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FINALIZADA!
Music Video: That That - PSY feat. SUGA

Capítulo 1

— Olha só, se não é o meu parceiro favorito!
ergueu a caneca cheia de cerveja com seu usual sorriso ladino, sentado no balcão do bar, assim que viu Park entrar pela porta dupla. Nos primeiros segundos, ele demonstrou empolgação ao vê-lo, mas assim que notou a forma grotesca que as mãos dele tinham ido de encontro à madeira, deixando as duas divisões indo e voltando rapidamente, seu sorriso se fechou em preocupação, assim como em seu cenho formou-se um vinco. Tinha um Park nervoso indo em sua direção, atraindo a atenção de todo mundo, o que causou um silêncio no ambiente, deixando um misto de preocupação e curiosidade nos que estavam presentes ali.
As mulheres em volta de ficaram sem graça, saindo de perto dele conforme os passos de Park o traziam mais perto.
Parecia ser muito sério.
— Você vem comigo! — Park disse assim que a distância entre os dois acabou, puxando pela gola da camiseta de zebra que ele estava usando naquela tarde; uma das peças presentes em seu guarda-roupa repleto de estampas de animais exóticos. Assim como o gosto dele, certamente.
— Ei, ei! — Em meio a protestos, virando a caneca de cerveja em sua boca para não perder nenhum ml pago, ele saiu aos tropeços. — Que isso? — continuou reclamando durante os passos para fora do bar.
Ao passarem pela porta, outra vez deixando-a se movimentar pelos dois lados em um ritmo frenético, Park o soltou, parando em sua frente.
— Cara, você está pálido demais! O que aconteceu? — questionou, só então notando a feição empalidecida de Park, como da vez que haviam quase caído em um penhasco numa outra cidade do oeste, por ter sido pego na cama com a filha do prefeito. — Não te vejo assim desde que-
— É a ! — Park soltou, como se o outro pudesse matar a charada somente com um nome.
? Mas você não ia na casa de Genevieve hoje? Eu estava até me preparando para distrair o senhor Collins… — Levou as mãos à cintura, com o cenho franzido. — Vai me dizer que está com problemas disfuncionais? Olha, eu faço tudo por você, mas isso é meio-
— Cala a boca e me escuta, ! — o cortou no meio de seu monólogo tagarela. — é minha sobrinha. A filha do meu irmão que… que… — suspirou sem forças para continuar, esperando que o amigo se lembrasse da história de sua vida.
— Ah… — Para o alívio de Park, ele se lembrou. — Mas espera… — fez uma careta de nojo.
— Eu vou fingir por um momento que não te conheço o suficiente pra saber o que se passa nessa cabeça pervertida. — A careta de Park surgiu em reflexo. — Escuta… Meu irmão está vindo para a América resolver algumas pendências da empresa dele e disse que quer muito me ver. Não a vejo há anos… Então ela está vindo pra cá.
— Certo… E o que eu tenho a ver com isso?
Park se aproximou, dando um tapa na nuca de .
— Tudo! — exclamou de forma irritada.
— Eu não! — respondeu com a mão no local que estava ardendo. — A sobrinha é sua! Não vou ficar de babá… Sabe que meu jeito com crianças é praticamente inexistente.
— Ela não é criança. E eu preciso de você pra dar tudo certo. Se voltar com qualquer arranhão que seja para casa, meu irmão manda me caçar até o inferno.
— Continuo dizendo: não sou babá. — cruzou os braços. — E ela é o que? Alguma princesinha intocável?
é… diferente. Ela é doce, delicada, sutil… Cultua com livros e é intelectual. Então, por favor, eu preciso da sua ajuda pra que nada saia errado. Eu não posso levar outro tópico de julgamento para minha família.
soltou os braços, medindo Park de cima a baixo. Seus olhos perfeitamente delineados em uma aparência felina se semicerraram em direção ao outro, numa pausa dramática.
— Certo. Quando ela chega? — perguntou, voltando as mãos na posição anterior.
— Pois então… — Park coçou a nuca, meio sem graça. — Meu irmão tinha me enviado uma carta e ela se perdeu…
— Park…
chega hoje no final da tarde.
— Ah, qual é! Eu ia para o vale com a Izy! Você vai conseguir se virar sozinho, confio no seu potencial. — Esticou o braço, tocando no ombro do amigo.
— Por favor, não me faça ajoelhar. — Park uniu as mãos em súplica.
— Sem chance, me peça qualquer coisa, menos deixar Izy e aqueles — gesticulou com as mãos na altura do peito, de forma circular — dois presentes da natureza para trás. Jamais! Sabe quando foi a última vez que eu e ela tivemos um encontro decente sem aquele bostinha do irmão dela?
— Semana passada.
— Pois é! Já faz tempo demais.
— Seu pervertido! Você esteve com Liza, a filha do fazendeiro que tem nome difícil, e Beck nesses últimos dias! Vai ficar sem seu brinquedinho logo, logo. — Dessa vez, foi Park quem usou a mão pra gesticular, apontando com o indicador para a pélvis de .
O amigo gargalhou abertamente, jogando a cabeça para o lado.
— Boa tentativa, Park Jae-Sang! Eu ainda tenho muitos anos antes de precisar dos mesmos métodos que você, meu velho amigo. — Levou a mão ao ombro dele. — Você consegue, afinal, sua sobrinha não é uma criança. E aqui não tem nenhum bicho papão para pegar a mocinha da cidade. — Piscou de forma sugestiva.
— Você fique longe dela!
— Não era você mesmo me pedindo pra ficar de olho na princesa… Park?
— Cafrey. Meu irmão adotou um nome americano por causa dos negócios. — Park revirou os olhos. — Mas fique você e seu taco de… — Pressionou os olhos, cansado. — Só não deixe que nada de mal aconteça a ela, e isso inclui você!
ergueu as mãos em rendição. Quando ia responder em promessa, ouviu a voz de Beck à porta.
— Estamos indo no rancho do senhor Fasber, você vem, gatinho? Vai ter rodada de cerveja e charuto na conta dele — ela disse, se aproximando dele lentamente, trazendo seu decote cada vez mais perto, deixando-o hipnotizado.
— Eu vou, docinho. Me espera perto do meu cavalo, já chego lá. — Ele tocou o queixo dela, liberando-a.
Sob o olhar julgador de Park, suspirou, olhando-a se afastar.
— Você é impossível, .
— Ah, não sou, não. Eu sou bem possível — ele respondeu, rindo fraco. — Te vejo amanhã, tio. Boa sorte — se despediu, começando a se afastar. — Devo pedir para Fasber um ramo de flores para o café da manhã cordial da sua querida ? — disse, conforme descia os degraus.
— Ha ha ha — Park forçou uma risada desgostosa. — Muito engraçadinho da sua parte.
— Vou trazer muito maracujá para ela também! — foi a última coisa que disse, recebendo o dedo médio do outro como resposta.

Capítulo 2



O trotar do cavalo de pelagem tão brilhante quanto o sol chamava muita atenção, sendo igualmente famoso ao seu dono, montado em cima de sua lombar. Porém, mesmo que Athus fosse lindo, tivesse um ar superior e sempre bem cuidado, era quem mais chamava a atenção por onde passava, ainda mais estando em cima de um animal tão bem admirado. E isso enchia seu ego, com certeza. Entretanto, não seria o caso daquela manhã se as ruas estivessem tão cheias.
Athus cessou o trote, passando a dar passadas mais calmas, ao notar que estavam perto do hotel e ergueu o rosto minimamente, com apenas um olho aberto. Estava exausto e em uma situação quase deplorável, sendo levado pelo instinto do seu fiel parceiro animal, depois de uma noite muito cheia e que pouco havia dormido de tanta cerveja e charuto consumidos em conjunto. Para sua sorte, ainda era muito cedo para que fosse visto de tal forma, com poucos moradores da cidade começando a prepararem seu dia que estava pra começar, tendo o sol dando os primeiros sinais de seus raios no céu tão distante.
Assim que parou diante da curta escada de madeira, Athus relinchou baixo, como se quisesse avisar ao quase morto-vivo em seu lombo que já podia descer e lhe dar um descanso, assim como criar qualquer juízo cabível — e talvez estivesse mesmo, não era a primeira vez que voltava de um rancho tão acabado quanto uma lama pisoteada numa festa com muita música. Ele se levantou muito contrariado, respirando fundo e descendo com cuidado, não se esquecendo de acariciar Athus com muito carinho, e totalmente genuíno.
— Pode ir descansar, parceiro, obrigado mais uma vez — disse educadamente e jogou seu casaco pesado por cima dos ombros, se afastando.
Ao entrar no pequeno saguão do hotel, ouvindo seus passos sob a madeira do chão, devido ao extremo silêncio, foi direto para a cozinha, porque além da madeira estalando conforme pisava, seu estômago também começou a criar uma trilha sonora audível.
Para sua não surpresa, encontrou Morgana, a governanta de todo o hotel de Park. Ela estava de costas para a entrada de onde ele apareceu, parecendo esfregar algo com muita força na pia. passou pela cesta de frutas e pegou uma banana, se escorando na mesa logo atrás dela.
— Bom dia, minha Morgana favorita! — cumprimentou, a assustando.
— Ai que susto, menino! — A senhora se virou, revelando todo o seu busto molhado. — Sabe que odeio quando chega assim. — Ela o mediu por inteiro, formando um vinco em seu cenho. — Mas… Onde é que você se enfiou dessa vez? — questionou, assustada.
— Falando assim até parece que estou horrível.
— Mas bem também é uma coisa quase impossível. Já viu seu reflexo? — Morgana parecia desgostosa. — Para a sorte do senhor Park o irmão dele já foi… Mas pobrezinha de , uma princesa, ter você nesse estado como primeira vista da manhã — gesticulou, respingando um pouco da água que encharcava sua mão.
semicerrou os olhos, mordendo sua fruta. A senhora se virou de frente para a pia novamente, dando um espaço de tempo em silêncio no ambiente. Respirando fundo, continuou a observando, enquanto ia diminuindo em mordidas a banana.
Estava pensativo sobre todo o medo de Park com relação a visita de sua sobrinha. Ouvia ele falar sobre como, quando ela era criança, tinham uma aproximação, até Park decidir sair de seu país natal em um navio, negando todo o trono de ouro que sua família tinha para poder viver uma vida menos controlada na famosa Nova Iorque. Sabia que, embora os anos tivessem se passado e o amigo não desse mais tanto as caras para sua família, ainda era muito importante para ele que as coisas dessem certo, principalmente ao se tratar de seu irmão mais novo e tão bem sucedido.
A verdade era que Park tinha abdicado de sua vida e o posto que iria assumir na indústria têxtil, sendo assim seu irmão assumiu e ele era, em suas palavras, um tremendo de um "pé no saco". Huening era o que seu pai adorava: fiel ao conservadorismo imposto por sua cultura natal — tudo o que ele odiava, aliás.
Suspirando, pressionou as pálpebras, varrendo os pensamentos.
— Morgana — Ele a chamou serenamente e ela virou apenas o rosto, olhando-o de soslaio. —, como ela é? — perguntou, comendo o último pedaço da sua banana.
Ela lavou as mãos, chacoalhando-as para retirar o excesso de água e se virou para ele, lhe apontando o indicador enquanto a outra mão se formou na própria cintura.
— Você e seu — gesticulou, apontando para o quadril dele. — brinquedinho fiquem longe dela! não é pro seu bico, não, viu?
revirou os olhos, se virando para jogar a casca da banana.
— Do jeito que vocês estão falando dela, até parece que a garota é intocável! — riu nasalado, voltando-se para Morgana outra vez. Agora, era quem tinha um indicador sendo apontado. — Escuta o que estou te falando, Morganinha, eu posso não fazer nada, até me comprometo a não fazer… Mas e se ela quiser? Você me conhece, ninguém resiste ao meu charme — sorriu ladino, com seu melhor modo cafajeste aceso.
Os olhos de Morgana se semicerraram, olhando para a direção dele com as sobrancelhas quase unidas.
— Seu charme seria o que? Essa camisa de oncinha com botões abertos e o hálito de rum? — A resposta, porém, veio de uma outra voz.
estava na entrada da cozinha, atrás de .
Sentindo o frio em sua espinha, fechou os olhos por um bom tempo, coisa de quase um minuto, e encarou o sorriso debochado de Morgana ao abrir suas pálpebras. Mordeu o lábio inferior, sugando o ar pela boca, e girou sob os próprios calcanhares, se deparando com a famosa e tão, ansiosamente, protegida .
Ouch. Devo dizer que não esperava por essa. — foi descarado ao observá-la de cima a baixo, demorando mais com os olhos fixados nos dela. — Seja muito bem vinda, senhorita Cafrey — disse, cínico, a reverenciando de maneira dramática.
Sem esboçar um sorriso ou qualquer feição passível de leitura, se manteve com os braços cruzados, uma cena capaz de ter levado ele a uma observação mais profunda de seus traços. Diferentemente de Park e sua aparência nem um pouco agradável a seus olhos — e não se tratava de ser incomum e muito julgado, pelo senso comum, achar um homem bonito; não, já tinha visto muitos com a aparência impecável, o que não era muito bem o caso do amigo, que, para ele, era mais um do grupo dos bem arrumados que enganavam —, tinha uma beleza genuinamente única.
Fazia jus à preocupação de todos ao seu redor.
E era lastimável ela estar ali, naquela manhã que se iniciava, completamente radiante e com a face de uma mulher descansada, diante dele, totalmente o oposto. estava derrotado, cheirando a sexo e charuto, numa situação deplorável depois de ter bebido o que até então não tinha consumido ainda em sua vida de cerveja e que provavelmente seria menos do que no futuro.
— Obrigada. — Ela respondeu, olhando para Morgana em seguida, ignorando completamente o cumprimento dele. — Meu tio já saiu?
— Ainda não querida, ele deve ter ido cuidar dos cavalos de nossos hóspedes… — Ao terminar a fala, a senhora encarou de maneira cortante. Era o trabalho dele. — Daqui a pouquinho ele deve voltar para tomar café com você, estou terminando de preparar.
— Ah, tudo bem. Vou ir até ele.
— Gosta de cavalos? — perguntou, já recostado em um balcão cheio de frutas, tomando a atenção das duas.
— E quem não gosta? — respondeu sorrindo simples e se prontificou para sair dali. — Com licença. Se precisar, pode usar a água do meu banho da tarde para… — olhou de cima a baixo, insinuando sua falta de higiene.
Ele sorriu sarcástico.
— Obrigado, princesa.
— Disponha.
deu as costas e ele a observou sair, caminhando a passos tranquilos e hipnotizantes. Seu vestido balançava conforme caminhava e o cabelo solto acompanhava as passadas. Ele respirou fundo, novamente repuxando o ar pela boca, agora de forma mais arrastada, porém, tentando banir os pensamentos que tentaram movimentar sua mente.
O que ajudou foi um pão pesado voando em seu rosto, atingindo-o em cheio.
— Ai! — reclamou, olhando sério para Morgana.
— Você não se atreva! — Ela vociferou, apontando o dedo.
A gargalhada saiu automática e se afastou do balcão, soltando os braços às laterais de seu corpo, enquanto caminhava brevemente até ela, lhe dando um beijo na testa.
Morgana o estapeou, mas não muito, porque logo ele se afastou, rindo. Conforme foi saindo da cozinha, disse:
— Bom dia, Morgana! Diga a que aceitarei a água do banho dela se for com ela junto. Sou cavalheiro.

Capítulo 3

Os pés de se moviam rápido, seguindo o tio pelos degraus das escadas que vinham descendo desde o último andar — o que não era muito ao se considerar a altura do prédio, com apenas três andares além do térreo. Park parecia não ouvir o que ela dizia, mas porque estava preocupado com sua hora e o atraso que teria saindo de Ruthertown tão tarde para chegar em Sacramento, a capital. Estava tão preocupado com seu horário, que decidiu se dar por vencido e não forçar mais que fosse junto.
Era preocupante deixá-la sozinha a qualquer momento que fosse pelos próximos sete dias, mas não tinha tempo para ficar discutindo com ela e precisava ir logo. Confiaria em Morgana.
— Tudo bem! — Ele parou no último degrau, com os olhos bem atentos em seu relógio no pulso. — Mas fique longe de qualquer...
— Problema — completou. — Eu sei, tio. E sei me cuidar também — sorriu para confortá-lo.
Park a mediu por inteiro, resmungando uma sílaba.
— Certo. Se ver o , fuja.
— Você tem certeza que ele é mesmo seu amigo? — Ela riu, levando as mãos à cintura.
— Sim, exatamente por isso estou dizendo para ficar longe dele. — Park suspirou. — Tenho que ir, prometa que estará intacta quando eu voltar!
— Promessa de mindinho — ergueu o dedo, sorrindo docemente. — Agora vá, sua viagem até a capital será longa! — girou ele pelos ombros, finalizando o último passo para saírem da escada.
Com toda sua pressa, Park seguiu o rumo para o lado de fora, entrando em sua charrete ao lado de seu cocheiro. ficou parada à porta do hotel, observando sua partida enquanto acenava educadamente em despedida, até não vê-lo mais pela rua.
Suspirou, observando à sua volta e inspirou o ar fresco que vinha do lado de fora. Era sua segunda manhã em Ruthertown e ainda não tinha tido a chance de passear pelas curtas e poucas ruas da cidade, conhecer cada ponto que pudesse, já que a viagem tinha sido muito exaustiva até mesmo pela própria companhia de seu pai, e tirou o dia anterior para descansar e acompanhar as atividades.
Uma ideia lhe passou em mente; sabendo que Morgana, embora fosse uma senhora muito adorável e simpática, não iria lhe dar o braço a torcer e acompanhá-la em um passeio, visto que sua lista de afazeres do hotel era enorme, decidiu subir até seu quarto e buscar em suas coisas um chapéu, não esquecendo o livro que estava lendo de uma literatura estrangeira que tinha levado para ler quando encontrasse um lugar em paz; tinha essa esperança, sabendo que Ruthertown era uma cidade pequena dentro de um condado distante de Sacramento.
Saiu do hotel, deixando apenas um aviso para Morgana de que logo voltaria.
Era início da manhã quando saiu e o sol já estava bem quente, denunciando o meio dia, quando ela se sentiu confortável num espaço próximo à uma colina, com uma linda paisagem, onde se sentou para ler seu livro. Certamente, sem noção alguma de tempo, ela ficou ali por horas a fio. O sol estava começando a diminuir a intensidade de seus raios e somente isso foi capaz de tirá-la de sua imersão, fazendo-lhe querer retornar.
Ao se levantar, se assustou.
Olhando ao seu redor, não conseguia encontrar o caminho feito para chegar até ali e parecia tudo deserto demais. Seu peito se fechou em ansiedade e preocupação. Logo iria anoitecer e ela não teria visão nenhuma para poder caminhar, então decidiu que deveria começar a fazê-lo logo ao invés de ficar parada no lugar, esperando que um príncipe em cima de um cavalo bem cuidado aparecesse. Confiar em contos de realeza não fazia seu tipo.
Deu os primeiros passos, seguindo uma linha, aparentemente reta, com algumas pedras; não seria possível que tivesse andado tanto assim para se distanciar da cidade. Mas parecia que sim. O vento começou a trazer um ar mais gelado e a levantar muita terra, irritando seus olhos, e tentou manter a calma para não se desesperar, continuando a seguir as pedras, até ver a silhueta de algo alto, parecendo com um cacto enorme. Continuou seguindo, tentando manter seus olhos protegidos do vento, usando o chapéu para isso.
Mas foi tudo meio confuso demais e ela se assustou ao chocar seu corpo contra o que parecia o cacto e na verdade era alguém.
Com o choque, foi para trás, deixando seu chapéu voar e o livro cair. Conforme a poeira ia diminuindo, pôde reconhecer o que estava à sua frente: e um cavalo. Para a ironia não ser completa, ele estava puxando o animal, e não montado nele.
— Você me assustou! — vociferou, levando a mão ao peito que subia e descia sem parar. Os olhos de foram direto ao seu decote sutil e ela notou, abaixando-se para pegar o livro caído no chão, agora todo empoeirado de terra vermelha. Sem nenhuma premissa, ela bateu no ombro dele com o objeto.
Foi tudo muito rápido para que pudesse se defender.
— Que isso? Sua maluca!
— Eu maluca? Você que é um tarado e não sabe se concentrar nos olhos dos outros. — Ela aumentou a voz. — Aqui, — gesticulou, usando a mão livre para apontar seus olhos —, meus olhos estão aqui!
Ele chacoalhou a cabeça, inibindo seus pensamentos, ignorando qualquer continuidade de uma discussão. Respirando fundo, continuou segurando as rédeas de Athus e ajustou com a outra mão o seu chapéu.
— Vai começar a chover e você não está bem preparada para se molhar. Sobe, eu te deixo no hotel — disse serenamente.
riu nasalado.
— Chover? Estamos no deserto! — olhou em volta, se arrependendo de sua teimosia; o tempo estava se fechando e com certeza dali a pouco a chuva iria cair. — E eu jamais subiria num cavalo guiado por você.
— E como pretende ir embora se está perdida?
— Eu não estou perdida — ela rebateu sem pensar. — Estou apreciando a natureza…
passou a mão no rosto, ainda com sua paciência intacta.
— Tudo bem, então. — Ele fechou os lábios em uma linha reta, acenando positivo uma vez e pronto para continuar se movendo. — Aprecie a chuva.
observou o cavalo passar em sua frente em passos elegantes, acompanhando calmamente o puxar de sua rédea e cruzou os braços, irritada ao constatar que, ali, só iria ser possível ir embora se aceitasse a ajuda de .
Não teria nada de errado se ele não fosse ele. O nome que mais ouviu para se manter longe, além de ter escutado o que ele conversou com Morgana. Soberbo, claro, ela jamais se envolveria com alguém como ele, que além de ser um notório cafajeste, tinha péssimo gosto e ajudava a dissipar a breguice da estampa de animais em seus conjuntos de roupa — estes que, até então o que ela pôde notar, se permaneciam como os mesmos: calça e casaco seguindo as mesmas cores e uma camisa com dois ou três botões abertos em uma estampa de animais selvagens; a do momento era de zebra com a outra dupla de composição na cor bege, e um cinto com uma fivela enorme.
Cafajeste e brega.
De revirar seus olhos.
Respirou fundo e se virou para frente, para o caminho que estava fazendo, continuando sua caminhada perdida. Agora, sem a poeira alta, ela conseguia enxergar melhor, mas parecia cada vez mais distante. O que lhe irritou profundamente, parando no lugar ao sentir os primeiros pingos de água em seus ombros.
— Ainda pode subir, se quiser. — A voz de ecoou atrás de si e ela pressionou as pálpebras fechadas, suspirando. — Com a chuva, além de seu vestido ficar transparente por ser branco, você pode acabar escorregando na lama que vai se formar.
— Não, obrigada. — Ela se manteve virada de costas para ele. — Estou muito bem aqui.
— Ninguém vai vir aqui, então você vai causar um problemão se não aproveitar a minha volta. — continuou.
— Eu já falei que não estou per...
teria terminado, mas parou assim que sentiu um tecido grosso em seus ombros. Se virou para , vendo-o sem o casaco e constatando que era o que estava em si. Na mão dele, seu chapéu estava intacto.
— Toma. Pelo menos veste isso para voltar e não pegar chuva. — Ele estendeu o acessório. — Meu casaco você devolve depois.
Ela vestiu a peça de mangas compridas e o chapéu, engolindo em seco.
— Não vai mesmo subir? — encarou os olhos dele pela pergunta.
— Não vou subir num cavalo com você. — colocou desdém em sua resposta.
— Tudo bem então.
montou em Athus, arrumando seu chapéu e pegando firme nas rédeas. Ela observou com o cenho franzido, ultrajada.
— Vamos. Vai começar a chover. Nós vamos por essa direção. Cuidado por onde pisa, a chuva vai ser forte e é um pouco longe. — Ele apontou para a direção que iria seguir. — A caminhada de Athus é lenta, mas eu recomendo você não andar muito devagar.
— Você vai em cima dele?
— Sim? Não achou que eu iria pisar na lama, achou? — riu fraco. — Meus sapatos foram encerados ontem — disse por fim, dando o sinal para que o cavalo começasse sua caminhada lenta.
Notando que os pingos da chuva estavam engrossando, ela choramingou, descruzando os braços e encarando o livro que já estava bem empoeirado e quase perdido. O deixou cair, apertando as abas do casaco, e o chamou:
— Espera! — Ele se virou e ela levou alguns segundos, até dizer: — Eu vou aí com você — disse baixo.
O sorriso de foi simples e ele assentiu, virando Athus para que ficasse diante dela. Estendeu o braço e o encarou com os olhos confusos.
— Nunca andou com alguém de cavalo? — Ela negou. — Segure minha mão bem firme, eu vou te puxar e você passa sua perna para o outro lado.
Fazendo o que ele disse, sentiu um frio na barriga ao montar atrás, passando os braços em sua cintura rapidamente por conta do seu medo de altura. Athus era muito alto.
— Segura firme, eu odeio tomar chuva.
— O quê? — Ela perguntou, não entendendo o comentário dele, porém não obteve resposta. disse algo e chacoalhou as rédeas, fazendo Athus galopar e a assustar. — ! — apenas fechou os olhos, apertando-o mais.

Capítulo 4

Havia muito tempo que em Ruthertown não chovia como se o céu estivesse desabando somente em água acima da cidade dentro de um estado americano totalmente desértico. A lama toda que se formava no chão tornava impossível para andar com qualquer tranquilidade e, por mais que a chuva estivesse amena depois de uma longa tempestade, estava tudo vazio e pacato demais.
Para o desgosto de .
Além do movimento ter diminuído e quase ninguém se movimentar pelos bares, era a coisa mais terrível de seus dias quando tinha que cuidar dos cavalos do rancho do senhor Fasber e da fazenda Ruthers — basicamente a família fundadora da cidade, sendo a mais rica, com os cavalos mais bonitos e bem cuidados que já tinha visto em todos os seus trinta anos de vida —, ficava tudo pior do que um caos da poeira erguida em dias de muito vento. Entretanto, ainda continuava amando o que fazia.
— É isso, Athus. Todos bem cuidados, podemos ir embora agora que a chuva deu uma trégua. — Se posicionou ao lado de seu cavalo, fazendo um carinho na crista bem macia dele. Athus, em resposta, bufou e balançou seu rabo, virando a cabeça para uma direção contrária. Seguindo o olhar, franziu o cenho, reconhecendo para onde levaria. — O que? Você quer ir para a cachoeira? Nesse tempo? Está maluco? — choramingou, ouvindo outra bufada do cavalo, seguida de um relinchar. — Tá, ok… Só porque me parece uma boa ideia…
Se dando por vencido, montou em Athus e, automaticamente, foi levado por seu cavalo. Parecia que o animal estava esperando por aquilo há muito tempo e que sua deixa fora o presente mais precioso que ele poderia receber.
Ao chegarem na cachoeira, cheia demais por conta da chuva daquele dia, desceu e mal teve tempo, pois Athus logo se apressou a ir beber água, indo, em seguida, pelo outro lado que dava em algumas pedras, onde ele gostava de ficar.
— Tá bom, seu cavalo mimado… Mas não pense que vamos demorar, hein!? Daqui a pouco volta a chover novamente… — alertou, com as mãos na cintura, enquanto observava o céu.
Depois de um longo suspiro, decidiu aproveitar sua parada ali para um banho. A água deveria estar gelada demais, com certeza, mas todas as vezes que se banhava naquela cachoeira, voltava para Ruthertown com suas energias renovadas. Uma pessoa completamente diferente.
Começou a se despir, colocando suas peças de roupas perfeitamente posicionadas em uma pedra, para não caírem no chão e sujaram de poeira. Mas, perfeccionista como era, dobrou pela terceira vez sua camisa de oncinhas, colocando-a em cima do casaco novamente, somente para sentir o que estava sendo guardado no bolso interno dele. O livro que estava lendo em seu último encontro e que ela deixou cair no meio da poeira.
"Dom Casmurro" era o nome e ele não fazia ideia do que aquilo significava, ainda mais por, aparentemente, estar em outro idioma.
Soltou um riso abafado ao observar o livro em uma mão e sua camisa de oncinha em outra, com a voz dela em sua cabeça, soando ora séria ao comentar sobre sua roupa e ora estridente pela própria teimosia e orgulho estando perdida.
Como se saísse de um transe, devolveu o livro para o bolso do casaco e a camisa em cima da pedra, virando-se para a direção da água. Deu seus passos até a beirada e colocou primeiro a ponta do dedo, sentindo a temperatura gélida. Respirou fundo e repetiu o mesmo novamente, desta vez mais devagar, tomando coragem de ir com seu corpo inteiro. Porém, naquele silêncio, um grito o fez se assustar e desequilibrar, caindo por inteiro na água. Ao retornar à superfície, ele viu uma silhueta familiar em um vestido de seda e botas grossas demais para serem de segunda mão.
— Você é louca? Eu podia ter me machucado! — ralhou, passando a mão no rosto para remover o excesso de água.
— E você queria que eu chegasse com toda calma como uma cobra a dar o bote e dissesse "ei, , se importa de tampar essa sua bunda branca?" — retrucou, virando-se para ele com as mãos na cintura. — Não te ocorreu que outras pessoas poderiam aparecer?
— Num dia de chuva? — Ele riu. — Meu amor, ninguém vem aqui nem mesmo nos dias normais. Ninguém em Ruthertown descobriu esse lugar.
o mediu por um momento, suavizando sua face.
— Faz sentido eu estar vindo aqui há três dias e não ter visto ninguém — disse baixo, mais para si mesma.
— Você descobriu essa cachoeira sozinha? — franziu o cenho e ela apenas assentiu em resposta. — E como estava perdida aquele dia?
— Dessa vez eu tomei mais cuidado para não ficar dependente de um qualquer aparecer. — Ela sorriu.
Algo no estômago dele chacoalhou de forma azeda e a feição de se fechou.
— Boa sorte desbravando o final do deserto então, senhorita Cafrey.
Ele se virou, mergulhando na água o mais fundo que podia. Ao chegar perto da queda d’água voltou para a superfície, notou que estava sentada no chão e com um livro em seu colo. Contra sua própria vontade, retornou para a beirada.
Se apoiou em uma pedra, olhando para ela.
— Você trouxe uma mala só de livros? Como o navio não afundou? — perguntou, genuinamente curioso.
ergueu o rosto lentamente para encará-lo, fechando a página que estava aberta.
— Por que você não aceita que as pessoas não caiam no seu charme? — disse, mantendo o olhar fixo no dele. — Só por que eu não cai no seu charme da roupa brega e o cavalo bem cuidado, decidiu implicar comigo?
assentiu, rindo fraco.
— Ok, nessa relação aqui, eu não fui o primeiro a implicar… Que fique claro — gesticulou, tendo total a atenção dela. — Mas acho que começamos errado. Então, a julgar pela distância em que estamos e o tempo, vou pedir para você virar de costas pra eu sair daqui e me vestir. Assim podemos ir embora antes de tomar muita chuva. E eu, de verdade, odeio tomar chuva.
O silêncio de durou bastante tempo e com a demora, se enfezou, começando a sair da água.
— Ah, seu infame! — Ela tampou o rosto imediatamente sob os risos dele.
— Para uma pessoa tão certinha, você não me pareceu tão ofendida assim em ter visto minha bunda branca e parte do meu corpo nu fora da água — comentou enquanto se vestia, mesmo molhado. — Quem sabe sua implicância com a minha estampa de oncinha seja pelo desejo de me ver sem ela, hum?
— Seu idi... Arhg! — ia começar a reclamar, tirando a mão do rosto, mas viu que ele estava ainda sem calça e apenas suspirou, irritada.
não disse mais nada e quando terminou, tinha Athus já posicionado ao seu lado, como um bom cavalo treinado. Olhou para dentro do bolso de seu casaco e em seguida para ela, sentada ainda na mesma posição, parecendo uma das crianças barrentas das aulas de galope na fazenda Ruthers. Suspirou, tirando o livro de dentro do bolso.
Com um pigarro, ele teve a atenção dela, que descobriu os olhos com lentidão.
— Eu já estou vestido… — Ele assegurou, estendendo o objeto para e não contendo o revirar de olhos.
Devagar, ela analisou, parecendo como Athus quando tirava breve minutos para reconhecimento de ambiente.
esticou a mão, pegando o livro.
— Você…
— Foi Athus. — Ele respondeu rápido demais, pigarreando novamente para engrossar a voz. — Ele tropeçou no livro. Não está inteiro, mas ainda tem alguma coisa.
Ela sorriu de forma quase que imperceptível, abraçando o livro.
— Obrigada. — sussurrou, soando emotiva demais. — Foi um presente da minha mãe, uma das poucas lembranças que ela tinha do país de onde saiu ainda nova. Você diminuiu minha culpa em quase cem por cento.
assentiu, olhando para Athus, meio sem graça.
— Não fui eu, foi Athus. Athus quem diminuiu sua culpa.
Novamente o silêncio tomou conta do ar entre os dois e desviou o olhar para encarar qualquer ponto que não fosse ela e sua aparente devoção a um livro que jamais tinha sequer ouvido falar — ele também não era muito conhecido por cultuar com literatura. Quando um trovão ecoou pelo céu, ele voltou à sua realidade, olhando-a ainda sentada no chão.
Suspirou, deixando seu lado cavalheiro tomar conta de toda a sua racionalidade. Estendeu o braço para ela e pigarreou, mantendo a outra mão na cintura.
— É melhor irmos logo, daqui a pouco já começa a chover e… — pensou um pouco se deveria ou não dar vasão ao que lhe ocorreu brevemente. — Você não vai querer estar doente em um dia de festa no rancho Fasber.
estreitou o olhar, erguendo apenas o rosto para encará-lo.
— Festa? — questionou confusa.
— Sim, vou te levar para cultuar com outras pessoas hoje e não se preocupe, você estará segura. — Ele deu de ombros.
— E como espera que eu confie em você? — arqueou a sobrancelha.
— Eu não espero. — sorriu.
Levou alguns segundos entre os dois se encarando naquela situação: sentada e em pé à sua frente, com o braço estendido. Ela assentiu e segurou na mão dele com força, sendo puxada para cima com certa "brutalidade", forçando o choque entre os dois corpos.
A testa de batia na altura da clavícula de e ela apenas ergueu o olhar para ele, segurando na altura do ombro dele pelo medo de desequilibrar quando fora puxada. Se não fosse por Athus e seu relinchar, teriam ficado ali por mais tempo.
Um tempo relativo, claro.

Capítulo 5

não tinha um guarda-roupa de muita diversidade, ele era aquilo mesmo: dono de um estilo com as tão novas estampas animais, que vinham chocando o mundo da moda e reinventando alguns termos como o "brega" e "gosto duvidoso", com um cabideiro cheio de casacos de cores únicas, misturado em tons pastéis e os mais coloridos, às camisas de estampas de oncinha, zebra, até mesmo girafa. Portanto, ainda que tivesse um estilo unicamente extravagante, o que brilhava mesmo para as moças — casadas ou não, que fique claro — de Ruthertown e adjacências, não era a fivela de seu cinto sempre ilustrada, mas sim um charme indefinido. Talvez pudesse ser o sorriso, a forma como deixava a gola da camisa dobrada e meio amassada onde os botões ficavam abertos, ou não, fosse algo de aura mesmo.
Por onde ele passava, montado em cima do lombo de Athus ou não, arrancava suspiros longos. Todos sabiam sobre , o tratador dos cavalos das fazendas rutheranas, e sua fama se dava pela simpatia, pelas mil e uma histórias engraçadas, por sempre ajudar a vizinhança e soar como um bom herói, além de um leve tom de bom moço, embora tivesse seu lado cafajeste camuflado.
Mas não sabia de absolutamente nada disso, ela sequer teve o ímpeto de perguntar à Morgana o motivo de seu tio insistir que ficasse longe de alguém que estava quase que diariamente tão perto. Ainda sem mencionar o fato de não ter tido nenhum impulso, além do próprio orgulho, para se manter de fato longe dele. E era por isso mesmo que ela não queria falar sobre ele, mesmo estando horas a frente do espelho se arrumando para aquela noite: pela sua personalidade mimada e insistente em uma teimosia.
Porém, ela não queria saber sobre ele e estava pouco se importando para a pulga em sua orelha que insistiu em aceitar o convite, que lhe fora feito mais como uma intimação, para a tal festa.
Do lugar em que estava diante do espelho, tinha a visão perfeita da frente do hotel, e pôde ver a chegada de .
Respirou fundo, sorrindo uma última vez para seu reflexo.
Vestiu seu par de luvas de seda com tule na cor branca — assim como todo o resto da palheta de sua mala — e a pequena bolsinha em pano, de tamanho suficiente para ser segurada pela mão. Saiu de seu quarto sem muita pressa, caminhando tranquilamente pelo corredor, sendo educada em cumprimentar o casal que estava chegando para seus aposentos. Quando finalizou a escada, checou se seu tio já estava de volta da capital, mas notou tudo muito silencioso. Então, por fim, caminhou até a porta, saindo.
A brisa da noite estava gostosa e a rua parecia mais seca, como se não tivesse chovido durante aquele dia e os dias anteriores. Ainda tinha um pouco de lama, mas nada como antes. Só que não era o clima ou o cenário iluminado pelos postes naquela pequena cidade do velho oeste, que jamais pensou que apreciaria tanto quando fosse visitar o tio, usando isso como desculpa para não acompanhar o pai nas reuniões exaustivas. Ao finalizar o último degrau da escada da varanda de entrada do hotel, parou no lugar, sentindo o vento bater em seu pescoço e mover seus fios de cabelos parcialmente soltos, que não eram segurados pelos dentes de sua presilha por sua camada pesada.
Prendeu o ar em seus pulmões para conter o ímpeto de medir de cima a baixo, achando como um perfeito alvo o chapéu branco dele. Parecia lhe cair tão bem, em perfeita harmonia até mesmo com o restante de suas vestes.
E a camisa de oncinha com os botões abertos.
— Sou eu? — franziu o cenho, olhando para os lados, apontando a si mesmo de forma totalmente confusa. — Você está a todo esse tempo olhando para mim? Uau.
retornou a si, revirando os olhos. Rapidamente sua mente se fixou no segundo cavalo ao lado de Athus e o usou como desculpa.
— Claro que não, idiota. Quem é… — notou ser fêmea. — A moça? — apontou.
, ainda mais confuso pela pergunta, se virou rapidamente, assustado.
— Ah… — riu fraco, suavizando sua postura. — A moça é Ahra, irmã de Athus. Vai ser sua guia de hoje. Ela é a segunda mais confiável nessa cidade.
— Não me diga que a primeira seria você.
— Não digo. É Athus. — sorriu aberto. — Então, se você quiser vir embora rapidinho da festa, Ahra irá te trazer em segurança.
Ela levou um tempo refletindo, segundos na verdade. Uma feição de ultraje tomou conta de seu rosto e os braços foram cruzados em perfeito orgulho na altura de seu peito.
— Pois saiba que não confio em você e nenhum desses seus cavalos — disse metodicamente.
— Tudo bem, escolha sua. Eu vou indo porque tenho hora. E perder uma festa Fasber é a última coisa que um reles mortal como eu deseja.
respondeu tranquilamente, sem soar afetado como ela esperava que iria. Ele não parecia se importar com metade das malcriações de e isso estava deixando-a mais intrigada, porque soava como se ele a visse com indiferença. E ela não estava acostumada a isso. Sua palavra era sempre a última, mas parecia não ligar nem para quem daria a primeira.
Dando-se por vencida, ela soltou os braços e deu sua breve caminhada em direção a ele, que já estava de costas, arrumando as rédeas de Ahra e Athus.
— Tá bom! Qualquer coisa que me acontecer é sua cabeça que irá enfeitar a lareira do meu pai, tanto faz — disse a ele de maneira serena, recebendo um olhar de tédio.
— Você vai ter que pedir para ele entrar na fila e primeiro falar com o prefeito. O queridinho de Ruthertown tem mais segurança do que...
— Queridinho? — Ela o cortou com escárnio, dando os passos até Ahra, que a encarou um pouco arisca. a mediu, cautelosa. — Você pode nos apresentar, por favor? Chega de papinho.
— Além de teimosa, a princesa é exigente. — Ele estalou a língua no céu da boca e pegou a rédea da égua, ficando ao lado dela, de frente para . — Cavalos são como pessoas — começou a explicar suavemente, fazendo carinho na cara de Ahra. —, eles não gostam de se sentir ameaçados.
— Eu não sou uma ameaça…
— Mas age como se estivesse sob uma constante. Sempre na defensiva. — rebateu rápido, parando o carinho em Ahra e encarando . — Estique o braço devagar e acaricie o pelo dela com calma, como se… como se fosse um dos livros que você tanto gosta e te transportam para perto de sua mãe.
Falar sobre sua mãe era como tocar em uma ferida aberta que precisava de muito cuidado para ser tocada, cuidada. Tal observação de , sobre os livros que sempre carregava — sendo uma maneira silenciosa de lhe manter tão perto dela, que amava e tinha diversos exemplares —, lhe pegou de surpresa, como se tirasse diversas camadas de sua defensiva. Um muro de defesa, inclusive, que mantinha há muitos anos para qualquer pessoa, sem jamais ter falado sobre.
E a sensação de tocar Ahra foi mesmo algo transportador, como se estivesse a levando para um ambiente somente dela. Um lugar novo.
— Pronto. Uma primeira amiga em Ruthertown. — tomou sua atenção e se afastou. — Podemos ir agora? Você sabe montar?
respirou fundo, fazendo a volta em Ahra. Analisou a altura e seus ombros murcharam em silêncio, admitindo para que a resposta era negativa. Ele não disse nada, foi para o lado em que ela estava e se colocou atrás de seu corpo, apenas sussurrando um pedido de licença para que tocasse sua cintura e a impulsionasse para cima, lhe ajudando a subir no lombo de Ahra.
Ela agarrou a rédea e ouviu atentamente as instruções dele.
— Não fale alto e os movimentos devem ser sempre suaves. Ahra não anda atrás de Athus, então estaremos lado a lado, qualquer coisa estou bem perto. — assentiu, ainda quieta. — Mas não é como se você fosse precisar do príncipe do cavalo negro para te salvar, não é princesa? — E não perdeu a chance.
Certamente, revirou os olhos.
Não houve nenhuma resposta, ela estava quieta e absorvendo o momento, de forma impassível para , claro. Soava como um afrontamento sequer cogitar a possibilidade dela dizer que estava considerando aquele momento confortável perante a presença dele, portanto parecia mais coerente para si que se mantivesse quieta e observadora; algo que, inclusive, lhe marcava como uma característica de seus traços de personalidade: observar mais e falar menos.
Fez isso por todo o caminho que fizeram, notando que passaram pelo local que encontrou a primeira vez que esteve perdida e, em sequência, próximo à rota que daria à cachoeira — que ela ainda achava curioso existir num lugar desértico como Ruthertown. Ele não lhe disse nada, parecendo respeitar seu espaço, enquanto ela lutava para se concentrar em não apertar demais as cordas de Ahra e desviar sua atenção para observar ele com mais afinco. Só poderia estar louca antes mesmo de consumir qualquer líquido duvidoso da tal festa se deixasse seus pensamentos confusos divagarem mais.
Quando a luz do caminho se tornou mais forte para além da lamparina segurada por e um barulho começou a se fazer presente, observou a cerca à sua volta, que vinha já desde muito longe na estrada, dar abertura em uma porteira.
— A gente para por aqui — ouviu a voz de lhe chamando a atenção e olhou para a direção dele, parando os cavalos. — Vou arriar Ahra e Athus.
apenas assentiu e esperou que ele lhe ajudasse a descer.
Não demorou muito e começaram a caminhar.
Conforme foram entrando, seus olhos analisaram cada passo de cada pessoa que passava ao seu lado, acenando para — as mulheres em sua maioria, querendo se jogar e em cima dele, com seus decotes fartos e os cabelos encaracolados em penteados exuberantes — e foi automático quando parou no meio da estrada, com seus pés recusando-se a continuar qualquer caminhada.
Ele ria mais a frente com alguma donzela muito “simpática” em sua concepção, quando viu a feição da moça se tornar confusa para a sua direção. disse algo a ela, que apenas sorriu e lhe dispensou, voltando até .
— O que foi? Travou? — perguntou, preocupado, parando ao lado dela.
virou o rosto para , totalmente devagar, sem piscar e com os olhos arregalados. Ergueu sua bolsa lentamente, lhe dando uma bofetada no braço.
— Eu não acredito que você me trouxe em um lugar assim! — disse esganiçado.
— Assim como, maluca? — Ele passou a mão no braço, encarando-a confuso.
Na verdade, era bem esperto, ele tinha entendido o que ela quis dizer. Só não queria acreditar no tom.
— Assim! — gesticulou, apontando para frente. Ele seguiu o olhar, ainda em silêncio. — Vulgar.
— Qual o seu problema? — Se virou para , perdendo a paciência. — Por que você não aceita que as pessoas sejam elas mesmas? — pontuou.
Teve algo na pergunta dele que lhe soou nostálgico, mas ela continuou com a feição de poucos amigos, não dando o braço a torcer.
— E-Eu… Não é isso — suspirou. — Eu quero ir embora. Você pode ficar se quiser…
se virou a passos largos de volta pelo mesmo caminho, abraçando o próprio corpo. Apressada, parou diante de onde os cavalos haviam sido arriados e se assustou ao não encontrar Ahra, somente Athus, que parecia a encarar desejando tomar qualquer distância.
Até ele estava a julgando naquele momento.
— Que droga! Cadê Ahra? — olhou em volta, choramingando. Quando retornou em posição de frente com Athus, viu desamarrando a corda dele, apressado e parecendo irritado. — O que está fazendo?
— Vou levar você embora. — Ele respondeu sem muita vazão.
— Não preci...
— Você está sob minha responsabilidade, . — Se virou para ela, dizendo sério. — E é sobrinha do Park. Ele é como uma família pra mim e eu jamais decepcionaria qualquer um que signifique tanto. Então, só aceita. Já que quer ir embora e Ahra sumiu, eu te levo.
Ela não disse nada, apenas assentiu, dando passos para trás, para que ele pudesse movimentar Athus e subir em seu lombo, a puxando em seguida, como já parecia ter se tornado um costume.

Capítulo 6

— Você vai mesmo o caminho todo andando?
Custou para que os lábios de lhe obedecessem e se movessem para proferir o que tanto estava em sua mente há alguns minutos. Em cima do lombo de Athus, ela segurava na dobra da cela para se equilibrar, enquanto a rédea era puxada por , que caminhava ao lado.
Ele não respondeu. Sequer emitiu qualquer comentário seco ou sarcástico. Estavam assim, em silêncio, ouvindo apenas os passos lentos de Athus por cima da estrada de terra, cheia de pedregulhos, desde que saíram do rancho.
não poderia negar que lhe consumia por dentro estar repensando seu próprio comportamento naquela noite. Em uma análise sobre si, concluiu que qualquer outra pessoa teria largado-a abandonada no meio de um lugar desconhecido, sem saber como e por onde voltar para a cidade, somente com a luz do luar e das estrelas — até porque a lamparina usada era de e fora ele quem carregou durante a ida para clarear o caminho. Porém, ele ainda se importou de alguma forma com o todo; não era egoísta, afinal. Diferente dela, que estava soando como uma de suas primas que só se importam com roupas caras, beleza e casamento desde que havia chegado na América.
O que sua mãe diria sobre isso?
Se questionar e ter uma resposta negativa para isso lhe fez querer encolher-se em um casulo. Assim como a falta de palavras que o silêncio de trazia.
Respirou fundo, mordendo o lábio para se encorajar outra vez.
— Me desculpa — o volume saiu baixo, mas ela viu pelos ombros dele que tinha escutado. Estalou a língua no céu da boca, bufando. — Não espere que eu fale mais alto só pra te estender um altar.
Por fim, parou, virando-se para ela com sua feição incrédula.
— Você acha mesmo que eu espero alguma coisa de você? — Ele riu seco. — O mundo não gira em torno de Cafrey, sabia? Qual a sua idade? 15?
— Embora eu acredite ser uma pergunta retórica, não, eu tenho 18.
riu de novo.
— Muito bem, meus parabéns, adulta. Você só esqueceu de amadurecer, não é? — disse, com sua voz elevando-se um pouco.
— Olha, eu já pedi desculpas. O que mais você quer? — travou a mandíbula, olhando para ele fixamente.
— Nada que venha de você. Eu só quero deixar você no hotel e ir pra qualquer lugar que seja longe. Você é totalmente diferente do Park e agora faz total sentido pra mim que ele queira distância da sua família.
Ao fim da fala de , sentiu o peito se apertar, porque era basicamente o mesmo tom de julgamento que sua mãe tinha em seus diários sobre a família de seu pai. Ainda que tivessem tido uma história muito bonita e um amor genuíno, principalmente ligado ao fato de ela ser estrangeira, sua mãe contava em seus relatos pessoais que talvez o amor não tivesse sido tão suficiente assim.
E o maior pavor de era se tornar alguém mesquinho o suficiente, sendo incapaz de observar ao redor e ver algo além de si própria. Mas, pelo jeito que a apontou aqueles dedos, ela estava sendo justamente o que não queria ser.
Porém, seu orgulho foi maior. O bolo em sua garganta se fechou e, para não chorar ali na frente dele, ainda sendo orgulhosa demais para isso, desceu de Athus de qualquer forma e passou por ele, continuando o caminho reto, ignorando o chamado alto por seu nome, até que seu corpo foi puxado em um solavanco e chocou-se contra o de .
— Eu disse que ia te levar embora. — Ele disse com a voz baixa, rouca e mais próximo do que ela estava acostumada, segurando em seu braço sem muito apertar e com o outro braço em sua cintura.
Os olhos de encararam os lábios dele, diretamente em seu ângulo, e ela ergueu o rosto, sentindo a brisa gelar um pouco na pele molhada pelas lágrimas silenciosas.
Não disse nada.
Sentiu uma leve tremedeira em seu estômago quando o braço de saiu de sua cintura e o polegar alcançou a primeira bochecha, como se estivesse secando as lágrimas.
E foi o que ele fez, dos dois lados.
— Está ficando muito frio, vamos logo.
apenas assentiu e o seguiu de volta até Athus, vendo-o montar e estender o braço para ela. Analisou a posição, notando que, ao subir, ficaria sentada em sua frente e não atrás, como já tinha acontecido nas outras vezes. Levou alguns segundos para que aceitasse e fosse puxada, sentando-se de lado no lombo de Athus, tendo os braços de em volta do seu corpo, enquanto os dedos apertavam firmemente a rédea do cavalo, também em um ato de mantê-la segura ali.
De uma forma estranha, se sentiu segura não só de cair daquela altura do animal fiel a ele, mas de um jeito além, que não conseguiria explicar naquele momento. Seu corpo parecia totalmente à vontade estando abraçada por ali e o cheiro dele, agora mais forte em suas narinas pela aproximação.
O perfume de era diferente e ficaria preso em sua memória por muito tempo, assim como todos os detalhes que o formavam e ela conseguia analisar de tão perto agora. Se já estava sentindo-se afetada sem saber ao certo como e porquê, tendo-o ali, pertinho o suficiente para alugar um espaço em sua cabeça, contribuiu muito mais. Tanto que sequer notou quando as luzes da cidade já estavam fortes e Athus passava pelo caminho conhecido até o hotel, na bifurcação mais movimentada das ruas.
Estava tudo um tanto vazio por conta da festa no rancho. Ao que parecia, a cidade toda ia para lá, e quando pararam diante do destino final, totalmente aleatória, perguntou a primeira coisa que veio em sua mente, a fim de não encerrar aquele cenário entre os dois.
Já estava com saudade de algo que ela não entendia porque queria tanto aproveitar.
Algo confuso e perturbador.
— Como você sabia que ler me faz sentir mais perto de minha mãe?
não se afastou, mas franziu o cenho e, sem soltar a rédea de Athus, respondeu com a voz baixa em rouquidão:
— Eu não sabia.
Não houve uma resposta, sequer qualquer movimento que pudesse dizer algo a ele. permaneceu quieta e encolhida ali em seus braços.
Ele tomou uma lufada de ar e, de forma serena, completou:
— Você não é a única pessoa no mundo a ter problemas e uma história, . Em algum lugar alguém também não conheceu a mãe e gosta de carregar livros embaixo do braço por aí… Em outro, com certeza existe uma pessoa que se acha sabichona e é teimosa, mas vive precisando de ajuda.
— Não poderia simplesmente parar na primeira parte? Precisava apontar meu defeito?
— Olha só, então sabe qual é o seu defeito…
ergueu o rosto, encarando-o nos olhos, mas o efeito sério que tinha a intenção de tomar acabou tendo outro rumo. Seu olhar foi mais profundo do que esperava e estava o encarando a fundo, como se sua mente estivesse, por si só, memorizando cada traço dele.
Notando o clima um pouco ameno demais, desviou o olhar.
— Escuta, eu também tive problemas na sua idade. Ficar perto de cavalos me faz sentir bem. Todo mundo tem um refúgio em algo para se esquecer de alguma parte da vida — disse.
— Adoraria ver você fazendo o que te faz bem… — respondeu rápido, não controlando as próprias palavras, o que mostrou ser um desejo genuíno. Umedeceu os lábios, não fugindo do que estava fazendo. — Dá pra ver por Athus o seu empenho…
Quem ficou sem resposta foi , assim como a falta de qualquer reação. Seus olhos miravam os de ao mesmo tempo que tremeram até os lábios dela, parecendo ficar mais próxima a cada vez que suas pálpebras se fechavam e abriam novamente. Em sua frente não parecia mais ter a mesma pessoa birrenta e que ele não queria mais encontrar; olhando para agora, só enxergava os olhos de alguém que ele queria manter ali, em seus braços.
Em seus braços e lábios. Porque o primeiro toque, embora seu mais íntimo estivesse com medo da primeira reação que ela teria ao tocar sua boca na dela, soou tão perfeito que o desejo deixou de ser momentâneo e cresceu mais, tornando-se uma crescente conforme aquele encontro foi durando por mais segundos que ele podia contar.
Não imaginaria que o encaixe com seria tão perfeito a ponto de não querer mais parar. A ponto de sentir uma dor absurda ao ter que se afastar para tomar um fôlego e ver a figura de Park parado na escada da entrada do hotel, com uma feição de total reprovação.
— Merda! — murmurou muito baixo, se afastando dela.
virou o rosto para frente, vendo o mesmo e sentindo seu corpo tremer. O tio nunca tinha lhe encarado daquela forma.
— É melhor você ir.
— Mas
— Vai. Nos vemos depois. — Ele a cortou, dizendo em seu ouvido. o encarou com pesar, relutante, e se afastou, empurrando-a delicadamente para que ele pudesse descer de Athus. Assim que o fez, a puxou pela cintura.
— E-Eu… — Ela gaguejou, encarando-o. — A gente vai se ver amanhã, não vai?
O olhar dele passou por cima do ombro dela, rapidamente encarando Park, ainda parado no mesmo lugar.
— Sim — disse, soando um pouco hesitante.
— Me promete. — insistiu.
Em um reflexo imediato, assentiu, selando sua testa com carinho.
— Prometo.
se virou e caminhou rápido, sendo parada por seu tio, que lhe disse palavras em um tom de voz muito baixo, impedindo de escutar. Mas ele conhecia o amigo muito bem para saber que estava decepcionado e ele quis que tal decepção fosse somente dele, não para ela.
Afinal, fora quem não soube se controlar e encontrou um clima naquele momento todo, cortando a distância total.
— Eu só te pedi uma coisa! Uma! Você é mesmo muito egoísta pra não pensar em se dar bem até com a minha sobrinha. Fique longe dela, . Enquanto estiver aqui, procure um lugar para ficar… E pode considerar permanente. — O dedo do amigo lhe foi apontado com dureza, e lhe deu as costas antes mesmo que ele pudesse refutar.
— Park! Espera… — tentou dar alguns passos, mas foi ignorado. — Eu… — deixou a fala morrer, murchando os ombros e se virando para Athus, que o encarava como quem dissesse que o erro era todo dele.

Capítulo 7

— O que está fazendo aqui? — parou imediatamente diante da porta assim que entrou no galpão e viu em um banco à frente do balcão do bar. Seus olhos miraram Liza e Izy, uma de cada vez, engolindo a seco.
— Morgana me deu as instruções e eu encontrei Ahra pelo caminho. — A resposta de foi simples. — Cheguei cedo demais aqui e as meninas me apresentaram o lugar — sorriu, olhando de uma para a outra.
— Por que não nos apresentou antes, ? — Liza perguntou, levantando-se e se aproximando dele. — Ela é bem inteligente. Uma pena que não vou ficar para aproveitar a festa com ela.
ainda estava sem reação, apenas petrificado e sem saber como agir. Não sabia o que dizer ou se deveria dizer alguma coisa; só conseguia encarar , ainda que Liza estivesse tão próxima e com a mão em seu peito, em seu usual vestido que a deixava tão esbelta. Ele estava ignorando aquilo, só queria olhar para uma única direção e não importava nem um pouco o tom sugestivo de malícia usado por Liza.
E Izy pareceu notar que ele estava perdido nos próprios pensamentos; sorrindo ladina, ela se levantou, indo até ele e puxando a mão de Liza, recebendo um olhar furioso da outra.
— Você já teve a sua vez, Izobel! — Liza ralhou.
— Não seja ridícula. — Izy revirou os olhos. — O senhor Fasber pediu aquele favor pra gente hoje.
Liza não entendeu rapidamente, mas o olhar firme da amiga lhe fez compreender e murchar os ombros. Reagindo tal qual um cachorrinho abandonado, foi puxada para fora em protestos e dizendo que a estrangeira tinha perdido o encanto.
riu fraco, mas tão sem jeito quanto . Foi a primeira a dizer algo quando ficaram sozinhos, porém.
— Você prometeu que nos veríamos hoje, vim garantir que sua promessa fosse cumprida.
— E como sabia que eu estaria aqui? — Ele perguntou automaticamente, arrependendo-se da escolha genérica, e levou as mãos aos bolsos.
— Resolvi testar minha sorte. — deu de ombros.
Os olhares continuaram presos um no outro, mas sem nada a dizer por um tempo. A movimentação estava se iniciando e mais pessoas começaram a chegar, vendo parado como uma estátua ou uma pessoa simples diante de uma cobra, com medo. E, na verdade, ele estava receoso.
Entretanto, o receio não era maior que a sua vontade.
— Você quer ficar aqui? — perguntou, se aproximando de .
— Eu vim pra ver você. — Ela respondeu, corando as bochechas. — O que sugere?
Os lábios dele formaram um sorriso, estendendo a mão para ela.
— Confia em mim? — perguntou baixo.
apenas assentiu e pegou a mão dele, tendo seus dedos entrelaçados. a puxou para fora dali, não dando atenção alguma para qualquer um que o chamou pelo caminho até chegarem em Athus, arriado no mesmo tronco da noite anterior.
— Ahra estava aqui. Eu deixei ela aqui… — Ela disse, confusa, ao notar a ausência da égua. Levou as mãos à cintura quando foi solta por .
— Ela gosta de liberdade, ainda não sei como consegue fugir assim… Mas não importa como seja presa pela rédea, ela sempre irá escapar. — Ele explicou, soltando Athus. Montou no lombo dele e estendeu a mão para puxar , a colocando sentada de lado em sua frente. — Eu acho que você vai gostar.
Estavam muito perto, podia ver todos os poros de . Não disse nada, apenas sorriu simples, tendo a mesma sensação do dia anterior: proteção. Os braços dele em volta de seu corpo pareciam criar uma camada grossa de segurança, algo que ela jamais sentiu em qualquer um dos lugares em que esteve, nem mesmo com seu pai.
A atmosfera que se criava entre ela e estava lhe servindo como um grande fator para expandir sua própria mente. A última coisa que queria naquele momento era se afastar, o que incluía sua partida de volta para casa dali três dias.
Resolveu ignorar qualquer pensamento confuso e preocupado, aproveitando somente o momento em que estava, o futuro ficaria para depois. O importante era o que estava vivendo ali, no fim de tarde, vendo o sol se pôr e sem saber qual seria a surpresa feita por . Estava ficando ansiosa, com uma expectativa no que ele tinha escolhido para surpreendê-la e, assim que despontaram quase no topo de uma colina, parecendo ainda estarem na propriedade Fasber, ela sentiu o coração acelerar.
— Esse é o lugar em que eu trabalho e passo a maior parte dos meus dias. — disse em sua orelha, baixinho, mantendo o olhar fixo para a imensidão lá embaixo, cheia de cavalos.
— Uau… São muitos. — disse deslumbrada, porque além dos inúmeros cavalos lá embaixo, o sol se pondo também fazia a pintura ficar completa. — Você cuida de todos eles?
— Sim. E também cuido do gado bovino e ovino — disse, soando orgulhoso.
notou o brilho no rosto dele, os olhos felinos refletindo a satisfação do que olhava, e sorriu. Pensou e repensou tudo o que ouviu de seu tio depois de ele ter pego os dois se beijando na frente do hotel, mas nada fazia sentido, nenhuma palavra negativa sobre tinha qualquer fundo de verdade enquanto ela o encarava naquele momento.
Suspirou lentamente, sentindo o corpo relaxado, e pousou a cabeça no ombro dele, olhando para a imensidão natural que tinha em seu ponto de vista. Parecia bom demais para querer ir embora.
— Eu me sinto lisonjeada por estar aqui, embora saiba que faz parte do seu charme para conquistar mocinhas desconhecidas.
riu fraco, segurando o queixo dela.
— O meu charme são os botões abertos e a camisa de oncinha… — disse baixo, olhando nos olhos dela. — Mas isso não funciona com você, tive que testar algo novo.
— E está dando certo.
Não demorou, mas também não tinham pressa. Os lábios dos dois se encontraram em um beijo calmo, sem desespero, encaixando-se perfeitamente em sincronia. O fôlego dividido era extenso e não foi preciso muitas pausas, haja visto que a vontade de se manterem colados era maior.
Beijar deixaria uma falta absurda em , mas por enquanto ela só precisava se preocupar em resolver uma única coisa antes de partir: poder aproveitar a companhia dele sem que precisasse mentir para seu tio e a amizade dos dois fosse restaurada.
Cuidaria disso depois. Por ora, só queria ficar ali, colada em quem estava disparando seu coração e lhe dando um calor descomunal a cada toque — o que tinha potencial de facilmente se tornar um vício.

Capítulo 8

A manhã estava ensolarada outra vez, mal parecendo que os dias anteriores tinham tido um clima instável, com muita chuva. Para , ainda parecia algo estranho pensar que Ruthertown, sendo uma cidade num estado desértico, chovia e continha algumas zonas com outros tipos de plantas além de cactos e árvores com galhos secos. Havia adorado descobrir a cachoeira, embora não fosse nada parecido com o que conhecia, e caminhar por locais quietos para apreciar sua leitura no silêncio, mesmo que em alguns momentos o clima estranho tivesse lhe custado alguns vestidos.
O ponto principal de sua estadia na pequena cidade estava se dando, porém, por ter conhecido e a forma como ele conseguiu amenizar até mesmo sua auto defesa que parecia incurável. Tinha algo sobre ele que não sabia como descrever, mas o efeito sobre si só aumentava.
Poderia ter amanhecido um dia chuvoso; ainda assim, ela teria saído da cama igualmente empolgada e feliz, se arrumado como nunca, sem conseguir controlar os suspiros ao se lembrar da noite anterior, quando esteve com ele por horas conversando. Nem mesmo o fato de que iria "enfrentar" seu tio estava lhe tirando a serenidade. Pelo contrário, estava ansiosa para conversar com ele e convencê-lo que não lhe faria nenhum mal, que, àquela altura, era o extremo contrário. Na noite anterior, ele até mesmo insistiu para que fossem logo embora, assim evitando qualquer desconforto com Park — ainda o considerava amigo o suficiente para se conter, cessando os beijos que ele não queria, de jeito nenhum, interromper.
— Veja só quem está animada hoje! — Park sorriu contagiado quando a viu entrar na sala de jantar, mal se importando com a curiosidade de seus hóspedes que estavam ali para o café da manhã. — Parece que viu um anjo.
deu a volta à mesa, parando ao lado dele e lhe dando um beijo na bochecha, sentando-se em seguida em sua frente.
— Pois eu vi sim, tio — suspirou. — Bom dia.
— Hum, interessante. Bom dia. — Park bebericou seu café, observando-a se servir com suco atentamente. — E esse anjo seria uma pessoa?
Os olhos de se movimentaram sem que ela movesse qualquer centímetro de seu rosto, parando o copo de suco no caminho até seus lábios.
Ficaram se encarando por alguns segundos, até ela bebericar o líquido brevemente e devolver o vidro para a mesa, respirando fundo ao tomar coragem e iniciar o assunto que havia ensaiado tanto.
— Por que você me pediu pra ficar longe de ? Qual o problema com ele?
Park murchou os ombros, mirando outra direção. Pareceu buscar as palavras certas até conseguir respondê-la.
tem um coração enorme e é a única pessoa que eu confiaria a minha vida.
— Então por que eu não posso confiar a minha? — Ela foi rápida.

— Você ainda não me deu um bom motivo para ficar longe dele. E tudo o que eu tive de até agora foram coisas incríveis e que, inclusive, me fizeram expandir meus horizontes, tio — sorriu genuinamente. — Então, a não ser que você tenha um motivo muito macabro para que eu fique longe dele, isso não vai ser mais possível.
— Embora ele tenha esse coração bom, possui defeitos e… Eu não quero que ele te magoe. não foi feito para se apaixonar, , ele não tem essa perspectiva de casamento, filhos, sossego…
— E quem disse que eu penso sobre isso? Aliás, durante esses dias que estou aqui, desde que cheguei, pude notar o humor e todo o jeito dele com flerte, mas a pessoa ácida e que deu motivos para que ele saísse magoado, foi eu — tocou a mão dele por cima da mesa.
Serenamente, escolheu as melhores palavras, tentando mostrar que seu tio estava errado em seu julgamento.
Aliás, era um mal comum das pessoas e ela mesma tinha julgado mal ; se voltasse no tempo e contasse a si mesma que estaria com saudade de beijá-lo já àquela hora da manhã, com certeza gargalharia achando uma tremenda loucura.
— Eu gosto de . Quero aproveitar e… Tudo bem se ele não quiser um casamento e filhos, tio, porque eu não tenho esse desejo imediato.
As sobrancelhas de Park voltaram ao normal, mostrando que ele havia relaxado. Tocou o dorso da mão de com a sua livre e sorriu para a sobrinha.
Ambos levaram um susto quando Morgana rompeu o ambiente, chorando e apontando diretamente a ele:
— Você não pode deixar ir embora assim! Ela é adulta e ele… Ele é um menino de ouro! — disse em meio às lágrimas e soluços.
— O-O quê?
está levando as coisas dele embora…
Os olhos de Park caíram em , que apenas soltou sua mão e assentiu positivo, com um leve sorriso.
Ele respirou fundo e limpou a boca com o pano antes de se levantar contrariado e apressado, deixando as duas para trás, com consolando Morgana. Os passos foram rápidos para o lado de fora, onde viu Athus conectado em uma pequena charrete de feno já com a parte traseira cheia com as malas de e ele colocando a última ali, presa em cordas.
Parou perto, quieto, assustando-o quando foi visto, mas sem dizer nada. Não sabia exatamente o que faria a partir daquele momento.
— Antes de tudo, me escuta. Eu juro de pé junto e por… por… por toda a minha virilidade, que não fiz nenhum mal a ela! — começou, logo quando notou que Park iria lhe escutar. Mas disse tão rápido, que mal pontuou vírgulas. — Não fiz nada sem ela querer e cuidei ao máximo para que nenhum mal acontecesse a ela, Park. Eu juro! Mas não posso mentir pra você e dizer que não quis, porque eu quis e… Ela é incrível. A é teimosa e orgulhosa, mas ela é doce, gentil, me faz querer cuidar dela e ao mesmo tempo me deixar ser cuidado… E eu não tô falando que você não tenha cuidado de mim, até porque você é minha família, Park… Só que… O jeito dela… É diferente, entende? Não só por ela ser uma mulher e ter coisas que por opção eu não pediria a você e que ela faz, mas é que é…
Ele não pôde terminar; sentiu um tapa estalado em sua bochecha. A mão de Park lhe acertou tão forte que seu rosto virou e quase perdeu o equilíbrio. Porém, foi só isso que o fez se calar.
Mas a réplica veio e foi tão forte quanto.
O tapa de fez Park cambalear e se apoiar na charrete ao seu lado, o encarando com o cenho franzido e a boca escorrendo um pouco de sangue. Ele passou o polegar pelo líquido vermelho que estava escorrendo pelo canto dos lábios e suspirou, erguendo o corpo; deu passos para trás, com as mãos na cintura.
— Olha, eu não queri…
— Cala a boca e me escuta, inferno! — Park disse alto, quase como uma súplica, causando um susto no outro. — Presta atenção porque eu só vou falar uma vez — ergueu o dedo, apontando a ele firmemente. Recebeu um movimento positivo com a cabeça e a feição de se suavizando, saindo de preocupação para algo mais ansioso. — Se você causar qualquer dano a ela, não vai existir Athus, prefeito, Liza ou Izobel, nem mesmo o gado inteiro que te ama… Ninguém. Tá me ouvindo? Eu vou ser o primeiro a te denunciar pro meu irmão e você pode dizer adeus ao seu mini .
Park estava ofegante; ele também não soube usar vírgulas em sua fala, apenas soltou o que estava em sua cabeça antes que desistisse. continuou o encarando, repuxando um lado do rosto ao arquear a sobrancelha direita. Mediu o parceiro de longa data e lhe ergueu o indicador, dizendo com incredulidade:
— Espera lá… Mini também não. De Mini aqui é só a sua dignidade. E, por mais que eu odeie admitir, você sabe muito bem disso.
Park revirou os olhos.
— Você é ridículo e eu devia cortar sua principal aquisição fora.
A-ha! Então você concorda que é uma aquisição e tanto! — sorriu cheio de dentes, com um sorriso gengival de grande charme; e se ele soubesse que estava na janela com Morgana, tentando desvendar o que eles falavam, saberia que ela estava, naquele instante, cheia de suspiros sobre ele.
Desta vez, Park levou as mãos ao rosto, incrédulo.
— Não faça eu me arrepender, por favor — pediu, levando as mãos à cintura.
— Você vai se arrepender é de não ter me colocado na sua família antes, parceiro.
Respirando fundo, Park deu alguns segundos antes de estapear outra vez, agora sendo três tapas, um de cada lado, um de cada vez.
— Só pra eu descontar minha frustração.
— Eu também te amo. E seu irmão vai se tornar meu maior fã, você sabe que sim. — estava com a mão em sua mandíbula, mas usou a outra para devolver outros quatro tapas em Park, lhe fazendo cair pela falta de equilíbrio.
Ofereceu sua mão para ele se levantar e deu um passo para trás, sentando-se na madeira de sustentação da charrete conectada em Athus, o que lhe fez trazer Park para deitar parcialmente seu colo.
Ao notar o rosto meio úmido dele, se assustou.
— Você está chorando?
— Meu irmão vai colocar minha cabeça como troféu de cima da estante dele. — Park choramingou. — Mas tudo bem, podia ser pior, poderia ter caído na lábia do…
— Se você disser esse nome, eu juro que nunca mais volto aqui. — o interrompeu. — Confie em mim. Eu gosto dela e seu irmão não me assusta. Você deveria é ter medo dela, sabe como sua sobrinha é osso duro?
— Ela puxou a mãe.
— Duvido que tenha existido alguém igual a ela nesse mundo. Ela é única — sorriu fraquinho, ainda de lábios fechados.
— Credo, você está apaixonado. Que horror!
Ao ouvir a constatação de Park, estava com o olhar mirando a janela onde encontrou a feição sorridente de , encarando-o de volta com um certo alívio aparente. Sabia que aquele amolecimento do tio tinha algo a ver com ela, que tinha repetido inúmeras vezes a necessidade de conversar com ele sobre toda a situação.
Só não tinha acreditado que a cada passo sendo dado, rápido ou não, ele estivesse gostando. E foi pego tão desprevenido pela fala do outro, que não notou seu corpo amolecer e perder a força, hipnotizado no olhar distante de , fazendo com que seus braços segurando Park se soltassem e ele caísse direto no chão, na areia com pedregulhos finos.
— Seu bastardo! — Nem mesmo o xingamento fez ele retornar à sua atmosfera real.
estava perdido, assumindo para si mesmo que não queria se encontrar em nenhum outro. Entretanto, ele tinha conhecimento sobre o maior problema a seguir: iria embora dali alguns dias.

Capítulo 9

— Espero que você saiba mesmo onde estamos indo…
Ahra relinchou em resposta à fala e toque de , que estava em seu lombo. Já havia passado um pouco da hora do almoço e decidiu que deveria levar algo para comer, acreditando que o encontraria no lugar que ele mesmo tinha dito que passava a maior parte dos seus dias trabalhando. Por sorte, encontrou com Ahra pelo trajeto, ainda dentro da cidade, e conseguiu montar nela para não precisar andar a pé os tantos quilômetros de distância até chegar nele.
Continuou segurando na crina de Ahra, não muito forte para não machucá-la, e observando toda a paisagem ao seu redor com total atenção. Era completamente diferente do que estava acostumada em sua cidade — por mais que houvesse a diferença de morar num lugar de muito verde e estar ali em Ruthertown, uma cidade "do fim do deserto". Tinha uma atmosfera gostosa, peculiar.
E uma brisa suave.
Seu pai tinha tentado lhe convencer, inclusive, a não ficar ali e ir com ele para Nova Iorque, viver os dias de muito luxo enquanto ele tratava de negócios. Mas, em uma observação não necessariamente muito profunda, sabia que tinha feito a escolha certa em ir para o deserto; estava se sentindo bem e com uma escolha certeira. Em alguns dias, tinha mudado alguns parâmetros de suas perspectivas, o que a fez se sentir um pouco mais madura do que era quando chegou na Califórnia, e, certamente, não tanto quanto seria ao fim, quando fosse embora.
Estava sendo como tinha de ser.
E não teria nada tão importante ou mais belo em Nova Iorque do que estar na porteira, a alguns metros de um concentrado escovando um cavalo caramelo, com seu sorriso gengival estampando o rosto que refletia a luz forte do sol.
Com certeza tinha feito a escolha certa.
Poderia ficar horas ali e não se entediaria, diferente do que as companhias nova-iorquinas tinham a oferecer com suas idas à lojas, artesãs, costureiras caras, etc.
Desceu de Ahra, tomando cuidado para não tropeçar, e se aproximou do arame da cerca baixa, apoiando-se na madeira que formava a porteira de mesma altura, batendo em sua cintura. Em todo o processo, claro, teve total cuidado para não derrubar a marmita enrolada em um pano comprido, com talheres bem presos para que pudesse comer a torta que Morgana havia feito com tanto carinho — a favorita dele: morango, tendo um cantil com suco de laranja e algumas tangerinas para ele descascar e se deliciar; tudo organizado por , que foi descobrindo sobre esses detalhes com a governanta do hotel.
Também ficou bem claro para ela que Morgana o tinha como um filho.
Não quis fazer barulho algum e tomou cuidado para não perder a vista que estava tendo. Era um privilégio sem tamanho poder vê-lo imerso em seu mundinho.
não tinha compartilhado sobre sua vida ainda e ela iria esperar que ele fizesse isso quando se sentisse pronto e quisesse, mas podia ver pelos olhos dele e a forma como se comportava sempre diante de Athus — e até mesmo com ela, embora não tenha merecido muito o seu cavalheirismo inicialmente — que aquilo era o seu momento de conectar-se a si mesmo.
Assim como ela. Ele podia ter desvendado que adorava livros para se sentir mais próxima de sua mãe, mas na verdade se tratava de uma forma para descobrir o que ela era. Que tipo de pessoa queria ser. Porque quando lia as páginas dos romances da grande estante de sua mãe, limpava a própria mente, moldando-se em um mundo só seu; sem pai e as imposições, sem a ausência da mãe que tão pouco esteve presente, sem a saudade de seu tio, somente ela com ela mesma.
Era importante.
Tanto quanto observar . Isso estava lhe guiando por uma atmosfera nova.
E teria ficado muito mais tempo presa naquilo, numa hipnose arrebatadora, se não fosse por algo gelado em sua canela lhe assustando e arrancando de si um grito histérico.
— Ai, merda! — ralhou, sentindo o coração acelerar ao quase derrubar a trouxinha que carregava a marmita bem protegida. — Quem é você? — questionou para o pequeno cachorro de pelos num tom loiro bem claro e arrepiado. Ele abanava o rabo para ela, encarando-a como se estivesse lhe dando qualquer aprovação. — Você me assustou… garoto — observou bem, constatando ser um macho.
Ele latiu e ela riu, se abaixando com cuidado e esticando o braço para fazer carinho nele.
— Então você é falante… Me chamo , qual seu nome? — disse, como se conseguisse entender o que ele latia.
era apaixonada por cachorros.
— Esse é o Ruther.
Sentiu um solavanco em seu peito, sendo seu coração disparando ao ouvir a voz de . Ainda na mesma posição, viu pela sombra dele que estava logo atrás de si.
Devagar, se levantou e virou-se para ele.
— Por que não me apresentou ele antes? — fez um bico de decepção. — Você teria encurtado muita coisa com uma simples companhia decente.
— Achei que o alazão ali teria mais efeito em você… Sabe, eu estar montado nele… — respondeu fingindo pouco caso. — Na próxima eu coloco a cela no Ruther.
Em resposta, Ruther latiu, recebendo o polegar de .
riu, franzindo o nariz. Sem nenhuma hesitação, inclinou o corpo para frente, selando os lábios nos de rapidamente.
Certamente, ela ruborizou, mas logo ergueu a trouxa da marmita como medida de distração pelo o que fez.
— Ajudei Morgana a preparar.
Não totalmente distraído do que ela fez, mas respeitando a opção de agir naturalmente, manteve o sorriso, pegando da mão dela o que lhe foi estendido.
— Eu já até imagino o que seja… Ela te contou? — assentiu, levando as mãos para trás do corpo. — Vamos pra outro lugar então, já acabei por aqui.
— Qual o destino?
— Você vai ver.
— Outro charme? — Ela arqueou a sobrancelha, desafiando-o com o olhar.
— Talvez. — Os lábios de se fecharam, sendo puxado em uma só ponta num sorriso ladino. Ele se virou e viu Ahra mais a frente, pastando em volta da cerca. — Imaginei mesmo que vocês se dariam bem — falou conforme caminhava para o lado de dentro da cerca, onde Athus estava parado e mascando maçãs. o seguiu.
— Acho que a princípio ela teve ciúmes, mas viu que minhas intenções são boas — continuou com humor.
— Então eu sou o mocinho da situação? — Enquanto arrumava a cela de Athus, deu continuidade, guardando a marmita dentro de uma bolsa presa no cavalo.
— Aparentemente nessa história eu sou a mocinha da cidade grande que só pensa em sapatos e roupas, casamentos e filhos… com um cara rico.
— E aí conheceu o caipira que cuida de gado…
— Eu colocaria o caipira com um estilo meio brega, porém charmoso. — As bochechas de enrubeceram, esticando o cantil para ele, depois de tirar de seu corpo. se virou para ela, em silêncio, a olhando um tanto impassível.
Ele não disse nada, nem ela, até que a pegou de surpresa, pela cintura, a erguendo para que se sentasse de lado no lombo de Athus.
— O importante é que no final, o caipira sempre conquista a mocinha rica da cidade grande — disse ao subir, sentando-se atrás dela e passando os braços pelas laterais de seu corpo.
sorriu, com o rosto virado de perfil para ele e recebeu um beijo em sua bochecha.
O primeiro comando para Athus foi dado e ele começou a dar seus passos tranquilos para longe dali. Não demorou para que reconhecesse o caminho, ouvindo o barulho da queda d'água da cachoeira que tinha descoberto dias atrás, sozinha. Pelo caminho que tinham feito, ela entendeu porque ele havia mencionado que ninguém chegava até ali.
Parecia impossível que um conjunto de pedras escondesse uma trilha tão perfeita que dava em uma cachoeira com um lago pequeno numa parte aleatória do deserto.
Mas seus olhos estavam ali, comprovando mais uma vez que era real.
— Aqui é tranquilo, ninguém vai nos atrapalhar. — disse assim que Athus parou, descendo e a puxando pela cintura.
— E a gente aproveita pra tomar um banho de cachoeira nesse calor… Aqui não é tão frio.
— Você chegou a entrar na água aquele dia? — Ele franziu o cenho.
— Sim, antes de você chegar eu tinha tomado um banho.
As bochechas dela ficaram mais vermelhas do que o laço em seu cabelo; se bem lembrava, quando encontrou ali num dia de clima meio chuvoso, estava totalmente seca, então, logo, para ter entrado na água e saído com as roupas sem nenhum resquício de umidade, só poderia ter feito de uma forma: nua.
Abaixou os olhos para as botas que usava, esperando qualquer comentário de , mas não veio. Então decidiu dar o passo por si, fazer o que estava em sua mente e movimentar-se como seu corpo queria.
O efeito da causa em consequência seria algo para lidar no futuro.
— Você vai ficar aí?
Disse se afastando dele, indo para mais perto da beira do lago. Ao parar ali começou a tirar as botas, em seguida soltando o cabelo. Ficou aliviada por ter escolhido um vestido sem muitas camadas, apenas com uma anágua por baixo.
Se virou somente com metade do tronco, vendo que ainda estava parado da mesma forma, embora Athus já tivesse ido caçar o que mastigar.
— Pode me ajudar aqui? Eu não alcanço o laço de trás… — pediu, o trazendo de volta para a realidade.
Devagar, se aproximou, ainda em silêncio.
Suas mãos trêmulas começaram pelo primeiro laço que estava perfeitamente amarrado na cintura dela, eliminando uma primeira parte, um tipo de colete. Por baixo era mais fácil, somente desfazer o nó lhe deu facilidade para que as alças deslizassem pelos ombros dela e o vestido fosse ao chão.
O tecido da anágua era quase transparente, mas ele não queria olhar, não agora. Virou para si, beijando-a delicadamente na testa.
— Você pode entrar, eu vou ficar de costas ali naquela pedra.
— Não. — Ela rebateu rapidamente, soando contrariada. — Por favor, entra comigo. Eu confio em você.
Os olhos amendoados e suplicantes não precisaram de muito para convencer . Tampouco teve tempo de contestar as mãos dela tirando seu casaco agilmente. abriu o restante dos botões quando a primeira peça caiu no chão e terminou todo o resto, enquanto continuavam se olhando fixamente nos olhos, sem desviar por nenhum centímetro.
— Depois vamos estar cansados e famintos, aí podemos comer... — A voz dela soou um pouco lírica para ele, que apenas assentiu, se livrando da camisa.
não cortou a troca intensa de olhares, dando passos para trás, já sentindo a água em seus pés. Quando notou que precisaria prestar atenção por onde estava pisando, se virou por completo, ficando de costas para ele. Ao ter a água cobrindo um pouco acima de seus seios, parou, ficando ainda virada de frente para a queda de água.
Os respingos refrescavam sua pele e ela fechou os olhos, abrindo somente ao sentir a presença de atrás de si, mas não tão perto.
Sem muito render o conflito interno, ela tirou a anágua, virando-se para ele, que estava paralisado e com a água um pouco abaixo do peito, diferente dela. fez um bolo com a peça removida e a jogou com toda força, a vendo cair numa pedra qualquer da margem. Deu um passo a frente, ficando mais perto de .
— Eu queria te agradecer por…
— Não fala nada. — a cortou, quando ela começou serenamente o que parecia ser um discurso. — A gente não precisa se agradecer de nada, somente aproveitar que agora podemos conhecer um ao outro sem nenhuma crise de infantilidade. Tudo foi como tinha que ser e… ainda bem que foi.
Ela assentiu, sorrindo suavemente.
— O que ficou lá atrás, ficou.
concordou, também dando um passo à frente.
— Eu quero conhecer o de Ruthertown. — colocou os dois braços nos ombros dele, um de cada lado. Seu corpo estava mais próximo do de e ela estava começando a sentir um formigamento, inibindo toda e qualquer dúvida sobre o que estava fazendo.
— Ele não é tão interessante assim.
— Então quem seria?
— O que está em sua frente e quer muito te beijar. — Dessa vez foi ele quem ruborizou.
— E por que ele não beija?
— Porque ele não vai querer parar.
O sorriso ladino agora era de , como numa inversão de papéis. Em uma situação indo de 0 a 100 muito rápido, ela só soube seguir o que seu corpo estava clamando, como um imã atraindo metal.
Sentir seu corpo chocando-se contra o dele e ser abraçada por baixo da água a fez vibrar por completo, não contendo o ímpeto de beijá-lo com urgência. Tão urgente, que não soube calcular de onde veio a iniciativa de agarrar a cintura dele com suas pernas. A partir disso, ela não teve mais volta.
E não queria.
Nem mesmo as gotas finas da garoa a tiraram do fervor daquele momento, pelo contrário, pareceu servir como um gás a mais e os beijos que começou a receber no pescoço, até o seu busto, arrancaram qualquer sombra de dúvida que ela poderia gerar.
Estava entregue e, igual ao sonho que tivera, a tocava gentilmente, até mesmo na forma como seus olhos perguntaram silenciosamente se estava tudo bem.
E ela respondeu sorrindo, deixando que continuasse.
— Quando você quiser que eu pare, você fala e eu paro na mesma hora.
Ele alertou, com o rosto um pouco afastado e os lábios inchados pelos beijos. O rosto com respingos da chuva aleatória estavam lhe deixando muito mais irresistível do que conseguia configurar em sua mente, estando inerte demais para desistir dos possíveis avanços. Já estava ansiosa por aquilo e sentia que ele também, não só atmosfericamente, mas pelo físico — e, estranhamente, era uma sensação gostosa, diferente e instigante vindo de sua região íntima.
Negou com a cabeça, fazendo seus fios de cabelo se molharem mais na água, e apertou tanto os braços em volta do pescoço dele, parcialmente apoiados nos ombros, quanto as pernas em sua cintura, forçando um quadril contra o outro.
— Não… — Seu pedido saiu junto de um arfar pela sensação da fricção e não conteve as pálpebras de se fecharem.

— Não para, não me solta. — Ela implorou.
A mão que não estava ocupada lhe sustentando pela cintura foi para sua nuca, entrelaçando-se aos fios. Olhando-a nos olhos, a beijou lentamente, de forma intensa, profunda, ritmada… Um beijo que ele jamais acreditaria ser possível cansar de dividir com . Foi um beijo tão imersivo, que não deu tanta vazão para o arfar ao senti-lo penetrando-a lentamente, com a explosão de sensações misturadas à ardência de seu primeiro contato.
Porém, não foi possível segurar por muito tempo, seu descontrole logo surgiu junto com a necessidade da respiração, e o beijo foi pausado por ora com uma leve mordida sua no lábio dele, mas sem reclamações. deitou a cabeça no ombro de , apertando suas unhas na pele dele, conforme sentia esse novo prazer ficar menos ardido e mais proveitoso, assim como o ritmo que ele seguia.
Os lábios de em seu pescoço a deram uma corrente elétrica a mais, sendo respondida pelos seus na pele dele, sugando-o como se tanspassasse ali o que estava sentindo. Assim como repetiu a mesma intensidade de resposta nos beijos que continuaram sendo divididos, até que fosse diminuindo, depois de se desfazer após um longo gemido e um aperto forte dela em seu ombro, seguido com uma mordida leve.
Ofegante, mas ainda a segurando em seu colo, ele afastou os cabelos de , beijando-a carinhosamente pela bochecha até o pé de sua orelha. Deu um tempo a ela, mas logo se sentiu preocupado por ser tempo demais.
— Você está bem? ?
— Shhh… Eu tô tentando dormir. — Ela respondeu lenta e arrastado. — Você deveria tentar, como consegue se mover depois… disso?
riu fraco, beijando a bochecha dela com mais demora.
— Só estava preocupado. Você está bem?
— Eu tô… Quem não vai estar é você se continuar falando.
Soltando um suspiro, a abraçou mais forte, ajeitando-a para que se encaixasse mais confortavelmente em seus braços, com o rosto encaixado na curva de seu pescoço.
… — A chamou, recebendo um "hum" resmungado, sonolento e baixo. — Não vai embora, por favor.


Capítulo 10

— Huening, por favor, não faça isso!
Park estava andando apressado atrás de seu irmão, saindo pela porta de trás do hotel em passos largos, na direção de , parado do lado de fora do estábulo que tinha por ali para abrigar os cavalos dos hóspedes. Ele escovava a crina calmamente, concentrado, só notando o escândalo dos outros dois quando ouviu seu nome ser chamado.
Ao se virar para a direção, levou um susto, o homem com Park era tão igual ou mais parecido do que aparentava, e usava roupas mais alinhadas. Não precisava ser nenhum bom conhecedor para reconhecer que era o irmão dele. Pai de .
E ele o encarava furioso.
— Você! — apontou em sua direção; Park pareceu se encolher e desistir de impedir o irmão. — O que você fez com a minha filha?
soltou a escova dentro do balde, batendo as mãos uma nas outras para limpar alguma sujeira e usou o polegar para se apoiar nas passagens de seu cinto, tentando ao máximo não perder as estribeiras.
— Nada que pudesse magoá-la, senhor Park… — respondeu de forma calma.
— Aí que você se engana. — Ele se aproximou mais, sua voz se tornando mais baixa, ainda que estivesse com uma entoação grosseira.
— Não compreendi, me desculpe.
— Você vai magoá-la, porque homens como você não merecem alguém como ela e minha , infelizmente, se encantou por uma aventura de um simples caipira do deserto. — O dedo continuou sendo apontado e Huening se virou apenas com o rosto para a direção de Park. — Não é mesmo, Jae-Sang?
Park encarou com pesar, seus olhos transbordando culpa, mas assentiu.
— O senhor acha mesmo que…
— Não acho nada. Tenho certeza de que você compreendeu bem o que eu quis dizer, afinal é muito inteligente. — Huening sorriu falsamente, abaixando a mão e se afastando um pouco. Quando ia discursar seus motivos, ouviu a voz de .
! — Ela descia a escada às pressas, segurando a saia do vestido longo e pomposo, que precisou respirar fundo para não se iludir, imaginando que aquilo poderia se tornar um lindo modelo de um vestido de casamento.
!
Nem a voz de seu pai foi suficiente para lhe parar. continuou os passos firmes diante de , e se fosse possível ela conseguiria ouvir e sentir como o coração dele estava acelerado, disparado, descompensado. Tudo porque ela estava ali, inesperadamente correndo para ele.
— O que você está fazendo? — Ele sussurrou ao tê-la chocando-se contra seu corpo com os braços em volta da sua cintura.
— Não me deixa ir, de Ruthertown. — Ela respondeu e sua voz saiu abafada por estar com o rosto contra o peito dele.
ergueu a cabeça e viu, à frente, o pai de e Park, lado a lado, atônitos. Respirou fundo e a apertou contra seu corpo, sentindo-a trêmula.
A afastou devagar, beijando sua testa antes de dizer:
— É melhor você ir.
O vinco no cenho dela se formou e suas mãos apertaram as abas do casaco dele.
— O quê?! — Seu peito se apertou e começou a se sentir ofegante. Apesar do beijo, ela sentiu a indiferença nele.
— É o melhor pra você. — Ele continuou, sério.
— E quem é que disse isso? !
… Você precisa ir.
— Quem está dizendo isso? — insistiu, mais incisiva, olhando para trás e de volta para ele.
— O de Ruthertown. É melhor você ir.
— Eu não quero. Você… … — deu alguns passos para trás, encarando-o cética, ao ver sua feição impassível. — O que… Você… — Um bolo se formou em sua garganta e pôde sentir seu rosto queimar, com as lágrimas começando a inundar seus olhos. — Por que você está fazendo isso comigo? Você me pediu pra ficar e… ontem você… eu… nós dois… — abraçou o próprio corpo, sentindo-se pesada.
— Me desculpe.
explodiu com a fala que saiu simples pelos lábios dele e levou as mãos aos bolsos quando ela deu passos à frente, desferindo tapas em seu peito e o empurrando.
— Você é um idiota! Eu deveria ter sabido antes que isso aconteceria! Eu…
, chega. — A voz de seu pai a cortou, assim como ele a puxando para trás, pelos punhos. — Eu poderia te castigar por isso, mas vou deixar a vida cuidar da sua punição.
Ele não respondeu, apenas abaixou a cabeça, contraindo os lábios enquanto era levada para a direção do hotel de Park, que, inclusive, estava parado ao lado dele.
A mão pesada de seu amigo tocou o ombro abaixado de e ele o encarou, suspirando.
— Obrigado por isso, eu nunca mais te peço qualquer coisa. Estou em dívida com você. — Jae-Sang disse com um sorriso fraco nos lábios. — é jovem ainda, ela vai ser mais feliz por lá… Huening já encontrou um rapaz de boa família para casamento.
— É, ela será. — assentiu, lhe dando as costas.
— Aonde está indo? — Park o questionou, fazendo-o parar e se virar brevemente para responder.
— Tomar um banho de cachoeira — sorriu um tanto melancólico, voltando a caminhar até Athus. Ao se aproximar, ouviu um resmungo do cavalo, fazendo carinho nele em seguida. — Eu sei, voltamos a ser eu e você outra vez.
Athus bufou, começando a virar-se contra , mostrando a ele sua infelicidade e decepção. Se posicionou virado para a direção que daria para a saída da cidade, sendo possível o arco de boas vindas para quem chegava ser visto de onde estavam. Ele analisou bem, respirou fundo, e o vazio que sentiu, como se estivesse com falta de esperanças agora, pesou.
Antes de , ele não se importava com a sua rotina desregulada, ao mesmo tempo que seguia uma agenda certinha com cada uma das mulheres que saía, não tinha se apegado a nenhuma delas, o que se tornava extremamente fácil para não se prender e render diversas histórias. Mas depois dela, olhando por uma nova perspectiva, parecia que seu passado não tinha sentido e a imagem em sua mente de uma Ruthertown sem ela começou a lhe perturbar em uma ansiosa busca de o que seria o correto a ser feito. Pensando brevemente, achou que deveria deixá-la ir, que realmente não seria o suficiente para da cidade grande e com posses, enquanto ele era um simples caipira responsável pelo gado da cidade; porém, não deveria ser egoísta e decidir sozinho se isso estava bom ou não para ela.
Inclusive, de forma alguma seria o tio e o pai dela a decidirem isso. Afinal, não era com nenhum dos dois que queria continuar descobrindo novas perspectivas.
Era com que ele queria continuar indo para a cachoeira, discutir por coisas aleatórias quando não entrassem em concordância em algum assunto, ter sua pele tocada e, o principal, alimentar o que estava sentindo.
Estava apaixonado por ela e não por Jae-Sang ou Huening. E se isso pudesse lhe custar algo, que fosse qualquer coisa sem ser sua felicidade.
Os cavalos puxando o coche exuberante que Huening havia chego entraram em seu campo de vista, saindo rápidos pela estrada do arco, e se desesperou. Chutou o balde com as coisas que estava usando para cuidar dos cavalos dos hóspedes e alcançou a cela de Athus, montando nele imediatamente, tão ansioso, que seu peito começou a se comprimir somente ao pensar que não conseguiria chegar a tempo ou que, assim como nas histórias que ele odiava ouvir de Park sobre a parte obscura do velho oeste, poderia morrer a sangue frio indo atrás de um potencial amor de sua vida.
— Vamos, Athus. Ela não pode ir embora!
Deu o comando com o pé para que o cavalo começasse a galopar e, tão rápido quanto sempre, ele respondeu. segurou firme na rédea, guiando-o para a direção que deveria ir e a cada galope, a poeira no ar se fazia pelo caminho que ele deixava para trás. Sequer notou que isso chamou a atenção e pessoas começaram a sair nas ruas, incluindo Park na entrada de seu hotel, completamente perturbado com o que ele estava vendo — mas depois provavelmente iria ouvir de Morgana que ela o segurou e lhe encheu de tabefes; e também diria que foi “para deixar de ser besta”, como ela carregava em um tipo de bordão.
Por ora, isso não seria importante.
Nem mesmo seu tão adorado chapéu branco ficando para trás, caindo junto com a poeira e sendo salvo pelas mãos de Izobel, completamente apaixonada pela cena para se importar que ele ia em direção a , significando que seus dias juntos tinham acabado. De qualquer forma, ela estava feliz por ele.
Nada do segundo plano se fazia importante. No momento, ele só queria que Athus fosse mais rápido que os diversos cavalos puxando o coche. Mas até mesmo Athus parecia estar ansioso para não deixá-la ir, embora os seus galopes estivessem mantendo-o ainda atrás.
Infelizmente o coche sumiu pela estrada e puxou a rédea de Athus para que ele parasse e não se forçasse mais, não o forçaria em uma perigosa estrada em cima de uma ribanceira.
— Tá tudo bem, parceiro, não se preocupe — fez carinho na crina dele, ouvindo-o bufar entre a respiração ofegante. — De certo modo é minha culpa por te mimar demais e não controlar o quanto come. Você deu seu melhor, está tudo bem. Vou deixar de usar Ahra para laçar o gado e voltar com você pra exercitar, ok?
Athus apenas bufou pesado em resposta, frustrado enquanto se recuperava.
Conforme a poeira foi baixando, se virou para voltar a estrada, notando que estava um pouco longe do arco. E ainda assim não tinha conseguido êxito em seu plano de última hora.
Quando virou por completo se assustou com uma silhueta alta surgindo, se tornando nítida quando o ar ficou limpo novamente.
— Você deixou cair. — estendeu o chapéu de , um pouco sujo de terra, mas nem tanto. Ela estava em cima de Ahra e com os passos lentos da égua se prostrou ao lado dele, em uma direção contrária.
prendeu o ar, confuso demais para raciocinar, e mesmo que estivesse com as pernas trêmulas, desceu do lombo de Athus. fez o mesmo, ficando frente a frente com ele, perto demais.
Ela esticou o braço e colocou o chapéu nele, sorrindo genuinamente.
— É seu — disse baixo.
— Mas… O que você… — Ele tentou dizer, ainda sem muito saber o que raciocinar.
— O de Ruthertown não me mandaria embora. Ele é um pouco egocêntrico para simplesmente ser o primeiro a dar o braço a torcer. — Ela riu abafado.
— Você é impossível! — sorriu abertamente, rindo desacreditado.
— Não, meu bem, eu sou bem possível, sim. — finalizou a distância, jogando os braços em cima dos ombros dele e imediatamente a envolveu pela cintura.
— Que sorte a minha, então — disse por fim, encontrando os lábios dela com os seus.




Continua...



Nota da autora: Olá, muito obrigada por ler! Espero que tenha gostado até aqui.

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