
— Claro que vai! Ele é um garoto crescido e precisa da própria cama. Além do mais, você poderia aproveitar o espaço extra — recebendo um olhar duro de , a editora recolocou a almofada na prateleira e fez bico. Indo em direção ao caixa, ela tinha a cabeça baixa e andava chutando o ar, e não sabia se ria ou se comprava a almofada. Por fim, acabou fazendo os dois.
— Pronto! — Enquanto passavam as compras na esteira, sentia a dor do arrependimento e o esvaziamento lento e contínuo da conta bancária. — Agora o Tyson tem uma cama para ele, e eu tenho espaço extra para ficar gelado no inverno.
— Ah, existem várias formas de evitar que o colchão fique gelado.
olhou para de lado, tentando descobrir se tinha entendido direito o que a amiga disse e segurando o sorriso de canto que cismava em aparecer nos momentos mais inconvenientes.
— É? Você conhece alguma?
arregalou os olhos, parecendo levemente encabulada. Estaria ela constrangida por finalmente entender o duplo sentido daquela conversa ou por ter sido pega no pulo?
Em passos rápidos, foi até um corredor afastado e voltou com um cobertor pesado nas mãos, com o mesmo sorriso sacana de estampado nos lábios.
— Aqui! Esse é presente, para o caso de você não descobrir nenhuma forma melhor de esquentar a sua cama.
Com toda a compra devidamente ajeitada no carro, a dupla resolveu aproveitar o restante da tarde dando uma volta pelo Central Park. Com o sorvete quase finalizado nas mãos, percebe outro erro no planejamento daquele dia: ceder aos choramingos de e parar na feirinha de doação de animais.
— , mas olha para ele!
— , eu não tenho espaço em casa para um boxer e um cachorro que eu não sei de que tamanho vai ficar! Por que você não leva ele?
— Porque a Lady Di me expulsaria de casa se eu aparecesse por lá com um cachorro.
Vendo o espanto da senhorinha que coordenava a feira, justificou:
— Lady Di é a gata dela.
— E minha senhoria. Ela já estava lá quando eu cheguei na casa, portanto a casa é dela.
— Tenho certeza de que você diria isso mesmo se tivesse adotado ela depois.
riu e concordou, dando de ombros. Voltou a brincar com os cachorrinhos, deixando sozinho com seus pensamentos.
Enquanto observava a mulher, pensou no que havia acontecido na loja. Não era novidade essa brincadeira de flertes implícitos dos dois, mas havia levado a coisa para outro nível, e estaria mentindo se dissesse que não tinha achado aquilo interessante. Foi só quando um grupo de rapazes passou por eles observando e comentando entre si em seguida que sentiu uma fisgada no peito e se tocou de que a moça, tal como ele, já havia tido outros relacionamentos.
Não que quisesse se enganar e fingir que podia voltar a adolescência, mas algo na ideia de que havia vivido inúmeras experiências importantes ao lado de outros homens era desconfortável para , que pelo resto do dia viu o mundo esverdeado como a grama bem cuidada do parque.
— , pelo amor de Deus, você precisa levar isso. O Tyson vai amar!
Definitivamente, convidar para acompanhá-lo na aventura de mobiliar a nova casa foi um erro. Passar “rapidinho” na IKEA para comprar alguns itens extras de decoração foi um erro maior ainda. O apartamento antigo de foi um achado no meio daquela selva de pedra. Chegando na cidade, se mudar para um imóvel já equipado com móveis e alguns eletrodomésticos era a melhor coisa que ele podia querer, mas não imaginou que ele só estaria adiando o inevitável problema de ter que comprar tudo do zero.
— , ele já tem uma cama, a minha. Você acha que ele vai deixar de dormir comigo para dormir numa almofada no chão?
— Claro que vai! Ele é um garoto crescido e precisa da própria cama. Além do mais, você poderia aproveitar o espaço extra — recebendo um olhar duro de , a editora recolocou a almofada na prateleira e fez bico. Indo em direção ao caixa, ela tinha a cabeça baixa e andava chutando o ar, e não sabia se ria ou se comprava a almofada. Por fim, acabou fazendo os dois.
— Pronto! — Enquanto passavam as compras na esteira, sentia a dor do arrependimento e o esvaziamento lento e contínuo da conta bancária. — Agora o Tyson tem uma cama para ele, e eu tenho espaço extra para ficar gelado no inverno.
— Ah, existem várias formas de evitar que o colchão fique gelado.
olhou para de lado, tentando descobrir se tinha entendido direito o que a amiga disse e segurando o sorriso de canto que cismava em aparecer nos momentos mais inconvenientes.
— É? Você conhece alguma?
arregalou os olhos, parecendo levemente encabulada. Estaria ela constrangida por finalmente entender o duplo sentido daquela conversa ou por ter sido pega no pulo?
Em passos rápidos, foi até um corredor afastado e voltou com um cobertor pesado nas mãos, com o mesmo sorriso sacana de estampado nos lábios.
— Aqui! Esse é presente, para o caso de você não descobrir nenhuma forma melhor de esquentar a sua cama.
Com toda a compra devidamente ajeitada no carro, a dupla resolveu aproveitar o restante da tarde dando uma volta pelo Central Park. Com o sorvete quase finalizado nas mãos, percebe outro erro no planejamento daquele dia: ceder aos choramingos de e parar na feirinha de doação de animais.
— , mas olha para ele!
— , eu não tenho espaço em casa para um boxer e um cachorro que eu não sei de que tamanho vai ficar! Por que você não leva ele?
— Porque a Lady Di me expulsaria de casa se eu aparecesse por lá com um cachorro.
Vendo o espanto da senhorinha que coordenava a feira, justificou:
— Lady Di é a gata dela.
— E minha senhoria. Ela já estava lá quando eu cheguei na casa, portanto a casa é dela.
— Tenho certeza de que você diria isso mesmo se tivesse adotado ela depois.
riu e concordou, dando de ombros. Voltou a brincar com os cachorrinhos, deixando sozinho com seus pensamentos.
Enquanto observava a mulher, pensou no que havia acontecido na loja. Não era novidade essa brincadeira de flertes implícitos dos dois, mas havia levado a coisa para outro nível, e estaria mentindo se dissesse que não tinha achado aquilo interessante. Foi só quando um grupo de rapazes passou por eles observando e comentando entre si em seguida que sentiu uma fisgada no peito e se tocou de que a moça, tal como ele, já havia tido outros relacionamentos.
Não que quisesse se enganar e fingir que podia voltar a adolescência, mas algo na ideia de que havia vivido inúmeras experiências importantes ao lado de outros homens era desconfortável para , que pelo resto do dia viu o mundo esverdeado como a grama bem cuidada do parque.
Amarelo
Dois anos e três meses atrás
A chuva forte que batia nas grandes janelas de vidro do aeroporto preocupava . Além da perspectiva de enfrentar o trânsito de Nova York num dia daqueles, o rapaz odiava voar com o clima fechado, e não gostava do fato de estar em um avião nesse momento. Concentrou-se em brincar com as chaves do carro e observar o painel de voos de cinco em cinco minutos na expectativa de ver o pouso do boeing que vinha de Washington ser anunciado.
estava em uma viagem de trabalho, cobrindo uma coletiva de imprensa do presidente da Casa Branca e devia chegar a qualquer momento. , como bom amigo, sabendo que a mulher também não tinha família na cidade e precisaria gastar uma boa nota com táxi de voltar para casa, se ofereceu para buscá-la no aeroporto. Estava suficientemente distraído até que ouviu o celular tocar com a ligação de Cecilia.
— Oi, mãe. Tudo bem?
— , oi, filho — Cecilia respondeu com um tom estranho na voz.
— Está tudo bem, mãe?
— Comigo está, sim, querido. Você sabe da ?
— Coincidentemente, eu estou no aeroporto esperando ela chegar da casa do presidente. O avião dela deve estar chegando, ela disse que desembarcaria por volta das 15h — ouviu a mãe puxar o ar com força, como se estivesse espantada com alguma coisa. — Mãe, o que está acontecendo?
— , por acaso você sabe o número do voo dela?
— Não, mãe. Quer me responder, por favor? O que está acontecendo?
Antes que Cecilia pudesse responder, uma voz nos alto-falantes do aeroporto pediu a atenção dos presentes.
Senhoras e senhores passageiros, acabamos de receber a triste notícia de que o boeing 464 saído de Washington com destino direto a Nova York apresentou falha mecânica durante o voo e sofreu uma queda. A equipe de resgate já está no local e em breve nos teremos mais notícias a respeito dos passageiros. Pedimos calma. O posto da polícia no primeiro andar está à disposição para atendê-los com psicólogos e informações em tempo real.
não percebeu quando soltou o celular, nem viu a tela trincando ao bater no chão. Não ouviu a moça ao seu lado chamá-lo para perguntar se ele estava bem, e não sentiu frio quando o casal desesperado parou ao seu lado, gesticulando para o policial, pedindo informações sobre o filho e molhando com suas chapas de chuva ensopadas. Ouviu, entretanto, o noticiário no telefone do homem sentado atrás dele, dizendo que a taxa de mortalidade esperada era alta e que apenas um comissário de bordo havia sido encontrado com vida até o momento.
A única coisa que o rapaz podia perceber era aquele amarelo maldito tomando conta de tudo, e o arrepio incontrolável que o acompanhava. estava... Não! Não podia ser. Ele precisava ter esperança, mas como? Quais eram as chances de a editora ter escapado? era jornalista e havia aprendido a ser realista, e a realidade não era bonita. Quando, finalmente, conseguiu reagir, não conseguiu controlar os soluços doloridos que vinham com as lágrimas. Inconsolável e furioso, ignorou o par de mãos sobre seus ombros. Não queria ouvir palavras de acalento de nenhum estranho, e menos ainda votos de confiança. Qualquer uma das alternativas parecia uma piada sádica.
— ?
levantou a cabeça com tanta rapidez que o barulho dos ossos estralando pode ser ouvido por todo o saguão.
— ?!
sentiu o ar sair dos pulmões quando os braços de a rodearam com força e angústia. Cada um dos dedos do rapaz tocavam as laterais do corpo da mulher, e , de olhos fechados, prendeu a respiração, se concentrando em sentir cada centímetro de Anastacia que pudesse alcançar para se certificar de que não estava imaginando aquilo.
— Eu achei que tinha te perdido — desabafou, baixinho, sem soltar a editora. Ouviu a voz quebrada, entalada na garganta, se espalhar como um tremor por todo o corpo, e apertou o abraço ainda mais.
— Por um milagre, não perdeu.
Percebendo o que poderia ter acontecido, agarrou a cintura do rapaz, procurando estabilidade, e deixou as próprias lágrimas caírem. Chacoalhou a cabeça, tentando afastar a sensação sufocante que o pânico trazia. , agora mais protetor do que desolado, movia as mãos pelas costas da editora, devagar, mas com firmeza.
Aos poucos, foi parando de chorar e se acalmou, se sentindo segura novamente. Seguiram para uma cafeteria acolhedora que viu perto da saída do saguão, com bancos acolchoados, doces lindos e cheiro de café por todo lado. pediu um belo pedaço de bolo e chocolates quentes para eles, agradecido pela luminosidade do branco que o alívio tinha.
— Eu ainda estou confuso, . Aquele era o único voo vindo de Washington que chegaria aqui no horário que você me disse.
— Era o único voo direto — bebericou um gole do chocolate e comeu um pedaço do bolo, tomando o tempo para colocar as ideias em ordem. — Jessie, a nova secretária da revista, ficou responsável por comprar as passagens. O voo de ida foi direto, então eu achei que o de volta seria também, mas por algum motivo a ver com o horário de checkout do hotel, ela comprou o de volta com escala. Acho que o direto ia demorar mais para sair de lá, eu não sei. Só sei que ela salvou a minha vida.
Segurando a mão de por cima da mesa, com um bom humor estranho, do tipo que vem depois de um momento de agonia, teve certeza de que não queria ver aquele amarelo podre e escuro nunca mais.
A chuva forte que batia nas grandes janelas de vidro do aeroporto preocupava . Além da perspectiva de enfrentar o trânsito de Nova York num dia daqueles, o rapaz odiava voar com o clima fechado, e não gostava do fato de estar em um avião nesse momento. Concentrou-se em brincar com as chaves do carro e observar o painel de voos de cinco em cinco minutos na expectativa de ver o pouso do boeing que vinha de Washington ser anunciado.
estava em uma viagem de trabalho, cobrindo uma coletiva de imprensa do presidente da Casa Branca e devia chegar a qualquer momento. , como bom amigo, sabendo que a mulher também não tinha família na cidade e precisaria gastar uma boa nota com táxi de voltar para casa, se ofereceu para buscá-la no aeroporto. Estava suficientemente distraído até que ouviu o celular tocar com a ligação de Cecilia.
— Oi, mãe. Tudo bem?
— , oi, filho — Cecilia respondeu com um tom estranho na voz.
— Está tudo bem, mãe?
— Comigo está, sim, querido. Você sabe da ?
— Coincidentemente, eu estou no aeroporto esperando ela chegar da casa do presidente. O avião dela deve estar chegando, ela disse que desembarcaria por volta das 15h — ouviu a mãe puxar o ar com força, como se estivesse espantada com alguma coisa. — Mãe, o que está acontecendo?
— , por acaso você sabe o número do voo dela?
— Não, mãe. Quer me responder, por favor? O que está acontecendo?
Antes que Cecilia pudesse responder, uma voz nos alto-falantes do aeroporto pediu a atenção dos presentes.
Senhoras e senhores passageiros, acabamos de receber a triste notícia de que o boeing 464 saído de Washington com destino direto a Nova York apresentou falha mecânica durante o voo e sofreu uma queda. A equipe de resgate já está no local e em breve nos teremos mais notícias a respeito dos passageiros. Pedimos calma. O posto da polícia no primeiro andar está à disposição para atendê-los com psicólogos e informações em tempo real.
não percebeu quando soltou o celular, nem viu a tela trincando ao bater no chão. Não ouviu a moça ao seu lado chamá-lo para perguntar se ele estava bem, e não sentiu frio quando o casal desesperado parou ao seu lado, gesticulando para o policial, pedindo informações sobre o filho e molhando com suas chapas de chuva ensopadas. Ouviu, entretanto, o noticiário no telefone do homem sentado atrás dele, dizendo que a taxa de mortalidade esperada era alta e que apenas um comissário de bordo havia sido encontrado com vida até o momento.
A única coisa que o rapaz podia perceber era aquele amarelo maldito tomando conta de tudo, e o arrepio incontrolável que o acompanhava. estava... Não! Não podia ser. Ele precisava ter esperança, mas como? Quais eram as chances de a editora ter escapado? era jornalista e havia aprendido a ser realista, e a realidade não era bonita. Quando, finalmente, conseguiu reagir, não conseguiu controlar os soluços doloridos que vinham com as lágrimas. Inconsolável e furioso, ignorou o par de mãos sobre seus ombros. Não queria ouvir palavras de acalento de nenhum estranho, e menos ainda votos de confiança. Qualquer uma das alternativas parecia uma piada sádica.
— ?
levantou a cabeça com tanta rapidez que o barulho dos ossos estralando pode ser ouvido por todo o saguão.
— ?!
sentiu o ar sair dos pulmões quando os braços de a rodearam com força e angústia. Cada um dos dedos do rapaz tocavam as laterais do corpo da mulher, e , de olhos fechados, prendeu a respiração, se concentrando em sentir cada centímetro de Anastacia que pudesse alcançar para se certificar de que não estava imaginando aquilo.
— Eu achei que tinha te perdido — desabafou, baixinho, sem soltar a editora. Ouviu a voz quebrada, entalada na garganta, se espalhar como um tremor por todo o corpo, e apertou o abraço ainda mais.
— Por um milagre, não perdeu.
Percebendo o que poderia ter acontecido, agarrou a cintura do rapaz, procurando estabilidade, e deixou as próprias lágrimas caírem. Chacoalhou a cabeça, tentando afastar a sensação sufocante que o pânico trazia. , agora mais protetor do que desolado, movia as mãos pelas costas da editora, devagar, mas com firmeza.
Aos poucos, foi parando de chorar e se acalmou, se sentindo segura novamente. Seguiram para uma cafeteria acolhedora que viu perto da saída do saguão, com bancos acolchoados, doces lindos e cheiro de café por todo lado. pediu um belo pedaço de bolo e chocolates quentes para eles, agradecido pela luminosidade do branco que o alívio tinha.
— Eu ainda estou confuso, . Aquele era o único voo vindo de Washington que chegaria aqui no horário que você me disse.
— Era o único voo direto — bebericou um gole do chocolate e comeu um pedaço do bolo, tomando o tempo para colocar as ideias em ordem. — Jessie, a nova secretária da revista, ficou responsável por comprar as passagens. O voo de ida foi direto, então eu achei que o de volta seria também, mas por algum motivo a ver com o horário de checkout do hotel, ela comprou o de volta com escala. Acho que o direto ia demorar mais para sair de lá, eu não sei. Só sei que ela salvou a minha vida.
Segurando a mão de por cima da mesa, com um bom humor estranho, do tipo que vem depois de um momento de agonia, teve certeza de que não queria ver aquele amarelo podre e escuro nunca mais.
Laranja
Dois anos atrás
Não era incomum que e saíssem juntos. Eles tinham interesses parecidos, frequentavam o mesmo tipo de lugar e, àquela altura, já faziam parte do mesmo círculo de amizades. Quem os visse interagindo com as famílias provavelmente pensaria que a dupla tinha daquelas amizades de infância e que cresceram juntos, brincando no quintal de um, lanchando na casa do outro. Quando estacionou o carro na frente do bistrô de cozinha italiana, vendo tudo em tons de laranja, entretanto, ele sabia que aquele jantar não tinha nada a ver com amizade.
— Obrigada — agradeceu a , que abriu a porta do carro para que ela saísse. De braços dados, foram até a recepção enquanto o valet levava o veículo para outro lugar.
— Boa noite. Tenho uma reversa de mesa para dois no nome de .
O maître procurou na lista de reservas pelo nome de e, quando encontrou, abriu um sorriso para o rapaz.
— Ah, claro! . Sua mesa fica no salão principal, excelente localização. Permitam-me levá-los até lá.
Guiando-os pelo corredor iluminado por pequenas lâmpadas decorativas entremeadas na folhagem da hera que revestia a parede de fora do restaurante. Passando pela grande porta de madeira clara entalhada, entraram no salão principal. A noite gelada de outono combinava com o menu de massas e caldos e com a iluminação restrita às velas nas mesas e algumas poucas luminárias de luz fraca espalhadas pelo local.
Acomodados, foram deixados pelo maître que prometeu voltar com a carta de vinhos e as entradas da casa.
— Ainda bem que você reservou a mesa. Esse lugar está cheio.
— Pois é — respondeu, limpando a garganta e tamborilando com os dedos. Não prestou muita atenção, mas acreditou ter batucado Stairway to Heaven inteira em dois minutos.
— Com licença. Fiquem à vontade para escolher e me chamar caso queiram uma indicação. Nós temos vinhos excelentes e eu garanto que algum deles será perfeito para a sua noite — o maître voltou, entregando o cardápio de bebidas, as taças de água e as cestinhas com torradas e azeitonas. Com um cumprimento, afastou-se novamente, deixando os dois sozinhos.
Comendo uma azeitona, analisou as opções, imaginando de que tipo de vinho gostava. Ele próprio devia admitir que estava, mais uma vez, perdido. Apreciador da boa e velha cerveja, reconheceu alguns nomes comuns como Lambrusco, Prosecco, Pinot Grigio, Cabernet Sauvignon, mas em uma lista de mais de trinta títulos, não saber a diferença entre os quatro que conhecia era deprimente.
Afrouxou a gola da camisa, sentindo a gota de suor escorrer pelo pescoço. Que ideia de jerico era aquela! Levar uma mulher culta e elegante — quando ela queria — como a uma restaurante italiano sem sequer pesquisar sobre vinhos antes. pensou um pouco, tentando contornar a situação. Pedir algum dos que conhecia parecia uma escolha muito segura, e corria o risco de não cair bem com a comida. Aliás, a comida! O que conhecia de cozinha italiana além de pizza e espaguete?
Observou a moça, que lia atentamente o cardápio de bebidas, e teve a única ideia que julgou acertada naquela noite.
— Já escolheu? — a editora perguntou, colocando o cardápio de volta na mesa e tomando um gole da água.
sorriu, e acenou.
— Tomo o mesmo que você.
riu, de alguma forma já esperando por uma resposta assim do amigo. Sabia que estava muito fora do seu elemento. Chamou o garçom que os atenderia, e fez o pedido, entregando os cardápios para o jovem rapaz.
— Eu vou tomar um Bellini, e ele, uma ReAle, por favor.
O garçom desapareceu na cozinha por alguns minutos e voltou com um belo drink amarelo decorado com uma fatia de pêssego ao lado de uma garrafa escura de rótulo azul e uma tulipa. Serviu o drink a e, abrindo a garrafa com maestria, preencheu o copo com a bebida maltada escura e cheirosa.
observou tudo aquilo e encarou confuso, mas a moça apenas sacudiu os ombros e levantou a taça para um brinde.
— Não gosto de vinho.
riu, percebendo a obviedade da situação. Esse era exatamente o tipo de coisa que fez com que deixasse de ver apenas como uma boa amiga. Alguns detalhes característicos da mulher sempre faziam o coração do jornalista pulsar mais forte, como a bala de menta no meio do chocolate quente, o amor por morangos, ao mesmo tempo em que não gostava de suco de morango, a coleção invejável de animais de pelúcia e figuras de ação que enfeitava a casa da mulher, e o fato de que, mesmo que o rapaz tenha comido apenas uma azeitona desde que chegaram, a porção servida pelo maître já tinha acabado. Pensando nisso, se sentiu meio idiota por não ter considerado a possibilidade de não gostar de vinho, mesmo sendo apaixonada por comida italiana.
Brindaram, e a noite correu bem, se ignorassem as três vezes que quase derrubou a tulipa de cerveja artesanal, até que, não contente, finalmente derramou parte da sopa de tomate no próprio colo. Relembraram momentos bons e ruins que passaram juntos nos últimos três anos, riram, quase choraram, e comeram. Comeram bastante. Sentiram essa última parte, em especial, quando pediram a conta, que ficou salgada mesmo dividida entre os dois.
— O jantar foi incrível, . Obrigada.
havia acabado de desligar o carro, parado na porta da casa de . Sentia o coração batendo forte e tinha medo de que pudesse ouvi-lo no silêncio que se instalou. Sem responder, abriu a do carro novamente, caminhando com a editora até a entrada da casa. brincava com as chaves, jogando o peso do corpo para frente e para trás, mentalmente xingando as borboletas no estômago.
— , eu... Eu devia ter dito isso antes, na verdade, foi esse o motivo de todo o jantar, mas você me conhece — o jornalista cuspiu as palavras, desajeitado, torcendo para que as coisas fizessem sentido no final. — Você lembra quando eu te perguntei se você estava usando lentes de contato?
— Lembro. Você ficou analisando os meus olhos por uns cinco minutos com aquela sua cara de concentração, procurando as lentes. Foi estranho, não vou mentir.
— Obrigado pela recordação vívida — riu, claramente se divertindo mais com a lembrança do que . — Naquele dia, pela primeira vez, eu percebi que tinha alguma coisa diferente acontecendo. Seus olhos estavam brilhantes e, dependendo de como eu te olhava, eles pareciam quase holográficos!
gargalhou, imaginando que um par de lentes daquele seria incrível em uma festa à fantasia.
— Com o tempo foi ficando mais intenso, e eles passaram de holográficos para furta-cor. Tem ideia de como era estranho? — foi a vez de rir, acompanhado de uma risadinha da moça. — Era lindo, mas estranho. Mas eu me apeguei ao “lindo”. Hoje eu olho para você e vejo dois cristais que refletem as setes cores de volta para mim, e eu não consigo parar de olhar. Foi assim que eu entendi, , que eu sou completa, perdida e irreversivelmente apaixon—
foi interrompido, com olhos arregalados e tomado pelo choque, pelos lábios quentes e desenhados de grudados aos dele. A editora rompeu o beijo rápido e delicado, colocando a chave na porta e sorrindo sem graça.
— Boa noite, .
Não era incomum que e saíssem juntos. Eles tinham interesses parecidos, frequentavam o mesmo tipo de lugar e, àquela altura, já faziam parte do mesmo círculo de amizades. Quem os visse interagindo com as famílias provavelmente pensaria que a dupla tinha daquelas amizades de infância e que cresceram juntos, brincando no quintal de um, lanchando na casa do outro. Quando estacionou o carro na frente do bistrô de cozinha italiana, vendo tudo em tons de laranja, entretanto, ele sabia que aquele jantar não tinha nada a ver com amizade.
— Obrigada — agradeceu a , que abriu a porta do carro para que ela saísse. De braços dados, foram até a recepção enquanto o valet levava o veículo para outro lugar.
— Boa noite. Tenho uma reversa de mesa para dois no nome de .
O maître procurou na lista de reservas pelo nome de e, quando encontrou, abriu um sorriso para o rapaz.
— Ah, claro! . Sua mesa fica no salão principal, excelente localização. Permitam-me levá-los até lá.
Guiando-os pelo corredor iluminado por pequenas lâmpadas decorativas entremeadas na folhagem da hera que revestia a parede de fora do restaurante. Passando pela grande porta de madeira clara entalhada, entraram no salão principal. A noite gelada de outono combinava com o menu de massas e caldos e com a iluminação restrita às velas nas mesas e algumas poucas luminárias de luz fraca espalhadas pelo local.
Acomodados, foram deixados pelo maître que prometeu voltar com a carta de vinhos e as entradas da casa.
— Ainda bem que você reservou a mesa. Esse lugar está cheio.
— Pois é — respondeu, limpando a garganta e tamborilando com os dedos. Não prestou muita atenção, mas acreditou ter batucado Stairway to Heaven inteira em dois minutos.
— Com licença. Fiquem à vontade para escolher e me chamar caso queiram uma indicação. Nós temos vinhos excelentes e eu garanto que algum deles será perfeito para a sua noite — o maître voltou, entregando o cardápio de bebidas, as taças de água e as cestinhas com torradas e azeitonas. Com um cumprimento, afastou-se novamente, deixando os dois sozinhos.
Comendo uma azeitona, analisou as opções, imaginando de que tipo de vinho gostava. Ele próprio devia admitir que estava, mais uma vez, perdido. Apreciador da boa e velha cerveja, reconheceu alguns nomes comuns como Lambrusco, Prosecco, Pinot Grigio, Cabernet Sauvignon, mas em uma lista de mais de trinta títulos, não saber a diferença entre os quatro que conhecia era deprimente.
Afrouxou a gola da camisa, sentindo a gota de suor escorrer pelo pescoço. Que ideia de jerico era aquela! Levar uma mulher culta e elegante — quando ela queria — como a uma restaurante italiano sem sequer pesquisar sobre vinhos antes. pensou um pouco, tentando contornar a situação. Pedir algum dos que conhecia parecia uma escolha muito segura, e corria o risco de não cair bem com a comida. Aliás, a comida! O que conhecia de cozinha italiana além de pizza e espaguete?
Observou a moça, que lia atentamente o cardápio de bebidas, e teve a única ideia que julgou acertada naquela noite.
— Já escolheu? — a editora perguntou, colocando o cardápio de volta na mesa e tomando um gole da água.
sorriu, e acenou.
— Tomo o mesmo que você.
riu, de alguma forma já esperando por uma resposta assim do amigo. Sabia que estava muito fora do seu elemento. Chamou o garçom que os atenderia, e fez o pedido, entregando os cardápios para o jovem rapaz.
— Eu vou tomar um Bellini, e ele, uma ReAle, por favor.
O garçom desapareceu na cozinha por alguns minutos e voltou com um belo drink amarelo decorado com uma fatia de pêssego ao lado de uma garrafa escura de rótulo azul e uma tulipa. Serviu o drink a e, abrindo a garrafa com maestria, preencheu o copo com a bebida maltada escura e cheirosa.
observou tudo aquilo e encarou confuso, mas a moça apenas sacudiu os ombros e levantou a taça para um brinde.
— Não gosto de vinho.
riu, percebendo a obviedade da situação. Esse era exatamente o tipo de coisa que fez com que deixasse de ver apenas como uma boa amiga. Alguns detalhes característicos da mulher sempre faziam o coração do jornalista pulsar mais forte, como a bala de menta no meio do chocolate quente, o amor por morangos, ao mesmo tempo em que não gostava de suco de morango, a coleção invejável de animais de pelúcia e figuras de ação que enfeitava a casa da mulher, e o fato de que, mesmo que o rapaz tenha comido apenas uma azeitona desde que chegaram, a porção servida pelo maître já tinha acabado. Pensando nisso, se sentiu meio idiota por não ter considerado a possibilidade de não gostar de vinho, mesmo sendo apaixonada por comida italiana.
Brindaram, e a noite correu bem, se ignorassem as três vezes que quase derrubou a tulipa de cerveja artesanal, até que, não contente, finalmente derramou parte da sopa de tomate no próprio colo. Relembraram momentos bons e ruins que passaram juntos nos últimos três anos, riram, quase choraram, e comeram. Comeram bastante. Sentiram essa última parte, em especial, quando pediram a conta, que ficou salgada mesmo dividida entre os dois.
— O jantar foi incrível, . Obrigada.
havia acabado de desligar o carro, parado na porta da casa de . Sentia o coração batendo forte e tinha medo de que pudesse ouvi-lo no silêncio que se instalou. Sem responder, abriu a do carro novamente, caminhando com a editora até a entrada da casa. brincava com as chaves, jogando o peso do corpo para frente e para trás, mentalmente xingando as borboletas no estômago.
— , eu... Eu devia ter dito isso antes, na verdade, foi esse o motivo de todo o jantar, mas você me conhece — o jornalista cuspiu as palavras, desajeitado, torcendo para que as coisas fizessem sentido no final. — Você lembra quando eu te perguntei se você estava usando lentes de contato?
— Lembro. Você ficou analisando os meus olhos por uns cinco minutos com aquela sua cara de concentração, procurando as lentes. Foi estranho, não vou mentir.
— Obrigado pela recordação vívida — riu, claramente se divertindo mais com a lembrança do que . — Naquele dia, pela primeira vez, eu percebi que tinha alguma coisa diferente acontecendo. Seus olhos estavam brilhantes e, dependendo de como eu te olhava, eles pareciam quase holográficos!
gargalhou, imaginando que um par de lentes daquele seria incrível em uma festa à fantasia.
— Com o tempo foi ficando mais intenso, e eles passaram de holográficos para furta-cor. Tem ideia de como era estranho? — foi a vez de rir, acompanhado de uma risadinha da moça. — Era lindo, mas estranho. Mas eu me apeguei ao “lindo”. Hoje eu olho para você e vejo dois cristais que refletem as setes cores de volta para mim, e eu não consigo parar de olhar. Foi assim que eu entendi, , que eu sou completa, perdida e irreversivelmente apaixon—
foi interrompido, com olhos arregalados e tomado pelo choque, pelos lábios quentes e desenhados de grudados aos dele. A editora rompeu o beijo rápido e delicado, colocando a chave na porta e sorrindo sem graça.
— Boa noite, .
Vermelho
Com os olhos marejados, observou os convidados, que ouviam à história do casal com atenção. , segurando um lenço sujo de maquiagem nas mãos, tinha linhas marcadas no rosto por onde algumas lágrimas perdidas haviam rolado. ouviu uma reclamação bastante pertinente vinda da mesa das crianças e se prontificou a encerrar o discurso e liberar a sobremesa.
— Eu conhecia muitas cores sóbrias e neutras antes de conhecer a . Agora eu sei que a raiva é roxa, da cor do batom que ela usava no dia que nós nos conhecemos. A ilusão é índigo, da cor do esmalte que ela usava quando me deu o trabalho que ia mudar a minha vida. A felicidade que eu senti no meu aniversário era azul turquesa—
— É TIFANNY.
— Ok, Mackie azul Tiffany. A felicidade é azul Tiffany, como toda a decoração da festa surpresa. A inveja era verde, no mesmo tom da folha que ficou no cabelo da quando ela levantou do chão depois de ter rolado na grama com os filhotes no parque, e quando eu achei que tinha perdido uma das pessoas mais importantes da minha vida num acidente de avião, eu tive tanto medo que até eu devo ter ficado amarelo. Depois foi o laranja que me acompanhou por todo o jantar na noite em que eu finalmente contei para ela como eu me sentia, tão nervoso que era quase patético. E hoje eu estou tão confiante de estar fazendo a coisa certa que tudo o que eu vejo é vermelho. Um vermelho intenso e vivo, da cor da linger—
— Acho que já está bom, — , ainda sentada, segurou a mão do, agora, marido, interrompendo o discurso antes que dissesse algo que não devia. Entendendo o recado, riu e decidiu que já havia falado muito, de toda forma.
— me fez sentir cada uma das cores que eu vejo nos olhos dela desde que ela me enxarcou de café, e a única coisa que tem essas cores é o que ela me ensinou a sentir ao longo de todos esses anos. O amor é arco-íris.
Fim!
Nota da autora: Oiê!
Bold as Love foi uma grata surpresa, e eu fiquei bem feliz com o resultado, além de ter conseguido uma nova música favorita hahaha
Obrigada por ter lido até aqui!
Espero que tenha gostado ♥
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