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Finalizada em: 12/06/2021

Único

3 de Junho de 2015


– Festa Junina do Dia dos Namorados? Sério? – debochou.
A turma havia acabado de receber os convites para a Festa Junina da escola, que havia sido marcada na sexta-feira da semana seguinte, justamente naquela data comemorativa que estragaria a melhor comemoração do ano todo, na opinião da garota. Os murmurinhos preenchiam toda a sala em animação.
– Ai, , você é muito amargurada! O que você tem contra o Dia dos Namorados? – Amanda, sua melhor amiga, retrucou.
– Amanda, qual é! Literalmente foi criado porque o comércio em junho era muito fraco no Brasil. É exatamente isso, um dia para movimentar as compras.
– Deixa os comerciantes em paz, , e admite que essa sua frustração é porque você vai sozinha. – Disse uma voz a sua esquerda.
se virou e não soube o porquê havia se surpreendido por aquilo ter saído da boca de . Eles eram melhores amigos e, bom, talvez sentisse algo a mais, mas se recusava a admitir isso em voz alta porque o que tinha de bonito, inteligente e engraçado, ele tinha cinco vezes mais em implicância. E claro que ele nunca pensaria nela assim. Ele já havia deixado claro que ela era como uma irmã para ele. Então é claro que ele tinha que debochar da vida amorosa inexistente da garota.
, não pega pesado. – João, melhor amigo de , bronqueou. – Se ela não tiver par, não tem problema.
O rosto de ficou completamente vermelho. Era isso que os amigos achavam dela? Que ela era uma solteirona patética?
Bom, não era completamente mentira. Nunca havia beijado na vida e seu único namoro durou um único dia e ela tinha sete anos. Aquilo não contava exatamente. Mas isso não significava que ela aceitava ouvir aquilo das pessoas em quem ela mais confiava.
– Pois não sei de onde vocês tiraram que eu não tenho par. – respondeu, o queixo empinado, antes que pudesse pensar racionalmente. – Na verdade, estou analisando todos os meus pedidos.
Até Amanda teve que segurar o riso dessa vez e se sentiu mil vezes mais ofendida.
– Isso é o que eu acho que é, ? Uma aposta? – replicou rindo.
– Pode ter certeza de que é. – replicou, a raiva fervendo dentro de si.
João suspirou e olhou para Amanda antes de seguir com a formalização da aposta, algo muito comum com os dois amigos.
– Muito bem, escrevam em um papel o que o outro tem que fazer caso percam e me entreguem.
ficou em dúvida do que exigir. Ela sabia que com certeza seria cruel com ela, nunca pegavam leve nas consequências um com o outro. O menino tinha uma pequena cicatriz no dedo direito por causa de umas delas, assim como a garota morria de medo até hoje de lagartixas por conta dele.
entregou seu papel para João e o pânico a tomou, escrevendo a primeira coisa que lhe veio na cabeça. Com os dois papéis em mãos, João arregalava os olhos conforme lia o que estava escrito. Por fim, pigarreou:
– Eu acho que nada aqui descumpre as regras. Aposta iniciada.
Ambos apertaram as mãos, se encarando, embora agora a raiva de se misturasse um pouco com o desconforto que sentia com a proximidade com . Antes que pudessem falar qualquer outra coisa, no entanto, o professor resmungou na frente da classe.
– Muito bem, o recado já foi passado. – Professor Túlio falou, chamando a atenção de todos. – O ensaio será na segunda feira da semana que vem. Agora, guardem esses convites e vamos voltar para a aula. A densidade, então, nada mais seria do que uma relação entre massa e volume...
tentou anotar tudo o que o professor falava como uma forma de afastar seus pensamentos da cabeça. Nove dias. Ela tinha exatos nove dias para arrumar um par para a Festa Junina e para o Dia dos Namorados. Maldita data comemorativa falsa.
A garota levou um susto quando um pedaço de papel dobrado pousou na sua mesa. Olhou para os lados e viu sorrindo de lado, embora olhasse para o professor. Não conseguindo conter a sua curiosidade, abriu o bilhete e leu o que estava escrito:
“Vai ser meio constrangedor quando a professora de educação física ver que você tá sem par e te colocar com um professor velho. Talvez você devesse tentar o professor Túlio, pelo menos ele só tem cinquenta anos.”
Os dentes de estavam rangendo quando ela olhou de novo para , que fazia sua melhor cara de inocente. Agora ela arrumaria um par de um jeito ou de outro, senão...
Senão se mudaria de país e criaria uma identidade falsa, pensou nervosa. Tinha quase certeza que a pena de seria pior do que isso.

6 de Junho de 2015


– É impossível arrumar um par! – lamuriou.
Amanda balançou a cabeça em negação do outro lado da tela. Era sábado e o desespero estava crescendo a cada dia mais no peito de . O ensaio era segunda feira. Como apareceria sozinha na frente de ? Ele falaria disso até mesmo em seu leito de morte. Por isso, precisou do apoio da melhor amiga, que logo a ligou pelo Skype.
– Isso é culpa sua e dessa sua boca grande. Onde já se viu mentir assim? – Amanda bronqueou, tirando um muxoxo de .
– Eu sei, eu sei! Mas eu entrei em desespero. Odeio que zombem de mim.
– Odeia é que o zombe de você, que eu sei. – A amiga provocou e como esperado o rosto de ficou todo vermelho.
– Bom, qualquer coisa você vai comigo, né? – A garota arriscou, mas viu pela cara da amiga no computador qual seria a resposta.
! Eu não vou ficar esperando pra ser sua estepe não! Além disso, eu vou com o João. Como amigos. Era isso que você deveria ter feito, chamar um amigo. Como o .
– Ele nunca dançou comigo. Ele odeia Festa Junina, o que pra mim é um crime. Além disso... você sabe que eu não posso. – esganiçou.
– Sim, não pode. – Amanda suspirou. – Por que, se você o convidasse, não seria chamar um amigo, não é?
sentia que ia explodir de tão quente de vergonha que estava.
– Bom, pelo menos ele nem vai. – suspirou. – Mesmo que eu passe vergonha, ele não vai me ver.
– Amiga... ele vai sim. – Amanda falou, com uma voz quase beirando a pena. – E ele vai dançar. Esqueceu que a dança vale ponto da média de todas as matérias? Foi o jeito da escola forçar todos a dançarem.
– Bom... – ficou desconcertada com aquela resposta. – Pelo menos ele também não par. – A menina riu, levemente satisfeita.
– Na verdade – Agora a voz de Amanda com certeza mostrava pena. –, ele tem um par.
Quê? Ele vai com outra pessoa? falou, em completo choque. – Quem?
– Ah, não sei se deveria falar...
– Amanda! Você já começou a fofoca! Agora, completa!
– Tá bom! Ele vai com a Hannah da turma B.
O rosto lindo da garota veio à mente de e ela podia jurar que nunca sentira tanta vontade de sumir. Idiota, idiota, idiota! Agora estava sem par e praticamente liberara para uma das garotas mais bonitas da escola.
Bom, talvez fosse melhor assim. Ela já sabia que eles nunca ficariam juntos e isso era mais uma prova. E, por Deus, ela nem queria ficar com ele! Não se escolhia de quem se gostava porque ninguém em sã consciência escolheria um garoto assim, mas com certeza com o tempo ela esqueceria e perceberia tudo fora só uma projeção da sua carência.
Mas por que ainda doía tanto?
– Achei que a Hannah ia com o Lucas. – comentou, tentando tirar sua mente daquele sofrimento ridículo.
– Menina, pois é! – Amanda comentou, animada, e sentiu que tinha alguma fofoca envolvida. – Parece que eles estavam meio brigados e a Hannah chamou o pra festa numa dessas brigas. O Lucas surtou e terminou tudo! Idiota, né? Só por causa de um par de Festa Junina?
– Sim, muito idiota. – disse, se sentindo uma hipócrita, já que sentia seu peito ferver de ciúmes por conta de um par idiota de Festa Junina. – Mas, também, não é uma Festa Junina qualquer, né? É Dia dos Namorados. Tá meio que assumido que todos os casais da escola vão juntos.
– Realmente... Estranho a Hannah chamar o tão aleatoriamente, ainda mais que o Lucas é muito lindo, não dá pra mentir. Será que já tava rolando algo e... Ah, desculpa, !
– Relaxa! – A menina forçou uma risada. – Pode continuar!
E continuou mesmo. Amanda pensou em mil motivos para eles irem juntos assim e escutou todos eles, escondendo o incômodo que sentia no peito.

8 de Junho de 2015


– Calma, gente, o problema do som tá quase resolvido! – Martha, a professora de educação física responsável pelo ensaio, gritou pelo microfone.
observava os alunos reunidos na quadra, alguns sentados entediados, outros rindo animados, mas todos com algo em comum: estavam acompanhados. No meio da confusão de adolescentes, ela conseguia enxergar João e Amanda jogando conversa fora. Não queria dar o braço a torcer, mas a amiga estava certa. Tudo teria sido obviamente mais fácil se ela tivesse ido com e os quatro ficassem juntos. Por que ele sempre tinha que irritá-la e, no final, fazer tudo se transformar em competitividade? Desde que os quatro se tornaram melhores amigos, era assim. e competiam nas notas dos testes, nos jogos de queimado que aconteciam no recreio, em quem aguentava mais pedaços de pizza no rodízio... Tudo virava uma competição entre os dois. Mas a verdade era que adorava aquilo: era algo deles. Uma hora, eram melhores amigos, e na outra estavam quase se matando.
Porém, ela conseguia enxergar e Hannah juntos no meio daquele grupo, conversando casualmente, ambos muito confortáveis na companhia um do outro, completamente estranhos no cenário que se passava na sua cabeça dos quatro amigos juntos. Não tinha espaço para outra garota porque, bom, no fundo, ela esperava ser quem ficaria com . O estômago de se embrulhou e subitamente a Festa Junina parecia ter perdido todo o seu brilho.
Um som estridente saiu da caixa de som novamente, fazendo os alunos gritarem em reclamação.
– Tá quase! – Martha gritou novamente pelo microfone, a voz afetada pelos problemas técnicos.
Quando os ouvidos de pareceram se recuperar, ela voltou a relancear e Hannah, mas ficou confusa por um segundo. Ele não estava mais lá.
Começou a buscá-lo novamente com os olhos e congelou. Ele não estava ali porque estava andando em direção a alguma coisa. Não, não alguma coisa, estava andando em direção a ela.
Antes mesmo que conseguisse fugir, ele já havia apoiado um braço em seus ombros.
! –A voz de alcançou seus ouvidos e, involuntariamente, ela ficou arrepiada com aquele apelido ridículo. – Que bom te ver aqui!
Ela se virou sorrindo nervosa entre constrangimento, irritação e um sentimento que ela desejava não nomear.
– É, eu estava aqui para proteger meus ouvidos até tudo começar.
– Ah, faz sentido! – Uma terceira voz risonha falou e se sentiu ainda pior ao ver quem era: Hannah. – Você é muito inteligente, eu tenho certeza de que meus ouvidos chegaram a sangrar.
O casal riu e se sentiu muito mal. Dois segundos na companhia deles e estava muito claro: e Hannah combinavam e se davam bem. E o pior: Hannah era legal. Como podia odiar alguém assim? A garota não tinha culpa de ser uma escolha melhor do que .
– Mas afinal, eu sou a Hannah. Você é a , amiga do ?
? Que intimidade era aquela?!
– Infelizmente, sou eu. – sorriu amarelo, mas, por sorte, Hannah a achou engraçadíssima.
– E seu par, ? Onde essa pessoa misteriosa está? – não perdeu tempo e foi logo atazaná-la. forçou um sorriso, mas tudo o que mais queria era socar aquele rostinho lindo.
– Ele... eu... – Sua mente não era rápida o suficiente para criar uma desculpa.
– Não diga que ele tá usando uma capa da invisibilidade? – insistiu, fingindo procurar por cima dos ombros da garota.
– Não! – Sua voz se alterara, a simples presença dele a tirando do sério.
– Não precisa se constranger, muita gente aqui também não tem par. – Hannah falou, simpática, mas o que menos queria era a condescendência dela.
– Mas... eu...
– O SOM ESTÁ FUNCIONANDO! – Martha gritou pelo microfone, colocando uma clássica trilha sonora de Festa Junina no som. – Alunos que não tiverem par, venham aqui na frente! Podemos juntar alguns ou ver alguns professores disponíveis.
– Ah, agora eu lembrei. – sorriu de lado. – Você tem um par, o professor Túlio.
– TÁ BOM, MERDA, EU NÃO TENHO UM PAR! – explodiu, cansada de tudo aquilo. O que não esperava é que toda a escola tivesse parado para escutar seu pequeno surto.
– Ô, tadinha... – Hannah completou e toda a raiva da garota se transformou em total constrangimento.
sentiu sua garganta apertar e o embrulho no estômago se transformou em outra coisa: ansiedade. Ela queria sumir, desaparecer. É, talvez fosse hora de colocar em ação a ideia de uma identidade falsa e mudar de país. Não, de continente.
– Nossa, que conveniente, porque eu também não tenho par. – Uma voz masculina conhecida disse atrás de . O rosto de Hannah se fechou e ela sentiu , com o braço ainda apoiado nela, se resetar.
Não, aquilo só podia ser mentira.
A garota olhou para trás, encontrando Lucas, todo charme e sorrisos.
Mas por que diabos parecia que o garoto mais bonito da escola estava falando com ela?
– Então, você topa? – Ele disse, os olhos ainda a encarando, sorrindo.
– Ahn... você tá falando comigo? – Ela disse, sentindo o estômago esquisito. Não estava dentro da sua rotina falar com garotos que não fossem e João. Ela não sabia como agir.
– Claro que é você. – Ele riu. – A não ser que eu tenha escutado errado e você já tenha par.
Meu Deus. Que milagre de Santo Antônio era aquele? Lucas estava mesmo a convidando para dançar com ele? Na Festa Junina? No Dia dos Namorados? Justamente quando tudo o que ela mais precisava era de um par para jogar na cara de ?
Meu Deus, estava ali a chance de estar acompanhada. E do Lucas! Não existia uma menina que não sonhava em ficar com ele.
Reanimada com aquele acontecimento, ela afastou o braço de dos seus ombros e caminhou em direção àquele garoto tão bonito.
– Ainda bem que eu dispensei meu par antigo ontem. – Ela disse, querendo fingir que não estava sozinha à toa. – Vamos logo.
– Vamos lá, casais, se ajeitem em uma fila, vamos treinar a entrada! – Martha gritou no microfone.
Amanda ficou observando em choque enquanto entrava com os braços dados com Lucas. João, ao seu lado, parecia curioso, embora sorrisse. Ela se recusava a olhar , mas às vezes encontrava suas sobrancelhas franzidas e não podia deixar de sorrir ainda mais. Estava perto de vencer uma aposta.
Ao final da dança, Lucas sorriu para ela. Ele era um parceiro maravilhoso. Era animado, seguia todas as instruções, adorava as mesmas músicas da festa que ela e a fazia rir constantemente. Aquilo acabou muito bem considerando toda a confusão na qual ela se metera.
– Então eu te vejo sexta? – Lucas perguntou, esperançoso.
– É claro, meu cavalheiro. – Ela ironizou e ele riu antes de se afastar.
Naquele momento, uma mão já agarrava a sua.
– Banheiro. Agora! – Amanda gritou e, quando se deu conta, as duas já estavam no sanitário. – O que foi aquilo?!
sorriu um pouco constrangida.
– Não sei o que você quer dizer.
Amanda bufou, irritada.
– Não sabe o que eu quero dizer? Quero falar da sua entrada patética sozinha na quadra, anunciando que estava sozinha para Deus e o mundo. Amiga, foi tanta vergonha que eu senti dó. – bufou, mas Amanda retomou sua fala antes que ela a interrompesse. – Mas não importa. O que foi o Lucas te convidando?
Amanda soltou um gritinho no mesmo momento em que algumas garotas entraram no banheiro, fazendo-as saírem assustadas.
– Menos, Amanda, bem menos! – ralhou, embora não conseguisse segurar seu sorriso.
– Sua safada, você tá adorando isso! Também, com o se mordendo de ciúmes...
– Quê? Claro que não! – retrucou, o estômago levemente agitado.
– Ele não tirava os olhos de vocês dois...
– Porque ele sabe que eu venci a aposta!
– E não só isso como um par para o Dia dos Namorados.
– Um par para a Festa Junina. – corrigiu. Mas, pela primeira vez, ter um par para o Dia dos Namorados não parecia uma ideia revoltante e a data não parecia tão ruim.
– Olha você toda felizinha! – Amanda comemorou, mas então seu rosto ficou um tanto mais sério. – , embora eu esteja feliz por você e te queira aproveitando e desencanando do , só toma cuidado, por favor.
– Cuidado? – A garota franziu a sobrancelha, confusa.
– É, cuidado. Hoje a dança estava exalando tensão e você e o não eram os únicos responsáveis. Vocês tão se metendo em história dos outros.

12 de Junho de 2015


– Filha, sorri direito! – Dona Lúcia falou, manhosa, fazendo revirar os olhos e fechar ainda mais a cara. Sua mãe tirou os olhos da câmera e a olhou severa. – , sorri agora!
Movida pelo medo, a garota posou para a milésima foto, a boca já cansada. A Festa Junina de sua irmã mais nova ocorreria naquele dia também, então a família havia combinado que iria na festa da menor. Acabou dando seus convites para Amanda que pretendia levar seus três irmãos, quatro meio irmãos e dois irmãos “emprestados”. Mas é claro que a mãe não se perdoaria se não registrasse a filha em seu novo vestido vermelho. tinha todas as suas fotos de Festas Juninas registradas.
, pega um casaco, vai fazer frio.
– Mãe, não precisa...
– Pega um casaco!
Antes que a mãe reclamasse mais, pegou o primeiro casaco quadriculado que encontrou. Só um novo peso para arrastar pela festa, pensou.
– Ainda não entendo por que você não vai dançar com o , ele é tão bonzinho! – A mãe comentou, mais sutil impossível.
– Mãe, primeiro que somos amigos. Segundo, outro menino me convidou pra dançar, ué, que que tem?
– Nada, nada... É que tô te sentindo meio quietinha...
– Mãe, eu tô bem, sério!
Mas aquilo não era totalmente verdade. Geralmente, quando rolava qualquer aposta, desafio ou competição entre e , o clima ficava tenso durante o desafio, mas assim que tudo acabava, eles voltavam a ficar bem. Porém, não falava com desde o dia do ensaio. Ela tentou falar com ele, mas fora ignorada. Ela não ia ficar atrás de alguém que estava deixando claro que não queria falar com ela.
No entanto, isso ainda machucava. Ela sentia falta de seu melhor amigo.
Seu celular apitou e ela acordou de seus pensamentos. foi olhar a notificação, esperando Amanda que lhe daria uma carona e dissera estar a caminho. Infelizmente, não fora essa mensagem que chegara.
– MÃE! Você mandou a foto no grupo da família?!
– Ah, filha, tá tão bonitinha! Eu comentei e sua tia quis ver!
– Mas agora a vovó vai ver e vai querer postar no Facebook!
– Ai, , você reclama de tudo! São... memórias. – Mas a própria mãe já estava segurando o próprio riso, mas foi interrompida por uma buzina. – Aí, deve ser a Amanda. Manda um beijo pra ela e pros pais dela. Se cuida. Não deixa seu copo em lugar nenhum sem vigiar! Não aceita nada de estranhos e...
– Já saquei, mãe! Beijos! – a cortou, saindo correndo para fora da casa, onde o carro cinza a esperava. –Oi, tia Gi!
– Oi, querida! – A mãe de Amanda a cumprimentou de volta. – Aperta aí que cabe!
entrou no carro com as duas, e mais três familiares da garota. O padrasto da menina levaria mais dois irmãos da garota e o pai dela iria com a madrasta e os quatro irmãos restantes apenas mais tarde.
A voz da professora Martha era audível a mais de um quarteirão de distância. Quando finalmente chegaram na festa, se sentiu imediatamente mais feliz. Os cheiros das comidas, a fogueira, as bandeirinhas, todos vestidos a caráter, as músicas... Seu coração saltou no peito com a cena. Era a melhor comemoração de todas.
– Nos vemos antes da sua dança, Amanda? – Dona Gi combinou com a filha. – Se cuidem, viu? Beijos, meninas!
– Ainda bem que ela já foi. – Amanda disse quando a mãe se dispersou. – Você deu sorte de vir desacompanhada!
– Preciso comer. – anunciou, a ignorando e recebendo um olhar incrédulo da amiga. – Que foi? Esse cheiro dá fome!
– Tá bom, tá bom, e o que você quer primeiro? – Amanda se rendeu.
O que queria primeiro? Boa pergunta. Tinha pastel, angu, caldo verde, pipoca... E os doces? Bolo de fubá, pé de moleque, canjica, curau, cuscuz... Ah, mas ela precisava mesmo era comer um...
– Milho verde para a senhorita?
se virou e encontrou exatamente o milho cozido com o qual estava sonhando. Mas a pessoa que o segurava foi o que mais a surpreendeu.
parecia ainda mais bonito com roupas casuais, sem o uniforme. Tê-lo ali na sua frente fez a saudade de falar com o amigo aumentar ainda mais.
– Ah... obrigada. Era exatamente o que eu queria. – falou envergonhada. A mão esbarrou na do garoto ao pegar o milho e ela sentiu suas bochechas esquentarem. Subitamente, o amarelo do milho parecia muito interessante.
– Que conveniente você aparecer aqui com esse milho, senhor , depois de tantos dias. – Amanda falou, um leve tom de aviso por trás.
– Ah, eu... só vi vocês chegarem e eu tava acabando de comprar um milho para mim e aí acabei comprando outro porque você adora. – Ele apontou para .
– E pra mim não trouxe nada, né? – Amanda reclamou. O rosto de ficou levemente vermelho e a garota riu alto. – Relaxa! Eu nem gosto de milho! Olha lá, é o João, tá me chamando, vê se pode! Tchau!
E com a saída nada discreta de Amanda, ambos ficaram ali, lado a lado, comendo milho cozido.
– Então, ahn... Gostei da roupa. – quebrou o gelo.
– Ah, valeu. Não entendi você, cadê a roupa de Festa Junina?
– Eu já vou dançar, não vão me obrigar a usar nada quadriculado. – Ele relanceou o casaco da menina, que fez uma careta.
– Pois quadriculado é muito bonito. – Ela replicou.
– Claro, claro! Só não em mim.
Mais um minuto sem falarem nada. Pelo menos, as músicas de fundo encobriam o silêncio constrangedor.
– Que que aquelas meninas estão fazendo? – apontou para umas meninas do último ano que carregavam cestinhas no braço.
– Ah, ouvi que esse ano vai ter correio elegante. Sabe, correio do amor?
– Eu sei o que é. Pera, elas tão vindo pra cá?
Para total surpresa de , sim, elas haviam percorrido toda a extensão da quadra em direção a menina.
do 2C? – Uma das garotas falou, enquanto outras três seguravam risinhos.
– Sou eu. – Ela respondeu, confusa.
– É pra você. – A garota entregou um cartão em formato de coração para ela.
– É, mal chegou na festa e já tem admiradores. – Outra menina comentou, antes que todas saíssem dali, risonhas.
– Isso foi muito bizarro. – simplesmente falou.
– Lê logo o treco. – comentou, agitado.
– Não chama de treco! – replicou porque, embora estivesse confusa, era o primeiro gesto romântico que recebia na vida. Era quase como se tivesse esquecido todo o sentido comercial por trás daquilo;
Por fora, o coração trazia seu nome e sua turma, mas, por dentro, algumas palavras em uma caligrafia que ela não conhecia enfeitavam o cartão.

”“Fiz uma prece, hoje é noite de São João
Tanta saudade já não dá pra segurar
Meu coração tá queimando feito brasa
Ela foi e bateu asa sem dizer se vai voltar”
- Alceu Valença, Noite de São João

Estou com tantas saudades que escrevi isso mesmo antes de te ver. Será que conseguirei matar a vontade de te ver hoje?”

estava sem fôlego, maravilhada. Era uma declaração! E com uma das músicas que mais adorava! Mas quem poderia ter escrito algo assim?
Alguém gentil, fofo, que também gostava das mesmas coisas que ela...
– Não acredito que o Lucas me mandou isso! – A garota exclamou, em choque.
bufou na mesma hora.
– O Lucas? Não sei não. Esse garoto é encrenca.
revirou os olhos.
– Olha, você não tem que ficar com tanta raivinha dele só porque eu consegui um par e ganhei a aposta. Ele é gente boa, sabe?
– Não é isso. – Ele bufou novamente. – Não confio nele.
– Ah, então é por que ele é ex da sua nova namoradinha?
– Caraca, , vê se se toca! Deixa a Hannah fora disso.
se assustou totalmente com o tom dele. Não sabia o que doía mais. Ele não ter negado ou não ter a chamado de . Mas isso não importava. Enquanto esse garoto idiota estava a atazanando, havia outro muito melhor a esperando.
– Eu vou encontrar o meu par. Você devia tentar fazer o mesmo, .
! – Foi tudo o que ela escutou antes de se dispersar no mar de pessoas que estavam na festa.
Ela estava muito irritada. Que garoto abusado! Só sabia incomodá-la e torcer contra a sua felicidade. Por isso, focou em encontrar Lucas na festa.
Rodou por mais de meia hora, encontrando João e uma menina perto dos brinquedos, Amanda conversando com outro grupo perto das apresentações e até mesmo a família de (de quem ela fugiu desesperada antes que a vissem). Estava tudo bem cheio, mas não era possível que ela não encontrasse Lucas. Quando já estava extremamente desanimada e quase desistindo, uma nova garota com uma cestinha em mãos se aproximou dela.
do 2C?
praticamente arrancou o recado em forma de coração vermelho da mão da menina e correu seus olhos pela escrita, agora com uma nova caligrafia, igualmente desconhecida.
““Veja só, você é a única que não me dá valor
Então por que será que esse valor
É o que eu ainda quero ter?”
Falamansa – Xote dos Milagres
O que eu preciso fazer para conquistar esse valor?”

O coração de estava acelerado, o estômago se enchendo de borboletas. Mas aquela caligrafia era outra. Outra pessoa? Mas quem seria?
avistou a menina com as cestas de cartões e correu atrás dela.
– Ei, garota!
Quando finalmente a alcançou, recuperou o fôlego com esforço, cansada da corrida leve.
– Quem... foi que mandou? – estendeu o cartão na frente dela.
– Não posso falar, menina, tá nas regras.
– Que regras? É só um cartão.
A menina a olhou horrorizada.
– As regras do correio do amor, ora! Você não entende nada. – A garota deu as costas para ela e saiu andando, com a seguindo.
– Espera! Foi mal! Oh, eu não entendo de correio elegante, do amor, sei lá, mas entendo uma coisa. – A mais nova tirou uma nota de cinco reais do bolso. – Você precisa de dinheiro para a festa de formatura.
percebeu que a menina ficara em dúvida.
– Seis reais e eu te dou uma dica sobre os cartões.
– Cartões? – perguntou, curiosa. – Você também sabe sobre o outro?
– Posso saber. – Ela respondeu evasiva.
– Três reais e você me conta a dica.
– Quatro reais ou nada. – A mais velha estendeu a mão.
entregou o dinheiro, mentalmente pensando como o romance era realmente um bom comércio. A mais velha se aproximou mais dela, como se contasse um grande segredo.
– É um garoto. Ele mandou os dois cartões, mas pediu para que cada uma de nós escrevesse um, pra te confundir.
– E deu certo pelo jeito... O que mais?
– É só o que posso dizer! Boa sorte! – E então escapuliu pela multidão, se camuflando.
O coração de estava completamente acelerado. Não bastasse todas as emoções intensas que já sentia em uma festa, todo aquele mistério a deixava elétrica e, bom, a fazia se sentir querida.
Poderia ser uma pegadinha, mas quem iria tão longe para enganá-la?
Bem, ela sabia de alguém... Mas esse alguém não era assim tão baixo.
Mais uma hora se passou com ela rodando a festa atrás de Lucas. Aquilo estava ficando muito cansativo. O menino não estava em local nenhum. Será que estava se escondendo dela, por vergonha? Ela até entenderia, afinal, os cartões estavam se tornando intensos. Naquela hora, ela recebera mais três, seguindo o mesmo padrão de caligrafias diferentes. E o último, ah, o último ainda estava tirando seu fôlego.
“”Vou me perder, me afogar no teu amor
Vou desfrutar, me lambuzar nesse calor
Te agarrar pra descontar minha paixão
Aproveitar o gosto dessa animação”
Dominguinhos, Chico Buarque – Isso Aqui Tá Bom Demais”

Dessa vez, nem um comentário extra fora escrito. O rosto de queimava sempre que ela relia aquela mensagem. Como podia ter dançado aquela música por todos aqueles anos e nunca ter reparado naquela letra? Tão... intensa?
Estava considerando subornar mais uma das meninas do Correio do Amor, quando a voz estridente de Martha se propagou por toda a festa.
– Alunos do nono ao segundo ano, se organizar aqui ao lado do som para início da quadrilha!
Droga! Ela perdera tanto tempo que nem reparara em como a sua dança já iria começar. perderia tempo na sua busca com aquela pausa. Mas, por outro lado, finalmente encontraria Lucas na formação dos casais.
praticamente correu para o lado do som.
E ela esperou. Foi uma das primeiras a chegar e viu diversos colegas formando suas duplas, mas nenhum sinal de Lucas. Até Amanda e João já estavam prontos na fila.
, não fica assim, ele deve estar a caminho... – João tentou consolá-la.
– E espero que seja rápido, senão você vai perder a aposta.
se sentiu a beira de um colapso. Precisava vê-lo. Precisava entender sobre os bilhetes e, mais urgentemente, precisava não perder a aposta.
– Um minuto! – Martha anunciou, deixando ainda mais ansiosa. Amava participar das quadrilhas e não só ficaria de fora, como perderia a aposta!
A professora Martha passou analisando se todos os pares estavam formados, parando em .
– Mocinha, cadê seu par?
– Eu... não sei. – falou em pânico.
– Sem par, não dança. Quer que eu veja se um dos professores está disponível?
Que pesadelo! estava prestes a discordar e voltar para a plateia, quando escutou uma voz.
– Pera aí, eu cheguei.
se virou para trás e viu andando em sua direção. Antes que pudesse entender, ele engatou o braço no dela.
– Ok, ok, então vamos começar! – Martha anunciou, se afastando.
ainda olhava incrédula para .
– Que foi? – Ele retrucou. – Seu par não foi o único que te deixou na mão.
– Mas... – Ela estava boquiaberta. – Você vai perder a aposta!
– E vou perder pontos em todas as matérias se eu não dançar. – Ele retrucou, fingindo estar indiferente, mas sentiu seu coração pular no peito.
– Você é o melhor amigo do mundo. Senti sua falta, idiota.
– Também senti sua falta, .
A clássica música “O Sanfoneiro Só Tocava Isso” ressoou pela festa e os casais começaram a entrar juntos. , apesar de odiar tudo aquilo, se esforçava para não desanimar e ela era extremamente grata por isso.
Quando os pares finalmente chegaram nas suas posições, a música trocou para “Isso Aqui Tá Bom Demais”, fazendo o rosto de esquentar ao se lembrar do cartão que carregava consigo.
– Tá tudo bem, ? – falou, perto do seu ouvido. A proximidade a deixou nervosa e fez seu rosto queimar ainda mais. Maldito garoto, por que ele tinha que tornar tão difícil afogar qualquer sentimento que se diferia da amizade?
– Ahn... To sim. – Ela respondeu, meio desnorteada, arrancando um dar de ombros do garoto e um sorriso maroto que ela não notou.
A dança foi não foi nada do que ela esperava. Diferente de Lucas, não vibrava com a música, nem era muito empolgado. Pelo contrário, era até meio debochado. Mas havia alguma coisa ali que ela não sentira no dia do ensaio com o outro. Ela viu esforço da parte do amigo de tentar diverti-la. E acabou que as piadas de foram melhores do que uma dança bem performada.
E não podia mentir para si mesma, aquela dança exigia certo contato e seu estômago estava frequentemente se enchendo de borboletas. O calor da pele dele era impossível de ser ignorado. Quando ele segurava sua mão ou, nos momentos de dança, segurava sua cintura, seus rostos tão próximos... sentia que o ar lhe escapava por completo. Até que, talvez por piedade de sua óbvia fraqueza por ele, a quadrilha acabou e todos saíram de braços dados até o ponto de partida.
– Nada mal, minha dama. – Ele fez uma leve reverência.
Geralmente, isso faria rir e brincar com algo de volta, mas ela estava tensa. Tensa com todas as emoções que ela suprimia por tanto tempo estando a flor da pele. Ela precisava sair de perto dele o mais rápido possível.
– Ahn, é... Amanda! – Ela exclamou vendo a amiga. – Amanda queria falar comigo!
Antes que a amiga exclamasse ou reclamasse daquela súbita atitude, a arrastou para o meio da festa, se mesclando o máximo que conseguiu.
– O que você tá fazendo, maluca?!
– Amanda, você tem que me ajudar. – pediu, o desespero palpável na voz, fazendo a amiga se preocupar de verdade.
– O que houve?
– Eu não consigo mais, Amanda... Eu não consigo mais ficar perto do . Essa dança... Foi uma tortura. Tá me machucando muito tentar fingir que tá tudo bem e ser amiga dele, mas ficar por perto só piora tudo.
– Ô, amiga... O que você quer que eu faça? – Amanda falou, determinada.
– Isso só tem uma solução: esquecer de vez o . E, pra isso, eu preciso achar o Lucas. Ou quem quer que seja que esteja me mandando esses cartões no Correio do Amor.
tirou os cinco cartões bem guardados consigo e mostrou tudo para a amiga, explicando o suborno, a informação que conseguiu, os momentos em que ganhou e sua suspeita. Amanda lia tudo com enorme voracidade e a encarava sem palavras.
– Então é por isso que você tava igual barata tonta rodando a festa!
– Sim! Eu tava procurando o Lucas. Mas ele não apareceu pra quadrilha, então ou foi ele e ele está se escondendo ou foi outra pessoa. Mas eu nem falo direito com outras pessoas!
– Às vezes é alguém que te conhece só de vista.
– Mas nesse cartão, fala de saudade. – apontou para o primeiro cartão. – Então deve ser alguém que me conhece minimamente, né?
– Não sei, ... Só sei que esse cartão aqui, nossa, até me deu um calor! – Amanda riu, apontando para o último que ela recebera. – Mas vem cá... Você realmente acha que essa é a melhor forma de superar o ? Colocando um substituto?
– Quando você fala assim, parece até meio errado...
– Porque é errado! Se você tentar ficar com alguém agora, vai ficar projetando expectativas pra pessoa agir diferente e vai acabar magoada e de cara quebrada. Isso não é superar, é ignorar o problema!
– E como se supera alguém, então?
– Infelizmente, com os bons e velhos remédios de sempre: o tempo e a distância.
– Mas eu não quero me afastar do e esperar até essa paixão sumir! Isso vai arruinar toda a nossa amizade!
, encara uma coisa! Vocês já estão arruinados. Ou você lida com isso de uma maneira boa pra ambos e corta o mal da raiz, talvez depois voltando a ser amiga dele, ou finge que tá tudo normal e fica se magoando, além de o afastar, o que vai magoar o também!
suspirou, olhando para o chão e sentindo as lágrimas se acumularem ao redor de seus olhos. Sua vida amorosa era inexistente e, mesmo assim, conseguia machucá-la de uma forma sem igual.
– Então, de qualquer jeito, eu vou perdê-lo.
– Vem cá. – Amanda a puxou para um abraço, o que tornou mais difícil de conter as lágrimas. Se não fosse sua extrema força de vontade de não manchar sua maquiagem, teria se desmanchado ali mesmo. – Sabe, acho que agora é melhor você ficar na sua. Sem e sem cartões.
– É, tem razão. – acrescentou, suspirando.
Naquele momento, no entanto, uma menina apareceu com uma cestinha e vários corações vermelhos de papel. Era a mesma menina a quem ela havia subornado.
da 2C?
– Olha, a gente sabe que é seu trabalho, mas pode devolver esse cartão, valeu? – Amanda falou por ela.
– Nossa, tem certeza? Você tava tão interessada com o garoto dos cartões que achei que ia querer descobrir quem ele é. – A garota mais velha retrucou, olhando para . – E isso aqui vai te apontar a resposta.
Os pensamentos de entraram em uma disputa interna. Ela havia acabado de decidir se afastar de qualquer coisa romântica, o que já deveria ter feito há muito tempo. Sabia que aquela Festa Junina no Dia dos Namorados ia ser uma furada. No entanto... Passara tanto tempo envolvida naquela busca e aqueles cartões a fizeram tão bem, foram os primeiros que conseguiram tirar da sua cabeça.
Talvez... Mesmo que não ficasse com a pessoa, poderia ao menos agradecê-la pelo carinho de enviar tudo aquilo.
– Tá bom, me dá isso. – praticamente arrancou o cartão da mão da menina.
““E esse aperto no fundo do peito
Desses que o sujeito não pode aguentar, ah
E esse aperto aumenta meu desejo
E eu não vejo a hora de poder lhe falar”
Gilberto Gil – Esperando na Janela
Lhe falar o que eu sinto, quem eu sou... E talvez você fale algo também. Me encontre 18:00 na portaria da entrada da festa.”

olhava em choque o bilhete, o conflito de emoções no seu peito.
– Me dá isso! – Amanda arrancou o bilhete da sua mão. – , não sei se é seguro você ir. E pra que ir? Você precisa mesmo disso?
– Preciso, Amanda. – admitiu. – Porque, por mais que eu odeie o Dia dos Namorados, essa pessoa fez o meu um dia melhor. E gostaria de agradecê-la. Até porque, quem quer que seja, já gastou muito dinheiro com isso.
– Seis reais, , seis reais, já que cada cartão é um real. Isso é quase o que você pagou pra saber quem é a pessoa. Não se emociona.
– Eu quero ir. Eu vou.
– Então deixa eu ir junto. Não é seguro você ir sozinha.
– Mas eu quero, Amanda. Eu preciso de privacidade. Eu quero só esse momento antes da noite acabar e eu começar uma vida sem a amizade do .
Amanda mordeu o lábio, como se estivesse se contendo para não falar mais nada. Por fim, suspirou.
– Tá bom, . Eu entendo e te amo muito, por isso vou apoiar essa loucura. Mas, pelo amor de Deus, me liga qualquer coisa!
– Pode deixar. – riu fraco, antes de pegar o celular e olhar a hora. – Caceta, são 17:58!
– Corre, amiga!
E correu mesmo. Se desviando entre várias pessoas e barracas de comida, murmurando desculpas e se esgueirando, tomando cuidado para não machucar nenhuma criança correndo por ali.
Por fim, alcançou o portão de entrada. Tudo ali estava praticamente vazio, já que todos estavam concentrados no meio da festa, apenas com umas três pessoas indo embora ou fazendo ligações e, mesmo assim, estavam bem distantes entre si. Uma pequena mureta ali perto estava solitária e mais distante ainda, então decidiu se sentar ali. Longe das pessoas e da fogueira, no entanto, estava tudo bem mais frio. Se encolheu, enrolada no casaco fino, pensando que a mãe lhe falaria um belo “não te disse?” se estivesse ali.
Pegou o celular e conferiu que eram 18:01. Bom, ela chegara a tempo. Só restava esperar.
Levou um susto quando algo macio encostou nela.
– Eita, calma! Sou só eu e o casaco. Você parece que tá congelando. – A voz de lhe trouxe arrepios que nada tinham a ver com o frio.
– Ahn... Obrigada.
Tentada a encerrar aquela conversa rapidamente e voltar à sua espera, ela vestiu o casaco que ele lhe estendia. Respirou fundo e sentiu as bochechas esquentarem com o cheiro dele tão próximo.
– Se você ia esperar aqui fora, devia ter trazido algo mais quente.
– É, se eu soubesse antes de sair de... Pera, como você sabe que eu estou esperando alguma coisa aqui? – deu de ombros a encarando e ela pensou compreender tudo. – Meu Deus, é claro... Amanda é uma mentirosa. Disse que ia me deixar vir sozinha, mas mandou você atrás! E óbvio, como você me acha uma garotinha idiota e indefesa, o maravilhoso veio me proteger!
– Então, você me acha maravilhoso? – Ele replicou, sorrindo de canto.
– Eu... Isso não vem ao caso! – Ela exclamou, o rosto cada vez mais quente. Maldito garoto bonito que a confundia! – Pode ir embora. Eu tô bem aqui!
– Calma, não foi pra isso que eu vim. Mas olha, se você tá esperando o Lucas, desencana, ele não vem.
– Eu não estou esperando o Lucas. – replicou, mas a curiosidade borbulhou dentro de si. – Como assim, ele não vem? O que você sabe disso?
suspirou e pegou o celular. Abriu o twitter e mostrou para a amiga uma foto de duas mãos dadas postada por Hannah, com a legenda “sempre foi você” e marcando o perfil do Lucas.
– Acho que isso explica o cano duplo, né? – comentou, rindo, mas só conseguia pensar em uma coisa.
– Desde quando você segue a Hannah? E falando nisso, desde quando vocês são amigos?
– Ah, ! – riu, fazendo-a se sentir uma idiota novamente. – A Hannah era melhor amiga do meu primo Caio quando a gente era criança e aí a gente virou amigos na época. Aí do nada um dia, a gente se encontrou no corredor e ela veio me perguntar do Caio, acabamos conversando... E o Lucas viu tudo e enlouqueceu pra cima dela. Ela acabou me chamando pra vir na Festa Junina com ela e eu topei.
– Entendi. – replicou, se sentindo levemente envergonhada de ter criado tanto caso com isso, especialmente depois de Hannah ter sido tão simpática com ela. – Então, não rolou nem um beijinho? – indagou, como se fosse uma piada, embora tentasse averiguar a situação.
– Infelizmente, não. – replicou, mas, vendo a careta de , complementou. – Brincadeira! Eu não a vejo assim.
– Entendo. – Ela tentou se fingir de indiferente, o sorriso nada discreto no rosto. – Pera, mas então por que você tá aqui? Só pra me avisar do Lucas?
– Na verdade... Eu marquei de encontrar alguém aqui. – Ele retrucou, olhando para longe.
– Encontrar alguém? – repetiu e, na mesma hora, seus pensamentos se encaixaram, tudo fazendo sentido.
mandara os cartões.
O tempo todo, depois de tudo, tinha sido ele.
nunca imaginou que ele poderia ser tão cruel.
– Como você pôde? – Ela sussurrou, incrédula.
– O quê? – Ele indagou, confuso.
– Isso foi baixo até para você. Como você pôde brincar comigo desse jeito? Me mandar coisas tão bonitas, escrever aqueles cartões, fingir que eram sérios e que você não tava envolvido quando chamou o cartão de “treco”... Esse tempo todo, foi você.
– Fui eu. – Ele confirmou, simplesmente, embora parecesse confuso.
– Você... Eu te odeio. Eu te odeio! Como ousa?! Você acha tudo isso muito engraçado, não acha?! Me deixar por aí, perdendo horas, achando que alguém se importa comigo, pra no final, ser só uma piada de mau gosto!
– Piada de mau gosto? , você acha que era piada?!
– É óbvio que era! Uma vingança idiota porque eu ganhei a aposta!
– E por que você não acredita que é sério?! – Ele respondeu no mesmo tom que ela.
– Porque é você, ! Eu sou uma irmã pra você! Você me vê igual você vê o João!
– Caceta, , é isso que você acha?! Eu me fiz perder a aposta só pra não te ver triste porque um idiota não cumpriu a promessa dele e é isso que você acha de mim?!
e se encaravam, ambos com a respiração acelerada. A menina o olhava, a procura de qualquer coisa que entregasse o quanto ele estava se divertindo com aquilo, porém...
Nada. Não tinha nada.
– Mas... Você não gosta de mim...
– Eu sei que eu sou um estúpido. Eu sei que eu precisei de uma droga de um garoto mala em cima de você pra entender as coisas. Sei que fui ainda mais idiota quando me afastei, mas foi tudo tão confuso... Você tem razão, eu te via como uma irmã. Ou eu achava que sim. Mas acho que era só porque eu não tinha que te dividir com ninguém. Eu precisei que você ganhasse uma aposta idiota pra ver que não me doía o orgulho de ter perdido nada. O que doía era te ver com outra pessoa.
O mundo de estava de cabeça pra baixo. Aquilo a havia tirado do chão. Parecia algo tirado de um devaneio proibido da sua cabeça. Como podia ser real?
– Você... Você tá zoando comigo, certo? – Ela perguntou, baixinho, insegura de dar qualquer passo e cair em uma armadilha maldosa.
– Ah, . – Ele suspirou, se aproximando e colocando uma mecha de cabelo que escapulira de suas marias chiquinhas atrás de sua orelha. O coração de acelerou. – Isso parece mentira?
Então, sem aviso prévio, ele se aproximou lentamente e juntou os lábios nos dela. A garota se esqueceu de como respirava com o mínimo toque. Seu primeiro beijo com seu primeiro amor.
Se apenas aquilo a havia tirado o fôlego, nada poderia descrever o que aconteceu dentro de si quando ele abriu passagem entre seus lábios, suas línguas se chocando. Nada poderia se comparar àquela sensação. Se não fosse a mão firme do menino em sua cintura, ela sentia que poderia ter se desmanchado.
Quando seus lábios se separaram, o encarou, o rosto queimando, embora não pudesse segurar o sorriso bobo que surgia em seu rosto.
– Você me promete que isso não é uma pegadinha que você tá levando muito a sério só para me sacanear por gostar de você? – Ela perguntou, sem se importar em estar expondo seu segredo.
– Quantos beijos você precisa para se convencer de que é real? – Ele perguntou, o sorriso também aparecendo fácil com a menção dos sentimentos revelados da garota.
levou um dedo perto do queixo, fingindo pensar seriamente.
– Acho melhor você ir me beijando até a ficha cair.
Rindo e sem esperar qualquer outro convite, a puxou para perto, beijando-a pela segunda vez, do que eles esperavam que fossem muitas.
– Isso também não é uma tentativa de me fazer esquecer que você perdeu a aposta, né? – Ela falou, subitamente se afastando e o encarando desconfiada.
! – Ele bufou, levemente irritado.
– Tá bom, tá bom, foi mal! – Ela riu de leve. – Mas, caso seja, saiba que não vai funcionar.
– Acho que você toda desconfiada desse jeito não vai aceitar namorar comigo. Ou vai?
O coração dela bateu em uma velocidade que ela julgava ser impossível.
– Você... tá me pedindo em namoro?
– Esse era o intuito. Foi um pedido muito ruim, parando pra pensar.
– Sim!
– Viu, até você concorda!
– Não é isso, seu bobo. – Ela riu, puxando-o para mais perto. – Sim, eu aceito ser sua namorada.
Ele o encarou com tanta felicidade e adoração que a fez se sentir a criatura mais adorável de todo o mundo. Dessa vez, foi ela que não pôde deixar de beijá-lo.
– Afinal, o que eu perdi na aposta? – retrucou, se afastando, parecendo levemente alarmado com aquele assunto.
– Bom... – sorriu marota.
Meia hora depois, Amanda e esperavam do lado de fora do banheiro masculino.
– Atenção, galerinha! – Martha anunciou no microfone. – A última quadrilha, que pode contar com a participação de qualquer um, aluno, funcionário ou convidado, começará em cinco minutos! Aqueles que quiserem dançar, se posicionem perto da saída de som.
– Anda logo, , não adianta se esconder aí! – Amanda exclamou.
João foi o primeiro a sair do local, um sorriso contido nos lábios, conforme olhava para dentro do banheiro. Então, por fim, o perdedor saiu do local, bufando irritado.
Vestindo uma das saias quadriculadas que a escola emprestava para os visitantes, nunca parecera tão irritado na vida. As pintinhas nas bochechas e o laço no cabelo lhe ofereciam um charme a mais.
– Eu odeio Festa Junina. – O garoto bufou, arrancando gargalhadas dos amigos.
– Eu admito que, quando eu vi o que a escreveu, quase me ofereci para ser o par dela. – João falou, risonho.
– Você é um péssimo amigo. – reclamou.
– E você é um péssimo perdedor, mas é melhor se acostumar. – disse, depositando um beijo rápido na sua bochecha. Quando estava se afastando, ele a puxou para perto, beijando sua boca de forma correta. Quando se afastaram, sorria abertamente, enquanto parecia prestes a sumir. Ainda precisava se acostumar com o fato de ter um namorado.
– E pensar que eu fiz tudo isso por você, . – Ele falou, a cara se fechando de novo ao ver a risada presa nos lábios da nova namorada.
– Serei eternamente grata e prometo nunca esquecer esse momento. – Ela replicou, risonha.
– Ai, agora vai ser melosidade o tempo todo! – Amanda falou, fingindo ânsia de vômito. – Vai ser tudo culpa sua por ajudar, João.
– Valeu a pena. – O amigo replicou, sorrindo.
– Um minuto para o início da quadrilha! – Martha anunciou.
– Bom, eu já volto. Tenho uma aposta para pagar. – anunciou, antes de seguir para perto do som.
não podia estar mais feliz. Nunca, nem em seus melhores sonhos, ela poderia imaginar aquilo. Estava tudo como sempre havia sido, os quatro juntos, com competições entre e . Mas, ao mesmo tempo, era diferente. Porque agora, ganhar não parecia o mais importante.
Até porque, se parasse para pensar, havia vencido o maior desafio de todos.




FIM.



Nota da autora: Eu sou meio fominha com essas atts especiais de datas comemorativas, eu admito, então quando eu entrei no especial na de “Dia dos Namorados”, eu nem sequer tinha um plot hahahahahah então, conversando com duas amigas minhas (alô Luísa e Pati ahsuhuahs) e conversando algumas experiências de primeiro beijo, festa junina e dia dos namorados (juro pra vocês que os assuntos estavam conectados), elas me deram a ideia (lê-se: quase me obrigaram) a escrever algo no tema pra esse especial.
Porém, ainda não tava tudo muito bem fechado. Então, em um dia aleatório, fugindo das minhas responsabilidades (não façam isso, menines rsrs), a história da Carol e do Gui veio na minha cabeça. E, surto atrás de surto, essa história foi escrita em TRÊS DIAS. Eu me empolguei demais! Hahahaha e no meio de clichês e dramas adolescentes, com uma boa pitada de Brasil, nasceu essa história.
Mas, enfim, contextos à parte, espero que tenham gostado de Correio do Amor tanto quanto eu gostei de escrever! Fiquei dias seguidos ouvindo playlists de Festa Junina (e, para entrar no clima, inclusive recomendo ler escutando as músicas aqui citadas) e espero muito que vocês sintam a energia de festa e de romance nessa fic.
Agradecimentos especiais à Pati e à Lu, que aguentaram meus surtos, a minha professora de educação física que aqui chamarei de M. que inspirou a Martha HAHAHAHA e a todo mundo que tá lendo isso agora, se você chegou até aqui, obrigada <3
Não esqueçam de comentar o que acharam ou me contra lá no meu instagram, no qual vocês podem saber mais sobre minhas outras histórias e suas atualizações.
Beijos e obrigada de novo!
P.S.: Se a parte das comidas deu fome em vocês, não se preocupem, eu também passei vontade :’) hahahahhaha



Nota da Scripter:
O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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