Última atualização: Fanfic finalizada.

prefácio

Todas as noites, eu tinha o mesmo sonho.
Meus pés afundavam na grama molhada da floresta sombria e, a princípio, não havia ninguém. A escuridão me cobria por todos os lados e eu não conseguia mover os meus pés. Além dos galhos quebrados e folhas farfalhando, não ouvia nenhum som que me indicasse que eu não estava sozinha naquele lugar. Não conhecia aquela floresta, mas de tanto sonhar com a mesma, já me era familiar. Todas as vezes, eu olhava ao redor, sem desistir das minhas tentativas insistentes de mover os pés, tentando a todo custo sair dali. O vento soprava contra a minha pele, uma lembrança cruel de quão frio estava. Eu sempre ficava atenta o suficiente para notar uma sombra passando muito rápido quando a escuridão diminuía um pouco. A sombra era ágil demais para eu conseguir acompanhar os seus passos, mas sussurros incompreensíveis me envolviam. Quando eu desistia de mover os meus pés, me sentia afundar mais um pouco dentro da grama escorregadia. Mesmo assim, mantive meus olhos atentos, os batimentos cardíacos acelerados demais, demonstrando o pânico que eu sentia.
Eu odiava tudo naquele sonho.
Os sussurros ficavam mais fortes. Com a respiração fraca, tentei encontrar de onde vinham, mas eu não conseguia ver muita coisa. De repente, meus pés não estavam mais presos e eu estava mais dentro da floresta. Meu corpo inteiro tremia devido ao frio e meus olhos se ajustavam à pouca luz do lugar. Continuei andando, meus passos hesitando, como se eu soubesse para onde estava indo, mas eu só me sentia completamente perdida, querendo fugir dali. Eu não gostava do ar sombrio que tudo me passava, não gostava dos barulhos que me cercavam, não gostava de estar sozinha. Mesmo assim, continuei andando para qualquer lado, qualquer um que me levasse para longe. Eu não avancei muito. Mais adiante, havia faíscas de fogo crepitando e fumaça. Quando tentei chegar perto, algo me derrubou contra o chão, um empurrão tão forte que meu corpo inteiro doeu com o impacto. Soltei um gemido abafado de dor, apertando minha mão contra a lateral da minha cabeça, um filete de sangue escorrendo.
…”
A sombra tinha voltado. Ela tinha uma forma tão horrível que eu não conseguia descrever o que eu via primeiro. Mas as garras nos dentes chamavam mais atenção.
— Quem é você? — a pergunta escapou dos meus lábios, como se eu fosse corajosa o suficiente para aquilo.
A sombra não respondeu. Ela avançou um passo. Eu ainda estava no chão e me arrastei para trás a cada passo mais próximo que ela dava. Não parecia estar funcionando e eu temia sinceramente o que ia acontecer.
“Você pertence a nós”
A voz ecoou dentro da minha mente e eu percebi que a sombra não tinha movido a boca. Como era possível que ela estivesse falando dentro da minha cabeça?
— Não! — gritei com força, tentando me desvencilhar de suas garras quando a sombra avançou para cima de mim. — Não, pare!
Mas ela não parava. Suas garras arranhavam a minha pele e usei um dos meus pés para chutar aquela coisa, mas ela era muito mais forte. Grunhi de dor e raiva. Pareceu ainda mais impossível escapar dali quando a sombra prendeu as minhas duas mãos, uma em cada lado da minha cabeça, e exibiu as suas garras. No entanto, ela não parecia que queria me matar. A sombra me encarou com os olhos esguios. Tentei esconder a exalação de surpresa quando a sombra se transformou em uma mulher humana, muito mais velha do que eu, os cabelos brancos e as feições suaves.
Não queremos matar você. Só queremos que volte para casa.”
— Saia da minha cabeça! — gritei, me debatendo contra a humana agora.
Tentei soltar as minhas mãos, mas algo muito inesperado aconteceu. Um feixe de luz muito forte preencheu o ambiente, mas não parecia me cegar, ao contrário da sombra que tinha virado humana. Meus braços foram soltos e a antiga sombra gritava tão alto que não compreendi o que eu tinha feito até me levantar do chão e a luz sumir.
Bem na minha frente, estava o corpo jogado dela, todo queimado e os buracos dos olhos vazios. Tampei a minha boca com a mão, contendo o grito e as lágrimas que queriam escapar. A única coisa que pensei foi em correr, fugir dali, mas quando me virei, engoli a seco, minha respiração fazendo meu peito subir e descer com esforço.
Eu estava presa em um círculo, cercada por mulheres velhas que eu nunca tinha visto na minha vida antes. Havia uma expressão furiosa em cada uma delas.
— Esse poder é indigno de você, minha jovem — uma delas disse, apontando para o corpo caído no chão.
Balancei a cabeça freneticamente, tentando parar de tremer.
— Não fiz isso, eu não… — tentei dizer, mas as palavras não queriam estar ao meu favor.
Embora eu estivesse querendo me defender do que tinha acabado de acontecer, eu sabia, de alguma forma, que eu tinha feito aquilo. Mas eu não sabia como. Era impossível.
Além do mais, tudo aquilo era um sonho. Um sonho que eu desejava urgentemente acordar.
— Você fez — outra voz falou. — Você é uma de nós, mas também é uma deles. Precisará fazer uma escolha, .
Mas que tipo de escolha? Eu não estava entendendo nada, não compreendia por que elas queriam a mim, ou o que queriam de mim. Eu não tinha nada. Sequer era corajosa, preferindo me esquivar de qualquer coisa e me esconder do mundo a enfrentá-lo.
Eu era feita inteiramente de covardia.
— Vão embora! — gritei, dando passos cegos para trás, balançando a cabeça. — Vão embora, vão embora!
Mas parecia que quanto mais eu implorasse, mais elas se aproximavam. Eu não tinha mais para onde fugir e não sabia lutar para me livrar de qualquer uma delas. Eu não estava mentindo quando disse que era covarde demais para fazer qualquer coisa. Eu nem mesmo sabia como eu tinha matado a sombra.
Fechei meus olhos, abraçando o meu próprio corpo. Talvez me entregar fosse a saída mais fácil.
— Deixem ela em paz.
Uma voz desconhecida ecoou. Curiosa e surpresa, abri os olhos novamente, notando que as mulheres tinham ficado tensas e acompanhei o olhar delas, até encontrar um rapaz jovem, cujos olhos eram violetas, algo que eu jamais vi.
As velhas começaram a avançar, uma a uma, para cima dele, mas ele sequer hesitou. Quando o primeiro grito ecoou depois dele ter sacado a espada, uma sensação de alívio me atingiu.
Aqueles olhos violetas sempre me salvavam.


parte 1 — Aqueles olhos violetas

Uma semana tinha se passado desde que eu completei dezessete anos.
Minha vida não era agitada. E por agitada eu quero dizer que levo uma vida normal.
Não tenho amigos com quem compartilhar nada, não sou especial, sequer sou popular. Sou o que chamam de “adolescente fracassada” e, na verdade, eu não me importo muito com isso. Bem, talvez um pouco. Um pouco bem pouco mesmo. Meu Deus, eu odiava a escola, odiava tudo ao meu redor. Como alguém aprendia a ser tão sozinha no mundo inteiro?
!
A voz vinha de lá de cima.
Como sempre, eu estava escondida no porão da casa, fugindo das crianças pequenas que nunca me deixavam em paz. Eu não tinha nada contra elas, mas, sinceramente, sempre que eu pudesse evitar contato com elas, eu ia. Eu não aguentava ficar correndo atrás daquelas pernas ágeis o tempo todo e voltar morrendo, quase sem fôlego. Sério, como uma criança tem tanta energia?
! — a voz insistiu, um tom mais alto do que antes.
Aliás, quem está me chamando é a minha mãe adotiva. Eu não a via exatamente como mãe, porque ela podia ser tudo, mas não havia instinto maternal nenhum dentro daquela mulher. Ela não me maltratava, só era um pouquinho amarga demais e eu tinha pena das novas crianças que estavam sob a sua guarda.
Eu só precisava aguentar mais dois anos para dar o fora daqui, embora eu não soubesse exatamente para onde eu iria.
, eu sei que você está aqui! — ela gritou de novo e eu bufei. — Você tem dois minutos para aparecer ou o castigo vai ser pior!
Dois minutos ainda era tempo demais para mim, mas aqui vai uma coisa sobre a mulher que eu deveria chamar de mãe: ela era criativa. Quando dizia que o castigo iria ser pior do que o anterior, ele realmente era. E como eu gostava de paz dentro daquele inferno de casa, preferia não arriscar saber qual era o pior castigo para mim no momento. Chutei a cadeira e me levantei da que eu estava, guardando o caderno e os lápis coloridos. Antes de finalmente mostrar a minha cara para fora do porão, encarei o desenho.
Às vezes, eu desenhava inconscientemente, mas ultimamente meus dedos só repetiam os mesmos traços: o garoto de olhos violetas dos meus sonhos.
Balancei a minha cabeça e calcei os meus chinelos velhos. Subi as escadas do porão correndo e saí pela porta direto para a cozinha. Eu já ouvia os passos ágeis das crianças pequenas correndo pela casa e andei até onde eu sabia que Isla iria estar. Bem no centro da sala, de frente para o enorme sofá e as quatro crianças sentadas nelas, descalças e descabeladas.
Isla era a nossa mãe. Aquelas crianças, tecnicamente, eram meus irmãos. Nós todos éramos “adotados”. Adotados entre aspas mesmo, ela só recebia do governo para nos dar um lar.
— Você me chamou? — anunciei a minha presença.
Todas as quatros crianças correram até mim, abraçando as minhas pernas como podiam, quase me derrubando no chão. Preciso comunicar uma curiosidade: embora eu fugisse delas, aqueles pequenos seres humanos gostavam mesmo de mim.
Bem, qualquer pessoa gostaria mais de mim do que da Isla mesmo, pelo menos eu sabia ser um pouco divertida e não tratava ninguém mal de graça.
— Esperem aí, crianças — pedi, tentando fazer com que eles se acalmassem.
Quando Isla gritou um pouco, elas se afastaram de mim e se colocaram em fila ao meu lado e eu revirei os olhos para tamanho exagero. Aquelas ordens não serviam de nada.
— Sim, eu chamei, — ela respondeu à minha pergunta, me lançando uma expressão nada simpática. Que bom que o sentimento era mútuo. — Hora de levar esses monstrinhos para a praça.
— Eles não são monstrinhos — retruquei.
Podiam me dar o trabalho que fossem, simplesmente porque eram crianças e quatro era difícil de controlar, mas eu não permitia que aquela mulher, que deveria ser mãe para os mais novos, tratasse eles daquela maneira. Eu podia aguentar, mas as crianças só tinham entre quatro e cinco anos.
— Eles são o que eu quiser. — Ela exibiu um sorriso maldoso.
Fiquei furiosa com a sua falta de afeto e a encarei com uma intensidade assustadora, desejando muito que ela sofresse só um pouquinho. Fui despertada da minha raiva quando me assustei com um vaso quebrando no meio da sala, os vidros se estilhaçando pelo chão.
Isla soltou um grito horroroso e eu aproveitei a deixa para arrastar as crianças comigo.
— Calcem os sapatos — instruí cada uma delas.
As crianças eram duas meninas e dois meninos, cujos nomes eram simples: Dina, Rita, Francis e Tito. Todos nomes de personagens da Disney. Como eu disse, Isla era bastante criativa.
E se não ficou claro, não foi uma ironia.
? — Dina chamou, a mão na boca.
Quando olhei para ela, abri um sorriso seguido de um suspiro ao ver seu pé estendido para mim. Ela era a única que não sabia colocar os sapatos nos pares certos, então eu sempre a ajudava, tentando ensinar qual era o esquerdo e o direito, mas Dina não se importava em aprender, como os outros.
Observando que eles estavam bem-vestidos — somente com os fios de cabelo arrepiados —, mandei que andassem na minha frente antes que Isla resolvesse implicar com cada um de nós. A praça ficava somente um quarteirão depois da casa. Eu só precisava ter cuidado para manter as quatros crianças andando pela calçada em fila, ou elas corriam direto para a rua e eu não tinha quatro mãos para prendê-las.
— Não corram — praticamente implorei para me ouvirem.
As crianças gostarem de mim não significava exatamente que me obedeciam. Eu não tinha tanto pulso firme assim para autoridade, mas eu tentava. Tentar conta, não é?
Esperava muito que sim.
Continuei mantendo meus olhos atentos nas crianças. Quando chegamos perto de atravessar uma rua para acessar a praça do outro lado, pedi que duas delas me dessem as mãos e segurassem uma na outra que sobraram. Atravessar era a parte mais perigosa para mim. Parei no sinal, segurando firme a mão de Dina e Francis, mas eu acho que estava com sorte, porque conseguimos atravessar sem maiores incidentes.
Na calçada da praça, soltei-as, liberando o espaço para que eles pudessem correr e brincar nos únicos brinquedos sujos que havia ali. Eu lamentei não ter trazido o meu caderno de desenho para me distrair durante o tempo em que eu precisava assisti-los brincar.
Simplesmente me sentava em um banco vazio e ficava observando cada passo daquelas pequenas pernas ágeis. Eles gargalhavam, empurravam um ao outro e caíam sentados no chão, mas ao invés de chorar pela queda, levantavam e corriam de novo.
Então, de repente, uma coisa estranha aconteceu.
Eu estava olhando Tito correr ao redor de um balanço e consegui identificar Francis e Dina na cena, mas Rita não estava com eles. Eu tinha apenas uma regra com os quatro: fiquem sempre juntos. E eles sempre estavam, mas Rita era a única que me deixava de cabelos em pé, sempre se separando do grupo para socializar com outras crianças ao redor. Por que ela simplesmente não era antissocial? Não precisava sair por aí fazendo amizades com crianças desconhecidas quando tinha três em casa para lhe fazer companhia. Rita não precisava me deixar nervosa o tempo todo, mas ela deixava.
— Rita? — chamei, aumentando um pouco o meu tom de voz.
Levantei do banco e olhei ao redor da praça, mas aquilo era enorme pra caramba.
Corri até as crianças, pedindo que parassem de correr. Quando eles olharam para mim, respirei fundo.
— Onde está a Rita? — perguntei.
Francis, que era o mais velho, balançou a cabeça e mexeu os ombros, explicando que não sabia de nada. Desde que ele tinha aprendido a se comunicar com os ombros, vivia repetindo isso o tempo todo. Tinha sido fofo no começo, mas agora era irritante, porque ele não usava as palavras para responder muita coisa mais.
Ai, ai. Eu adorava me comunicar na linguagem das crianças.
Olhei para Tito e Dina. A menina foi mais rápida em responder.
— Ali. — Apontou a mãozinha para um ponto bem atrás de mim.
Quando me virei para olhar a direção em que ela estava apontando, soltei um palavrão baixinho, esperando que eles não tivessem ouvido. Minha boca não era suja, mas às vezes escapava.
— Fiquem aqui! — ordenei para eles.
Rita estava correndo com outras duas crianças e eu acharia isso normal, mas a direção em que ela corria cegamente me preocupava. O outro lado era uma avenida enorme e os carros não costumavam parar a velocidade a tempo de poupar alguém de um acidente. E era exatamente para a avenida, com o sinal aberto, que Rita estava correndo.
— Rita! — gritei, tentando atrair a atenção dela.
Mas a garota nem sequer me olhou. Ria de algo que eu nem sabia o que era e suas pernas ágeis se aproximavam cada vez mais da avenida. Eu sabia, como uma boa sedentária que era, que eu não iria conseguir alcançá-la a tempo, mesmo que eu estivesse correndo o mais rápido possível.
— Rita!
Sentia olhares alheios sobre mim, mas não me importei. Só continuei correndo, mas Rita correu direto para a avenida e, quando olhei para o lado oposto, havia dois carros e um caminhão vindo. Gritei mais uma vez o nome dela. Rita se deu conta de onde estava e paralisou bem no meio da rua, com os carros vindo em sua direção. Eu queria que ela corresse, que corresse mais rápido que podia, mas ela estava assustada e seus pés não se moviam.
Estendi uma mão na direção dela e foi quando aconteceu.
Uma explosão de luz surgiu bem na frente dos carros, a poucos centímetros de distância de Rita, impedindo que eles a atropelassem. Consegui alcançá-la e a peguei no braço, correndo de volta para a calçada da praça, onde estávamos seguras agora e quando olhei de volta para a avenida, os carros já tinham passado e o trânsito corria normal. Ofegante, coloquei Rita no chão.
— Você está bem? — questionei e ela assentiu com a cabeça, concordando. — Nunca mais faça isso, Rita — reclamei.
Ela adquiriu uma expressão culpada, mas respirei fundo, tentando controlar o meu fôlego ainda e me abaixei na sua frente, abraçando-a. As outras crianças correram até mim, ignorando a ordem de “fiquem aqui” que eu tinha dado.
Meu coração continuava acelerado. Havia uma voz na minha cabeça dizendo que o feixe de luz tinha sido real, que aquilo impediu os carros de avançarem em Rita, que eu… que eu tinha feito aquilo.
Mas não era possível. Eu tinha tantos pesadelos que estava começando a confundir sonho com realidade. Não era possível mesmo.
— Podemos ir para casa? — Tito perguntou.
Me afastei de Rita e encarei as crianças com um suspiro. Aparentemente, o quase acidente da irmã tinha os assustado também.
— Tem certeza? — indaguei, com uma careta. — Isla ainda está lá.
Eles assentiram mesmo assim. Concordei com um aceno então e me levantei, mas uma sensação de estar sendo observada me consumiu. Olhei ao redor da praça de novo, mas não havia nada. Ninguém. Tudo tinha voltado ao normal. As mães olhavam seus filhos, gritavam ordens e crianças estavam correndo e brincando por toda parte, além de haver alguns jovens sentados na grama mais distantes dos barulhos.
— Vamos, crianças. — Ignorei a sensação e afastei os meus pensamentos. — Deem as mãos.
Prestes a atravessar a mesma rua de antes, parei de andar. As crianças acompanharam o meu movimento e pararam de andar também, puxando a minha mão.
? — chamaram, mas não respondi.
Do outro lado da rua, um garoto jovem, que parecia só um pouco mais velho do que eu, olhava para mim. Eu não teria dado tanta importância se não fosse os olhos dele.
Eram violetas.
Exatamente iguais aos meus sonhos.
Engoli a seco, sentindo o meu coração bater mais forte. Pisquei meus olhos, imaginando que eu estava vendo coisas, mas quando voltei a olhar, ele ainda estava lá. Não, pior.
Ele estava vindo na minha direção.
— Crianças — murmurei, sem tirar os olhos do garoto desconhecido. — Podem brincar mais um pouco? Preciso de mais tempo de ar fresco.
Eu nem percebi o momento em que elas soltaram as minhas mãos e correram para algum brinquedo atrás de mim. Desviei os olhos por um momento, só para verificar para onde as crianças tinham corrido, e quando virei a cabeça de novo, o garoto estava parado bem na minha frente agora.
Arfei de susto e dei um passo para trás.
— Quem é você? — indaguei.
Ele era lindo.
Mais lindo do que eu desenhava e do que via nos sonhos. Seus olhos eram mesmo violetas e sua feição era simples e serena. Ele tinha um corpo bem cuidado e, estranhamente, me passava segurança.
— Acho que você sabe quem eu sou — respondeu, a voz tão calma que eu quase senti inveja.
Observei ele com mais atenção. Apesar de lindo, se vestia de um jeito muito ridículo, quase igual àquelas séries antigas. Ele estava com uma espécie de armadura e havia uma espada presa na sua cintura.
— Não sei — admiti, dizendo a verdade. — Você me salva nos meus sonhos, mas não sei quem é você.
Risadas preencheram o ambiente. Ele olhou ao redor, os olhos violetas curiosos com tudo.
— Seus sonhos são um aviso — ele disse, sem me olhar. — Sou seu guardião. Não é incomum que eu te proteja da escuridão.
Pisquei meus olhos, sem entender nada. Aquilo estava beirando à loucura.
— Espere aí — eu disse, confusa. — Você é o quê?
Por que diabos ele seria o meu guardião? Aliás, por que eu precisaria de um guardião? Ele estava agindo como um lunático e eu mais ainda, por estar disposta a ouvi-lo.
Assisti a filmes o suficiente para entender que eu deveria sair correndo. Eu deveria ignorar aquele garoto lindo e preservar a minha própria vida, mas, minha nossa, ele era o garoto que estava presente nos meus sonhos. Tinha que haver uma explicação para aquilo, não tinha?
Uma garota sozinha de 16 anos era uma vítima ideal movida pela curiosidade.
O desconhecido — que eu ainda não descobri o nome por uma questão de tempo —, me encarou. Que droga.
Ele realmente me passava segurança.
— Seu guardião, — repetiu.
Aquilo já era demais. Podia lidar com um lunático, mas não com um que sabia o meu nome.
— Como sabe o meu nome? — Me senti idiota fazendo aquela pergunta, mas não havia qualquer outra coisa que eu quisesse saber mais agora.
— Eu sei muitas coisas sobre você — confessou. — Não seria seu guardião se não soubesse.
Mordi a parte interna da minha bochecha, com mil perguntas nos meus pensamentos agora. Eu estava indecisa em qual coisa eu queria saber primeiro, querendo juntar as peças, que as coisas fizessem sentido. Porque, daquela forma, era como se ele estivesse me falando fórmulas matemáticas que eu não sabia fazer. Minha expressão devia estar mostrando a confusão que eu sentia, pois ele balançou a cabeça em negação e deu um passo para o lado e depois outro para perto de mim, se movendo com… maestria, uma delicadeza única.
— Entendo que você tem muitas perguntas agora — ele começou a dizer, piscando os olhos para mim. — Mas estou aqui por um motivo. Você está correndo perigo.
Se aquilo devia me assustar, não funcionou. A praça estava perfeitamente calma e eu não conseguia ver nenhum perigo à vista. Embora ele parecesse preocupado, não era problema meu.
— Quer saber? — Eu balancei as minhas mãos no ar, desistindo de toda aquela história. — Eu nunca gostei de mistério. Preciso ir.
Dei as costas para ele, procurando as crianças com os olhos. Elas estavam sentadas, uma junto da outra, e fiz uma expressão cansada quando notei que Francis estava comendo areia.
— Francis! — repreendi, correndo até ele.
Limpei as suas mãos de areia e suspirei, tirando toda a sujeira de sua boca. Verifiquei se os outros não estavam fazendo o mesmo e bati palminhas ritmadas.
— Vamos embora — anunciei.
Mas o desconhecido parou ao meu lado quando eu estava organizando as crianças para darem as mãos e ficarem juntas. Eu tentei ignorá-lo, mas ele não era exatamente o tipo que dava para passar despercebido. Ele tinha um aroma leve.
— Você a salvou — ele disse, apontando para Rita com a cabeça.
Senti meu corpo ficar tenso.
— Você não quer acreditar que seja real, mas é — continuou a me dizer. — Eu tenho as respostas que você quer, , todas elas. Mas precisa vir comigo. Estou falando sério — seus olhos pararam em mim —, você corre perigo.
— Está dizendo que eu posso conjurar a luz? — De tudo, foi a única coisa que mais prestei atenção. — Isso é impossível.
— No mundo humano, sim.
As crianças nos olhavam com olhos curiosos, mas, estranhamente, estavam quietas.
— Do que está falando? Só há um mundo.
Ele fez uma careta desgostosa, como se eu tivesse falado algo errado.
— Seus conhecimentos são muito limitados — reclamou, um tom ácido na voz que eu não gostei nenhum pouco. — Sempre fui contra deixar alguém crescer na ignorância.
Senti vontade de chutá-lo, porque se ele estava me chamando de burra de um jeito mais delicado, era melhor que fosse embora e me deixasse em paz. Eu preferia que ele se mantivesse apenas nos meus sonhos e rabiscos nos papéis.
— Não vou com você a lugar algum — declarei, decidida.
Me virei para as crianças, pegando a mão de Tino e Francis e esperei as meninas segurarem a mão de cada um. Comecei a andar imediatamente, fazendo o mesmo caminho de volta para casa, com os passos mais apressados. Mas, para a minha infelicidade, ele me seguiu.
— Elas estão aqui — disse, atrás de mim. — , venha comigo.
Não parei um passo sequer. Atravessei a rua, com as crianças ao meu encalço. Eu não era ingênua a ponto de ir embora com um desconhecido.
— Elas quem? — perguntei.
Mas ele não respondeu.
— Excelente trabalho me dando respostas — ironizei.
Quando espiei um pouco ele atrás de mim, ele estava com os olhos atentos ao nosso redor. Seu corpo parecia tenso e sua mão esquerda estava pousada no cabo de sua espada, pendurada na sua cintura. Os fios do cabelo, penteados para trás, estavam bagunçados e havia uma ruga de preocupação bem no meio da sua testa, compondo o seu estoque de beleza.
Respirei fundo, me sentindo patética e continuei andando até chegar em casa. Mas havia alguma coisa errada.
A porta da frente estava aberta e os vasos com as plantas estavam todos destruídos. Eu não consegui controlar as crianças a ponto de impedir que elas entrassem correndo dentro de casa antes de verificar o que tinha acontecido. Talvez eu estivesse exagerando e Isla teve algum surto psicótico e saiu destruindo tudo o que viu pela frente, mas, no fundo, eu sabia que não era nada disso. A presença do bonito desconhecido não me deixava acreditar que tudo era uma mera coincidência.
— Eu avisei — ele disse, atrás de mim, puxando a espada. — Elas estão aqui. Pegue as crianças.
Pela primeira vez, eu não quis perguntar nada. Eu sabia quem eram elas. Tudo no meu sonho estava tomando forma, mas em um cenário diferente. Não havia sombra, noite e nem floresta ao meu redor.
— Crianças! — chamei, correndo até a entrada, mas parei antes de chegar.
! — Elas vieram correndo de volta para mim e eu não consegui distinguir quem me chamou primeiro.
As meninas estavam chorando e os meninos não soltaram as mãos delas.
— A Isla não acorda — Francis disse. — Tem sangue.
Um arrepio me consumiu. Sussurros inaudíveis me envolveram e eu olhei para a porta de entrada. Uma sombra surgiu atrás das crianças e eu prendi a minha respiração, sentindo a presença do desconhecido ao meu lado.
, proteja as crianças — ele instruiu.
Olhei rapidamente para ele, puxando as crianças para perto de mim.
— Eu não sei como fazer isso — admiti.
Os sussurros estavam mais fortes. Balancei a cabeça, tentando me livrar, mas o incômodo só aumentava.
— Use a luz.
Furiosa, encarei ele.
— Eu não sei como faço isso! — exclamei, com as mãos cerradas em punhos.
Rita e Dina abraçaram as minhas pernas. Um vislumbre de escuridão surgiu e sumiu no mesmo instante. Olhos violetas me encararam.
— Seus poderes surgem por suas emoções — ele me explicou rapidamente. — Se não consegue conjurar a luz para proteger a si mesma, é melhor fechar os olhos das crianças.
Chamei os meninos com as mãos.
Paralisei no mesmo instante em que a sombra na entrada da porta tomou forma e eu respirei mais rápido, o coração acelerado contra o meu peito. Três mulheres surgiram.
Ao contrário do meu sonho, elas eram bastante jovens e tinham uma expressão maliciosa.
— Olá, .
Ótimo. Elas também sabiam o meu nome.
A mulher que estava na frente desviou os olhos para o garoto ao meu lado. Uma expressão de ódio e desdém surgiu em seu rosto e ela apontou a língua para ele.
Você.
O que quer que estivesse acontecendo ali, era muito mais antigo do que eu. Preferia que não me envolvesse, mas algo me dizia que eu estava enterrada naquilo mais fundo do que eu podia imaginar.
— Vocês têm uma rixa ou algo do tipo? — questionei para o desconhecido.
Eu estava nervosa e não podia evitar comentários desnecessários daquele tipo. Ele olhou para mim com seriedade.
— Isso não é uma brincadeira — ele avisou. — Elas querem você. Agora, as crianças.
Concordei com um aceno apressado e arrastei as crianças comigo, alguns passos para trás, me afastando da entrada da casa.
— Meninos e meninas — eu disse, ansiosa. As crianças me olharam, ainda assustadas. — Preciso que fechem os olhos. Podem fazer isso?
Quatro cabeças acenaram positivamente. As meninas não se afastaram das minhas pernas e me abraçaram, fechando os olhos. Os meninos fizeram o mesmo logo em seguida, abraçado as meninas.
Engoli a seco, umedecendo os meus lábios, escutando um grito furioso vindo de uma das mulheres. Quando olhei, a primeira delas tinha um machucado feio no braço, feito pela espada do garoto de olhos violeta. Ele lutava contra elas em desvantagens. Havia uma sombra escura sempre acompanhando elas.
Duas cercaram o desconhecido, que se denominava o meu guardião.
A terceira delas, a mais baixa, andou na minha direção e eu pressionei as minhas mãos nas costas das crianças, sentindo minha respiração falhar. Eu não sabia lutar e nem tinha controle de nada dos poderes que o guardião dizia que eu tinha. No sonho, as coisas eram mais fáceis.
— Você é uma coisinha difícil de encontrar, sabia? — ela sibilou, a voz tremendo. — A coisa que eu mais odiei foi te caçar nesse mundo humano.
Por que eles falavam do mundo humano como se existisse qualquer outro? Aquilo estava começando a me irritar.
— O que vocês querem comigo? — consegui perguntar, sem que a voz falhasse tanto.
Ela exibiu um sorriso nada bonzinho. Não gostei da sensação de arrepio que me consumiu. Eu ouvia os sons de batalhas bem na minha frente, mas não prestava atenção no que estava acontecendo.
— Você nos pertence, — sibilou, aproximando mais um passo na minha direção.
— Pode parando por aí — alertei, temendo-a. Engoli em seco quando percebi que ela riu da minha ordem e começou a dar passos lentos para finalmente chegar perto de mim. — Crianças — chamei. — Corram.
E elas correram.
Eu tinha ensinado aos quatro que quando eu falasse aquilo para livrá-los de Isla, era para eles correrem o mais longe possível, sem olhar para trás. Felizmente, tinha sido uma lição útil.
— Não pertenço a ninguém.
Eu mal pude me preparar para a rapidez com a qual ela se aproximou. No segundo seguinte, eu estava suspensa no ar, com ela me segurando pelo pescoço somente com uma mão. Eu tentava respirar, mas não conseguia. Me debatia, implorando que ela me devolvesse ao chão e eu pudesse puxar o ar para dentro dos meus pulmões. A sensação de estar sufocando era horrível. Eu tentava usar as minhas mãos para me livrar dela, mas era óbvio que ela tinha mais força do que eu.
! — a voz do garoto preencheu os meus ouvidos.
Use a luz.
Mas como eu fazia aquilo? Se meu instinto de sobrevivência não ativava qualquer poder, então eu iria morrer do jeito mais patético que imaginei.
Ela apertou a minha garganta mais ainda e eu sufoquei de novo. Minhas mãos caíram ao lado do meu corpo, frágeis demais, mas fechei-as em punho. E ela surgiu.
Escuridão me consumiu inteira e alguns segundos depois, eu caí no chão. Ouvi um engasgo, mas não conseguia enxergar nada. Comecei a tossir, puxando o ar para dentro, passando as mãos pelo meu pescoço, massageando a minha pele. Fechei os olhos para respirar e quando abri, a escuridão tinha sumido. Levantei um pouco o meu corpo do chão e arfei surpresa ao encontrar a mesma mulher que estava me sufocando segundos atrás, jogada no chão ao meu lado, com a garganta rasgada e os olhos arregalados.
Procurei o desconhecido bonito com os olhos, encontrando-o do outro lado, bem no momento em que ele enfiou a espada no coração de uma, a outra jogada bem perto da entrada da casa, também sem vida.
Tentei me manter de pé e apoiei minhas mãos no joelho, respirando melhor.
— A propósito — Ele apareceu na minha frente, ofegante, segurando a espada como se fosse a sua vida. Ele estava incrível. — Sou o .
E era um nome tão lindo quanto ele.
— Finalmente — sussurrei.
Comecei a me sentir fraca quando ergui o meu corpo. Meus pés falharam por um momento e ele me agarrou quando eu quase caí. Pisquei os olhos, querendo me manter consciente e a minha visão ficou turva por um momento.
— O que aconteceu? — murmurei o questionamento, ainda sentindo seus braços me segurarem.
Eu não sentia nada, inebriada pelo cheiro do seu aroma, misturado com suor.
— Você é uma fada de puro sangue, — ele revelou. — E esse não é o seu mundo.


parte 2 — A descoberta das fadas

— Você está fraca. Sente aqui.
Deixei que ele me guiasse para um banco pequeno que tinha ali para enfeitar o jardim. Agora, com tudo destruído, parecia mais um cenário de horror com os três corpos sem vida jogados no chão.
— Estou bem — dispensei a sua ajuda.
Eu ainda estava processando o que ele tinha acabado de me relevar. Enquanto permanecia em silêncio, observei ele limpar o sangue da sua espada e guardá-la de volta na sua cintura, como se não tivesse enfrentado uma pequena briga alguns minutos atrás.
— Uma fada — repeti, balançando a cabeça. Encarei com descrença. — Você está brincando, certo?
Antes de me dar uma resposta, ele olhou ao redor, observando toda a bagunça que foi feita.
— Eu não brincaria com uma coisa assim — respondeu.
Odiei perceber que eu acreditava que ele estava falando a verdade. Acho que explicava o fato dele estar vestido como um soldado do século 18.
— O que explica eu ser uma fada pura? — indaguei, começando a encher a minha mente de perguntas de novo. — Na hipótese de eu realmente acreditar nisso, sabe?
lambeu os lábios, e, para mim, naquele momento, ele parecia mais jovem do que nunca. Não devia ser muito mais velho do que eu.
— As fadas de sangue puro são aquelas que têm direito ao trono — ele começou a explicar, pacientemente. — Mas você nasceu diferente. Seu sangue carrega uma mistura que não é vista com bons olhos no mundo das fadas.
— Como assim?
Tudo era muito novo para mim. Eu estava me sentindo melhor do mal-estar, mas parecia que minha cabeça iria explodir em mil pedacinhos com todas as novas informações.
— Você nasceu com sangue puro e com sangue bruxo. Carrega o poder da luz e da escuridão porque seu sangue é dividido entre ambos — continuou explicando, coçando a bochecha de maneira nada discreta. — Você fica fraca quando usa o poder sombrio porque não é digno de sua herança.
Eu não sabia o que era o poder sombrio, mas tinha uma boa ideia do que poderia ser. Ao mesmo tempo em que eu queria entender tudo, também queria ter calma para compreender.
Até hoje de manhã, eu era uma garota normal de 16 anos. Como tudo tinha mudado para o papo de ter sangue puro de fada?
— Eu não deveria decidir o que é digno para mim? — sussurrei.
ficou um pouco desconfortável com a pergunta, mas disfarçou com um dar de ombros.
— Talvez.
— Elas são bruxas? — Apontei para as mulheres jovens mortas pelo jardim destruído. — Por que me querem?
tomou a liberdade de se sentar ao meu lado. Ele não respondeu de imediato, mas parecia mais tranquilo em lidar com os meus questionamentos, um atrás do outro.
, você é herdeira do trono de Wrolphia — contou, encarando qualquer ponto na nossa frente, nossos ombros quase se batendo. — Há uma guerra acontecendo no nosso mundo agora e o reino irá desmoronar se você continuar residindo aqui no mundo humano.
Um calafrio percorreu o meu corpo. Eu gostava daquela coisa de fantasias que uma adolescente tinha mais responsabilidade do que aparentava e sua vida chata finalmente começava a ter alguma emoção, mas quando eu desejava que isso acontecesse comigo, eu não estava falando literalmente. Herdeira de um trono fada? Fala sério!
— Vocês ainda vivem uma monarquia? — soltei. — Estão bem atrasados.
Ele olhou para mim, perto demais.
— Você sempre é tão engraçadinha assim? — perguntou.
Umedeci os meus lábios e desviei os olhos dele, encolhendo os ombros.
— Estou assustada — confessei em um sussurro, encarando as minhas mãos. — Não sei controlar comentários desnecessários quando estou assustada.
— É um assunto sério.
— O mundo humano é o meu mundo — rebati. — O único que eu conheço.
ficou em silêncio. Achei que ele pudesse ter se ofendido pelo que eu tinha dito, mas ele logo voltou a falar.
— Milhares de vidas fadas serão perdidas se essa for a sua decisão — avisou. — Eu disse que seu conhecimento é limitado. Por favor, deixe a sua mente aberta.
Eu estava tentando. Ele não podia me culpar por aquilo. Se tudo fosse verdade, significava que minha vida inteira foi outra coisa.
— Acredite em mim — ele me pediu.
Mordi a parte interna da minha bochecha e suspirei, encarando os seus olhos de perto. Aquela sensação de segurança tinha voltado.
— Onde estão as suas asas?
— Nós não temos asas — contou.
Fiz uma careta.
— Então, você não é uma fada?
— Eu sou uma fada — disse. — Mas as fadas não têm asas. E eu sou diferente de você.
— Porque, tecnicamente, eu sou uma fada princesa? — ironizei, com humor.
Surpreendentemente, ele sorriu para mim pela primeira vez. Um sorriso tímido e sincero, que logo sumiu, mas eu guardei aquela lembrança para mim.
— Não — disse. — Porque há fadas de guerras e há fadas portadores de magia. Sou um guerreiro.
— Uau — fingi surpresa, apontando para ele inteiro e sua espada, por fim. — Eu não teria adivinhado.
— Você tem um senso de humor muito incomum — observou.
— Para uma fada? — desafiei.
— Sim — ele disse. — Para uma fada. Você acredita em mim agora?
Encarei a entrada da casa, deixando meus ombros caírem cansados. Abri um sorriso fechado e melancólico nos lábios, soltando o ar pela minha boca entreaberta, pensando sobre a sua pergunta. Eu me sentia… perdida. Perdida e pequena com a versão de quem eu era agora. Acreditar nele não era exatamente o problema, mas enfrentar tal realidade. Ele parecia me conhecer de uma maneira que eu não conhecia, mas eu não sabia nada sobre ele, além de seu nome.
— Olha, , a minha vida inteira fiquei esperando por alguma mudança que virasse a minha vida de cabeça para baixo em um bom sentido — comecei a dizer, a voz baixa, mas, por estar perto, ele me ouvia perfeitamente. — Vir alguém me dizer que eu sou uma fada de sangue puro e herdeira de um trono não é exatamente algo que eu esperava. O que vou fazer agora?
Ele não parecia perdido como eu. Na verdade, tinha uma autoconfiança absurda exalando dele e eu senti um pouco de inveja.
— Pode me ajudar a cumprir a minha missão — sugeriu. — Pode vir comigo para casa.
— É a sua casa — frisei.
Delicado, ele me devolveu um sorriso lindo e tranquilo, maneando a cabeça para o lado.
— É a sua também. Você só não sabe ainda.
Mordi o meu lábio, com mil e um pensamentos na minha cabeça naquele momento. Por fim, eu me levantei do banco, deixando-o sozinho e bati as minhas mãos, limpando as poeiras inexistentes.
— Tudo bem — aceitei de uma vez. Eu não tinha mais nada a perder, certo? — Mas a Isla está morta, o que significa que antes de ir com você, preciso deixar as crianças sob a tutoria de alguém confiante e responsável — avisei.
— O governo? — ele arriscou.
Soltei uma risada, achando engraçado ele saber daquilo, mas não perguntei nada. Simplesmente balancei a cabeça e comecei a caminhar em direção à casa, adentrando a sala. Ele me seguiu.
— Não — respondi à sua pergunta. — Talvez você aprenda coisas o suficiente sobre o mundo humano para entender que eu não acho o governo confiante.
Ótimo. Agora eu também estava separando os mundos. Pelo menos eu aprendia rápido.
— E onde estão as crianças? — ele questionou, enquanto eu subia as escadas primeiro.
Eu não queria ver o corpo de Isla e ver o que tinha traumatizado as crianças. Preferia ficar sem a imagem e o peso na minha consciência. Tudo bem que eu não gostava dela, mas não desejava sua morte daquela maneira. Desejar que ela sumisse não era o mesmo que desejar que ela morresse, era?
— Na casa vizinha — contei. — Eles sempre vão para lá quando eu mando correr. A propósito, não pode ir comigo vestido assim.
Entrei em um quarto pequeno sem decoração. Era o meu, mas até o porão tinha mais elegância do que aquilo. Procurei por uma mochila e comecei a colocar algumas mudas de roupas dentro e peguei o dinheiro em uma caixa que eu deixava escondida para Isla não encontrar. Eu fazia alguns bicos extras depois da escola e estava juntando o dinheiro para o dia que finalmente eu iria embora dali.
Só chegou mais rápido do que eu esperava.
— Qual o problema com a minha vestimenta? — ele realmente perguntou.
Parei o que eu estava fazendo e olhei seriamente para ele, observando-o de cima a baixo.
— O problema é que estamos no século 21 — apontei o óbvio. — Nós não usamos armaduras como vestimenta adequada.
Ele pareceu um pouquinho indignado, porque seus olhos violeta escureceram. cruzou os braços e me encarou.
— O que você sugere então, princesa?
Eu sorri minimamente e fui para o quarto de Isla, procurando um objeto específico. Três minutos depois, não pareceu satisfeito com o resultado, mas não havia muita coisa que eu pudesse fazer. Era aquilo ou andar parecendo um personagem perdido do século passado por aí.
— Eu estou ridículo.
Ele observava a si mesmo na frente de um espelho que eu mostrei. vestia uma calça justa rosa com estampas de desenho, uma camiseta e um casaco preto por cima, mas mantinha as suas botas de couro. Eu tinha encontrado aquelas peças de roupas no baú de doações que a Isla tinha. Ela nunca comprava roupas novas para mim e nem as crianças, simplesmente nos fazia usar roupas de crianças antigas que passaram pelo seu lar.
— Você está vestido como um humano normal — retruquei.
Obriguei-o a tirar a espada da cintura, porque aquela atitude era meio ultrapassada e arranjei um jeito dele deixar aquela lâmina atrás de suas costas, onde ele também teria facilidade para pegar, mas eu torcia para que ele não precisasse chegar a tanto.
— Eu sei — rebateu com mau humor. — Por isso eu estou ridículo.
Coloquei a mão na boca, prendendo o riso. Era engraçado vê-lo ter um chilique por causa das roupas modernas. Mas, sinceramente, eu meio que concordava. Aquela calça rosa era terrível.
— Você não parece fazer o tipo dramático — observei. — Tenho certeza de que vocês devem usar calças no reino, certo?
Ele se virou para mim e apontou para as suas pernas.
— Sim — respondeu. — Mas isso aqui é um crime contra os meus olhos.
Eu soltei a risada que estava prendendo e ele estreitou os olhos para mim. Parei de rir, levantando as mãos em rendição.
— Sinto muito — me desculpei. — Foi a única coisa que eu encontrei.
Enquanto esperei ele se arrumar, fiz uma mochila com algumas roupas para as crianças e suas coisas essenciais. Joguei para ele, que agarrou sem problema nenhum e pendurei a minha em um ombro só, vestindo um casaco velho.
— Para onde nós vamos? — ele indagou, cauteloso.
— Chicago — contei. — E você vai conhecer uma coisa chamada trem.

— Essa coisa anda um pouco rápido demais, não é? — ele murmurou.
Sorri rapidamente na sua direção antes de bocejar. Nós buscamos as crianças na vizinha, onde eu tinha dito que elas estariam, e as encontrei devidamente limpas, vestidas e alimentadas e agradeci a D. Barb por cuidar delas. Então andamos um pouco, pegamos um ônibus e descemos na estação, onde eu comprei as passagens de trem para todos nós.
estava no assento largo bem na minha frente, com Tino sentado ao seu lado, dormindo com a cabeça colada em seu braço e com Francis em seu colo, também dormindo. Eu segurava Rita no meu colo e Dina estava ao meu lado, na mesma posição que Tino estava na nossa frente, ambas também dormindo. Eles se divertiram o caminho inteiro, encantados com e a cor incomum dos seus olhos. Ele tinha jeito com crianças e sua postura rígida tinha relaxado um pouco.
— Nós chegaremos a Chicago de madrugada — avisei. — Você pode descansar, se quiser. Estamos seguros aqui.
Eu não sabia como eram todos os guerreiros fadas, mas ele certamente não era um qualquer. Estava sempre com os olhos abertos, certificando toda a área do trem, em busca de algo errado.
— Eu não teria tanta certeza — ele disse.
Afaguei as costas de Rita no meu colo, que se remexeu um pouco. Era mais tranquilo quando todos estavam dormindo, porque era a única hora do dia em que pareciam anjos: calmos e serenos.
— Estamos em um trem — comentei. — Se alguém estivesse aqui, nós já teríamos sido atacados.
Ele pareceu considerar o meu comentário, porque relaxou os olhos em mim. Ainda estava me habituando que aqueles olhos violetas eram mesmo reais.
— Você tem razão. Mas é meu dever como seu guardião te manter segura.
— Como você se tornou meu guardião? — indaguei.
Era estranha a ideia de ter um guardião. Estive protegida a minha vida inteira contra coisas do mal? Eu nem sequer sabia que minha existência era um perigo para mim.
— Nem todas as fadas têm um — ele começou a contar. — Quando completamos 15 anos, essa tarefa é dada a alguns de nós.
Mordi meu lábio, assentindo. Algumas coisas eu entendia mais rápido do que a outra, mas talvez fosse preciso a vida inteira para me habituar aos costumes de outro mundo.
— Você me escolheu?
me encarou.
— Não — respondeu. — Há diversos motivos pelo qual uma fada precisa de um guardião guerreiro. Você foi escondida no mundo humano para a sua proteção, porque seu sangue bruxo te condenava. Se descobrissem sobre você, sua morte era certa.
A escolha de palavras não me relaxou nem um pouco. Morte não era algo com a qual eu tinha uma afinidade muito boa. Enquanto ela estivesse longe, eu estava bem.
Tentei relaxar os ombros e continuar a minha sessão de perguntas, já que ele parecia disposto a responder qualquer coisa.
— Como eu tenho sangue bruxo?
hesitou, pela primeira vez. Seus olhos desviaram dos meus por um momento e ele olhou através da janela, respirando fundo antes de responder. Ele tinha uma elegância incomum, mas, ao mesmo tempo… parecia como qualquer humano.
— Você é filha da Rainha de Wrolphia com um bruxo exilado — explicou. — É como originou o seu sangue e essa concepção é proibida.
Pela primeira vez desde que ele tinha aparecido, a coisa de ser uma fada não era o que mais tinha me assustado. Na verdade, era o fato que eu tinha mesmo uma mãe e ela existia. Estava viva. Passei a minha vida inteira aceitando que ela estava morta, porque era mais fácil do que aceitar que tinha me abandonado.
— Está dizendo que eu sou bastarda?
Ele virou os olhos para mim novamente, levantando um ombro com um ar culpado.
— Sim, desculpe — respondeu. — Sua mãe, a Rainha, ordenou a sua proteção no mundo humano. Mas até ela deveria saber que nem todo segredo fica muito bem guardado por muito tempo. As bruxas descobriram a sua existência.
Aquelas mesmas bruxas que tentaram me matar algumas horas atrás. Isso estava ficando ótimo.
— Surgiram rumores no reino e estamos no meio de um caos — ele continuou contando. — Conheço você desde pequeno, . Meu pai te guardou a vida inteira e agora passou essa missão para mim.
Pisquei meus olhos lentamente, sentindo meu coração aumentar as batidas desnecessariamente. Ele me conhecia a vida inteira, eu era um livro aberto para ele, enquanto ele para mim… era páginas em branco. Aquela troca era um pouco injusta.
— É por isso que você não pode falhar — constatei e ele assentiu, concordando.
— Quando você completou 16 anos, seus poderes acordaram dentro de si — relatou, com a mesma voz calma e tranquila de quem estava contando somente uma história de dormir. — Uma fada pode ter o controle da magia antes, mas você nunca foi ensinada sobre nada, então a magia permaneceu adormecida. Você estava segura no mundo humano, até ser caçada. Agora, sua ausência é uma ameaça para o nosso mundo. Precisa assumir o trono e impedir que os bruxos provoquem o nosso exílio.
Me senti cansada e insegura. Desejei que existisse outra e que ele estivesse enganado sobre mim, mas… eu sentia a magia.
— É muita… coisa — murmurei, hesitando.
balançou a cabeça.
— Sim, é — concordou. — Mas eu te prometo, … não vou sair do seu lado.
Como forma de agradecimento por sua tentativa de me confortar e passar segurança, eu não respondi. Apenas lancei um sorriso genuíno na sua direção, que ele aceitou muito bem, relaxando a cabeça contra o assento de sua poltrona.
Deixei-o em paz, parando de enchê-lo de perguntas, por enquanto. E tentei dormir o resto da viagem.

— Deixe que eu falo, está bem?
Virei a cabeça para , me certificando que ele tinha entendido. Ele estava mais concentrado em segurar as mãos das crianças com cuidado e eu revirei os olhos, segurando as mãos das meninas, uma de cada lado, e ajudei-as a subir os degraus que levavam até a porta da nossa irmã adotiva mais velha. Ela tinha conseguido sair da casa de Isla aos 17 anos e agora, dez anos depois, trabalhava como médica veterinária e morava sozinha em uma casa grande e bonita em um bairro de Chicago.
— Quem quer bater na porta? — perguntei às meninas, que nem esperaram para me responder.
Rita e Dina usaram as duas mãos e bateram com força na porta e nós esperamos. Não demorou sequer um minuto e a porta foi aberta, revelando uma mulher jovem.
? — arriscou.
Eu era muito pequena quando ela me conheceu. Mas não tinha mudado tanto a ponto dela não me reconhecer e fiquei feliz por isso.
— Oi, Soraya — sussurrei.
Ela parou de olhar para mim e viu as crianças comigo e atrás, com os meninos.
— Aconteceu alguma coisa? — Uma ruga de preocupação surgiu na sua testa e ela abriu mais a porta, apertando o casaco contra seu corpo.
Respirei fundo, abrindo um sorriso sem graça. Tinha acontecido tanta coisa em um dia que ela não fazia ideia. Infelizmente, eu não poderia dizer “Sim, aconteceu. Eu sou uma fada de puro sangue agora, tenho magia de verdade e preciso voltar para o outro mundo ou todo mundo vai morrer” ou algo do tipo, já que era certeza que ela me olharia como se eu estivesse enlouquecendo.
Então, optei por uma versão menos… verdadeira.
— Eu não tenho certeza do que aconteceu, na verdade, mas… — Lambi os meus lábios. — Eu levei as crianças para a praça, como de costume, e quando voltei… A Isla estava morta. Tentativa de assalto.
— Não foi bem isso… — tentou falar e eu me virei para ele, lançando um olhar mortal para que ele calasse a boca. Ele olhou para mim e parou de falar, balançando a cabeça. — Foi horrível.
Soraya tinha uma expressão horrorizada e a mão na boca para esconder o choque. Aproveitei para continuar.
— Você saiu antes de conhecer as crianças. — Levantei os braços das meninas e apontei para os meninos com atrás de mim. — Mas elas não têm mais ninguém. Encontraram a Isla morta e tenho certeza de que estão traumatizadas. — Engoli a seco, me sentindo péssima por isso, mas eu realmente precisava que ela aceitasse as crianças ou eu não teria mais nenhuma outra alternativa. — Estou aqui porque você é a única pessoa em quem pensei. Por favor, estou implorando, cuide das crianças. Se não puder ficar com elas, arrume um lar digno para elas. Um lar mais digno do que nós tivemos.
Soraya não desviou os olhos de mim nem por um momento enquanto eu falava e seus olhos lacrimejaram. Ela não disse nada quando eu terminei. Apenas abaixou os olhos para as meninas comigo e se colocou na altura delas, se ajoelhando no chão da porta.
— Oi, meninas — ela disse. — Como vocês se chamam?
Dina tirou a mão da boca e olhou para mim, tímida. Eu balancei a cabeça, incentivando-a a falar com Soraya e ela pareceu mais tranquila.
— Sou a Dina — respondeu, a voz fina.
Soraya olhou para Rita. A mais nova encolheu os ombros.
— Meu nome é Rita.
— Uau — Soraya murmurou, sorrindo. — São nomes lindos. E aqueles, quem são?
Ela apontou para os meninos. Rita e Dina olharam para eles e em seguida de volta para ela.
— O Tito e o Francis — as duas disseram. — Mas você vai gostar mais de nós.
Eu sorri, observando Soraya rir do comentário de Rita.
Minha irmã adotiva mais velha levantou e me encarou.
, é claro que eu fico com as crianças — ela aceitou, para o meu alívio. — Mas… para onde você vai?
Olhei para atrás de mim. Soltei o ar pela boca e relaxei os meus ombros, com os olhos violetas tranquilos sobre mim.
— Esse é o — apresentei para ela. — Ele tem uma pista sobre a minha mãe biológica.
Não era exatamente uma mentira, mas era melhor que ela não soubesse a história toda.
— Obrigada por aceitar — continuei e soltei as mãos das meninas, entregando duas mochilas para Soraya, que pegou. — Eu preciso ir.
Ela olhou de para mim e balançou a cabeça.
— Espera aí, está muito tarde — reclamou. — E frio demais. Vamos, crianças, entrem.
Soraya deu espaço para eles e as crianças correram para dentro da casa. Eu achei que deveria ter dito a Soraya o quanto eles eram impossíveis e bagunceiros juntos, mas achei melhor ela descobrir sozinha. Talvez ela tivesse um instinto maternal melhor para lidar com os quatro.
— Vocês dois também. — Ela apontou para mim e . — Tenho espaço para todo mundo.
— Mas… — tentei recusar, mas ela lançou um olhar autoritário.
— Nem mais, nem menos — decidiu. — Entrem.
Lancei um olhar para . Ele me olhou tão aflito quanto, mas, no fim, cedeu os ombros e entrou na casa, me arrastando junto.

Uma hora mais tarde, eu estava em um quarto de hóspedes, com uma cama feita e um colchão no chão bem ao lado da cama. Soraya tinha nos servido um pouco do jantar e aproveitou para conhecer um pouco das crianças, que estavam bem mais à vontade. Elas dormiram logo em seguida, espalhadas pelo sofá e o chão da sala e Soraya tinha dito que cuidaria delas e nos mandou para o quarto. ficou calado o tempo todo, mesmo agora no quarto, depois de eu ter voltado do banheiro para vestir o pijama e escovar os dentes.
Quando me sentei na cama, ele finalmente disse:
— Você só tem roupas velhas?
Olhei para o meu pijama, que já estava bem desgastado, mas, apesar disso, era confortável para dormir. Me senti um pouco constrangida por ele ter percebido aquilo, mas dei de ombros, querendo passar que eu não me importava tanto com aquilo.
— Isla nos fazia usar as roupas de outras crianças — respondi. — Ela dizia que estava reutilizando tudo e assim economizava mais os gastos conosco. Se ainda estivesse viva, minhas roupas seriam herança para Rita e Dina.
Ele expressou uma careta.
— Você é uma princesa. Não deveria usar roupas velhas de outras pessoas — pontuou.
Eu sorri com aquilo.
— Só tenho um título tão nobre no seu mundo — rebati.
Ele resmungou algo que eu não entendi e fiquei observando-o retirar a espada das costas e o casaco, ficando somente com a calça ridícula rosa e a camiseta.
— Essa espada é bem chamativa — comentei. — Estou estranhando que a Soraya não tenha comentado sobre ela.
encarou a lâmina guardada em cima de uma poltrona pequena que havia ali e andou até o colchão, sentando-se nele, tirando as botas dos pés.
— Usei um encantamento — ele me explicou. — Os humanos não costumam receber armas com bons olhos.
Tentei disfarçar que eu não estava prestando atenção em todos os seus movimentos, mas ele se movia e se mexia com uma elegância invejável. A maioria dos garotos daquela idade eram todos relaxados e desajeitados, mas não. Ele se deitou no colchão de barriga para cima e encarou o teto. Eu aproveitei para me jogar na cama e me cobrir com o lençol, mas fiquei deitada de lado, uma posição que me permitia olhá-lo.
umedeceu os lábios, colocando um braço por debaixo do pescoço.
— Às vezes, quando eu tinha que cumprir minhas visitas para verificar a sua proteção aqui, eu sempre te encontrava sozinha — ele disse.
Me remexi na cama e deixei o ar escapar pela minha boca, apertando os lábios um no outro.
— É, bem… — Encolhi os ombros, expressando uma careta. — As pessoas podem ser cruéis. Principalmente se forem adolescentes.
Ele me lançou uma olhada rápida, compreensivo.
— Você vai acabar descobrindo que o povo fada não é muito diferente dos humanos — murmurou.
Aquilo não me animou muito, mas não me deixei abalar.
— Como é? — sussurrei a pergunta. — O mundo das fadas?
O garoto bonito de olhos violetas sorriu para mim. Senti que tinha acertado na pergunta.
— Nós temos costumes diferentes do mundo humano — ele começou a contar. — Há uma escola para ensinar aqueles que têm magia a controlar os seus poderes. Os garotos são treinados para serem guerreiros desde cedo. É tudo muito verde e muito azul, mas meu lugar favorito é a floresta.
Era bonito assistir ele falar coisas do seu mundo. Eu tentava imaginar cada coisa do que ele estava contando.
— Florestas podem ser assustadoras — comentei.
Ele negou com a cabeça.
— Não para mim — disse. — O tempo passa diferente lá. Você vai sentir a magia mais forte.
Não soube o que dizer sobre aquilo, mas esperava que não significasse que eu seria mais descontrolada com a coisa de luz e algo do tipo.
— O Reino de Wrolphia é o lugar mais lindo que existe — ele continuou. — E é o seu lar.
De verdade, eu esperava que me sentisse em casa lá mais do que aqui. Se lá era o meu lar, era bom eu sentir que fosse mesmo.
— Peço desculpas por ter chegado tão de repente e exigido que voltasse comigo. — olhou para mim, a expressão aflita. — Não me coloquei no seu lugar. Seria assustador para mim também descobrir coisas sobre mim de maneira tão brusca.
— Você salvou a minha vida — sussurrei. — E eu nem te agradeci.
— Não precisa — ele disse. — É meu dever como…
— Meu guardião, eu sei. — Revirei os olhos. — Mas isso não anula os meus péssimos modos. — Estendi uma mão, esperando que ele aceitasse. — Obrigada, .
Ele aceitou a minha mão muito depois. Entrelaçou os seus dedos nos meus e não parou de observar as nossas mãos juntas, como se fosse uma novidade muito inédita para ele. O toque da sua mão contra a minha era gélido e era a primeira vez que eu sentia um contato físico diretamente com ele.
Algo dentro de mim se remexeu.
Minha mão formigou, mas eu não tive coragem de me soltar da dele.
? — sussurrei.
Ele pareceu sair do estupor que tinha entrado e soltou a minha mão rapidamente ao tomar consciência de que ainda estava segurando-a. Ele também pareceu um pouco desconfortável por isso.
— Desculpe — murmurou.
Desculpa exatamente pelo quê? Por me fazer sentir alguma coisa que eu nem sabia o que era? Por me fazer sentir patética em estar me atraindo por ele, sendo que eu o conhecia há menos de vinte e quatro horas? Tudo aqui era ridículo.
— Deveríamos dormir — disse.
Não respondi. Apenas me virei para o lado da cama e ele apagou a luz do quarto, nos deixando no escuro.
Mas passei a noite toda pensando na sensação da sua mão na minha.

No dia seguinte, muito cedo pela manhã, escrevi uma carta para as quatro crianças, que estavam dormindo em algum quarto no andar de cima.
estava lá fora, me esperando. Soraya tinha acordado no mesmo horário que nós dois e feito um café da manhã simples, somente para que não saíssemos de barriga vazia, e fez tomar banho e trocar a calça rosa para uma jeans preta, o que combinou muito melhor com ele, que ficou mais satisfeito com a aparência.
— Soraya chamou, perto da porta. — Tem certeza? Você pode ficar aqui.
Eu sorri agradecida e abracei-a rapidamente, assentindo.
— Eu agradeço, Soraya, de verdade — falei, esperando que ela entendesse. — Mas realmente preciso ir. Se minha mãe biológica está viva, não posso desperdiçar a chance.
Ela hesitou.
— E esse garoto? — se referiu a , lá fora. — Ele é mesmo confiável?
Uma pergunta que eu não tinha como responder com sinceridade ou firmeza.
— Ele salvou a minha vida — foi tudo o que eu respondi, tentando fazê-la entender. — Quando as crianças tiverem uma idade para entender melhor, se você resolver mesmo cuidar delas, gostaria que entregasse essas cartas para os quatro. O nome de cada um está na frente.
Estendi quatro envelopes para ela, que aceitou com um aceno. Eu queria sair antes que as crianças acordassem, porque não queria me despedir. Apesar de tudo, eu amava-as e queria que tivessem a melhor vida que eu não tive.
— Se cuide — murmurei para Soraya, antes de abrir a porta e sair.
Eu usava um vestido verde claro bastante solto e meu cabelo, com os fios longos e vermelhos, estavam soltos. O vestido era novo, presente de Soraya.
estava perto das escadas, de costas para a porta, parecendo verdadeiramente o guerreiro que tinha me dito que era, com a espada bem presa nas costas. Desci os degraus em silêncio, mas ele deve ter percebido a minha presença, porque se virou.
— Como você se sente? — ele perguntou.
Segurei a alça da bolsa com força sob o meu ombro e crispei os lábios, mexendo os ombros.
— Insegura — admiti.
Seus olhos me olharam com confiança e ele deu um sorriso rápido de lado.
— Você é mais confiante do que imagina, .
Com aquelas palavras, ele começou a andar e eu o segui. Não sabia exatamente para onde estávamos indo, já que eu não tinha ideia de como fazia para chegar ao outro mundo, então eu simplesmente segui os passos dele. Nós andamos por um tempo curto, até chegar a um bosque pequeno e muito bem cuidado que eu nunca tinha visto, mas não é como se eu saísse viajando por aí. Só consegui chegar ao endereço de Soraya porque, graças aos céus, existia uma coisa chamada táxi com GPS.
andou até mais perto de uma pedra, passando a mão atrás dela. Olhou ao nosso redor, percebendo que estávamos realmente sozinhos e sussurrou algo que eu não entendi. Logo depois, surgiu uma luz forte girando em círculos e eu protegi os meus olhos com as mãos até a coisa finalmente tomar forma.
— Um portal — sussurrei, admirada de ver um de verdade, sem ser em filmes e livros.
— Você está prestes a conhecer Wrolphia — ele disse, parando ao lado do portal e me estendeu a mão. — Pronta?
Quer saber? Esqueça aquela história de eu não ser uma garota ingênua que não iria embora com um desconhecido. Eu só não estava indo embora, como também estava confiando a minha vida a ele.
Aceitei a sua mão e finalmente atravessamos o portal.


parte 3 — Wrolphia

um mês depois


— Você está desviando mais uma vez — ele disse. — Precisa armar a sua defesa.
Tentei bloquear o golpe da sua espada com a minha magia, mas eu estava me sentindo muito cansada do treino. A espada de voou diretamente na minha direção e, de maneira muito errada, usei a minha mão para me defender do golpe, mas só serviu para que a lâmina cortasse a pele do meu braço. Resmunguei com a dor ardente e caí no chão, tropeçando em uma pedra atrás de mim, sentindo um filete de sangue escorrer pelo meu braço.
Eu me sentia patética.
Um mês escondida em Wrolphia com ele me treinando, me ensinando a me defender sem a magia, mas eu claramente não levava jeito nenhum para o combate.
soltou um suspiro e eu optei por ficar ali mesmo deitada, a respiração forte e rápida, meu peito subindo e descendo, enquanto eu sentia o corte arder. Ele soltou a espada em algum lugar e parou ao meu lado, se abaixando na minha direção.
— Precisa deixar a insegurança de lado, — avisou.
Fechei os olhos por um momento e bufei, respirando com mais calma. Quando abri os olhos novamente, ele ainda estava ali, mas agora estava sentado no chão e não desviou os olhos de mim sequer por um momento.
Nossa relação tinha melhorado. Ele havia dito que não podia me levar ao reino sem que eu estivesse um pouco preparada e achava muito arriscado com os bruxos ainda decididos pela busca intensa pela minha pessoa. Nós aproveitamos o tempo escondido para ele me ensinar algumas coisas sobre combate e tinha conseguido alguém para me ajudar com a minha magia.
— Não sei confiar em mim como você confia — sussurrei, olhando para ele.
Eu odiava o fato de não conseguir esconder nada dele. Era meio difícil fazer isso com alguém que me conhecia a vida inteira. sabia tudo o que eu estava sentindo sem que eu precisasse falar tanto.
Eu arriscava dizer que ele me conhecia melhor do que eu mesma.
— Estou tentando te ensinar isso há muito tempo — ele murmurou. — Mas você não facilita.
balançou a cabeça. Me levantei do chão e me coloquei sentada ao seu lado, o sangue sujando a minha blusa.
— Deveria existir um jeito de fazer com que eu pudesse me enxergar através do seu ponto de vista — reclamei. — Eu queria entender o que você tanto vê.
Pude ver seu pomo de adão se mover e ele estendeu a mão para mim, desviando o olhar.
— Me deixe ver o seu braço — pediu.
Estendi o meu braço machucado para ele e observei ele analisar o corte. Não tinha sido profundo, o que significava que eu não precisava levar ponto e nem correr para a enfermaria improvisada. Ele simplesmente arrancou um pedaço de pano da sua camisa e enrolou na minha ferida, com o objetivo de estancar o sangue. Eu tinha me acostumado agora com seu toque na minha pele, mas ainda era a mesma sensação todas as vezes.
— Não precisa se enxergar com os meus olhos para aprender a confiar em si mesma — ele devolveu, soltando o meu braço com cuidado. — Eu só… eu só vejo muito mais do que você mostra, princesa.
Ele tinha mesmo adotado aquele apelido para mim e também me acostumei.
O que eu não estava acostumada era sentir aquele embrulho no meu estômago toda vez que ele ficava próximo daquele jeito, as íris violetas brilhando na minha direção.
Céus. Eu esperava muito que não fossem borboletas.
Comecei a respirar devagar e baixo, alternando os meus olhos do rosto inteiro dele e a boca. percebeu o que estava fazendo e aproximou um pouco o rosto para perto do meu e eu senti sua respiração bater contra a minha pele.
Eu queria muito beijá-lo. Queria saber como era e que sensação iria me dominar, mas quando eu estava prestes a tomar alguma atitude, ele se afastou e se levantou, batendo as mãos uma na outra.
— Segundo round — disse.
Abri e fechei a boca, sem saber o que dizer e senti as minhas bochechas esquentarem, constrangida. Desviei o rosto para o chão, engolindo a seco, não deixando ele saber que o quase beijo tinha me afetado. O que eu esperava? Que ele caísse aos meus pés como um idiota apaixonado?
Definitivamente, eu era patética.
Resolvendo esquecer aquele episódio humilhante, amarrei o meu cabelo e me levantei também, soltando o ar e relaxando o copo para mais uma sessão de treino incansável.
— Sem a espada — sugeri, acenando para a lâmina afiada na mão dele.
balançou a cabeça para afastar os fios de cabelo da testa e olhou para mim antes de se livrar da espada.
— Bem. — Ele fechou o zíper do casaco de couro e se posicionou. — Sem magia, então.
Um acordo justo, mas eu não pretendia usar a magia mesmo.
Era a minha chance de libertar a frustração que eu estava sentindo por ele ter se afastado de mim e não seguido adiante com o beijo. Eu via a maneira como ele me olhava.
Me afetava todos os dias. Ele me olhava como se confiasse em mim, como se eu fosse… bonita. E quando teve uma chance, simplesmente… se afastou.
Quando ele avançou com o primeiro soco e eu concluí a minha defesa, percebi que estava com raiva. Não dele ter me rejeitado daquela maneira, mas por finalmente notar que eu estava me apaixonando pelo cara que devia me proteger.
E eu não sabia mais como parar.

Joguei a água contra o meu rosto mais uma vez e esfreguei a minha pele, sentindo meu corpo inteiro doer em decorrência do treino da manhã inteira. Me olhei brevemente no espelho, quase não me reconhecendo. Eu ainda era a mesma de sempre, mas algo em mim também tinha mudado. Fazia um mês que eu me sentia diferente, escondida de pessoas que não pararam de me procurar e eu nem sequer sabia o que eles queriam de mim de verdade.
Toquei o machucado acima da minha sobrancelha esquerda e fiz uma careta quando o local latejou de dor. Respirei fundo e tirei o pedaço de pano que tinha enrolado no meu braço e pude ver a linha fina do corte que a espada afiada tinha feito. Há um mês, eu era uma garota que tinha somente uma cicatriz no joelho e agora eu tinha tantos machucados que mal podia contar nos dedos. Joguei o pano no lixo ao lado e toquei a minha barriga, que ainda estava sensível, bem na área do abdômen.
Puxei a camisa para cima, ficando somente de sutiã e comecei a retirar a faixa que estava enrolada na minha barriga e costas.
— Encontrei você.
A porta do banheiro foi aberta por uma garota mais ou menos da minha idade, mas ela era muito mais baixa do que eu e tinha a língua muito mais afiada.
— É uma pena — respondi.
Ela revirou os olhos e eu sorri, terminando de tirar a faixa. Assim que o fiz, joguei no lixo e dei uma boa olhada na minha pele, notando os hematomas roxos começarem a sumir.
— O não está pegando um pouco pesado? — ela perguntou, parando atrás de mim, encostando-se na parede com os braços cruzados.
— Não — respondi e me virei para ela, vestindo a minha camisa de volta. — O que você está fazendo aqui?
— Ah — soltou, descruzando os braços apenas para enumerar dois dedos em uma mão. — Duas coisas. A primeira é a nossa aula, que você se atrasou.
Azura era uma fada do ar.
Algumas semanas depois de eu ter saído do mundo hu1mano, me explicou que as fadas são divididas em poderes elementais. Ar, terra, fogo, água, luz e gelo.
E havia o poder da escuridão, que era um poder sombrio pertencente às bruxas, e eu era a única fada a possuir os dois lados. As fadas portadoras da magia de luz eram raras, mas eu não era a única.
tinha recrutado Azura para me ensinar a controlar a minha magia sem que eu deixasse as minhas emoções afetá-la. Ela não tinha experiência com o poder sombrio, mas tudo o que me ensinava sobre os poderes das fadas eu podia levar em conta para controlar o meu outro lado também. Afinal, magia era magia, não era?
— Certo — concordei. — Qual é a segunda coisa?
Ela mordeu o lábio e enrolou um fio azul no dedo indicador, abrindo um sorriso afetado que eu não gostei nada.
— Vi você e o no treino — contou.
Dei de ombros, saindo do banheiro com ela em meu encalço.
— Nós treinamos todos os dias — lembrei. — Qual o problema?
Azura me empurrou pelo ombro, revirando os olhos. Nós duas adentramos um corredor pequeno que nos levava até o jardim principal atrás da casa improvisada que tinha arranjado para ser o nosso esconderijo. Quase ninguém passava por ali, exceto quem o conhecesse e soubesse quem eu era. Não estávamos montando um exército e nem nada do tipo, só… queríamos que as coisas se acalmassem.
— Não estou falando disso — rebateu. — Estou falando do quase beijo.
— Ah! — exclamei, puro sarcasmo escapando dos meus lábios. — Você está falando do meu momento humilhante?
Parei na saída do corredor, a luz forte do dia claro me preenchendo. Meu guardião tinha razão: aqui tudo era muito azul e muito verde, o céu limpo demais, quase como se não houvesse nenhum tipo de poluição.
Azura tocou os meus braços, com um sorriso compreensivo dessa vez. Ela não estava rindo de mim, o que era uma boa notícia, mas lembrar mais uma vez que o tinha me rejeitado não tinha sido nada legal.
— Entendo que você esteja frustrada — ela começou a dizer. — Mas ele não te rejeitou.
Pisquei os olhos para Azura, a única pessoa que eu cheguei mais perto de saber o que era ter uma amiga. Achei que eu ia me sentir estranha em um mundo estrangeiro, mas quando me trouxe para cá, Azura tinha sido a primeira pessoa a me receber de braços abertos.
— Ele é seu melhor amigo — lembrei. — Você vai dizer qualquer coisa a favor dele.
— É claro que vou, bruxinha — concordou. — Mas não é sobre isso.
Eu também precisei me acostumar com ela me chamando daquela forma, já que não consegui fazê-la aceitar o meu nome. Para ela, bruxinha era mais divertido, uma vez que seu melhor amigo tinha roubado o princesa para si.
— E é sobre o quê?
Assisti ela suspirar. Ela afastou as mãos do meu braço e andou para o jardim. Gale e Ron estavam mais adiante e nós os cumprimentamos com um aceno leve. Eu segui Azura até estar quase no centro do lugar.
te conhece a vida inteira — começou a explicar. — A regra mais valiosa de um guardião é proteger a vida daquele quem ele deve guardar. Eu não ficaria muito surpresa se, no meio do processo, ele tenha se apaixonado por você. Mas ele não se acha digno de ter o seu amor.
Não parecia algo que combinava muito bem com o , mas bom… ao contrário de mim, ele sabia me esconder as coisas.
— Por que não?
Azura balançou a cabeça, como se a explicação fosse bastante óbvia para mim. Bem, não era.
— Você é uma das fadas mais poderosas que existe, bruxinha — apontou. — É a princesa herdeira do trono de Wrolphia e futura rainha das fadas. Ele é só um guerreiro que se tornou guardião e que não enxerga a possibilidade de ser nada além disso.
Relaxei os meus ombros em pura lamentação. não podia estar mesmo com aquela besteira na cabeça. Eu nem sequer sabia se eu iria querer assumir o trono, não deveria mesmo existir somente eu para assumir tudo. Além do mais, a monarquia não era comigo. A Inglaterra podia ter abolido esse sistema há anos.
No fundo, talvez eu não tivesse exatamente uma escolha.
— Ele não pode me enxergar apenas por títulos — reclamei.
— Ele te enxerga além deles, não percebeu? — Azura rebateu. — É por isso que se apaixonou.
— Eu…
— Ele não te rejeitou — ela continuou. — Só te deu a chance de escolher melhor. Agora, conjure a luz.
Algo melhor. Esperei a minha vida inteira por algo melhor aparecer e ele tinha surgido na minha vida quando eu nem esperava mais. Ele era o meu algo melhor. Na verdade, algo melhor parecia errado.
era meu algo extraordinário.
Tentei esvaziar os meus pensamentos depois de todas aquelas informações que Azura tinha jogado para mim. Era sempre um teste. Ela mexia com as minhas emoções e me forçava a controlá-las em torno da magia para entender se eu era capaz de separar as duas coisas. Varri para bem longe dos meus pensamentos e acalmei as batidas do meu coração, parando na frente de Azura. Respirei bem fundo, encarando-a. Abri e fechei as minhas mãos e não precisei de muito esforço dessa vez para conseguir conjurar um pouco de luz que fosse entre os meus dedos.
No começo, eu ficava muito exausta por forçar a magia, mas Azura tinha me ensinado que eu não deveria fazer aquilo. A magia era algo simples e natural, eu só precisava deixá-la fluir através da energia que eu sentia e guiá-la.
— Você está muito melhor, bruxinha — ela me elogiou. — Mas isso foi fácil. Eu tenho um desafio maior para você.
— Não gosto dos seus desafios — deixei clara a hesitação na minha voz.
Ela abriu um sorriso sacana.
— Nos deixe invisíveis — desafiou.
Olhei-a como se fosse louca e deixei escapar uma risada incrédula, mas, pela expressão daquela garota, ela estava falando muito sério.
— Combinamos pequenos passos de bebês, lembra? — incentivei a memória dela sobre não forçar mais do que eu podia aguentar.
Nos deixar invisíveis? Eu nem sequer sabia como chegar a fazer tal loucura.
— Sua falta de confiança é um problema sério que me irrita — ela rebateu, apontando um dedo em riste para mim. — Como conversamos. Se concentre. Deixe a magia fluir por você e mostre a ela o que você quer. Sua luz vai te obedecer se você souber guiá-la.
Sim, eu sabia todo aquele papo, mas a teoria era muito diferente da prática! Sentindo que ela não iria me deixar em paz se eu ao menos não tentasse, bufei e balancei as mãos.
Soltei o ar pesadamente e fechei os olhos por um breve momento, buscando uma grande concentração para realizar algo inédito. tinha razão quando disse que eu sentiria a magia mais forte aqui e, às vezes, eu me sentia muito poderosa.
Enxerguei a escuridão e senti a energia me consumir, mas algo estava errado. Não era a magia de fada que estava percorrendo o meu sangue agora. Escuridão, pura e sombria, me abraçava como se me conhecesse há muito tempo. E eu a abracei de volta pela primeira vez, aceitando-a como parte de mim, porque, querendo ou não, era.
Quando abri os olhos, sombras escuras me rodeavam.
! — Azura gritou.
Eu me assustei o suficiente para afastar as sombras. Tudo ficou claro novamente e eu estava ofegante, encarando os olhos arregalados de Azura. Ela ainda não tinha visto o meu poder de bruxa, apesar de ter me apelidado assim.
Era a primeira vez que eu a via sem palavras. Sem saber o que dizer, dei as costas para ela e segui pelo mesmo corredor de antes.


parte 4 — Não se pode dividir o sangue

Puxei a manga longa do casaco, tentando cobrir até as minhas mãos, me sentindo um pouco nervosa. estava do outro lado da porta, mas eu ainda não conseguia encontrar coragem para atravessá-la de uma vez. Não depois do quase beijo, da revelação de Azura, da minha demonstração do poder errado. Me sentia ansiosa desde o fim do treino, uma agitação inquieta dentro de mim que eu não sabia como parar.
Encarei as botas de couro preto que eu usava, lembrando quando me levou até Lux, informando que ela me trouxesse roupas novas. Você nunca mais vai precisar usar nada velho de ninguém, ele tinha me dito, tudo isso é seu agora.
Soltei a respiração lentamente e finalmente abri a porta, entrando devagar.
? — chamei, em um sussurro.
Minha voz podia sair o quão baixa fosse, ele ainda me ouviria devido à sua super audição, habilidade que alguns guerreiros adquiriam na ausência de magia.
— Estou aqui — sua voz me alcançou do outro lado do quarto.
O lugar parecia uma espécie de caverna. Nada ali era rebocado, pintado e nem nada do tipo. O teto era meio curvado e o lugar era simples e confortável. Uma cama, escrivaninha e poltrona enfeitavam o ambiente, além de uma prateleira pequena de livros antigos ensinando a língua das fadas e a história antiga delas. Eu tinha tentado estudar, mas os treinos físicos tomavam mais o meu tempo. Fechei a porta atrás de mim, encontrando-o perto da lareira, sem camisa. O fogo crepitava.
me olhou com ternura. Ele acenou com a cabeça para que eu me aproximasse e eu andei até ele, parando exatamente ao seu lado, mas não chegando muito perto. O fogo na lareira deixava os seus olhos mais brilhantes ainda. Eu tentava não me concentrar no fato de que ele estava sem camisa, o que atenuava — e muito —, na sua beleza.
— Por que as fadas da luz são raras? — indaguei a primeira coisa que veio à minha mente, mais uma na minha lista de perguntas infinitas para entender tudo sobre o novo mundo.
Sobre a nova eu.
se encostou atrás do sofá, cruzando os braços em cima do peito.
— As fadas da luz estão há gerações com a família real — ele explicou, finalmente. — E como não é uma família muito grande, a magia também fica restrita. Se não passada de geração em geração, pode ser extinta um dia.
— Isso parece ruim — comentei, observando-o acenar em concordância.
No entanto, embora eu tentasse construir um papo leve, eu o sentia tenso ao meu lado. Seus olhos podiam me esconder muita coisa, mas seu corpo revelava mais do que ele gostaria. E eu tinha muito orgulho de ser uma boa observadora de corpos alheios.
Bom, isso soou horrível. Como se eu fosse uma pervertida ou algo do tipo, mas adianto com urgência que eu não sou.
Encarei as minhas mãos, apertando os meus dedos um no outro.
— Azura te contou, não é? — perguntei.
mordeu o próprio lábio e segurou o meu queixo com uma das mãos, me fazendo olhá-lo.
— Aquela fada pilantra não sabe controlar a própria língua, mas esse não é o problema — ele disse. — Sei que ela te contou sobre mim.
— Qual parte exatamente? — Expressei uma careta, nervosa.
tocou a minha bochecha com a sua palma gélida. Meu corpo inteiro arrepiou.
— sussurrou. — Você tem duas partes dentro de si que não é comum ao olhos do nosso povo. Eu seria tolo se não a amasse por inteiro.
Meu coração deu um pulo de surpresa. Não estava esperando por nada daquilo.

Ele sussurrou um “shhh” suave, me pedindo silêncio.
— Não temos tempo para conversar sobre nós dois — completou, lamentando.
Seu polegar fez um carinho na minha pele e vi a aflição nos seus olhos.
— O que você está me escondendo?
— Eu te disse uma vez que o povo fada não aceitaria o que a Rainha fez — lembrou. — Você não é a primeira bastarda fada-bruxa da história, mas é a primeira que conseguiu sobreviver.
A ideia de que eles se livravam de bebês inocentes por conta do seu sangue me dava ânsia. Eu me sentia sortuda por ter sobrevivido.
— O que isso significa? — sussurrei, ansiosa.
— Que está na hora.
Pânico começava a me envolver. Tentei me acalmar, porque eu sabia que aquele momento chegaria, só não esperava que fosse rápido demais. Eu ainda estava aprendendo tudo, eu...

— Quando você manifestou o seu poder bruxa mais cedo, o povo bruxo sentiu a magia. Sabem que você está aqui — avisou. — Eles atacaram o reino e… , a Rainha e sua filha mais nova foram feitas reféns. Sua irmã não sobreviveu, mas a sua mãe ainda está viva.
Arfei, horrorizada.
— O quê? — minha voz quase não saiu.
Eu não conhecia a minha família de sangue, mas toda noite me falava um pouco sobre ela. E agora morreriam sem que eu as conhecesse.
— Os bruxos estão exigindo a sua presença. Se isso não acontecer, irão aniquilar todo o povo fada ao redor da região — ele continuou.
Balancei a cabeça, o ar saindo entrecortado pelos meus lábios entreabertos e secos.
— Não estou preparada — admiti.
me ofereceu um sorriso tranquilo e beijou a minha testa delicadamente, segurando o meu rosto com as duas mãos.
— Princesa, olhe para mim — pediu e eu olhei, me apaixonando ainda mais pelos seus olhos. — Não há ninguém mais preparada para se defender do que você. , você vai conseguir.
— E se… — tentei dizer, mas ele me interrompeu.
— Não existe “e se”.
A porta tinha sido aberta bruscamente, atraindo a nossa atenção. Azura apareceu logo em seguida, a expressão dura.
— Nós temos que ir.
Mas antes que pudéssemos nos mover, alguma coisa explodiu.

Soltei um gemido de dor.
Minha cabeça e meu corpo inteiro doíam devido ao impacto da queda da explosão, que me jogou contra a parede. Tentei me levantar, mas minhas pernas estavam presas debaixo de pedras médias que não deixavam eu me mover. Engoli a seco, sentindo o gosto de sangue na minha língua e tentei puxar a respiração, mas respirar também doía.
? — tentei chamar. Sem respostas. — Azura?
Não havia sequer um zumbido. Resmunguei, gemendo ainda mais alto quando a dor me atingiu de novo ao tentar mais uma vez me levantar. Olhei ao redor, observando tudo destruído e meio desabado. Respirei fundo e me concentrei. Encarei a pedra que me impedia de me mover e me mantive determinada. Apontei uma das minhas mãos na direção das pedras e tentei conjurar luz com facilidade, tentando usar o calor dela para derreter as pedras. Cerrei os meus dentes, a luz surgindo e sumindo.
— Merda! — exclamei, com raiva.
Mordi o meu lábio com força e, em um impulso furioso, controlei as minhas emoções e finalmente conjurei a luz cegante direto para a pedra, derretendo-a no meio com a força do calor. Continuei gemendo baixinho, mas aliviada e me levantei, a respiração ofegante por cada esforço que eu estava fazendo.
?
Ouvi a voz de . Quando levantei a minha cabeça na direção do som, ele estava em pé do outro lado, o que antes era a saída daquele quarto.
! — Mesmo com dor, corri até ele, abraçando-o com força.
Ele resmungou baixinho, mas agarrou a minha cintura e eu afastei meu rosto o suficiente para encarar o dele de perto, notando feridas superficiais por toda a parte.
— Você está sangrando — ele disse, tocando a minha bochecha.
Neguei com a cabeça rapidamente e me afastei dele, observando o estrago ao nosso redor.
— Estou bem — afirmei.
Ouvi um xingamento vindo de algum lugar e quando estilhaços de pedras voaram, vi o cabelo azul de Azura chamar a minha atenção. e eu corremos até ela, ajudando-a a se levantar. Ela tossia poeira e tinha uma expressão assassina no rosto.
— Olha só, bruxinha — ela tentou dizer. — Sei que sangue bruxo corre nas suas veias, mas vou matar aquelas desgraçadas!
Mexi um ombro, mostrando que eu não me importava tanto com aquilo. Ter o sangue delas não significava nada para mim e não deveria significar para elas, mas, aparentemente, tínhamos ideias diferentes quanto àquilo.
— Precisamos ir ao reino, não é? — questionei.
Ignorei toda a dor do meu corpo e coloquei os fios do meu cabelo para trás. Senti os olhares dos dois sobre mim.
— Se quiser impedir um massacre, sim — respondeu Azura.
Balancei a cabeça rapidamente, engolindo a seco. Eu estava mais decidida agora do que antes. Não podia fugir de um destino que estava traçado para mim antes mesmo de eu nascer. Qualquer escolha que eu fizesse agora teria consequências. Não era mais sobre mim. Somente sobre mim.
Envolvia outras pessoas agora. Pessoas que acreditavam em mim, pessoas que eu aprendi a amar, pessoas que… me tratavam como se eu fosse verdadeiramente parte do seu povo. Do seu mundo. Se eu podia acabar com aquela guerra, eu iria, mesmo que o preço fosse muito alto para pagar depois.
Se isso significava que Azura e e o resto do povo fada estariam seguros, era tudo o que me importava.
— Confiei a minha vida a vocês — falei, alternando o olhar entre os dois. — Está na hora de eu retribuir isso.
tocou o cotovelo do meu braço delicadamente.
— Você tem certeza? — quis se certificar.
Assenti com um sorriso fraco nos lábios.
— É como você disse — respondi. — Estou preparada.
Azura resmungou.
— Garota — disse, apontando para mim. — É melhor que vença essa merda.

Me livrei das pedras pelo caminho com facilidade. A magia me obedecia mais agora como se eu finalmente aceitasse que eu fazia parte dela. Quando finalmente chegamos ao lado de fora, as fadas de guerra estavam todas lá, recuperando-se do impacto da explosão. Ninguém sabia como tinha acontecido, já que não encontraram nada, mas aquilo não iria acontecer de repente.
Dentro de mim, eu sentia que alguma coisa estava errada.
Sentada em um canto, observei instruindo os guerreiros. Ele estava vestido com roupa de combate agora, a espada pendendo nas suas costas. Azura apareceu ao meu lado sem que eu percebesse.
— Se eu fosse você, me despedia.
Pisquei os olhos na direção dela, encarando-a. Ela estava com uma expressão mais leve agora, mas eu sentia a energia furiosa rodeando-a. Ela estava com raiva de termos sidos atacados de surpresa e sequer saber como isso tinha acontecido.
Não respondi Azura. Em vez disso, voltei a olhar para . Ela permaneceu ao meu lado, brincando com a magia do ar em seus dedos, quase como se estivesse se aquecendo para o que estava por vir.
— Nós vamos ficar bem — murmurei.
Mas não sei se acreditava naquilo mesmo. Me levantei, soltando o ar e prendi o meu cabelo em um rabo de cavalo alto, para que os fios longos não atrapalhassem o meu campo de visão.
Senti a magia sombria se agitar dentro de mim, como se… como se estivesse tentando me avisar de alguma coisa.
— Azura — sussurrei, em alerta. — Tem algo errado.
Mas não deu tempo dela responder. Do outro lado, oposta a nós, pelo menos uma dúzia de bruxos estava se aproximando. Azura soltou um palavrão baixo e nós corremos até e os guerreiros. Fiquei ao lado do meu guardião e Azura completou o meu outro lado, os guerreiros alertas atrás de nós. segurou a minha mão, apertando os seus dedos nos meus.
— Entreguem a criança — uma das bruxas falou. — E nós pouparemos vocês.
Elas pararam em filas bem na nossa frente. Soltei a minha mão de .
— Não — disse.
Nós fomos jogados para trás com uma rajada de escuridão. O impacto do meu corpo contra o chão me fez gemer novamente, sentindo tudo latejar. Resmunguei, apertando a minha cabeça com as mãos e me apoiei contra o chão, me levantando novamente. e os outros estavam lutando. Eu não encontrava Azura em lugar nenhum, mas não podia ir procurar, porque duas bruxas me encurralaram.
— É uma guerra desnecessária — uma delas disse. — Você pode acabar com isso.
— Deixa eu adivinhar — ironizei, ainda ofegante. — É só eu ir com vocês?
A bruxa mais baixa me lançou um sorriso sinistro.
— Sim.
Ergui o meu corpo, respirando melhor. A escuridão se agitou ainda mais dentro de mim.
— Mudanças de planos? — provoquei. — Vocês tentaram para valer me matar antes.
As duas riram com gosto e eu fechei as minhas mãos em punhos, uma de cada lado do meu corpo. Os sons de batalhas preenchiam os meus ouvidos.
— Você é muito ingênua, — a mais alta murmurou. As sombras dançavam atrás delas. — Nós nunca quisemos matar você. É a nossa melhor arma, por que faríamos isso?
Franzi o cenho com as palavras, confusa. Melhor arma?
— Ninguém nunca te contou essa história? — continuou, soltando uma risada maldosa sobre a minha confusão. — Não queremos matar você. Queremos vingança. O povo fada sempre se achou superior a nós e nos oprimiu por milhares de anos. Sabe o que é ter uma eternidade perseguida?
Não, eu não sabia. E preferia não ter a chance de descobrir. Como não respondi nada, ela continuou.
— Eles sempre se livraram de bebês híbridos porque sabiam que a junção dos dois sangues era a chance de aniquilação deles — explicou. — O povo fada não quer ser extinto, mas queremos que sejam. É a única maneira de nos deixarem em paz.
Eu estava começando a pensar que não me contou a história toda. Ou ele não sabia tanto quanto eu e só fez aquilo que foi mandado para fazer.
— Chance de aniquilação? — sussurrei.
As bruxas sibilaram mais um sorriso que eu não gostei.
— Você tem a origem dos dois poderes dentro de si — contou. — É uma combinação poderosa e perigosa, porque uma é magia pura. — Ela levantou a mão, indicando um lado. — E a outra é magia sombria.
— Em termos mais simples — a outra bruxa continuou. — Nós queremos que você destrua o povo fada.
De repente, os sons foram abafados. Senti minha cabeça girar um pouco e eu encarei em desfoque.
Destruir o povo fada. Destruir aqueles que me acolheram quando eu não tinha mais nada, só para cumprir o capricho de vingança das bruxas.
— Não — sussurrei, decidida. — Eu não vou destruir ninguém.
As bruxas mudaram a expressão. As sombras atrás delas se agitaram, mas eu estava mais preparada do que imaginava.
— Então, a única destruída vai ser você.
Antes que elas me atacassem, fui mais rápida. Levantei as minhas mãos na direção das duas e fui preenchida com magia de luz, cegando as duas com o poder. Elas gritaram alto demais, mas eu não parei.
Estava na hora de acabar com aquilo tudo. Eu não ia escolher lados, porque eu era as duas coisas. Não tinha como fingir que eu não tinha nada de um ou de outro.
Eu era as duas coisas.
Quando os corpos dela caíram no chão, não mortas, mas cegas, deixei-as para trás. Corri direto para o campo de batalha, invocando magia mais uma vez para me livrar das outras bruxas, que não tinham facilitado o trabalho dos guerreiros. Eu usava a magia para jogá-las para longe, cegá-las ou simplesmente deixá-las inconscientes tempo o suficiente para que nós conseguíssemos fugir.
— Temos que ir — avisei.
A Rainha ainda estava sendo mantida prisioneira. Aquelas bruxas ali não eram as líderes de nada e o pior estava acontecendo dentro do reino.
— Não sem mim. — Azura apareceu, carregada pelo ar.
Eu sorri minimamente.
— Consegui carona — ela completou.
Os cavalos correram até nós e os guerreiros montaram neles. cavalgou até mim e me estendeu a sua mão. Azura desceu do ar e também pegou um cavalo para si e eu aceitei a mão estendida de , sentando bem atrás dele. Agarrei a sua cintura com as duas mãos e nós partimos direto para o coração de Wrolphia.

Era um castelo enorme.
Nós paramos na parte mais escura do lugar, querendo evitar ser pegos muito cedo. Eu desci do cavalo e fiquei admirada com tudo ao meu redor.
Lar. Aquele era o meu lar.
Deixei que falasse com os guerreiros e Azura, decidindo suas próprias estratégias, enquanto eu observava o castelo. Não havia guardas ali e boa parte do lugar estava escura.
?
Virei na direção de , notando que os guerreiros estavam indo embora, provavelmente prestes a colocar qualquer que fosse o plano em ação. Azura piscou o olho para mim, bastante sugestiva, e eu revirei os olhos na direção dela, mas fui até o meu guardião.
— A Rainha vai estar no salão principal — ele disse, embora eu não soubesse onde ficava o salão principal. Mas não era o meu maior problema. — Você tem certeza de que quer fazer isso?
Cocei a minha bochecha e assenti. Durante o caminho, expliquei que eu não iria segui-los. Eu queria correr direto para a Rainha e encontrar as bruxas anciãs que a mantinham prisioneiras.
Eu não tinha plano nenhum a partir daí, mas não me impediu.
— Se cuide — murmurei.
Toquei a bochecha dele com a minha mão e ele fechou os olhos por um momento.
— Ninguém nunca me amou como você me ama — sussurrei.
abriu os olhos e me deixou ver suas íris violetas. As que me salvavam desde sempre e estavam me salvando agora.
Engoli a seco e me aproximei mais um pouco dele. Antes de perder a coragem, juntei os meus lábios nos seus, sem saber exatamente como fazer aquilo. não me rejeitou daquela vez.
Ele agarrou a minha cintura com firmeza e me beijou e eu fui tomada pela sensação eufórica de estar nos braços dele. Tudo não durou mais do que um minuto e nos afastamos com ele sorrindo para mim.
— Foi seu primeiro beijo, não é? — me provocou.
Respondi com um sorriso e dei um soco leve em seu ombro, me afastando.
— Volte viva, princesa.
Com um último aceno, saí do bosque escuro e segui diretamente até a entrada do castelo, que estava desprotegida. O corredor era enorme e havia diversas portas por ele. Quando atravessei outro corredor, me deparei com três bruxas guardando uma porta.
Elas olharam para mim e apontaram suas armas.
Levantei as mãos em rendição.
— Meu nome é Witherspoor — comecei a dizer. — Eu sou a filha bastarda da Rainha e estou aqui para acabar com a guerra.


parte final — Sob outro ponto de vista

Minha recém adquirida confiança vacilou quando a primeira coisa que eu vi ao adentrar o salão foi o corpo de uma garota um pouco mais velha do que eu caído no chão. Os olhos ainda estavam abertos e eu senti vontade de vomitar, mas me controlei.
— Eu disse que ela viria — uma bruxa, de aparência muito velha, disse. Havia um sorriso vitorioso em seus lábios, mas ainda não tinha acabado.
Levantei os olhos, desviando do corpo. A Rainha, ainda elegante, me encarava com olhos surpresos. Como eu, seu cabelo tinha um tom vibrante de e nossa semelhança era visível. Senti meu coração querer pular do peito.
— Mãe? — sussurrei.
Eu não achei que fosse ter aquele momento um dia. Não havia raiva dentro de mim contra aquela mulher, a que me deu a vida. Que, mesmo sabendo que uma criança híbrida era proibida em seu mundo, arriscou tudo para me proteger. Eu tinha sobrevivido tanto graças ao seu coração.
— ela disse, a voz quase não saindo, afetada totalmente pela emoção.
Ela tentou se mover, mas estava acorrentada, impedindo a sua fuga. Senti meus olhos lacrimejarem e andei até ela, mas fui impedida por uma das bruxas de guarda.
Um homem bruxo se aproximou da anciã.
— O que vocês querem? — rosnei.
Eu sabia o que elas queriam. Mas tudo o que eu queria naquele momento era libertar a minha mãe.
— Nós queremos você — ela respondeu com a voz rígida. — Mas acho que sabe disso.
Todas as bruxas e bruxos presentes ali me encararam. Me perguntei por um momento se algum daqueles homens era o meu pai, mas logo descartei a ideia. Eu não me importava.
— Não vou destruir o povo fada.
Ergui o rosto na direção dela, determinada com a minha escolha.
— Também não quero destruir vocês — continuei. Eu podia estar sendo muito ingênua, mas eu não tinha muita escolha. — O sangue de duas gerações corre dentro das minhas veias.
A anciã me olhou furiosa, as mãos tremendo na minha direção.
— Eu avisei que você precisaria fazer uma escolha! — berrou.
Me mantive calma.
— Não, eu não preciso — retruquei.
Meu coração estava acelerado e eu estava assustada, mas não deixava transparecer para ninguém. A magia — tanto a sombria quanto a luz —, agitaram-se dentro de mim, implorando para saírem.
— Então está na hora de você começar a pagar o preço.
Antes que eu pudesse entender o que ela estava fazendo, o grito da Rainha ecoou pelo salão. Quando olhei para ela, minha mãe estava jogada no chão, sangue encharcando ao redor do seu corpo, sofrendo alguns espasmos antes de finalmente ceder à morte.
— Não! — gritei.
Lágrimas molharam os meus olhos. A anciã começou a gargalhar.
Azura que me perdoasse, mas eu não tinha como separar minha magia das minhas emoções mais. Parei de lutar contra mim mesma e deixei todo meu poder sair.
Luz explodiu pelo salão inteiro. Eu brilhava inteira, irradiando luz branca, com as sombras dançando ao redor do meu corpo. Ergui as mãos direto para a bruxa.
— Você está levando o próprio povo para extinção quando alimenta essa vingança doentia — trinquei os dentes, furiosa. — Poderia ter a paz, mas seu ódio a cega.
Olhares de espanto eram lançados para mim. Misturei os dois poderes, centrando-os em meus punhos.
— Desista da guerra — ordenei. — E dê a chance para as crianças de Wrolphia e Alephis crescerem em uma nova geração.
Ela adquiriu uma expressão indignada e lançou um raio de sombra diretamente em mim, mas cortei-a com luz e escuridão.
A anciã ordenou que os outros bruxos me atacassem, mas eles estavam hesitantes devido ao fato de eu ter conseguido misturar as duas magias tão distintas.
Ela berrou com ódio emanando dentro de si e ela mesma se preparou para me atacar. Quando o primeiro jato de poder sombrio irradiou para mim, nada aconteceu.
Muito pelo contrário. Toda chama sombria que ela lançava para mim, minha sombra se alimentava dela, sem deixar que me atingisse.
— Como você…? — ela tentou dizer.
Sem responder, eu simplesmente levantei uma mão na direção dela e lancei um filete de luz, cortando a sua garganta. Ela caiu diretamente no chão.
Exausta, desativei a minha magia e parei de brilhar, escondendo a sombra. Os bruxos me olhavam horrorizados.
! — apareceu correndo dentro do salão.
Ele parou a uma distância de mim e eu fiquei aliviada por ele ainda estar vivo.
— Conseguiram? — murmurei.
Ele não precisou responder.
Logo atrás de si, Azura e os guerreiros apareceram, com bruxos e bruxas amarrados com as mãos nas costas e ajoelhados, sendo trazidos pelo poder de Azura. Ela colocou todos no centro do salão.
— O povo fada está seguro — disse.
Eu assenti para ela e encarei todos os prisioneiros, agora em pé.
— Vocês têm uma escolha agora — murmurei para cada um deles.
Conjurei luz o suficiente para libertá-los, soltando as cordas de suas mãos.
Azura me olhou com confusão, mas balançou a cabeça na direção dela, pedindo silenciosamente que ficasse quieta.
Eu finalmente me sentia tão confiante quanto desejei ver pelo ponto de vista dele.
Os bruxos que estavam com a anciã me surpreenderam. Todos eles se ajoelharam diante de mim.
Olhei para , que mexeu os ombros na minha direção. Uma das bruxas se levantou do meio e andou até mim, abaixando a cabeça.
— O povo bruxo aceita o seu reinado — murmurou. — Nos transforme em um só povo.
Fiquei espantada com aquilo. Ela logo se afastou e senti chegar mais perto de mim e eu aproveitei para me encostar em seu corpo. Eu me sentia cansada, além de lidar com um misto de emoção.
Me virei para , buscando os seus olhos violetas para mim.
— E agora? — sussurrei.
Ele sorriu para mim, segurando o meu rosto com delicadeza.
— Agora a coroa é sua — sussurrou de volta. — Nos transforme em um só povo.


FIM



Nota da autora: Bendita sejam as pessoas que criam prompt de escritas, porque sem isso... eu tava bem pirada das ideias para conseguir escrever isso aqui! Foi a primeira fanfic que eu finalmente me arrisquei a escrever fantasia e admito que o o live-action de O Clube das Winx me incentivou para isso. Acho que ficou um pouquinho enrolado a história, mas no geral, espero que tenham gostado e tenha sido uma leitura gostosa! Um beijo!



Outras Fanfics:
In Dark (Criminal Minds/Em andamento)
Operação Bebê (Originais/Em andamento)
EXITUS (Criminal Minds/Em andamento)
05. Break Free (Ficstape Perdidos #2/Originais)
07. Since We're Alone (Ficstape Perdidos #3/Originais)

Nota da beta: Socorro, que história INCRÍVEL!
Não nego que sou cadelinha de fantasia e essa fic me conquistou demais!
Fiquei toda bobinha com o romance entre os pps e admirada com o quanto a pp é foda.
Amei amei amei! ♥

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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