Capítulo Único
Torci as mãos, nervosa e sem saber direito o que esperar. nunca tinha me dito muito sobre a cerimônia de nomeação dos cavaleiros, tudo o que sabia era que o rei e o príncipe herdeiro estariam lá. Iida — o cavaleiro que estava organizando a gente — disse que receberíamos nossas tarefas depois disso, mas todos seríamos parte da Guarda Real e provavelmente ficaríamos posicionados no palácio. Os ataques ao reino tinham aumentado nos últimos anos, então éramos reforço. Todos iríamos treinar aqui por seis luas antes de sermos posicionados oficialmente em qualquer lugar, mas também teríamos a maioria das funções de guardas do palácio nesse período, com a diferença que nossas rotinas incluiriam mais treinamentos do que os que já estavam aqui antes.
Eu não particularmente precisava trabalhar aqui, eu tinha meu chalé e podia trocar plantas por qualquer coisa que eu precisasse, mas a oportunidade apareceu quando eu mais precisava de uma distração do meu luto. Tudo no chalé me lembrava da minha alma gêmea e do fato de que eu não conseguia mais sentí-lo pela nossa ligação. Eu tinha esperado, tinha tentado me convencer de que ele ainda estava vivo, mas eu não podia me enganar daquele jeito pra sempre. Receber a oferta de uma posição ao lado do meu irmão e do meu cunhado como cavaleira era a forma perfeita de manter minha mente longe do assunto.
Fomos todos chamados à sala do trono, onde o rei, a princesa e o príncipe estavam aguardando. Nenhum deles parecia muito animado de estar ali, pra ser honesta. Fomos chamados um por um para nos ajoelhar perante o Rei Enji, que então nos nomeava cavaleiros. De perto, o homem não parecia nem um pouco menos intimidador do que as histórias o faziam soar, ou mais amigável do que e tinham dito que ele era. A princesa era tão bonita quanto eu havia ouvido, e o príncipe parecia tão distante quanto Faísca tinha feito ele soar.
— .
Dei um passo à frente, surpresa de encontrar Príncipe me olhando. Ele não tinha olhado pra nenhum dos outros cavaleiros, não de maneira tão… intensa, pelo menos. Sua expressão que antes era vazia se contorceu no que quase pareceu descrença antes do que com certeza era raiva tomar as belas feições. Mas que porra? Por que ele estaria bravo? Além de mim, ninguém pareceu notar a mudança, e voltei à minha posição na ponta da fila.
Então, a princesa veio para frente, entregando a cada um de nós um pequeno broche com o brasão da família , a fênix que simbolizava seus poderes de fogo com as asas abertas sobre a coroa. Em seguida, o príncipe entregou uma espada a cada cavaleiro, representando que lutaríamos ao seu lado para defender o reino. Todos assistimos em choque ele dar as costas e ir embora quando chegou a minha vez, deixando minha espada com a irmã.
Raiva encheu as minhas veias. Então era pessoal. Eu nunca tinha nem trocado uma palavra com o cara e ele já me odiava.
— Lady — chamou a princesa, me estendendo a espada. Ela parecia ter entendido tanto quanto eu o motivo daquele chiliquinho. Bufei, mas peguei a arma mesmo assim.
Se o Babaca Real queria distância de mim, eu com certeza não tinha problemas em lhe dar isso.
***
Meses depois…
Eu estava tão irritada de estar sozinha com o príncipe que não estava prestando tanta atenção quanto deveria. Estávamos voltando para o palácio, o rei tinha enviado o príncipe , o conselheiro dele e cinco cavaleiros — incluindo eu — numa curta viagem a um vilarejo na fronteira mais próxima do palácio, por conta de alguns conflitos que tinham acontecido lá recentemente. Preocupante, considerando que ficava a menos de um dia de viagem. Nosso reino vizinho não era a fonte dos ataques no fim das contas, mas sim um conhecido grupo de assassinos e criminosos que se opunham abertamente à família real. Nenhum de seus membros famosos tinha dado as caras por lá, mas indivíduos menos poderosos estavam incomodando os moradores. Ficamos lá por alguns dias para tranquilizá-los, mas não vimos nada durante a nossa estadia. Mais simples impossível. E aí obviamente na metade do caminho de volta pro palácio, nós encontraríamos uma armadilha. Se o príncipe e eu não tivéssemos sido rápidos o bastante — eu estendendo os galhos próximos e ele criando uma parede de gelo para tirar os outros do caminho —, nós todos muito provavelmente teríamos sido capturados. Livramos todo mundo, o único problema é que agora os criminosos sabiam onde nós estávamos e quem éramos, e Sua Rudeza Real e eu tínhamos nos separado do resto do grupo.
— Deveríamos estar indo para lá.
— Lá é onde eles estarão esperando. Nós não acabamos de escapar de uma armadilha pra entrar de cabeça em outra. — Retruquei irritada, virando os olhos. Desde que tinha me tornado uma cavaleira, minha relação com o príncipe só tinha conseguido piorar.
— Não há trilhas nessa direção.
Eu sabia que falar daquele jeito podia me ganhar uma decapitação. Já teria ganhado, se fosse o rei. Mas Príncipe era muito tolerante com o jeito nem tão educado que e eu falávamos com ele. Eu não entendia por que ele aguentava, quando claramente me odiava, mas também não ia questionar, apenas aproveitando pra falar como bem entendesse.
— Exatamente por isso que estamos vindo pra cá. Agora, Vossa Majestade, se puder me fazer o favor de calar a porra da boca.
Me virei para olhá-lo ao dizer a última parte. Grande erro. Eu tinha visto a caverna quando nos aproximamos, mas calculei errado quão perto ela estava e não notei o buraco no chão logo à minha frente. Senti meu corpo caindo, o fundo da caverna distante demais pra eu conseguir vê-lo, e me preparei para a dor da queda, mas ela nunca veio.
— !
Em vez disso, mãos fortes seguraram meus braços e me puxaram pra trás, o contato pele com pele enviando eletricidade pelas minhas veias de uma forma que eu não sentia há muitas luas. Uma forma que eu achei que nunca sentiria de novo. Arfei. Aquilo não podia estar certo. Não tinha como o príncipe frio e distante ser minha alma gêmea. Mas, quando meus olhos encontraram os díspares dele, não encontrei nenhuma surpresa ali. Na verdade, seu olhar estava quase pedindo desculpas.
— O que- o que está havendo?
— Sinto muito por isso.
— Você não é minha alma gêmea, não pode ser! Eu já conheci ele, e ele não era…
— O príncipe olhou para baixo, escondendo os olhos de mim, e meu coração afundou ao perceber o quanto ele tinha me usado. Tirei suas mãos de mim. — Era você, não era? Você sabia quem eu era! O tempo todo você sabia! Meus deuses, eu não acredito que fui tão burra!
— Por favor, fala baixo. — Ignorei.
— Você me encontrou, teve o que queria e foi embora. Eu achei que tinha acontecido alguma coisa! — Empurrei seu peito, raiva e dor fechando a minha garganta enquanto eu tentava não derramar nenhuma lágrima. — Eu esperei você, eu me preocupei, mas você nunca ia me contar, né? Não, por que iria? Eu sou uma ninguém que te deu o que você queria sem pensar duas vezes. É por isso que ficou tão bravo quando eu fui nomeada cavaleira? Porque não me queria por perto, pra poder manter seu segredinho sujo? Precisa ser alguém muito doente e sem coração pra se esconder atrás de um glamour com a própria alma gêmea, mas eu não devia esperar menos de você. É igualzinho ao seu pai. — Cuspi. Aquilo pareceu tirar uma reação dele, a expressão normalmente impassível se contorcendo em algo que quase parecia arrependimento. Quase. Mas, em vez de responder, Príncipe puxou meu corpo contra o seu, uma mão cobrindo a minha boca, e me arrastou pra dentro da caverna. Me debati.
— Para! — sussurrou contra meu ouvido, fazendo um arrepio descer pela minha espinha, a proximidade trazendo de volta as lembranças. — Pode gritar comigo e me acusar do que quiser quando nossas vidas não estiverem em perigo. Pensa, !
Ele estava sendo específico demais pro meu gosto, então engoli meus sentimentos e ouvi, e com certeza aquilo eram vozes e cascos. Colocando nossas diferenças de lado por um momento, obedeci, lentamente tirando sua mão do meu rosto. Ele hesitou por um segundo antes de me soltar.
Apontei mais para dentro da caverna, sabendo que aqueles bandidos conseguiriam nos ver se ficássemos tão perto da entrada, e ele assentiu. O príncipe fez uma plataforma de gelo, na qual subimos, e começou a nos descer no abismo, a minha descoberta pesando entre nós, suspensa pela tensão de sermos perseguidos. O espaço mal comportava nós dois, e sentamos tão perto que a lateral da sua perna estava pressionada contra a minha.
Lentamente, fiz crescerem as raízes mais próximas acima de nós pra parecer que a caverna acabava antes de onde estávamos escondidos, mas a escuridão tornou o processo bem mais lento do que eu gostaria. Era melhor que nada, assumindo que nossos inimigos não sabiam qual era o meu poder, e ficamos lá, no escuro, por um bom tempo, apenas ouvindo.
— Minhas razões estão longe do que você imagina. — Pisquei, baixando meus olhos para o príncipe. Ele não estava olhando para mim, mas sim para o “teto” que eu tinha feito; uma pequena chama, mais ou menos do tamanho de um mirtilo, brilhava sobre a palma da sua mão esquerda e criava apenas luz o bastante para que conseguíssemos nos ver. — Eu menti sim sobre minha identidade. E fiquei bravo de te ver colocada na minha guarda. Mas está errada sobre o motivo.
— Ah, é? Esclarece pra mim então. — Cruzei os braços, irritada de novo, e seus olhos finalmente encontraram meu rosto. Ele parecia exausto.
— Eu estava tentando te manter segura.
— Ah, por favor. — Virei os olhos. — Você deve ter uma desculpa melhor que essa.
— Me escuta. — Ele sibilou. — Você é minha alma gêmea e eu sou o príncipe herdeiro de um reino poderoso. Meu pai colecionou uma longa lista de inimigos que eu já herdei. Todas as pessoas por quem eu já tive o mínimo de carinho têm um alvo nas costas, e é difícil o suficiente mantê-los vivos nas condições atuais. O que você acha que isso significa pra você? — Suspirou, correndo a mão direita pelo cabelo.
— Então as pessoas vão querer me matar pra te atingir. É exatamente pra isso que a Guarda Real existe, sabia?
— Vocês não são invencíveis. Há ameaças muito piores que exércitos de outros reinos. Ameaças contra as quais a Guarda Real não tem chance.
— Bom, eu duvido que seria tão interessante me machucar se soubessem quão pouco você se impor- — parei de falar no meio da frase, ouvindo algo.
abriu a boca para responder, mas balancei a cabeça, fechando sua mão sobre a chama para extingui-la. Mantive os olhos erguidos, o coração acelerado.
— Tem certeza que eles não entraram aqui? — disse uma voz acima de nós. Não ouvimos uma resposta, mas ela deve ter vindo, porque a pessoa continuou: — Bom, porque uma caverna parece um bom esconderijo, sua anta.
— A caverna não vai muito longe. Um pouco funda, mas dá pra ver lá embaixo, é só um monte de pedras e raízes. — Houve um som de faíscas e logo senti o cheiro de folhas queimando bem em cima das nossas cabeças. — Viu? Não tem onde se esconder. Agora para de desperdiçar nosso tempo.
Assim que as vozes soaram distantes outra vez, movi as raízes com cuidado para apagar o fogo antes que ficássemos presos em um incêndio. Foi só naquele momento que percebi que ainda estava segurando a mão de , e soltei imediatamente.
— Eu me importo bem mais do que pensa — disse baixinho, acendendo sua palma novamente.
— Claro. — Bufei.
— Eu já me importava bem antes de nos conhecermos. Por isso passei a vida toda evitando tocar estranhos, e sempre me disfarçava. Eu sempre tentei evitar te encontrar, pra não roubar seu destino e te condenar.
— Você não ta fazendo sentido nenhum, Vossa Majestade. Se pudesse fazer a gentileza de me dar uma porra de uma explicação decente, seria bom.
— O que você sabe sobre a minha família? — Abri minha boca para responder, mas ele interrompeu antes mesmo que eu começasse. — O que você realmente sabe, incluindo o que aprendeu desde que entrou na guarda.
— Bom, o rei é um cuzão que ninguém vai sentir falta quando for pro inferno. Sua mãe não está morta como a maioria do povo acredita, mas, graças a ele, está fraca demais para realizar as funções de uma rainha. — Ele assentiu. — Vossa Rudeza Real é o príncipe herdeiro mesmo sendo o caçula, porque seu irmão e sua irmã não herdaram os poderes do seu pai. E você tinha um irmão mais velho que morreu há muitos anos e ninguém fala sobre, então imagino que deve ter algum drama aí.
— Só uma parte disso é verdade, mas vamos começar com as ameaças nela primeiro. Você é poderosa, mas é uma plebéia. Meu pai tem muita sede de poder, jamais aceitaria isso, e a Guarda Real não vai proteger alguém do rei. Na verdade, se soubesse, ele usaria a Guarda Real como seu grupo privado de assassinos.
— Ta, ok, essa parte não soa muito boa. — Admiti, meu estômago revirando com a ideia. — Mas isso deixa de ser um problema quando você for rei.
— O que ainda nos deixa com uma lista de pessoas que iriam te querer morta, ou pior. E me traz para a parte que você, e francamente a maioria dos meus súditos, não sabe: meu irmão.
— O Príncipe Natsuo dificilmente é uma ameaça.
— Irmão errado. — Minhas sobrancelhas se ergueram em surpresa.
— Seu irmão morto?
— Meu irmão muito vivo que enlouqueceu por causa do meu pai. Touya tinha poderes de fogo, ainda mais fortes que os do rei, e ele era o mais velho, então deveria ser rei algum dia. Mas, assim que meus poderes se manifestaram, Enji perdeu todo o interesse nele e me deu o título de príncipe herdeiro. Aí teve o ataque e todos achamos que ele tinha morrido.
— O Príncipe Touya tá vivo?!
— Ele se chama de Dabi agora. — balançou a cabeça.
— Dabi? — Eu conhecia aquele nome. Onde eu tinha ouvido…? — Não. Aquele… não pode ser ele!
— O próprio. Não sabíamos que era ele até eu atingir a maioridade e os ataques ficarem mais frequentes. Ele quer tanto Enji quanto eu mortos, mas não sem sofrer muito primeiro. E, como minha alma gêmea, você está no topo da lista de alvos dele. Um dos assassinos mais perigosos do mundo era o príncipe?! Como isso era possível?! Mas pelo menos explicava a preocupação dele. A história da última vez que a guarda tinha enfrentado Dabi era famosa, e meus colegas ainda pareciam assustados quando alguém contava. Eles quase não tinham sobrevivido, quase não tinha sobrevivido, ao mesmo tempo em que parecia que Dabi e seus aliados só estavam brincando com eles. Engoli em seco.
— Eu não queria te encontrar naquele dia. Eu só precisava… respirar um pouco sem o peso do mundo nas costas. Uraraka me deu o glamour pra eu poder fazer isso em segurança. Tudo o que eu te disse era verdade, — desviei o olhar, ainda magoada com as mentiras — mas também sabia que ser minha alma gêmea era uma sentença de morte. Eu ainda te queria por perto, então disse ao Midoriya onde te achar e pra te conseguir um trabalho no palácio. Um trabalho onde você estaria por perto, mas segura, não na porra da linha de frente de qualquer batalha, por isso a minha reação à sua posição na guarda.
— Então deixa eu ver se entendi: você se arrepende de ter me encontrado porque isso me coloca em perigo, e quando você tentou me colocar em um lugar seguro, eu só me coloquei diretamente na linha de fogo. — Ele assentiu, mas eu não tinha acabado. — E quando percebeu, em vez de consertar, você decidiu esconder a verdade de mim e me tratar feito lixo na esperança que eu não descobriria.
— Como eu poderia tirar você da guarda sem contar o verdadeiro motivo?
— Você é o príncipe. Podia ter arranjado uma desculpa, ou me posicionado em algum outro lugar, um lugar monótono. E nada disso explica por que você passou esse tempo todo me tratando como se me odiasse.
— Se você achasse que eu te odiava, se isso te fizesse me odiar, então… — ele engoliu em seco, seu olhar queimando quando encontrou o meu, a mesma intensidade não contida que mostrou quando nos conhecemos. Quando eu não sabia quem ele era. — Eu achei que tornaria mais fácil ficar longe de você.
Eu estava dividida. Uma parte de mim queria tanto acreditar nele. Acreditar que esse era o mesmo homem que tinha me adorado tantas luas atrás, com o mais gentil dos toques, o mais quente dos beijos, e que ele estava dizendo a verdade sobre ter feito tudo isso na esperança de me manter segura. Mas o resto de mim ainda estava magoada pelas mentiras e a parede de gelo que ele tinha construído entre nós, a forma péssima que ele tinha me tratado, tudo que ele tinha me feito passar.
— E como isso funcionou pra você?
— Terrivelmente. — Ele esticou uma mão hesitante em direção ao meu rosto. — , eu-
— Lorde ? Lady ? Estão aqui? — A voz de Midoriya soou da entrada da caverna, e inclinei minha cabeça para fora do alcance de .
Foi muito mais fácil encolher as raízes de volta ao seu tamanho original do que fazê-las crescer, e logo eu já tinha limpado o espaço acima de nós.
— Estamos aqui embaixo — respondi, a cabeça de Midoriya aparecendo lá em cima.
— Ah, ótimo! Vocês precisam de ajuda para subir de volta?
— …
— Não, já vamos sair. — Eu senti a mão do príncipe tocar a minha, a corrente elétrica me percorrendo. Me afastei de seu toque sem ao menos olhar em sua direção. — Se puder, eu gostaria de sair daqui agora.
Ele suspirou, criando um pilar de gelo e nos levando de volta ao nível do chão.
— Por favor, me deixa-
— Nós não temos nada pra conversar, Vossa Alteza.
Sem querer esperar uma resposta, passei por Midoriya na direção dos outros cavaleiros.
— Ta tudo bem? — Eu ainda podia sentir os olhos do príncipe em mim quando ouvi sua resposta murmurada para seu amigo e conselheiro:
— Não, mas é minha culpa.
— Que cara é essa, Espinho? — perguntou quando cheguei perto o bastante. Não pude evitar meus olhos de encontrarem o príncipe por um momento. Ele ainda me encarava, sussurrando algo que não consegui ouvir, mas fez Midoriya olhar dele para mim em choque. — O que o Babaca Real fez agora?
— Nada novo. — Meu irmão ainda encarava com raiva, mas balancei a cabeça, empurrando seu braço com meu ombro. — Deixa pra lá, Faísca. Ele não vale a pena.
— Tem certeza que você tá bem? — perguntou , preocupação genuína em sua voz.
— Podemos não falar disso? Vamos só chegar em casa, hoje foi um dia irritantemente longo.
Eles se entreolharam, mas não pressionaram. Eu só queria tomar um banho, deitar na minha cama e chorar até dormir.
***
— Cuidado aí! — Gritei, vendo o estranho tropeçar perto demais da margem do rio. Joguei o cipó mais próximo para se enrolar em seu pulso, impedindo que ele caísse na água e correndo para puxá-lo para longe, sabendo que a planta não era forte o bastante. — Esse bosque tá longe de ser fácil de navegar se você não conhece a região, o que você tá fazendo aqui fora sozinho a uma hora dessas? — Peguei a mão dele, mas, no segundo que nossas peles se tocaram, qualquer bronca que estivesse na minha mente foi esquecida.
O estranho virou para me encarar, olhos cinzentos tempestuosos meio escondidos embaixo de mechas castanho-escuras. Era difícil de respirar, todas essas novas emoções me atravessando a partir daquele toque tão inocente. Minha alma gêmea. Eu tinha encontrado ele.
— Me desculpe — murmurou, a voz profunda, e não pude deixar de sorrir.
— Oi. Eu sou a .
Sua careta se suavizou, a mão ainda segurando a minha mesmo que ele não precisasse mais de ajuda.
— Eu sou .
Filho da puta mentiroso. Sequei uma lágrima que escorreu com a lembrança.
— Lady , tem um minuto? — Midoriya estava esperando na frente da minha porta. Ao seu lado estava uma Uraraka muito incomodada, torcendo suas mãos e parecendo culpada. Na verdade, os dois pareciam culpados. Estreitei os olhos.
— Vocês estão aqui pra me dar mais desculpas em nome dele. — Eles assentiram mesmo que eu não estivesse perguntando. — Nesse caso, com todo o respeito, vão se fuder. Não quero ouvir.
— Por favor, só dá cinco minutos pra gente. Ele nem sabe que estamos aqui.
Foi só a consideração que eu tinha pelos dois que me fez abrir a porta e segurar para eles passarem.
— Nem um segundo a mais.
— Eu sinto muito mesmo. — Ela começou assim que a porta fechou. — Eu nunca pensei que o meu glamour causaria algo assim. É só que o nunca tem paz, a gente achou que ia conseguir um respiro pra ele.
— Eu não to brava com você por ter dado o feitiço pra ele. To brava com ele por não me dizer a verdade e… bom, todo o resto. — Sentei na minha cama, exausta. — Além disso, ele já é um homem adulto, não precisa que outras pessoas se desculpem pelos erros dele. — Eles se entreolharam. — O quê?
— É verdade que ele não sabe que estamos aqui, mas…
— Midoriya…
— Eu peguei sem ele saber. Ele tem feito isso sem parar desde que vocês se conheceram. Eu… eu provavelmente devia ter falado com você antes. — Ele baixou o olhar, envergonhado. — nunca me contou exatamente o que aconteceu, mas eu entendi quem você era na cerimônia de nomeação. Mas por favor, não o odeie. Ele só estava tentando te proteger.
O conselheiro real me ofereceu um caderno encapado em couro, mas eu não estava interessada.
— Você também sabia esse tempo todo? E nunca te ocorreu que eu tinha o direito de saber?! — Um cacto brotou diante dos pés de Midoriya e ele deu um passo para trás, mãos erguidas em rendição.
— Ocorreu. Por isso eu disse pro te contar, várias vezes. Mas ele estava muito preocupado com a sua segurança, e com razão. — Cruzei os braços e arqueei uma sobrancelha. — Lady , eu sou o melhor amigo dele e perdi a conta de quantas vezes já fui atacado. Tenho sorte de estar vivo, e isso é um lembrete constante. — Ele enrolou uma das mangas, expondo as muitas cicatrizes que cobriam seu braço. Quando minha postura murchou um pouco, ele cobriu a pele novamente e continuou: — Te manter no escuro foi uma das coisas mais difíceis que ele já fez.
— Ele não me disse que era você, mas eu devia ter percebido também. — Estreitei os olhos e Uraraka balançou uma mão, fazendo vários pontos do meu quarto se acenderem. — pediu todos eles pra mim. Feitiços de proteção, encantamentos pra afastar pesadelos, impedir que visitantes indesejados entrem em um cômodo, diminuir dor… — ela apontou para cada um, listando o que faziam. A maioria estava disfarçada como pedras nos vasos e eu nunca teria notado que estavam lá. — Ele vem cuidando de você em segredo desde que chegou aqui. Nunca me disse que eram pra você, mas… ele só tava te protegendo.
A bruxa hesitou por um momento antes de dar um passo na minha direção e girar um dedo apontando para o colar escondido sob a minha blusa. Ele se acendeu também, um símbolo que eu reconhecia aparecendo no pingente. Normalmente era dado por cavaleiros para suas almas gêmeas quando eles iam para o campo de batalha, para silenciar a conexão e impedir que as almas gêmeas sentissem caso eles fossem feridos ou mortos. Era unilateral, então ele ainda podia sentir a nossa conexão de formas que eu não conseguia. Eu nem tinha percebido que estava ali. Desde quando aquilo estava ali?
— Como…?
— Ele colocou antes de ir embora quando vocês se conheceram. Eu juro que não sabia. O Deku me contou hoje quando vocês chegaram. — Engoli o nó na minha garganta. Isso explicava porque eu nunca tinha conseguido entrar em contato.
— Saiam.
— Lady …
— Fora. Agora! — Gritei, lágrimas ameaçando caírem. — E leva a porcaria dos seus feitiços com você!
Uraraka juntou as pontas dos seus dedos, murmurando “liberar”, e Midoriya deixou o caderno na minha mesa, fechando a porta quando eles saíram.
Eu agora podia sentir o arrependimento e anseio de vazando pela ligação, e por um momento desejei ter mantido aquele feitiço. Era quase uma dor física, como ser esfaqueada repetidas vezes. Acho que de certa forma ele tinha me esfaqueado pelas costas. Deitei na minha cama e finalmente permiti que minhas lágrimas corressem livremente. Não seria capaz de dizer quanto tempo fiquei ali até ouvir uma voz familiar:
— Ou, Espinho, por que o príncipe nos pediria pra vir-? — Sentei para encontrar e parados na minha porta e parecendo muito preocupados.
— O que houve, ? — se sentou ao meu lado na cama, franzindo o cenho.
— É isso, vou matar aquele idiota meio a meio.
— Não! — Soltei em uma voz esganiçada de pânico. Ele me devolveu um olhar confuso. — Isso só ia piorar tudo, ele é… ele… merda. — Solucei, enterrando o rosto nas mãos, e pousou uma mão no meu ombro, sem saber como ajudar. — Fecha a porra da porta. — Quando senti outro peso no colchão, desatei a falar: — Ele é um grande babaca, e eu odeio ele agora, mas eu prefiro não sentir minha alma gêmea morrer. Já to me sentindo mal o bastante. Houve vários momentos em que o único som no quarto era o meu choro enquanto eles processavam a informação.
— O príncipe? , tem certeza? Achei que tivesse dito que já conheceu…
— Um glamour. Feitiço da Uraraka. Ele sabia o tempo todo e nunca disse nada, eu só descobri porque nos tocamos acidentalmente mais cedo. — Soltei um riso sarcástico no meio das lágrimas. — Disse que fez isso tudo pra me proteger. Deuses, eu devia ter percebido.
— Eu ainda posso descer a porrada nele sem intenção de matar.
— Cara, você seria chutado da guarda se fizesse isso.
— Por favor, não.
— Quer explicar o que houve ou só chorar?
Deitei no ombro de e expliquei tudo. Tudo o que eu achava que sabia, tudo que eu descobri não ser verdade, tudo que o príncipe, Midoriya e Uraraka me contaram. Eles não fizeram perguntas, mas saiu em dado momento e voltou com um ensopado e doces, me deixando chorar tudo o que precisava sem julgamentos.
***
Eu não sabia quanto tempo eles ficaram, só que acordei na manhã seguinte com café da manhã na minha mesa de cabeceira e um bilhete com as caligrafias dos dois.
Espero que esteja se sentindo melhor. Conseguimos a manhã de folga pra você, se alguém perguntar, você teve febre ontem de noite. A Uraraka vai confirmar isso. Demore o quanto precisar, tá? -
Acho bom você comer esses pães. E eu vou socar a cara estúpida dele por te fazer chorar. Tenho um passe de irmão mais velho.
Mas talvez você devesse ler o negócio que o Deku trouxe. Nós demos uma olhada enquanto você dormia e… vale a leitura. – Faísca
Coloquei o bilhete de lado, lavando o rosto e tomando água primeiro. Então, respirando fundo, levei o caderno para a minha cama para olhar enquanto eu comia. Ainda podia sentir a ligação no fundo da minha mente, a culpa e o arrependimento pesando.
— Vamos ver o que tem aqui — murmurei pra mim mesma antes de abrir na primeira página. Lá, na caligrafia elegante do príncipe, estava uma carta datada do dia seguinte de quando ele me deixou.
Me perdoe. Você não faz ideia do quanto me dói fazer isso, mas é necessário. Você nunca vai ler isso, minha bela rosa, mas eu sinto que preciso explicar de alguma forma.
Eu peguei seu colar enquanto você dormia. Tive que enviá-lo para a bruxa da corte para te bloquear de me sentir pela nossa ligação. Num mundo perfeito, eu não teria que fazer isso. Mas prefiro saber que você está de coração partido e viva do que ter que viver com o fato de você ter sido morta por minha causa.
Eu nunca fui tão feliz quanto nesses dias que eu vivi como ao seu lado, e não há nada que eu deseje mais do que poder ser apenas isso, ficar e me apaixonar por você, construir a vida que eu sei que você sonha em ter.
Ainda irei cuidar de você, mesmo que nunca saiba. Sua segurança é mais importante. Talvez um dia…
Seu,
Virei os olhos. Por que me diria pra ler mais desculpas do ? Mas continuei lendo, porque tinha que ter um bom motivo. Parecia um diário, com entradas frequentes sobre coisas que o lembravam de mim e ele queria poder me contar. Me deu uma perspectiva muito melhor sobre o quão filho da puta o rei era, com várias histórias sobre a infância do , sua mãe e até a maneira terrível como o Rei Enji ainda o tratava. Havia uma carta sobre quando ele pediu para o Midoriya me arranjar um trabalho aqui, como ele ansiava e temia esse momento.
Eu fiz isso pra saber que você estará segura. E para te permitir ficar mais perto do seu irmão.
Ele pode ser mal-educado, mas sei que sente falta dele. E, para ser honesto, eu gosto de tê-lo por perto. Ele é tão inteligente quanto você, e uma das poucas pessoas que não tem medo de ser direto comigo, mesmo quando estou errado. Principalmente quando estou errado. É revigorante, e o impede que ele ultrapasse limites demais. Não consigo deixar de lembrar de você falando que ele é o autocontrole do . Eu também estaria mentindo se dissesse que não gosto secretamente de ouvir ele falando mal do rei.
Mas tenho medo da minha reação à sua proximidade. Será que vou conseguir ficar longe? Te conheço o bastante para saber que vai tentar fazer amizade comigo, e isso te colocaria em perigo mesmo que eu conseguisse te manter no escuro. Também sei que não vou resistir te ter por perto se você tentar.
Será que eu te condenei de qualquer forma?
Não contive uma risada chorosa. Ele estava certo, claro. Meu primeiro instinto tinha sido tentar fazer amizade com o príncipe aparentemente solitário, porque eu sabia que sua vida não devia ter sido fácil. Claro que abandonei a ideia quando ele ficou puto de me ver. O que era na verdade o tema da próxima carta:
Eu sei que de alguma forma é minha culpa. Nunca expliquei os detalhes pro Midoriya, ele não tinha como adivinhar por que eu queria você no palácio. Ele descobriu quando eu te vi, é claro.
Acho que causei uma péssima impressão. Você provavelmente está achando que eu te odeio. Consigo sentir o quão irritada você está, e tem todo o direito de se sentir assim. O que só piora tudo, porque eu acho que esse é o melhor jeito de te manter a salvo. Se você me odiar, vai ficar longe. Se me odiar e o mundo souber disso — o que não é difícil, considerando quão expressiva você é —, acho que tem menos chance de se tornar um alvo. Por que Touya ou meu pai tentariam machucar uma mulher que claramente me detesta?
Não consigo pensar em nada mais difícil. O que eu mais quero fazer é ir até você, te abraçar e implorar o seu perdão. Só quero sentir você feliz novamente. Por que o destino seria tão cruel com uma mulher tão incrível?
Ele escreveu sobre cada uma das vezes que sequer olhou torto pra mim. Pediu desculpas por cada uma delas. Tinha coisas lá que eu nem tinha notado e outras das quais tinha me esquecido. Ele escreveu sobre os meus pesadelos, sobre quando eu me machuquei no treinamento, sobre sentir a minha falta nos meses que eu fui pra casa, sobre meu sorriso. Tantas linhas sobre o meu sorriso. Ele prestou tanta atenção em mim todo esse tempo, fazendo coisas pequenas pra tentar me deixar mais feliz sem eu perceber. requisitou os ingredientes para fazer as comidas de casa das quais eu sentia falta, me conseguiu um quarto com janela e o mais perto possível do jardim, fez Midoriya reorganizar as escalas dos guardas pra que eu não tivesse os primeiros turnos da manhã. Mandou trazer lírios d’água e dama-da-noite pro jardim. Eu consegui notar, antes mesmo de ver as palavras escritas, como seus sentimentos por mim cresceram com o tempo. E como isso deixou a situação muito mais dolorosa.
Cartas não eram a única coisa no caderno. Havia desenhos, primeiro de diferentes flores, depois de mim. Parecendo durona enquanto eu dava uma surra nos outros cavaleiros, sorrindo suavemente na minha cama em casa, rindo com o . E havia os poemas. Deuses, os poemas. Eles eram tão lindos. Alguns eram sobre quando nos conhecemos, e esses me fizeram corar — e morrer de vergonha quando lembrei que e provavelmente os tinham lido. Alguns eram sobre um mundo perfeito onde ele não era um príncipe. Alguns eram sobre a preocupação dele e minha dor quando eu estava longe. Vários eram sobre mim, mas me pintavam com uma luz quase divina, como se eu fosse a melhor coisa a andar pela Terra. Tanto que era difícil de acreditar que eram sobre mim. E não era como se ele tivesse escrito só sobre as minhas qualidades. Ele fazia mesmo os meus piores defeitos soarem incríveis, e ele realmente os via. Ele tinha notado coisas sobre mim que pessoas que me conheciam a vida toda não tinham.
se apaixonou por mim enquanto tentava ao máximo me fazer odiá-lo, secretamente me protegendo da melhor forma que podia. Sua preocupação era clara nas cartas, e as datas me diziam mais do que Midoriya provavelmente achou que fariam. No fim, parecia que o feitiço de Uraraka não era tão forte quanto deveria, porque eu conseguia traçar cada um dos pesadelos do sobre o que poderia me acontecer se fôssemos descobertos para os dias que eu tinha acordado assustada, triste e mau humorada sem razão aparente. Eu tinha sentido as emoções mais fortes dele o tempo todo, só não tinha percebido que estavam vindo da nossa ligação.
Suspirei, mordendo o lábio. Precisávamos conversar. Eu ainda estava brava, mas… ele merecia uma chance pelo menos. Ele era minha alma gêmea afinal. Me perguntei se tinha algum jeito de fazê-lo vir aqui sem ter que sair, mas logo abandonei a ideia. Eu ainda tinha que descobrir como falar com ele em particular, mas primeiro precisava sair do quarto.
***
— Ei, Vossa Majestade! — Ouvi gritar quando cheguei à porta do salão de jantar.
Foi apenas tempo o suficiente para eu ver meu irmão se aproximando de um príncipe muito confuso e dando um único soco direto no seu nariz. O silêncio que caiu em seguida era tão denso que dava pra cortar com uma faca. estava segurando o nariz com uma mão, mas parecia resignado, não bravo. Doeu, mas eu tinha quase certeza que nenhum osso tinha quebrado.
— Vossa Majestade! Perdeu a cabeça, ? — Iida gritou pulando entre eles, mas segurou seu braço.
— Ta tudo bem, Iida — disse em voz baixa. Seus olhos encontraram os do meu irmão. — Eu mereci isso.
— Mas… mas… Vossa Majestade, ele-
— Ele ta certo. Não há necessidade de levar isso adiante.
— Conserta isso, Meio a Meio. Você fez uma bagunça do caralho.
— … eu sei.
— Não, não sabe.
Com isso, pareceu satisfeito, então apenas saiu andando. Dei alguns passos para trás pra me esconder atrás da parede. Mas é claro que ele tinha que ir e agravar a porra da situação. Não podia só deixar quieto. Mas pelo menos isso me deu um jeito de falar com o príncipe. Com o novo plano em mente, me encaminhei para a enfermaria.
Não havia ninguém lá quando eu cheguei, então apenas sentei no sofá e esperei, o caderno de pesado nas minhas mãos. A porta abriu alguns instantes depois, mas Uraraka estacou quando me viu, o príncipe atrás dela.
— Hm, Lady , o que… — ela limpou a garganta — o que está fazendo aqui?
— Eu posso- — começou a dizer, seus olhos incapazes de encontrar os meus, mas interrompi.
— Você fica. Precisamos conversar. Uraraka, eu conserto o que o meu irmão fez no nariz dele, então se puder nos dar alguns minutos, por favor. — Ela hesitou por um segundo antes de assentir e fechar a porta, nos deixando sozinhos.
— , eu…
— Vai me ouvir, porque eu ainda estou puta com você, Vossa Alteza. Então senta. — Ele assentiu e obedeceu. Joguei o caderno no seu colo e ele ergueu olhos arregalados pra mim.
— Onde conseguiu isso?
— Cortesia de um certo conselheiro real. Eu ia só, sei lá, botar fogo ou algo assim, mas meu adorável irmão e a alma gêmea dele deram uma olhada e me convenceram que valia a pena ler.
— e também leram? — pareceu horrorizado, suas mãos agarrando o couro de forma protetora.
— Deveria ficar feliz que eles leram, ou eu só teria destruído o caderno. Olha pra cima. — Engoli em seco quando nossos olhos se encontraram. Foco, . Segurei seu rosto com uma mão, não deixando de notar a forma como ele se derreteu com o toque, e comecei a aplicar com cuidado a pomada para hematomas no seu nariz. — Provavelmente também é o motivo do só ter te dado um soco. Eu tive que convencê-lo a não te matar noite passada.
— Eu sei que deve soar como palavras vazias, mas eu realmente sinto muito por tudo que te fiz passar. Eu só não conseguia ver outro jeito.
— Eu sei — respondi suavemente e surpresa tomou os olhos bicolores. — Isso não quer dizer que você está perdoado. Mas acho que… acho que entendo agora por que você fez tudo isso.
Ficamos em silêncio pelos próximos instantes enquanto eu acabava de cuidar do seu machucado. Aquilo fez meu coração doer com o que poderia ter sido. Naquele pequeno silêncio, éramos só nós. Quando terminei, sentei na cadeira da Uraraka em frente a ele.
— Então como… — engoliu em seco. — Como isso nos deixa?
— Não entenda errado, eu ainda to puta. Mas o problema todo começou com você decidindo não falar comigo, então eu to tentando não repetir esse padrão. Somos almas gêmeas, afinal. — Suspirei, sentindo a esperança dele como uma centelha tímida. — Você não tinha o direito de tomar essas decisões sem mim, . Tinha que ter me contado a verdade, me contado sobre os perigos, e aí a gente pensaria em alguma coisa juntos. E você com certeza não tinha o direito de me bloquear sem meu consentimento. Caralho, eu achei que você tinha morrido!
— É idiota, mas eu achei que tornaria as coisas mais fáceis pra você. — Ele correu uma mão pelo cabelo. — Se não pudesse me sentir, podia seguir em frente com a sua vida. Poderia encontrar felicidade e segurança em outro lugar. — Até parece.
— Essa é exatamente a mesma lógica por trás de me tratar mal pra me fazer te odiar. E acho que já te falei o que eu acho dela.
— É, você deixou bem claro. — Ele soltou uma pequena risada. — Eu consigo ver agora que a maioria das minhas atitudes foi idiota. Eu já sei há algum tempo. Mas não conseguia pensar em mais nada. Eu só não conseguia suportar a ideia de você se machucar pela simples razão de ter seu destino ligado ao meu. Eu estava desesperado, e o único jeito que eu sabia de manter esses perigos longe de você era te manter fora do meu mundo. Longe de mim. — Pisquei rápido pra impedir as lágrimas de caírem. — E aí era tarde demais pra voltar atrás.
— É, bom, olha pra onde isso nos trouxe. — Respirei fundo, balançando a cabeça antes de encontrar seus olhos outra vez. — Eu entendo que é impossível de perigoso. Eu entendo. Mas não saber nunca ajudou. Então tem mais alguma coisa? Porque daqui pra frente, a gente vai mudar essa dinâmica, e, pelo nosso bem, eu preciso saber exatamente onde estou pisando.
— Não acho que tenha muito além do que você já leu aqui. — apontou pro caderno. — Se Midoriya falou com você, tenho certeza que ele te deu provas concretas do porquê eu entrei em pânico. — Assenti, as cicatrizes horríveis nos braços dele atravessando a minha mente. — As pessoas não podem saber quem o Dabi realmente é. Ou como o rei é de verdade por trás de portas fechadas. Ainda não, pelo menos. — Assenti outra vez, concordando. Isso só causaria pânico generalizado, e nós com certeza não precisávamos lidar com aquilo no momento. — Eu realmente queria que as coisas fossem diferentes e eu pudesse mostrar pro mundo quão abençoado eu sou de ser sua alma gêmea, mas não posso. Enji vai te matar se souber disso, e é mais fácil te esconder do meu irmão que do meu pai. Ele quer usar meu casamento pra expandir o reino ainda mais.
— Sabe, eu achava que odiava ele antes, mas puta merda, como o sentimento aumentou nos últimos dias. — Ele me deu um sorriso triste. — Desculpa, aliás. Por te comparar com ele ontem.
— Tudo bem. Você não tinha como saber. — Ele parou por um momento, então esticou a mão para acariciar minha bochecha. Eu deixei. — Não conserta nada, mas eu preciso que você saiba que nunca foi só sexo pra mim. Eu achei que te deixar naquela manhã ia me matar.
— , — tomei sua mão na minha — isso não nos leva magicamente de volta para aquele momento. Você vem construindo esse sentimento, mas pra mim isso é tudo novidade. E eu posso entender agora, posso saber o que aconteceu e por quê, mas ainda estou machucada. Tem muito que eu preciso processar antes de poder começar a confiar em você.
Ele assentiu, levando minha mão aos seus lábios e deixando um beijo suave.
— O fato de você estar disposta a me ouvir já é mais do que eu tinha esperanças de conseguir.
Respirei fundo, meu coração dividido entre desesperadamente querer estar em seus braços e nunca mais querer ver sua cara, pra que doesse menos. E nunca podia ser uma palavra muito forte, mas no momento um pouco de distância soava como a melhor opção. Me aproximei e pressionei meus lábios contra os dele por apenas um instante antes de me afastar outra vez.
— Isso não muda as coisas — sussurrei, sentindo ruir a esperança que tinha começado a crescer nele. Sem dizer mais nada, virei as costas e deixei a sala. Ao acordar na manhã seguinte, encontrei um envelope que tinha sido passado por debaixo da minha porta. Tinha um pedaço de papel dobrado preso nele, e eu abri pra encontrar um bilhete do .
As decisões são suas daqui pra frente. Seu ritmo, seu espaço. Se precisar de mais distância, posso pedir ao Midoriya que você seja colocada na guarda da minha mãe, por quanto tempo desejar.
E eu achei que deveria ficar com isso. Eu os fiz pra você, afinal.
Seu,
Dentro, encontrei alguns dos poemas e desenhos do seu caderno. Meus olhos encheram de água no mesmo instante.
Fomos todos chamados à sala do trono, onde o rei, a princesa e o príncipe estavam aguardando. Nenhum deles parecia muito animado de estar ali, pra ser honesta. Fomos chamados um por um para nos ajoelhar perante o Rei Enji, que então nos nomeava cavaleiros. De perto, o homem não parecia nem um pouco menos intimidador do que as histórias o faziam soar, ou mais amigável do que e tinham dito que ele era. A princesa era tão bonita quanto eu havia ouvido, e o príncipe parecia tão distante quanto Faísca tinha feito ele soar.
— .
Dei um passo à frente, surpresa de encontrar Príncipe me olhando. Ele não tinha olhado pra nenhum dos outros cavaleiros, não de maneira tão… intensa, pelo menos. Sua expressão que antes era vazia se contorceu no que quase pareceu descrença antes do que com certeza era raiva tomar as belas feições. Mas que porra? Por que ele estaria bravo? Além de mim, ninguém pareceu notar a mudança, e voltei à minha posição na ponta da fila.
Então, a princesa veio para frente, entregando a cada um de nós um pequeno broche com o brasão da família , a fênix que simbolizava seus poderes de fogo com as asas abertas sobre a coroa. Em seguida, o príncipe entregou uma espada a cada cavaleiro, representando que lutaríamos ao seu lado para defender o reino. Todos assistimos em choque ele dar as costas e ir embora quando chegou a minha vez, deixando minha espada com a irmã.
Raiva encheu as minhas veias. Então era pessoal. Eu nunca tinha nem trocado uma palavra com o cara e ele já me odiava.
— Lady — chamou a princesa, me estendendo a espada. Ela parecia ter entendido tanto quanto eu o motivo daquele chiliquinho. Bufei, mas peguei a arma mesmo assim.
Se o Babaca Real queria distância de mim, eu com certeza não tinha problemas em lhe dar isso.
Meses depois…
Eu estava tão irritada de estar sozinha com o príncipe que não estava prestando tanta atenção quanto deveria. Estávamos voltando para o palácio, o rei tinha enviado o príncipe , o conselheiro dele e cinco cavaleiros — incluindo eu — numa curta viagem a um vilarejo na fronteira mais próxima do palácio, por conta de alguns conflitos que tinham acontecido lá recentemente. Preocupante, considerando que ficava a menos de um dia de viagem. Nosso reino vizinho não era a fonte dos ataques no fim das contas, mas sim um conhecido grupo de assassinos e criminosos que se opunham abertamente à família real. Nenhum de seus membros famosos tinha dado as caras por lá, mas indivíduos menos poderosos estavam incomodando os moradores. Ficamos lá por alguns dias para tranquilizá-los, mas não vimos nada durante a nossa estadia. Mais simples impossível. E aí obviamente na metade do caminho de volta pro palácio, nós encontraríamos uma armadilha. Se o príncipe e eu não tivéssemos sido rápidos o bastante — eu estendendo os galhos próximos e ele criando uma parede de gelo para tirar os outros do caminho —, nós todos muito provavelmente teríamos sido capturados. Livramos todo mundo, o único problema é que agora os criminosos sabiam onde nós estávamos e quem éramos, e Sua Rudeza Real e eu tínhamos nos separado do resto do grupo.
— Deveríamos estar indo para lá.
— Lá é onde eles estarão esperando. Nós não acabamos de escapar de uma armadilha pra entrar de cabeça em outra. — Retruquei irritada, virando os olhos. Desde que tinha me tornado uma cavaleira, minha relação com o príncipe só tinha conseguido piorar.
— Não há trilhas nessa direção.
Eu sabia que falar daquele jeito podia me ganhar uma decapitação. Já teria ganhado, se fosse o rei. Mas Príncipe era muito tolerante com o jeito nem tão educado que e eu falávamos com ele. Eu não entendia por que ele aguentava, quando claramente me odiava, mas também não ia questionar, apenas aproveitando pra falar como bem entendesse.
— Exatamente por isso que estamos vindo pra cá. Agora, Vossa Majestade, se puder me fazer o favor de calar a porra da boca.
Me virei para olhá-lo ao dizer a última parte. Grande erro. Eu tinha visto a caverna quando nos aproximamos, mas calculei errado quão perto ela estava e não notei o buraco no chão logo à minha frente. Senti meu corpo caindo, o fundo da caverna distante demais pra eu conseguir vê-lo, e me preparei para a dor da queda, mas ela nunca veio.
— !
Em vez disso, mãos fortes seguraram meus braços e me puxaram pra trás, o contato pele com pele enviando eletricidade pelas minhas veias de uma forma que eu não sentia há muitas luas. Uma forma que eu achei que nunca sentiria de novo. Arfei. Aquilo não podia estar certo. Não tinha como o príncipe frio e distante ser minha alma gêmea. Mas, quando meus olhos encontraram os díspares dele, não encontrei nenhuma surpresa ali. Na verdade, seu olhar estava quase pedindo desculpas.
— O que- o que está havendo?
— Sinto muito por isso.
— Você não é minha alma gêmea, não pode ser! Eu já conheci ele, e ele não era…
— O príncipe olhou para baixo, escondendo os olhos de mim, e meu coração afundou ao perceber o quanto ele tinha me usado. Tirei suas mãos de mim. — Era você, não era? Você sabia quem eu era! O tempo todo você sabia! Meus deuses, eu não acredito que fui tão burra!
— Por favor, fala baixo. — Ignorei.
— Você me encontrou, teve o que queria e foi embora. Eu achei que tinha acontecido alguma coisa! — Empurrei seu peito, raiva e dor fechando a minha garganta enquanto eu tentava não derramar nenhuma lágrima. — Eu esperei você, eu me preocupei, mas você nunca ia me contar, né? Não, por que iria? Eu sou uma ninguém que te deu o que você queria sem pensar duas vezes. É por isso que ficou tão bravo quando eu fui nomeada cavaleira? Porque não me queria por perto, pra poder manter seu segredinho sujo? Precisa ser alguém muito doente e sem coração pra se esconder atrás de um glamour com a própria alma gêmea, mas eu não devia esperar menos de você. É igualzinho ao seu pai. — Cuspi. Aquilo pareceu tirar uma reação dele, a expressão normalmente impassível se contorcendo em algo que quase parecia arrependimento. Quase. Mas, em vez de responder, Príncipe puxou meu corpo contra o seu, uma mão cobrindo a minha boca, e me arrastou pra dentro da caverna. Me debati.
— Para! — sussurrou contra meu ouvido, fazendo um arrepio descer pela minha espinha, a proximidade trazendo de volta as lembranças. — Pode gritar comigo e me acusar do que quiser quando nossas vidas não estiverem em perigo. Pensa, !
Ele estava sendo específico demais pro meu gosto, então engoli meus sentimentos e ouvi, e com certeza aquilo eram vozes e cascos. Colocando nossas diferenças de lado por um momento, obedeci, lentamente tirando sua mão do meu rosto. Ele hesitou por um segundo antes de me soltar.
Apontei mais para dentro da caverna, sabendo que aqueles bandidos conseguiriam nos ver se ficássemos tão perto da entrada, e ele assentiu. O príncipe fez uma plataforma de gelo, na qual subimos, e começou a nos descer no abismo, a minha descoberta pesando entre nós, suspensa pela tensão de sermos perseguidos. O espaço mal comportava nós dois, e sentamos tão perto que a lateral da sua perna estava pressionada contra a minha.
Lentamente, fiz crescerem as raízes mais próximas acima de nós pra parecer que a caverna acabava antes de onde estávamos escondidos, mas a escuridão tornou o processo bem mais lento do que eu gostaria. Era melhor que nada, assumindo que nossos inimigos não sabiam qual era o meu poder, e ficamos lá, no escuro, por um bom tempo, apenas ouvindo.
— Minhas razões estão longe do que você imagina. — Pisquei, baixando meus olhos para o príncipe. Ele não estava olhando para mim, mas sim para o “teto” que eu tinha feito; uma pequena chama, mais ou menos do tamanho de um mirtilo, brilhava sobre a palma da sua mão esquerda e criava apenas luz o bastante para que conseguíssemos nos ver. — Eu menti sim sobre minha identidade. E fiquei bravo de te ver colocada na minha guarda. Mas está errada sobre o motivo.
— Ah, é? Esclarece pra mim então. — Cruzei os braços, irritada de novo, e seus olhos finalmente encontraram meu rosto. Ele parecia exausto.
— Eu estava tentando te manter segura.
— Ah, por favor. — Virei os olhos. — Você deve ter uma desculpa melhor que essa.
— Me escuta. — Ele sibilou. — Você é minha alma gêmea e eu sou o príncipe herdeiro de um reino poderoso. Meu pai colecionou uma longa lista de inimigos que eu já herdei. Todas as pessoas por quem eu já tive o mínimo de carinho têm um alvo nas costas, e é difícil o suficiente mantê-los vivos nas condições atuais. O que você acha que isso significa pra você? — Suspirou, correndo a mão direita pelo cabelo.
— Então as pessoas vão querer me matar pra te atingir. É exatamente pra isso que a Guarda Real existe, sabia?
— Vocês não são invencíveis. Há ameaças muito piores que exércitos de outros reinos. Ameaças contra as quais a Guarda Real não tem chance.
— Bom, eu duvido que seria tão interessante me machucar se soubessem quão pouco você se impor- — parei de falar no meio da frase, ouvindo algo.
abriu a boca para responder, mas balancei a cabeça, fechando sua mão sobre a chama para extingui-la. Mantive os olhos erguidos, o coração acelerado.
— Tem certeza que eles não entraram aqui? — disse uma voz acima de nós. Não ouvimos uma resposta, mas ela deve ter vindo, porque a pessoa continuou: — Bom, porque uma caverna parece um bom esconderijo, sua anta.
— A caverna não vai muito longe. Um pouco funda, mas dá pra ver lá embaixo, é só um monte de pedras e raízes. — Houve um som de faíscas e logo senti o cheiro de folhas queimando bem em cima das nossas cabeças. — Viu? Não tem onde se esconder. Agora para de desperdiçar nosso tempo.
Assim que as vozes soaram distantes outra vez, movi as raízes com cuidado para apagar o fogo antes que ficássemos presos em um incêndio. Foi só naquele momento que percebi que ainda estava segurando a mão de , e soltei imediatamente.
— Eu me importo bem mais do que pensa — disse baixinho, acendendo sua palma novamente.
— Claro. — Bufei.
— Eu já me importava bem antes de nos conhecermos. Por isso passei a vida toda evitando tocar estranhos, e sempre me disfarçava. Eu sempre tentei evitar te encontrar, pra não roubar seu destino e te condenar.
— Você não ta fazendo sentido nenhum, Vossa Majestade. Se pudesse fazer a gentileza de me dar uma porra de uma explicação decente, seria bom.
— O que você sabe sobre a minha família? — Abri minha boca para responder, mas ele interrompeu antes mesmo que eu começasse. — O que você realmente sabe, incluindo o que aprendeu desde que entrou na guarda.
— Bom, o rei é um cuzão que ninguém vai sentir falta quando for pro inferno. Sua mãe não está morta como a maioria do povo acredita, mas, graças a ele, está fraca demais para realizar as funções de uma rainha. — Ele assentiu. — Vossa Rudeza Real é o príncipe herdeiro mesmo sendo o caçula, porque seu irmão e sua irmã não herdaram os poderes do seu pai. E você tinha um irmão mais velho que morreu há muitos anos e ninguém fala sobre, então imagino que deve ter algum drama aí.
— Só uma parte disso é verdade, mas vamos começar com as ameaças nela primeiro. Você é poderosa, mas é uma plebéia. Meu pai tem muita sede de poder, jamais aceitaria isso, e a Guarda Real não vai proteger alguém do rei. Na verdade, se soubesse, ele usaria a Guarda Real como seu grupo privado de assassinos.
— Ta, ok, essa parte não soa muito boa. — Admiti, meu estômago revirando com a ideia. — Mas isso deixa de ser um problema quando você for rei.
— O que ainda nos deixa com uma lista de pessoas que iriam te querer morta, ou pior. E me traz para a parte que você, e francamente a maioria dos meus súditos, não sabe: meu irmão.
— O Príncipe Natsuo dificilmente é uma ameaça.
— Irmão errado. — Minhas sobrancelhas se ergueram em surpresa.
— Seu irmão morto?
— Meu irmão muito vivo que enlouqueceu por causa do meu pai. Touya tinha poderes de fogo, ainda mais fortes que os do rei, e ele era o mais velho, então deveria ser rei algum dia. Mas, assim que meus poderes se manifestaram, Enji perdeu todo o interesse nele e me deu o título de príncipe herdeiro. Aí teve o ataque e todos achamos que ele tinha morrido.
— O Príncipe Touya tá vivo?!
— Ele se chama de Dabi agora. — balançou a cabeça.
— Dabi? — Eu conhecia aquele nome. Onde eu tinha ouvido…? — Não. Aquele… não pode ser ele!
— O próprio. Não sabíamos que era ele até eu atingir a maioridade e os ataques ficarem mais frequentes. Ele quer tanto Enji quanto eu mortos, mas não sem sofrer muito primeiro. E, como minha alma gêmea, você está no topo da lista de alvos dele. Um dos assassinos mais perigosos do mundo era o príncipe?! Como isso era possível?! Mas pelo menos explicava a preocupação dele. A história da última vez que a guarda tinha enfrentado Dabi era famosa, e meus colegas ainda pareciam assustados quando alguém contava. Eles quase não tinham sobrevivido, quase não tinha sobrevivido, ao mesmo tempo em que parecia que Dabi e seus aliados só estavam brincando com eles. Engoli em seco.
— Eu não queria te encontrar naquele dia. Eu só precisava… respirar um pouco sem o peso do mundo nas costas. Uraraka me deu o glamour pra eu poder fazer isso em segurança. Tudo o que eu te disse era verdade, — desviei o olhar, ainda magoada com as mentiras — mas também sabia que ser minha alma gêmea era uma sentença de morte. Eu ainda te queria por perto, então disse ao Midoriya onde te achar e pra te conseguir um trabalho no palácio. Um trabalho onde você estaria por perto, mas segura, não na porra da linha de frente de qualquer batalha, por isso a minha reação à sua posição na guarda.
— Então deixa eu ver se entendi: você se arrepende de ter me encontrado porque isso me coloca em perigo, e quando você tentou me colocar em um lugar seguro, eu só me coloquei diretamente na linha de fogo. — Ele assentiu, mas eu não tinha acabado. — E quando percebeu, em vez de consertar, você decidiu esconder a verdade de mim e me tratar feito lixo na esperança que eu não descobriria.
— Como eu poderia tirar você da guarda sem contar o verdadeiro motivo?
— Você é o príncipe. Podia ter arranjado uma desculpa, ou me posicionado em algum outro lugar, um lugar monótono. E nada disso explica por que você passou esse tempo todo me tratando como se me odiasse.
— Se você achasse que eu te odiava, se isso te fizesse me odiar, então… — ele engoliu em seco, seu olhar queimando quando encontrou o meu, a mesma intensidade não contida que mostrou quando nos conhecemos. Quando eu não sabia quem ele era. — Eu achei que tornaria mais fácil ficar longe de você.
Eu estava dividida. Uma parte de mim queria tanto acreditar nele. Acreditar que esse era o mesmo homem que tinha me adorado tantas luas atrás, com o mais gentil dos toques, o mais quente dos beijos, e que ele estava dizendo a verdade sobre ter feito tudo isso na esperança de me manter segura. Mas o resto de mim ainda estava magoada pelas mentiras e a parede de gelo que ele tinha construído entre nós, a forma péssima que ele tinha me tratado, tudo que ele tinha me feito passar.
— E como isso funcionou pra você?
— Terrivelmente. — Ele esticou uma mão hesitante em direção ao meu rosto. — , eu-
— Lorde ? Lady ? Estão aqui? — A voz de Midoriya soou da entrada da caverna, e inclinei minha cabeça para fora do alcance de .
Foi muito mais fácil encolher as raízes de volta ao seu tamanho original do que fazê-las crescer, e logo eu já tinha limpado o espaço acima de nós.
— Estamos aqui embaixo — respondi, a cabeça de Midoriya aparecendo lá em cima.
— Ah, ótimo! Vocês precisam de ajuda para subir de volta?
— …
— Não, já vamos sair. — Eu senti a mão do príncipe tocar a minha, a corrente elétrica me percorrendo. Me afastei de seu toque sem ao menos olhar em sua direção. — Se puder, eu gostaria de sair daqui agora.
Ele suspirou, criando um pilar de gelo e nos levando de volta ao nível do chão.
— Por favor, me deixa-
— Nós não temos nada pra conversar, Vossa Alteza.
Sem querer esperar uma resposta, passei por Midoriya na direção dos outros cavaleiros.
— Ta tudo bem? — Eu ainda podia sentir os olhos do príncipe em mim quando ouvi sua resposta murmurada para seu amigo e conselheiro:
— Não, mas é minha culpa.
— Que cara é essa, Espinho? — perguntou quando cheguei perto o bastante. Não pude evitar meus olhos de encontrarem o príncipe por um momento. Ele ainda me encarava, sussurrando algo que não consegui ouvir, mas fez Midoriya olhar dele para mim em choque. — O que o Babaca Real fez agora?
— Nada novo. — Meu irmão ainda encarava com raiva, mas balancei a cabeça, empurrando seu braço com meu ombro. — Deixa pra lá, Faísca. Ele não vale a pena.
— Tem certeza que você tá bem? — perguntou , preocupação genuína em sua voz.
— Podemos não falar disso? Vamos só chegar em casa, hoje foi um dia irritantemente longo.
Eles se entreolharam, mas não pressionaram. Eu só queria tomar um banho, deitar na minha cama e chorar até dormir.
— Cuidado aí! — Gritei, vendo o estranho tropeçar perto demais da margem do rio. Joguei o cipó mais próximo para se enrolar em seu pulso, impedindo que ele caísse na água e correndo para puxá-lo para longe, sabendo que a planta não era forte o bastante. — Esse bosque tá longe de ser fácil de navegar se você não conhece a região, o que você tá fazendo aqui fora sozinho a uma hora dessas? — Peguei a mão dele, mas, no segundo que nossas peles se tocaram, qualquer bronca que estivesse na minha mente foi esquecida.
O estranho virou para me encarar, olhos cinzentos tempestuosos meio escondidos embaixo de mechas castanho-escuras. Era difícil de respirar, todas essas novas emoções me atravessando a partir daquele toque tão inocente. Minha alma gêmea. Eu tinha encontrado ele.
— Me desculpe — murmurou, a voz profunda, e não pude deixar de sorrir.
— Oi. Eu sou a .
Sua careta se suavizou, a mão ainda segurando a minha mesmo que ele não precisasse mais de ajuda.
— Eu sou .
Filho da puta mentiroso. Sequei uma lágrima que escorreu com a lembrança.
— Lady , tem um minuto? — Midoriya estava esperando na frente da minha porta. Ao seu lado estava uma Uraraka muito incomodada, torcendo suas mãos e parecendo culpada. Na verdade, os dois pareciam culpados. Estreitei os olhos.
— Vocês estão aqui pra me dar mais desculpas em nome dele. — Eles assentiram mesmo que eu não estivesse perguntando. — Nesse caso, com todo o respeito, vão se fuder. Não quero ouvir.
— Por favor, só dá cinco minutos pra gente. Ele nem sabe que estamos aqui.
Foi só a consideração que eu tinha pelos dois que me fez abrir a porta e segurar para eles passarem.
— Nem um segundo a mais.
— Eu sinto muito mesmo. — Ela começou assim que a porta fechou. — Eu nunca pensei que o meu glamour causaria algo assim. É só que o nunca tem paz, a gente achou que ia conseguir um respiro pra ele.
— Eu não to brava com você por ter dado o feitiço pra ele. To brava com ele por não me dizer a verdade e… bom, todo o resto. — Sentei na minha cama, exausta. — Além disso, ele já é um homem adulto, não precisa que outras pessoas se desculpem pelos erros dele. — Eles se entreolharam. — O quê?
— É verdade que ele não sabe que estamos aqui, mas…
— Midoriya…
— Eu peguei sem ele saber. Ele tem feito isso sem parar desde que vocês se conheceram. Eu… eu provavelmente devia ter falado com você antes. — Ele baixou o olhar, envergonhado. — nunca me contou exatamente o que aconteceu, mas eu entendi quem você era na cerimônia de nomeação. Mas por favor, não o odeie. Ele só estava tentando te proteger.
O conselheiro real me ofereceu um caderno encapado em couro, mas eu não estava interessada.
— Você também sabia esse tempo todo? E nunca te ocorreu que eu tinha o direito de saber?! — Um cacto brotou diante dos pés de Midoriya e ele deu um passo para trás, mãos erguidas em rendição.
— Ocorreu. Por isso eu disse pro te contar, várias vezes. Mas ele estava muito preocupado com a sua segurança, e com razão. — Cruzei os braços e arqueei uma sobrancelha. — Lady , eu sou o melhor amigo dele e perdi a conta de quantas vezes já fui atacado. Tenho sorte de estar vivo, e isso é um lembrete constante. — Ele enrolou uma das mangas, expondo as muitas cicatrizes que cobriam seu braço. Quando minha postura murchou um pouco, ele cobriu a pele novamente e continuou: — Te manter no escuro foi uma das coisas mais difíceis que ele já fez.
— Ele não me disse que era você, mas eu devia ter percebido também. — Estreitei os olhos e Uraraka balançou uma mão, fazendo vários pontos do meu quarto se acenderem. — pediu todos eles pra mim. Feitiços de proteção, encantamentos pra afastar pesadelos, impedir que visitantes indesejados entrem em um cômodo, diminuir dor… — ela apontou para cada um, listando o que faziam. A maioria estava disfarçada como pedras nos vasos e eu nunca teria notado que estavam lá. — Ele vem cuidando de você em segredo desde que chegou aqui. Nunca me disse que eram pra você, mas… ele só tava te protegendo.
A bruxa hesitou por um momento antes de dar um passo na minha direção e girar um dedo apontando para o colar escondido sob a minha blusa. Ele se acendeu também, um símbolo que eu reconhecia aparecendo no pingente. Normalmente era dado por cavaleiros para suas almas gêmeas quando eles iam para o campo de batalha, para silenciar a conexão e impedir que as almas gêmeas sentissem caso eles fossem feridos ou mortos. Era unilateral, então ele ainda podia sentir a nossa conexão de formas que eu não conseguia. Eu nem tinha percebido que estava ali. Desde quando aquilo estava ali?
— Como…?
— Ele colocou antes de ir embora quando vocês se conheceram. Eu juro que não sabia. O Deku me contou hoje quando vocês chegaram. — Engoli o nó na minha garganta. Isso explicava porque eu nunca tinha conseguido entrar em contato.
— Saiam.
— Lady …
— Fora. Agora! — Gritei, lágrimas ameaçando caírem. — E leva a porcaria dos seus feitiços com você!
Uraraka juntou as pontas dos seus dedos, murmurando “liberar”, e Midoriya deixou o caderno na minha mesa, fechando a porta quando eles saíram.
Eu agora podia sentir o arrependimento e anseio de vazando pela ligação, e por um momento desejei ter mantido aquele feitiço. Era quase uma dor física, como ser esfaqueada repetidas vezes. Acho que de certa forma ele tinha me esfaqueado pelas costas. Deitei na minha cama e finalmente permiti que minhas lágrimas corressem livremente. Não seria capaz de dizer quanto tempo fiquei ali até ouvir uma voz familiar:
— Ou, Espinho, por que o príncipe nos pediria pra vir-? — Sentei para encontrar e parados na minha porta e parecendo muito preocupados.
— O que houve, ? — se sentou ao meu lado na cama, franzindo o cenho.
— É isso, vou matar aquele idiota meio a meio.
— Não! — Soltei em uma voz esganiçada de pânico. Ele me devolveu um olhar confuso. — Isso só ia piorar tudo, ele é… ele… merda. — Solucei, enterrando o rosto nas mãos, e pousou uma mão no meu ombro, sem saber como ajudar. — Fecha a porra da porta. — Quando senti outro peso no colchão, desatei a falar: — Ele é um grande babaca, e eu odeio ele agora, mas eu prefiro não sentir minha alma gêmea morrer. Já to me sentindo mal o bastante. Houve vários momentos em que o único som no quarto era o meu choro enquanto eles processavam a informação.
— O príncipe? , tem certeza? Achei que tivesse dito que já conheceu…
— Um glamour. Feitiço da Uraraka. Ele sabia o tempo todo e nunca disse nada, eu só descobri porque nos tocamos acidentalmente mais cedo. — Soltei um riso sarcástico no meio das lágrimas. — Disse que fez isso tudo pra me proteger. Deuses, eu devia ter percebido.
— Eu ainda posso descer a porrada nele sem intenção de matar.
— Cara, você seria chutado da guarda se fizesse isso.
— Por favor, não.
— Quer explicar o que houve ou só chorar?
Deitei no ombro de e expliquei tudo. Tudo o que eu achava que sabia, tudo que eu descobri não ser verdade, tudo que o príncipe, Midoriya e Uraraka me contaram. Eles não fizeram perguntas, mas saiu em dado momento e voltou com um ensopado e doces, me deixando chorar tudo o que precisava sem julgamentos.
Eu não sabia quanto tempo eles ficaram, só que acordei na manhã seguinte com café da manhã na minha mesa de cabeceira e um bilhete com as caligrafias dos dois.
Espero que esteja se sentindo melhor. Conseguimos a manhã de folga pra você, se alguém perguntar, você teve febre ontem de noite. A Uraraka vai confirmar isso. Demore o quanto precisar, tá? -
Acho bom você comer esses pães. E eu vou socar a cara estúpida dele por te fazer chorar. Tenho um passe de irmão mais velho.
Mas talvez você devesse ler o negócio que o Deku trouxe. Nós demos uma olhada enquanto você dormia e… vale a leitura. – Faísca
Coloquei o bilhete de lado, lavando o rosto e tomando água primeiro. Então, respirando fundo, levei o caderno para a minha cama para olhar enquanto eu comia. Ainda podia sentir a ligação no fundo da minha mente, a culpa e o arrependimento pesando.
— Vamos ver o que tem aqui — murmurei pra mim mesma antes de abrir na primeira página. Lá, na caligrafia elegante do príncipe, estava uma carta datada do dia seguinte de quando ele me deixou.
Me perdoe. Você não faz ideia do quanto me dói fazer isso, mas é necessário. Você nunca vai ler isso, minha bela rosa, mas eu sinto que preciso explicar de alguma forma.
Eu peguei seu colar enquanto você dormia. Tive que enviá-lo para a bruxa da corte para te bloquear de me sentir pela nossa ligação. Num mundo perfeito, eu não teria que fazer isso. Mas prefiro saber que você está de coração partido e viva do que ter que viver com o fato de você ter sido morta por minha causa.
Eu nunca fui tão feliz quanto nesses dias que eu vivi como ao seu lado, e não há nada que eu deseje mais do que poder ser apenas isso, ficar e me apaixonar por você, construir a vida que eu sei que você sonha em ter.
Ainda irei cuidar de você, mesmo que nunca saiba. Sua segurança é mais importante. Talvez um dia…
Seu,
Virei os olhos. Por que me diria pra ler mais desculpas do ? Mas continuei lendo, porque tinha que ter um bom motivo. Parecia um diário, com entradas frequentes sobre coisas que o lembravam de mim e ele queria poder me contar. Me deu uma perspectiva muito melhor sobre o quão filho da puta o rei era, com várias histórias sobre a infância do , sua mãe e até a maneira terrível como o Rei Enji ainda o tratava. Havia uma carta sobre quando ele pediu para o Midoriya me arranjar um trabalho aqui, como ele ansiava e temia esse momento.
Eu fiz isso pra saber que você estará segura. E para te permitir ficar mais perto do seu irmão.
Ele pode ser mal-educado, mas sei que sente falta dele. E, para ser honesto, eu gosto de tê-lo por perto. Ele é tão inteligente quanto você, e uma das poucas pessoas que não tem medo de ser direto comigo, mesmo quando estou errado. Principalmente quando estou errado. É revigorante, e o impede que ele ultrapasse limites demais. Não consigo deixar de lembrar de você falando que ele é o autocontrole do . Eu também estaria mentindo se dissesse que não gosto secretamente de ouvir ele falando mal do rei.
Mas tenho medo da minha reação à sua proximidade. Será que vou conseguir ficar longe? Te conheço o bastante para saber que vai tentar fazer amizade comigo, e isso te colocaria em perigo mesmo que eu conseguisse te manter no escuro. Também sei que não vou resistir te ter por perto se você tentar.
Será que eu te condenei de qualquer forma?
Não contive uma risada chorosa. Ele estava certo, claro. Meu primeiro instinto tinha sido tentar fazer amizade com o príncipe aparentemente solitário, porque eu sabia que sua vida não devia ter sido fácil. Claro que abandonei a ideia quando ele ficou puto de me ver. O que era na verdade o tema da próxima carta:
Eu sei que de alguma forma é minha culpa. Nunca expliquei os detalhes pro Midoriya, ele não tinha como adivinhar por que eu queria você no palácio. Ele descobriu quando eu te vi, é claro.
Acho que causei uma péssima impressão. Você provavelmente está achando que eu te odeio. Consigo sentir o quão irritada você está, e tem todo o direito de se sentir assim. O que só piora tudo, porque eu acho que esse é o melhor jeito de te manter a salvo. Se você me odiar, vai ficar longe. Se me odiar e o mundo souber disso — o que não é difícil, considerando quão expressiva você é —, acho que tem menos chance de se tornar um alvo. Por que Touya ou meu pai tentariam machucar uma mulher que claramente me detesta?
Não consigo pensar em nada mais difícil. O que eu mais quero fazer é ir até você, te abraçar e implorar o seu perdão. Só quero sentir você feliz novamente. Por que o destino seria tão cruel com uma mulher tão incrível?
Ele escreveu sobre cada uma das vezes que sequer olhou torto pra mim. Pediu desculpas por cada uma delas. Tinha coisas lá que eu nem tinha notado e outras das quais tinha me esquecido. Ele escreveu sobre os meus pesadelos, sobre quando eu me machuquei no treinamento, sobre sentir a minha falta nos meses que eu fui pra casa, sobre meu sorriso. Tantas linhas sobre o meu sorriso. Ele prestou tanta atenção em mim todo esse tempo, fazendo coisas pequenas pra tentar me deixar mais feliz sem eu perceber. requisitou os ingredientes para fazer as comidas de casa das quais eu sentia falta, me conseguiu um quarto com janela e o mais perto possível do jardim, fez Midoriya reorganizar as escalas dos guardas pra que eu não tivesse os primeiros turnos da manhã. Mandou trazer lírios d’água e dama-da-noite pro jardim. Eu consegui notar, antes mesmo de ver as palavras escritas, como seus sentimentos por mim cresceram com o tempo. E como isso deixou a situação muito mais dolorosa.
Cartas não eram a única coisa no caderno. Havia desenhos, primeiro de diferentes flores, depois de mim. Parecendo durona enquanto eu dava uma surra nos outros cavaleiros, sorrindo suavemente na minha cama em casa, rindo com o . E havia os poemas. Deuses, os poemas. Eles eram tão lindos. Alguns eram sobre quando nos conhecemos, e esses me fizeram corar — e morrer de vergonha quando lembrei que e provavelmente os tinham lido. Alguns eram sobre um mundo perfeito onde ele não era um príncipe. Alguns eram sobre a preocupação dele e minha dor quando eu estava longe. Vários eram sobre mim, mas me pintavam com uma luz quase divina, como se eu fosse a melhor coisa a andar pela Terra. Tanto que era difícil de acreditar que eram sobre mim. E não era como se ele tivesse escrito só sobre as minhas qualidades. Ele fazia mesmo os meus piores defeitos soarem incríveis, e ele realmente os via. Ele tinha notado coisas sobre mim que pessoas que me conheciam a vida toda não tinham.
se apaixonou por mim enquanto tentava ao máximo me fazer odiá-lo, secretamente me protegendo da melhor forma que podia. Sua preocupação era clara nas cartas, e as datas me diziam mais do que Midoriya provavelmente achou que fariam. No fim, parecia que o feitiço de Uraraka não era tão forte quanto deveria, porque eu conseguia traçar cada um dos pesadelos do sobre o que poderia me acontecer se fôssemos descobertos para os dias que eu tinha acordado assustada, triste e mau humorada sem razão aparente. Eu tinha sentido as emoções mais fortes dele o tempo todo, só não tinha percebido que estavam vindo da nossa ligação.
Suspirei, mordendo o lábio. Precisávamos conversar. Eu ainda estava brava, mas… ele merecia uma chance pelo menos. Ele era minha alma gêmea afinal. Me perguntei se tinha algum jeito de fazê-lo vir aqui sem ter que sair, mas logo abandonei a ideia. Eu ainda tinha que descobrir como falar com ele em particular, mas primeiro precisava sair do quarto.
— Ei, Vossa Majestade! — Ouvi gritar quando cheguei à porta do salão de jantar.
Foi apenas tempo o suficiente para eu ver meu irmão se aproximando de um príncipe muito confuso e dando um único soco direto no seu nariz. O silêncio que caiu em seguida era tão denso que dava pra cortar com uma faca. estava segurando o nariz com uma mão, mas parecia resignado, não bravo. Doeu, mas eu tinha quase certeza que nenhum osso tinha quebrado.
— Vossa Majestade! Perdeu a cabeça, ? — Iida gritou pulando entre eles, mas segurou seu braço.
— Ta tudo bem, Iida — disse em voz baixa. Seus olhos encontraram os do meu irmão. — Eu mereci isso.
— Mas… mas… Vossa Majestade, ele-
— Ele ta certo. Não há necessidade de levar isso adiante.
— Conserta isso, Meio a Meio. Você fez uma bagunça do caralho.
— … eu sei.
— Não, não sabe.
Com isso, pareceu satisfeito, então apenas saiu andando. Dei alguns passos para trás pra me esconder atrás da parede. Mas é claro que ele tinha que ir e agravar a porra da situação. Não podia só deixar quieto. Mas pelo menos isso me deu um jeito de falar com o príncipe. Com o novo plano em mente, me encaminhei para a enfermaria.
Não havia ninguém lá quando eu cheguei, então apenas sentei no sofá e esperei, o caderno de pesado nas minhas mãos. A porta abriu alguns instantes depois, mas Uraraka estacou quando me viu, o príncipe atrás dela.
— Hm, Lady , o que… — ela limpou a garganta — o que está fazendo aqui?
— Eu posso- — começou a dizer, seus olhos incapazes de encontrar os meus, mas interrompi.
— Você fica. Precisamos conversar. Uraraka, eu conserto o que o meu irmão fez no nariz dele, então se puder nos dar alguns minutos, por favor. — Ela hesitou por um segundo antes de assentir e fechar a porta, nos deixando sozinhos.
— , eu…
— Vai me ouvir, porque eu ainda estou puta com você, Vossa Alteza. Então senta. — Ele assentiu e obedeceu. Joguei o caderno no seu colo e ele ergueu olhos arregalados pra mim.
— Onde conseguiu isso?
— Cortesia de um certo conselheiro real. Eu ia só, sei lá, botar fogo ou algo assim, mas meu adorável irmão e a alma gêmea dele deram uma olhada e me convenceram que valia a pena ler.
— e também leram? — pareceu horrorizado, suas mãos agarrando o couro de forma protetora.
— Deveria ficar feliz que eles leram, ou eu só teria destruído o caderno. Olha pra cima. — Engoli em seco quando nossos olhos se encontraram. Foco, . Segurei seu rosto com uma mão, não deixando de notar a forma como ele se derreteu com o toque, e comecei a aplicar com cuidado a pomada para hematomas no seu nariz. — Provavelmente também é o motivo do só ter te dado um soco. Eu tive que convencê-lo a não te matar noite passada.
— Eu sei que deve soar como palavras vazias, mas eu realmente sinto muito por tudo que te fiz passar. Eu só não conseguia ver outro jeito.
— Eu sei — respondi suavemente e surpresa tomou os olhos bicolores. — Isso não quer dizer que você está perdoado. Mas acho que… acho que entendo agora por que você fez tudo isso.
Ficamos em silêncio pelos próximos instantes enquanto eu acabava de cuidar do seu machucado. Aquilo fez meu coração doer com o que poderia ter sido. Naquele pequeno silêncio, éramos só nós. Quando terminei, sentei na cadeira da Uraraka em frente a ele.
— Então como… — engoliu em seco. — Como isso nos deixa?
— Não entenda errado, eu ainda to puta. Mas o problema todo começou com você decidindo não falar comigo, então eu to tentando não repetir esse padrão. Somos almas gêmeas, afinal. — Suspirei, sentindo a esperança dele como uma centelha tímida. — Você não tinha o direito de tomar essas decisões sem mim, . Tinha que ter me contado a verdade, me contado sobre os perigos, e aí a gente pensaria em alguma coisa juntos. E você com certeza não tinha o direito de me bloquear sem meu consentimento. Caralho, eu achei que você tinha morrido!
— É idiota, mas eu achei que tornaria as coisas mais fáceis pra você. — Ele correu uma mão pelo cabelo. — Se não pudesse me sentir, podia seguir em frente com a sua vida. Poderia encontrar felicidade e segurança em outro lugar. — Até parece.
— Essa é exatamente a mesma lógica por trás de me tratar mal pra me fazer te odiar. E acho que já te falei o que eu acho dela.
— É, você deixou bem claro. — Ele soltou uma pequena risada. — Eu consigo ver agora que a maioria das minhas atitudes foi idiota. Eu já sei há algum tempo. Mas não conseguia pensar em mais nada. Eu só não conseguia suportar a ideia de você se machucar pela simples razão de ter seu destino ligado ao meu. Eu estava desesperado, e o único jeito que eu sabia de manter esses perigos longe de você era te manter fora do meu mundo. Longe de mim. — Pisquei rápido pra impedir as lágrimas de caírem. — E aí era tarde demais pra voltar atrás.
— É, bom, olha pra onde isso nos trouxe. — Respirei fundo, balançando a cabeça antes de encontrar seus olhos outra vez. — Eu entendo que é impossível de perigoso. Eu entendo. Mas não saber nunca ajudou. Então tem mais alguma coisa? Porque daqui pra frente, a gente vai mudar essa dinâmica, e, pelo nosso bem, eu preciso saber exatamente onde estou pisando.
— Não acho que tenha muito além do que você já leu aqui. — apontou pro caderno. — Se Midoriya falou com você, tenho certeza que ele te deu provas concretas do porquê eu entrei em pânico. — Assenti, as cicatrizes horríveis nos braços dele atravessando a minha mente. — As pessoas não podem saber quem o Dabi realmente é. Ou como o rei é de verdade por trás de portas fechadas. Ainda não, pelo menos. — Assenti outra vez, concordando. Isso só causaria pânico generalizado, e nós com certeza não precisávamos lidar com aquilo no momento. — Eu realmente queria que as coisas fossem diferentes e eu pudesse mostrar pro mundo quão abençoado eu sou de ser sua alma gêmea, mas não posso. Enji vai te matar se souber disso, e é mais fácil te esconder do meu irmão que do meu pai. Ele quer usar meu casamento pra expandir o reino ainda mais.
— Sabe, eu achava que odiava ele antes, mas puta merda, como o sentimento aumentou nos últimos dias. — Ele me deu um sorriso triste. — Desculpa, aliás. Por te comparar com ele ontem.
— Tudo bem. Você não tinha como saber. — Ele parou por um momento, então esticou a mão para acariciar minha bochecha. Eu deixei. — Não conserta nada, mas eu preciso que você saiba que nunca foi só sexo pra mim. Eu achei que te deixar naquela manhã ia me matar.
— , — tomei sua mão na minha — isso não nos leva magicamente de volta para aquele momento. Você vem construindo esse sentimento, mas pra mim isso é tudo novidade. E eu posso entender agora, posso saber o que aconteceu e por quê, mas ainda estou machucada. Tem muito que eu preciso processar antes de poder começar a confiar em você.
Ele assentiu, levando minha mão aos seus lábios e deixando um beijo suave.
— O fato de você estar disposta a me ouvir já é mais do que eu tinha esperanças de conseguir.
Respirei fundo, meu coração dividido entre desesperadamente querer estar em seus braços e nunca mais querer ver sua cara, pra que doesse menos. E nunca podia ser uma palavra muito forte, mas no momento um pouco de distância soava como a melhor opção. Me aproximei e pressionei meus lábios contra os dele por apenas um instante antes de me afastar outra vez.
— Isso não muda as coisas — sussurrei, sentindo ruir a esperança que tinha começado a crescer nele. Sem dizer mais nada, virei as costas e deixei a sala. Ao acordar na manhã seguinte, encontrei um envelope que tinha sido passado por debaixo da minha porta. Tinha um pedaço de papel dobrado preso nele, e eu abri pra encontrar um bilhete do .
As decisões são suas daqui pra frente. Seu ritmo, seu espaço. Se precisar de mais distância, posso pedir ao Midoriya que você seja colocada na guarda da minha mãe, por quanto tempo desejar.
E eu achei que deveria ficar com isso. Eu os fiz pra você, afinal.
Seu,
Dentro, encontrei alguns dos poemas e desenhos do seu caderno. Meus olhos encheram de água no mesmo instante.
Continua em "Perfect Harmony: of Fire and Roses"
Nota da autora: Olha quem surtou de novooo
Eu amo como meus personagens simplesmente NÃO RESPEITAM O CRONOGRAMA e aparecem com uma trilogia inteira completamente nova. Do nada. Amo muito 🤡
Mas enfim, espero que vocês tenham gostado desse pequeno drama e se preparado, porque a parte 3 vem aí e ela vai ser dedo no cu e gritaria, caos, lágrimas, tudo que tem direito. Em breve trago aí o primeiro capítulo pra vocês. Enquanto isso, me conta o que você achou nos comentários ou lá no meu insta!
XOXO
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Nota da Scripter: Ai ai esse príncipe <3
Confesso que as cartas me pegaram, hein?! Esqueci até da mentirinha dele... hehehe aguardando o surto seguinte! <3
HELLOOOOOOOO!!! Deixe AQUI um pouco de amor para a autora <33333333. É DE GRAÇA, HEIN!
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
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