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Última atualização: Dezembro de 2024

Prólogo

Bianca Rossi


Quando eu era criança, meu pai costumava me contar histórias fascinantes sobre a grandiosidade de ter irmãos. Ele dizia que ser parte de uma família da máfia era uma benção, um símbolo de lealdade sagrado que transcendia qualquer coisa. Por um tempo, acreditei nisso com fervor infantil. Contudo, à medida que cresci, percebi que ter irmãos Rossi era como dançar na borda de um vulcão: emocionante, mas sempre à beira da destruição.
Caminhei em passos furiosos em direção ao quarto de , e seus soldados, sabiamente, não ousaram me parar. Com apenas um olhar meu, afastaram-se, permitindo que eu seguisse meu caminho sem obstáculos. Minha aura carregava uma mistura de indignação e frustração. A ira estava exposta em meu rosto e eu sabia que qualquer um que me olhasse, saberia pelo estampar de minhas feições que hoje não era um bom dia.
Meu irmão mais velho, Matteo, era brilhante o suficiente para liderar a máfia, mas sua inteligência muitas vezes sucumbia a imprudência, especialmente quando se tratava de mulheres. O maledetto havia se envolvido romanticamente com uma aliada, quase desencadeando uma guerra que poderia arruinar anos de uma estratégia meticulosamente planejada por mim.
Abri a porta do quarto de com força, o rangido das dobradiças ecoaram como uma melodia e o som da porta de madeira contra a parede soou como músicas aos meus ouvidos. Ao adentrar o quarto do meu irmão, fui recebida pela luxuosidade que normalmente eu admirava e lá estava ele, deitado na cama, com uma mulher qualquer ao seu lado. O sorriso convencido dele e a expressão indiferente dela combinavam de uma maneira que fazia o meu sangue inteiro ferver. Ele estava ali, deitado como um rei em seus aposentos, logo depois de quase ter causado uma guerra! Dío mio!
— Bianca, sorellina, que prazer inesperado. — A ironia na voz de era evidente.
— Prazer inexistente, . — Minha resposta foi pontuada pela amargura que borbulhava dentro de mim. A cama que ele compartilhava com qualquer mulher, as alianças perigosas que ele formava sem consultar a mim, a consigliere da família, tudo isso era um lembrete constante de sua imprudência.
A mulher, compreendendo que o seu papel naquela peça já havia se encerrado, vestiu-se apressadamente, lançando-me um olhar amedrontado antes de deixar o quarto. , por outro lado, permaneceu deitado, observando-me com uma serenidade que só aumentava a minha irritação.
— Pelo menos ela sabe quando a festa acabou.
— Alguma vez você já considerou bater antes de entrar, Bianca? — perguntou, seus olhos cintilavam indiferença.
— Você, , é um idiota! Dormir com Agnessa? Você pensa com o quê, exatamente? Certamente não é com a cabeça de cima.
suspirou, provavelmente entendendo que eu não deixaria o assunto morrer facilmente.
— Foi apenas uma decisão estratégica do momento. Agnessa e eu agora somos aliados, nada mais.
— Aliados com base em sexo casual? Que grande lealdade você conquista das pessoas que podem te matar. — O tom irônico saia de minha voz de forma natural, eu não podia conter a minha irritação e tampouco o sarcasmo que vinha dela. — Você ignorou a minha estratégia, fugiu do plano e me deixou em uma posição delicada.
— Você está grávida, Bianca. Pode pegar leve por pelo menos uma vez na vida? — Respiro fundo, tentando manter a calma, mas é impossível mantê-la quando se está diante de um Rossi.
— Estou grávida, não cega. Além disso, minha gravidez não invalida a sua estupidez, . Você não pode ser impulsivo, nossa família não pode se dar ao luxo disso! Você é o Don e eu te respeito, mas isso não te dá o direito de agir sem pensar nas consequências. Seus passos afetam todos nós.
— Eu assumi a responsabilidade de liderar esta família quando nosso pai partiu. Não vejo isso como um privilégio, eu sei que é o meu dever. Você não precisa me lembrar disso a cada passo.
— Então, aja como um líder, não como um adolescente impulsivo. Ou será que vou ter que cuidar da família e do negócio enquanto você brinca de comer a inimiga?
A troca de olhares entre nós dois permaneceu intensa, sentou-se na cama, com o lençol sobre seu quadril e levou as mãos até a cabeça, bagunçando mais dos cabelos escuros.
— A aliança com a Bratva é crucial para a segurança da famiglia. — A forma como ele tentava justificar suas ações mantinha minha expressão endurecida. Eu sabia que a aliança era importante, mas Dmitri poderia ter considerado uma ofensa e ter iniciado uma guerra. Todos sabiam a fama dos Mozorov. O líder da Bratva costumava utilizar sua filha não apenas como uma peça em seu tabuleiro de xadrez, mas como um símbolo de poder e controle, claro que uma interrupção de nos levaria ao caos imediato.
Além disso, os russos mantinham o sexo como uma legitimação do casamento e das alianças provenientes dele. Agnessa e não tinham casado, eles tinham fodido. Por pouco, quase foderam com tudo.
Essa união imprudente poderia ter desencadeado uma reação em cadeia de consequências catastróficas. Os russos eram conhecidos por sua feroz lealdade às tradições e à honra, e uma afronta como essa poderia levar a represálias impiedosas.
— Crucial para a segurança da famiglia ou para a sua libido? Não me diga que agora você confunde uma aliança estratégica com uma noite de prazer passageira. — Os olhos de fixam-se aos meus, impaciente, faiscando com uma teimosia característica. — Você não entende o risco que correu? Dimitri é perigoso.
— Eu sei lidar com os russos, Bianca. Não subestime minha capacidade de negociar. — Ele ergueu a sobrancelha, em um tom desafiador e eu ri. Gargalhei.
— Negociar? O que você fez não foi uma negociação, foi uma provocação. Os russos consideram o ato carnal como uma confirmação de compromisso, e você e Agnessa trataram isso como uma simples troca de favores. — Meu tom era impiedoso, eu tentava refletir a gravidade da situação. Por mais que se parecesse um exagero meu, não era. Dmitri Mozorov não era apenas um líder sádico da máfia russa, ele seria capaz de desencadear uma guerra que mataria milhares de pessoas, ninguém escaparia, nem mesmo o filho que eu carregava.
Quando estava prestes a rebater, a figura sonolenta de Roman, nosso irmão caçula, apareceu na entrada do quarto.
— Vocês dois podem parar de gritar? Alguns de nós estão tentando dormir, sabem? — Roman murmurou, esfregando os olhos para afastar o sono.
Tanto eu quanto meu irmão mais velho direcionamos os olhares para o mais novo, a incongruência de Roman, com seus cabelos desalinhados e olhos ainda meio fechados trouxe um certo humor à cena.
— Volte para a cama, pupetto. Estamos tendo uma conversa de adultos aqui. — Murmurei, contendo a raiva em minha voz. Roman tinha vinte e quatro anos e, apesar de não ser nenhuma criança, tanto eu quanto havíamos concordado em poupá-lo de situações que poderiam ser evitadas.
Eu e tivemos um amadurecimento precoce, com sacrifícios além do nosso tempo, prometemos que Roman não teria.
— Conversa de adultos ou guerra civil? Porque a gritaria está elevando o meu nível de estresse pré-sono. — Ele bocejou, esfregando a nuca.
Sorellina, vamos continuar esta conversa mais tarde. — pediu, em um suspiro, o que rapidamente me arrancou uma risada amarga.
— Continuar? Eu mal comecei a expressar minha decepção com suas escolhas, .
— Por favor, se o objetivo é acordar toda a casa, continuem então. Estou pensando em criar uma taxa de perturbação noturna. — Roman bocejou novamente, apoiando-se na porta. Ele nos olhava como se estivesse assistindo a um drama familiar de televisão.
Respiro fundo, acalmando um pouco mais dos meus nervos e caminhei até o loiro, ficando na ponta dos pés para dar-lhe um beijo na testa. — Dio mio, dê mais juízo a este aqui do que deu ao mais velho. — Roman esboçou um sorriso sonolento, devolvendo-me o beijo na testa.
— Acho que ele só pode fazer milagre com um Rossi por vez.
cruzou os braços, levemente enciumado, enquanto lançava um olhar significativo para Roman.
— Se tem alguém que não tem juízo aqui, Bianca, esse alguém é certamente Roman.
Roman soltou uma risada, aproveitando a provocação.
— Quem diria que o grande Don Rossi tem inveja de mim apenas porque sei me divertir sem gerar uma crise internacional. Você deveria tentar, fratello.
O mais velho suspirou, olhando Roman com impaciência.
— Cala a boca, ragazzo. — Resmungou, antes de voltar sua atenção para mim. — Bianca, eu sei o que estou fazendo, confie em mim. Às vezes é preciso agir por impulso, isso se chama intuição.
— Impulso? , estamos na máfia, não em um romance de verão. — Minhas palavras saíram com uma intensidade que refletia a tempestade de emoções dentro de mim.
O olhar desafiador dele encontrou o meu, e por um momento, ficamos ali, em um impasse silencioso. Eu sabia que não podia mudar meu irmão teimoso, mas precisava fazê-lo entender o peso de suas escolhas. Era a minha função, no entanto, sabendo que não adiantaria continuar neste assunto agora, me aproximo dele e o abraço assim que ele põe suas roupas. Ele acaricia minha barriga e beijo-lhe o rosto enquanto ele está sentado, já que em pé eu não o alcançaria em seus quase um metro e noventa.
— Seja mais cuidadoso, mio sole. Eu não posso consertar todas as suas burradas. — Deixei a ameaça pairar no ar antes de me virar e sair do quarto, deixando-o com sua teimosia e inconsequência.
Roman, ainda de pé na porta, murmurou consigo mesmo enquanto se afastava:
— Ah, alegria de ter uma família normal...
A porta se fechou, deixando Roman sozinho no corredor. Ele suspirou, coçando a cabeça, antes de se virar e se dirigir de volta ao seu próprio refúgio noturno.
Eu amava meus irmãos, mas amá-los também significava trazê-los à realidade quando era necessário. Cada palavra dura era um lembrete do vínculo forte, mas complicado, que compartilhávamos como famiglia Rossi. Enquanto eu caminhava pelo corredor, as emoções tumultuavam dentro de mim, uma mistura de preocupação, frustração e, apesar de tudo, um amor inabalável que eu sentia por esses dois idiotas.
Eu sabia que, no final das contas, estava cumprindo meu papel como consigliere e irmã. As decisões de podiam ser impulsivas, mas também eram movidas por uma lealdade feroz à família Rossi. Eu só esperava que essa lealdade, misturada com a impulsividade, não nos levasse a um abismo do qual não poderíamos retornar.


Capítulo 1

Rossi


O som ritmado dos meus passos na esteira ecoava na academia privativa. Gotículas de suor escorriam pela minha testa enquanto eu corria, a monotonia do movimento mecânico contrastava com a turbulência de pensamentos que invadiam a minha mente. A voz de minha consegliere ecoava por minha cabeça, suas palavras eram como punhais afiados.
Ela era insuportavelmente estratégica, meticulosa em suas análises, e eu a admirava mesmo quando discordava. Bianca possuía uma mente afiada que navegava pelo tabuleiro da máfia com uma habilidade impressionante. Eu admirava sua astúcia, embora relutasse em admitir isso. A verdade era que, sob a fachada de indiferença, eu reconhecia a veracidade das suas preocupações.
A conversa recente sobre Agnessa ainda estava em minha mente. Ela era uma russa belíssima, com uma reputação que precedia qualquer tentativa de aliança. A verdadeira questão estava na confiabilidade dela e na aceitação do seu pai em relação a uma aliança que não envolvesse um casamento tradicional. Os russos eram intransigentes em suas tradições, casando-se apenas entre os seus. Russos casavam com russos, italianos com italianos. A verdade doía, e eu sabia que, mesmo que houvesse uma faísca de interesse entre Agnessa e eu, a ideia de uma aliança de casamento era uma quimera.
Eu acelerava o passo na esteira, tentando afastar os pensamentos tumultuados que Agnessa provocava. Uma mulher como ela podia ser um trunfo, mas também uma armadilha.
Aos trinta e dois anos, a expectativa para que eu contraísse matrimônio tornava-se uma sombra crescente em meu caminho. As conversas nos círculos da máfia e até mesmo dentro da minha própria famiglia eram um eco constante sobre a necessidade de uma aliança matrimonial. A escolha da futura donna, no entanto, era um dilema que eu levava com muita incerteza.
Agnessa, a russa que ocupava meus pensamentos, era uma opção impossível. Seu destino já estava traçado, vinculado a um casamento marcado por seu pai para os próximos meses. A máfia russa, impiedosa em suas tradições, não permitiria desvios em seus códigos rígidos.
Casar-se não era apenas uma formalidade; era uma estratégia que moldaria o futuro da famiglia. A escolha errada poderia resultar em desavenças, e a máfia era um terreno fértil para desconfianças e traições.
Enquanto o suor misturava-se às sombras que dançavam na academia, uma certeza se solidificava em minha mente: a decisão sobre meu casamento seria minha e de mais ninguém.
Em minutos a porta da academia se abriu, revelando a figura descontraída de Roman, meu irmão mais novo e capo da famiglia. Seus olhos azuis brilhavam com uma mistura de curiosidade e diversão, como se ele pudesse sentir a tensão dos meus pensamentos no ar.
— Ah, olha só quem está tentando quebrar a esteira novamente. — Roman entrou com um sorriso torto e sarcasmo evidente em sua voz. — Você devia ir mais devagar. Eu não quero ter que explicar pra Bianca como me tornei Don depois de você acabar morto debaixo desse troço.
Eu suspirei, desacelerando a esteira e balancei a cabeça, ignorando a provocação.
— Eu sei cuidar de mim mesmo, Roman. Não preciso de um guarda-costas na academia.
Ele sorriu, pegando alguns pesos.
— A propósito, Bianca mencionou algo sobre escolher uma donna para você. Alguma candidata em mente, ou está esperando um milagre?
Suspirei, sabendo que a questão do casamento estava sempre pairando sobre mim.
— Estou considerando minhas opções. Não é uma decisão que se toma da noite para o dia.
Roman arqueou as sobrancelhas, fingindo surpresa.
Rossi, o Don, indeciso sobre qual boceta irá foder? Este é um dia histórico.
— Cuide dos seus próprios assuntos, Roman. Eu não preciso de conselhos amorosos de um Capo que evita compromissos como o diabo evita água benta.
Ele riu, erguendo as mãos em rendição.
— Tocou num ponto sensível, irmão. Prefiro deixar os corações para os românticos como você. — O sorriso zombeteiro de Roman desapareceu aos poucos. Seus olhos azuis perderam um pouco da jovialidade enquanto ele suspirava. — Inclusive, temos um assunto a lidar... Amanhã faz três anos que o Lorenzo morreu, e você ainda não colocou ninguém no lugar dele dentro da famiglia. Sei que vocês eram amigos, mas não acha que está na hora de mover a página?
Encarei Roman com uma expressão séria. Lorenzo era um assunto delicado, uma ferida que, mesmo após tanto tempo, não havia cicatrizado completamente. Seu papel na famiglia não podia ser simplesmente substituído, não por mim.
— Eu sei que é um ponto sensível, , mas não podemos deixar esse vazio por muito tempo. A famiglia precisa de alguém para ocupar o lugar dele.
Eu mantive meu olhar fixo no horizonte, relutante em mergulhar nas memórias que a menção de Lorenzo trazia à tona. Ele não era apenas um subordinado; Lorenzo era um amigo, um confidente que compartilhava das mesmas convicções e lealdade à família Rossi.
— Não é algo que eu possa simplesmente substituir. Lorenzo não era apenas um membro da famiglia; ele era um Rossi. Eu não vou colocar alguém no lugar dele apenas por preencher o vazio. A lealdade dele não pode ser replicada.
Roman assentiu lentamente, reconhecendo a verdade nas minhas palavras. Lorenzo era irreplaceável, e qualquer tentativa de substituí-lo seria um desrespeito à sua memória.
— Eu entendo, . Mas a famiglia precisa de um braço direito, alguém para assumir as responsabilidades que Lorenzo desempenhava. Não podemos deixar um vácuo de poder por muito mais tempo.
Meus punhos involuntariamente se cerraram.
— Para isso eu tenho Bianca e você, porra.
A resposta saiu mais áspera do que eu pretendia. Bianca, como minha consigliere, já desempenhava um papel crucial nas decisões estratégicas da famiglia. E Roman, como o Capo, tinha sua própria quota de responsabilidades. A sugestão de Roman tocava em um ponto sensível, e eu não estava pronto para admitir que a dor da perda de Lorenzo ainda reverberava em cada decisão que eu tomava.
Roman manteve o olhar firme, sua expressão era um misto de compreensão e determinação.
— Bianca é brilhante, e eu sou um ótimo Capo, mas não podemos cobrir todas as lacunas, . Lorenzo era único, mas a famiglia não pode se dar ao luxo de ter um vácuo de poder por muito tempo.
Eu respirava fundo, controlando a frustração que ameaçava transbordar. A máfia, como sempre, não esperava por lamentos prolongados. O jogo continuava, e eu sabia que Roman estava certo, mesmo que relutasse em aceitar.
— Eu sei, Roman. Darei um jeito nisso quando for o momento certo. Por enquanto, precisamos focar nos negócios e garantir que a famiglia permaneça forte.
Roman assentiu, parecendo satisfeito com minha resposta. Ele compreendia que a dor da perda de um amigo não podia ser apressada ou resolvida por meio de decisões apressadas. Eu não me permitia demonstrar os sentimentos, mas meus irmãos conseguiam percebê-los sem esforço.
— Você é o Don, . O momento certo é quando você decidir que é.
Agradeço a compreensão do meu irmão com um aceno de cabeça antes de caminhar até o frigobar e pegar uma garrafa de água mineral. Eu gostava da sinceridade que meus irmãos tinham, apesar de encherem o saco, às vezes.
— Vai viajar amanhã? — Roman perguntou, com os olhos curiosos.
— Sim, não negligencio as minhas promessas.
— Quer companhia?
— Não, preciso fazer isso sozinho. — Respondi, fechando a porta do frigobar. A solidão da jornada até o cemitério era uma parte do meu compromisso anual.
Roman assentiu mais uma vez, respeitando a decisão. Os laços familiares entre nós eram fortes, e a confiança mútua permitia que cada um de nós enfrentasse os desafios à sua própria maneira.
Antes de me retirar, Roman deixou escapar um sorriso leve.
— Cuide de si mesmo, irmão. E, se precisar de alguma coisa, sabe onde me encontrar.
— Cuide da Bianca e daquela criança, per Dio.
Um aceno de agradecimento foi a minha resposta enquanto saía da academia. A noite avançava, e eu sabia que as próximas horas seriam dedicadas à preparação para a viagem. A máfia não descansava, mas em meio às sombras dos negócios e do poder, sempre haveria espaço para honrar as promessas feitas no silêncio das lápides. Principalmente quando a morte de um amigo tinha passado por minhas mãos. A culpa pesava sobre meus ombros como um fardo inescapável.
A liderança tem seu preço, mas o custo pessoal é algo que nenhuma posição de poder pode amenizar.


Capítulo 2

Rossi


O eco silencioso da mansão Rossi parecia intensificar-se à medida que eu me movia pela escuridão da noite. Era o aniversário de morte de Lorenzo, um compromisso anual que eu mantinha como uma promessa silenciosa a um amigo perdido. A rotina de arrumar a mala antes do amanhecer tornara-se uma tradição, uma jornada pessoal para honrar a memória daquele cuja vida fora ceifada por minhas mãos.
O chiar dos zíperes cortava o silêncio enquanto eu organizava minhas roupas e pertences necessários para a viagem ao cemitério. O traje formal era a vestimenta de respeito que eu usava para enfrentar as sombras do passado, enquanto carregava o peso das decisões que me trouxeram até aqui.
Ao sair do quarto, o corredor escuro se estendia à minha frente, cada passo ecoando nas paredes ornamentadas. As sombras projetadas pela luz da lua filtravam-se pelas janelas, dando um tom melancólico à mansão que era, em sua essência, um palco de tramas familiares.
Descendo as escadas com passos medidos, me deparei com Bianca. Seus olhos, penetrantes e perspicazes como sempre, encontraram os meus. Ela conhecia a tradição que me levava para longe na escuridão da noite. O silêncio entre nós carregava a compreensão não dita das responsabilidades e dos fardos que carregávamos como líderes da máfia Rossi.
— disse ela, sua voz contendo uma seriedade que só se intensificava na penumbra da noite.
— Bianca — respondi, no mesmo tom.
Ela estudou-me por um momento, como se pudesse decifrar os pensamentos que eu guardava cuidadosamente atrás de uma expressão imperturbável.
Bianca é uma presença constante e complexa em minha vida. Nascemos no seio da escuridão Rossi, fomos criados sob as mesmas sombras que moldaram o destino do nosso pai, no entanto, ela sempre foi mais firme. Ela é a voz que ecoa em minha mente quando a escuridão ameaça consurmir-me. Nossa relação é um emaranhado de conflitos, mas principalmente lealdades.
Bianca é a única que ousa desafiar minhas decisões, questionar meus motivos e, de certa forma, manter-me ancorado à humanidade que a máfia muitas vezes tenta corroer. No entanto, isso não significa que nossos caminhos não tenham sido permeados por tensões.
Lembro-me vividamente do momento em que Bianca me revelou sua gravidez. Uma notícia que, mesmo para um líder como eu, reverberou como uma bomba na tranquilidade aparente da mansão Rossi. Eu não queria minha irmã grávida, menos ainda sem que houvesse um casamento. Mesmo que eu matasse qualquer um que a julgasse, a ideia de tê-la como mãe solteira me abalou profundamente. No entanto, Bianca sempre esteve fora de quaisquer padrões.
A notícia quase me levou à loucura. Lembro-me de ter contemplado a ideia de eliminar todos os homens que se aproximaram dela nos últimos meses, uma reação visceral ao instinto protetor que despertava em mim. No entanto, fui impedido por ela mesma. Bianca sorriu e, com uma calma que contrastava com a tempestade em minha mente, me acalmou.

Antes.

Bianca, com sua típica calma que tantas vezes me desconcertava, decidiu que era o momento certo para compartilhar uma notícia e nos reuniu na sala. Um sorriso sutil curvou seus lábios, como se ela estivesse ciente do impacto que suas palavras teriam sobre mim.
Eu estava sentado em uma poltrona, a tensão no ar se intensificando conforme percebia a seriedade em sua expressão. Roman parecia tenso, como se antecipasse uma tempestade que se formava no horizonte.
— Estou grávida — anunciou ela, sem rodeios, e as palavras pairaram no ar como uma bomba prestes a explodir.
Roman desviou o olhar, sua expressão era uma mistura de apreensão, mas não havia surpresa. Eu, por outro lado, senti uma fúria ardente borbulhando dentro de mim.
Grávida.
— Grávida? — Minha voz soou mais áspera do que eu pretendia. O choque inicial deu lugar à irritação. — Bianca, quem é o pai? Quando vai ser o casamento? — A fúria tomou conta de mim quando ela gargalhou, mantendo-se tão calma que irritava.
— Não terá casamento, irmão.
— O filho da puta te abandonou? Quem é o desgraçado, sorellina?
... — Roman iniciou, mas foi interrompido por Bianca.
— Eu escolhi fazer isso sozinha. Eu não fui abandonada, mas quem abandonou. — respondeu ela, e seu sorriso tranquilo desafiou a tempestade que se formava em meu interior.
A fúria dentro de mim crescia, uma onda implacável que ameaçava engolir tudo em seu caminho. Em um impulso, levantei-me da poltrona, determinado a tomar medidas extremas para proteger a honra da famiglia Rossi.
Sem hesitação, dirigi-me ao lugar onde guardávamos as armas. Pegando duas pistolas, frias e letais, que se tornariam minhas aliadas na busca por justiça, pelo menos aos meus olhos naquele momento. Carreguei-as com munição, meu olhar fixo no objetivo de eliminar qualquer homem que tinha ousado se aproximar de Bianca nos últimos quatro meses.
A sala estava impregnada de tensão quando retornei, as armas em minhas mãos indicando a tempestade que rugia dentro de mim. Minha irmã, no entanto, não demonstrou medo. Ao contrário, ela riu, uma risada que cortava o ar e desafiava a ferocidade que eu sentia.
, per Dio, você não pode resolver isso assim. — Sua voz, embora calma, continha uma força inabalável. Minha ameaça de vingança pairava no ar, mas Bianca, com uma serenidade admirável, aproximou-se de mim. Com determinação, ela estendeu a mão para retirar as armas de minha posse, uma tentativa de acalmar o furor que me consumia. — Você acha mesmo que matar alguém resolveria alguma coisa? — indagou ela, olhando diretamente nos meus olhos. — Isso só traria mais problemas para nossa família. Essa não é a solução.
— Não é a solução? — Minha voz era um rugido, a sala parecia encolher com a intensidade da minha ira.
A resistência de Bianca em aceitar a violência como solução começava a penetrar a névoa de raiva que obscurecia meu julgamento. Ela retirou as armas de minhas mãos, depositando-as em um lugar seguro, e em seguida, com gentileza, segurou meus braços.
— Você é meu irmão mais velho, eu entendo a responsabilidade que carrega. Mas não precisa resolver isso dessa maneira. — Seu tom era calmo. — , eu escolhi trilhar esse caminho sozinha, e não quero que você sufoque essa escolha com raiva e impulsividade. Aceite minha decisão sobre minha gravidez, assim como aceita meus planos, e também aceita que sua vida, muitas vezes, fique em minhas mãos. Se confia em mim para entregar-me sua vida, confie em mim sobre minhas decisões a respeito da minha própria.
As palavras dela ecoaram na sala, desafiando a tempestade interna que rugia dentro de mim. Olhei nos olhos de Bianca, buscando compreender o significado mais profundo de suas palavras. Ela não estava apenas afirmando sua independência, mas também clamando por compreensão e apoio.
Após um breve momento de silêncio, minha expressão endurecida começou a ceder. A raiva que me consumia lentamente se transformava em uma aceitação relutante.
— Bianca, eu... — minha voz saiu mais branda, e percebi que a resistência estava se desvanecendo. — Eu confio em você, sorellina. Se confio minha vida em suas mãos, devo também confiar em suas escolhas.


Agora.

— Cuide-se, mi sole. — As palavras dela carregavam uma preocupação genuína, e eu assenti em reconhecimento, antes de continuar meu caminho rumo à noite sombria que me aguardava. O cemitério, com suas lápides silenciosas, esperava para testemunhar mais uma vez a promessa feita na escuridão.

[...]


O céu noturno estendia-se sobre Montefiori, revelando uma tapeçaria de estrelas que pontuavam o firmamento como testemunhas silenciosas da jornada que me levou ao cemitério da pequena cidade toscana. O aroma fúnebre das flores e a quietude do local eram interrompidos apenas pelo sussurro leve do vento entre as árvores, enquanto eu observava o túmulo de Lorenzo de uma distância respeitosa.
— Espero que, de onde quer que esteja, veja que cumpri minha promessa. Estou cuidando dos seus irmãos, . — Murmurei, afastando-me da lápide em seguida.
Contudo, a serenidade da noite foi abruptamente interrompida pelo estampido de um tiro, um clarão de dor que se irradiou de meu ombro. A emboscada atingira seu alvo, e instintivamente, busquei abrigo atrás de uma lápide robusta, ignorando a dor enquanto conseguia, abri o meu paletó, retirando dali duas armas de pequeno porte, mas o suficiente para minha defesa.
O zumbido do disparo ainda reverberava quando me deparei com a escuridão que escondia meu atacante. A lua, indiferente à violência, iluminava os contornos das lápides, mas o agressor permanecia nas sombras. Cada som se intensificava, o farfalhar das folhas, o ranger distante de uma porta, tudo dificultava os movimentos enquanto eu tentava discernir a posição do inimigo.
As armas pesavam em minhas mãos, minha respiração era controlada, e a dor persistente no ombro servia como lembrança de minha vulnerabilidade.
Os segundos se desdobravam como horas, e a decisão de agir era iminente. Com uma mira precisa, atirei na direção do vulto que se movia sorrateiramente. O som do disparo rompeu o silêncio noturno, ecoando entre as lápides, mas meu adversário, mesmo ferido, conseguiu escapar de minha mira.
Com passos cautelosos, afastei-me do campo de batalha improvisado, guiando-me pela intuição até a casa de Lorenzo. A dor persistia, mas a determinação me impelia adiante. Adentrando o refúgio familiar, mergulhei na escuridão.
Ao me aproximar da casa de Lorenzo, a silhueta imponente de dois dobermans emergiu das sombras, delineando suas formas musculosas e o brilho intenso de seus olhos. Os cães, lançaram um coro de latidos estridentes, como um aviso ressoante que ecoou pela quietude da noite.
A princípio, os rosnados indicavam desconfiança, antecedendo o ataque, uma resposta instintiva à presença desconhecida. No entanto, à medida que meus contornos se tornaram mais visíveis na penumbra, os dobermans, reconhecendo-me, interromperam abruptamente sua manifestação vocal.
A tensão no ar dissipou-se quando os olhares intensos dos cães se suavizaram. Conheciam-me, sabiam que eu não era um intruso indesejado. Seus corpos majestosos, antes tensos e alertas, relaxaram quando, em um gesto de respeito, deitaram-se no chão.
— Bons garotos. — Sussurrei, mantendo o tom de voz baixo para que ninguém me escutasse.
Caminhei pelo interior da casa, guiado pelo instinto e pela memória dos anos compartilhados com Lorenzo. O caminho familiar me levou até o banheiro, onde a luz, ao ser acesa, revelou a extensão do estrago causado pelo ataque noturno.
Ao fitar o espelho, deparei-me com minha própria expressão séria. O ombro ferido pulsava, latejante com a dor aguda. A camisa manchada de sangue denunciava a intensidade do confronto, mas minha atenção se voltou para o espelho, refletindo a resolução nos olhos determinados.
Com cuidado, retirei a camisa, expondo o ferimento que marcava meu ombro. A ferida, agora visível na luz do banheiro, revelou-se profunda, e a bala alojada nela era uma testemunha do que acontecera. Algum filho da puta tinha tentando me matar. Meu semblante impassível escondia a dor física, mas a mente sempre estratégica já trabalhava para decidir os próximos passos.
Respirei fundo, ciente da necessidade de agir com cautela e eficiência. A bala precisava ser removida para que a cura pudesse começar. Com as mãos firmes, iniciei o processo delicado de extrair o projétil, cada movimento executado com a precisão que a situação demandava.
A luz do banheiro destacava a tensão no meu rosto enquanto eu trabalhava, e a água corrente ajudava a limpar a ferida. O toque da água gelada era um contraste bem-vindo à ardência que persistia.
A bala, agora removida, descansava na palma da minha mão, um artefato que seria guardado como lembrança. Após limpar e cuidar do ferimento da melhor forma possível, permaneci sem camisa.
A sensação de fraqueza era evidente à medida que eu permanecia na casa de Lorenzo. O ferimento em meu ombro, embora tratado superficialmente, ainda pulsava com uma intensidade que denunciava a perda de sangue. Consciente de que não seria seguro sair imediatamente, decidi permanecer no refúgio conhecido, pelo menos até ter certeza da ausência de ameaças externas.
Caminhei pelo corredor da casa, guiado pela memória e pela necessidade de encontrar um local para me recompor. Cheguei ao quarto de Lorenzo. Ao adentrar o quarto, meu olhar percorreu os móveis familiares, agora resguardados pela poeira do tempo. Em um gesto instintivo, dirigi-me ao guarda-roupa e busquei entre as peças de vestuário, procurando uma camisa que pudesse substituir a minha manchada de sangue.
— Coloque as malditas mãos para cima ou irei estourar todos os seus miolos. — A voz feminina cortou o silêncio do quarto com uma ordem firme.
A dor pulsante em meu ombro tornava difícil o movimento, mas ergui as mãos na altura do peito, mais devagar do que a ordem exigia. A presença imponente dos dobermans, agora lado a lado da mulher, adicionava uma camada extra de tensão à situação.
Ao fechar a porta do guarda-roupa para encará-la, a mulher permaneceu como uma sombra, seus olhos iluminados por uma intensidade feroz sondavam cada movimento meu. A expressão de descontentamento se refletia em meu rosto impassível, enquanto o sangue no meu ombro continuava a ser uma lembrança viva da emboscada anterior.
— Traidores filhos da puta. — murmurei, mirando fixamente os animais, que agora me encaravam quase com desdém, o xingamento, no entanto, era mais para mim mesmo do que para ela ou para os cães.


Capítulo 3



O cheiro familiar da casa de Lorenzo acolheu-me ao chegar. Havia anos desde que ela fora entregue a mim após a morte do meu irmão, e ainda era difícil lidar com a saudade que aqueles cômodos carregavam. No entanto, a luz acesa no banheiro despertou um alerta dentro de mim, incitando-me a agir com cautela.
Silenciosamente, alcancei a arma que mantinha escondida, preparada para qualquer eventualidade. Os passos eram como sombras na penumbra enquanto me aproximava furtivamente do quarto de Lorenzo. Minha mente reconhecia a importância de sempre estar um passo à frente, de antecipar o inesperado.
Ao empurrar a porta entreaberta, a cena revelou-se diante dos meus olhos. Um homem, sem camisa, permanecia próximo ao guarda-roupa, onde uma poça de sangue denunciava a violência que ali ocorreu. A surpresa estampou-se no meu rosto, mas não hesitei.
Mirando a arma na direção do intruso, fiz-me presente.
— Coloque as malditas mãos para cima ou irei estourar todos os seus miolos. — ordenei com firmeza, meu olhar expressando a determinação necessária para enfrentar o desconhecido naquele momento tenso. O brilho frio da arma refletia a seriedade da situação, enquanto eu aguardava, pronta para reagir conforme as ações dele moldassem o desenrolar daquele encontro inesperado.
— Traidores filhos da puta. — O ouvi murmurar, direcionando o xingamento para os meus cachorros.
— Três passos para trás. Agora.
O homem ferido permaneceu onde estava, mas obedeceu às ordens, dando os três passos para trás que eu exigira com firmeza. Seus movimentos eram lentos, marcados pela dor que o afligia pelo ombro que ainda sangrava.
O silêncio pesado, interrompido apenas pelo som abafado dos meus passos recuando, dominava o ambiente. A arma permanecia firmemente direcionada ao intruso.
— O que está fazendo aqui? — indaguei, a voz mantendo-se firme e inquisitiva. A necessidade de compreender as intenções daquele homem guiava minha determinação em proteger a casa que um dia fora lar do meu irmão.
A resposta, no entanto, foi uma pergunta inesperada.
— Foi você que tentou me matar no cemitério?
Arqueei uma sobrancelha, surpresa. Neguei com a cabeça, mantendo a arma direcionada.
— Não, mas posso conseguir fazer isso agora.
O homem continuava a encarar-me sem expressão, como se a dor que devia estar sentindo não deixasse transparecer em seu rosto.
— Quem é você? — indaguei, mantendo a voz firme, enquanto o encarava com olhos inquisitivos. Ele demorou um instante antes de responder, como se avaliasse a relevância da informação que estava prestes a fornecer.
.
, hein? — murmurei, mantendo a postura ameaçadora, embora uma pontada de curiosidade tenha se infiltrado em minha voz. — Você deve saber que invadir a casa de alguém não costuma ser bem recebido.
— Essa é sua casa? — Ele perguntou, expressando surpresa pela primeira vez.
— Sua, com certeza, não é. Eu posso atirar em você, sabia? Alegar que você é um tarado, louco, assassino e ladrão.
— Não sou ladrão.
— É só isso que você vai negar?
— É só isso que é mentira.
Sua expressão permanecia inalterada, como se as minhas ameaças fossem apenas zombarias irrelevantes. Era desconcertante como ele parecia não se abalar.
— Então, se não é ladrão, por que estava sendo atacado lá fora? Inimigos? Aposto que tem muitos, considerando seu charmoso comportamento — provoquei, mantendo a postura defensiva, ainda com a arma apontada para ele.
O homem que agora eu sabia que se chamava , olhou-me nos olhos, uma faísca de desafio presente em seu olhar.
— Eu não sou alguém que precisa se esconder atrás de ameaças ou armas. — A voz dele era firme, revelando uma confiança que me irritava profundamente.
— Bem, parece que você está precisando de alguma coisa, considerando o estado em que se encontra. — Ele não respondeu.
— Você ao menos sabe usar essa arma?
Sem pensar muito, direcionei-a ao abajur do lado da cama de Lorenzo e disparei, fechando os olhos com o estrondo antes de voltar a atenção para o homem à minha frente.
— Isso responde sua pergunta?
A fumaça se espalhou lentamente, acrescentando um elemento visual ao nosso embate silencioso. No entanto, a expressão de permaneceu inabalável, como se aquela demonstração não fosse mais do que um simples gesto insignificante em sua realidade.
O som do disparo ainda ecoava no ar quando , em um movimento rápido e preciso, se aproximou de mim, desarmou-me e prendeu minha mão contra a parede. O contato brusco fez-me soltar um grito surpreso, mas ele manteve a expressão inexpressiva, advertindo-me a ficar quieta.
Cazzo! O que você está pensando? — Minha indignação escapou em um sussurro furioso enquanto tentava me libertar de seu domínio, mas quanto mais eu tentava me soltar, com mais força ele segurava.
aproximou-se, seu rosto a centímetros do meu, sua expressão inabalável. Ele sussurrou ameaçadoramente:
— Fique quieta. Um tiro pode atrair mais problemas do que você pode lidar.
Engoli em seco, meu desafio se transformando em cautela. A sensação do toque frio da arma ainda persistia, enquanto ele mantinha uma postura dominante.
— Quem diabos é você, e por que alguém estaria atirando em você?
Ele permaneceu em silêncio por um momento, como se estivesse ponderando sobre a resposta adequada. Finalmente, com um tom sério, respondeu:
— Não é da sua conta.
Meu olhar encontrou o dele, uma mistura de indignação e curiosidade.
— Parece que é da minha conta agora. Esta é a minha casa, afinal.
soltou um suspiro audível, como se a minha presença fosse um incômodo.
— Você realmente não tem ideia do que está acontecendo, não é? Uma garotinha brincando com armas.
A raiva ferveu dentro de mim, e minha resposta foi impulsionada por um desejo de desafiá-lo.
— Pelo menos eu sei em qual direção atirar.
O olhar penetrante de intensificou-se, um sorriso sutil brincando em seus lábios.
— O que quer dizer com isso?
— Quero dizer que, ao contrário de alguns, eu sei o que estou fazendo. Se eu atirasse em você, não o acertaria no ombro com uma mira de merda.
O sorriso de desapareceu, substituído por uma expressão mais séria. Ele soltou minha mão, afastando-se com a graça de um predador.
— Você está brincando com fogo, garota. Não sabe com quem está lidando.
Revirei os olhos, ignorando a ameaça não dita. podia ser um mistério, podia também estar com a minha arma agora, mas eu não estava disposta a ceder à sua aura intimidante.
— Eu não tenho medo de você. — Desafiei, cruzando os braços.
Ele se aproximou, seu rosto agora a centímetros do meu. O calor da sua respiração misturou-se ao meu desafio.
— Talvez devesse.
O impacto da sua resposta ecoou em meu íntimo, mas eu não estava disposta a admitir qualquer reação à ele. Em vez disso, decidi mudar o tom da conversa.
— Se você não quer compartilhar quem é, pelo menos me diga por que alguém está atirando em você. Eu não gosto de estranhos feridos entrando na minha casa.
franziu o cenho, ponderando sobre a minha proposta. Parecia que ele estava avaliando o quanto poderia confiar em mim.
— Há pessoas que gostariam de me ver morto. Não é algo incomum na minha linha de trabalho.
— Linha de trabalho? Você é um criminoso ou algo do tipo?
Ele soltou uma risada breve, um som áspero que reverberou no quarto.
Embora a situação estivesse longe de ser apropriada para avaliações físicas, não pude evitar notar a presença marcante de . Seu corpo esguio, mas claramente musculoso, parecia esculpido, cada linha delineada com precisão. Os músculos do seu ombro, onde o sangue escorria, denotavam força e resistência.
Seu rosto, com traços firmes e expressivos, era quase hipnotizante. A barba por fazer adicionava uma intensidade que era difícil de ignorar. Os olhos, por trás da máscara de seriedade, possuíam uma profundidade intrigante, como se escondessem segredos indecifráveis.
O cabelo escuro caía desalinhado sobre a testa, dando-lhe um ar ainda mais selvagem. Era difícil determinar se a desordem era intencional ou resultado da situação em que se encontrava.
Sua altura, evidenciada quando estávamos tão próximos, transmitia uma presença imponente. Eu sempre havia apreciado homens altos, mas ultrapassava qualquer padrão que eu tivesse em mente.
A postura dele, mesmo ferido, era digna e confiante. Cada movimento, cada gesto, emitia uma aura de controle e poder. Mesmo diante de um possível perigo, ele mantinha uma calma perturbadora.
Não pude deixar de sentir um formigamento de admiração diante da figura intrigante que se encontrava diante de mim. Era como se a periculosidade que emanava dele apenas intensificasse sua atração, uma combinação complexa de beleza e ameaça que, de alguma forma, despertava minha curiosidade.
Não de uma forma saudável, ele despertava minha curiosidade da maneira impura que levaria qualquer mulher ao inferno.
— Shh. — Sussurrou em um tom baixo, se mantendo perto demais de mim.
No entanto, antes que eu pudesse pressioná-lo com mais perguntas, um ruído vindo do corredor chamou nossa atenção. Os dobermans começaram a rosnar, alertando-nos de que algo estava prestes a acontecer.
— Não estamos sozinhos aqui. — murmurou, e ambos direcionamos nosso olhar para a porta.
, ainda ao meu lado, pareceu se movimentar com uma agilidade surpreendente, apesar do ferimento no ombro. Seu olhar se intensificou, a seriedade nele ecoando a gravidade da situação. Ele fez um gesto para que eu ficasse quieta, indicando a necessidade de silêncio.
No corredor, as sombras pareciam ganhar vida, dançando ao ritmo de passos cautelosos. Os dobermans permaneciam alertas, mas a tensão no ar cresceu à medida que a aproximação se tornou mais evidente.
Foi então que percebemos a figura se materializando na penumbra. Um homem, vestido com roupas escuras e uma expressão determinada, avançava em nossa direção. Seus olhos, frios, fixaram-se em nós com uma intensidade que arrepiou minha espinha.
O desconhecido continuava avançando em nossa direção, seu semblante decidido contrastando com a tensão que preenchia o corredor. Foi quando agiu, com uma rapidez inesperada para alguém com um ferimento no ombro. Ele puxou uma arma escondida em sua cintura e disparou contra o intruso que caiu no chão em um baque surdo. Os dobermans avançaram em cima do homem caído.
Apesar do tiro que o derrubara inicialmente e das frequentes mordidas, o homem ainda estava longe de se dar por vencido. , no instante seguinte, foi surpreendido por outro disparo, desta vez atingindo-o no abdômen. O impacto o fez recuar, e a dor transpareceu momentaneamente em seu rosto.
Instintivamente, ele revidou, atirando novamente contra o agressor, ouço os cachorros gritarem com o disparo, mas percebo que eles não foram machucados. O silêncio abrupto que se seguiu foi a confirmação de que a ameaça havia sido neutralizada. , embora ferido, manteve-se firme, sua postura revelando uma determinação inabalável. O desconhecido jazia imóvel no chão, a luz do corredor revelando os contornos da cena caótica.
Eu, presa entre o choque e a urgência de agir, fui arrastada de volta à realidade quando , com um semblante tenso, segurou seu abdômen ferido. Sua respiração era forçada, e a expressão de dor estava evidente em seus olhos.
— Pressione aqui. — Ele indicou a ferida em seu abdômen, e eu, superando a hesitação, coloquei minhas mãos sobre o local. O sangue escorria entre meus dedos em uma visão perturbadora que evidenciava a gravidade da situação.
— Maldito seja... — rosnou, mais consigo mesmo do que comigo. A dor parecia arder em cada parte de seu corpo, mas ele não permitiria que isso o enfraquecesse. — Precisamos dar um jeito nisso. Preciso de uma maleta de primeiros socorros, você tem? — Balanço a cabeça rapidamente. — Vá buscar. — Ele pede com o tom de voz duro, mas o obedeço.
Corro pelas escadas em direção à cozinha, onde sei que guardo um kit de primeiros socorros. O coração acelerado ecoa em meus ouvidos, impulsionado pela urgência da situação. Agarro a maleta e retorno ao corredor, encontrando ainda de pé, mas claramente afetado pela dor.
Ao entregar-lhe a maleta, percebo que seus olhos, normalmente impassíveis, agora carregam uma intensidade que revela a batalha que ele trava consigo mesmo. aceita a maleta com um aceno de cabeça, abrindo-a rapidamente para acessar os suprimentos necessários.
Enquanto ele trabalha em sua própria recuperação, me vejo em um estado de inquietação. O homem desconhecido permanece caído, provavelmente morto. Minha mente oscila entre a preocupação com a segurança de e a incerteza sobre como proceder diante de tudo.
O silêncio tenso é quebrado apenas pelos sons suaves dos suprimentos médicos sendo manuseados. Observo agir com uma destreza surpreendente, sua expressão séria e focada a cada movimento, revela uma habilidade que transcende a mera brutalidade de conhecimentos adquiridos por acaso.
Após alguns minutos, fecha a maleta e se afasta do local onde tratou de seus ferimentos. Seus olhos encontram os meus, e o peso da situação se reflete em sua expressão.
exala um suspiro profundo, como se o fardo da decisão pairasse pesadamente sobre seus ombros. Ele parecia mais pálido agora, a palidez de seu rosto revela a perda significativa de sangue.
— Agora, temos que decidir o que fazer com ele.
Minha pergunta escapou antes que eu pudesse ponderar as implicações.
— O que porra você faz?
não responde de imediato, seus olhos fixos em algum ponto distante enquanto considera as opções disponíveis. Seu silêncio é desconcertante, e o peso da situação nos envolve como uma névoa carregada de incerteza. Finalmente, ele quebra o silêncio.
— Você não gostaria de saber.


Capítulo 4

Rossi


— Vá pegar uma bolsa com roupas. Você vai embora comigo. — Minha voz soou firme. Ela respondeu com um riso desdenhoso, como se a ideia de me seguir ou seguir minhas ordens fosse completamente absurda.
— Não vou a lugar nenhum com você. — Sua teimosia era irritante, mas eu não tinha tempo para argumentar.
— Você não tem escolha. — Minha paciência estava se esgotando, e a urgência da situação exigia ação imediata.
Ela me lançou um olhar desafiador, sua expressão impetuosa deixava claro que ela não seria facilmente controlada. Me pergunto se Lorenzo estaria completamente irritado ou orgulhoso pelo que a irmã dele se tornou.
— Eu sempre tenho escolha. — Sua resposta foi carregada de desafio, e eu senti minha irritação aumentar.
Irritado era a resposta.
— Não agora. — Minha voz era áspera, impaciente.
— Oh, é claro. Porque você é o todo poderoso e todos devem obedecer às suas ordens.
— Acabamos de matar uma pessoa, com certeza tem mais deles vindo. Você não quer ficar aqui quando eles chegarem. Arrume suas coisas, eu não vou pedir de novo.
parecia determinada em desafiar cada uma das minhas decisões, como se estivesse em uma missão pessoal para me provocar. Cada palavra que saía de sua boca era como uma agulha perfurando minha paciência já esgotada. Por mais que eu tentasse manter a calma, sua teimosia e sua insistência em desafiar minha autoridade me faziam sentir como se estivesse à beira de explodir a qualquer momento.
Enquanto eu preparava as coisas para nossa partida, simplesmente parecia encontrar maneiras de dificultar tudo. Cada solicitação que eu fazia era recebida com uma resposta sarcástica ou uma objeção infundada. A impaciência crescia dentro de mim, como uma fogueira alimentada pela irritação constante que ela provocava.
— Eu vou levar os cachorros comigo. — Sua determinação era clara em suas palavras.
Neguei veementemente, sem rodeios.
— Nem fodendo os cães vão entrar no meu carro. — Minha resposta foi direta, sem espaço para discussão.
Ela sustentou seu olhar desafiador, firme em sua decisão.
— Sem os cachorros, eu não vou a lugar algum.
— São dois dobermans adultos. — Ela me olhou como se não visse problema algum no fato de dois cachorros enormes estarem em um carro, chamando atenção da porra da Itália inteira. —Não temos tempo para isso. Os cachorros não vão entrar no carro, ponto final. — Minha voz ressoou com autoridade, embora eu mal conseguisse conter a frustração que se acumulava dentro de mim.
Ela ergueu o queixo em desafio, seus olhos faiscando de teimosia.
— E quem disse que você tem o direito de decidir isso por mim? — A provocação em sua voz só serviu para aumentar minha irritação.
Respirei fundo, tentando manter a calma diante de sua insolência. No entanto, a impaciência começava a se infiltrar em cada fibra do meu ser.
— Porque eu sou o único aqui que sabe como lidar com essa situação. Você pode levar o que quiser, mas os cachorros ficam. — Minha voz saiu mais dura do que eu pretendia, revelando a crescente exasperação que sentia.
— Sem eles, eu não vou a lugar algum. — Repetiu, me fazendo respirar fundo para não perder o pouco controle que me restava.
A obstinação de em relação aos cachorros era impressionante, quase tão forte quanto sua determinação em desafiar minha autoridade. Por mais que eu tentasse argumentar, ela se recusava a abrir mão da ideia de levá-los consigo.
— Está bem. Leve os cachorros. — Minha concessão foi clara, embora inteiramente contraditória com o que eu queria, no entanto, não adiantaria lutar contra ela nesse momento.
pareceu surpresa por um instante, como se não esperasse que eu cedesse tão facilmente. Mas então, um sorriso de triunfo se formou em seus lábios, como se ela tivesse vencido uma batalha.
— Ótimo. Então, vamos logo.
Enquanto organizava suas coisas, não pude deixar de notar seus movimentos graciosos e a forma como a luz do quarto realçava suas curvas femininas. Apesar de toda a sua teimosia e provocação, era inegável que ela era uma mulher excepcionalmente bonita. Dirigi-me até a janela, lançando um rápido olhar pela rua deserta. Não havia sinal de qualquer carro ou movimento suspeito, o que era um bom sinal. Mas não podíamos nos dar ao luxo de baixar a guarda.
Quando me virei para sair do quarto, encontrei já pronta, com a bolsa nas costas e os dois dobermans ao seu lado.
Os passos firmes de ecoavam atrás de mim enquanto eu liderava o caminho até o carro. Eu estava decidido a não perder mais tempo e me certificar de que estávamos fora de perigo o mais rápido possível. Os dois dobermans seguiam obedientemente ao lado dela e eu não conseguia não perguntar como ela tinha conseguido controlar dois cachorros tão grandes.
Ao chegar à porta da frente, abri-a rapidamente e verifiquei os arredores antes de sinalizar para seguir em frente. A brisa fria da noite cortava o ar enquanto nos dirigíamos para o carro estacionado na rua. Eu a vi acomodar os cachorros no banco de trás, certificando-se de que estavam confortáveis antes de entrar no banco do passageiro.
Enquanto dirigíamos pelas ruas vazias, meu olhar se fixava na estrada escura à nossa frente. Ela permanecia em silêncio ao meu lado, mas eu podia sentir sua presença mesmo se ela estivesse a mil quilômetros de distância.
— Para onde estamos indo? — Sua voz quebrou o silêncio, e eu resisti à vontade de suspirar.
— Temos um lugar seguro onde podemos ficar por enquanto. — Minha resposta foi breve, mas era tudo o que eu estava disposto a compartilhar naquele momento.
— Você conheceu Lorenzo? — A pergunta de rompeu o silêncio, me fazendo olhar para ela confuso. — Quando você entrou, Bob e Kyle não latiram para você. — Ela explicou, indicando os dois dobermans no banco de trás.
Balancei a cabeça em confirmação, relutante em compartilhar detalhes sobre o passado com ela. A verdade sobre o envolvimento de Lorenzo comigo era algo complexo demais e eu não estava disposto a dificultar ainda mais. Preferia manter as coisas simples e diretas, falar que o irmão dela havia morrido por minha causa, não era uma opção mais viável para isso naquele momento.
— Sim, eu e Lorenzo éramos amigos. — Murmurei, mantendo minhas palavras vagas.
— Então, vocês eram muito próximos? — perguntou, quebrando o silêncio com sua curiosidade inquisitiva.
— Sim, éramos. Lorenzo era como um irmão para mim. — Respondi, deixando escapar um suspiro involuntário e só então percebi que eu o considerava como um irmão, mas para ele realmente era um. — Eu sinto muito pela perda do seu irmão. Eu sei o quanto ele significava para você.


Capítulo 5



Quando estacionou o carro diante da casa de campo, afastada na densa floresta, senti uma mistura de curiosidade e apreensão. A luxuosa construção de madeira erguia-se majestosamente diante de nós, envolta pela serenidade da natureza circundante. Era um cenário impressionante, muito diferente do ambiente urbano ao qual eu estava acostumada.
Desembarcamos do carro, e eu peguei os cachorros, seguindo em silêncio enquanto ele se dirigia à entrada da casa. A cada passo, meu olhar vagava pelo ambiente, absorvendo os detalhes da arquitetura imponente e da paisagem deslumbrante ao redor.
Ao adentrarmos a casa, fui surpreendida pela elegância e pelo conforto que ela oferecia. O interior espaçoso e bem iluminado era decorado com bom gosto, proporcionando uma atmosfera acolhedora e convidativa.
voltou-se para mim e, com um gesto, me convidou a entrar. Segui-o pelo corredor, mantendo os cachorros ao meu lado, enquanto observava cada canto da casa com admiração silenciosa. Na verdade, não entendia o motivo de estar tão surpresa, ele tinha uma elegância que emanava dele. Era um pouco óbvio que sua casa seria assim também.
deixou as malas no chão e se virou para mim, seus olhos escuros me estudando com uma intensidade que me fez sentir um arrepio na espinha.
— Espero que você não se importe em compartilhar a cama. — Ele falou, com uma expressão séria que contrastava com a voz suave. Eu não pude deixar de notar o leve tom de provocação em sua voz.
— Não se preocupe, eu não mordo. — Respondi, mantendo uma expressão neutra, mas uma pontada de diversão brilhava em meus olhos.
Ele arqueou uma sobrancelha, como se não esperasse uma resposta tão ousada, mas não deixou transparecer qualquer sinal de surpresa.
— Veremos. — Foi sua única resposta, antes de se voltar para as malas e começar a desfazê-las.
Observando-o, não pude deixar de notar a tensão em seus ombros, mesmo sob a fachada de controle que ele tentava manter. Era evidente que algo o incomodava, e eu me perguntava o que poderia ser.
— Está tudo bem? — Perguntei, minha curiosidade vencendo minha prudência por um momento.
Ele ergueu o olhar para mim, seus olhos escuros refletindo uma mistura de emoções que eu não conseguia decifrar.
— Está tudo sob controle. — Foi sua resposta breve, mas o tom de sua voz não era totalmente convincente. — Tem alguma coisa errada. — Ele murmurou, olhando pela cortina da janela. — Preciso que você fique aqui enquanto vou verificar os arredores. — Sua voz era firme, mas havia uma nota de preocupação que não passou despercebida por mim.
— Por que não podemos fazer isso juntos? — Questionei, tentando esconder minha própria apreensão.
Ele hesitou por um momento, como se estivesse considerando minha sugestão, mas então balançou a cabeça de forma negativa.
— É mais seguro se um de nós ficar aqui. Além disso, alguém precisa cuidar dos cachorros. — Ele apontou para Bob e Kyle, que estavam deitados no chão, observando-nos com olhos atentos.
Eu queria argumentar mais, mas algo em sua expressão me fez reconsiderar. estava agindo de maneira estranha desde que chegamos, e eu não queria piorar as coisas insistindo em ir com ele.
— Tudo bem. — Concordei.
Com fora da vista, me vi sozinha naquela casa de campo silenciosa, com apenas os cachorros como companhia. Bob e Kyle pareciam inquietos, seus olhares atentos denunciavam uma sensação de alerta no ar.
Decidi explorar um pouco o lugar enquanto aguardava o retorno de . A casa era espaçosa e bem mobiliada, com móveis rústicos de madeira que adicionavam um charme acolhedor ao ambiente. As janelas amplas permitiam a entrada de luz natural, iluminando os cômodos com uma aura reconfortante.
Caminhei pelo corredor, observando os quadros nas paredes e os detalhes cuidadosamente decorados.
Enquanto explorava, me deparei com uma porta entreaberta no final do corredor. Intrigada, empurrei-a suavemente, revelando um quarto espaçoso com uma cama grande no centro. Os lençóis estavam impecavelmente arrumados, e uma sensação de conforto emanava do ambiente.
retornou à casa acompanhado por uma mulher, cuja presença despertou minha curiosidade imediata. A mulher era bonita, com uma barriga saliente indicando uma gravidez avançada. O olhar cansado de refletia uma certa tensão.
— Quem é ela? — indaguei, mantendo um tom de voz cauteloso enquanto me preparava para qualquer revelação surpreendente.
suspirou, como se estivesse se preparando para uma batalha iminente, e então apresentou a mulher ao meu lado.
— Bianca. Minha irmã.
Bianca me olhou com uma expressão indagadora, como se estivesse avaliando-me cuidadosamente. Ela parecia uma força da natureza, e uma sensação de desconforto se instalou em mim na presença dela.
— Eu não posso te deixar sem supervisão por dois dias, ? — Bianca disparou, sua voz carregada de reprovação enquanto lançava um olhar repreensivo para .
— Isso não é o que você está pensando. — tentou se explicar, mas sua irmã não estava disposta a ouvir desculpas.
— Não? Porque parece exatamente o que estou pensando. Você não deveria estar se divertindo com uma mulher no meio da floresta. Este lugar é para escapar de perigo, não para suas transas casuais. — Bianca retorquiu com firmeza, sua postura rígida e autoritária.
Eu me senti ofendida com o tom de sua voz e a insinuação implícita em suas palavras, e não pude conter minha resposta.
— Não estou transando com o seu irmão. De todos os homens do mundo, esse é o último que me proporcionaria alguma diversão. — minha voz saiu mais afiada do que eu pretendia.
A troca de olhares tensos entre e Bianca indicava que a disputa entre eles era comum.
— Bianca, é irmã de Lorenzo. — finalmente explicou, cansado da situação, enquanto passava a mão pelo rosto com uma expressão de exaustão.
— Entendo. — Sua voz agora carregava um tom menos acusatório, mais neutro. Ela olhou de para mim, como se estivesse avaliando a situação sob uma nova perspectiva. — Desculpe-me, . Não era minha intenção ofendê-la.
Eu assenti em resposta, agradecendo silenciosamente por sua mudança de atitude. A tensão que pairava no ar começava a se dissipar, substituída por uma atmosfera mais leve
Enquanto Bianca se afastava, dirigindo-se para uma parte diferente da casa, se aproximou de mim.
— Não se deixe enganar pela aparência dela. Bianca é astuta e perigosa. — Ele murmurou.
— Passei cinco minutos com ela e confio mais nela do que em você.
Ele me olhou com um misto de surpresa e desdém, claramente não esperando uma resposta tão direta.
— Seu nível de confiança é um tanto questionável considerando que há poucos minutos ela estava a chamando de vagabunda. — Ele retrucou, sua voz carregada de sarcasmo.


Capítulo 6

Rossi


Estávamos no meio de um emaranhado de preocupações e perigos, e a presença de em nossa casa de campo, longe da agitação urbana, não aliviava minha mente nem um pouco. Enquanto ela alimentava os cachorros, eu me afastei um pouco, buscando um momento de privacidade com Bianca.
A distância que nos separava era insuficiente para bloquear o som da voz inquisitiva de Bianca, que mais parecia uma série de acusações veladas.
— Era você o alvo ou ? — Ela perguntou, sua voz carregada de cautela e desconfiança.
A pergunta acertou em cheio um ponto sensível em mim, e eu hesitei por um instante antes de responder.
— Eu. Parece que alguém está tentando me acertar há algum tempo. — Minha confissão soou mais como um suspiro pesado do que qualquer outra coisa.
Bianca analisou minhas palavras com um olhar afiado, sua expressão se tornando mais séria à medida que processava a informação.
— Você poderia ter sido mais claro sobre os perigos envolvidos quando trouxe para cá. — Ela observou, sua voz tingida de reprovação.
Senti um peso adicional sobre meus ombros ao considerar as implicações de minhas ações, mas não podia mudar o que já havia sido feito.
— Não tive tempo para explicar tudo a ela. E não podia deixá-la lá para enfrentar o perigo sozinha. — Minha defesa soou mais fraca do que eu gostaria, mas era a verdade.
Bianca assentiu, aceitando minha explicação, mas era óbvio que ela ainda estava preocupada com a situação.
— Vamos ter que ter cuidado daqui para frente. Não podemos nos dar ao luxo de baixar a guarda. — Ela comentou, sua voz ecoando determinação. —Ela sabe sobre a morte de Lorenzo? — Ela perguntou, sua voz carregada de preocupação.
A pergunta me pegou de surpresa, e por um momento, hesitei antes de responder.
— Não, eu não contei a ela. Não queria que ela soubesse dos detalhes da nossa vida. — Respondi, mas na verdade não estava protegendo . Eu estava me protegendo da própria culpa que sentia.
Bianca assentiu, compreendendo a necessidade de proteger da realidade de nossa existência na máfia. Era importante mantê-la afastada do perigo e preservar sua inocência tanto quanto possível.
— Talvez seja melhor assim. Ela não precisa carregar o peso de nossos pecados.
Enquanto eu ponderava sobre os próximos passos a tomar, Bianca desviou o olhar por um momento, parecendo mergulhar em seus próprios pensamentos. Eu sabia que ela estava considerando as possíveis ramificações de nossa situação, buscando soluções antes mesmo que os problemas se manifestassem por completo.
— Você tem algum plano em mente? — Perguntei, buscando o conselho e a experiência de Bianca, sabendo que ela poderia ter insights valiosos sobre como lidar com nossa atual crise.
Ela voltou seu olhar para mim, seus olhos brilhavam com determinação.
— Vou revisar nossos contatos, aumentar nossa segurança e manter uma vigilância constante. E, é claro, precisamos descobrir quem está por trás desses ataques e detê-los antes que causem mais danos. — Sua voz transmitia uma mistura de frieza e preocupação.
Assenti, reconhecendo a sabedoria em suas palavras.
— Faremos o que for necessário para proteger nossa família. — Minha voz soou firme, refletindo minha determinação em enfrentar qualquer desafio que se apresentasse.
, não durma com ela. — Bianca pediu em um tom baixo, como se tivesse uma visão do futuro. — Não se envolva com a irmã do Lorenzo. Você ainda tem fantasmas dele demais em sua vida para se ocupar com mais um. Ache uma esposa e se afaste de .
— Eu não pensei em me relacionar com ela.
— Eu te conheço, irmão. Nenhuma mulher atraente é invisível aos seus olhos.
A observação de Bianca trouxe à tona reflexões que eu preferia evitar. Ela conhecia meu histórico melhor do que ninguém, e suas palavras carregavam um peso que não podia ignorar.
— Bianca, você sabe que meus interesses estão além de romances. Não estou procurando me envolver com ou qualquer outra pessoa neste momento — respondi, tentando dissipar qualquer preocupação que ela pudesse ter.
No entanto, a expressão persistente de Bianca deixava claro que ela não estava convencida.
— Eu sei que você diz isso agora, . Mas as circunstâncias podem mudar. E com a irmã de Lorenzo tão perto, é melhor manter suas intenções bem claras desde o início — insistiu ela, sua voz carregada de preocupação e cautela. — Às vezes o seu coração pode ser mais imprudente do que a sua mente. E você já tem o bastante de Lorenzo para lidar com os fantasmas do passado. Não precisa adicionar mais um a essa lista.
— Você sempre foi a voz da razão, Bianca. — Tentei mudar sutilmente o foco da conversa, desviando daquilo que sabia que ela continuaria a pressionar. — Como está o bebê?
Bianca sorriu, seu rosto se iluminando com um brilho materno.
— Ele está bem, forte como um touro. — Ela colocou minha mão sobre sua barriga, permitindo-me sentir os movimentos suaves da criança dentro dela. — Parece que ele está ansioso para vir ao mundo.
O toque suave da barriga de Bianca e a sensação dos chutes delicados do bebê foram um lembrete reconfortante de que, apesar das turbulências em nossas vidas, ainda havia momentos de serenidade e esperança.
— Ele vai ser tão teimoso quanto nós dois — comentei, sorrindo para Bianca.
Ela riu suavemente, concordando.
— Não duvido disso. Mas com você como tio, tenho certeza de que ele também terá um forte senso de proteção e lealdade.
— Está me elogiando, Bianca? — Perguntei com um ar de desdém, levantando uma sobrancelha com curiosidade.
Ela soltou uma risada suave, sacudindo a cabeça enquanto seus olhos brilhavam com divertimento.
— Ah, , não confunda as coisas. Estou elogiando o meu filho, não você. — Sua resposta foi carregada de humor, e eu não pude deixar de sorrir.
— Você será uma mãe incrível, sorellina. — Comentei, deixando transparecer um pouco de ternura em minhas palavras.
Um brilho de incerteza passou pelos olhos dela antes que ela respondesse.
— Eu espero que sim.
Apesar de nossas diferenças e das tensões que nos cercavam, havia um laço inquebrável entre nós, uma lealdade que superava qualquer obstáculo. No fundo, eu sabia que poderia contar com ela, assim como ela podia contar comigo, em qualquer situação.


Capítulo 7



Bianca não foi embora. Ela decidiu que ficaria conosco e, devido ao seu estado avançado de gravidez, colocou para ir para o sofá. Ele não teve relutância alguma e imaginei que esse fosse o nível de carinho que ele tinha por ela, de abrir mão do conforto. Eu sabia disso porque Lorenzo era assim comigo.
— Você está bem? — Demorei alguns segundos até entender que ela estava falando comigo. Concordei com a cabeça, ainda constrangida, sem saber muito bem o que falar em sua presença. Bianca era intimidadora, até mesmo quando tentava ser gentil. — Você tem boca, , fale.
— Sim, estou bem, apesar do seu irmão ter matado um homem na minha frente. — Ela pareceu pensativa com minha resposta.
— Me prometa uma coisa. — Ela pediu, com a voz sonolenta. — Não caia nos encantos de , prometa que ficará longe do meu irmão.
Gargalhei com o pedido inusitado. O irmão dela era um assassino e eu dificilmente saberia como meu irmão havia o conhecido. Lorenzo era gentil, era bondoso, não era um monstro.
— Eu não tenho o menor interesse de ter algo com o seu irmão. Ele é rude, não possui sensibilidade alguma e ainda respira arrogância.
Ela pareceu ficar satisfeita com a minha resposta, mas logo sua expressão ficou sombria.
— Eu concordo, mas se falar dele assim mais uma vez, eu mesma arrancarei sua língua.
Ela não parecia estar brincando.
— Entendido. — Respondi, tentando manter a calma.
Bianca suspirou, afagando a barriga com cuidado.
pode ser difícil, mas ele é leal. Lorenzo sabia disso. Eu sei disso. É por isso que confio nele, mesmo quando tudo parece desmoronar.
Eu me sentia desconfortável com o rumo da conversa. Bianca estava me pedindo para confiar no homem que havia trazido a morte para perto de mim. Eu não conhecia eles, logo, não poderia entregar minha confiança. Lorenzo entregou sua confiança a alguém e morreu por isso.
— Como meu irmão conheceu ? — Perguntei, tentando entender mais sobre a conexão entre eles. O homem alto e forte não me diria, Bianca parecia ter menos filtros comigo. Talvez dela eu pudesse conseguir alguma informação.
— Eles se conheceram há alguns anos. Lorenzo tinha habilidades que precisava, e assim eles formaram uma parceria em alguns negócios que talvez você não saiba. — Bianca respondeu, a voz dela parecia suavizar e imaginei que o motivo fosse as lembranças.
— Eu não sabia. Lorenzo nunca mencionou . — Minha voz saiu mais suave do que eu pretendia.
— Lorenzo era bom em manter segredos, além disso ele era assim, sempre querendo proteger você de tudo. — Ela sorriu, mas havia tristeza em seus olhos. — É por isso que você precisa ser forte agora. Não é fácil estar neste mundo, . E você entrou nele no momento que cruzou com o meu irmão.
— Eu não escolhi isso. — Disse, sentindo a frustração crescer dentro de mim.
— Nenhum de nós escolheu. — Bianca respondeu, com um leve sorriso. — Mas aqui estamos. E temos que lidar com isso da melhor maneira possível.
apareceu na porta, interrompendo nossa conversa.
— Bianca, você precisa descansar. E , se precisar de alguma coisa, me avise.
Bianca assentiu e se dirigiu para o quarto, deixando-me sozinha com .
— Você acha que ela está segura aqui? — Perguntei, tentando ignorar o desconforto.
— Eu vou garantir que ela esteja. — respondeu, a voz firme. — E você também.
— Não me faça promessas que não pode cumprir. — Respondi, desafiadora.
— Eu nunca faço promessas que não posso cumprir. — Ele retrucou, olhando-me nos olhos.
Havia algo nos olhos de que me fez acreditar em suas palavras, apesar de tudo. Talvez fosse a mesma coisa que Lorenzo viu nele. Uma força bruta, mas com uma coragem inabalável. E, por um momento, eu senti que talvez, só talvez, eu pudesse confiar nele.
Mas o medo e a desconfiança ainda estavam lá, enterrados profundamente.
Quando se afastou, o silêncio da casa caiu sobre mim como um cobertor pesado. Os dobermans, Bob e Kyle, estavam deitados perto da lareira, seus olhos atentos seguindo cada movimento meu. Peguei uma das malas e comecei a desempacotar minhas poucas coisas, tentando acalmar meus nervos.
Bianca já estava dormindo no quarto, e eu não queria incomodá-la.
Horas depois, a casa estava tranquila. A lareira crepitava suavemente, lançando sombras dançantes pelas paredes de madeira. Bianca estava descansando, e eu me sentei no sofá, perdida em meus pensamentos. entrou na sala, interrompendo meu devaneio.
— Você deveria descansar também. — Disse ele, a voz baixa mas autoritária.
— Não consigo dormir. — Respondi, sem olhar para ele.
suspirou e se sentou na poltrona em frente a mim.
— Eu entendo. Esse mundo... não é fácil de digerir.
Olhei para ele, estudando suas feições. Havia um cansaço em seus olhos que eu não havia notado antes.
— Por que você faz isso? — Perguntei, sentindo minha voz soar mais suave do que pretendia.
— Porque é necessário. — Ele respondeu, simplesmente.
— Eu só quero entender. — Disse, minha voz trêmula. — Quero entender por que ele nunca me contou sobre você e vocês parecem saber tanto sobre mim.
olhou para o chão por um momento, como se estivesse escolhendo suas palavras com cuidado.
— Lorenzo acreditava que te manter fora desse mundo era a melhor maneira de te proteger. Ele sabia que uma vez que você estivesse dentro, não haveria saída.
— E você? O que você acredita? — Perguntei com curiosidade.
— Eu acredito que ele estava certo. — Disse , seus olhos encontrando os meus. — Mas agora, não temos escolha. Você está dentro agora.

[...]


Não lembro por quanto tempo esteve ali ou quando peguei no sono, apenas acordei com a luz do sol invadindo suavemente o quarto quando acordei na manhã seguinte, ainda me sentindo um pouco sonolenta e confusa com tudo o que havia acontecido. A voz de Bianca rapidamente interrompeu meus pensamentos.
, você está com fome? Este bebê que estou esperando me faria comer até mesmo uma porta. — Ela disse, sorrindo gentilmente enquanto colocava a mão sobre sua barriga.
Olhei para Bianca, impressionada com sua serenidade e coragem. Ela parecia tão segura de si mesma, tão confiante em sua capacidade de lidar com qualquer situação. Eu gostava dela, às vezes esquecia que ela era irmã de um homem como o que eu vi ontem.
Antes que eu pudesse responder, entrou no quarto com uma expressão ainda mais carrancuda do que no dia anterior.
— Está na hora de irmos embora. — Ele disse, sua voz era áspera e autoritária.
Senti um arrepio percorrer minha espinha enquanto me levantava da cama. Eu não tinha ideia de para onde estávamos indo, mas sabia que não era para um lugar familiar ou reconfortante. Eu me encolhi involuntariamente, sentindo uma onda de desconforto me invadir.
— Para onde vamos? — Perguntei, tentando manter minha voz firme apesar da insegurança que sentia.
Bianca se aproximou e colocou uma mão reconfortante em meu ombro.
— Para casa. — Ela disse, seu tom tranquilizador contrastando com a severidade de .
Engoli em seco, percebendo que onde quer que fosse essa casa, não seria o meu lar.


Capítulo 8

Rossi


Ao chegarmos na mansão os portões se abriram para mim ao reconhecerem o meu carro. Os cachorros buscavam de forma desesperada sair pela janela enquanto se divertia com a reação dos animais. Ela pareceu se deslumbrar, por alguns minutos, com a fachada da casa. Certamente ela não ficaria tão facilmente impressionada se aquelas paredes pudessem falar.
Os Rossi tinham muito dinheiro, muito poder, mas nada era maior do que a sequência de mortes que nosso sobrenome trazia. Todos na minha família já haviam matado, eu não me surpreenderia que o filho de Bianca aprendesse a usar uma arma antes mesmo de balançar um chocalho.
Bianca permanecia ao meu lado, sua presença trazia um certo alívio em meio à tensão que pairava no ar. Assim que o carro parou, eu agi rapidamente, abrindo a porta para Bianca e ajudando-a a descer com cuidado. Seu rosto tranquilo escondia as preocupações que eu sabia que ela também carregava. Mas era parte de sua natureza, a habilidade de manter a calma e a compostura mesmo nos momentos mais difíceis. Ela me lançou um olhar de gratidão enquanto a ajudei.
Sorellina, cuide dela e acomode-a em uma ala da mansão. Designe alguém de confiança para cuidar dela e dos animais. E encontre Roman. Precisamos discutir a reação da famiglia diante do acontecido. — Minha voz soava firme e autoritária, ecoando pelo pátio da mansão.
Bianca assentiu, seu semblante sério refletindo a seriedade da situação. Ela conhecia a importância de agir rapidamente e com determinação, especialmente em momentos como esse.
Enquanto Bianca e se afastavam, minha mente já estava trabalhando em alta velocidade. Como Don, era minha responsabilidade não apenas proteger a família, mas também garantir que qualquer ataque contra nós fosse respondido com força e precisão. Qualquer sinal de fraqueza poderia ser fatal em nosso mundo e, por isso, não éramos fracos. Nunca. Sentimentos levavam à morte. Sensibilidade levava a morte. Confiança levava a morte. E se eu tinha aprendido uma coisa, na minha vida inteira, era que a única forma de escapar da morte era se tornando ela.
Entrei na mansão, atravessando os corredores com passos determinados. As paredes decoradas com obras de arte e relíquias antigas contavam a história de nossa família, uma história de poder e resistência. Finalmente, cheguei à sala de reuniões, onde Roman já estava esperando.
Roman, além de meu irmão era um underboss de confiança, ele levantou-se quando entrei, seu rosto sério refletindo a gravidade da situação.
— Vamos matar a família inteira do filho da puta que te emboscou. — Ele disse, sua voz baixa e urgente.
— Eu sei. — Respondi, sentando-me à cabeceira da mesa. — Mas temos que ir além disso, precisamos descobrir quem ajudou nesse ataque, poucas pessoas sabem da minha saída anual.
Roman assentiu, e começou a traçar os detalhes do ataque que sofri. Nossos inimigos estavam ficando mais ousados, e isso precisava parar imediatamente.
— Primeira ordem de negócios, Roman. Use nossos informantes, suborne quem precisar e mate quem puder. Quero nomes até o final da semana. Não, até o final do dia. — Minha voz estava fria e calculista.
— Entendido, Don. — Roman respondeu, anotando mentalmente os detalhes.
— Segunda ordem de negócios. Precisamos enviar uma mensagem clara. Quero que todos saibam que atacar os Rossi tem consequências terríveis. Identifiquei alguém da organização dos Sonettos, eu vi a tatuagem, o cara era um deles. Quero alguém importante, um Capo. Vamos fazer dele um exemplo. — Continuei, com minha mente já formulando os próximos passos. — Não só um exemplo. Quero algo que faça todos tremerem ao ouvirem nosso nome.
Roman assentiu novamente, seus olhos brilhando com a excitação de ter sangue nas mãos. Por mais que eu e Bianca tentássemos impedi-lo desta vida, ele era um Rossi.
Nada afastava um Rossi de ter sangue nas mãos.
— Quero que capturem o braço direito do nosso inimigo, vivo. Tragam-no aqui. Vamos dar uma demonstração pública. — Minha voz era sombria, carregada de ameaça.
Roman esboçou um sorriso frio.
— E quanto à metodologia?
— Capture-o. — Respondi. — Depois, faremos um evento especial. Coloque-o em um local público, onde todos possam ver. Vamos usar técnicas antigas. Quero que ele grite, que ele implore pela vida. Quero que todos saibam que mexer com os Rossi é mexer com a própria morte.
Roman concordou, rindo como o psicopata mais novo que era.
— E ? — Ele perguntou, levantando uma questão importante.
— Bianca está cuidando dela. Ela não sabe sobre a máfia, mas isso pode mudar rapidamente. Precisamos mantê-la segura, mas também informá-la quando necessário. A última coisa que precisamos é que ela vire um peão nas mãos dos nossos inimigos. — Respondi, meu tom de voz ficando mais sombrio. — Qualquer ameaça à sua segurança será tratada com a máxima severidade.
— E quanto aos aliados? — Roman perguntou.
— Chame uma reunião com os mais próximos. Quero todos aqui até o final do dia. Precisamos garantir que estão do nosso lado e que não serão tentados a mudar de aliança devido ao ataque. Ofereça incentivos se necessário, mas deixe claro que a lealdade é uma via de mão dupla. — Minha voz estava cheia de autoridade, refletindo minha posição como Don. — Roman, preciso que esteja pronto para coordenar todas as operações. Não deixe pedra sobre pedra até que tenhamos todos os envolvidos em nossas mãos.
Roman saiu da sala, deixando-me sozinho com meus pensamentos. Levantei-me e caminhei até a janela, olhando para a paisagem ao redor da mansão. Meu pai morreu me ensinando da pior forma o que era ser forte pela famiglia, minha mãe, apesar de ter sido uma maldita, também fez isso até o fim da sua vida, meus pais me ensinaram sobre inimigos, sobre vencer.
Bom, estávamos em guerra, tínhamos inimigos e eu faria o que fosse necessário para garantir que saíssemos vitoriosos.
Muitos poderiam temer a morte, mas o verdadeiro terror é reservado para aqueles que desafiam os Rossi.
Eu queria sangue e eu teria.
Bianca entrou no grande salão com passos firmes. Eu estava de pé perto da grande mesa de mogno, analisando mapas e relatórios enquanto minha mente traçava os próximos passos. Quando ela se aproximou, olhei para cima, encontrando seu olhar atento.
está acomodada. — Ela começou, mantendo sua voz baixa.
Assenti, reconhecendo sua eficiência e dedicação. Bianca sempre foi a melhor em garantir que tudo estivesse sob controle.
— Obrigado, Bianca. — Respondi, voltando minha atenção para os documentos na mesa.
Ela cruzou os braços, estudando-me por um momento antes de perguntar:
— O que você comandou para Roman?
— Usar nossos informantes, subornar quem for necessário e eliminar quem puder. Quero nomes até o final do dia. — Disse, mantendo o tom frio em minha voz. — Precisamos enviar uma mensagem clara. Pedi que trouxesse alguém importante da organização dos Sonettos, quero que façam dele um exemplo público.
Bianca assentiu, processando minhas palavras. Sua expressão séria indicava que ela compreendia a necessidade de tais ações, mas também trazia consigo um olhar de ponderação.
Mio sole, precisamos ser estratégicos. — Ela começou, repleta de sua sabedoria. — Tornar alguém um exemplo é eficaz, mas precisamos garantir que não criemos mártires. Temos que atingir a liderança deles, sem dar a impressão de que estamos desesperados ou perdendo o controle.
Eu a ouvi, sabendo que seus conselhos sempre foram valiosos. Bianca era minha consigliere por um motivo, e sua mente afiada muitas vezes evitou desastres.
— Concordo. — Respondi, ponderando suas palavras. — Vamos fazer isso de forma calculada. Roman capturará o braço direito do nosso inimigo e o trará aqui. Vamos manter isso discreto até que possamos fazer uma demonstração pública.
Bianca assentiu, com um sorriso curvo de aprovação nos lábios.
— Vou coordenar com nossos espiões e aumentar a vigilância. — Respondi. — Quero que todos saibam que estamos no controle e que qualquer tentativa de nos desafiar será recebida com consequências mortais.
Bianca deu um passo para trás. Eu a observei por um momento. Bianca era linda, ao contrário dos fios loiros de Roman, sua aparência era muito mais próxima a minha, com cabelos escuros e olhos tão sombrios quanto. Ela era linda e inegavelmente forte.
. — Ela chamou minha atenção uma última vez. — Cuidado com . Ela pode se tornar uma vulnerabilidade perigosa.
Concordei com um aceno e, enquanto Bianca se afastava, a compreensão da gravidade da situação se aprofundava dentro de mim. Roman estava certo; a necessidade de substituir Lorenzo não era apenas uma questão de eficiência, mas de sobrevivência. Roman não podia cuidar de tudo sozinho e, com o nascimento iminente do filho de Bianca, ela logo estaria vulnerável e indisposta. A perspectiva de trazer Vicenzo não era uma opção viável — meu irmão era leal e fatal, mas também inteiramente imprevisível.
Eu respirei fundo, tentando acalmar a turbulência interna de minha mente. Lorenzo sempre foi uma figura de força e eficiência, e a decisão de substituí-lo parecia insensata, considerando tudo o que ele suportou para chegar onde chegou. Lorenzo sofreu muito na infância, foi torturado física e psicologicamente para assumir o posto de executor. Seu treinamento foi brutal, uma prova constante de lealdade e resistência. Cada cicatriz em seu corpo era um lembrete da nossa luta e do preço que pagamos para proteger nossa famiglia.
Adiar sua substituição não foi apenas uma questão de luto ou respeito. Era uma questão de reconhecer o sacrifício que ele fez. Lorenzo foi moldado e queimado pelo fogo, e eu sempre temi que ninguém pudesse preencher seu lugar com a mesma ferocidade e lealdade. Mas eu não posso mais hesitar. A famiglia está em perigo, e precisamos de força total para enfrentar nossos inimigos.
Não importa o quanto essa decisão me perturbe.
A famiglia vem primeiro. Sempre. É minha obrigação, meu dever e minha honra manter isso em mente. Lorenzo se foi, e é hora de reconhecer que sua ausência deixou uma lacuna que precisa ser preenchida.
— Bianca, espere. — Chamei-a de volta.
Ela se virou, curiosidade e expectativa refletidas em seu olhar atento.
— Roman estava certo. Precisamos substituir Lorenzo. — Admiti, sentindo as palavras pesarem em meus lábios como chumbo. — Ele foi um bom executor, mas é hora de encontrar alguém novo. Alguém que possa garantir que nossas ordens sejam cumpridas sem falhas. Alguém que não hesita, Bianca, nem ao matar homens e nem ao dar escolhas às mulheres.
Bianca franziu a testa por um momento, uma ruga de preocupação marcando sua testa, mas logo sua expressão se suavizou, compreendendo a necessidade inevitável dessa mudança. Ela sempre teve uma habilidade inata para entender as realidades de nosso mundo sem deixar que isso a abalasse.
— Tem alguém em mente? — Perguntou, com sua voz ainda mais suave, quase compreensiva.
Eu balancei a cabeça, minha mente correndo com possíveis candidatos, mas nenhum parecia certo. Precisávamos de alguém que fosse mais do que um executor; precisávamos de um símbolo de terror e lealdade inquestionável.
— Ainda não, mas quero que você comece a procurar. — Respondi, minha voz firme, tentando mascarar qualquer hesitação. — Precisamos de alguém que possa instilar medo, mas também manter a lealdade.
Ela assentiu, já planejando os próximos passos em sua mente ágil. Bianca sempre soube equilibrar o pragmatismo com a crueldade necessária para manter nossa posição.
— Farei isso. — Disse, mantendo sua determinação evidente em cada palavra.
Observei-a se afastar, sabendo que a escolha de um novo executor não seria fácil, mas era absolutamente necessária. Eu tinha que deixar de lado qualquer resquício de sentimentalismo. Nossa sobrevivência dependia de decisões difíceis e implacáveis. O legado dos Rossi estava nas minhas mãos e eu faria o que fosse necessário para proteger e fortalecer nossa famiglia.
Para isso, eu tinha que ser o Don que meu pai me ensinou a ser, implacável e estratégico.
Voltando à mesa, meus pensamentos focaram na próxima etapa. Precisávamos de alguém novo, alguém que representasse o verdadeiro poder dos Rossi. E eu sabia que Bianca encontraria essa pessoa, assim como sempre fizemos — com precisão e sem piedade.


Capítulo 9

Rossi


Enquanto eu me preparava mentalmente para as próximas etapas, a porta se abriu com um estrondo e Roman entrou na sala. Sua camisa estava manchada de sangue, e seu sorriso se destacava em sua pele pálida. Ele parecia um demônio recém-saído do inferno, e não pude evitar uma mistura de orgulho e preocupação ao vê-lo assim.
— Você parece ter se divertido, Roman. — Comentei, observando enquanto ele começava a tirar a roupa manchada de sangue.
— Ah, você sabe como é, irmão. — Respondeu ele com uma risada sombria. — É difícil manter as roupas limpas nesse trabalho.
Bianca lançou um olhar de advertência para Roman, mas ele a ignorou, concentrando-se em mim.
— Como foi? — Perguntei, minha voz calma contrastando com a intensidade da situação.
— Consegui nomes e lugares. — Disse ele, jogando a camisa manchada de sangue em uma cadeira. — Vamos ter uma lista completa até o final do dia. E tenho planos para um dos nossos bares. Vou pegar alguma prostituta, talvez duas, e logo depois irei atrás do Capo dos Sonettos.
— E por que você precisaria de duas prostitutas? — Bianca perguntou, com um tom de ceticismo.
Roman riu, sua risada fria e cruel ecoando pela sala.
— Elas sempre sabem algo. E se não sabem, servem de ótima distração. — Respondeu ele, seu sorriso ampliando-se.
Olhei para Bianca, cuja expressão mostrava desaprovação, mas também compreensão. Sabíamos que Roman tinha seus métodos, e embora fossem brutais, eram eficazes. E eficácia era o que precisávamos agora.
— Certo, Roman. Vá ao bar e faça o que precisa ser feito. Mas seja discreto. Não podemos dar margem para erros agora. — Ordenei, minha voz firme.
Roman assentiu, já se preparando para sair novamente.
— E sobre o Capo dos Sonettos, certifique-se de que ele entenda a mensagem. Precisamos deixar claro que atacar os Rossi é uma sentença de morte. — Acrescentei, meu tom de voz carregado de ameaça.
— Ah, ele vai entender. — Respondeu Roman, com seu sorriso retornando. — Ele vai entender muito bem.
Enquanto Roman saía da sala, virei-me para Bianca. Sua expressão ainda estava carregada de preocupação, mas havia uma aceitação silenciosa em seus olhos.
— Roman está se tornando mais imprevisível. — Disse ela, sua voz baixa.
— Sei disso. — Respondi, suspirando. — Mas ele é eficaz.
— Falhamos em afastá-lo disso, . — Ela murmurou, com um olhar vagamente triste.
Eu admirava isso em Bianca; ela acreditava que as coisas poderiam ser diferentes, mesmo que soubesse que as raízes dos Rossi eram profundas demais para mudar.
— Nós também não queríamos ter entrado, para início de conversa, mas que escolha tivemos enquanto nossos pais nos torturavam? Pelo menos impedimos ele de ter o sangue derramado. Fizemos o que podíamos fazer, Sorellina, mas ele é um Rossi e nada mudará isso.
Ela pareceu pensar, permanecendo quieta com as lembranças. Bianca foi a mais afetada pelo sadismo do nosso pai. Ele não a tocava para que fosse imaculada para o marido, mas a fazia presenciar as sessões de tortura comigo e com Vicenzo, a fazia olhar enquanto nossa mãe era estuprada repetidas vezes para que se acostumasse quando o marido fizesse isso com ela.
— Sobre o novo executor, tenho alguém em mente. — A observei, seu olhar cauteloso dizia que eu não ia gostar nada da sugestão. — Vicenzo me enviou uma carta, ele quer voltar, .
Deixei uma risada incrédula sair de mim. Se eu era cruel e Roman tinha resquícios de insanidade, Vicenzo ficava com o título do próprio demônio. Nosso irmão era uma força da natureza, uma tempestade de caos e violência que nunca poderíamos controlar.
— E você, minha consigliere, acha viável trazer Vicenzo de onde quer que esteja para uma guerra? Bianca, ele é capaz de matar todo esse continente em um dia. Vicenzo beira a loucura.
Ela parecia determinada em sua resposta, defendendo sua decisão com a lealdade que caracterizava nossa família.
— Achei que fosse um executor leal que quisesse. Vicenzo tem nosso sangue, não nos trairia.
Eu sabia que ela tinha um ponto, mas também conhecia a natureza selvagem de Vicenzo. Ele seguia suas próprias regras.
— E nem nos obedeceria. Ele segue as próprias normas desde que me entendo por gente. — Respirei fundo. Eu amava Vicenzo, assim como amava Bianca e Roman, mas sabia que ele era uma bomba-relógio prestes a explodir.
— Ele é nosso irmão. É um Rossi, seu lugar é conosco. — Insistiu Bianca, firme em sua convicção.
Bianca soltou um suspiro resignado, compreendendo que a decisão estava tomada, mesmo que relutante. Ela sabia que trazer Vicenzo de volta seria uma faca de dois gumes, uma jogada arriscada que poderia trazer tanto benefícios quanto consequências desastrosas. Mas, no final das contas, ele era um Rossi, e isso era o que importava.
Eu sabia que ela estava certa, mesmo que eu não quisesse admitir. Vicenzo tinha sangue Rossi correndo em suas veias, e isso significava alguma coisa para ele, mesmo que sua mente estivesse cheia da escuridão que havíamos conhecido tão bem.
— Tudo bem, deixe ele voltar, mas se ele não se controlar eu mesmo coloco uma bala na cabeça do filho da puta.
Bianca assentiu, sabendo que eu estava sendo justo, mesmo que relutante em aceitar o retorno de nosso irmão mais velho. Nossa família estava se reunindo novamente.
— Farei os arranjos necessários. — Disse Bianca, sua voz carregada de determinação.
Eu sabia que ela cuidaria de tudo, como sempre fazia. Bianca era minha consigliere por uma razão, e eu confiava nela com minha vida.
— Obrigado, Bianca. — Agradeci, reconhecendo sua dedicação e lealdade.
Ela assentiu com um leve sorriso, antes de me lançar um olhar curioso quando me viu pegar meu paletó.
— Para onde você vai? — Ela perguntou, sua expressão carregada de curiosidade.
Eu sorri de volta, apreciando sua preocupação.
— Para o bar, atrás de Roman. Se um Rossi já causa medo, imagine o que dois podem fazer.
Um brilho divertido passou pelos olhos de Bianca, mas logo foi substituído por uma expressão séria.
— Não engravide nenhuma prostituta, per dio. — Ela disse, com um tom de advertência, mas manteve um sorriso brincando em seus lábios.
Eu ri, reconhecendo o tom de preocupação em sua voz.
— Não se preocupe, não pretendo arranjar mais problemas do que já temos. — Respondi, antes de sair do salão, deixando Bianca para cuidar dos assuntos internos da famiglia enquanto eu lidava com os externos.

[...]


Adentrei o La Tenebra com minha confiança inabalável, uma postura que tinha sido moldada pelos anos de liderança e pela herança sanguínea que corria em minhas veias. O lugar se curvava à minha presença, assim como toda a Itália, os murmúrios diminuíram até desaparecer completamente, como se o próprio ar estivesse esperando para ouvir minhas palavras.
Cada olhar, cada gesto, era um tributo silencioso à minha linhagem, um reconhecimento do poder e da autoridade que eu representava como um Rossi e, porra, como eu gostava disso. As prostitutas se ofereciam, os clientes abaixavam o olhar, e os funcionários se moviam com uma diligência ainda maior, como se temessem que qualquer deslize pudesse atrair minha ira. E podia.
— Uma bebida, por favor. — Eu disse, com a voz firme, mas calma.
A garçonete assentiu rapidamente, pude ver seus dedos trêmulos ao pegar uma garrafa de whisky e um copo. Enquanto ela servia a bebida.
Com o copo na mão, avancei em direção à ala onde Roman costumava se encontrar com suas companhias temporárias. O som abafado dos gemidos e risos misturava-se ao cheiro acre de cigarro e álcool, criando uma atmosfera de decadência e desespero.
Ao adentrar a sala, deparei-me com a cena que esperava encontrar: Roman, sentado em uma cadeira de couro, com uma prostituta ajoelhada diante dele. Mas não havia nada de erótico para ela naquele momento. Roman não parava, ao contrário. Ele estava absorto em sua própria violência, seu rosto contorcido de prazer enquanto ele infligia seu domínio de dor sobre a mulher.
— Vejo que está se divertindo, irmão. — Comentei, meu tom de voz carregado de uma malícia compartilhada entre nós.
Roman olhou para mim, os olhos brilhando com uma mistura de prazer e crueldade.
— Não há nada de errado com um pouco de entretenimento, não é mesmo? — Ele respondeu, sua voz tingida com uma frieza calculada. — Quer um pouco? Ela é bem obediente.
Uma risada escapou dos meus lábios enquanto eu me sentava na cadeira diante dos dois, observando a agonia da mulher com um certo fascínio.
— Talvez mais tarde. Estou bem apenas observando. — Respondi, minha voz ecoando com um tom de diversão. — Mas não deixe que eu o atrapalhe. Continue, por favor.
Roman sorriu, como se estivesse satisfeito com minha resposta, e voltou sua atenção para a mulher aos seus pés. Com uma expressão de dominação cruel, ele continuou a brincar com ela, aproveitando-se de sua vulnerabilidade como se fosse um direito inquestionável.
— Você é mesmo uma puta obediente, não é? — Roman disse, sua voz carregada de desdém enquanto puxava os cabelos da mulher com força, obrigando-a a se inclinar ainda mais para ele.
A mulher soltou um gemido abafado de dor, mas não protestou. Ela sabia qual era seu lugar na hierarquia brutal que dominávamos, e parecia aceitar seu destino com uma resignação que me intrigava e repelia ao mesmo tempo.
— Parece que ela gosta de ser dominada, não é, irmão? — Comentei, meu tom casual escondendo a onda de excitação que percorria meu corpo.
Roman sorriu, satisfeito com minha observação, antes de voltar sua atenção para a mulher à sua frente.
— As melhores putas são aquelas que sabem seu lugar. — Ele disse, sua voz suave e ameaçadora ao mesmo tempo. — Ela é boa, não é? — Roman perguntou, olhando para mim com um brilho de malícia nos olhos.
Eu apenas sorri, sabendo exatamente do que ele estava falando. Era uma cena familiar para nós. Éramos irmãos de sangue, ligados por laços que iam além da compreensão da maioria das pessoas.
— Muito boa. — Respondi.
Ele passou as mãos pelos cabelos escuros da mulher, forçando-a a engolir completamente o seu caralho, ela engasgou, sem ar, querendo vomitar e ele a segurou ali, jogando a cabeça para trás quando gozou na boca da mulher. Quando a soltou, subiu as próprias calças enquanto a observava recuperar o fôlego.
— Hora de ir, querida. Seja uma boa menina e nunca mais volte aqui, a não ser que eu a chame de novo, entendeu?. — Ele disse, sua voz suave, mas cheia de ameaça.
Quando ela se afastou, ainda de joelhos, havia lágrimas em seus olhos, mas ela sorriu e engoliu, limpando a boca. Em seguida abriu a boca, mostrando que realmente havia engolido tudo. Era uma mania nossa, uma segurança de que nenhuma mulher, fosse prostituta ou não, usasse nosso esperma para gerar um Rossi indesejado. Tirando Bianca, todos nós fizemos uma promessa de não termos filhos. Ela seria a única a gerar herdeiros.
Roman assentiu satisfeito. Ele a empurrou para longe com um gesto brusco, seu olhar frio e impiedoso enquanto ela se afastava, humilhada e derrotada. A mulher assentiu com a cabeça, suas mãos tremendo enquanto ela se levantava do chão e saía apressadamente do quarto.
— Você não sente pena dela? — Perguntei com curiosidade, mas mantendo um sorriso leve no rosto para o quão óbvia era aquela resposta.
Roman olhou para mim, surpreendido pela pergunta, antes de soltar uma risada.
— Pena? Por que eu deveria sentir pena de alguém que se oferece tão voluntariamente para meu prazer? Ela sabe exatamente no que está se metendo.
Eu me acomodei mais na poltrona, observando enquanto Roman se servia de uma bebida forte, sua expressão ainda estava iluminada pela diversão da cena anterior.
— Então, o que você achou dela? — Roman perguntou, lançando-me um olhar malicioso por cima do copo.
Eu apenas dei de ombros, meu interesse momentâneo na mulher já havia passado.
— Ela era boa o suficiente para a noite. — Respondi, minha voz tranquila e sem emoção.
Roman riu, antes de dar um gole em sua bebida e se juntar a mim na poltrona oposta.
— E o que mais você tem para me contar? — Ele perguntou, seu tom de voz carregado de curiosidade. — Nem fodendo você viria aqui só para ver minha diversão.
Eu me recostei na poltrona, pensando na melhor forma de revelar a notícia que eu sabia que iria surpreendê-lo.
— Vicenzo está voltando. Ele quer se juntar a nós novamente. — Anunciei, observando atentamente a reação de Roman.
Ele franziu o cenho por um momento, claramente surpreso com a notícia.
Vicenzo sempre fora uma figura controversa em nossas vidas, sua natureza imprevisível muitas vezes causava mais problemas do que soluções.
— Vicenzo? O Vicenzo? — Roman perguntou, sua voz tingida de incredulidade.
Eu assenti, confirmando a informação.
— Ele escreveu uma carta, querendo voltar para casa. — Expliquei, vendo a expressão de Roman se tornar pensativa.
Ele levou alguns segundos para processar a notícia.
— Vicenzo voltando para casa... Bem, isso deve trazer um pouco de emoção para nossas vidas. Vicenzo sempre foi bom nisso. — Ele pareceu se convencer das próprias palavras enquanto ficava com um semblante sério, perdido nos próprios pensamentos. — Merda. Isso vai ser uma verdadeira bagunça. — Ele disse, com um brilho travesso nos olhos. — Mas admito que será divertido. Ele sempre sabe como animar as coisas. — Ele disse, um sorriso brincando em seus lábios.
Eu sabia que Roman estava se preparando mentalmente para lidar com a volta de nosso irmão. Vicenzo podia ser um fogo selvagem, mas ele era um Rossi, e sua lealdade à família nunca havia sido questionada.
— Você acha mesmo que é uma boa ideia trazer Vicenzo de volta?
— Bianca acredita que é o melhor para a famiglia. — Eu disse, tentando manter um tom neutro.
O semblante dele se endureceu ligeiramente, um lampejo de descontentamento brilhando em seus olhos.
— Bianca, huh? — Ele murmurou, sua voz carregada de um leve ciúme. — E o que você acha?
Respirei fundo, ponderando sobre minhas próprias reservas em relação a Vicenzo.
— Eu acho que é arriscado, mas se ele puder ser controlado, será um trunfo para nós. — admiti, escolhendo minhas palavras com cuidado. — Por que você está tão preocupado com isso? — perguntei, estudando a expressão de Roman em busca de pistas.
Ele desviou o olhar por um momento, antes de responder em um tom um tanto áspero.
— É apenas uma preocupação com a segurança da família, . Vicenzo é maluco.
— Você estava agora mesmo falando que seria divertido. — Eu sabia que havia mais naquilo do que Roman estava disposto a admitir. Havia uma tensão latente no ar, uma faísca de ciúmes que eu não havia esperado ver em meu irmão. — É sobre Bianca, não é? — ousei perguntar, sabendo que estava pisando em terreno perigoso.
Roman ergueu o olhar, seus olhos escuros faiscando com uma mistura de surpresa e defesa.
— O que porra você quer dizer com isso, ?
— Você parece um tanto... possessivo, ultimamente — respondi cautelosamente. — Desde quando se importa tanto com as decisões de Bianca?
Ele bufou, como se a ideia o incomodasse.
— Não se trata disso. É só que... Vicenzo é imprevisível demais. E ele não tem o mesmo respeito por Bianca que nós temos.
A resposta de Roman não me convencia completamente. Ele sempre fora reservado em relação aos seus sentimentos, mas aquele traço de ciúme era algo novo. Roman nunca fora ciumento em relação a ninguém em toda sua vida, então por que tanto alarde em relação a Bianca querer Vicenzo por perto?
— Você tem alguma razão específica para desconfiar de Vicenzo? — perguntei, decidido a sondar mais fundo. — Se Vicenzo tiver feito qualquer coisa com Bianca, eu o matarei assim como mataria qualquer um de nossos inimigos.
Roman hesitou por um momento, parecendo considerar suas palavras. Finalmente, ele falou, sua voz mais baixa do que o normal.
— Claro que não. E não é sobre desconfiança, . É sobre... precaução. Vicenzo é imprevisível, e nós sabemos disso melhor do que ninguém. — Sua resposta só aumentou minha suspeita. Havia algo mais ali, algo que ele não estava me contando. — Além disso, ele destruiu Bianca quando foi embora. Ela ficou mal por meses achando que tinha sido culpada por ele ser um maluco do caralho. Eu não quero mais vê-la daquele jeito. Vicenzo pode vir, mas quanto tempo irá ficar? Bianca precisa de estabilidade, de segurança, ela está grávida e é minha obrigação manter ela e o bebê seguros. Mesmo que ele não seja uma ameaça física, ele ameaça a quietude que ela precisa ter.
— É obrigação de todos nós mantê-la segura, mas Bianca é adulta. Ela não vai morrer se ele for embora de novo.
Roman soltou um suspiro pesado, seus olhos refletindo uma mistura de preocupação e frustração.
— Eu sei. Talvez eu esteja sendo excessivamente protetor. Mas eu não posso ignorar o que vi acontecer com ela da última vez. Não posso suportar vê-la passar por aquilo de novo.
Seus sentimentos pareciam genuínos, mas ainda havia algo que ele não estava me contando. No entanto, decidi deixar o assunto de lado por enquanto. Tínhamos questões mais urgentes para resolver, e eu confiava em Bianca para cuidar de si mesma.


Capítulo 10



A curiosidade me dominava enquanto observava Bianca se mover freneticamente pela ala da mansão com uma alegria radiante estampada em seu rosto. Ela segurou minha mão com entusiasmo, me levando consigo enquanto eu tentava entender o motivo de sua agitação.
— Quem é Vicenzo? — Perguntei, tentando acompanhar seu ritmo, enquanto ela sorria como se estivesse prestes a revelar um segredo emocionante.
Bianca parou por um momento, seus olhos brilhando com uma mistura de emoções. Ela sentou ao meu lado.
— É nosso irmão. Ele partiu há alguns anos, mas está voltando. Mal posso esperar para ver todos os Rossi juntos novamente. — Ela disse, com sua voz transbordando de felicidade.
Uma pontada de inveja me atravessou, lembrando-me da solidão que me acompanhava desde que meu irmão partira. Nunca mais teria aqueles momentos de união e cumplicidade que compartilhávamos antes de tudo mudar. Ela tinha quem a acolhesse, eu nunca mais teria.
Bianca pareceu perceber minha melancolia momentânea e se aproximou, buscando conforto em suas palavras.
— Eu sei que deve ser difícil estar distante de tudo o que é familiar para você, mas é para sua própria proteção. Não sabemos quem tentou matar meu irmão e se você também não era um alvo, . — Ela explicou, sua expressão séria e preocupada.
— Por que eu seria um alvo? Eu nunca me envolvi em nada errado em toda a minha vida.
— Mas Lorenzo sim. E acredite, uma família inteira paga pelos pecados de uma pessoa. — Ela explicou, sua voz carregada de gravidade.
Meus olhos se fixaram na tatuagem no antebraço de Bianca, uma imagem intimidadora de uma faca ensanguentada com uma serpente enrolada ao seu redor, os olhos da criatura faiscando como um diamante vermelho, como uma ameaça silenciosa. As palavras em italiano gravadas na lâmina da faca ecoavam em minha mente: "Sempre Fedeli, Sempre Letali".
tinha uma dessas. Lorenzo tinha uma dessas também.
Merda, como fui tão cega? Não era apenas Bianca.
Era Bianca Rossi.
Da famiglia Rossi.
Eu não era tão ingênua a ponto de nunca ter ouvido falar da famiglia, mesmo que meu conhecimento sobre eles fosse limitado. Rumores sobre a crueldade dos Rossi se espalhavam como fogo em uma floresta seca.
Os Rossi eram uma força a ser temida, donos incontestáveis de vastos territórios na Itália e além, seu poder estendendo-se por toda a Europa. Eles eram conhecidos por sua tradição familiar, uma união feroz que transcendia tudo o mais. Mas essa união era impulsionada por uma moral duvidosa, envolvendo atividades que variavam desde o tráfico de drogas até a exploração de seres humanos. Prostituição, escravidão sexual, drogas e uma miríade de outros crimes permeavam o império dos Rossi.
— Você é da máfia. — Falei em um tom baixo, Bianca percebeu meu olhar sob sua tatuagem e rapidamente puxou o braço. — Você... Céus, como você pode?
— Como eu posso o que? — Ela perguntou, com a voz calma e suave.
— Eles abusam de mulheres, eles fazem com que elas se tornem prostitutas, vocês... vocês matam pessoas por dinheiro. Pessoas que não tem sequer como pagar por comida. Vocês....
— São escolhas deles.
Era difícil aceitar suas palavras, ainda mais vindo de alguém tão calma e controlada como ela.
— Mas como você pode justificar isso? Como pode aceitar fazer parte de uma organização que explora e destrói vidas? — Minha voz soou mais áspera do que eu pretendia, mas eu não conseguia conter minha revolta. Bianca me observou com um olhar compassivo, mas firme, como se estivesse tentando me mostrar uma verdade dolorosa que eu ainda não queria aceitar, mas era impossível. Como aceitar tamanha crueldade?
— As pessoas fazem escolhas. E às vezes essas escolhas as levam por caminhos sombrios e perigosos. Nós lidamos com as consequências, mas não somos responsáveis pelas decisões que elas tomam.
Sua resposta só alimentou minha frustração. Como ela podia ser tão passiva diante de tanta crueldade?
— Mas você é uma mulher! — Disse, quase sem acreditar nas próprias palavras. — Como pode aceitar fazer parte de algo tão degradante para outras mulheres?
Bianca suspirou, seus olhos transmitindo uma tristeza que eu não esperava ver.
— As mulheres também fazem escolhas ruins, . E muitas vezes somos forçadas a pagar um preço muito mais alto do que os homens. — Sua voz era suave, mas carregava o peso de uma experiência vivida. — Nem todos têm a sorte de poder escolher entre pagar com sangue ou com o corpo. Algumas de nós já nascem com uma dívida impagável. A vida não é justa, a justiça nunca é igual para todos, aprenda isso.
— Mas como você pode aceitar isso? Como pode aceitar que seu filho cresça nesse ambiente? — Minhas palavras eram carregadas de desespero e incredulidade.
Bianca olhou para mim com compaixão, como se entendesse minha luta interna, mas ao mesmo tempo mantivesse a convicção inabalável em suas próprias escolhas.
— Eu aceito porque sei que, de certa forma, todos nós carregamos nossas dívidas. Eu escolhi este caminho, sabendo das consequências. Meu filho não será poupado das sombras que cercam nossa família, mas isso não significa que ele esteja condenado ao mesmo destino que os outros.
Sua resposta me deixou atordoada, lutando para conciliar suas palavras com minha própria visão de mundo. A ideia de que alguém pudesse aceitar tão facilmente um destino tão sombrio parecia irreal.
— E se você estiver errada? E se ele acabar pagando pelas suas escolhas?
Bianca suspirou, parecendo pensativa diante das minhas perguntas.
— Se eu estiver errada, então será minha culpa, e eu terei que viver com isso. Essa é a diferença entre os Rossi e o resto do mundo. Não é o dinheiro, não é o poder, nós apenas estamos dispostos a pagar nossa dívida quando chegar a hora.
— Mesmo que seja seu filho?
Ela me olhou em silêncio.
— Mesmo que seja meu filho. — Sua voz era calma, mas firme, sem qualquer hesitação. — Ser um Rossi significa aceitar as consequências das nossas escolhas, não importa o quão dolorosas elas possam ser. Se meu filho acabar pagando por minhas decisões, será uma lição que eu terei que aprender da maneira mais difícil.
Senti um nó se formar em minha garganta, incapaz de compreender completamente a mentalidade que guiava os membros da famiglia Rossi.
— Mas você não acha que ele merece uma vida melhor? Uma vida onde ele não precise crescer em meio à violência e ao perigo constante? — Minhas palavras saíram mais como um apelo do que como uma pergunta genuína.
Bianca ponderou por um momento, seus olhos se desviaram para algum ponto distante enquanto ela refletia sobre minhas palavras.
— Talvez. Mas essa é a vida que nos foi dada, . E cabe a nós fazer o melhor com o que temos.
— E o pai do seu filho? Ele concorda com isso?
— Não importa o que ele pensa. — Sua voz era firme, determinada. — Ele e eu temos muitos pecados a pagar. Vou garantir que essa criança não tenha, ou, se os tiver, que não seja consumida por eles, como eu fui. Como o pai dele é.
Dei um aceno com a cabeça, não sabendo mais o que questionar. Eu admirava o lado Bianca mãe, talvez porque a minha mãe nunca teve esse lado. Minha mãe não queria me impedir de ter pecados, ela me obrigada a tê-los. Em seguida fui para o quarto que designaram para mim, para ser vigiada tal qual a prisioneira que eu era.
Segurei o choro, prendendo-o na garganta. Era a única coisa que eu podia fazer com ele.
Desde nova vivenciei a completa falta do amor materno, mas tinha Lorenzo para dividir isso comigo. Vivenciamos muitos conflitos, dentro e fora de casa. E sempre que nossa mãe e o nosso pai gritavam um com o outro, gesticulando com raiva um para o outro e se atacando fisicamente, tudo que eu pensava era que a culpa era minha. Claro que eu, a criancinha assustada que pedia colo e comida, devia ser a culpada disso. As emoções que testemunhava sempre eram instáveis, incoerentes e exageradas. Eu não entendia aquilo, eu não entendia a raiva, eu não entendia a quantidade de homens que passavam pela cama da minha mãe, nem porquê aquilo acontecia, então presumia apenas que era minha culpa. O jeito que meu pai me olhava, parecia aumentar essa sensação. Lorenzo sempre dizia que não era minha culpa, mesmo quando era.
Céus, eu sentia tanta falta dele.
Acho que depois da morte de Lorenzo, virei uma máquina. Escondendo tudo. Abafando tudo, tentando não sentir nada. Antes eu tinha ele; depois dele não tive mais ninguém. Era só eu, sendo culpada de mais um tudo de coisas que aconteceram. Talvez por isso eu odiasse tanto a Famiglia e não conseguisse entender nada do que faziam.
Minha mãe era uma prostituta que escolheu pagar suas dívidas com o próprio corpo. Meu pai era um bêbado agressivo e violento e meu irmão… Bom, acho que nunca soube o que Lorenzo era. Ele não devia ter se envolvido com gente assim, ele sempre foi bom demais para isso tudo.
Enquanto me deitava na cama do quarto que estava, olhei ao redor. A mansão dos Rossi era um lugar de luxo e opulência, mas para mim, era uma prisão dourada. Bianca parecia aceitar sua vida com uma serenidade que eu não conseguia compreender. Talvez isso fosse a força dos Rossi. A habilidade de aceitar o peso de seus pecados e seguir em frente, sem olhar para trás. Mas para mim, a dor era uma ferida sempre aberta, uma lembrança constante de tudo o que eu tinha perdido e de tudo o que temia perder. E a dor é muito perigosa quando anda de mãos dadas com a culpa.


Capítulo 11



Havia se passado dois dias desde a minha conversa com Bianca, as coisas não pareciam ser as mesmas. Agora, tudo que eu conseguia enxergar, era a maldade envolta na rede de negócios dos Rossi.
Independente do que eu achava, Lorenzo tinha uma tatuagem que dizia que ele era um deles, eu só precisava saber por quê.
Entrei no escritório de sem bater, determinada a ter algumas respostas. Ele estava curvado sobre a mesa, estudando algum documento com uma intensidade que demonstrava a importância do que quer que estivesse em suas mãos. Ao perceber minha presença, rapidamente escondeu o documento em uma gaveta e se endireitou, os olhos estreitando-se com uma mistura de irritação e surpresa.
Sem cerimônia, sentei-me na borda da mesa, cruzando os braços e olhando diretamente para ele. me observou com uma expressão de desaprovação, mas permaneceu em silêncio, claramente incomodado com a minha presença.
— Sabe que isso é falta de educação, não é? — Ele disse, com um tom seco.
Dei de ombros, despreocupada.
— Sei que você é da máfia. Educação é o menor dos nossos problemas.
Ele ficou sem reação por um momento, depois arqueou uma sobrancelha.
— Você sempre gosta de se sentar nas coisas que não deve?
Sorri, provocativa.
— E você sempre esconde documentos quando alguém entra? Parece suspeito.
Ele se inclinou para trás na cadeira, cruzando os braços.
— O que você quer, ?
— Respostas. — Respondi sem rodeios. — Por que vocês estão tão preocupados comigo? Sei que vocês deixam pessoas morrerem por bem menos. Por que me proteger?
respirou fundo, mantendo os olhos fixos nos meus como se ponderasse a resposta que queria dar e a que deveria.
— Você é importante por causa de Lorenzo. Ele fez sacrifícios pela famiglia, e isso significa que temos uma dívida com ele.
— Isso não responde à minha pergunta. — Retruquei, sem me deixar convencer. — Pessoas sacrificam suas vidas o tempo todo por vocês. Por que eu sou diferente?
Ele me observou por um momento, como se ponderasse mais uma vez a melhor forma de responder.
— Porque Lorenzo nos pediu para protegê-la. E porque, apesar de tudo, temos um senso de honra. Não podemos deixar uma promessa não cumprida.
Bufei, sentindo a frustração aumentar.
— E o que acontece comigo agora? Fico aqui, trancada, esperando que decidam meu destino? Seja lá qual dívida você tem com o meu irmão, eu não quero ser uma prisioneira na gaiola de luxo dos Rossi. — Insisti, deixando claro meu descontentamento com toda aquela situação, eu não tinha pedido isso e definitivamente não lidaria com isso.
se inclinou para frente, seus olhos penetrantes encontraram os meus. Não gostava quando ele me olhava assim, eu me sentia cheia. Inteira. Pesada. E isso era estranho já que na maior parte do tempo eu só tinha um vazio familiar.
— E você acha que pode simplesmente escolher como se estivesse em um conto de fadas? Aqui, cada escolha tem consequências. Estou tentando evitar que você pague um preço que não merece.
Fico em silêncio por um tempo, mas não sei dizer por quanto tempo.
— Você… — Penso em xingar , penso em falar que se Lorenzo não tivesse entrado nessa vida, ele não estaria morto, mas não consigo. Minha voz saiu num sussurro, quase suplicante. Lorenzo era meu irmão e eu não sabia que ele estava envolvido com a porra da máfia italiana. Ele era meu irmão e eu não sabia que os Rossi tinham uma dívida com ele. Ele, que sempre me protegeu de tudo, morreu sem que eu ao menos soubesse o motivo. Eu não conhecia Lorenzo, sim. — Você pode me contar mais sobre ele?
Fiquei desconfortável com a forma minuciosa que ele me olhou, como se estivesse examinando cada centímetro do meu rosto, me encolhi sob seu olhar. Eu não estava acostumada a mostrar a minha vulnerabilidade, mas também não conseguia escondê-la muito bem daquele Rossi.
— Por que isso é tão importante para você? Lembrar dele não vai trazê-lo de volta.
— Porque ele era meu irmão. — Minha voz tremia ligeiramente, e uma lágrima solitária escapou furtivamente dos meus olhos. — E há coisas sobre ele que eu não consigo lembrar, coisas importantes, coisas que eu não deveria esquecer porque, quando amamos alguém, lembrar dela é importante.
Meus olhos se encontraram com os de , e por um instante, vi algo além da habitual expressão indiferente que sempre estava no seu rosto. Havia compaixão ali, uma compreensão silenciosa.
Envergonhada pela minha própria vulnerabilidade, desviei o olhar, tentando ocultar as lágrimas que ameaçavam transbordar. Mas sabia que ele havia visto além das minhas defesas. Eu me senti exposta, como se ele pudesse enxergar através de todas as minhas máscaras e ler os segredos escondidos em meu coração. Suas malditas pupilas escuras pareciam penetrar a minha pele e eu me perguntava o que ele via quando me olhava daquela forma, o que ele percebia nas profundezas da minha alma.
— Lorenzo era… — começou, sua voz era um tanto hesitante. Ele me olhou novamente e então continuou. — Justo. Ele tinha um jeito peculiar de lidar com as coisas, sempre estratégico, sempre um passo à frente. Era como se ele enxergasse o jogo de xadrez da vida de uma maneira que a maioria de nós simplesmente não conseguia. Às vezes, acho que ele se importava demais com as pessoas ao seu redor, o que o levava a se sacrificar mais do que deveria, mas no fim, tinha um coração generoso e uma força de vontade inabalável. Tenho certeza de que você também deve se lembrar disso.
— Obrigada. — Falei de forma simples, ele me olhou confuso. Impedi que as lágrimas caíssem porque já me sentia despida demais na frente dele sem precisar me derramar água para isso. — Por compartilhar.
Ele acenou a cabeça e eu saí, porque sair dali era a única coisa que podia fazer por mim mesma agora.


Capítulo 12

Rossi


Observo-a se afastar após nossa breve conversa e, vendo o seu choro preso na garganta, penso que não há muito o que fazer. Me pergunto se minhas palavras haviam tocado em alguma coisa dentro dela, se tinham feito alguma diferença. A sua vulnerabilidade me fez, desesperadamente, querer ajudá-la, mas não tinha nada que eu pudesse fazer. Eu, entre todas as pessoas, era incapaz de oferecer mais do que algumas características superficiais sobre ele. Lorenzo era um amigo, um aliado, um executor, mas não era assim que tinha que se lembrar dele.
— Quanto tempo ela vai ficar aqui? — Ouço a voz de Roman enquanto ele se encosta na porta, dou de ombros sem saber a resposta.
— O necessário.
— Então é hoje que Vicenzo chega? — Sua pergunta tinha um tom de desconfiança, eu conhecia Roman, sabia que ele estava escondendo algo. Mas, como sempre, ele mantém seus próprios segredos, assim como eu mantenho os meus. — Espero que Bianca saiba o que está fazendo.
Como se pressentisse que seu nome seria citado, Bianca aparece atrás do nosso irmão no corredor. Ela o encara por alguns segundos com a típica cara de repreensão antes de passar por ele e entrar no escritório.
Pupetto, não seja tão dramático. Vicenzo pode ter suas características, mas ele só vai nos agregar. — Sua voz soa calma e confiante, me pergunto se ela realmente acredita nisso.
— Ele já sabe da sua gravidez surpresa?
Bianca pareceu hesitar por um momento, seus olhos encontraram os de Roman antes de ela responder, revelando um desconforto sutil que raramente demonstrava.
— Se aceitou, tenho certeza que Vicenzo aceitará. — Sua resposta foi evasiva, mas pude perceber a tensão em suas palavras.
Roman não pareceu convencido, sua expressão permaneceu séria e desconfiada. Ele cruzou os braços, olhando fixamente para Bianca.
— A diferença entre eu e Vicenzo, é que nem fodendo ele vai ignorar a paternidade dessa criança, sorellina.
— Bom, ele não terá outra escolha. Eu não permitirei que façam um exame de DNA no meu filho e, se fizessem, com quem iam compará-lo?
Meu telefone acende, mostrando a notificação em suas mensagens, sorrio com um certo tom de desdém sabendo que por mais fodida que nossa família fosse, sempre tinha como piorar.
— Bem, parece que teremos a chance de descobrir em breve. Vicenzo acabou de chegar.
Assim que saímos do escritório, seguimos pelo corredor em direção à grande sala, onde aguardávamos a chegada de Vicenzo. Quando ouvi o barulho de gritos e móveis se batendo, soube imediatamente que ele já tinha entrado na mansão. Ele era conhecido por sua impulsividade e seu temperamento volátil, sua chegada certamente não passaria despercebida com uma personalidade dessas.
— Ei, seus bastardos filhos da puta. — Sua voz ecoou tão alta, imponente e carregada de loucura quanto antes.
Ele se aproximou de Roman, abraçando-o antes de vir em minha direção. Ao avistar Bianca, uma sombra passou por seu rosto, mudando completamente sua expressão.
— Que porra é essa? — Seus olhos se fixaram na protuberância evidente no ventre dela e, apesar da tensão, a menor sorriu para ele. — Pupa, o que caralhos é isso?
— Não chame meu filho de ‘isso’. É o seu sobrinho. — Ela retrucou. Vicenzo a estudou por um momento antes de se aproximar, com um cuidado quase cômico, como se temesse que tocar sua barriga fosse desencadear uma explosão.
Ragazzo, ! Eu sumo por um ano e você não consegue proteger nossa irmã? Quem foi o desgraçado? Espero sinceramente que já esteja morto a essa altura. — Ele disparou, enquanto eu lhe servia um copo de whisky.
— Não sabemos. Ela não quis contar. — Murmurei, dando de ombros.
— E por que diabos não matou todos? Quando eu saí daqui, ela ainda era virgem. — ele continuou, com um misto de incredulidade e raiva. — Cazzo, eu estava esperando voltar e encontrar a família unida, não isso. — Ele murmurou, mais para si mesmo do que para nós, enquanto levava o copo de whisky aos lábios e tomava um longo gole.
— Vamos discutir a paternidade do nosso sobrinho depois. — Murmurei, enquanto enchia os copos com whisky. Lancei um olhar de lado para Bianca, que me encarou com uma expressão que poderia congelar o inferno. Rapidamente, virei-me para Roman, oferecendo-lhe o copo. — Ou não. — Acrescentei, sabendo que a paternidade do bebê era um assunto delicado demais para ser tratado naquele momento, ou para qualquer outro momento. — Seu olhar ficou mais suave, então pude continuar. — O que importa é que estamos com problemas. Tentaram me matar a alguns dias. — Ele permaneceu em silêncio, esperando que eu continuasse. — O capo dos Sonettos está na nossa sala. Roman não esperou você chegar para começar.
— Esse loiro dos infernos nunca espera. — Vicenzo alfinetou, provocando nosso irmão que apenas sorriu com a provocação.
O loiro reagiu com um olhar carregado de sarcasmo, mas optou por não responder.
Roman era o único loiro entre nós quatro e, na maioria das vezes, ignoramos esse fato. Exceto Vicenzo, que não perdia uma oportunidade de provocá-lo ao trazer a cor diferente do cabelo de nosso irmão.
Todos tínhamos a mais plena consciência de que Roman era o estranho entre nós, a porra de cabelos dourados em meio à escuridão de cabelos negros do Rossi. Ele era o filho dos Scarpelli, uma família aliada conhecida por controlar os cassinos e a máfia em Las Vegas. Os Scarpelli, com seus cabelos loiros como ouro, eram uma lenda na cidade do pecado, mas a ascensão dos Rossi acabou os incomodando.
E como tudo na vida, seu domínio tinha um preço e esse preço era a vingança. Giorgio Rossi, meu pai, se certificou disso.
Quando a aliança foi ameaçada por uma possível traição dos Scarpelli com os russos, meu pai cuidou para que a traição nunca chegasse a acontecer. Durante um casamento, que ficou conhecido como o Banquete de Sangue de Las Vegas, Giorgio orquestrou um massacre que dizimou metade dos Scarpelli, depois caçou o restante. Roman, então com apenas dois anos de idade, foi poupado da carnificina, mas não escapou ileso. Ele foi queimado, cortado e machucado para provar que merecia sua vida. A partir daquele dia, ele se tornou um órfão, um sobrevivente que carregava o peso dos mortos em seus ombros.
Meu pai o poupou, motivado pela necessidade de um herdeiro já que Giorgio Rossi, não suportou a ideia de finalizar seu legado com uma filha mulher. Ele precisava de mais um homem já que não sabia se Vicenzo e eu sobrevivemos às sessões de facas, afogamentos e espancamentos. Bianca tinha acabado de nascer e, bom, ninguém espera que uma mulher assuma a máfia.
Roman nunca teve a chance de escolher seu próprio destino e, apesar de sua origem, ele se tornou um Rossi. Seus cabelos loiros sempre seriam um lembrete do sangue dos Scarpelli, uma lembrança constante de tudo o que ele nunca pôde ter.
Eu sempre me perguntei como seria crescer sabendo que você é o último remanescente de uma família massacrada.
Eu certamente buscaria vingança se fosse ele.
Mas, para nós, ele era apenas Roman.
Um Rossi de sangue.
Um Rossi de coração.
E, no final das contas, isso era tudo o que importava.


Capítulo 13



— Ficou entediada com os seus irmãos? — Perguntei, assim que Bianca entrou no quarto em que eu estava acomodada e sentou-se no colchão.
— Um pouco, às vezes eles me irritam. Eles estão se divertindo agora.
Balancei a cabeça, de forma pensativa. Devia ser estranho para ela estar sempre cercada de homens tão frios e violentos. Ela parecia solitária.
— Por que você não sai? — Ela me olhou confusa, acho que sem saber se estou expulsando-a do meu quarto. — Digo, disso tudo. Eu não vejo você sair de casa.
Ela sorriu de maneira terna, mais aliviada, eu acho.
— E para onde eu iria? Tenho uma barriga de quase oito meses de gravidez, não sou casada e certamente sou um alvo fácil no atual estado. Fora que as pessoas não reagem bem a alguém da famiglia com um filho no ventre e nenhuma aliança no dedo.
— Vocês não podem fazer simplesmente o que querem?
— Talvez, mas não é isso que nos traz respeito. As pessoas confiam em nós porque seguimos a tradição, porque lhes damos segurança, apesar de tudo. Se não tivermos uma mulher virgem para oferecer em troca de um matrimônio, então como poderemos garantir uma continuidade? Se eu faço isso, então todos podem fazer.
— Então vai se esconder e esconder seu filho pra sempre? Achei que você fosse mais… corajosa.
Bianca soltou um suspiro pesado e desviou o olhar, parecendo perdida em seus próprios pensamentos.
— Coragem não é simplesmente fazer o que queremos. Às vezes, é fazer o que precisamos. A tradição e a honra são tudo para nós. Eu não posso fugir disso, mesmo que quisesse. E a verdade é que não quero. Meu filho vai crescer com a proteção da famiglia, mesmo que isso signifique que eu precise me sacrificar.
Havia tristeza em suas palavras, algo que eu nunca tinha realmente percebido antes. A responsabilidade de carregar o peso de uma linhagem tão implacável parecia esmagadora. Eu não conseguia imaginar o que era crescer com a expectativa de ser um Rossi, ainda mais sendo a única mulher.
— Bom, vim para dizer que temos mais um Rossi em casa, para que não se assuste caso esbarre com ele. E soube que falou com você sobre Lorenzo.
— É, ele tentou, mas não sei se suas palavras definiram muito bem o meu irmão. Não pareceu ser quem eu conhecia.
Bianca sorriu de forma meiga, aproximando sua mão da minha e acariciou a região com cuidado.
— Eu posso falar dele, se quiser. — Acenei, sem saber muito bem o que responder. — Lorenzo era gentil, ele não gostava que pessoas inocentes se machucassem. Ele nunca machucou nenhuma mulher em toda sua vida. Ele era muito leal e confiável, acho que isso era o que eu mais gostava nele. Além disso, ele gostava muito de você.
Senti as emoções borbulhar em meu peito e me agarrei na cama, com a mão que podia, para não chorar. O nó se formou em minha garganta e meus olhos começaram a arder com as lágrimas que eu não deixava cair. Desviei o olhar, tentando manter a compostura.
— É difícil lembrar dele, sabe? — Disse, minha voz quase um sussurro. — Às vezes, sinto que estou perdendo as memórias, que ele está se afastando de mim.
Bianca apertou minha mão com um pouco mais de força, como se quisesse me ancorar no presente.
— Ele nunca vai se afastar de verdade, . Lorenzo vive em você, nas suas lembranças, mesmo que poucas, e nas suas ações. Você é uma parte dele, assim como ele era uma parte de você.
— Obrigada, Bianca. — Murmurei, sinceramente. — Acho que eu precisava ouvir isso. Eu posso te pedir uma coisa? Já que vou ficar aqui, me deixe ajudar em qualquer coisa? Eu não aguento mais ficar sozinha e me sentir um peso.
Bianca hesitou por um momento, pensando na minha proposta. Depois, um sorriso brincou em seus lábios.
— O La Tenebra precisa de uma garçonete, você estaria segura lá. Tenho certeza que Vicenzo vai querer voltar às lutas e, per Dío, preciso de alguém para ficar de olho nos meus irmãos. Algo me diz que vão ficar cada vez mais ausentes agora que esses três problemas estão juntos de novo. Não sei se alguém pode realmente vigiar aqueles três, mas toda ajuda será bem-vinda. Só não se meta em problemas que não possa resolver, okay?
Nos dias que se seguiram, minha rotina mudou drasticamente. Acordava cedo, ajudava Bianca com pequenas tarefas e, à noite, trabalhava no La Tenebra. O bar era um lugar de contraste – vibrante e sombrio, ao mesmo tempo, era uma mistura de música alta, luzes difusas e uma clientela que variava entre homens com seus ternos nada inferiores a menos de dez mil dólares, apostadores e alguns poucos inocentes que se aventuravam. Ah, e também tinha muita, muita prosituição.
No início, me senti deslocada, mas logo percebi que aquele ambiente caótico tinha uma estranha sensação de pertencimento. Observava os irmãos Rossi em ação, principalmente e Vicenzo, enquanto Roman cuidava dos negócios com a frieza calculada que sempre o caracterizou.
De forma impressionante, acabei me aproximando um pouco mais de Vicenzo. Ele era um pouco impulsivo, muito divertido e, às vezes, assustador para cacete.
Uma noite, enquanto eu limpava um copo atrás do balcão, Vicenzo se aproximou e se jogou numa cadeira, observando-me com um olhar curioso.
— Não achei que fosse levar a sério a ideia de trabalhar aqui. — Disse ele, com um sorriso provocador.
— Por que não?
parece… intrigado com você. Não imaginei que ele fosse permitir.
— Não é porque ele salvou minha vida que ele manda nela. não é meu dono.
— Olhe para os lados, Alecsia. — A forma que ele chamava meu nome era diferente, tinha um sotaque mais puxado, um ‘C’ mais travado. Eu achava bonitinho, contrastava com os olhos sombrios e a cicatriz imensa que ele tinha próxima do olho. Ele era o mais impulsivo dos irmãos, mas também o mais sincero, o que o tornava estranhamente reconfortante. — Quantos homens estão te olhando? Eu olhei ao meu redor, em seguida para minha aparência. Não que eu estivesse olhável com uma blusa enorme cinza e uma calça rasgada, mas ainda assim, eu não era feia. Olhei para ele, sem entender onde a conversa nos levaria.
— Está me chamando de feia?
— De forma alguma, você é maravilhosa. Especialmente quando está com os dois dobermans ao seu lado e uma roupa que mostra muito das suas coxas, mas ninguém te olham porque você entra e sai da casa dos Rossi. Você é propriedade dos Rossi agora, só não percebeu ainda. De qualquer forma, é bom saber que alguém está de olho neles. Especialmente Roman. Ele tem uma certa tendência a se meter em encrenca.
— Ele é cuidadoso. — Respondi, ignorando todo o comentário anterior, enquanto observava Roman do outro lado do bar, onde ele estava em uma conversa séria com um grupo de homens de aparência suspeita. Tudo neles era suspeito.
— Cuidadoso demais, às vezes. — Vicenzo murmurou, mais para si mesmo.
Olhei para Vicenzo, estudando seu rosto. Ele tinha uma expressão difícil de ler. sempre tinha indiferença no rosto, Roman sarcasmo, mas Vicenzo… Eu nunca sabia o que esperar dele.
— Você não parece confiar muito nele.
— Eu confiaria minha vida a qualquer um dos meus irmãos, mas sei quando tem algo errado. pode ter a inocência vedada, mas eu não tenho o coração tão bom assim. Não tenho coração bom de jeito nenhum.
— Posso te fazer uma pergunta? — Perguntei, desviando meus pensamentos de Roman. — Por que você luta? É tão… visceral.
Vicenzo me olhou, seus olhos escureceram quase imediatamente.
— Cada um de nós carrega seus próprios demônios. Eu luto com os meus. — Disse ele, sua voz baixa e sombria.
Ele se levantou da cadeira com um sorriso torto no rosto, parecendo mais animado do que nunca, se despediu com um aceno de cabeça e se dirigiu ao vestiário, onde trocaria de roupa e se prepararia para entrar no ringue. Seu sorriso era quase maníaco.
Me pergunto com qual demônio Vincenzo Rossi lutaria hoje; culpas por escolhas feitas? Memórias? Ou simplesmente a sede insaciável por poder e controle que parecia consumir todos os Rossi?


Capítulo 14

Rossi

br>Observo a reação rápida de Vicenzo no ringue. Ele desviava com agilidade e atacava com força. Talvez por isso ele sempre tenha sido o Rossi mais perigoso entre nós. Era improvável me vencerem, era muito difícil vencerem Roman, mas vencer Vicenzo era impossível.
Entre nós quatro, ele sempre teve a fama de ser o mais cruel. Não porque sentia menos, mas porque era mais passional. Isso muitas vezes fazia com que ele perdesse o senso entre tortura para informações e tortura por diversão. Para ele, as duas coisas eram indissociáveis. E não importava qual fosse o resultado desejado, tudo acabava em morte. Vicenzo era a personificação da morte. O sangue no ringue comprovava isso.
Bato palmas, ainda sentado na mesa que ficava em frente ao espetáculo de luta que acontecia. O homem que lutava contra meu irmão estava deitado no chão, apagado, com o rosto coberto de sangue e cicatrizes que nunca mais sairiam do seu corpo. Vicenzo gritava, pulava e subia na parte de ferro, gritando. O público ia à loucura, clamando por ele, pelos Rossi. O apostador sorria largo, mostrando que tínhamos faturado uma boa grana.
Procuro Roman com os olhos. Rapidamente o vejo entrando na sala de bilhar com duas prostitutas ao seu lado. Todos tínhamos que nos aliviar de alguma forma. Roman procurava sexo, Vicenzo procurava violência e eu... bom, eu gostava de procurar vingança. O que viesse no meio disso era lucro.
Olho para o balcão, buscando com os olhos e me preocupo quando não a vejo. Estávamos vulneráveis. Precisávamos mantê-la por perto, só assim evitaríamos problemas e eu poderia cumprir a porra da minha promessa. Levanto-me da mesa, caminhando até onde ela deveria estar. Nada.
Aproveito a concentração de todos e desço para a parte interna do lugar. Havia uma escada que dava para o estoque. A outra garçonete não ousou se incomodar com onde eu andava e o dono do bar não seria louco a ponto de me desafiar. Eu era um Rossi e, além disso, eu era o Don deles.
Desci as escadas ouvindo murmúrios, gemidos doloridos e desesperados. Rapidamente coloquei a mão na cintura, pegando uma das minhas facas mais fáceis enquanto a arma permanecia intacta, apenas aguardando sua vez também. Quando saí pelos fundos, próximo a uma lixeira, percebi um homem agarrando . Ela não queria estar ali. Pela forma que se debatia, isso era claro. Quando ela me viu, fiz sinal para que ficasse calada. Não queria que o filho da puta corresse.
— Brincando com algo que não é seu, Leon? — disse, com a voz firme e fria, pronto para um pouco de diversão. O homem se virou, ainda segurando . Seus olhos se arregalaram ao me ver, e ele empalideceu instantaneamente.
— Eu... eu não sabia! — gaguejou, soltando rapidamente e levantando as mãos em sinal de rendição. — Eu não sabia que ela era propriedade dos Rossi! Por favor, me perdoe!
caiu no chão, ofegante, enquanto o homem continuava a tremer. Seus olhos imploravam por misericórdia, mas eu não estava com paciência para clemência. Eu nunca estava.
— Você já me viu perdoando alguém? — murmurei, me abaixando para pegar uma corrente de metal no chão. — Parece que você tem muito a aprender.
Antes que ele pudesse responder, envolvi a corrente ao redor de seu pescoço e o arrastei para cima. Seus gritos de dor e desespero ecoavam pelo beco, seu corpo se debatia e conforme ele se enforcava as mãos iam para a corrente de forma desesperada, mas eu o ignorei. A forma que ele tentava lutar pela sua vida era patética.
se levantou, ainda trêmula, e eu fiz sinal para que subisse de volta ao bar. Ela assentiu, correndo escada acima. Arrastei o homem até a arena, sua respiração se tornando mais errática a cada passo. Ao chegar, Vicenzo ainda estava comemorando sua vitória. O público estava eufórico.
— Vicenzo! — chamei com um assobio, jogando o homem ao chão no centro do ringue. O público caiu em silêncio, curioso. — Tenho um presente para você.
Vicenzo desceu da parte de ferro, seus olhos brilhando de curiosidade e excitação. Ajoelhei-me ao lado do homem e sussurrei no ouvido de meu irmão:
— Ele estava tentando algo com . Algo que ela não queria.
A expressão de Vicenzo mudou instantaneamente. Um sorriso cruel se formou em seus lábios enquanto ele se dirigia ao centro do ringue, olhando para o homem que gemia no chão.
Levantei-me e fui até , que estava parada perto da escada, tremendo. Segurei-a pelos braços e a fiz encarar meus olhos.
— disse, minha voz baixa e intensa. — Você quer que ele viva? — Ela ficou em silêncio, os olhos arregalados, sem saber o que responder. O medo e a confusão eram evidentes em seu rosto. — Não precisa responder. — murmurei, virando-me para Vicenzo. — Mate-o. Faça dele um exemplo para que ninguém toque no que pertence aos Rossi.
Vicenzo não perdeu tempo. Com um movimento rápido, ele agarrou o homem pelo pescoço e começou sua execução brutal. Cada golpe era recebido com mais aplausos e gritos do público. Ele alternava entre as mãos e a faca, sempre muito hábil em qualquer ferramenta que usasse. O sangue espirrava, manchando novamente o chão, enquanto o homem gritava em agonia.
virou o rosto, mas não conseguiu evitar ver parte da cena. De repente, ela saiu correndo, esbarrando nas pessoas enquanto se dirigia ao banheiro. Fui atrás dela, ignorando os olhares curiosos e os murmúrios ao meu redor. Quando encontrei-a no banheiro, ajoelhada no chão, vomitando. Segurei seus cabelos para trás e esperei até que ela terminasse. Quando finalmente parou, ajudei-a a se levantar.
— Vai ficar tudo bem — disse, tentando acalmá-la. — Ele não vai mais te machucar. Ninguém vai.
Ela assentiu, ainda trêmula. Depois, com uma expressão de raiva, afastou-se de mim.
— Você é doente — disse ela, a voz trêmula, mas cheia de determinação. Essa mulher só podia ser louca. Louca pra caralho. Eu protegi ela, por que ela estava me atacando?
— Aquele cara tentou abusar de você. Ele é o doente aqui, não eu.
— Eu não sou sua propriedade. Não venha dizer que faz essas coisas porque quer me proteger porque isso não é verdade. Você faz isso por prazer, Rossi. Porque gosta de ver sangue, porque se deleita com os olhos de desespero, de medo. Você é um monstro.
— Monstro ou não, ele nunca mais vai tocar em ninguém da forma que tocou em você. Por isso, você devia agradecer.
— Agradecer? Agradecer por você ser um assassino cruel e psicopata? Foi isso que fizeram com o Lorenzo? Meu irmão morreu assim? — Permaneci em silêncio quando o nome de Lorenzo foi mencionado. — Lorenzo era bom. Ele nunca deveria ter cruzado o caminho com os Rossi. Nunca.
Minha paciência se esvaiu completamente. Agarrei seu braço com força, puxando-a para mais perto de mim.
— Você realmente quer saber a verdade, ? — murmurei, a voz fria e baixa. — Lorenzo não era a pessoa boa que você pensa. Ele adorava o que fazia. Adorava o poder. Ele era tão monstruoso quanto qualquer um de nós. E ele escolheu estar ao meu lado. — Ela me olhou com uma mistura de horror e descrença, tentando se soltar do meu aperto.
— Você está mentindo! — gritou, a voz cheia de dor. — Lorenzo era bom! Ele nunca faria essas coisas! Você o transformou nisso!
Apertei mais forte, aproximando-a mais de mim.
— Lorenzo era meu executor, . O que você viu Vicenzo fazer? Era Lorenzo que fazia. E ele era muito pior do que você imagina. Vicenzo não toca em mulheres, Lorenzo adorava fazê-lo. Você fala que eu sou um monstro porque determino quem vive? Saiba que era seu irmão que cumpria as minhas ordens. Você fala do meu sangue podre, mas que tal enxergar o seu? O mal pode percorrer as minhas veias, mas você não está nem um pouco livre disso. Ele percorre as suas também. — Quanto mais eu falava, mais me aproximava. Minha respiração ficou tão próxima que eu sentia o calor da respiração dela no rosto. O maldito cheiro de hortelã que saia de sua boca.
— Você está mentindo. — Repetiu, ainda mais incrédula que a última vez.
— Por que eu mentiria sobre isso, ? — perguntei, olhando diretamente em seus olhos. — Lorenzo estava conosco porque ele queria. Ele tinha uma escuridão dentro dele que nem você pode imaginar. E eu tenho muitos vídeos que comprovam isso. Lorenzo era meu executor porque ele queria ser. Porque ele gostava. Porque assim como todos os Rossi que você despreza, ele derramou sangue para se tornar um de nós. Porque, no fim, ele sentia prazer.
Ela me olhou, a raiva e a confusão ainda evidentes. Sabia que as palavras dela não mudariam nada. E mesmo que negasse, algo dentro de si parecia reconhecer a verdade amarga.
— Eu odeio você — sussurrou, com a voz embargada.
— Talvez — respondi, meu tom imperturbável. — Mas você ainda está viva. E eu vou garantir que continue assim. Eu estou tentando te manter fora desse abismo, mas se você continuar me desafiando, talvez seja eu que te jogue nele.
levantou para sair, mas parou na porta com seu corpo tremendo de raiva.
— Eu não vou permitir que você me controle como controlou Lorenzo.
— Eu não controlei o seu irmão. Ele escolheu aquele caminho, ele gostava daquele caminho e ele era muito bom nisso.
— Escolheu? — ela riu de forma amarga. — Você o manipulou, o moldou, até ele não ser mais nada além de uma extensão sua. O Lorenzo que eu conheço jamais mataria um homem a sangue frio como Vicenzo faz.
— E qual Lorenzo você conhece? Até onde me lembro, estava pedindo para eu te lembrar quem ele era. Estou falando em alto e bom som agora. Ele escolheu a vida que levou. Você está viva por causa das decisões que ele tomou, . E você vai continuar viva por causa das minhas.
— Eu nunca vou perdoar você. Você está manchando a memória dele. A bondade dele.
— Eu não preciso do seu perdão. Eu preciso que você entenda que a única razão pela qual você ainda respira é porque eu decidi assim. E enquanto eu estiver aqui, ninguém vai tocar em você.
Ela me empurrou, cheia de raiva e frustração.
— Eu não sou sua prisioneira! Eu não pedi por sua proteção. E eu certamente não estou disposta a pagar o preço que você exige por ela.
Sem hesitar, avancei em sua direção e a puxei pela cintura, aproximando-a de mim com força. Necessitando, por algum motivo, do cheiro de hortelã no meio rosto novamente.
se debateu em meus braços, tentando se libertar enquanto sua respiração se tornava irregular. Um sorriso brotou em meus lábios quando ela se desequilibrou, ficando fraca em meus braços, alimentando minha diversão com sua reação.
— Parece que você ainda não entendeu, . — murmurei, sentindo seu corpo tenso sob meu toque. Minhas mãos deslizaram pela sua lombar e subiram pelo seu braço, ajustando a fina alça do vestido. — Você pertence a este mundo agora. E aqui, quem dita as regras sou eu. — Sua pele se arrepiou sob o meu toque. Sua respiração ficou mais ofegante e eu não precisava de mais que isso. Eu tinha fodido muitas bocetas, visto muitas reações corporais. Por mais que ela negasse, era evidente sua falta de controle quando estava perto de mim. Eu só não entendia porque eu correspondia tão bem.
— Pode se sentir poderoso agora, mas um dia sua arrogância será sua queda.
Meu sorriso se alargou, satisfeito com sua reação desafiadora. Eu gostava quando ela me desafiava. Era fácil manter todos sob controle, mas tinha algo excitante para caralho em ver o descontrole de .
— Talvez você esteja certa. Mas até lá, você estará sob minha proteção. E sugiro que não se esqueça disso. E nunca mais use a porra deste vestido para vir trabalhar. Da próxima vez que colocá-lo, eu mesmo o arrancarei de você.


Capítulo 15



Idiota. Arrogante. Estúpido. Soberbo.
Eu conseguia pensar em muitos adjetivos para , e nenhum deles era bom. era a personificação de tudo que eu mais detestava em alguém. Ele era bruto, insensível e, para completar o meu pesadelo, era chefe de uma máfia. Como alguém assim podia ser o herói em qualquer situação?
Eu ainda tremia de medo, raiva e frustração. Ele tinha acabado de tirar de cima de mim um possível abusador, mas ao invés de me sentir agradecida e ver ele como um herói, como ele achava que era, eu só conseguia pensar no quão profundamente ele me irritava. O modo como ele lidou com a situação, brutal e sem remorso, me deixou enojada. Ele não era um salvador, apenas um monstro diferente do que acabou de matar. A maneira como ele arrastou o homem para Vicenzo, como um verme desprezível que precisava apenas morrer, me fez perceber que ele não fez isso para me proteger, mas sim para reafirmar seu poder e controle.
Os Rossi eram assim, pelo que pude perceber.
Gargalhei quando ele falou sobre o meu vestido, não uma risada de divertimento, mas da mais pura ironia. Ele não podia estar falando sério.
— Ah, é? E o que você vai fazer se eu usar?
Ele franziu a testa, sua paciência claramente estava no limite. Eu podia ver sua impaciência e sua irritação se transformando bem em minha frente.
Eu o irritava, ótimo.
— Não estou brincando, . Esse vestido atrai atenção indesejada. Se você usar de novo, vou rasgá-lo.
— Rasgar meu vestido? — Retruquei, com uma sobrancelha arqueada. — Que coisa machista e controladora de se dizer. Meu guarda-roupa agora faz parte do seu império?
Ele deu um passo à frente, e senti a intensidade de sua presença. Um arrepio percorreu o meu corpo, meus lábios secaram à medida que ele se aproximou de mim e lutei para esconder a reação inesperada que meu corpo tinha sob o olhar profundo dele.
Só havia uma coisa que eu odiava mais do que Rossi; a forma que meu corpo reagia a ele.
— Esse vestido coloca você em perigo.
— Você e o seu estilo de vida me colocam em perigo. A pessoa que você matou estava na minha casa atrás de você, aquele lixo que tentou me agarrar veio atrás de mim porque trabalho no bar que está sob o seu domínio. — Levantei o queixo, desafiadora. — E não vou deixar você ou qualquer outra pessoa me dizer o que posso ou não posso vestir.
Ele esfregou o rosto, claramente lutando para manter a calma.
— Você é impossível.
— E você é um tirano. — Repliquei, cruzando os braços. — Eu não vou ceder a suas exigências ridículas.
— Então você está me desafiando? — Sua voz ficou mais baixa, carregada de uma ameaça sutil. O tom rouco, misturado com a firmeza em sua voz me fez arrepiar.
— Talvez eu esteja. — Respondi, firme. — Eu me recuso a ser controlada por você. E se isso significa desafiar sua autoridade, então que seja.
— Você realmente acha que pode me desafiar, não é? Você realmente acredita nisso. — Um sorriso cínico apareceu em seus lábios formando uma linha fina que seria bonita, se ele não fosse tão arrogante.
— Você não é meu dono, . Você não pode me dizer o que fazer.
Ele deu um passo em minha direção, deixando seu rosto a centímetros do meu.
— Na verdade, , eu posso. E se você não aprender isso logo, vai se encontrar em muitos problemas.
— Estou tremendo de medo. — Dei uma risada de escárnio, ignorando a sensação de eletricidade que passava pelo meu corpo, junto com os arrepios e o quão próxima a boca dele estava. Eu conseguia sentir sua respiração e o cheiro do uísque caro que ele sempre bebia. O aroma inebriante do seu perfume só aumentava minha confusão.
— Talvez devesse estar.
Um arrepio percorreu minha espinha, mas não recuei.
— Ou talvez eu deva usar o maldito vestido só para te provocar. Pra te mostrar que você pode ser o dono de tudo isso aqui, mas não é o meu dono.
Ele me estudou por um momento, como se tentasse decifrar meus pensamentos. Seus olhos vagaram pelo meu rosto e desceram pelo meu corpo de forma descarada, senti vontade de me encolher, ainda não sabia lidar com os seus olhares. Sempre que seus olhos pousavam em alguma parte da minha pele, eu sentia queimar e arder. Talvez fosse um sinal de que eu estava no inferno e era o próprio demônio.
— Você é uma mulher problemática, . — Sua voz era baixa, com um tom firme e rouco.
— E você é um homem insuportável, . — Retruquei, mantendo o tom desafiador.
Um sorriso travesso curvou os lábios dele.
— Talvez sejamos perfeitos um para o outro, então.
Eu devia ter me afastado naquele momento, deveria ter recuado e mantido minha guarda alta. Mas a maneira como seu olhar penetrava o meu, a forma que seu perfume entrava em meu sistema nervoso e a maneira que seu corpo parecia cobrir toda a minha frente, me fez hesitar.
Um calafrio percorreu minha espinha, uma advertência silenciosa que eu quase ignorei.
Foi então que eu soube, com uma certeza inabalável, que estava em apuros. Não apenas por causa do perigo que ele representava, mas pela maneira que seus olhos queimaram a minha pele, que seu toque me causava arrepios e pela maneira que minha mente hesitava. Contra todas as probabilidades possíveis, eu estava sendo arrastada para o centro de um furacão chamado Rossi.
E me encontrava irremediavelmente envolvida por ele.


Capítulo 16

Rossi


— Decidi com quem vou me casar. — O meu tom de voz pegou todos de surpresa, Bianca rapidamente me olhou com a testa franzida, talvez imaginando se eu realmente tinha falado sério. Vicenzo riu e Roman apenas me encarou confuso.
É claro que esperavam que fosse algum tipo de brincadeira, até ontem eu não tinha sequer a pretensão de adquirir um matrimônio, não tinha nenhuma candidata e nenhuma vontade de estabelecer parcerias por forma de casamento.
— O que? — Bianca perguntou, ainda incrédula.
— Vou me casar. — O tom de voz era firme, eu tinha certeza disso, embora meus irmãos não acreditassem.
— E quem será a felizarda?
. — Houve alguns minutos de silêncio após a minha resposta.
— Você está brincando. — Minha irmã sussurrou, entre dentes, levando a mão até a sua coluna como se o enorme volume em sua barriga fosse fazer seus ossos se romperem sem apoio. — Per Dío, diga que está brincando.
Minha falta de resposta, no entanto, demonstrou toda a seriedade com o assunto.
— Vocês querem uma Donna, estou lhes dando uma.
— E ela sabe que será sua esposa? Ela concordou? — A desconfiança de Roman era típica dele, sempre questionando tudo.
Eu dei de ombros, sem me importar com os detalhes. era desafiadora, o que garantiria um casamento longe de ser monótono. Ela era atraente, e sabia se virar sozinha, o que a tornava uma escolha ideal para mim, desde que fosse devidamente treinada. Ela seria uma esposa ideal. Os detalhes poderiam ser resolvidos depois.
— Isso são apenas detalhes. — Minha resposta foi casual, mas meu tom deixava claro que não haveria margem para discussão.
Vicenzo riu, divertindo-se com a situação, enquanto eu me acomodava no sofá de couro, ignorando o olhar de desaprovação de Roman.
— Então seu plano é se casar com uma mulher que te abomina? Definitivamente você era mais esperto quando fui embora. — A provocação de Vicenzo não me abalou. Eu sabia o que estava fazendo, e não teria outra escolha a não ser aceitar minha proposta.
— Não se preocupe com isso, eu garanto que não serei eu o segundo Rossi a ter o coração partido. — Minha resposta foi rápida, um sorriso cínico brincava em meus lábios. Eu sabia exatamente como provocar Vicenzo, e ele caía na armadilha toda vez.
Bianca me lançou um olhar repreensivo, claramente não gostando da tensão que estava se formando entre nós. Ela sempre foi a pacificadora da família, tentando manter as coisas em ordem, mesmo nos momentos mais turbulentos.
— Você não tem o direito de decidir sobre a vida de . — Sua voz era firme, mas também carregava preocupação. Ela se aproximou e sentou-se ao meu lado, como se tentasse acalmar os ânimos. — Você não pode simplesmente decidir casar uma mulher só porque quer. Isso é ridículo.
— Não importa se é uma boa ideia ou não. O que importa é que é a minha decisão, e é isso que será feito. — Minha resposta foi direta, sem espaço para argumentação.
Respirei fundo, mantendo minha postura tranquila diante das reações dos meus irmãos. seria minha esposa, com ou sem o consentimento dela. Era apenas uma questão de tempo até ela entender isso.
— E se ela se recusar? — Vicenzo provocou novamente, agora com um sorriso de deboche brincando em seus lábios.
— Ela não terá escolha. — Minha resposta foi simples e direta, deixando claro que eu não admitiria outra possibilidade.
— Eu sabia que você era inconsequente, mas não imaginava que fosse perder os limites. Você não pode forçar uma mulher a casar com você, .
— Observe, sorellina.
— O que mais me surpreende é que você fica igual ao senhor Rossi, cada dia mais. — Meus olhos se direcionaram para ela, sentindo o corte de suas palavras. Das poucas coisas que eu tentava ser, a maior delas era ser diferente do nosso pai. Bianca sabia disso.
— Quer falar sobre semelhanças? Por que não falamos sobre o quão igual você se tornou da nossa mãe? Você não é um exemplo aqui, pelo contrário, está muito distante disso. Quer saber sobre o que Giorgio estava certo o tempo inteiro? Você é fraca, Bianca. Sempre foi a mais fraca entre nós. Sempre se deixando levar pelos sentimentos. Não é de admirar que tenha acabado grávida de um bastardo qualquer. — Engoli em seco, sentindo o peso do meu erro imediatamente. Minhas palavras foram além dos limites, ferindo mais do que eu pretendia. Olhei para Bianca, esperando ver alguma chama de perdão em seus olhos marejados, mas tudo que encontrei foi decepção e tristeza.
Roman se ergueu da poltrona de forma rápida, seus punhos estavam cerrados e os músculos tensos, pronto para me atacar. Seu rosto estava vermelho e seus olhos faiscavam uma raiva incontrolável. Cada músculo tenso com a necessidade de descarregar toda sua ira em mim. Mas antes que pudesse chegar perto o suficiente para me atingir, Vicenzo interveio e colocou-se entre nós, envolvendo o peito de Roman e segurando-o com firmeza, apesar dos esforços frenéticos de meu irmão para se libertar.
— Solte-me, Vicenzo. — A voz de Roman saiu áspera e carregada de raiva, sua respiração pesada enquanto lutava contra o irmão mais velho. Mas Vicenzo não cedeu, mantendo-o firmemente contido apesar dos protestos de Roman.
— Se acalme, cazzo. — A voz de Vicenzo era firme e autoritária.
— Parabéns, Don. Você finalmente é o chefe que nosso pai sempre quis. Giorgio Rossi sentiria orgulho de você. — Senti a mágoa na voz de Bianca, suas lágrimas deixando a voz doce de sempre embargada, ela me olhou por alguns segundos, em silêncio, e saiu.
Finalmente, Vicenzo soltou Roman, mas permaneceu ao seu lado, pronto para intervir novamente se necessário. Roman respirou fundo, tentando controlar sua raiva e se recompor. Seu olhar ainda estava fixo em mim, mas agora parecia menos ameaçador e mais cansado.
— Você foi longe demais, . — A voz de Roman era firme, mas continha uma nota de desânimo. Ele se aproximou, ainda com ira em seus olhos e me puxou pelo colarinho do terno. — Fale assim com ela mais uma vez e não terá nada que me impeça de matar você.
Vicenzo permaneceu em silêncio por um momento, antes de se dirigir a Roman com um olhar sério.
— Ele sabe que errou, Roman. Deixe-o lidar com as consequências. — Eu podia ter afastado Roman, podia tê-lo derrubado, mas não quis fazer isso. Eu sabia que merecia a agressão que viria dali. — Vá atrás dela, eu cuido do .
Roman soltou um suspiro pesado, mas assentiu, agradecendo com um aceno de cabeça e saindo apressadamente da sala
— Bianca não é igual a nossa mãe e o filho dela não é um bastardo, ele é um Rossi. Independente de quem seja o pai dele, a Bianca é a mãe. É o nosso sangue naquela criança. — A voz de Vicenzo continha a mesma raiva que a de Roman, eu sabia e reconhecia isso. — Se não quer ser comparado ao Giorgio, não aja como ele. Você errou feio, . Não é assim que tratamos nossa família. Conserte isso e controle a sua raiva antes que eu tenha que controlar você.
— Eu sei.


Capítulo 17

Rossi


O peso das palavras que eu havia proferido para Bianca ainda pairava sobre mim como a porra de uma nuvem negra. Eu sabia que precisava consertar as coisas, mas o que mais me atormentava era a sensação de estar me tornando o homem que mais desprezava: meu pai.

Antes.

Eu tinha apenas treze anos, mas já entendia muito mais sobre o mundo do que qualquer criança da minha idade deveria. Ouço os gritos da minha mãe no primeiro andar e me encolho, segurando Roman que tentava localizar com os olhos da onde o choro vinha, amedrontado ele começou a chorar também. Eu odiava quando ele chorava porque eu não conseguia contê-lo.
Vicenzo se aproximou de mim, seus olhos estavam vazios. Acho que ambos aprendemos a ter esse olhar porque sempre que demonstramos uma emoção, por menos que fosse, nosso pai nos batia até que o sangue fosse tudo que o sentíssemos.
Homens da máfia não choram. Nenhum Rossi podia chorar. Era fraco.
— Bianca está com ele? — A pergunta, embora retórica, foi respondida com um aceno de cabeça. Quando as sessões de tortura eram com a mamãe, Bianca sempre era levada para ver como obedecer. Nosso pai fazia questão, já que ela não tinha um treinamento formal da famiglia. Ele dizia que isso nos deixaria forte, mas como algo tão terrível pode deixar alguém forte?
De repente os sons pararam, os gemidos cessaram e os gritos ficaram silenciosos. Olhamos para cima, aguardando para saber quem sairia dali. Se alguém sai dali. Papai desceu metade dos degraus da escada, mamãe não estava com ele. Nem Bianca estava.
— Vagabunda desgraçada. — Ele xingou, era comum ouvir ele xingar. — Venham, venham ver a puta fraca que a mãe de vocês é. Essa louca suicida de merda. Tragam o bastardo também.
Olhei para Vicenzo, que me devolveu o olhar. Ele segurou na mão de Roman e eu segui em frente, pensando que, se fosse algo horrível, eu conseguiria conter e proteger meus irmãos. Olhei para Vicenzo, procurando algum conforto, mas encontrei apenas a mesma determinação fria que tinha nos meus próprios olhos. Ele havia aprendido a endurecer seu coração, a fechar-se para as emoções que papai desprezava tanto. Ele tentava, mas ainda era novo pra disfarçar o desespero que sentia.
Degrau por degrau fui ouvindo os soluços da minha irmã, mas não havia nenhum barulho da mamãe ali. Caminhei, ainda em passos lentos, desconfiado do que me esperava porque dificilmente algo bom nos esperaria. Papai achou que eu estava lento demais, já que ele me pegou pela camisa e me arrastou para o quarto. Ele me jogou em cima da mamãe, atrás da cama. Algo quente me molhou, olhei para o chão assustado, mas vi sangue. Muito sangue. Mais sangue do que eu e Vicenzo derramávamos. Ela não se movia, mas seus olhos estavam abertos.
Mamãe não era carinhosa comigo. Eu a lembrava do meu pai e eu sentia que isso a incomodava, por isso a atenção nunca era a mesma e, muito provavelmente, por isso Roman era seu preferido, mas ela cozinhava para mim. Ela me abraçava quando eu pedia e dava remédios para dormir quando eu chorava de dor.
Era mais do que papai fez a vida inteira.
Talvez por isso ainda doesse vê-la sem vida, no chão. Ela podia não ter sido bem uma mãe, mas foi a única coisa que tive por longos anos.
— Mamãe? — Chamei baixo, na esperança de que fosse apenas uma brincadeira. Uma lição que teríamos que aprender. Papai nos dava muitas lições. Ela não respondeu. Vicenzo chegou logo em seguida, ele soltou Roman e correu em direção a mamãe. Ele queria a abraçar, mas nosso pai não deixou.
Papai chutou Vicenzo uma vez.
Duas vezes.
Três vezes.
Até que sangue saísse de sua boca.
Vicenzo chorava e pedia por favor.
Papai odiava que implorássemos, era como se isso validasse nossas fraquezas.
Um Rossi não chora e muito menos implora.
— Façam essa pirralha parar de chorar antes que eu a mate também.
Também.
Ele disse que mamãe se matou, mas ele disse ‘antes que eu a mate também’.
— Pai, por que tem que ser assim? — Perguntei, desejando uma resposta que pudesse me consolar, mas sabendo que, no fundo, nenhuma explicação seria suficiente para justificar o que passávamos.
Meu pai se inclinou para a frente, seus olhos perfurando-me com uma intensidade gelada e me deixaram sem fôlego.
— Porque se você não for forte, você morre. Você quer morrer, ? Quer ver nossa família destruída?
Balancei a cabeça, sentindo um nó se formar em minha garganta. Eu não queria decepcionar meu pai, mas também não queria perder a parte de mim que ainda podia sentir, que ainda podia amar. Era uma escolha impossível, não havia como ter as duas coisas.
Quando ele saiu, eu soube. Algo em mim tinha que morrer para manter a famiglia.
Olhei para Bianca, ela não entendia o que estava acontecendo. Vicenzo chorava, abraçado à mãe e um sentimento de raiva tomou conta de mim.
— Chega de chorar. — Ordenei, com a voz dura e fria. — Ele vai voltar se ouvir você choramingando. Limpe isso. — Joguei um dos lençóis para ele, mas ele não se moveu para pegá-lo. — O pano, Vicenzo. Pegue. — Repeti, mas conseguia sentir coisas ruins tomando conta da minha mente rapidamente. A impaciência me consumia. Ele precisava entender que não podíamos demonstrar fraqueza diante do nosso pai.
— Ela está morta. A mamãe está morta. Você não sente nada? — Sua voz trêmula ecoou, senti pena de Vicenzo.
— Ela era fraca. Ela nos abandonou com ele. Como posso sentir algo?
Ele não entendia.
Não podia entender.
Talvez fosse melhor assim. Talvez fosse melhor ele não sentir a dor dilacerante que consumia meu peito a cada vez que olhava para o corpo de nossa mãe, tão quebrada e indefesa diante da fúria de nosso pai.
O silêncio que se seguiu era incômodo, preenchido apenas pelo som do pano sendo arrastado pelo chão. Roman e Bianca estavam fora do quarto, eu os havia tirado dali para que não atrapalhasse a limpeza. Para que não vissem nossa mãe assim por mais tempo. Vicenzo estava atordoado, seus olhos estavam vermelhos e inchados. Ele me olhava buscando uma resposta, mas o que eu poderia dizer?
— Por que ele fez isso? Por que ele a machucou tanto? — A voz de Vicenzo saiu como um sussurro, carregada de desespero e de dor. Eu não conhecia tantos sentimentos, mas eu era muito familiarizado com a dor.
— Ele é um monstro. — Minha voz saiu mais dura do que eu pretendia, mas era a única maneira que eu conhecia de lidar com a situação. — Ele sempre foi um monstro, Vi. Você sabe disso.
Vicenzo balançou a cabeça, as lágrimas escorrendo por suas bochechas. Ele estava quebrado, tão quebrado quanto eu, mas de uma maneira diferente. Ele ainda tinha a capacidade de sentir, de se importar, enquanto eu me afundava cada vez mais na escuridão.
Suspiro e pego o pano, começando a limpar o sangue do chão.
Não chorei. Eu queria chorar, mas não podia, não tinha lágrimas.
— Eu quero a mamãe. — Vicenzo tinha oito anos, acho que era natural que alguém de oito anos chorasse abraçado ao corpo ensanguentado da mãe.
— Escute, Vicenzo. — Interrompi, com minha voz saindo mais dura do que eu pretendia. — Não podemos nos dar ao luxo de ser fracos. Se deixarmos nossas emoções nos dominarem, papai vai acabar com a gente. E quem vai cuidar do Roman e da Bianca?
Vicenzo ficou sério, mantendo o olhar determinado enquanto enxugava as lágrimas com o dorso da mão. Ele olhou para porta, então para o sangue da nossa mãe em seu próprio corpo. Ele acenou com a cabeça. Iríamos passar por isso tudo, mesmo que isso significasse se tornar o que mais temíamos.
Não podia permitir que nossas emoções nos enfraquecessem.
Não podia permitir que Giorgio nos quebrasse também.
Encontraríamos uma maneira de sobreviver porque, no final das contas, tínhamos um ao outro. E isso seria suficiente. Tinha que ser suficiente.

Agora.

O som de passos rápidos no corredor trouxe-me de volta ao presente. Era Bianca. Ela entrou na sala, seu rosto ainda marcado pelas lágrimas, mas agora havia uma determinação feroz em seus olhos.
— Precisamos conversar. — Sua voz estava firme, mas havia um tremor que traía a vulnerabilidade por trás da fachada forte.
— Bianca, eu... — Comecei, mas ela levantou a mão, silenciando-me.
— Eu entendo que você está sob pressão, . Mas isso não lhe dá o direito de tratar as pessoas, especialmente sua família, como lixo. Eu sei que você não quer ser como ele, mas é exatamente isso que você está se tornando.
Senti uma pontada de dor ao ouvir as palavras de Bianca. Ela estava certa, e eu sabia disso.
— Eu sei. — Disse, minha voz carregada de arrependimento. — Eu sinto muito, Bianca. Eu nunca deveria ter dito aquelas coisas. Eu só... eu só quero proteger a nossa família.
Bianca deu um passo à frente, colocando a mão em meu ombro.
— Proteger nossa família não significa destruir o que nos mantém unidos. Precisamos um do outro, agora mais do que nunca.
Diante da serenidade de Bianca, sua capacidade de perdoar e sua firmeza gentil, eu finalmente reconheci o verdadeiro motivo pelo qual ela era minha consigliere. Era por sua mente, sim, mas era principalmente por sua humanidade. Enquanto nós três, Vicenzo, Roman e eu, muitas vezes nos perdíamos no turbilhão de nosso mundo sombrio e violento, Bianca permanecia como um farol, iluminando nosso caminho com sua compaixão e bondade.
Era fácil para mim, e para nós três, perder de vista o que significava ser humano. Crescer sob a sombra do nosso pai, mergulhados na violência e na crueldade do mundo da máfia, havia nos endurecido de uma maneira que nenhum de nós gostaria de admitir. Mas Bianca, nos lembrava constantemente do que havíamos perdido e do que ainda podíamos ser.
Foi por isso que a escolhi como minha consigliere. Não apenas por sua inteligência e habilidade estratégica, mas porque ela mantinha viva a parte de nós que ainda era humana. E agora, mais do que nunca, eu percebia o quão crucial isso era para a nossa sobrevivência. Ela representava a sensatez que eu tantas vezes negligenciava, o perdão que eu raramente concedia, e, mais importante, a humanidade que eu havia perdido.
— Eu não sei o que faria sem você, Sorellina. — Fui sincero ao admitir. Eu podia não ter muitos sentimentos ou não saber identificá-los, mas eu sabia o quanto ela era essencial. O quanto todos eles eram.
— Vai mesmo se casar com ? — Havia um certo receio na sua pergunta, talvez pelo modo que a tratei quanto ao assunto ou talvez porque a ideia realmente fosse estúpida.
— Eu não sei. Acho que seria bom, ela é… acho que ela é boa para o nosso mundo. Eu não quero uma esposa fraca, nunca quis. é forte.
Ela balançou a cabeça, pensando por alguns segundos e aninhou a cabeça em meu ombro.
— E como vai convencê-la? — Essa era a pergunta para a qual eu não tinha a menor resposta.
— Pensei que você pudesse me ajudar.
, eu fugi de três casamentos que você tentou me arranjar. Acha mesmo que eu sou a melhor pessoa para convencer uma mulher a se casar contra sua vontade?
Ri, mas era um riso amargo com pouca sinceridade.
— Você tem razão. Não pensei nisso. — Admiti, esfregando a testa.
Bianca ergueu a cabeça deixando que seus olhos encontrassem os meus.
— Eu acho que, talvez, você devesse começar mostrando para ela que você ainda pode sentir, que você ainda pode ser mais do que o Don dos Rossi. Talvez seja assim que você a convença. Mostre a ela esse lado seu, . O lado que poucos veem. A parte de você que ainda se importa, que ainda sente.
Assenti lentamente, absorvendo suas palavras.
precisava ver o homem que lutava para proteger sua família, o homem que se arrependia de suas ações e queria ser melhor, mas era difícil mostrar isso a alguém. Eu nem sequer sabia se eu realmente ainda tinha isso, muito menos se poderia mostrar isso a ela. Porque, por mais que ela fosse perfeita para Donna, eu não sabia se conseguia ser bom para marido.
— E lembre-se — continuou Bianca — Força não é só sobre poder e controle. É sobre compreensão e, às vezes, saber quando ceder. verá isso em você se você permitir que ela veja.
— E se eu falhar? Eu não sou bom com sentimentos. Você sabe disso mais do que ninguém, não é um amor que eu busco. É um casamento.
— Você não vai falhar. — Ela sorriu, um sorriso triste, mas cheio de esperança. — Porque você sabe o que está em jogo. E porque você tem algo que nosso pai nunca teve: um coração que ainda quer fazer o certo. Você só precisa lembrar onde ele está.


Capítulo 18



O lado bom de morar com os Rossi era que as notícias sempre chegavam a você, mesmo as que você não acreditava, mesmo as que você não queria. As pessoas achavam que conquistavam confiança espalhando fofocas ou congratulações indesejadas. Quando ouvi a última novidade, minha paciência se esgotou.
— Qual é a droga do seu problema? Por que estão me felicitando pelo meu casamento? — Eu entrei na sala como um furacão, e lá estava , com Roman ao seu lado. Roman apenas se sentou, colocando algo na boca e observando a cena com um sorriso, o meio sorriso sempre típico no seu rosto.
me olhou com aquela calma irritante, a indiferença gritante em casa gesto, em cada levantar de sobrancelhas.
, eu estou com problemas que preciso resolver. Agora não é a hora.
— Não é a hora? Claro, porque o grande senhor Rossi dita todas as regras. As regras de onde moro, as regras do que meus cachorros comem e agora, aparentemente, as regras da minha vida também.
— Ela é esquentadinha. — Direcionei meu olhar para Roman, que deu de ombros como se não importasse nem um pouco com a forma que eu o olhava. Ou com a raiva que emanava de meus olhos.
— Sim. E você devia ter aprendido isso. — Eu ri, na verdade, eu gargalhei. Era impossível uma pessoa ser tão arrogante assim. Não tinha como, devia ser alguma piada. Ele se aproximou em passos lentos, mas muito intimidadores e respirei fundo quando senti o seu hálito quente sobre a minha boca. Meu corpo reagia a ele de formas que eu não queria e o seu sorriso sarcástico parecia reconhecer isso com uma habilidade nata. — Nunca mais me chame assim. — Sua voz era um sussurro rouco, cheio de uma intensidade que me fez estremecer.
— Eu não vou me casar com você. — Minha voz saiu firme, mas eu sentia a tensão em cada músculo do meu corpo.
Ele não se afastou, seu olhar fixo no meu, avaliando cada reação minha.
, este casamento é importante.
— E para mim? — Eu retruquei, sentindo a frustração e a raiva borbulharem dentro de mim. — Não sou uma peça no seu jogo de poder, .
Ele finalmente recuou um passo, cruzando os braços.
— Nunca disse que era.
— Então pare de agir como se eu fosse. — Meu coração batia rápido, e eu sabia que estava à beira de perder o controle.
suspirou, um som pesado que parecia carregar o peso do mundo.
— Eu não estou tentando controlar você, . Eu apenas estou tentando fazer o que é melhor pra todos. Entendo que não goste do meu mundo, mas ainda assim é o mundo que tenho e eu preciso deixar seguras as pessoas com quem me importo, mesmo sendo poucas. Seu irmão morreu porque me permiti ser fraco, não vou cometer o mesmo erro. Se para controlar isso vou ter que iniciar um casamento, que seja.
As palavras de me atingiram como uma rajada de vento frio. Ele sempre tinha uma justificativa, uma razão aparentemente nobre por trás de suas ações e eu detestava isso, odiava a forma com que ele fazia todas as crueldades parecerem meros meios para um fim. Mas isso não tornava mais fácil aceitar sua lógica.
— Você nem ao menos me conhece. Não sabe se sou de confiança e que benefício terá? Não tenho uma família poderosa que vai unir forças com você.
— Tem razão, não sei se posso confiar em você, mas podia confiar em Lorenzo. Você tem o sangue dele, foi criada por ele, e por mais que possa não concordar ou detestar tudo que fazemos, todos os nossos negócios, você ainda está aqui. Talvez você queira descobrir o que aconteceu, talvez você apenas não tenha para onde ir, mas algo no seu olhar me diz que você não quer ir embora. E eu posso não formar uma aliança com esse casamento, mas vou garantir que ninguém mais toque em nenhum dos . Você tem um irmão pequeno, lembre-se dele.
A menção de Lorenzo fez meu coração apertar. Eu não queria que usasse a memória do meu irmão como uma moeda de troca, mas ele tinha razão sobre uma coisa: eu não podia arriscar a segurança de Lucca. O mundo em que estávamos era cruel e impiedoso, e Lorenzo sabia disso melhor do que ninguém. Ele sempre tentou me manter longe desse lado sombrio da nossa realidade, mas agora eu estava no centro disso tudo.
— Você acha que isso é o que Lorenzo queria? — Eu perguntei, minha voz tremendo com a mistura de raiva e dor. — Ele morreu para me proteger desse mundo, e agora você quer que eu me una a ele?
se aproximou, mantendo seus olhos fixos nos meus.
, o que Lorenzo queria era que você estivesse segura. Ele deu a vida por isso. E eu não vou deixar seu sacrifício ser em vão. Você pode não confiar em mim, e eu entendo isso. Mas confie que eu não farei nada que coloque você ou seu irmão em perigo.
Eu queria acreditar nele, queria acreditar que havia uma razão maior para tudo isso. Mas a raiva e a tristeza ainda estavam muito presentes, bloqueando qualquer tentativa de racionalizar a situação.
— E se eu não quiser? — Minha voz saiu rouca, em um fio. Eu não queria ter que perguntar isso, não queria dar a ele o controle da minha vida.
— Então encontrarei outra maneira, mas uma nova esposa pode não ficar muito satisfeita com o quanto eu me importo com os irmãos do meu falecido executor. — Sua voz era tranquila, mas seu sorriso tinha um toque de sarcasmo. Eu odiava como aquele sorriso combinava com seu rosto.
— Você está ameaçando Lucca? — Eu perguntei, minha voz trêmula de raiva e incerteza.
Ele suspirou, mantendo seu olhar firme em mim.
— Não, estou apenas informando. Eu sei escolher minhas batalhas, e se minha futura esposa decidir que estrategicamente não vale a pena proteger os , então terei que aceitar isso.
Eu o encarei por um momento, lutando contra a torrente de emoções conflitantes que suas palavras provocavam.
— Eu não quero ser usada pela sua família. Não sou como essas mulheres que você manipula ao seu bel-prazer.
Seu semblante endureceu ligeiramente, antes de ser substituído por determinação.
— Então case comigo por razões suas, não pelas minhas.


Capítulo 19



Eu não era ingênua e nem idiota. Sabia que ele estava certo e sabia os motivos que o tornavam certo. Na verdade, era até lisonjeiro que ele se preocupasse com os meus motivos ou que, ao menos, me fizesse acreditar que ele se importasse com isso. O casamento forçado na máfia era algo muito comum, uma prática que, em alguns lugares, ainda existia. Ele não me forçaria a casar e deixou isso claro e, embora fosse o mínimo, era muito mais do que alguém já tinha me oferecido desde que Lorenzo partiu.
— Apenas seja sincero comigo. Por que você quer isso, ? — Perguntei, cruzando os braços e mantendo meu olhar fixo no dele. — O que você ganha com esse casamento além de uma esposa relutante e ressentida?
suspirou, passando a mão pelo cabelo em um gesto de frustração.
— É mais do que simplesmente ganhar algo, . — Ele começou, mas sua voz mais suave do que eu esperava. — Eu quero estabilidade para a minha família e quero cumprir a promessa que fiz pra um amigo. Você representa os dois em uma única pessoa, não é tão surpreendente eu querer que você seja minha Donna.
Evito demonstrar a forma que as palavras “dele” e “Donna” me causam arrepios.
— E você acha que sou essa pessoa? — Perguntei, cética.
— Sim. — Ele respondeu sem hesitar. — Você é forte, bonita, inteligente e, apesar de tudo que já sabe sobre mim, sobre os Rossi e sobre Lorenzo, ainda está aqui, enfrentando isso de frente. Você me ajudou quando precisei, salvou minha vida e se livrou de um corpo comigo. Não consigo pensar em ninguém melhor para estar ao meu lado.
Ignoro a forma que meu corpo formiga, minha barriga fica gelada e minhas bochechas quentes. Suspiro, ignorando também a maneira como meus olhos são atraídos pelas suas mãos, pelo seu rosto e, imediatamente, pelos seus olhos.
— E se eu aceitar? — Perguntei, por fim, cedendo.
deu um pequeno sorriso, como se esperasse essa pergunta.
— Vou começar sendo honesto com você, . Sobre tudo. Sem mentiras, sem segredos. Se você decidir se casar comigo, será com total transparência. E mais do que isso, vou mostrar, com ações, que estou disposto a fazer o que for preciso para proteger aqueles que contam comigo, incluindo você e o seu irmão.
Suspiro quando ele toca no assunto de Lucca, mais uma vez. Por mais que ele estivesse seguro com uma tia distante, em Las Vegas, eu sabia que não conseguiria o manter ali por muito tempo. Lucca era italiano e precisava de um tratamento caro, sabia disso e não me ameaçou em momento algum. Por mais que eu não quisesse, por mais que eu tentasse e por mais que evitasse, isso mostrava que ele estava sendo sincero em sua conversa sobre transparência. Ele podia me forçar, ele podia ameaçar interromper o tratamento de Luca, mas ele estava conversando sobre isso comigo. E isso me fazia admirá-lo mais do que eu gostaria.
— Eu não vou transar com você. — Foi a única coisa coerente que consegui pensar, a única regra que se formou em minha mente, a única maneira que eu consegui de colocar um pequeno limite a aquilo porque, no fundo, ele estava certo. Eu tinha mais razões para querê-lo como esposo do que ele tinha para me querer como Donna.
Com um semblante de desafio e um tom debochado, ele se aproximou de mim, mas não me tocou. Suas mãos ficaram próximas o suficiente do meu quadril, mas ele não encostou um dedo em minha pele. Seu corpo ficou tão próximo que senti que a sala não tinha mais espaço algum para que eu me movesse.
exalava perigos para todos, mas para mim ele exalava desejo.
Ele olha atentamente os meus lábios, com um sorriso suave na boca. Seu rosto se aproxima do meu, fazendo com que ele se curve um pouco pela diferença de altura e ele aproxima nossas bocas, evito a vontade absurda que tenho de fechar os olhos.
— Eu falei para sermos sinceros, .
— Eu fui.
— Então por que tenho certeza que você imploraria para eu te foder?
— Porque todo esse tempo na máfia queimou os seus neurônios. Está a tanto tempo na vida errada, que sequer sabe diferenciar o certo.
Ele ri, mas não vejo graça alguma na forma que ele se move e muito menos conseguiria rir com a forma que meu corpo reage a ele.
— Nenhum casamento se mantém sem sexo, nem mesmo os por conveniência. Ou você transa comigo, ou me permite transar com outras pessoas, mas não espere que eu vá por a porra de um cinto de castidade.
— Se não o quê? Vai me forçar a transar com você?
Ele se aproxima, de forma ameaçadoramente próximo demais. Engulo a seco, mordendo o lábio inferior e me afasto em um passo lento, quase como se estivesse fugindo de um predador.
Predador.
Nunca uma palavra combinou tanto com alguém.
— Eu jamais forçaria você. No dia que você abrir as pernas pra mim, vai ser por ansiar por isso e logo depois de implorar. — O ar de desdém que ele carrega, combina estranhamente bem com o seu sorriso sarcástico e o domínio completo que ele tem do seu corpo, coisa que eu não tenho do meu.
— Eu nunca vou implorar por você, Rossi. — Minha voz sai mais fraca do que eu gostaria, traindo minha tentativa de parecer confiante. Ele sorri, mas seu sorriso não alcança seus olhos, é um sorriso cheio de arrogância. — Você está enganado se acha que eu vou ceder.
— Então eu vou procurar diversão na rua e você não poderá fazer nada para me impedir. — As palavras dele me irritaram mais do que eu gostaria, eu não queria ceder, mas a ideia dele tocando outra mulher, conseguia me perturbar tanto quanto a ideia dele me tocando.
Eu dou um passo para trás, tentando manter uma fachada de controle, mas sabendo que ele vê através dela.
— Eu odeio você. — Sussurro, não mais do que um fio de voz.
— Não, você odeia o que eu represento. — Ele corrige, sua voz é quase gentil quando ele fala isso. — E talvez, apenas talvez, você odeie o fato de que uma parte de você deseja isso.
Eu não respondo. Não há palavras para expressar a mistura de raiva, medo e, sim, desejo que sinto. Eu viro, afastando-me dele, sabendo que esse jogo está longe de terminar e que, de alguma forma, ele já ganhou uma parte de mim.
— Você está me dando uma escolha que não é escolha. — Eu respondo, sentindo minha raiva crescer.
— Você sempre tem uma escolha, . — Ele diz, sua voz mais suave. — Eu não quero te forçar a nada. Eu só quero que você veja a verdade. Que você veja que eu posso te proteger, que posso ser alguém em quem você pode confiar.
— Confiar em você? — Eu rio, sem humor. — Você está louco, . Eu nunca confiaria em você.
— Você não precisa confiar em mim agora. — Ele responde calmamente. — Mas com o tempo, espero que possa ver que eu estou falando a verdade. Que eu não sou o monstro que você pensa que sou.
— E se eu decidir ir embora? — Pergunto, desafiando-o.
— Então você pode ir. — Ele diz, seus olhos sérios. — Mas saiba que, se você for, não haverá ninguém para proteger Lucca. E você sabe tão bem quanto eu que ele precisa de proteção.
Eu o encaro, minha raiva e frustração lutando contra a realidade de suas palavras. Eu sabia que ele estava certo. Eu não podia simplesmente fugir e deixar Lucca desprotegido. Mas a ideia de me casar com Rossi, e de me tornar parte desse mundo que eu tanto desprezava, era quase insuportável. O que eu seria se me tornasse parte daquilo que eu tanto odiava?
— Você é um manipulador. — Digo finalmente, minha voz cheia de desprezo.
— Talvez. — Ele admite. — Mas sou um manipulador que se importa com você e com seu irmão. E farei o que for necessário para mantê-los seguros.
Eu o encaro por um longo momento, tentando encontrar algum vestígio de mentira em seus olhos. Mas tudo o que vejo é a verdade sincera e constrangedora que ele não se importa nem um pouco de esconder.
— Vou pensar sobre isso. — Digo finalmente, dando um passo para trás.
— Faça isso, principessa. — Ele diz, seu sorriso voltando. — Eu estarei esperando para marcarmos a data do nosso casamento.


Capítulo 20

Rossi


Trinta de julho foi a data mais lógica que surgiu em minha cabeça. Seria antes de Bianca dar a luz e tinham semanas até lá, então eu conseguiria resolver alguns assuntos pendentes.
— Trinta de julho. — Eu disse, olhando diretamente para . Estávamos na sala de reuniões, a mesa entre nós cheia de papéis e documentos. — Parece uma boa data para você?
Ela cruzou os braços, seus olhos brilhavam com uma mistura de raiva e, ao mesmo tempo, uma aceitação silenciosa de quem sabia que não tinha muitas outras opções.
— Parece uma data tão boa quanto qualquer outra. — Respondeu friamente.
— Ótimo. — Minha voz foi firme, sem hesitação. Nós não tínhamos tempo para isso, eu queria o casamento logo porque, assim que eu garantisse a Donna, poderia tomar a costa leste. Eles tinham a maldita tradição de só aceitarem o governo de uma famiglia. Não que já não me pertencessem, mas a população ainda não me admirava e, fosse na máfia ou na vida, era melhor uma população ao seu lado do que bons assassinos. — Este casamento é necessário para garantir a segurança da nossa família. Você sabe disso.
Ela estreitou os olhos, avaliando cada palavra minha.
— Eu não estou fazendo isso por você. — Ela retrucou. — Estou fazendo isso pelo meu irmão, e só por ele.
— Não preciso que faça isso por mim. — Respondi, meu tom decidido. — Só preciso que faça.
Ela suspirou, parecendo lutar contra suas emoções.
— E quanto a... sentimentos? — Perguntou hesitante. — O que espera disso?
Eu a olhei, ponderando minha resposta. Seria hipócrita de minha parte falar que tinha pensado nisso, porque eu não pensava. Um casamento era um contrato e não passava disso. Não existiam casamentos felizes no mundo em que eu vivia, eu nunca tinha presenciado um, então não esperava nada além disso. Um negócio.
— Não espero que você me ame, .
Ela me olhou por um longo momento, seus olhos avaliando cada palavra minha.
— Espera me amar?
— Não. — Fui sincero. Eu não podia prometer amá-la, porque eu não sabia se conseguiria isso. Não sabia se conseguiria amar alguém ou se essa parte da minha mente, ou dos meus sentimentos, que fosse, funcionava. Não podia fazer promessas que não conseguia cumprir e amor era algo que eu, claramente, se encontrava na categoria de “não poder cumprir”.
— Prometa que não vai me manipular, . — Disse finalmente, suspirando. Acho que ela se deu conta de que não teria um casamento feliz. — Prometa que vai ser honesto comigo, mesmo que a verdade seja difícil.
— Prometo. — Respondi. — E espero que você faça o mesmo.
Ela assentiu, não sei se vi algo crescendo ou diminuindo dentro dela, mas suavizou a sua expressão.
— Isso é o mínimo que podemos fazer, certo? — Disse, tentando um sorriso que não alcançou seus olhos.
Eu não sorri de volta.
— Sim, o mínimo. — Concordei. — , eu sei que isso não é o que você queria para sua vida. Eu entendo que não concorda com o que fazemos, mas faço o que precisa ser feito. Você vai precisar disso também. Vou tentar ao máximo não lhe envolver em negócios que não lhe cabem e garanto que farei de tudo para evitar que minha vida chegue em você, mas você ainda será minha mulher. Espero que entenda que, por mais que eu tente suavizar, ainda é uma faca de dois gumes.
Ela mordeu o lábio, olhando para longe, como se estivesse pesando suas opções.
— Eu farei isso por Lucca. — Disse finalmente. — E só por ele.
— Isso é o suficiente. — Respondi.
Ela me encarou novamente.
— Não pense que vou aceitar tudo calada. — Disse, sua voz era firme e quase me fez rir com a certeza que ela tinha de que realmente podia me desafiar. — Vou questionar, vou desafiar, e vou lutar pelo que acredito ser certo. Não quero ver você chegando em casa com roupas de sangue, não quero ouvir sobre os seus negócios e você nunca mais vai matar alguém na minha frente. Eu me tornarei uma Rossi, mas não vou manchar meu sangue com isso. Vou flutuar com você, passear como sua esposa e dar sorrisos para quem você quiser que eu sorria, mas não me afunde. É a única coisa que eu peço.
Eu sorri levemente, admirando sua coragem. Por mais que beirasse a estupidez, ela tinha uma capacidade admirável de tentar me irritar.
— É isso que eu espero de você, principessa. — Disse, usando o apelido que sabia que ela odiava. — Quero alguém ao meu lado que não tenha medo de lutar pelo que acredita. Não vou me casar com você por ser igual a mim, vou me casar porque apesar de sermos parecidos, somos diferentes também.
Ela revirou os olhos, mas havia um leve brilho de aceitação ali.
— Trinta de julho, então. — Disse finalmente. — Marcaremos para essa data.
— Trinta de julho. — Confirmei, sabendo que esse seria o começo de algo que mudaria nossas vidas para sempre.


Capítulo 21

Rossi


— Três homens armados no corredor direito, dois escoltando a entrada e um o tempo todo com o padre. — Passo as orientações de forma direta, sabia que meus irmãos estavam tão acostumados com isso quanto eu e, por isso, não era necessário detalhes do tipo de armamento ou do tipo de pessoas que eu queria.
— Com o padre? — É Vicenzo que fala, com o seu humor ácido. — E o que ele vai fazer, abençoar as balas?
— Ele vai garantir que ninguém se aproxime demais sem que saibamos. — Respondi, ignorando o sarcasmo do meu irmão. — Quero cada ponto de entrada e saída coberto com os melhores capitães que a gente tiver. Nada pode dar errado.
— E a recepção? — Pergunta Roman, sendo sempre o mais prático. — Sabemos que é lá que eles podem tentar algo.
— Cinco na entrada. Dois homens em cada ponto de bebida e comida. — Continuei. — Vamos monitorar tudo que entra e sai. E mais três homens armados até os dentes entre os convidados, disfarçados. Qualquer movimento suspeito, qualquer sinal de perigo, qualquer movimento fora do previsto e eu quero aquela igreja lavada de sangue.
Vicenzo balança a cabeça, ainda meio descrente.
— Acha mesmo que alguém vai tentar alguma coisa no dia do seu casamento? Não seria suicídio?
— A questão não é se eles vão tentar, é o que vamos fazer para garantir que, se tentarem, falhem. — Meu tom é firme e decidido. — Não podemos subestimar ninguém. Nunca. Suicídio ou não, sabemos que há inimigos que adorariam nos ver caídos. Não vou permitir que tenham essa chance. — Roman assente, concordando silenciosamente. — E pela porra do santo Dío, Vicenzo, se controle.
Ele ergueu os braços, como se estivesse se sentindo ofendido, mas Vicenzo nunca se ofende, com absolutamente nada.
— A verificação completa dos convidados é obrigatória. Nada de exceções. Revistem cada bolsa e cada pessoa que entrar. Cada item deve ser inspecionado antes de ser colocado no local. Ninguém entra na área de buffet sem ser revistado. Atirem primeiro, perguntem depois, mas evitem a cabeça dos desgraçados. Eu quero informações. Já sabem a ordem que usamos: braços, pernas, tronco e por fim cabeça. Na pior das hipóteses, vamos para o Plano B e matamos todo mundo.
— E o padre? — Vicenzo pergunta, novamente com um tom cínico. — Não me diga que ele também tem um plano B.
— O padre vai fazer o que foi contratado para fazer: casar os noivos. — Respondo, tentando manter a calma. — E se ele tentar algo que não foi combinado, vai se encontrar com um destino que ele não vai gostar. Duvido muito que no inferno aceitem oração.
Vicenzo ri com certo desdém e me pergunto como caralhos vou conseguir segurar o meu irmão quando ele surtar. Com Vicenzo nunca é um se, é sempre um quando. Não é atoa que o chamam de Macellaio, você nem ao menos vê quando o filho da puta chega e não importa quanto sangue seja derramado, nunca é o suficiente. Vicenzo drena os seus adversários como se fosse a porra de um aparelho de sangria. Eu sei, eu já lutei com ele algumas vezes. Foram bons momentos, no sentido mais doloroso possível, com muitos ossos quebrados no processo.
— E quanto a aceitação como Donna? Acha que na costa leste vão aceitá-la? — A pergunta de Roman é um tanto quanto mais séria, penso um pouco, desviando o meu olhar no mapa exposto em cima da mesa. Eu não fazia a menor ideia.
— Não é como se eles tivessem opção. O domínio já é meu, agora só preciso do respeito da população. Se é um casamento que querem, é um casamento que vão ter.
— Só tome cuidado. — Roman Diz, com uma nota de preocupação na sua voz. — A costa leste pode ser imprevisível. Eles podem se submeter agora, mas o respeito não vem tão rápido quanto a aceitação.
— Eu conheço o que estou fazendo. — Respondo, um pouco impaciente. — Se precisar valer o meu domínio, farei. Não importa quantas pessoas resistam, vou garantir que a transição de seja o mais tranquila possível. Já passei por situações muito piores do que lidar com um bando de inimigos insatisfeitos. O domínio será garantido e o respeito virá com o tempo.
— Falando na noiva, ela sabe que noventa por cento dos convidados estarão armados e prontos para uma guerra? — Meu irmão pergunta, carregando o sarcasmo rotineiro de sempre. Olho para o moreno.
— Ela sabe o que precisa saber. — Respondo, tentando manter a calma. — Não vou alarmar sem necessidade. O foco dela deve estar no casamento, não em possíveis ameaças.
Vicenzo dá uma risada seca.
— Ah, claro. Deixe-a em um mundo cor-de-rosa enquanto a realidade é uma guerra iminente.
— Eu confio que ela vai entender a gravidade da situação quando chegar o momento. — Digo, tentando não deixar transparecer minha frustração. — Mas por agora, é melhor que mantenhamos as aparências e façamos o que é necessário para garantir nossa posição.
— E quanto a Bianca? Com a gravidez e toda a situação, não é arriscado ela estar na festa de casamento? Talvez seja melhor mantê-la fora dessa. — A pergunta de Roman é feita com um cuidado quase excessivo. Ele não está apenas pensando em protocolos de segurança, mas também no bem-estar dela.
Roman e Bianca sempre tiveram uma conexão forte. As idades semelhantes e o tempo que passaram juntos acabaram os unindo de uma forma que eu nunca consegui entender completamente. Enquanto eu e Vicenzo compartilhávamos uma proximidade intensa, refletida na forma que enfrentamos o mundo juntos, o vínculo entre Roman e Bianca parecia ir além disso.
Roman a defendia com uma ferocidade que beirava o obsessivo. Ele não a via apenas como uma irmã, mas, às vezes, parecia mais que ela era como uma extensão de si mesmo. Para ele, a segurança e o bem-estar de Bianca eram questões pessoais, quase como se qualquer ameaça a ela fosse uma ameaça direta a ele. Cada decisão, cada plano, cada palavra de preocupação parecia girar em torno dela. Eu sabia que todos nós protegemos uns aos outros, mas a relação deles tinha uma intensidade que eu não via em nenhum outro lugar.
Para Roman, garantir a segurança de Bianca era uma questão de vida ou morte, algo que estava enraizado e pulsando, em cada fibra de seu ser.
Observar isso era estranho e, ao mesmo tempo, fascinante. Eu via como Roman se preocupava com cada detalhe, como ele estava disposto a ir a extremos para garantir a segurança de Bianca. Roman não só queria proteger Bianca, ele a via como uma parte indissociável de sua própria vida, como se seu próprio coração estivesse em jogo. Ele não estava apenas cumprindo um papel de protetor; estava imerso em um sentimento de responsabilidade quase visceral.
Mas é assim que os Rossi funcionam.
Foi assim que sempre funcionamos.
Os laços com a nossa família são mais complexos e profundos do que o simples ato de proteger.
— Bianca está avançada na gravidez e sabemos que a situação é volátil. — Roman continua. — Não seria mais seguro para ela ficar em casa, onde ela está mais protegida e menos exposta a riscos?
Sinto que a tensão aumenta à medida que avalio o que Roman está sugerindo. Sei que a segurança de Bianca é crucial, mas também entendo que a presença dela no evento pode ser importante para a imagem e para a família.
— Eu entendo sua preocupação, Roman. — Respondo, tentando manter a calma. — Mas Bianca é parte da nossa família e também precisa mostrar apoio nesse momento. Deixá-la em casa pode levantar mais questões do que simplesmente mantê-la na festa. Além do mais, ela ficaria uma fera se não permitíssemos a entrada dela.
Roman balança a cabeça, mas ainda não está convencido.
— Não é sobre levantar questões. É sobre garantir que ela e o bebê estejam seguros. A presença dela na festa pode ser um risco desnecessário. Se houver algum tipo de incidente, a última coisa que queremos é que Bianca esteja em perigo.
— Então cuide da segurança dela pessoalmente. Vocês dois. — Falo, simplificando a situação ou passaríamos horas naquela discussão.
Lo capisco. — Vicenzo diz, sua voz carregada de um entendimento que não precisa ser explicado.
É isso. Em pouco menos de um mês, estarei casado.
O palco está montado, as peças estão em movimento e o espetáculo está prestes a começar.
Bem vinda a famiglia, .


Capítulo 22



— Você realmente vai casar com ? — Era a voz de Bianca que perguntava, firme, forte, estridente e esmagadora. Eu me casaria com Rossi e, por mais que odiasse o mundo deles, estava prestes a entrar nisso tudo.
— Não sei se tenho outra escolha. — Minha resposta, embora curta, foi repleta de uma sinceridade que eu não sabia de onde vinha. Eu ainda não havia engolido tão bem a história de Lorenzo ser um assassino. Tampouco entendia o que o levou a entrar na máfia. Nunca tivemos uma família próxima, mas tínhamos uns aos outros. Isso devia ter sido suficiente.
Me pergunto se ele lembrava de mim quando estuprava e sufocava mulheres.
— Você tem escolha, . Não se engane. Não se afunde nesse buraco só porque pensa que é o único caminho.
— Tem razão, talvez eu tenha escolhas e casar com seu irmão seja a melhor delas.
Ela ficou em silêncio por alguns minutos, sua mão repousou sobre a barriga já muito saliente e ela suspirou, fechando os olhos. Um sorriso ocupou o seu lábio e imaginei que fosse pelos chutes do bebê.
— Quer sentir? — Ela perguntou, mas senti um medo perturbador. Sua barriga parecia tão fina e vulnerável, mesmo pelo vestido parecia que romperia a qualquer momento. No entanto, me aproximei, colocando a mão direita sobre o seu ventre. — Vou te contar algo que ninguém sabe ainda. São gêmeos.
— Gêmeos… — Repeti, tentando absorver a magnitude da revelação. A sensação dos pequenos movimentos contra minha palma era tão delicada quanto inquietante. A vulnerabilidade da barriga de Bianca era palpável e eu sentia um impulso protetor que eu não sabia que possuía.
Bianca sorriu.
— É um pouco assustador, mas também é maravilhoso. Dois novos começos, dois novos motivos para lutar e viver.
— Espero que eles encontrem um mundo melhor do que este — eu disse, tentando oferecer um conforto sincero.
— Eu também espero. Mas, independentemente do que aconteça, vou fazer tudo o que puder para garantir que eles tenham uma chance.
— Posso te perguntar algo? — Antes mesmo que eu pudesse terminar a frase, ela me olhou atentamente enquanto balançava a cabeça. — Por que você escolheu os ter? Digo, não deve ter sido fácil com irmãos tão controladores e ciumentos, em pleno mundo de crimes e estratégias.
— Não foi fácil — começou ela, com a voz ligeiramente hesitante. — Na verdade, foi uma decisão que me custou muito, tanto emocionalmente quanto mentalmente. Eu escolhi ter os gêmeos porque, apesar de todas as dificuldades e de todo o caos que enfrentamos, havia algo dentro de mim que queria acreditar em um futuro diferente. Um futuro onde eu pudesse oferecer algo de bom, algo que não estivesse manchado pelo mundo em que estamos. — Sua voz tremia um pouco enquanto falava, eu podia sentir sua emoção transbordando, prestes a escapar. — É uma chance para criar algo novo, algo que não seja apenas uma continuação do que já existe, mas algo que possa mudar o curso das coisas, mesmo que eu não tenha certeza de como.
— É corajoso da sua parte. — Foi a única coisa que consegui falar. Eu a admirava, confiava nela de uma forma que não sabia se deveria e conseguia ver a sua força. Bianca era o motivo de eu gostar um pouco dos Rossi. — Acha que… O … Ele espera ter filhos?
— Há um juramento entre os meus irmãos. Nenhum deles quer se tornar pai.
— Juramento?
— Acho que você já percebeu que os Rossi carregam muitos demônios. Meus irmãos simplesmente não querem que esses demônios sejam transmitidos para a próxima geração. Nosso pai nunca foi um homem bom, e foi quem mais sofreu com isso. Quando ele tinha apenas onze anos, Giorgio iniciou sua entrada na famiglia. Sabe como um homem entra na máfia? Primeiro, ele precisa demonstrar o limite de sua dor. passou três meses na cama, imobilizado, e para cada gemido de dor, um osso novo era quebrado. Para cada tentativa frustrada de se levantar, uma nova cicatriz surgia. Eu era muito nova para ajudá-lo, e Giorgio não queria que eu chegasse perto. não queria que eu visse sua dor, e Giorgio não permitia que eu interviesse. Quando finalmente conseguiu se levantar, mesmo com os ossos ainda fora do lugar e a dor intensa, ele teve que lutar, vencer e matar. Com apenas onze anos, ele precisou eliminar onze pessoas, incluindo seus amigos e sua primeira paixão, para provar lealdade à famiglia. carrega essa bagagem pesada, e não sei se ele acredita que é incapaz de amar ou se simplesmente não sabe se pode mudar. Mas uma coisa é certa: ele não quer submeter um filho às mesmas provações e crueldades que ele enfrentou. teme que, se tentar ser diferente de nosso pai, possa falhar e acabar perpetuando os mesmos demônios. Por isso, ele prefere não ter filhos, para evitar que os erros e horrores do passado se perpetuem. É uma maneira de proteger, mesmo que isso signifique abrir mão de algo que ele, em algum lugar, talvez deseje profundamente. Vicenzo segue a mesma linha de raciocínio, eu acho. Ele é mais distante. Às vezes, parece que ele está tão preocupado em manter o controle que acaba se afastando ainda mais. — Ela faz uma pausa, olhando para o vazio com uma expressão carregada de pensamentos. — E tem Roman que… Bem, Roman é um caso diferente. Ele se enfia em qualquer par de pernas que acha numa tentativa de se perder dentro de alguma das vagabundas que come. — Bianca encara a própria barriga, seu olhar se perdendo em pensamentos. — Bom, essa é sua nova família.
— Não é exatamente o que eu esperava.
— O que você precisa saber é que, apesar de tudo, nós somos uma família. Temos nossos próprios demônios e maneiras de lidar com eles, mas, no final, tentamos estar lá uns para os outros. Não é fácil, e muitas vezes não é justo, mas é o que temos. E, agora, você faz parte disso. — Bianca fez uma pausa, como se estivesse escolhendo cuidadosamente as próximas palavras. — pode não demonstrar, mas ele se preocupa com você, de uma maneira que ele nem mesmo consegue expressar direito. Ele se fechou tanto que, às vezes, é difícil ver o que está por dentro, mas, de alguma forma, ele escolheu você. Não é fácil para ele confiar em alguém, então saiba que, quando ele faz isso, é porque realmente acredita em você.
— E o que eu faço com isso? — Pergunto, sentindo o meu coração pulsar de forma desesperadora e inquietante.
— Faça o melhor que puder — Bianca respondeu, mantendo sua voz suave, mas firme. — Seja verdadeira com você mesma e com ele. Não se deixe levar pelos jogos de poder ou pelas aparências. E, acima de tudo, seja leal. Não traia o meu irmão, não o machuque, não pense que pode brincar com ele e, por favor, não quebre ainda mais o coração dele. Apenas… Cuide dele. E cuide de você também.


Capítulo 23



— Trouxe os convites do casamento. — Minha voz sai mais suave do que pretendia. Entro no escritório e encontro mergulhado em seus papéis, o rosto impassível, como sempre. Ele mal levanta os olhos quando entro. Só depois de alguns segundos, seu olhar finalmente me encontra, com uma expressão de confusão. Eu reviro os olhos. — Do nosso casamento, . — Esclareço, enfatizando a palavra com uma leve irritação.
Ele ergue uma sobrancelha, como se fosse óbvio.
— Eu sei. — Ele responde com aquele tom casual que me deixa louca, inclinando-se na cadeira. — Não é como se tivéssemos outros casamentos nessa família.
Eu respiro fundo, tentando não morder a língua. Esse desinteresse constante, essa frieza… Às vezes, me pergunto se ele realmente se importa com alguma coisa, ou se está tão acostumado a controlar tudo que até sentimentos são só mais um jogo de poder.
— Talvez você possa se interessar um pouco mais pelo casamento estúpido que você criou. — Digo, sentindo minha voz menos controlada agora, mas ainda tentando manter a calma.
me olha por cima dos papéis, mantendo em mim os olhos escuros e penetrantes.
— O que exatamente você quer que eu faça, ? — Ele pergunta, com a voz baixa e perigosa. — Quer que eu escolha as flores? Que eu decida o sabor do bolo? Cuidei da segurança, isso já devia ser o suficiente.
— Não é isso. — Eu respondo, irritada com o sarcasmo. — Não me importo com as flores, com o bolo… Só acho que... — Pauso, escolhendo as palavras. — Acho que você devia se importar mais com isso, com o que significa.
Ele inclina a cabeça, me analisando.
— O que isso significa pra você? — Ele pergunta finalmente, com uma seriedade que me desarma por um segundo.
Eu hesito, porque nem eu sei ao certo. Esse casamento é conveniência, uma aliança forçada. Não é amor, nem um conto de fadas. Mas, depois de ouvir Bianca falar sobre ele, sobre o que ele passou, percebo que há mais nele. Há algo que me impede de odiá-lo completamente.
— Significa que estamos presos a isso juntos, . — Eu digo, sem rodeios. — Que, mesmo que a gente não queira, somos aliados agora. E, de alguma forma, isso deveria importar.
Ele me observa em silêncio, sem tirar seus olhos escuros cravados nos meus. Por um momento, acho que vejo um lampejo de algo mais ali – uma faísca de vulnerabilidade que ele tenta esconder. Mas, assim como veio, desaparece. Ele finalmente largou a caneta que segurava e se recostou na cadeira, me encarando de forma direta, me avaliando como costumava fazer tão bem.
, você realmente quer falar sobre isso? Sabemos que este casamento não é exatamente por escolha... Nem para mim, nem para você.
— É claro que não! — Eu rebati, sentindo o calor subir pelo meu pescoço. — Mas isso não significa que temos que agir como dois estranhos o tempo todo. Somos obrigados a isso, eu sei, mas a vida continua depois da cerimônia. E eu só... Eu só acho que poderíamos tentar nos entender. Pelo menos fazer disso algo menos impessoal. — me observava em silêncio, e por um breve momento, algo em seus olhos mudam. Não era muito, apenas uma sombra de compreensão, talvez até cansaço. Ele passou a mão pelo rosto, como se carregasse mais peso do que demonstrava.
— Tem razão, a vida continua depois da cerimônia e eu quero que saiba que as coisas não vão ficar mais fáceis com o tempo. Meu trabalho não é fácil. Eu não sou um homem fácil. — Seu tom de voz agora era tão baixo que, por alguns minutos, a forma que ele falava parecia um pedido silencioso de desculpas. — Nunca fui. E não estou pedindo que você me entenda. Não espero isso de ninguém.
Houve uma sinceridade inesperada nas suas palavras. Pela primeira vez, ele pareceu um pouco mais humano para mim. Não o chefe frio da máfia que eu tanto desprezava por arrastar meu irmão para essa vida. Apenas um homem, tão preso nesse mundo quanto qualquer outra pessoa. Talvez tão preso quanto Lorenzo foi.
— Talvez você devesse parar de esperar o pior de mim, então. — Eu arrisquei, tentando encontrar um equilíbrio entre a frustração e o alívio. — Eu não sou a sua inimiga, .
Ele me observou por mais alguns segundos, mas seus olhos escuros analisavam cada detalhe do meu rosto como se estivesse tentando desvendar algo.
— Bianca me disse algo sobre você. — Digo de repente, mudando o rumo da conversa.
Ele respira fundo, desviando o olhar, desconfortável. Essa é a primeira vez que eu o vejo assim, sem a armadura que normalmente carrega.
— Bianca fala demais. — Ele murmura, mas sem a usual dureza.
— Talvez. — Dou um pequeno sorriso, mas ele não devolve. — Mas ela está certa?
Silêncio.
Não havia mais o que dizer. Eu o entreguei os convites, o papel entre nós um lembrete da formalidade que estávamos prestes a encarar. Eu me virei para sair, mas antes de alcançar a porta, ouvi sua voz.
.
Me virei de volta, esperando.
— Eu não sou o monstro que você acha que sou. — Ele disse, sem olhar para mim, de volta aos seus papéis. Mas havia algo mais naquelas palavras. Algo que eu guardei para mim. Uma admissão silenciosa que me pegou de surpresa, mesmo que sutil. Não sei o que esperava ouvir, mas definitivamente não era isso. Por um instante, vejo o homem por trás da fachada, o que Bianca tentou me mostrar. E, por algum motivo, senti meu coração batendo por ele.
Engoli em seco, buscando alguma coisa para dizer. Parte de mim queria ignorar aquele vislumbre de vulnerabilidade que ele me oferecia, mas outra parte, talvez a que tinha ouvido Bianca falar sobre o que ele realmente era, não queria. Porque, por mais que eu não quisesse admitir, eu via que havia muito mais no do que apenas a imagem do chefe da máfia.
— Eu espero que não seja. — Acabei respondendo com a voz mais baixa do que eu esperava.
Rossi não era o homem que eu pensava conhecer.
Talvez ele fosse pior.
Talvez ele fosse melhor.
De qualquer forma, pior ou melhor, ele seria meu marido. E estava me causando mais nervosismo do que um simples acordo deveria. Havia uma vulnerabilidade nele que me desarmava. Agora, em vez de desprezo, eu sentia uma empatia crescente. O que eu faria com isso?


Capítulo 24

Rossi


Assim que saiu do escritório e o silêncio voltou a se instaurar, olhei para os convites de casamento espalhados sobre a mesa. Rossi & . As letras em dourado reluziam sob a luz suave da sala. Parecia final, definitivo, como se já estivesse cravado o que deveria acontecer.
O barulho de uma porta se fechando me tirou dos pensamentos. Roman entrou sem bater, como sempre, com um copo de uísque na mão e o jeito relaxado de sempre. Ele tinha esse jeito despreocupado que, de certa forma, me irritava e tranquilizava ao mesmo tempo.
— O que você está fazendo? — perguntou, com uma sobrancelha levantada.
— Apenas analisando meu futuro, aparentemente. — Respondi, passando os dedos sobre o papel. O nó no meu estômago se apertava.
— Os convites do casamento, huh? — Ele sorriu, mas não era um sorriso feliz. Era um reconhecimento do absurdo da situação. — Pensando se vai sobreviver até o altar?
Eu suspirei, apertando a ponta do convite entre os dedos.
— Algo assim. — Fiz um gesto amplo com a mão, jogando para frente os convites, como se tentasse empurrar a realidade para longe.
— Pronto?
— Pronto? Não sei nem se alguma vez estive perto de estar. Eu não posso ser como nosso pai, arrastando todo mundo para a escuridão.
Roman inclinou a cabeça, o sorriso se desvanecendo.
— Você não é nosso pai. E não é uma vítima. Você precisa parar de tratá-la como se fosse.
Roman se jogou na poltrona à minha frente, cruzando os braços com aquela confiança que ele exalava naturalmente. Ele não era de falar muito sobre sentimentos, mas sempre soube quando a situação pedia.
— Não é o fim do mundo, . Você vai sobreviver.
— Fala isso como se fosse algo simples. — Eu disse, sem tirar os olhos dos convites. — Não é só sobre o casamento. Tem muito mais envolvido.
— Claro que tem. — Roman respondeu, com o tom mais sério do que de costume. — Mas, por que você sempre acha que precisa carregar o mundo nas costas? Olha, fratello, ninguém nunca está completamente pronto para esse tipo de coisa. — Ele deu de ombros. — Às vezes você só tem que pular.
— Fácil para você falar. — Respondi, sem conter a irritação. — Você nunca teve que lidar com esse tipo de responsabilidade. Ele ficou em silêncio por um momento e vi o semblante dele mudar. A sombra se alastrou pelos olhos claros. Roman raramente deixava transparecer fraqueza. Eu sabia que ele tinha os seus demônios, mas ele nunca foi de compartilhar muito. Talvez, por isso, eu me sentia responsável por protegê-lo.
— Talvez não desse jeito. — Ele disse, com a voz mais baixa. — Mas isso não significa que eu não tenha pensado nisso.
— Como se você pudesse me dar conselhos sobre casamento. Roman Rossi, o mais desapegado de todos os irmãos, agora conhece e palpita sobre o amor?
Roman deu de ombros, mantendo um sorriso de lado que não continha emoção. Ele bebeu uma dose grande do seu uísque, evitando o meu olhar, como se escolher as palavras certas fosse crucial e passou a mão pelo cabelo, bagunçando-o ainda mais.
— Eu sei o suficiente para dizer que eu não sou o melhor exemplo. Nunca deu certo pra mim, então pelo menos um de nós tem que acertar nisso, entende? Você tem uma chance, . Não perca isso.
Fiquei em silêncio, observando-o.
A forma como ele disse aquilo me atingiu. Era raro Roman se abrir, mesmo que de forma sutil. Eu sabia que Roman tinha suas questões com mulheres, o vício em sexo e relacionamentos passageiros como se sempre estivesse tentando preencher um vazio que nunca é saciado. Sabia também que ele tinha alguém no fundo de sua mente que sempre o transtornava, mas ele a mantinha bem escondida.
— Você já teve a chance de fazer dar certo? Com alguém?
Ele me olhou por um segundo, avaliando se devia continuar. Depois de um longo silêncio, deu de ombros, com um sorriso meio forçado nos lábios.
— Havia uma garota, ela era tudo que eu não esperava e tinha a porra de uma luz que iluminava até os dias mais sombrios. Quando eu me apaixonei por ela, achei que tinha encontrado algo real. Algo que fazia sentido em meio a todas as sessões de sadismo de Giorgio. Eu me deixei levar por ela e foi a melhor coisa que fiz, foi novo pra mim. Ela era tudo o que eu nunca soube que precisava. Intensamente viva, cheia de sonhos, mas eu a deixei ir. Sabia que, se continuássemos, ela se machucaria. Ele a machucaria. Ela poderia suportar isso, mas eu não. Era uma escolha difícil, mas era o que eu tinha que fazer. Não queria ser o motivo da dor dela. Ela ainda está por aí, mas nunca será minha. E isso é algo que eu tenho que carregar. — Ele murmurou. — O fato é que não rolou. Não funcionou comigo, nunca funcionaria, mas pode ser diferente com você.
Fiquei quieto, deixando as palavras dele ecoarem na minha mente. Eu sempre quis proteger a todos os meus irmãos, mas Roman e Bianca sempre foram os que eu mais me dedicava a isso, desde que éramos crianças. Bianca por ser mais nova, Roman por ser o mais frágil, o adotado, mas nunca o menos importante. Sempre achei que ele se deixava levar pela vida, pelas mulheres, como se nada nunca pudesse atingi-lo de verdade. Agora, começava a ver que, talvez, ele tinha sofrido mais do que eu imaginava.
— Não faça como eu. Não perca o que pode dar certo pelo medo do que pode dar errado. Non ti preoccupare, fratello. — Ele disse, dando mais um gole e voltando à sua postura descontraída. — Só faça isso dar certo. Algum de nós precisa ser feliz no amor. — Ele deu um sorriso de canto, levantando o copo como se brindasse ao meu futuro.
Quando ele se afastou, fiquei ali, olhando para os convites novamente, sentindo o impacto de suas palavras. Roman sempre escondeu bem seus sentimentos, mas, por trás de todo o seu desprezo pelo compromisso, havia mais. Muito mais. E, pela primeira vez, me perguntei quem era essa pessoa que ele amou – ou ainda amava – e que nunca deu certo. Eu provavelmente nunca iria saber.
A única coisa que eu sabia era que, se Roman acreditava que eu podia ser feliz, então talvez ele estivesse certo. Ele podia ser confiante, despreocupado e, às vezes, irresponsável, mas nunca errava.


Capítulo 25




Em apenas dezessete horas eu iria me casar.
Eu iria me casar com um homem que eu não amava, entrando em uma família que eu não pretendia e esperando que, de alguma forma, isso fosse salvar a vida do meu irmão. Pelo menos um deles, o que ainda estava vivo, o que ainda não tinha sido arruinado pelos Rossi. O que droga eu estava fazendo, céus?!
Eu me olhei no espelho do quarto. O vestido de noiva estava pendurado ali, como um peso branco e gigante que pairava sobre meus ombros. O tecido parecia zombar de mim. A pureza que ele representava não tinha lugar na minha alma. Eu sempre quis me casar, sempre imaginei Lorenzo me levando ao altar e, ainda assim, eu não podia voltar atrás. Eu não podia querer menos esse casamento porque, no fundo, sabia que isso não era apenas sobre mim. Sabia que não me amaria. Era um casamento fadado à falta de amor, mas Lucca dependia disso. E eu estava disposta a fazer qualquer coisa por ele.
Eu não sabia. Eu não sabia de mais nada, exceto que o relógio não parava. Em dezessete horas, meu mundo mudaria para sempre. E, de alguma forma, eu esperava que, com ele, eu também pudesse mudar. Fechei os olhos por alguns segundos, tentando encontrar alguma paz dentro de mim. Alguma partícula, por menor que fosse, que acreditasse na felicidade que aquilo traria. Eu não sabia o que esperar, mas sabia que minha vida, como eu conhecia, estava acabando. O casamento com não era um recomeço; era um fim.
— O vestido não vai te morder. — A voz de Vicenzo cortou o silêncio, e eu dei um pulo, assustada. Ele estava parado na porta, me olhando com aquele olhar penetrante e desconfiado que eu não sabia como interpretar. Eu não disse nada de imediato. Não sabia se ele me observava com curiosidade ou julgamento. Talvez fossem os dois.
Vicenzo permaneceu por mais alguns segundos, como se estivesse esperando por algo, talvez uma palavra, uma reação que nunca viria. Quando percebeu que eu não tinha mais nada a dizer, ele deu um suspiro baixo e se virou, andando em direção à porta. Antes de sair, ele parou brevemente e lançou um olhar por cima do ombro, mantendo o olhar inconfundível e impenetrável de sempre.
— A vida não é sobre sonhos, . Nunca foi. Acostume-se a isso. — Foi o último aviso antes que ele saísse, fechando a porta atrás de si com um leve estalo.
Eu me virei novamente para o espelho, encarando minha imagem. Em dezessete horas, a mulher no espelho não seria mais eu. E, de alguma forma, isso era o que mais me aterrorizava. Não seria apenas o casamento que me mudaria. Seria tudo o que viria depois. A aliança que colocaria no dedo, a cerimônia, as palavras que seriam ditas... Nada disso me pertencia.
Eu fiquei ali por um momento, tentando me reunir, tentando encontrar alguma parte de mim que ainda fosse inteira.
“O vestido não vai te morder.”
Eu me aproximei dele, tocando o tecido suave com os dedos, sentindo o peso de tudo o que aquilo representava. Mas antes que pudesse dar o próximo passo, ouvi a porta abrir novamente, com um rangido baixo. Surpresa, virei rapidamente para ver quem estava ali.
entrou. Ele parou alguns passos à minha frente, olhando-me como se estudasse cada movimento que eu fazia. Eu senti o coração acelerar um pouco, mas, ao mesmo tempo, uma sensação de alívio.
Era ele.
Era... estranho, mas era ele.
Ele deu um passo para dentro do quarto, a porta se fechando atrás dele com um leve clique. parecia mais sério do que o normal, e por um instante, eu senti que ele estava prestes a dizer algo que eu não queria ouvir. Mas, ao invés disso, ele simplesmente se aproximou da janela, ficando em silêncio por um momento.
— Vamos sair. — Eu franzi a testa, desconfiada. O que ele queria dizer com "vamos sair"? — O casamento pode não ser o que você quer, , mas não precisa ser um pesadelo.
Eu senti uma estranha mistura de surpresa e confusão. Ele estava falando de uma maneira que eu não esperava. Não havia sarcasmo, nem desdém, apenas... Uma sinceridade inquietante. Sufocante. Confortante.
— O que você está sugerindo? — Perguntei, a voz vacilando um pouco. Ele me olhou nos olhos, mantendo o contato por mais tempo do que eu esperava, e então, finalmente, respondeu.
— Estou sugerindo que, por um momento, você pare de pensar no que perdeu. Não precisa ser um conto de fadas, . Mas também não precisa ser uma sentença de morte.
Eu fiquei em silêncio por um momento, processando suas palavras. Aquelas não eram as palavras que eu esperava ouvir de . Ele nunca foi de oferecer consolo, muito menos de tentar suavizar a realidade. E, ainda assim, ali estava ele, olhando para mim como se tentasse me dar uma saída – ou, ao menos, um pedaço de alívio.
Mas o pior não era o conforto momentâneo que ele oferecia, era o fato que eu não fazia ideia do que fazer com aquilo. Então fiz a única coisa que eu conseguia.
Eu balancei a cabeça, e sai com ele.
Eu não disse uma palavra enquanto seguia pelo corredor. O fato de que ele me deixava tomar minhas próprias decisões, por mais pequenas que fossem, me fazia sentir uma estranha mistura de alívio e insegurança. Acho que esse é o ponto do controle. Em um momento você está tão acostumada a ter tudo controlado, a planejar cada detalhe da sua vida que, de repente, não saber o que viria depois nos deixa paralisados. Quando chegamos à porta, ele a abriu sem hesitar, e o ar fresco da noite invadiu o ambiente, trazendo com ele um respiro de liberdade que, naquele momento, parecia uma fuga.
Eu sabia que não estava escapando de nada, mas naquele instante, ao lado de , parecia que eu estava.
olhou para mim por um instante antes de começar a caminhar em direção à rua. Eu o segui, ainda sem palavras.
— Onde estamos indo? — Perguntei finalmente, mas sentia a incerteza em cada lugar de minha voz. não respondeu imediatamente. Ele parecia ponderar, o que era raro nele. Normalmente, tudo o que ele fazia tinha um propósito claro.
— Só... Um lugar. — A resposta dele foi simples, quase vulnerável, o que me pegou de surpresa. Rossi vulnerável? Não, isso não parecia certo.
Eu o olhei, tentando entender o que estava acontecendo entre nós. E, por mais que fosse difícil de engolir, eu sabia que ele não estava tentando me manipular. Eu podia confiar nele, por mais estranho que isso soasse.
A rua estava silenciosa, exceto pelo som suave dos passos de , que caminhava em direção ao carro com sua postura característica — ereta, controlada, como se o mundo ao seu redor fosse apenas um palco para ele. Quando ele chegou ao veículo, parou por um momento, então ele abriu a porta do carro.
— Entra. — A voz dele era baixa e firme, mas não era um comando.
Quando me aproximei do carro, ele deu um passo para o lado, deixando-me passar, mas não antes de seu olhar pesado se fixar em mim. Ele esperou até que eu estivesse quase entrando, e, quando eu já estava no banco do passageiro, se inclinou para dentro, fechando a porta com uma precisão que parecia ter sido ensaiada um milhão de vezes. O som suave das portas do carro se fechando ecoou pelo silêncio, e, por um momento, tudo o que pude ouvir foi a batida do meu coração acelerado.
A janela escura ao meu lado refletia um borrão de luzes da cidade, mas minha atenção estava completamente nele. não olhou para mim, como era de se esperar, seus olhos já fixos no volante, as mãos firmes no lugar certo. O terno preto que ele usava parecia perfeito, como sempre, e os cabelos escuros estavam penteados para trás, sem um fio fora do lugar. Seu rosto estava sério, os músculos da mandíbula tensos, como se estivesse travando uma batalha silenciosa consigo mesmo. Ele estava impecável como sempre.
— Por que está fazendo isso? — Perguntei sem pensar. Minha voz era suave, mas carregava toda inquietação que eu sentia.
Ele não respondeu de imediato. O carro deslizou pela rua, seus pneus roçando suavemente o asfalto, mas ele não parecia se apressar. Como se estivesse ponderando a pergunta, ou talvez escolhendo as palavras certas. Ou mais provavelmente, como sempre, ele só sabia o que fazer sem precisar falar muito. Finalmente, ele virou ligeiramente a cabeça para mim. Não era surpresa, mas o olhar dele era tão intenso que fazia meu estômago se revirar.
— Porque você precisa disso. — A resposta foi direta, fria, sem rodeios.
"O que mais eu preciso?", senti vontade de perguntar. Ele provavelmente sabia a resposta, mas ele não diria. nunca dizia mais do que o necessário.
O carro desacelerou, e o som do motor se tornou mais suave até que finalmente parou. Eu olhei pela janela, tentando identificar o lugar, e logo percebi que estávamos estacionando em frente a um restaurante elegante. A fachada era discreta, mas a iluminação suave e o ambiente intimista davam a sensação de ser um local que não precisava de ostentação para ser notado. desligou o carro e, com um gesto quase automático, saiu e veio até a minha porta, abrindo-a para mim. Eu não disse nada, mas agradeci com um simples aceno de cabeça. Quando entramos no restaurante, o ambiente era acolhedor.
Ele parecia confortável ali, mais humano.
Eu me sentei à frente dele e, sem pedir, o garçom rapidamente se aproximou da mesa.
Apportez-moi une bouteille de Château Lafite Rothschild, 1996.¹ — Ele disse com a voz baixa, mas firme, de um homem acostumado a ser obedecido.
O garçom não hesitou nem por um segundo. Ele acenou com a cabeça, compreendendo o pedido e, em seguida, esperou que eu fizesse o meu próprio pedido.
De l'eau gazeuse, s'il vous plaît.²
O garçom concordou, anotando e nos trouxe o menu. Em seguida se afastou.
— Você fala francês?
Un peu.³
— Acho que você entende mais do que apenas "um pouco", .
O garçom voltou, colocando a garrafa de Château Lafite Rothschild na mesa com cuidado, o som suave do vinho sendo derramado ecoando no ambiente silencioso. olhou para a taça, depois para mim, e, por um momento, não disse nada. O aroma do vinho se espalhou pela mesa, rico e pesado. Ele pegou sua taça com a mão firme, os dedos deslizando pela base do cristal, e olhou para mim, desafiando, como sempre, meus gestos.
— Você não bebe vinho?
— Não esta noite.
— Você nunca falou muito sobre... Você. — A frase de me pegou de surpresa. Ele estava tentando se abrir?
Eu olhei para ele, confusa, mas o tempo de resposta foi imediato.
— Porque eu não sei o que falar sobre "mim". Não tem muito a ser dito.
— Tem algum lugar que deseja conhecer?
— Sinceramente? Não sei. Acho que gosto de Paris.
— Paris... — repetiu, pensativo. — Nunca pensei que você fosse o tipo de pessoa que acredita em fantasias.
Eu o observei, tentando entender o que ele queria dizer com isso. Ele tinha essa maneira de falar, como se a realidade fosse a única coisa que realmente importasse, e tudo o mais fosse irrelevante, ou até inútil.
— Não é bem uma fantasia. — Respondi, buscando palavras que fizessem sentido. — Eu acho que, no fundo, todo mundo tem algo assim. Um lugar, uma ideia, que faz a vida parecer um pouco mais... leve.
Ele se recostou na cadeira, observando o vinho na taça. Parecia refletir sobre as minhas palavras, mas ao mesmo tempo, ele era tão fechado que era impossível saber o que ele estava realmente pensando.
— Por que me trouxe aqui? Digo, tem vários lugares na cidade que poderia ter me levado. Por que esse lugar?
— Não tem um significado. Eu vinha aqui com o meu pai. Ele gostava desse lugar. Dizia que, entre os negócios, a comida e o vinho, podia encontrar um pouco de paz.
— Por que você não sorri?
Ele parou alguns segundos, talvez tentando imaginar se eu estava mesmo perguntando aquilo. Encolhi um pouco os ombros, envergonhada por não pensar mais antes de perguntar. Ele pareceu perceber meu gesto.
— Eu sorrio quando há motivo.
"Quando há motivo", não parecia suficiente. Aquele homem, que estava sempre no controle, sempre tão fechado, parecia se dar ao luxo de sorrir apenas nas raras ocasiões em que realmente queria, quando algo realmente o tocava. Mas eu sabia que, com ele, aquilo não era simples. Nada sobre ele era simples.
Por que eu estava tentando desvendá-lo, afinal? Porque minha respiração estava cortada, como se eu estivesse prestes a ser empurrada para uma água infestada de tubarões?
Ele é apenas um homem, .
Um homem que vai ser meu marido.
Ele olhou para mim e eu olhei para ele. Quando um canto de seus lábios se ergueu, percebi que ele estava quase se divertindo.
— Vai ficar me encarando o tempo todo ou vai falar alguma coisa?
E então ele fez uma sequência de coisas que eu não esperava. Ele riu. Suavemente, sombriamente. O tipo de risada que é impossível se dar quando se tem boas intenções. O tipo de risada que as paredes não esquecem. O calor se enrolou no meu estômago e subiu pela minha garganta. Eu o olhei ainda mais, encarando-o, vendo os dentes perfeitamente brancos e as feições de vilão que ele tinha. Que ele era.
— Você ainda não tinha percebido? Eu adoro encarar você, . — Seu olhar permaneceu em meu rosto por um tempo, um curto período de tempo, antes de descer pelos meus ombros e se perderem nas curvas dos meus seios. Havia uma mesa na nossa frente, mas pareceu que não. Eu pude sentir minhas coxas ardendo com o olhar dele, conforme descia da minha barriga até uma parte da pele que a mesa escondia.
Meu ar continuou desaparecendo, tornando minha respiração impossível e eu sabia que aquilo não era bom.
Nada que pare sua respiração pode ser algo bom.






¹ Traga-me uma garrafa de Château Lafite Rothschild, 1996.
² Água com gás, por favor.
³ Um pouco.



Capítulo 26

Rossi



Meu pai tinha sido péssimo em muitas das coisas que se propusera a fazer, mas quando se tratava de me ensinar, ele era imbatível. As lições dele não eram sobre moralidade ou ética, mas sobre sobrevivência. E, por mais que eu tentasse, eu não conseguia me desvencilhar das suas regras. Elas estavam em minha carne, em meus ossos. Estavam impregnadas na minha pele. Em toda merda que eu fazia, ele ainda estava lá.
Havia regras, suas regras, e eu me mantinha firme em segui-las. Entre todas, as que mais me atingiam, as que me viam acordado até no meio da noite, eram:
1. Não saia de casa desarmado, nunca.
2. Não se meta em situações das quais você não possa sair.
E, agora, olhando para a situação em que me encontrava, eu sabia que estava a pouco, muito pouco, de quebrar uma delas. E eu odiava isso. Sempre fui capaz de controlar qualquer situação, de lidar com qualquer pessoa, qualquer ameaça, com a frieza que meu nome exigia. Mas com ela, era diferente. Ela não era uma ameaça óbvia. Não uma que eu pudesse matar ou submeter, ela tinha algo que eu nem sabia como lidar.
O leve sorriso que eu tinha usado para despistar começou a desaparecer assim que um grupo de russos entrou no restaurante. O olhar duro, o jeito de andar quase militar, a forma que os cabelos eram raspados e as tatuagens à mostra, provavelmente soldados de Nikolai. estava quieta ao meu lado, aparentemente ainda em um estado mais relaxado, o que me fez me arrepender de tê-la trazido aqui. Não era o que ela precisava.
— Sei que te trouxe aqui pra tirar a preocupação da cabeça, mas... — Eu comecei, mantendo a minha voz mais baixa, quase como se estivesse tentando fazer isso parecer mais uma conversa privada do que uma informação necessária. — Outra bem maior acabou de entrar. Não vai ser um problema, só estou te avisando porque vão ter situações bem comuns no nosso cotidiano de casados. Somos aliados dos russos, mas ainda assim eles me torram a porra da paciência. E, por acaso, alguns deles acabaram de entrar. Não vou me meter em confusão. Só fique longe deles, tudo bem?
olhou para o grupo, e seus olhos se arregalaram por um breve segundo. Ela deve ter percebido algo que eu não. Talvez fosse o mesmo olhar que eu via nos olhos daqueles filhos da puta. Mas ela se recompôs rapidamente em seus gestos.
Ela não fazia ideia do quão perto estávamos de algo que não podia ser controlado. Eu odiava russos, eles eram imprevisíveis demais para serem incluídos em qualquer tipo de ocasião.
— Eu... preciso ir ao banheiro. — A voz dela estava levemente trêmula, e a decisão parecia sair apressada, sem muito espaço para explicações. Eu não a impedi. Apenas acenei com a cabeça, mantendo os olhos no grupo à distância.
Ela me olhou uma última vez, visivelmente nervosa, antes de se afastar. Cada passo dela parecia mais apressado, mais decidido, e eu fiquei observando, contando mentalmente os segundos. Mas, mesmo que eu quisesse ir atrás dela, eu sabia que não podia. Aqueles homens eram mais preocupantes do que eu queria admitir e eu podia atrair a atenção deles para mim, mas não para ela. Não ainda.
Quando ela desapareceu na direção do corredor, eu soltei um suspiro baixo e amaldiçoei mentalmente a situação. Por que sempre tem que ser tão complicado?
Eu mantinha o foco nos russos à minha frente, mas não era só o maldito grupo que me incomodava. Era a sensação de que tudo estava prestes a desmoronar. Eu precisava tomar o controle, e precisava de uma brecha, uma desculpa qualquer, para sair dessa merda sem que fosse um show de horrores.
Eu estava a ponto de me levantar e ir atrás dela quando uma das figuras do grupo russo se levantou, olhando diretamente em minha direção.
Porra.
— Olha, temos o senhor Rossi conosco essa noite. — O tom dele era provocador. Como se esperasse que eu reagisse.
Porra, não é hora para esse tipo de merda.
A raiva subiu um pouco. Eu podia ver o sorriso dele, e nunca quis tanto quebrar alguns dentes.
— Não gosto que me chame assim. Nikolai não te ensinou a respeitar quem pode enfiar uma bala na sua cabeça? — A minha voz saiu baixa, firme.
Ele recuou, mas manteve o sorriso ainda no rosto, com menos confiança. Não havia mais graça na coisa. Eu odiava esse tipo de provocação, mas ali, naquele lugar, com por perto, não poderia cair na armadilha.
— Calma, somos amigos. Não é? — Ele falou, tentando suavizar a tensão com palavras vazias.
O russo levantou uma mão, como se tentasse se desculpar, mas sua expressão estava longe de ser amável. Ele sorriu de forma arrogante e recuou um passo, talvez porque soubesse que se fosse mais longe, as consequências seriam rápidas e diretas.
Eu o encarei, ainda com a respiração controlada, sabia que ele estava me provocando, tentando arranjar uma desculpa para mais uma roleta russa. Não eram inimigos diretos, mas havia um respeito calculado. Ele sabia quem eu era, o que eu representava, mas também sabia que, por mais que fosse uma bomba-relógio, a única coisa que nos separava de um estrago imenso era esse respeito tácito.
O resto dos russos ainda estavam sentados, mas aquele olhar cruzado era tudo o que eu precisava.
Não agora. Não aqui. Eu repeti para mim mesmo.
Eu estava tão perto de perder o controle e fazer algo estúpido.
Eu precisava sair de lá, mas não queria causar um estardalhaço que jogasse tudo em cima de . Eu sabia que o que quer que acontecesse ali, ela não deveria ver.
Ela não deve ver isso. Não agora.
Porra. Onde ela foi?
estava demorando. O que quer que fosse, ela não era parte disso, e se eu deixasse que ela se metesse no meio, ia foder tudo.
Ela não deveria estar aqui, caralho.
Eu estava a ponto de perder o controle quando finalmente a vi. apareceu, e a merda que eu não queria ver estava estampada em seu rosto. Ela estava visivelmente nervosa, tremendo levemente. Porra.
Minha visão se fixou nela, analisando cada movimento, cada pequeno gesto. Eu conhecia esse tipo de tensão. Eu sabia o que significava. Ela não precisava dizer uma palavra; o corpo dela estava falando mais do que qualquer frase poderia. O jeito que ela passou a mão pelo cabelo, como a mandíbula dela estava rígida, o olhar fixo no chão, como se estivesse se forçando a respirar normal – tudo isso me dizia que ela estava nervosa. Com medo, até.
Meu instinto me dizia para levantar, segui-la até o banheiro, puxá-la para mais perto de mim e protegê-la. Mas eu não podia fazer isso. Não agora. Não na frente dos russos.
... — Minha voz saiu mais calma do que eu sentia. Meu olhar não se desviou dela. — O que aconteceu?
Ela me olhou com os olhos grandes, a boca um pouco aberta, tentando encontrar palavras. Não havia palavras, na verdade. Ela estava assustada, e a última coisa que eu queria era que ela ficasse ainda mais nervosa. Porra. Eu podia sentir a confusão vindo pela minha direção. E eu só queria que ela ficasse longe disso.
— Podemos ir embora? Por favor.
Meus olhos estavam fixos nos russos. Eles sabiam que estavam me testando. E eu já estava farto disso. Mas ela... ela não precisava ver. Ela não deveria ver. O medo dela estava me engolindo aos poucos, e eu não sabia como controlar isso. O que quer que fosse, ela estava me deixando em um lugar onde eu não sabia mais o que fazer.
— O que aconteceu?
— Nada, eu só quero ir embora.
Eu sabia que não era nada. O corpo dela estava gritando o oposto. A tensão, o modo como ela mantinha as mãos firmes, os dedos apertados nas roupas como se estivesse tentando se agarrar a algo. A respiração dela estava irregular, o que só confirmava o que eu já sabia. estava em pânico.
— Foi algum deles? — Eu perguntei. Ela não me respondia, mas estava evidente que algo a tinha abalado. Eu me inclinei um pouco para frente, sem quebrar o contato visual, sentindo a urgência que emanava dela. — O que fizeram, ? — Perguntei, sem esconder a irritação que agora estava se misturando à minha preocupação. Ela engoliu em seco, como se quisesse falar algo, mas as palavras escaparam antes que ela tivesse chance de formar uma resposta. Ela estava visivelmente se segurando, e isso só me deixava mais irritado. — Eles tocaram em você?
— Não! Foi algo estúpido. Ele só… Ameaçou fazer e puxou a alça do meu vestido. Não foi nada demais, eu só quero ir embora.
Eu sabia que ela estava tentando se segurar, tentando não dar mais importância a algo que, para ela, já deveria ser minimizado. Mas eu não podia deixar isso passar. Não podia simplesmente deixar de lado qualquer sinal de ameaça, qualquer gesto, qualquer coisa que fizesse com que ela ficasse assustada. Quando ela falou, a raiva que crescia dentro de mim foi instantânea, mas não era apenas raiva. Era um impulso. Uma necessidade de fazer com que aquilo fosse resolvido imediatamente, de proteger a única coisa que me importava mais do que qualquer outra coisa no mundo naquele momento. Ela.
— Qual mão ele usou? — Perguntei com calma, mas a urgência estava ali.
Eu a encarei por um momento, tentando controlar a raiva que queimava dentro de mim. Ela estava visivelmente abalada, e isso me deixava ainda mais enfurecido. Não era só uma questão de defesa, era uma questão de respeito. Ninguém, ninguém, tinha o direito de sequer olhar para ela de forma errada, muito menos tocá-la ou ameaçá-la.
— Não! , por favor. — Fechei meus olhos, respirei fundo e me levantei.
Eu passei a mão pelo cabelo, pressionando os olhos fechados por um momento, sentindo o peso da situação. A última coisa que eu queria era que ela visse o lado mais escuro de mim agora. Mas estava além disso. Quando alguém coloca a mão nela, toca nela... esse é o ponto de não retorno. Eu me virei para ela com a intensidade de um homem que já viveu tudo o que há para viver em um mundo de violência, de sangue e de promessas quebradas.
— Eu só vou conversar. — Minha voz foi mais baixa. O tipo de voz que não aceita negativas. Mas a merda era que ela sabia o que aquilo significava. Não era só conversar. Não era um aviso. — Agora eu preciso que você pegue as chaves do meu carro, vá pra lá, se tranque lá dentro e me espere. Tudo bem? — Minha voz foi um comando, e não tinha espaço para discussão. Não era uma negociação. Era um ponto final. Eu podia ver a tensão nos seus ombros, o jeito como ela se segurava para não perguntar mais, não tentar entender o que estava por trás disso. Mas ela sabia. No fundo, ela sabia que eu não era o tipo de homem que se perde em palavras. O que eu dizia, se não fosse obedecido, se virasse um problema, seria uma consequência que ninguém no mundo estaria preparado para pagar. Fui até ela e, sem pensar muito, beijei o topo da cabeça dela. Um gesto que eu não sabia que precisava até aquele momento, até ver aquele olhar de insegurança nos olhos dela. Ela estava apavorada. Eu poderia sentir isso sem nem precisar tocar nela. E a última coisa que eu queria era deixá-la sozinha ali, exposta. Não por culpa dela. Ela não era responsável por essa merda toda. — Daqui a pouco eu vou. — Eu disse isso mais para mim do que para ela.
— O que você vai fazer? — Mas eu não queria que ela soubesse o que eu ia fazer. Não queria que ela visse a verdadeira extensão daquilo. Eu tinha que protegê-la de tudo isso, o que significava manter a merda longe dela, longe do que ela já estava vendo.
— Eu pedi para você ir para o carro. Não vou demorar.
Eu a vi hesitar por um segundo, provavelmente ainda lutando contra o impulso de me seguir, de tentar entender o que eu estava fazendo, mas eu não ia permitir que ela fizesse isso. Ela finalmente deu um passo para trás, seus olhos presos nos meus, antes de se virar e começar a caminhar na direção do carro, quando ela entrou e se trancou lá dentro, eu respirei fundo.
Seria rápido, mas não seria bonito.
Caminhei até o garçom que estava por ali, e o olhei com uma expressão que não deixava espaço para dúvidas.
— Baixe as cortinas. — Minha voz estava baixa, mas as palavras carregavam uma ordem que ele não ousaria questionar. Ele não hesitou. A sala foi ficando mais escura, e o ambiente mais privado, mais fechado. Ninguém veria o que ia acontecer a seguir.
Eu respirei fundo e segui em direção aos russos. Eles estavam rindo, conversando. Quando me aproximei da mesa, notei o pequeno desconforto no olhar deles. Eu fiquei de pé ali, como se fosse o dono de tudo. E eles sabiam que eu era.
— Sabe a mulher que estava no banheiro há cinco minutos atrás? — Ninguém respondeu, mas todos estavam ouvindo. Meu olhar estava fixo no cara que estava mais perto de mim, os olhos dele começando a se arregalar, percebendo o que estava acontecendo. — É a minha mulher. — O cara que parecia ser o mais insolente na mesa tentou manter a compostura, mas seu corpo já estava cedendo. Ele tentou sorrir, mas o sorriso desapareceu tão rápido quanto apareceu. — E você sabe o que acontece quando alguém mexe com a minha mulher, não sabe?! — Eu não estava perguntando. — Eu perguntei quem foi e qual mão usou, mas ela não quis me dizer. — Fui direto, sem pressa, com a voz fria e baixa. O silêncio era pesado, e a única coisa que quebrava a quietude era o som das respirações nervosas. — Então acho que vou ter que cortar a mão de todos vocês, mas isso vai fazer uma bagunça do caralho e eu não tenho tempo porque meu casamento é em algumas horas.
A raiva que eu estava segurando se manifestava como um veneno correndo pelas minhas veias, quente e assassino. Eu não dei tempo para mais um segundo de dúvida. Eu dei um passo à frente e, num movimento quase imperceptível, a lâmina da faca desceu em direção ao pulso de um dos russos, mais rápido do que ele pôde reagir. O som da lâmina cortando a carne foi seguido por um grito abafado. Ele não teve tempo de entender o que aconteceu até que a dor lhe atravessasse o corpo, e a lâmina já estivesse na mesa, pronta para o próximo.
Eu só queria saber quem tinha tocado nela.
Eu só queria saber quem ousou colocar a mão nela.
— Eu não gosto de ser desrespeitado, isso me coloca em uma situação meio chata, sabe? Amanhã é a porra do meu casamento e hoje eu estou manchando um dos meus ternos favoritos de sangue. — A minha voz saiu firme, sem emoção. Eles sabiam que o próximo seria o braço dele. Ou os olhos. Ou a porcaria da cabeça inteira. Um dos caras mais ao fundo tentou se levantar, mas antes que ele fizesse qualquer movimento, eu ergui a mão, apontando para ele. Ele parou no lugar, com os olhos arregalados, sem saber se a morte estava próxima ou não.
Me inclinei para frente, segurando a lâmina da faca que ainda brilhava, o sangue pingando lentamente sobre a madeira. Eu os observei, um por um, vendo a reação de cada um deles, os que estavam prestes a implorar e os que já tinham entendido que era tarde demais.
— Agora. — Minha voz se ergueu um pouco, mais autoritária. — Quem foi? Quem tocou nela? Eu perguntei quem foi, e vocês ainda estão me enrolando. — Minha voz foi como uma sentença. Cada palavra cortava o ar mais fundo que a lâmina cortava a carne. — Não gosto de brincadeiras. Ou me falem agora ou vou começar a cortar mãos até vocês se convencerem de que não estou brincando. Ela está me esperando no carro e eu prometi que não ia demorar, então façam ser rápido. — Eu dei mais um passo à frente. O que eu faria a seguir não era só uma questão de vingança, mas de garantir que ninguém mais se atrevesse a fazer o que fizeram. — Vou te dar mais uma chance. — Eu me agachei, ficando de frente para o homem que estava paralisado na cadeira, com os olhos fixos na faca. — Se você não falar agora, o próximo movimento não vai ser mais um corte. E, acredite, isso vai doer muito mais.
— Foi Alexei. Ele... Ele tocou nela.
— O que você acha, Alexei? Sabe o que acontece com quem mexe com a minha mulher? — Eu me inclinei ligeiramente para ele, até que meus olhos estavam quase a um centímetro dos dele.
— Rossi, eu não sabia. Eu juro que não sabia quem ela era, foi só uma brincadeira.
— Uma brincadeira? Desculpe, eu não estou te ouvindo muito bem. — Ele tentava balbuciar algo, mas as palavras estavam saindo distorcidas, sem sentido. Seus olhos estavam focados na lâmina que ainda estava em minha mão, brilhando à luz daquelas velas.
Eu fechei a distância entre nós.
Não houve grito. Não houve súplica. O barulho da lâmina cortando o ar foi a única música que ecoou antes do som seco da carne sendo dilacerada. O primeiro dedo caiu, depois outro. Cada pedaço mutilado batia no chão como um martelo enterrando meu recado. Alexei tentou gritar, mas a dor o engoliu antes que pudesse soltar qualquer coisa que não fosse um gemido miserável.
Eu o ergui pela gola da camisa, puxando-o para perto. Seu sangue quente pingava pelos meus dedos enquanto eu o encarava nos olhos arregalados.
— Qual mão, stronzo? — minha voz era baixa, mas o ódio nela pulsava. Ele só conseguiu balançar a cabeça, perdido na agonia. A indecisão dele foi sua ruína. — Va bene... Então você não precisa de nenhuma das duas.
Com um movimento firme, desci a lâmina de novo. Ela cortou tendões e ossos como se fossem manteiga. O som da carne rasgando e dos ossos quebrando era puro combustível para a minha fúria. Sua mão direita caiu primeiro, o sangue jorrando em um arco grotesco que pintou o chão. Antes que ele pudesse sequer registrar a perda, a esquerda seguiu o mesmo destino, deixando-o como um animal ferido, arfando, com dois tocos grotescos de onde o sangue esguichava.
Ele caiu de joelhos, cambaleando sob o peso da dor. Mas eu não tinha terminado. Não ainda. Eu mal tinha começado.
Minha lâmina subiu novamente, mas dessa vez, com calma. Ele tentou se soltar, tentou se afastar, mas eu o prendi no lugar, segurando firme pelo pulso.
— Você deveria ter pensado melhor antes de tocá-la — murmurei, e desci o golpe com força. A mão direita dele foi cortada com um único som. O sangue explodiu no ar, respingando no meu rosto, e os ossos quebrados ficaram à mostra como farpas saindo de um pedaço de madeira destruída. Alexei berrou, um som rouco e estridente, tentando puxar o braço mutilado para longe, mas eu o segurei com ainda mais força. — Não estamos terminados ainda. — Minha voz era fria, quase casual, mas meus olhos ardiam de fúria.
Com a bota, derrubei-o no chão. Ele se contorceu, como um peixe fora d’água, sangue escorrendo das feridas, mas isso só aumentava o meu desprezo. Eu me agachei ao lado dele, com a lâmina ainda pingando do seu sangue, e agarrei o pulso da mão esquerda. — Sabe o que acontece com homens que não sabem se controlar, Alexei? — perguntei, enquanto ele balançava a cabeça, soluçando, implorando por piedade. — Eles aprendem da pior forma.
Dessa vez, fui mais lento. A lâmina cortou a pele e os tendões aos poucos, e o som do aço arranhando os ossos era quase uma música de Andrea Bocelli. Ele gritava, se debatia, mas não havia para onde correr. Quando terminei, a mão esquerda caiu no chão, junta à primeira, e Alexei ficou ali, sangrando como um animal sacrificado, o rosto banhado em lágrimas. Eu o puxei para cima de novo, segurando-o pelo colarinho. Ele estava pálido, a boca tremia, mas seus olhos ainda brilhavam com terror. — Agora você entende?
Alexei tentou balbuciar algo, mas sua voz era apenas um gorgolejar fraco. Não importava. Eu já sabia o que tinha que fazer.
Segurei sua cabeça com uma das mãos, apertando com força. A lâmina subiu uma última vez, mas dessa vez, o corte foi rápido, limpo, sem hesitação. Sua garganta se abriu em um arco perfeito, e o sangue jorrou. Ele não teve tempo de reagir, apenas engasgou, com os olhos vidrados, antes de cair aos meus pés, imóvel.
Fiquei ali, ofegante, olhando para o caos que deixei. Sangue. Dedos. Dois punhos mutilados. Um pulso cortado. Dois corpos.
Era um espetáculo grotesco, mas necessário.
— Avisem a todos. Rossi agora é um homem casado. E ninguém toca na minha mulher. — Murmurei, quase para mim mesmo, antes de limpar a lâmina na camisa dele e me virar.
Eu não olhei para trás, não precisava. O que tinha que ser feito estava feito. Meu foco agora era . Eu precisava vê-la. Precisava ter a certeza de que ela estava bem, que nada daquilo a afetaria.



Capítulo 27




Quando ele entrou no carro, o cheiro de sangue ainda pairava no ar, misturado com o perfume do couro dos estofados e a tensão que ele carregava. Eu percebi imediatamente os respingos vermelhos na camisa branca dele, manchando a pele, sujando os punhos, mas ele não parecia se importar. O sangue era uma novidade para mim, não para ele. Ele ligou o motor com uma calma assustadora, sem pressa, sem nenhum sinal de tensão no rosto. Olhou para mim com aqueles olhos frios, quase avaliando, e então, com um simples movimento, deu marcha no carro.
— Estamos indo para casa.
Eu não disse nada de imediato. O que poderia dizer? A minha mente estava tentando processar o que tinha visto, o que tinha ouvido, o que ele tinha feito. Não era algo fácil de engolir, mas eu sabia que isso era o que ele fazia. Ele era o chefe, o homem que todos temiam. O homem que matava sem hesitar. Ele estava calmo, controlado, mas eu via nas suas mãos a raiva contida, a adrenalina ainda percorrendo suas veias. Ele não tinha perdido o controle, mas podia sentir o peso do que acabara de acontecer, e eu também podia. Ele não precisava falar sobre isso. Não agora.
— Obrigada. — A palavra saiu da minha boca como se fosse a única coisa que eu pudesse dizer naquele momento, como se todas as outras estivessem entaladas na minha garganta, presas pela confusão que tomava conta de mim. Eu sabia que, de alguma forma, isso soava errado. Eu sabia que agradecia por algo que quebrava tudo o que eu acreditava, todo o meu conceito sobre o certo e o errado, mas era impossível não sentir, não perceber que naquele momento eu estava segura. Mesmo que isso viesse com um preço, eu estava segura.
— Você vai ser a minha esposa agora. — Aquelas palavras saíram com uma força tão imponente que quase parecia que ele estava marcando território. — E eu não preciso que ninguém, seja russo, alemão, francês ou quem quer que seja, se atreva a pensar que pode fazer o que quiser com você. Se alguém colocar a mão em você, vai perder a mão. Se alguém olhar pra você de forma errada, vai perder os olhos. Não me importa quem eu tenha que matar, quem eu tenha que destruir. — Ele fez uma pausa. — Me importo com você. — Ele repetiu, os olhos agora fixos em mim, como se estivesse me marcando, gravando aquilo dentro de mim, dentro da minha alma. E de alguma forma, eu senti cada palavra como se tivesse sido tatuada em minha pele.
Ele foi ameaçador. Ele foi violento. Ele foi o sociopata que eu sabia que era. E, no entanto, em algum lugar, por alguma razão estranha, meu coração estava palpitando por ele. O medo que eu sentia por tudo o que ele era, pelo que ele acabara de fazer, não parecia me afastar. Pelo contrário, parecia só intensificar tudo o que estava se passando dentro de mim.
Por que meu corpo inteiro estava tremendo em necessidade de beijá-lo? Como se algo dentro de mim, que eu mal entendia, estivesse reagindo a ele, a tudo o que ele representava. Ele não era uma pessoa boa. Ele não era alguém que poderia ser salvo. Ele era exatamente o que as histórias diziam que ele era: um homem que não hesitaria em destruir quem fosse necessário. Ele tinha matado, esquartejado, cortado e feito coisas que eu nem queria imaginar. E eu ainda queria estar perto dele.
Merda, , o que você está virando?
Eu me sentia uma criança perdida em um labirinto e a única saída parecia ser ele. Algo nele mexia com as partes mais escuras de mim, e ao mesmo tempo me fazia querer jogar tudo pro alto e deixá-lo me arrastar para esse abismo sem fim. Cada palavra dele, cada gesto, cada olhar.
Chegamos em casa e o carro parou na entrada da garagem com um rangido suave dos pneus na pedra. não disse uma palavra enquanto saía do carro e continuou em silêncio quando abriu a porta para mim. Eu fiquei ali, observando-o, ainda processando tudo o que tinha acontecido. O que ele fez, a forma como agiu, a forma como me olhou. A raiva misturada com o cuidado. Ele não falava, mas seu silêncio gritava.
Ele sabia o que estava fazendo. Sabia que estava quebrando coisas dentro de mim.
Subimos as escadas em silêncio. Eu podia sentir o peso de tudo, o calor entre nós dois se tornando quase insuportável. Quando chegamos à porta do meu quarto, ele parou por um momento, como se tudo que ele estivesse carregando fosse uma bomba prestes a explodir.
Eu não sabia o que ele pensava, mas eu sabia o que eu queria.
... — Minha voz saiu baixa, quase um sussurro, como se eu estivesse pedindo por algo sem realmente pedir. — Entra.
Ele hesitou por um segundo, seu olhar oscilando entre a porta fechada atrás de mim e a distância que ainda existia entre nós. Ele parecia lutar consigo mesmo, como se tentasse decidir entre seguir o que eu dizia ou se afastar. Por um momento, pensei que ele iria recuar. Então, com um suspiro pesado, deu um passo à frente. Ele entrou no quarto sem dizer nada, fechando a porta atrás dele com um movimento controlado, mas firme. O som da porta batendo parecia como um sinal de tudo que também estava se chocando dentro de mim.
O silêncio que nos envolvia agora era diferente do de antes. Mais denso. Mais íntimo. Eu podia sentir o peso de sua presença ali, em meu quarto. Eu ainda não sabia o que viria a seguir. E, no entanto, algo dentro de mim sabia que não havia mais volta.
Quando ele parou na porta do banheiro, eu ainda não sabia exatamente o que fazer, mas meu corpo já sabia. Sem hesitar, dei um passo à frente, estendendo as mãos para tocar o paletó dele. Ele não me parou. Seus olhos se mantiveram fixos em mim, intensos e sombrios, mas ainda quietos. Eu estava começando a perceber que se ele permitia que eu cuidasse dele de alguma forma, mesmo que ele não dissesse nada, talvez esse casamento não fosse uma má ideia.
Minhas mãos tremiam ligeiramente quando puxei o paletó dele para baixo, o tecido deslizando pelos meus dedos. Eu abri um botão da camisa dele, e depois outro, e mais um. Meu coração batia mais rápido a cada gesto, a cada pedaço da pele dele que eu via. Eu estava tão perto dele. Meu rosto quase tocando a linha do peito musculoso dele enquanto eu terminava de abrir a camisa. O sangue ainda estava fresco, manchando a pele dele, e eu queria limpá-lo, queria fazer ele parecer menos... O que ele era, menos o que ele se obrigava a ser.
Aproximei minha face do peito dele, sentindo o calor da pele exposta, e, sem pensar, beijei a pele dele de forma suave, como se aquele gesto pudesse quebrar alguma coisa. Ou consertar. Meu beijo foi suave, mas a reação dele foi tudo, menos calma. Ele se esticou de uma forma que foi mais um instinto do que qualquer outra coisa. A mão dele agarrou minha cintura, puxando-me para ele com uma força que fez meu corpo tremer.
Antes que eu pudesse processar, ele me empurrou contra a mesa de mármore do banheiro. O impacto foi seco, meus pulmões perderam o ar momentaneamente, e eu senti a dureza do móvel contra minhas costas. O som do meu corpo sendo pressionado contra a superfície fria ecoou pelo ambiente.
Ele não se afastou, não me deixou nem um centímetro de espaço. Seus olhos estavam mais escuros do que antes, fixos em mim, quase como se estivesse avaliando até onde ele poderia ir. Eu estava respirando de forma irregular, ainda tentando entender o que estava acontecendo, mas quando ele se colou ainda mais em mim, meu corpo reagiu automaticamente. Eu senti sua respiração quente na minha pele e o peso dele todo pressionado contra mim.
Ele estava tão perto que eu quase não conseguia pensar.
Eu sabia que ele não ia recuar agora, e, talvez, nem eu, mas minha mente continuava tentando se agarrar à sanidade. Eu precisava fazer alguma coisa, não queria só ser arrastada para isso sem controle. Com uma rapidez quase mecânica, eu procurei algo. Meu olhar se moveu rapidamente por tudo ao redor, até que meus dedos encontraram uma toalha sobre a pia, um pano de rosto amassado e meio sujo. Não era o ideal, mas não me importava. Eu precisava limpar aquele sangue dele, precisava tocá-lo de alguma forma que não fosse apenas uma reação instintiva. Eu não sabia o que fazer, não sabia se estava controlando aquilo ou se estava sendo controlada.
Eu me afastei ligeiramente, apenas o suficiente para alcançar o pano, mas antes que pudesse agir, a mão dele foi rápida, pegando meu braço e me puxando para mais perto. Sua respiração estava pesada, tão forte quanto a minha. Ele não tinha intenção de me deixar fazer nada sozinha. Ele queria me manter ali, com ele, e eu sabia disso, sabia que a decisão de como as coisas iam seguir estava nas mãos dele.
— Não — Ele murmurou, mais para si mesmo do que para mim. — Não vou te deixar sair daqui agora. — Ele me olhou como se fosse impossível não me ter ali, como se a ideia de me afastar fosse insuportável.
Quando finalmente me aproximei dele, comecei a limpar os respingos de sangue na pele dele. Meu corpo estava inteiro contra o dele, os movimentos fluindo quase sem querer, como se fosse natural. Ele não se mexia. Estava completamente imerso no que eu estava fazendo, o que, de alguma forma, me fazia sentir que ele estava me permitindo entrar em um espaço dele, algo que ninguém mais teria a chance de tocar. Eu limpei a mancha mais grossa com o pano, mas meu corpo ainda estava tão perto do dele que senti cada músculo se mover sob a pele dele. Ele estava parado, me observando fixamente, e a cada movimento, mais difícil ficava não tocar a sua pele, não ceder à pressão dele. O contato era quente, sufocante. Ardia. Me engolia com sua presença, cada vez mais e mais próxima.
Não fisicamente, ele já estava colado a mim, praticamente me consumindo com sua presença. Era a maneira como ele me analisava, a forma que ele via cada parte de mim com um olhar faminto, possessivo, como se soubesse exatamente o que eu estava sentindo e pensando, mesmo sem eu dizer uma palavra.
O sangue em sua pele estava se tornando quase irrelevante. Eu o olhei, com minhas mãos ainda ocupadas com o pano, mas a verdade era que meu corpo estava mais interessado no que ele estava fazendo com minha mente do que com o sangue que eu tentava limpar.
— Você está nervosa. — Ele disse, quase como um sussurro, carregado de uma intensidade que me fez estremecer. Eu não respondi, mas ele sabia. Ele sabia que estava me deixando assim. Ele sabia que, por mais que eu tentasse me controlar, ele estava me desarmando lenta e perigosamente.
— Você me olha como se quisesse me devorar — eu disse, tentando disfarçar o tremor na minha voz, mas ele apenas sorriu, um sorriso que fez meu estômago se revirar.
— Eu adoro você se sente assim, principessa. — ele murmurou. — Como se estivesse à beira de ceder, de me deixar fazer o que eu quiser.
A minha respiração ficou mais pesada, e sem querer, eu dei um passo à frente, aproximando ainda mais meu rosto do dele. Ele me olhou com um brilho faminto nos olhos, com seus lábios quase tocando os meus, mas ele não avançava. Ele estava me provocando, como se estivesse me fazendo esperar, me fazendo querer mais, me fazendo ansiar por aquilo que eu ainda não sabia se era capaz de pedir.
— Não faça isso. — minha voz saiu quase como um sussurro. — Não me faça implorar por você. — E foi nesse momento que ele se inclinou um pouco mais para frente, suas mãos agora firmemente apoiadas na mesa ao nosso redor, como se estivesse se segurando, como se estivesse esperando que eu fosse a primeira a quebrar.
— Você vai implorar. — ele disse, com a voz grave, quase um comando, e eu sabia que ele estava certo. Eu não podia mais negar. Cada fibra do meu ser pedia por ele.
Eu o olhei, e vi no brilho dos olhos dele que ele sabia exatamente o efeito que causava. A maneira como ele falou, com aquela calma tensa, me fez estremecer.
Ele não precisava de mais nada. Eu já estava em chamas. Ele me olhou com um sorriso sádico, sem pressa, como se estivesse apenas esperando a hora certa para me destruir.
Sem dar chance para que eu reagisse, ele avançou um passo, fechando ainda mais a distância entre nós. Eu podia sentir o calor dele, o cheiro inconfundível dele, quase como uma marca registrada.
— Você está tentando se controlar. — ele disse, mais como uma observação do que uma pergunta, e algo em sua voz, naquela calma mortífera, fez meu estômago virar. — Não tente.
Ele sorriu. E foi o sorriso que eu não queria ver. Não agora. Eu estava perdida. Ele sabia o que fazia comigo. Ele desceu a alça do meu vestido com uma calma deliberada, como se soubesse o efeito que isso teria. O gesto foi lento, quase cruel, e eu senti minha pele ficar exposta, vulnerável, como eu estava. Minhas mãos estavam suadas, tremendo ao tentar encontrar algum ponto de resistência. Mas onde estava a resistência? Eu queria mais.
Quando ele beijou meu ombro, senti um arrepio tão forte que meu corpo se estremeceu. Eu fechei os olhos, tentando me segurar, tentando manter alguma forma de controle, mas a sensação da boca dele em minha pele foi como a morte. Ou a vida. E quando ele desceu ainda mais, beijando meu pescoço, um gemido involuntário escapou dos meus lábios. Eu fechei os olhos, tentando me segurar, tentando encontrar algum controle, mas o que ele fazia com sua boca, com suas mãos, me arrancava qualquer resquício de racionalidade. Eu não sabia mais o que era certo ou errado, só sabia o que meu corpo pedia.
— Por favor… — Eu implorei, baixinho. Sentindo meu corpo quente, sentindo meu corpo pedindo para ele me dominar completamente, para ele me consumir. Mas quando seus lábios estavam quase tocando os meus, quando eu estava prestes a ceder de vez, ele se afastou.
Ele me olhou com aqueles olhos escuros, tão intensos, que me fez sentir como se estivesse sendo despojada de tudo. Como se eu fosse uma presa e ele fosse o predador. E então, ele se aproximou novamente. Não era um beijo. Ele mordeu delicadamente meu queixo, o toque de seus dentes incisivos fazendo meu corpo se contorcer em resposta. Era como se ele estivesse me marcando, desenhando com sua boca cada parte de mim.
Eu sentia os dedos dele, firmes, se envolvendo ao redor do meu pescoço, com uma pressão leve, mas ameaçadora, como se ele estivesse me dominando a cada segundo, me mantendo exatamente onde ele queria. Meu coração batia forte e meu corpo todo estava em chamas.
Ele deslizou uma das suas mãos para minhas coxas e apertou, sentindo a suavidade da minha pele, e eu quase perdi o controle. Eu queria que ele fosse mais rápido, mais impiedoso. Eu queria sentir tudo, sentir o que ele era capaz de me dar.
Quando ele se aproximou novamente, eu senti o cheiro do seu perfume, quente e masculino, invadindo meus sentidos. A tensão entre nós estava insuportável, e quando ele chegou tão perto da minha boca que eu quase pude tocá-lo, ele parou. E me olhou com aquele sorriso quase cruel.
— Vou te esperar no altar, .
Quando ele saiu do meu quarto, deixando o seu cheiro inebriando minha mente, seu hálito quente contra minha pele e as queimaduras que sua mão causara, eu soube. Eu soube com uma clareza dolorosa.
não era bom. Mas, mesmo assim, ele era tudo o que eu queria.



Capítulo 28

Rossi


Fechei a porta do quarto dela com mais força do que pretendia. O clique suave do trinco foi a única coisa que me lembrou de respirar novamente. Minhas mãos ainda estavam quentes, e não era do sangue. Era dela. Da maldita forma como o corpo dela reagiu ao meu, como se estivesse feito para se moldar a mim.
Passei pelo corredor em silêncio, meus passos eram firmes no chão, mas minha mente? Um caos. era um problema. Um problema que eu quis pra mim desde o momento em que coloquei os olhos nela, mas que só agora estava começando a me engolir por completo. Ela não sabia o que estava fazendo comigo. Não tinha ideia do inferno que eu estava atravessando para não ceder completamente, para não tomá-la ali mesmo e esquecer tudo que eu planejei. Esquecer as regras que eu mesmo criei para protegê-la.
Cheguei até o escritório e fechei a porta atrás de mim, soltando o ar preso em meus pulmões. Passei a mão pelos cabelos, tentando dissipar o desejo ainda pulsando no meu corpo, mas era inútil. Eu ainda podia sentir o gosto dela na ponta da minha língua, o cheiro dela grudado em mim como uma das minhas malditas tatuagens, impossível de apagar.
Olhei para minhas mãos. Ainda havia manchas de sangue secando na pele. Tinha sido rápido. Limpo, até. Mas a lembrança dos olhos dela, dos dedos dela tirando meu paletó com cuidado… Ela não tinha tido medo de mim. Nem do que eu era.
Abri o pequeno armário no canto do escritório, puxando uma garrafa de uísque e servindo um copo cheio. Dei um gole longo, deixando o calor da bebida queimar minha garganta, tentando tirar o desejo de ter o gosto dela da minha boca.
Não funcionou.
Nada funcionaria.
O relógio na parede marcava quase meia-noite, mas eu não tinha sono. Não depois do que aconteceu no restaurante. Não depois do que aconteceu no quarto dela. O meu desejo era abrir aquela porcaria de porta em um chute, de derrubá-la na cama e fodê-la até que ela gritasse meu nome, mas eu não podia.
Dei outro gole no uísque, senti a bebida deslizando quente pela minha garganta, mas sem apagar o fogo que tinha começado. Eu sabia que precisava esfriar a cabeça. Sabia que precisava focar no dia de amanhã, nas estratégias, no nosso casamento e sabia ainda que mais se eu voltasse para aquele quarto agora, todas as minhas promessas seriam quebradas em uma só noite.
Fechei os olhos por um momento, tentando afastar o som da voz dela pedindo por mim. Tentando ignorar o jeito como sua pele tremia sob meu toque, como ela segurou meu rosto, sem hesitação, como se fosse dona de mim. Porque, diabos, talvez ela fosse. O toque dela estava grudado em mim como um pecado. Um que eu sabia que cometeria de novo.
E de novo.
Terminei o uísque em um gole só e joguei o copo na mesa com mais força do que pretendia. O som ecoou pelo escritório, mas não me importei. Meu telefone vibrou no bolso, me puxando de volta para o presente.
Puxei o aparelho e atendi sem olhar. Era um dos meus homens, reconhecia pelo toque e pela quantidade de vezes que ele deixava chamar, cumprindo um código.
— Fale. — Minha voz saiu ríspida e impaciente, refletindo tudo de mim naquele momento.
— Tudo limpo, chefe. O lixo foi descartado.
— Certo. Certifiquem-se de que a mensagem foi clara. Ninguém toca no que é meu.
— Entendido, chefe.
Desliguei sem mais palavras, jogando o telefone sobre a mesa. Ninguém tocaria nela de novo. Ninguém ousaria nem olhar para de uma forma que eu não permitisse, mas o maior problema não eram os outros.
Era eu.
Era o que ela fazia comigo, como bagunçava tudo o que eu sabia sobre controle. Sobre quem eu era.
Eu me sentei na cadeira, passando a mão pelo rosto. O som do relógio na parede marcava o ritmo lento da noite, mas minha cabeça ainda estava no quarto dela. No jeito como ela olhou para mim, como se eu fosse ao mesmo tempo o maior perigo e a maior segurança que ela já conheceu.
Ela não estava errada. Eu era os dois.
não fazia ideia do que tinha acabado de assinar ao aceitar se casar comigo.
Tentei alinhar meus pensamentos, ainda sentado na cadeira de couro, olhando para a garrafa de uísque sobre a mesa. Não era o meu primeiro copo da noite, mas provavelmente seria o último.
Enquanto o líquido dourado descia queimando pela garganta, eu revisava mentalmente tudo o que havia feito para garantir que o casamento acontecesse sem complicações. Meus homens estavam preparados, cada detalhe estava alinhado. E mesmo assim, algo me incomodava. Talvez fosse o fato de que, pela primeira vez em muito tempo, eu estava assumindo um risco que não podia controlar. não era uma transação. Não era apenas um acordo. Ela era um caos. Um caos que me fazia querer mais, mesmo sabendo que poderia me destruir.
O uísque desceu quente pela garganta, mas não o suficiente para silenciar meus pensamentos. Peguei alguns papéis sobre a mesa, tentando me distrair com contratos e movimentações, mas as palavras não faziam sentido. A assinatura de um aliado, o nome de um fornecedor... Tudo parecia irrelevante agora.
Olhei para o relógio. Passava das duas da manhã. O tempo parecia se arrastar, e eu não queria voltar para o quarto. Dormir significaria sonhar com ela, e sonhar com ela seria a confirmação de que ela estava, de fato, tomando conta de mim.
Caralho.
, de alguma forma, já tinha mais controle sobre mim do que qualquer outro inimigo jamais teve.

[...]

O nó da gravata deslizava firme sob meus dedos enquanto eu me olhava no espelho. O reflexo que me encarava parecia o mesmo de sempre: controlado, imponente, um homem que sabia exatamente onde estava e o que fazia. Um Rossi. Por dentro, no entanto, tudo era um caos. A noite de ontem estava em minha mente, como um veneno doce e inescapável.
Puxei o paletó do cabide e o vesti, ajustando os ombros. A porta se abriu sem cerimônia, como era típico, e eu não precisei me virar para saber quem era.
— Você parece nervoso, . — A voz de Roman carregava o tom irônico de sempre.
— E você parece mais irritante do que o normal. — Retruquei sem olhar para ele, passando as mãos pelo tecido do terno.
— É engraçado. Nunca achei que veria você nesse papel. — Ele se apoiou no batente da porta, cruzando os braços.
Me virei para encará-lo, os olhos estreitos.
— Qual papel?
— O papel de um homem que claramente está tentando fingir que não está perdendo a cabeça por uma mulher. — O sorriso dele era provocativo, mas os olhos avaliavam cada detalhe meu. Roman sempre foi bom em ler as pessoas, e isso o tornava insuportável.
Antes que eu pudesse responder, outra figura apareceu no corredor. Vicenzo, com sua calma habitual, caminhou para dentro do quarto. Ele usava um terno impecável, como sempre, mas a postura era mais relaxada que a minha ou a de Roman.
— Deixe em paz, loiro. — Ele falou com um tom de autoridade que, mesmo em tom baixo, era difícil ignorar. — Você sabe o quanto ele odeia ser analisado.
— Só estou dizendo o que todos nós sabemos. — Roman deu de ombros, mas se afastou do batente e entrou completamente no quarto. — Além disso, Vicenzo, admita. Você também acha isso estranho.
— O que é estranho? — Peguei os botões de punho e comecei a prendê-los. — Que estou fazendo o que deve ser feito?
— Estranho que você esteja realmente investido nisso. — Vicenzo respondeu calmamente, observando-me. — Não que eu ache ruim. Apenas... Novo.
— Novo ou não, é o que precisa ser feito. — Falei com firmeza, colocando os botões no lugar. — E se alguém aqui tem algo contra, diga agora.
Roman soltou uma risada curta, sarcástica.
— Ninguém tem nada contra, . Só queremos ter certeza de que você sabe o que está fazendo.
— Roman... — Vicenzo o advertiu, mas eu levantei a mão, interrompendo.
— Não, deixe ele falar. — Cruzei os braços e o encarei. — Diga, Roman. Você acha que não sei o que estou fazendo?
Roman deu alguns passos na minha direção, mais sério agora.
— Eu acho que você sabe exatamente o que está fazendo, .
Assenti, olhando para ambos. Eles eram mais do que meus irmãos. Eram meu alicerce, minha sombra. Não importava o que acontecesse, eles estariam comigo. Foi a única coisa boa que Giorgio nos ensinou. Família sempre será família.
O som de uma batida na porta interrompeu o momento. Um dos meus homens entrou, avisando que o carro estava pronto. Roman sorriu novamente, abrindo os braços em um gesto exagerado.
— O carro estará pronto em quinze minutos. A igreja está cercada, mas recebemos informações de movimentações próximas. Pode ser só show, mas já reforçamos a segurança. Vamos lá, senhor noivo. Está na hora de fazer história.
Assenti, apertando a gravata e virando-me para eles. Vicenzo sempre trazia a eficiência que os Rossi procuravam.
— Qual é o status da famiglia? — Perguntei, direto.
— Todos prontos. — Vicenzo respondeu. — Se algo acontecer, estaremos cobertos.
Roman bufou, um sorriso torto nos lábios.
— Ainda assim, é um casamento. E um casamento Rossi significa que haverá olhos e ouvidos em todos os cantos. Os russos não ficaram satisfeitos com a pequena lição de ontem à noite, recebemos informações de que alguns deles foram vistos perto do perímetro.
Caminhei até a mesa e peguei o relógio de pulso, ajustando-o.
— E o que você fez?
— Fiz o que precisava ser feito. — Ele se afastou da janela, caminhando até a poltrona e se sentando com a calma de um predador saciado. — Dois não voltarão para casa. Os outros estão mancando, se é que vão sobreviver à noite.
Eu o encarei por alguns segundos. Era típico de Vicenzo: Eficiência brutal, sem espaço para misericórdia.
— Se estão vivos, não receberam o recado completo.
Um sorriso lento e sem humor apareceu em seu rosto, mas não alcançou os olhos.
— Não se preocupe, . Eu deixei claro que o próximo passo seria pessoal. E você sabe como eu sou quando as coisas se tornam pessoais.
— Me diga, Vicenzo, quantos corpos você precisa acumular antes do café da manhã? — Roman perguntou e segurei a vontade de rir. Vicenzo, sequer o olhou antes de responder.
— Quantos forem necessários para entender quem somos. Não me ataque só porque você não participou da diversão. — Vicenzo era o tipo de homem que poucos queriam como inimigo, porque, para ele, até mesmo a dor parecia ser algo irrelevante. Ele já viu tanto sangue derramado que o cheiro só o acalmava. A luta não era algo que ele temia, era algo que ele buscava. – era uma extensão de quem ele era. — Aliás, quem esteve na sua cama hoje? O cheiro era familiar, mas não consegui lembrar de onde.
Quando ele se virou para Roman, o olhar frio e calculado dele estava fixo no irmão, esperando uma resposta. Roman, que costumava ser rápido com as piadas e ironias, ficou imóvel por um segundo, como se as palavras tivessem sido arrancadas dele. Ele tentou esconder a tensão de nós com um sorriso torto, mas era evidente o quão desconfortável ele estava.
— Não sei do que você está falando, Vicenzo. — A resposta foi rápida, mas vacilante.
— Eu me lembro de você sempre dizer que mulheres na mansão são um problema. — Minha voz estava tranquila, mas havia uma curiosidade implícita nela. — Então, me explique, quem estava na sua cama hoje?
— Isso é problema meu. — Roman respondeu com um rosnado. — Eu faço o que eu bem entender. Se eu quis comer a droga de uma boceta, qual o problema agora?
Vicenzo levantou as mãos em um gesto exagerado de rendição, ele parecia se divertir com a situação, como se estivesse esperando essa resposta de Roman o tempo todo.
— Ah, certo, certo, fratello. Eu sou o vilão da história. — A ironia em sua voz era palpável. — Me desculpe, então. Não vamos mais falar sobre isso.
Eu não pude evitar e soltei uma risada baixa. Roman lançou um olhar fulminante para mim, mas não disse nada. O som da porta se abrindo quebrou o silêncio.
— O carro chegou, senhor. — Sua voz, direta, trouxe o que eu já estava esperando. Era hora.
Andiamo.




Capítulo 29




O vestido era pesado demais. Não só pelo tecido ou pela longa cauda que arrastava no chão com um luxo quase opressor, mas pelo que ele significava. Me olhei no espelho, tentando encontrar a que conhecia, mas tudo o que vi foi uma mulher que não sabia ao certo para onde estava indo. O cabelo preso em um coque impecável, o véu caindo como uma cascata suave sobre meus ombros, a maquiagem brilhando sutilmente sob a luz. As jóias de diamante que adornavam meu pescoço e pulsos poderiam ter vindo de um conto de fadas.
Ainda assim, minha mente estava longe.
Longe, com . Com as mãos dele, que ainda queimavam minha pele, mesmo tendo me deixado há horas. O gosto do beijo, o calor do toque, a forma como ele havia tomado tudo – eu, o ar ao meu redor, até mesmo o controle da minha respiração. Tudo ainda estava ali, marcado em mim.
— Você está linda. — A voz de Bianca me trouxe de volta, suave como o toque dela quando entrou no quarto. Virei para encará-la, mas minha expressão ainda refletia a confusão que eu não conseguia esconder.
— Não sei se eu deveria me sentir linda — murmurei, com a voz quase apagada.
Bianca se aproximou, com os olhos perspicazes captando mais do que eu gostaria. Com delicadeza, ajustou meu véu, e não pude evitar observar o quanto os seus dedos habilidosos moviam-se como se quisessem mais do que arrumar o tecido, como se quisessem me tranquilizar.
— É claro que deveria. Sabe o que está fazendo, ? — O tom dela ficou sério enquanto nossos olhares se encontravam no espelho.
Quis dizer que sim. Que eu sabia o que estava fazendo. Mas como mentir para ela, quando nem eu acreditava?
— Estou tentando. — Minha resposta saiu como um sussurro, e desviei o olhar.
— Não se preocupe, vai dar tudo certo no casamento. Não vai ser uma festa tão grande e a segurança está lá o tempo inteiro, prometo que nenhum maldito russo irá entrar. pode ser complicado, mas ele sempre cumpre o que promete.
Bom, ele prometeu que me faria implorar, pensei, o calor subindo pelo meu rosto. Meu coração disparou ao lembrar da intensidade em seus olhos, do modo como sua voz grave havia me consumido.
Bianca percebeu, é claro. Ela sempre percebia.
— Você está nervosa. — Ela sorriu de lado, como quem entendia mais do que estava sendo dito.
— Não é o casamento. É ele. — A confissão escapou antes que eu pudesse segurar.
? — Bianca arqueou uma sobrancelha, um brilho divertido nos olhos.
Assenti, voltando o olhar para o espelho.
— Ele... Ele tem esse poder. É como se ele entrasse na minha cabeça e tomasse tudo. Não consigo pensar em mais nada quando ele está perto.
Bianca soltou uma risada baixa, não em deboche ou ironia, acho que em compreensão.
— Bem-vinda ao mundo dos Rossis, querida. Eles têm esse efeito.
Suspirei, ajeitando o buquê em minhas mãos. As flores eram perfeitas, mas até elas pareciam fora de lugar em minhas mãos trêmulas.
— E se eu não for suficiente?
Bianca segurou meu rosto, me forçando a olhar diretamente para ela.
— Escute bem, . pode ter poder, dinheiro e controle, mas sabe o que ele não tem? Você. escolheu você, e isso diz mais do que você imagina. — O som de passos ecoou do lado de fora, me fazendo prender a respiração. Bianca ajeitou meu véu uma última vez antes de abrir a porta. — Está na hora.
Do lado de fora, o sol italiano brilhava forte, refletindo na fachada da villa que havia escolhido para o início deste dia. Uma multidão havia se reunido ali, eram rostos que eu não reconhecia, mas que estavam ali por ele. Homens e mulheres, todos impecavelmente vestidos, com olhares que variavam entre curiosidade e respeito.
Caminhei devagar, com Bianca ao meu lado e o buquê em mãos. Meus saltos faziam um som firme contra o mármore da entrada, mas por dentro, eu me sentia prestes a desabar.
Quando olhei ao redor, a sensação de desconforto só cresceu. Eram muitas pessoas. Algumas me pareciam familiares, rostos que eu podia jurar ter visto, mas a maioria era completamente desconhecida.
E eles.
Homens espalhados pelos cantos, discretos, mas inconfundíveis. Não havia como ignorar. Os seguranças de estavam sempre posicionados. Armas sob os casacos, olhares atentos, cada um deles observando a multidão como se esperassem que algo desse errado a qualquer momento.
Meu coração deu um salto no peito.
Este é o seu novo mundo, .
As palavras de Bianca ecoaram na minha cabeça.
Bem-vinda ao mundo dos Rossis.
Ela não estava brincando.
Quando chegamos ao carro, me senti pequena com o quão luxuoso e preto ele era, mas logo as portas foram abertas para nós. O motorista, impecável, cumprimentou-me com um breve aceno, mas havia algo nos olhos dele. Entrei no carro, tentando ignorar a tensão em meus ombros. Bianca segurou minha mão, como se sentisse que eu estava à beira de quebrar.
— Você está fazendo isso por você, . Não se esqueça disso.
Eu não respondi.
Era verdade? Ou era apenas algo que eu precisava acreditar para continuar respirando?
O carro começou a se mover, e olhei pela janela. A paisagem italiana desfilava diante de mim. Colinas douradas pelo sol, oliveiras espalhadas pelo campo, o charme do interior que parecia destoar completamente da gravidade que eu sentia dentro de mim. Conforme nos aproximávamos da igreja, as ruas estavam lotadas. Pessoas curiosas, sorrindo, acenando. Para elas, aquilo era um conto de fadas: o casamento de um dos homens mais poderosos da Itália. Para mim? Eu sequer sabia o que significava.
O carro parou em frente à igreja, e meu coração acelerou. Olhei pela janela e vi a multidão reunida. Homens de terno, mulheres com vestidos luxuosos, os olhos de todos voltados para mim.
Respirei fundo.
Quando a porta foi aberta, saí do carro com cuidado, sentindo o tecido pesado do vestido deslizar pelas pernas. Os seguranças estavam por toda parte. Eles formavam um círculo ao redor da entrada da igreja, controlando a multidão, garantindo que nada e ninguém cruzasse os limites. Era impossível não perceber as armas sob os ternos, os olhares duros e treinados. Lá dentro, pela porta da igreja, havia outros homens posicionados estrategicamente. Era como se até o altar estivesse protegido, como se não deixasse absolutamente nada ao acaso.
Este é o seu mundo agora, . Pensei novamente.
Bianca se aproximou, ajeitando meu véu com cuidado antes de me oferecer um sorriso breve.
— É agora, querida. — A voz dela estava mais suave do que de costume, mas havia um quê de firmeza que eu não podia ignorar.
Dei um passo à frente, depois outro. Cada movimento parecia pesado, como se o chão estivesse tentando me puxar para baixo. Quando passei pelas portas da igreja, o som do órgão me envolveu, uma melodia poderosa e tradicional que ecoava pelas paredes altas de pedra. A igreja era um espetáculo. O teto abobadado, pintado com cenas religiosas que pareciam olhar para mim, o altar repleto de flores brancas e velas. A luz que entrava pelos vitrais coloridos dava ao ambiente um tom mágico, mas eu só conseguia sentir a pressão crescente no peito. Os convidados estavam em silêncio, as fileiras dos bancos cheias de rostos que eu mal reconhecia. A maioria eram aliados, parceiros, pessoas que orbitavam o mundo de .
E então, no final do corredor, ele estava lá.
De costas, parecia uma estátua de mármore, imóvel e poderoso. Sua postura era firme, as mãos cruzadas atrás das costas, o terno impecavelmente ajustado. Mesmo de longe, ele exalava poder.
Meus passos ecoavam na igreja conforme me aproximava, mas ele não se virou.
Ainda assim, era como se eu pudesse sentir seu olhar, mesmo sem vê-lo.
Meu coração batia descompassado. A cada passo, eu tentava lembrar de quem eu era antes de tudo isso. De quem eu queria ser. Mas quando finalmente cheguei perto do altar, só conseguia pensar que não havia mais volta.
Eu estava prestes a me casar com Rossi.
E não importava o que isso significasse porque, de alguma forma, ele já tinha tomado tudo de mim.



Capítulo 30

Rossi



Eu não olhei para trás. Não porque não queria vê-la, mas porque sabia que, no momento em que meus olhos encontrassem os dela, tudo o que havia construído dentro de mim desmoronaria.
O som dos passos dela ecoava pela igreja. Lentos, firmes, hesitantes. Eu conhecia aquele som. estava nervosa. Não apenas nervosa sobre mim, sobre ela ou sobre a situação, ela estava nervosa sobre nós. Respirei fundo, mantendo a postura enquanto o som do órgão preenchia o ar. As palavras do padre ainda ecoavam na minha mente. “Hoje você faz mais do que prometer fidelidade. Hoje você sela um pacto. Com ela, com sua família.
Com a máfia.
Casar com era um movimento estratégico que consolidaria minha posição e daria continuidade à tradição dos Rossis, mas isso nunca foi só sobre negócios. Ela era diferente. Desde o momento em que a vi, algo mudou. Algo que eu achava que estava morto há muito tempo.
Eu me preparei para isso. Planejei cada detalhe. Nada na minha vida era deixado ao acaso, e hoje não seria diferente. seria minha esposa, e isso significava que ela estaria protegida, custasse o que custasse. Ouvi os murmúrios da multidão quando ela se aproximou. Não precisava ver para saber que ela estava deslumbrante. tinha um jeito de iluminar um ambiente sem nem perceber.
Me virei devagar, mantendo a postura firme que as pessoas esperavam de mim. Um chefe não mostra nervosismo, não vacila, não se deixa afetar, mesmo quando está à beira do precipício, mas quando a vi, o mundo inteiro ficou em silêncio.
Ela estava deslumbrante, como eu sabia que estaria. O vestido, as jóias, o véu que caía como uma moldura ao redor do rosto dela. Era impossível não notar os olhares na igreja. Todos os homens a desejavam, mesmo que nenhum ousasse demonstrar. Mas ela era minha, e todos ali sabiam disso.
Minhas mãos coçaram para tocá-la, mas me contive. Não aqui. Não agora.
Ela era perfeita.
Meus olhos percorreram cada detalhe dela, e quando voltei a encará-la, vi suas bochechas corarem sob meu olhar. Era a primeira vez que ela parecia realmente minha, e o peso disso engoliu toda a porra do meu ar.
Dei um passo à frente e estendi a mão.
Ela hesitou por um momento antes de segurar a minha. Suas mãos estavam frias, mas firmes. Quando nossos dedos se entrelaçaram, eu me inclinei ligeiramente, o suficiente para que só ela ouvisse.
— Você está linda, principessa. — Minha voz saiu baixa, quase um sussurro, mas ergueu os olhos para mim. Ela piscou algumas vezes, e eu vi o brilho de lágrimas ameaçando cair. Mas era forte. Ela ergueu o queixo, como se quisesse mostrar a todos que estava à altura do que significava ser minha esposa.
— Ainda posso tentar correr? — ela perguntou, com um meio sorriso nervoso.
A audácia dela me fez sorrir.
— Correr? — inclinei-me levemente para frente, aproximando-me apenas o suficiente para que ela pudesse sentir minha presença. — Pode tentar, amore. Só que eu encontraria você. Sempre.
Ela engoliu seco, mas não desviou o olhar. Essa era . Sempre enfrentando o que a assustava.
O padre pigarreou, trazendo minha atenção de volta ao ambiente.
— Está pronta? — perguntei, mantendo o olhar fixo nela.
— Sim, padre. — Sua resposta veio em um sussurro que quase me fez sorrir de novo.
— Estamos aqui reunidos na presença de Deus e de todos vocês, para unir e Rossi no santo sacramento do matrimônio — começou ele, sua voz ressoando pela igreja. Santo. Achei graça do termo. Não havia nada de santo no que estávamos fazendo ali. O padre continuou, seus olhos fixos em nós. — Este não é apenas um compromisso entre um homem e uma mulher, mas um pacto eterno diante do Senhor. Um pacto de amor, respeito e fidelidade. — respirou fundo ao meu lado, e eu senti seus dedos se mexerem ligeiramente, como se quisesse ajustar as mãos que seguravam o buquê. — e . — chamou o padre, seus olhos se movendo entre nós. — Vocês estão prontos para este compromisso, conscientes das responsabilidades e dos sacrifícios que ele exige?
— Sim. — respondi, minha voz firme, cortando o silêncio.
— Sim. — disse, depois de um instante. A hesitação dela foi imperceptível para os outros, mas eu notei.
O padre sorriu levemente, satisfeito, e deu um passo para trás.
— Antes de trocarem os votos, vamos ouvir as Escrituras.
As palavras do livro sagrado ecoaram pelo espaço, falando de amor, paciência e confiança. Palavras bonitas, mas distantes do que era o nosso mundo. Ainda assim, prestei atenção. Cada palavra era uma promessa que eu estava disposto a cumprir a , à minha maneira.
Rossi. — chamou o padre, virando-se para mim. — Promete amar e respeitar , na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias de sua vida?
Me virei para ela, segurando sua mão entre as minhas.
— Prometo. — Minha voz soou firme, mas baixa, como se aquelas palavras fossem apenas para ela.
O padre se voltou para .
, promete amar e respeitar Rossi, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias de sua vida?
Ela respirou fundo antes de responder, seu olhar preso no meu.
— Prometo.
— Agora, podem trocar os votos. — anunciou o padre, dando um passo para trás para nos deixar falar.
Me virei completamente para , ainda segurando sua mão. Quando chegou a hora dos votos, segurei sua mão e me aproximei, mais perto do que o protocolo permitiria.
… — comecei, minha voz reverberando pelas paredes altas. — Eu não sou um homem fácil. Sou o tipo que toma, que exige, que não se contenta com menos do que o melhor. E você… — minha voz baixou um pouco — É o melhor que eu já vi. — Ela arregalou os olhos ligeiramente, mas não recuou. — Prometo proteger você, não importa o preço. Prometo manter você ao meu lado, mesmo quando o mundo inteiro tentar nos derrubar. E não importa o que aconteça, você será sempre minha prioridade. Prometo que, enquanto eu estiver vivo, ninguém, nessuno, ousará tocar em você. Prometo lealdade, a minha total e irrestrita fidelidade. Não importa os erros que cometa, as batalhas que perderemos, você terá a minha lealdade até o último de meus dias. E, por fim, prometo que você nunca estará sozinha. Nem nos piores momentos, nem quando o mundo desmoronar ao nosso redor.
As palavras saíram com uma intensidade que nem eu esperava, mas eram verdadeiras.
— Você é o homem mais teimoso e arrogante que eu já conheci em toda a minha vida e, por mais que eu tente, não consigo entender o que se passa na sua cabeça. Eu não suporto o jeito que você manda, o controle que tem sobre tudo e todos ao seu redor. Você tem razão, você não é um homem fácil de lidar, . E a sua capacidade de me fazer sentir fraca, como se tudo ao meu redor perdesse sentido quando você está perto, me irrita. Me irrita porque, por mais que eu queira resistir, você sempre sabe como me derrubar, como me fazer ficar fraca, me fazer querer mais de você, mas você também é o único homem que me fez sentir viva de verdade. Não sei como vou sobreviver no seu mundo, mas sei que não quero mais viver fora dele. E, por mais difícil que seja, por mais que você me faça querer fugir, a verdade é que eu não quero mais viver sem você. Não importa o que aconteça, eu sei que estou onde eu quero estar.
E, enquanto ela falava seus votos, algo em mim mudou. Eu era um homem acostumado a ganhar. Acostumado a controlar. Mas naquele momento, eu percebi que, de todas as coisas que tinha conquistado, era a única que eu realmente temia perder.
O padre assentiu, visivelmente satisfeito.
— Por favor, troquem as alianças.
Peguei a aliança de ouro da bandeja que o padre segurava e segurei a mão de .
— Com esta aliança, eu te declaro minha. Não apenas hoje, mas para sempre.
Ela fez o mesmo, com sua voz tremendo ligeiramente.
— Com esta aliança, , eu prometo ser sua.
O padre ergueu as mãos, como uma espécie de bênção final sobre nós.
— Diante de Deus e desta congregação, eu os declaro marido e mulher. , você pode beijar a noiva. não era apenas minha esposa agora.
Ela era minha, completamente.
E eu seria dela, quer quisesse ou não.



Capítulo 31

Rossi



O tempo parecia se arrastar por um momento, como se a própria igreja estivesse retendo a respiração. O som do mundo ao redor desapareceu, e o único que restava era , a força dele e o peso de todas as palavras ditas e não ditas que pairavam no ar entre nós.
Minha respiração ficou presa no peito. não tinha pressa. Seus dedos desceram pelo meu maxilar, deslizando até minha nuca. Ele se inclinou devagar, com os olhos fixos nos meus, mas parou a poucos centímetros. O calor da sua respiração era suficiente para me fazer perder o equilíbrio.
Ele levantou a mão e tocou meu rosto, os seus dedos traçaram uma linha suave desde minha têmpora até o meu queixo. A gentileza do gesto era um contraste gritante com o homem que ele era, com o poder que exalava. Com as coisas que ele era capaz de fazer. me segurou pelo maxilar, inclinando minha cabeça ligeiramente para cima, e se aproximou. O mundo ao nosso redor desapareceu. Não havia mais igreja, mais convidados, nem o som abafado de aplausos que mal chegava aos meus ouvidos.
Havia apenas nós dois.
Quando seus lábios finalmente tocaram os meus, foi como se a morte tivesse se apossado de mim. A morte de quem eu era antes dele. O beijo não era leve ou hesitante; era exigente, profundo, intenso, como se estivesse se apossando de mim de todas as formas possíveis. Seus dedos apertaram levemente minha nuca, me puxando mais para ele, enquanto sua outra mão deslizava para minha cintura. Eu não conseguia me mover, pensar ou respirar. Minhas mãos instintivamente subiram até o peito dele, sentindo os músculos sob o tecido da camisa. Meu corpo inteiro parecia em chamas, e ele sabia disso, porque intensificou o beijo, explorando, tomando o que ele já considerava seu. Do que já era seu. Quando ele finalmente se afastou, foi apenas o suficiente para que eu pudesse respirar. Sua testa encostou na minha, e seus olhos estavam cravados nos meus, escurecidos pelo desejo. Ele estava me marcando de uma maneira que eu não sabia que precisava, não sabia que queria, mas, agora que estava acontecendo, parecia a única coisa que fazia sentido.
O sabor de era uma mistura de algo inebriante e perigoso. Eu podia sentir o peso da sua promessa em cada movimento, ele não ia me deixar escapar, ele me encontraria sempre, assim como foi prometido. Ele me puxou ainda mais para perto, seus lábios exigindo algo mais, e eu não pude evitar ceder ao seu domínio. Quando ele afastou a boca, ainda com a testa encostada à minha, senti a respiração dele pesada e os olhos incendiados de desejo.
— Bem-vinda ao meu mundo, . — A voz dele saiu rouca, como se ainda estivesse absorvendo a intensidade do que acabara de acontecer.
Eu não precisava dizer nada. Ele já sabia. Porque, a partir daquele momento, eu não era mais apenas sua esposa. Eu era parte do império dele, uma marca em um mundo onde ele comandava e apesar de odiar isto, eu não conseguia mais imaginar um lugar em que não estivesse ao lado dele.
Eu não sabia o que dizer. O que poderia dizer? Algo dentro de mim se rebelava contra a ideia, mas ao mesmo tempo, outro lado se aquecia, se entregava à força dele.
Eu olhei para ele, sentindo o calor que irradiava de seu corpo, e, ao mesmo tempo, a frieza que emanava de seus olhos. Ele era dono de tudo ao seu redor, e agora, ele era dono de mim também.
— O que está pensando? — Ele perguntou, mantendo os olhos sobre os meus. Acho que, por alguns minutos, esqueci que estávamos em nosso casamento.
— Não é nada muito importante. Estou apenas... processando tudo. — Minha voz saiu hesitante, mas ao mesmo tempo firme o suficiente para não parecer fraca.
— Processando? — Ele se inclinou ligeiramente, suas palavras eram sussurradas apenas para mim. Havia algo na maneira como ele disse isso, na intensidade de sua voz, que me fez estremecer. Talvez fossem as lembranças do que havia acontecido horas antes, o sangue, os gritos abafados, o cheiro de sangue ainda pairando no ar. Ainda pairando nele. tinha voltado daquele confronto sem um arranhão, como se o massacre de russos não fosse mais do que um desvio em seu dia e agora eu era sua esposa. — Você não parece muito satisfeita. — ele comentou, enquanto saíamos do altar e caminhávamos para o espaço da festa, bebendo um gole de sua própria taça e observando-me por cima da borda.
Eu o encarei, sentindo meu coração acelerar. Ele era desconcertante, perigoso, e, definitivamente, impossível de ignorar.
— É difícil estar completamente à vontade quando metade das pessoas aqui parece querer matar a outra metade.
arqueou uma sobrancelha, o canto da boca se erguendo em um sorriso curto, quase arrogante. Ele entregou a taça vazia a um dos homens da famiglia que se aproximava silenciosamente e voltou a me encarar com aquele olhar que parecia atravessar minha alma.
— Não vai acontecer nada. Todas as pessoas que estão aqui hoje sabem exatamente o que esperar de mim.
Caminhamos juntos pelo corredor principal, enquanto os convidados se levantavam e nos seguiam, murmurando entre si. As pessoas olhavam para com respeito, ou seria medo? Talvez os dois. Quanto a mim, as expressões variavam. Algumas mulheres cochichavam atrás de leques de renda, homens ajustavam os relógios como se quisessem evitar meus olhos. E então havia os soldados, que mantinham suas posições, a maioria armada, com olhares vigilantes.
— Então, por que fazer isso aqui? Na igreja? — perguntei, tentando não soar tão nervosa quanto me sentia.
— Tradição. Respeito. E porque nenhum homem ousaria manchar a santidade de uma cerimônia na presença da famiglia. — Ele fez uma pausa, seus olhos fixando-se nos meus.
Eu sabia que ele estava certo. Ninguém tentaria nada. Não ali, não hoje, mas o peso dessa segurança não era reconfortante. Era sufocante.
— Você parece muito confortável.
Ele sorriu novamente, desta vez abertamente. Era um sorriso que não alcançava os olhos, mas ainda assim era devastador.
— Isso porque eu estou. É o meu mundo, . E agora, também é o seu. Quanto mais cedo você aceitar isso, mais fácil será.
Minha vontade era de gritar, de protestar, mas me limitei a apertar os lábios. Sabia que ele não estava errado. Esse era o mundo dele, e eu tinha escolhido entrar nele. Não tinha mais volta.
Chegamos ao salão de festas, e o ar ali parecia tão denso quanto na igreja. O espaço era luxuoso, decorado com detalhes dourados e arranjos de flores brancas, mas não era um luxo acolhedor. Era uma exibição de poder. Roman estava perto da entrada, conversando com Bianca e Vicenzo. Os dois irmãos mantinham posturas completamente opostas: Bianca era graciosa e elegante, sua risada preenchendo o espaço com leveza, enquanto Vicenzo parecia mais uma estátua, analisando cada pessoa que passava por ele com olhos sombrios. Era engraçado a forma que eles eram tão diferentes, mas funcionavam tão bem juntos.
— Venha. — murmurou, segurando minha mão novamente. Sua firmeza era quase reconfortante, mesmo que eu não quisesse admitir. — É hora de cumprimentar nossos convidados.
Bianca apareceu logo em seguida, com um sorriso caloroso que contrastava fortemente com o resto do ambiente. Ela me puxou para um abraço, ignorando completamente o protocolo rígido que parecia reger tudo ali.
, você está maravilhosa! E ... Bem, até que ele conseguiu parecer civilizado hoje.
— Bianca... — rosnou baixinho, mas havia algo quase afetuoso na irritação dele.
— O que foi? Estou apenas dizendo a verdade. — Ela lançou a ele um olhar desafiador antes de voltar a me encarar. — Se precisar de algo, qualquer coisa, sabe onde me encontrar.
— Obrigada, Bianca. — Falei sinceramente, absorvendo o alívio momentâneo que sua presença trazia.
Vicenzo chegou por último. Ele era o mais sombrio dos quatro irmãos, com olhos que pareciam perfurar a alma. Ele me analisou de cima a baixo antes de acenar com a cabeça.
escolheu bem. — disse simplesmente.
— Vicenzo, você poderia tentar ser menos ameaçador por pelo menos um dia. — Bianca revirou os olhos, claramente acostumada à personalidade dele.
— Isso seria contra a minha natureza. — respondeu ele, sem humor.
Enquanto trocava palavras breves com Roman e Vicenzo, fiquei parada ao lado dele, ainda observando tudo com distância. O salão estava cheio de pessoas que, embora vestidas com trajes impecáveis, não disfarçavam a aura de perigo que carregavam. Me pergunto se, em algum momento, em algum outro casamento, Lorenzo foi um deles.
— Está tudo bem? — perguntou, inclinando-se ligeiramente em minha direção, a voz dele baixa o suficiente para que apenas eu ouvisse.
— Está. — menti.
Ele estreitou os olhos, claramente não acreditando, mas não insistiu.
— Vamos. — disse ele, guiando-me para o centro do salão, onde uma longa mesa estava montada. Os melhores lugares, é claro, eram para nós. Quando nos sentamos, o salão foi preenchido com o tilintar de taças sendo erguidas, as vozes se misturando em um brinde que ecoou alto e unânime:
— Aos Rossis!
Eu levantei minha taça de champanhe, com a mão levemente trêmula, enquanto sorria, satisfeito.
Ele se inclinou para mim, arrepiando todo o meu corpo com o calor da respiração dele contra meu ouvido.
— Você está se saindo bem. Não precisa fingir que gosta disso, mas precisa aprender a jogar.
— Isso é um jogo para você? — murmurei, sem olhar para ele.
— Tudo é um jogo. — A resposta dele foi seca, cortante, real, trazendo-me a uma realidade que nada nesse casamento me permitia esquecer. Tudo para era estratégia, controle. Eu sabia que ele não estava me testando com essas palavras; ele estava apenas sendo sincero. E talvez fosse isso que mais me incomodasse.
Eu me mexi na cadeira, sentindo o olhar de em mim, como se ele soubesse exatamente o que estava se passando dentro de mim. Não queria que ele soubesse.
— Você está pensando demais.
— Não estou pensando em nada — respondi rápido, forçando um sorriso, mas sabia que ele não acreditaria.
não disse nada mais, mas pude ver a sombra de um sorriso se formar em seus lábios. Ele sabia que eu estava tentando, e que, mesmo que quisesse resistir, algo em mim o atraía também. Talvez fosse esse o problema. Eu não queria admitir que estava começando a me acostumar com ele, com a maneira como ele me fazia sentir. Não queria que ele tivesse esse poder sobre mim.





Continua...



Nota da autora: Se eu fiquei em euforia enquanto escrevia esses capítulos, mal posso esperar para ver a reação de vocês! Comentem, me digam o que acharam, entrem no grupo e aproveitem.





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