Fanfic finalizada: 03/07/2021

Capítulo único

Joguei minha cabeça para trás no encosto do sofá rindo do Ross com uma peruca verde na cabeça, enquanto andava de um lado para o outro imitando o Donald Trump. Ele era muito idiota, mas as vezes até que era engraçado. Mas meus olhos lacrimejaram mesmo quando começou a falar da Taylor Swift e seus mil namorados. Minhas pernas até se encolheram e minha barriga doeu. Senti meu celular tocar, e eu o atendi ainda rindo.
? ? — era uma voz totalmente desconhecida, e o tom do cara no outro lado da linha era bem sério, o que me roubou a minha risada.
— Sou eu — respondi saindo do camarim do pub rapidamente para poder escutar melhor.
— Você é o primeiro contato de emergência da senhora Blac… — meu coração disparou tão rápido que meu peito doeu.
— O que houve com ela? — interrompi o cara no mesmo instante.
— Houve um assalto na residência de vocês, e ela infelizmente foi baleada e veio a falecer. — Meu mundo perdeu totalmente o sentido e eu não consegui ver mais nada na minha frente, tudo ficou embaçado com as lágrimas que vieram em meus olhos. Aquilo não poderia ser verdade. Não. De jeito nenhum. Tentei respirar, mas o ar não entrou. — ?— o homem me chamou. — Ainda está aí?— fechei meus olhos sentindo uma lágrima correr pelo meu rosto.
— Sim — respondi controlando a minha voz.
— Precisamos que venha no OCME o mais rápido possível. — Passei a mão onde estava molhado.
— Ok, estarei aí assim que possível — respondi e desliguei.
Eu precisava me manter firme. Blac era tudo o que eu tinha de família na minha vida. Ela tinha cuidado de mim quando mais precisei e havia se tornado uma avó que nunca tive. Não podia surtar com isso. Não agora. Ninguém podia saber o que tinha acontecido, ou meu passado estaria de volta, o mesmo que fiz questão de enterrar. Precisava fazer um show agora. Os meninos contavam comigo. Eu iria conseguir. Sempre conseguia tudo. Me virei e voltei até o camarim.
— O que houve quando me viu? Onde você foi?— Ross foi o primeiro a perguntar.
— Fui mijar — respondi rispidamente para ver se ele parava de querer saber demais.
— Mas tem banheiro aqui. — Indicou a porta do outro lado.
— Mas eu quis mijar no banheiro lá de fora. — Rebati e os meninos riram, menos o loiro estranho.
— Nada novo sob o sol — disse Ross dando de ombros já acostumado com a minha grosseria.
Uma menina que trabalhava no pub disse que já estava tudo pronto para a nossa apresentação, então subimos no palco. Cheguei até o microfone e quando olhei para a plateia, achei que não iria conseguir. Tudo dentro de mim se revirava, eu queria chorar desesperadamente, queria fugir de mim mesma. Queria que o mundo acabasse naquele segundo. As luzes foram acesas e as cordas da guitarra de Ross começaram a ser tocadas. Não tinha para onde fugir. Ninguém havia me contado que a vida seria fácil, mas também ninguém falou que seria tão difícil. A minha tem sido uma merda desde que eu era adolescente, e Blac havia feito as coisas ficarem menos piores, mas ao passar do tempo senti que tudo tinha perdido o sentido, e as pessoas começaram a achar que minha alma era oca. De certa forma concordei com todos por anos, mas a dor que eu estava sentindo naquele momento me fez ver que minha alma não era oca, na verdade, que eu ainda tinha uma e ela sangrava agora.
Fechei meus olhos e deixei me levar até o limite, cantando e tentando me concentrar para não falhar. Foi assim música após música. Um show de uma hora e meia, mas pareceu ter dez horas. No final minha voz já estava falhando por estar segurando para não chorar durante aqueles trinta minutos mais longos que tive em toda a minha vida. Minha garganta doía com o nó que tinha no meio dela e meu peito latejava como se eu tivesse acabado de levar um soco contra ele. Eu só queria gritar até fazer minha voz sumir totalmente dessa vez e sabia que neste momento não iria precisar de muito. A dor vociferava em meu peito, e era como garras o rasgando de dentro para fora.
Desci e entrei no camarim, pegando uma garrafa de água em vez de uma de cerveja como sempre fazia. Pude ouvir os meninos dizerem que eu deveria estar passando mal, mas não respondi ninguém. Só saí. Passei pelas portas dos fundos sem falar com ninguém. Cada respiração era falha, carregada daquilo tudo que estava dentro de mim implorando para sair. Bebi um gole de água, mas aquilo queimou. Minha garganta estava fechada. Meus passos eram apressados, e não era na direção do OCME, eles eram totalmente sem rumo. Não sabia para onde ir. Só estava andando desesperada para algum lugar. Meus lábios sorriam de forma triste, tentando me ajudar a segurar a agonia que dominava cada parte de meu corpo. Minha mão trêmula passou pelo meu cabelo o jogando para trás e eu tentei beber mais água, mas ela não queria mesmo descer. Virei simplesmente e entrei em um bar que nunca tinha ido, seguindo até o balcão enquanto cada parte minha tremia.
— Por favor, me dê a coisa mais forte que tiver que dê para pagar com isso — pedi em súplica para o barman colocando umas notas amassadas e moedas em cima do balcão juntamente com minha garrafinha de água, e o olhando com certo desespero.
Era tudo o que eu tinha, notas pequenas e amassadas e moedas. Ele não falou nada, deixou o dinheiro ali e saiu. Apoiei meus cotovelos sobre a madeira e cobri meu rosto com minhas mãos. Merda. Será que o bar era caro demais e eu não conseguia comprar nada com aquilo? De qualquer forma eles não podiam me expulsar dali também. Então ficaria um tempo, porque não tinha para onde ir. O que eu iria fazer agora? Blac tinha ido. Ela havia me deixado sozinha. A única que sabia de tudo sobre mim, que tinha visto meus demônios e ainda assim os aceitado. A única pessoa que eu amava como se fosse uma parte minha.
— Por conta da casa — uma voz suave falou, tinha calma e talvez um pouco de pena, pois certamente agora eu era digna de pena.
Ergui minha cabeça e fiquei poucos segundos encarando um ponto cego no bar, então olhei para frente vendo quem tinha falado comigo. Vi um copo com algo de um tom âmbar, no mesmo tom que os olhos do homem na minha frente, e de alguma forma eu vi compreensão em seu olhar, e não pena. Apesar de amar bebida de graça, e ainda mais quando um cara daquele pagava, eu não sabia se realmente queria aquilo. Antes que falasse algo, ele empurrou de leve o copo em minha direção. Respirei fundo olhando para o copo de bebida e mordi minha bochecha por dentro.
Minha cabeça estava um turbilhão e sinceramente não sabia nem o que estava fazendo naquele momento. Eu só queria dar um berro bem alto até a minha voz falhar e deixar as lágrimas saírem para ver se assim melhorava aquela porcaria de sufocamento que estava sentindo, mas sabia que apesar de querer, não o faria, então precisava de outra coisa para aliviar aquilo, e a resposta estava em cima do balcão. Abri minha boca, mas não tinha certeza se minha voz iria sair, e quando soltei o primeiro “A”, só consegui ouvir algo rouco. Limpei minha garganta e olhei para o bonitão ao meu lado.
— Se fosse outro dia eu poderia transar contigo loucamente por estar me dando uma bebida, mas hoje não vou fazer isso, então se a sua intenção era essa, não vou aceitar. — Não me reconheci naquele momento e só por ter feito aquilo, negado algo que eu amava fazer, percebi que estava pior do que imaginava.
— Ótimo, porque eu não estava afim de transar hoje — respondeu e ele deu um pequeno sorriso, e não era deboche, algo naquele homem era estranho.
Passei a mão em meu cabelo e cerrei meus lábios com força unindo as sobrancelhas como se estivesse engolindo algo que tinha o gosto muito ruim, e afinal, estava. Olhei para o outro lado como se escondesse aquilo do homem que tinha me dado a bebida e senti meu rosto ficar molhado, então o sequei rapidamente e ri bem fraco dando um pequeno sorriso no final demonstrando para mim mesma que não era nada. Estava tudo bem. Era o que queria dizer em voz alta para mim mesma, mas de todas as mentiras que já contei, aquela seria a pior de todas. Naquele momento eu tinha finalmente visto o que era o fundo do poço. Abaixei de leve a cabeça.
— Desculpa, eu... — eu não sabia o que estava falando. Era isso que deveria ter dito, mas não consegui. Coloquei uma mecha de cabelo atrás de minha orelha. — Me chamo, . — Consegui juntar uma frase que pudesse tentar fazer as coisas ali não ficarem mais estranhas do que estavam por causa do meu comportamento nada normal.
Queria conseguir flertar com ele, mas eu só imaginava o corpo de Blac no chão de casa totalmente ensanguentado, e ficava pensando em qual cômodo teria sido. Tinha que sair daquele bar e fazer algo de útil para a única pessoa que havia me estendido a mão nesse mundo, mas a verdade que eu sempre escondi é que sou uma fracassada, e nem ir até a porra de um necrotério eu conseguia. Estava com medo, porque sabia o que encontraria lá e simplesmente não queria ter que olhar para Blac e não ver o doce sorriso que dava quando seus olhos me encontravam.
Meu rosto foi de encontro com minhas mãos que continuavam erguidas, já que meus cotovelos estavam sobre o balcão.
— Eu não consigo — falei começando a soltar o choro que estava preso dentro de mim pensando no corpo pálido de Blac em cima de uma mesa de aço.
— Vem comigo. — O homem chamou com a mesma voz de antes, e só neguei com a cabeça sentindo que se levantasse minhas pernas trêmulas iam me levar direto para o chão. — Você está molhando meu balcão todo com suas lágrimas, eu vou ter que cobrar mais caro dos clientes por causa do ingrediente secreto, e eles vão ficar furiosos comigo, então direi que a culpa é toda sua. — Por incrível que pareça aquilo me fez dar um pequeno riso no meio do choro.
Então levantei me segurando com força no balcão com medo de cair quando colocasse meus pés no chão, e senti minhas unhas arranharem a madeira com isso, saltando por cima de cada ranhura, minha respiração falhada e pesada. Aquilo era o inferno. Então segui o homem que veio para esse lado e fomos para uma parte reservada do bar, umas cabines de vidro com um sofá em um semicírculo e uma mesa. Ele abriu a porta e colocou uma garrafa de Jack Daniels, uma de água e um copo sobre a mesa, em seguida fechou as cortinas e colocou um pequeno disco sobre a mesa.
— Eu chamo de botão do pânico, porque se você apertar qualquer barman aparece aqui para lhe salvar, ou melhor, atender seu pedido. Esse vai me chamar — avisou enquanto eu ainda estava de pé na porta olhando para a mesa. — A cabine é a prova de som, você pode berrar e chorar o quanto quiser aqui dentro, ninguém vai te ouvir. Pode ficar à vontade.
— Por que está fazendo isso? — minha voz saiu baixa e rouca por causa do choro.
— É algo que eu gostaria que tivessem feito comigo quando precisei — contou bem baixo também, como se fosse um segredo. — Ter só um pouco de empatia salvaria o mundo. — Aquilo foi como um belo tapa na minha cara. — Isso não me torna alguém melhor, mas pode te fazer se sentir melhor, então eu acho válido. — Suas palavras me fizeram chorar ainda mais.
Apenas assenti e ele saiu, cheguei para o lado e fechei a porta, então deixei meu corpo deslizar até chegar ao chão e gritei, gritei até meus pulmões queimarem, minha garganta rasgar, e meu ar desaparecer totalmente. Mais lágrimas vieram de forma incessante, descendo pelo meu rosto, pescoço, peito e molharem o tecido de tricô do meu cropped. Então eu chorei e berrei mais até me sentir satisfeita com aquilo, ou fazer a dor ficar menor. E por hora deu certo.
Tenho dois melhores amigos. e . Eles estavam comigo desde que éramos crianças. Famílias endinheiradas de Nova York, elite mesmo, todos tínhamos que nos manter na linha, mas ninguém nos deu um livro de regras para seguir. E certamente isso seria a queda de cada um de nós. Os eram pressionados por seus pais, eles eram os mais ricos de nós, e precisavam manter as aparências a todo o custo, mas a única regra deles é não aparecer nos Instagrans de fofocas. Então vem o , uma família conservadora, onde exigiam que tivesse uma linda namorada e se casasse virgem. E tem os , que jogam toda a sujeira para baixo do tapete e finge que o lixo nunca existiu, no caso, eu.
De qualquer forma, a merda toda começou quando tínhamos quinze anos, para ser mais exata, sete anos atrás. Estávamos em minha casa em uma tarde, meus pais tinham viajado e voltariam no dia seguinte. Então saímos da escola e disse que tinha aprendido a fazer um tal de fada verde. E o problema começou. E bebemos até não aguentarmos mais, e quando dei conta do que estava acontecendo estávamos deitados na cama dos meus pais, e e transando loucamente bem do meu lado, sendo que ele tinha namorada, uma garota super certinha do colegial. Tudo bem se o lance deles tivesse acabado ali, ninguém teria contado nada a ninguém, éramos melhores amigos.
A regra era clara, o que acontecia entre nós, ficava entre nós. Tipo matar alguém em grupo e manter esse segredo o resto da vida. Porém eles não pararam, e não se separou de Val, sua namorada perfeita. O tempo foi passando, até que estávamos em uma festa na casa dele, festa de família. Eu fui na cozinha pegar algo para beber e ouvi uma briga, a voz de no meio e alguém chorando. Segui o som da briga e a tia de estava arrebentando minha amiga no tapa, e ela já estava toda machucada tentando se defender da mulher que estava completamente louca, xingando-a de todos os nomes possíveis. Obviamente que me meti, entrei na briga sem pensar duas vezes, afinal, não importava se estava errada, ela era minha melhor amiga e não iria apanhar na minha frente. O estado dela foi tão pesado que tive que levá-la para o hospital. quis vir, mas não deixei, briguei com ele, porque a culpado daquela merda toda era ele que não tinha se separado de Val.
Resumo, sua tia havia descoberto sobre ele e , então ela foi atrás da minha amiga e a culpou, porque aos olhos dela, uma não prestava para um . E pelo visto tanto a família de quanto a minha concordava com isso. E meus pais envergonhados pelo o que eu tinha feito, por ter batido na tia do meu amigo, simplesmente disseram que não tinham mais filha. Simples assim. Eles preferiram ficar do lado de uma mulher que estava espancando uma adolescente do que do nosso lado. Parecia algo idiota, mas para meus pais aquilo era muito sério ao ponto que trocaram a fechadura de casa para que eu não entrasse mais. Sim, com quinze anos eu tinha sido expulsa da minha própria casa. Sem ter para onde ir e sem coragem de falar o que tinha acontecido para meus amigos, porque sabia que aquilo iria trazer ainda mais problemas para eles, e eu não queria isso, fiquei na rua por alguns dias. Não fui para a escola, porque certamente iriam sacar o que aconteceu.
Alguns dias se passaram, até que Blanc me pegou mexendo em sua lixeira, tentei correr, mas ela conseguiu me alcançar. Pensei que iria me levar para algum tipo de instituição, porém aquela mulher de cabelos grisalhos e sorriso doce me deu um prato de comida, toalha de banho e roupas limpas. Ela cedeu seu banheiro e depois uma cama para que eu dormisse. Então voltei para a escola dando a desculpa que estava doente, ninguém desconfiou de nada. E quando questionavam o motivo que eu não ia mais nas festas, apenas declarava que não queria olhar mais para a tia de , ou quando diziam que queriam ir lá para casa, falei que meus pais tinham proibido que eu levasse qualquer pessoa lá. Eles compraram a história, e aparentemente meus pais davam uma desculpa qualquer também. Nunca contei a verdade para meus amigos e certamente eles nunca iriam saber, pelo menos era o que eu esperava.
Viver esses sete anos com aquela mulher que foi para mim mais do que minha mãe foi a vida toda. Por mais que ela tenha me amado, me ensinado como era ser doce e gentil, eu não conseguia, me sentia totalmente quebrada. Não via motivo para tratar ninguém bem quando ela tinha sido a única pessoa que havia feito isso por mim… Até agora. Aquele homem havia sido o que Blac era para mim. Eu deveria agradecê-lo, mas eu só queria fugir dali para que ele nunca mais visse meu rosto, só que não conseguia. Então tudo o que fiz foi levantar e me sentar no sofá. Peguei a água e bebi ela toda, eu olhava para a garrafa de Jack Daniels e por mais que ela fosse totalmente atraente e realmente desejasse algo tão forte que apagaria minha mente por algumas horas, também não conseguia fazer isso. Eu não conseguia fazer porra nenhuma a não ser chorar.
Não sei quanto tempo se passou, mas a minha cabeça estava latejando de dor, como se já não bastasse meu peito. A porta se abriu e o homem voltou, seu olhar sobre meu rosto não ficou nem um pouco surpreso, ele já imaginava o que iria encontrar ali. Uma mulher totalmente quebrada. Então entrou e colocou uma caixa de lenço na mesa. Peguei e sequei meu rosto, pescoço e peitos, assoei o nariz de uma forma bem patética e vergonhosa também, não que eu estivesse em posição de não ser patética e vergonhosa naquele momento, porque claramente estava.
— O bar fechou. Você quer uma carona para algum lugar? — ofereceu, e eu queria perguntar para ele de novo o motivo de estar sendo tão gentil comigo, mas sabia que daria a mesma resposta de antes.
— Pode me deixar no OCME? — perguntei, o olhando por um breve momento antes de fechar meus olhos com força sentindo mais lágrimas descerem.
— Claro. Você quer mais água? — apontou para a garrafa que estava vazia, e apenas concordei com a cabeça.
Ele se levantou e fui atrás, o bar estava fechado e poucas luzes estavam acesas. Parei no meio do lugar e esperei que o homem voltasse, e não demorou para retornar com duas garrafinhas de água em mãos, me entregando uma delas. Abri e dei uma golada longa, tossindo em seguida por estar gelada. Senti seu olhar sobre mim, mas não falou nada. Então fomos para fora do bar e fomos até um carro, um Captiva grafite, que estava do outro lado da rua. Ele destravou o carro e pude entrar do lado do carona. Assim que entrou também, o olhei por alguns segundos enquanto dava partida fazendo o rádio ligar.
— Eu não sei o seu nome — falei baixinho.
— respondeu dando um pequeno sorriso fechado.
— Obrigada, — agradeci e ele apenas assentiu de leve com a cabeça.
Tocava uma música bem baixa no rádio, eu não sabia o nome, mas ela me acalmou um pouco. A viagem não foi muito longa até o prédio da OCME. E assim que estacionou rente a calçada, senti todo o meu corpo travar. Ficamos em silêncio, eu não tinha coragem de ir até lá e olhar para Blac.
— Quer que eu entre contigo? — se ofereceu, e eu concordei. — Vamos, então. — Ele desceu do carro, deu a volta e abriu a porta do carona me estendendo a mão.
Fiquei olhando para aquele homem por alguns segundos antes de segurar sua mão, e desci, mas não o soltei, deixei meus dedos apertarem os seus com certa força e não fez menção alguma em soltar. Então ele me guiou para dentro do prédio. Tive que me obrigar a falar para a recepção o que estava fazendo ali, tentando não chorar, mas foi inútil. O homem ao meu lado me abraçou com força e eu passei meus braços ao redor de seu tronco. Ele ficou comigo o resto da noite naquele lugar, me ajudando com os procedimentos. O corpo de Blac ficaria detido por causa da investigação que estavam fazendo para tentarem pegar o culpado, e por isso não pude lê-la. Por fim me levou para casa, mas não pude entrar, estava tudo em isolamento. Isso me fez chorar ainda mais, e ele me ofereceu de ficar em sua casa. Pensei em negar, mas eu estava tão cansada, só queria dormir um pouco e tentar parar de chorar pelo menos por um momento.
Então ele me levou, não era uma casa grande, era uma modesta no Queens. me emprestou uma de suas camisas e deixou que eu dormisse no quarto de hóspedes que ele usava como escritório, tinha um sofá cama lá. Fui tomar um banho e quando entrei no quarto, ele havia arrumado tudo para que eu dormisse. Não o vi por ali e nem pelo corredor, então apenas me deitei e, ainda chorando, acabei dormindo.
...


Os dias que se seguiram foram piores que os anteriores. E tem quem o diga que o tempo melhora as coisas, mas parecia que só piorava. Não que eu estivesse sendo pessimista, na verdade, nunca esperei o melhor de nada e nem de ninguém, o mundo estava tão fodido que a melhor coisa a se fazer é não esperar mesmo. E agora, como sempre, eu também não estava. Era tudo uma merda mesmo, isso era um fato incontestável. O ser humano não tem ideia do poder que ele tem nas mãos, como são capazes de magoar os outros e ferir sem nem se dar conta disso, ou dava, via e ainda sorria. Pessoas eram cruéis, eu era cruel comigo mesma e com todos o tempo todo de forma incansável. Queria culpar o lixo da minha família e tudo o que eles fizeram, mas a única culpada das minhas escolhas era eu mesma. Escolhi me tornar quem sou, e não podia culpar ninguém. Então sabia que merecia aquele sofrimento, e iria aceitar, porque era isso que tinha a fazer. Eu não estava com forças para socar a vida de volta como sempre fiz quando ela vinha me dava uma rasteira, mal conseguia respirar direito.
estava tentando me ajudar, tinha paciência comigo e me deixou ficar na sua casa, além de me alimentar todos os dias, no mínimo três vezes. Na grande parte das vezes mal conseguia comer, e ele vendo isso começou a reduzir a quantidade de comida que me dava, mas ainda assim sempre voltava com algo depois de algumas horas. Todos os dias quando chegava do bar eu via sua sombra da porta do quarto, ele a abria silenciosamente e olhava para ver se eu ainda estava ali. Não sabia se era preocupação, ou se ele queria se ver livre da louca que não parava de chorar por dias. De qualquer forma, eu não ousei perguntar, porque pela primeira vez na minha vida, tive medo da resposta que alguém poderia me dar. Eu não queria ir atrás dos meus amigos, não tinha onde ficar, o pouco de coisas que tinha conseguido havia se resumido a nada agora.
Meu telefone não parava de tocar, os meninos da banda enchendo meu saco, e querendo saber porque não estava indo às aulas. Apenas falei que estava doente, uma gripe qualquer e que assim que melhorasse, iria aparecer novamente. Pelo visto compraram a história, mas ainda assim me mandavam mensagens. No final eu apenas desliguei o celular, porque até o som dele vibrando me fazia chorar ainda mais. Eu só queria ficar sozinha, inferno!
Já se passava das três da manhã quando chegou do bar e, como sempre, ele abriu a porta do quarto.
? — chamou em um tom baixo, sua voz levemente rouca. Virei meu corpo naquele sofá cama e olhei para a porta. O homem não fez uma cara muito boa ao me olhar. — Não queria te incomodar, mas hoje mais cedo me ligaram do OCME. Liberaram o corpo da Blanc. Pediram para que você fosse lá amanhã cedo para assinar os papéis para que fosse feito o funeral. — Aquilo fez mesmo olhos queimarem mais uma vez e tentei segurar o choro de forma em vão, porque as lágrimas desceram pelos cantos dos meus olhos de forma silenciosa. — Quer que eu vá contigo?
— Eu já estou abusando demais de você — falei com a voz totalmente embargada.
— Posso entrar? — pediu de forma educada, e apenas concordei com a cabeça. Então ele entrou se sentou-se na beirada da cama. — Eu vou te contar uma coisa, mas não quer dizer que estou comparando nada, ok? Só preciso que entenda — disse baixinho e eu assenti. — Quando nasci, minha mãe me deixou na porta de um orfanato de freiras. Ela nunca me quis, mandava dinheiro todo mês para a freira que virou minha tutora. Irmã Baron, mas ela nunca me deu o dinheiro, o guardou por dezoito anos para que eu tivesse algo quando saísse de lá e não virasse um sem teto. — deu um pequeno sorriso, mas fiquei incomodada ao saber aquilo sobre ele. — Eu tinha uma amiga, era tudo o que eu tinha naquele lugar, então um dia, sem me falar nada, ela simplesmente fugiu, me deixou para trás — riu nasalado e eu apertei meus dedos no edredom com certa raiva. — Fiquei com tanta raiva, achei que ninguém me queria, que o problema era comigo. Nenhuma família me adotava, minha mãe mandava dinheiro para me manter longe e minha única amiga foi embora. Então comecei a odiar tudo e todos, porém o que mais odiava era eu mesmo, achava que não era bom para nada e nem para ninguém. Foram anos terríveis, até conseguir entender o que a Irmã Baron fez por mim. Que ela era a mãe que eu sempre desejei e a melhor amiga que um dia eu já tive, mas quando percebi isso, era tarde demais, não podia agradecê-la, porque ela morreu. Infarto enquanto dormia. Dizem que ela não sentiu dor. Isso acalmou um pouco meu coração, porque ela merecia tudo de bom, tudo o que não consegui lhe dar. — Ele mordeu seu lábio inferior e fechou os olhos, e tudo o que fiz foi chorar ainda mais vendo as lágrimas escorrendo pelo seu belo rosto. Suas mãos foram até seu rosto o secando lentamente. — Nós já iremos morrer sozinhos, não precisamos viver sozinhos também. Era o que ela me dizia sempre. Eu nunca entendi isso, até ela morrer sozinha em sua cama. O que quero dizer, é que você não precisa estar sozinha agora. Sei que não te conheço, muito menos que entendo a sua dor, porque cada um sente de uma forma, mas não quero que se sinta sozinha da forma como eu me senti quando a Irmã Baron se foi. — Mais lágrimas desceram pela sua pele.
A minha única reação naquele momento foi a menos esperada possível vindo de mim. Eu me sentei na cama e o abracei pelo pescoço. Então me abraçou de volta com força, e nós dois choramos, aquele choro solto, dolorido, que tira o ar e te faz soluçar. Nós ficamos daquele jeito por muito tempo. E naquele momento foi como se as lágrimas estivessem lavando minhas feridas, uma por uma. Até que lembrei de uma coisa que uma menina me contou.
— Você pode me arranjar um papel e caneta? — perguntei me afastando um pouco de , e ele me encarou, balançando a cabeça de leve.
Então ele levantou e pegou um caderno pequeno e uma caneta, voltando para a cama e me entregando. Agradeci. Então tirei uma folha e a rasguei no meio, e entreguei um pedaço ao homem à minha frente, que não entendeu nada.
— Escreva para a Irmã Baron o que você queria ter dito a ela — falei, e ele ficou me olhando por alguns segundos.
apenas assentiu e levantou da cama, indo até a mesa que tinha no quarto e acendeu a luz que tinha ali. Não fiquei olhando, só encarei o meu pedaço de papel por alguns segundos e respirei fundo, pensando no que eu falaria para Blac se tivesse tido a chance. Então um pequeno sorriso veio e levei a ponta da caneta até aquelas linhas finas.

“Obrigada por me amar quando achei que não existia mais amor. Obrigada por ter me feito sua filha quando falei que não tinha mais mãe. Obrigada por ter existido quando pensei que a existência era superestimada. Obrigada por ter vivido tempo o suficiente por ter me ensinado a sorrir novamente. Obrigada. Apenas, obrigada.

Com amor,



Algumas lágrimas pingaram no papel borrando a tinta da caneta, mas não tinha problema, sabia que Blac iria ler aquele bilhete em qualquer lugar que estivesse. Sequei meu rosto e sorri. Ergui minha cabeça e olhei para , que logo se virou e me encarou.
— E agora? — quis saber, e seu rosto estava molhado.
— Guarda o papel no bolso e vem comigo — disse, me levantando da cama.
Peguei minha calça e a vesti, guardei o meu bilhete no bolso, e em seguida calcei meu tênis em seguida. Então me virei para e lhe estendi a mão. Ele não hesitou em segurá-la, e simplesmente o puxei comigo, andando para fora de sua casa de forma apressada. Assim que chegamos do lado de fora o ouvi fechar a porta, e olhei para cima, encarando a noite e sentindo a brisa dela soprando meu rosto, o deixando gelado por causa das lágrimas que tinham a pouco descido por ele. O céu estava limpo e estrelado, mas sem lua. Apenas o escuro.
Abaixei meu rosto e encarei o homem que ainda segurava minha mão e, sem aviso, comecei a correr, puxando-o comigo, e lhe tirando uma risada enquanto tentava alcançar meu ritmo. Até que estávamos correndo rua acima, sem parar, sem ar, sem tirar um sorriso no rosto por estarmos fazendo aquilo de madrugada. Parei apenas quando chegamos no final, ela era sem saída, e estávamos no meio dela. Virei meu corpo olhando lá para baixo, era uma subida e tanto, e estávamos ofegantes por isso. Soltei a mão de e peguei o bilhete em meu bolso, juntamente com meu isqueiro verde fluorescente.
— A dor se torna menor quando a colocamos para fora. O fogo purifica. Então o vento leva — falei erguendo o papel, fazendo com que desdobrasse e acendi o isqueiro, deixando a chama queimar aquele pedaço de folha rasgado onde tinha meus sentimentos. — O vento vai levar minhas palavras para a Blac, e ela irá pegá-las onde quer que esteja, então irá sorrir como sempre fez todas as vezes que eu passava pela porta de sua casa. — Mais lágrimas escorreram pelo meu rosto, mas essas não eram doloridas, mas sim de felicidade por lembrar de como seu sorriso era terno e tinha sempre o poder de aquecer meu coração.
— Tenho certeza que ela irá sorrir — concordou comigo, e pelo seu tom de voz, parecia que ele mesmo estava sorrindo.
Então o fogo queimou o papel e eu o soltei no ar, deixando que voasse enquanto acabava de consumir minhas palavras, às levando embora. E eu sorri vendo as cinzas dançando pelo ar. Aquilo me acalmou. Entreguei o isqueiro para o homem ao meu lado, que fez a mesma coisa, repetindo minhas palavras e soltando o seu bilhete também para que ele fosse de encontro a Irmã Baron.
Senti sua mão segurando a minha, então a segurei de volta, apertando com certa força enquanto olhava a noite escura à nossa frente. Não poderíamos ficar satisfeitos com tudo que a vida nos fazia, nós deveríamos sim lutar e encontrar nosso lugar. E não precisávamos fazer isso sozinho.

Nobody said this would be easy
Nobody said this would be hard
Nobody gave me a rulebook to follow
And my soul's not hollow
You see, we gotta find our place
And we'll go there now







Fim



Nota da autora: Olá, pessoal! Como vocês estão? Ai, gente. O que falar dessa fic? Não sei vocês, mas eu chorei juntinho com a protagonista. Nossa, já tinha um tempo que eu não escrevia algo assim e que me fizesse chorar desse jeito, e olha que é difícil de fazer chorar, viu. Eu não sei muito o que dizer sobre essa short, era algo que eu tinha no armário há alguns anos, e apenas terminei (escrevi quase tudo) ela por achar que combinava demais com a letra do Zayn. Espero que tenham gostado, viu? Não deixem de comentar. Ah, a playlist é vem na vibe da fic, se vocês gostam de algo na bad, só ir lá ouvir. Beijos e até a próxima.



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