Algum Lugar Além do Rio


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Última atualização: 14/02/2024

Prólogo

The Pretty Reckless tocava no máximo volume dentro do seu Beetle 1973 enquanto cantava – lê-se gritava – a letra da música a plenos pulmões enquanto dirigia pela longa e instável estrada de Pikes Peak.
- You make me wanna die, I’ll never be good enough. You make me wanna diiie and everything you love will burn up in the liiiiight, and every time I look inside your eeeeeyes… you make me wanna die!
O teto de seu Beetle conversível estava aberto, permitindo que o vento batesse em seu rosto, esvoaçando seus cabelos. As árvores densas que margeavam ambos os lados da estrada pareciam convidá-la a observar a paisagem enquanto sentia o cheiro e as cores da natureza cercear seus sentidos. Um chiado estranho na transmissão de seu rádio logo chamou sua atenção antes que a voz masculina começasse a falar.
- Interrompemos nossa transmissão para informar aos ouvintes que uma forte tempestade se aproxima das regiões montanhosas de Colorado, especificamente nas regiões Leste/Oeste entre Woodland Park e Pikes Peak. Algumas vias da Rodovia US-24 já foram interditadas pelas autoridades locais e recomendamos que os montanhistas, alpinistas e outros viajantes que estejam pela região procurem abrigo imediatamente. Segundo as previsões do tempo, há possibilidade de formação de tornado e – devido a periculosidade das montanhas nesse clima – é essencial que todos estejam abrigados antes que a tempestade se inicie.
Ao ouvir o anúncio o rosto de perdeu a cor imediatamente, e mesmo depois que a voz no rádio foi substituída por algum rock alternativo dos anos 90, sua atenção se dispersava para a única pergunta que martelava em sua mente: onde poderia se proteger da tempestade?
O plano de para o final de semana era simples: passar alguns dias sozinha no meio das montanhas de Woodland Park no chalé herdado por sua avó - um momento necessário para que pudesse relaxar e repensar os rumos que sua vida havia tomado e que a deixava tão insatisfeita. Pelos seus cálculos, ainda havia ao menos uma hora até chegar na cabana alugada, mas com as vias interditadas, não havia outra rota possível. A garota já havia passado por esse caminho inúmeras vezes, sabia que não havia nada além de montanhas e cabanas esparsas pelo trajeto.
- Pelas previsões passadas pelas autoridades locais, a tempestade deve iniciar entre os próximos vinte a trinta minutos, portanto – repito – é fundamental que procurem abrigo o mais rápido possível. – a voz masculina voltou a falar ao fim da música.
Sam passou a olhar inquieta para o céu acima, notando as nuvens densas que se formavam sobre si; e com nova determinação em seu olhar, acelerou o carro enquanto observava ao redor com atenção redobrada. Após dez minutos reparou em uma cabana que mais parecia uma mansão despontando no topo de uma estrada adjacente em meio à floresta. Sam conseguia ver as luzes acesas dentro da casa, e logo ela iniciou a subida em direção à cabana, uma parte de si preocupada em pedir ajuda para completos estranhos, enquanto outra parte pensava que nada seria pior do que ser atingida por um raio ou ficar presa no meio do nada com um tornado seguindo em sua direção.
Alguns minutos depois, em frente à porta de madeira e com sua mala ao lado, Sam pensava em todas as possíveis repercussões de se abrigar com estranhos, mas ao sentir alguns pingos começarem a cair em seu cabelo, imediatamente iniciou as batidas.
- Let’s rock n’ roll. – murmurou para si mesma antes de moldar a melhor expressão “princesa em apuros” no seu rosto. Ela ouviu alguns sons de dentro da cabana, mas demorou alguns segundos antes que alguém viesse atendê-la.
- Olá...? – Sam se viu presa em um dos olhos mais lindos que já havia visto em sua vida, e somente depois de perceber o questionamento no olhar do rapaz conseguiu se desvencilhar do transe, reparando um pouco mais em suas feições e percebendo que aquele rosto era familiar demais.
- Wow! Você é o John O’Callaghan?!


Capítulo 1

John abriu a porta genuinamente curioso para saber quem seria capaz de ter encontrado a cabana praticamente em meio ao nada, ainda mais quando uma tempestade se aproximava. O rapaz não esperava encontrar um rosto delicado com olhos amendoados e uma expressão vulnerável o encarando de volta.
- Olá...? – disse em um misto de cumprimento e pergunta, reparando que o vento que balançava seu cabelo e os pingos de chuva que já começavam a cair faziam com que um cheiro de limão exalasse de seus fios. A garota finalmente pareceu se dar conta de quem ele era e com ar perplexo perguntou:
- Wow! Você é o John O’Callaghan?!
- O próprio. – respondeu com um sorriso – Você é...? A garota continuou olhando-o com surpresa por alguns segundos antes de perceber que a chuva já começava a molhar seu vestido branco.
- Hã...eu sou a ! Desculpa incomodar, mas eu estava a caminho de Woodland Park e por conta da tempestade fiquei presa no caminho. Será que eu poderia me abrigar aqui até a tempestade passar? – perguntou com um sorriso inocente e tentando fazer a sua melhor versão de olhos do gatinho do Shrek. – Prometo que vou ficar quietinha sem te incomodar, você nem vai perceber que eu estou aí.
John notou o corpo se demarcando sob o vestido branco molhado e se esforçou para não encarar, embora um pensamento involuntário de que sua cintura se encaixaria perfeitamente em suas mãos adentrasse seu pensamento.
A garota agradeceu internamente a todos os Deuses do universo pela ajuda e entrou timidamente porta adentro, notando com tristeza que sua roupa já molhava o chão com pingos constantes.
- Desculpa, prometo que seco tudinho. – prometeu com um sorriso culpado, enquanto John apenas deu de ombros.
- Pode ir tomar um banho e trocar de roupa, se quiser. Tem um banheiro no fim do corredor à esquerda.
virou-se na direção do rapaz mais uma vez e mergulhou em seus olhos novamente sentindo algum tipo estranho de acalento naquele olhar, mas antes que ele achasse que ela era uma louca obsessiva se moveu na direção indicada logo depois de agradecer.
- Muito obrigada! Assim que sair do banho, seco tudinho.

John permaneceu na pequena sala de estar, escrevendo algumas frases soltas em seu caderno enquanto Billy Joel tocava em baixo volume na rádio, e somente desviou seu olhar quando reparou na garota saindo pelo corredor com um pijama surrado do Stitch que a cobria da cabeça aos pés.
- Hey! – o cumprimentou com um sorriso tímido, recebendo um aceno como resposta. – Onde posso pegar pano para limpar a bagunça que fiz?
- Eu já sequei enquanto você estava no banho, não se preocupe. – respondeu distraído com os escritos no papel.
- Muito obrigada, de verdade. – agradeceu novamente. – Posso dar uma olhada por aí?
- Fique à vontade. – John deu de ombros.
passou a explorar a cabana/mansão com alegria, já havia notado que no mesmo corredor onde tomara banho havia dois quartos. Ao lado direto da sala de estar tinha uma cozinha enorme, e fez questão de fuçar os armários e geladeira para ter certeza de que estava abastecida, pretendia fazer algo para retribuir pela benevolência do cantor. Subiu as escadas de madeira e ficou surpresa ao notar que os três quartos na parte de cima da casa eram suítes, e ainda havia uma área coberta que mais parecia um spa com um ofurô bem no centro.
logo encontrou a suíte que estava sendo ocupada por John, com diversas roupas espalhadas, e se deu a permissão de escolher uma suíte para si antes de descer escada abaixo e sentar-se em uma poltrona de frente para onde o cantor permanecia com seus rabiscos. Ele a ignorou, a princípio, mas a insistência da garota em manter os olhos fixos nele logo o desconcertou a ponto de parar o que fazia e desviar os olhos questionadores em sua direção.
- Precisa de algo mais?
- Não, nadinha. - respondeu prontamente, embora fosse evidente que ela tinha algo a dizer.
- O que é? - John insistiu, deixando seu caderno de lado.
- Só estava me perguntando... o que John O' Callaghan faz aqui no meio do nada? - perguntou com os olhos brilhando de curiosidade. não fazia o tipo tiete, mas precisaria viver em Marte para não conhecer The Maine, e gostava de algumas músicas da banda.
- De vez em quando alugo uma cabana como essa e me permito ficar um tempo distante de tudo, focar em mim e escrever. - respondeu com uma sinceridade não planejada, algo naquela garota lhe trazia uma calma inesperada.
assentiu, compreendendo mais do que ele poderia imaginar.
- E você? - ele retrucou, genuinamente interessado em desvendá-la.
- Mesma coisa. Minha avó tinha um pequeno chalé nas montanhas de Woodland Park, eu sempre vou visitar quando preciso ficar a sós com meus pensamentos.
John podia perceber o quão natural era para a garota dizer a verdade, sem receios de ser honesta com um desconhecido completo, e isso o intrigava mais do que gostaria de admitir.
- Eu notei que tem algumas coisas na dispensa... Posso cozinhar enquanto estiver aqui, como uma retribuição por me deixar ficar. - acrescentou repentinamente.
- Se você quiser. - John deu de ombros. O rapaz trouxera os mantimentos por ordem de sua mãe que empacotou tudo e recomendou que se alimentasse corretamente enquanto estivesse distante, mas ele planejava comer qualquer coisa que fosse rápida e simples, como de costume.
- Eu quero! - disse entusiasmada, um sorriso leve e sincero dominando seus lábios. John se prendeu naquele sorriso por alguns segundos notando que - involuntariamente - ele passara a sorrir também.
Desviando o olhar da garota, pegou seu caderno e voltou a escrever distraidamente, enquanto ambos se mantinham em um silêncio confortável, como se a presença um do outro fosse algo natural.

"She had the most amazing... smile!" (Into your arms – The Maine)


Capítulo 2

Algumas horas depois, levava a sério seu comprometimento de preparar as refeições enquanto John a acompanhava de perto, em parte para ajudá-la de alguma forma, e em parte para conhecer um pouco mais sobre ela, sua curiosidade havia sido aguçada e agora não havia volta.
- De onde você é? - perguntou enquanto pegava duas taças e servia um pouco de vinho para ambos, ao mesmo tempo em que colocava o macarrão na água fervente.
- Eu sou de uma cidade minúscula na Inglaterra da qual você provavelmente nunca ouviu falar. Mas já faz algum tempo que moro na Geórgia. E você é de algum lugar no Arizona, certo? - perguntou de volta, tomando um gole do vinho e soltando um leve gemido de apreciação antes de se concentrar em separar os ingredientes para o molho.
- Sim, Phoenix. Qual a sua profissão? - continuou com as perguntas entre um gole e outro de vinho.
- Sou uma ilustradora de livros infantis. - respondeu com um sorriso.
- Sério? - questionou intrigado. - Acho que nunca conheci uma pessoa com essa profissão.
- Somos discretos. - afirmou em tom de zombaria, antes de completar – Deixe-me adivinhar... Você é o vocalista de uma banda famosa internacionalmente. - brincou, arrancando uma risada do rapaz. Enquanto tomava mais um gole, pensou que adorava o som daquela risada e gostaria de ouvi-la mais vezes.
- Isso é injusto, sinto que você sabe muito mais de mim do que eu de você. - John comentou com um franzido na testa.
- Eu só sei as informações gerais que todo mundo sabe... - afirmou - Que tal perguntar o tipo de coisa que quase ninguém sabe? - sugeriu.
John pensou por alguns segundos, incerto se teria a coragem de revelar seus segredos para alguém que mal conhecia. Mas ao olhar nos olhos doces e gentis da garota à sua frente percebeu que gostaria de saber os segredos dela.
- Eu começo! - exclamou entusiasmada enquanto o cheiro de especiarias dominava o ar. - Quando você parou de fazer xixi na cama?
John instantaneamente caiu na gargalhada com a pergunta estranha, e sentiu que havia conseguido exatamente o que queria, ouvir aquela risada novamente.
- Aos sete... ou oito, talvez. Não me lembro com exatidão. - o rapaz respondeu sinceramente antes de fazer a primeira pergunta que veio a sua mente. - Qual era o seu sonho de infância?
- O meu sonho de infância era ser uma apanhadora de estrelas. - respondeu simplesmente enquanto se concentrava em experimentar o molho que preparava.
John a olhava como se ela fosse completamente doida, então ela logo tratou de complementar sua resposta.
- Quando eu era criança, minha avó tinha esse livro de cabeceira que era um de seus favoritos "o apanhador de sonhos". Eu não fazia ideia do que se tratava, mas na minha imaginação fértil, eu pensava em algo mágico, e sempre pensava que se havia um apanhador de sonhos, também deveria haver um apanhador de estrelas, e era isso que eu queria ser. Imagina só, ter uma estrela para chamar de sua? - concluiu com o olhar distante, relembrando a memória de infância.
John virou uma dose completa de vinho em um único gole, absorto em cada detalhe do rosto à sua frente e se dando conta de que era única. Nunca havia conhecido ninguém como ela e - caso baixasse suas guardas - ela poderia se tornar mais do que especial.
O jantar logo ficou pronto, e foi um jantar regado a vinho e perguntas estranhas e inesperadas, mas no fim da noite, ambos haviam deixado de ser completos estranhos e se tornaram algo mais, algo que ainda não conseguiam nomear.

"I'm unsure of almost everything, but I know I only wanna talk to you". (I only wanna talk to you – The Maine)




Continua...



Nota da autora: Sem nota.

Outras Fanfics:
One More Shot

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