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Finalizada em: 24/10/2023


HI-PÓ-TE-SE (SUBSTANTIVO)

Uma suposição ou explicação possível construída com base em evidência limitadas como um ponto de partida para mais investigações.
Exemplo: “Com base nas informações disponíveis e nos dados coletados até agora, minha hipótese é: quanto mais longe eu me mantiver do amor, melhor eu vou ficar.”


Capítulo 1

— Ele fez o quê? — pergunto, não acreditando no que ouvia do outro lado do telefone. — Tudo bem, estou indo. Peça desculpa aos pais do garoto, por favor — sussurro em um tom baixo, não conseguindo sequer pensar em outra palavra para aquilo.
? — minha irmã pergunta, e eu me limitei a um aceno com a cabeça e um sorriso irônico.
— Agora ele é violento, que nem o pai — reclamei, sentindo os meus olhos lacrimejarem. — Eu juro que não sei o que fiz, não sei onde errei. Eu fiz de tudo, Cassie, de tudo! E ainda assim cá estou eu, sendo chamada na direção da escola do meu filho pelo mal comportamento dele.
— Não é sua culpa, babe.
Sorri, agradecendo as palavras. Mas como explicar a uma mãe solteira que o fato de seu filho ser violento com outra criança não é resultado da péssima criação que ela lhe deu? Ou, talvez, como uma frase poderia ser convincente quando tudo que se ouvia eram textos de julgamento?


•••


Espero alguns minutos antes de entrar no colégio. Limpo as lágrimas, sorrio para o espelho e pego a minha bolsa, saindo do automóvel logo em seguida. Passo pelo porteiro, o cumprimento e caminho até a sala da supervisora pedagógica. Ao entrar, observo meu filho sentado no banco, emburrado e balançando os pés de forma inquieta; ao seu lado, um menino loiro que segurava um pano branco sobre o nariz. não me olhou, ao invés disso, apenas virou o rosto quando me viu.
“Os seis anos são a melhor fase”, eles disseram.
— O que aconteceu? — pergunto assim que minha entrada na sala da direção é autorizada.
— Eles estavam no futebol. Não se sabe bem como começou, mas chutou a bola no rosto do coleguinha. Nós reprovamos completamente essa atitude violenta e gostaríamos de saber se... talvez não seja melhor comunicar ao pai do . Ele só não quebrou o nariz da outra criança devido à sua pouca força, mas machucou intencionalmente outro aluno. Isso é algo que não podemos permitir. Talvez o pai dele...
— Eu não consigo controlar o meu filho, então um homem talvez faça isso melhor? — questiono, irritada com o rumo que as coisas estavam levando. — Peço desculpas à escola e aos pais da criança. É uma atitude lamentável e isso não vai se repetir novamente, senhora, no entanto, das medidas disciplinares do meu filho cuido eu. O pai dele saberá, sim, mas eu garanto que tenho tanta capacidade quanto ele de fornecer limites ao . Tenha um bom dia!
Saio da sala com os nervos à flor da pele. Não preciso de muito mais além de um estender de mãos para que o menor saiba que deveria vir comigo, e ele, mesmo emburrado, faz sem retrucar. Já no carro, suspiro enquanto ajeito o retrovisor para a cadeirinha do pequeno. Respiro fundo, deixando minha irritação ir embora com a respiração.
— Por que você fez isso, ?
— O papai disse que eu podia me defender quando alguém fosse mal comigo.
É claro que ele havia dito.
— E o que o menino fez para você precisar se defender? — busco entender, afinal, a única forma de saber o que se passa na cabeça de uma criança é perguntando.
— Ele falou que meu pai não gosta de mim e por isso me abandonou.
Engulo em seco, desviando o olhar para o teto do carro enquanto minha língua alcança o céu da boca.
— Filho, a gente não pode bater nas pessoas quando elas falam coisas que não gostamos. Seu pai falar isso não torna justificável você ser violento, — murmuro, olhando-o ainda pelo retrovisor. agora encarava as mãos de forma envergonhada. — Sabe que isso não é verdade, certo? É impossível alguém não gostar de você. Ninguém te abandonaria, porque você é a criança mais linda e perfeita de todo o universo, só precisa se controlar um pouquinho mais. Eu sei que você consegue. Eu te amo, neném.
passa o resto da viagem cabisbaixo. Ele é inteligente e já entende quando faz algo incorreto, consegue sentir o peso e a culpa de suas atitudes mesmo com os poucos seis anos de idade.
— Posso falar com o papai? — ele pergunta, um pouco desconfiado.
Por alguns segundos penso em negar, mas aquilo seria pior. Eu sabia que o comportamento dele era também devido à ausência que o pai insistia em tomar cada vez mais, então aceno com a cabeça. Acionando por você o comando para que a ligação fosse feita, não adiantou muito já que logo ouvimos o: “E aí! Eu não tô podendo falar agora, mas deixa um recado e eu retorno pra você assim que der.”

“Não tô podendo falar agora.”
“Não consigo ir no futebol dele.”
“Estou com muito trabalho.”
“Esse fim de semana não dá, tenho compromisso.”
“Ele entende que eu sou ocupado.”
“Deixa ele na casa dos meus pais e eu passo por lá.”

Se eu dissesse alguma dessas frases, não faltariam pessoas para me apontar como uma mãe desnaturada. Afinal, onde já se viu parir uma criança e não dar atenção para ela? Era só ter evitado, eles diriam. A mãe tem que viver pelo seu filho, e não me entendam mal, eu realmente acredito nisso e faria absolutamente tudo pelo , mas não é só de mãe que se faz uma criança. E o pai? Por que os parâmetros são tão diferentes? O pai está ocupado, está trabalhando. Pois bem, eu também trabalho e isso não me dá a desculpa para ser ausente na vida do .


Capítulo 2

— Irmã, você não acha que seria melhor o ter um acompanhamento? Agora que você está estabelecida no trabalho, pode encaminhá-lo pra um profissional e frequentar um você mesma — Cassie murmura, buscando a melhor maneira de falar, mas não controlei a vontade que eu estava de gargalhar. Talvez fosse o álcool falando um pouco mais alto, já que estávamos em um bar aproveitando um fim de semana no qual passaria com os avós paternos.
— Eu sei que sim — respondo simplesmente. Por diversas vezes pensei em colocar o meu filho para ter um acompanhamento principal. Existem marcas que são feitas na infância e ardem pelo resto da vida inteira, eu sabia bem disso.
— Chegou um psicólogo ótimo na cidade e ele é especializado no atendimento infantil. Sei que pode ser assustador confiar o assim nas mãos de um desconhecido, mas ele estudou pra isso. Não é normal que mesmo depois de quase três anos o ainda não aceite o fim do relacionamento, principalmente porque ele está demonstrando picos de agressividade, e isso não é saudável pra ele.
Balancei a cabeça de forma positiva. Sequer tinha argumentos para negar aquilo.
— Eu o levarei amanhã, prometo. Se eu não gostar do psicólogo, não o levo mais e pronto — digo de maneira determinada, pedindo mais uma dose de tequila ao barman.
Cassie havia encerrado sua noite ao sentir sono e desejar sua cama, o que me fez rir apesar do abandono dela. Eu nunca ficava bêbada, ou pelo menos não mais. Parei desde que minhas prioridades haviam se tornado outras. Eu ainda bebia, é claro, mas jamais ficava bêbada. O álcool era apenas um combustível, mas eu não me permitia queimar com ele.
— Boa noite — sou interrompida por uma figura alta, de olhos azuis e cabelo cor de ouro. — — ele se apresenta enquanto se senta na mesa comigo.
— Boa noite — respondo, ainda tentando raciocinar de onde tinha surgido aquele homem. No entanto, não fiz tanta questão de adivinhar. — Não perguntei. E não me lembro de ter pedido que se sentasse comigo também — falo de forma debochada. Tudo que eu não precisava era de algum homem tentando me convencer a ir pra cama com ele.
— Não quero ir pra cama com você. Não me entenda mal, eu iria para a cama com você. Digo... apenas achei oportuno você estar sozinha aqui, nessa mesa.
Olho incrédula para ele. Qual o nível de audácia desse homem? Aparentemente os prováveis 1,80 metros eram o tamanho certeiro da minha irritação.
— Escuta aqui...
— Terceira mesa à direita. Tentei dispensá-la de forma educada, deixei claro que não queria compromisso e ainda assim pareço estar sendo perseguido por todos os lugares que vou. Ela se chama Melissa, é gentil e meiga, mas não faz meu tipo. Pensei que se eu sentasse aqui, com outra mulher e ao menos parecesse estar tendo uma conversa agradável, isso fosse fazê-la entender melhor os vários sinais — desabafa, como se isso justificasse toda a invasão de antes. Na verdade, isso apenas me deixa mais irritada.
— Prefere ser um cafajeste ao invés de dizer com todas as letras que não a quer? — pergunto, agora curiosa com a história do loiro.
— Não que eu me importe em ser cafajeste, mas eu já fui claro com ela. “Você é maravilhosa, mas não teremos nada além de sexo” parece claro o suficiente pra você? Aparentemente boa parte das mulheres tem um complexo de daddy issues, quando tentam consertar um cara que consideram quebrado. E eu não sou assim, então se ela perceber, é melhor para ela.
— Não é assim como? Quebrado? — questiono, começando a me divertir com o tom bem-humorado e a sinceridade exacerbada do maior.
— Ah, não. Não me entenda mal, quebrado eu sou sem dúvidas, só não sou consertável — ele sussurra de maneira divertida e pede um drink ao garçom.
— Bom, sendo assim, tenho outra maneira de mostrar isso pra ela — entro no mesmo tom divertido que ele, mas ao invés de entrar em seu jogo, fingindo estar adorando aquilo para que a mulher se sentisse mal, opto pela chamada “psicologia reversa”.
Me levanto da mesa, o olhando com certo desdém, e ele me encara confuso. O timing é perfeito, já que o garçom traz a bebida no momento exato. Pego o copo da bandeja e faço questão de jogar o líquido no homem, segurando a risada quando as duas pedras de gelo se dividem entre o chão e a parte de dentro da camisa do loiro.
— Você é louca! — ele diz num tom de voz alto, tentando limpar os olhos que provavelmente ardiam com a bebida escorrendo em seu rosto.
Ao ver tamanha insatisfação enquanto buscava limpar sua camisa social, gargalho baixo, saindo do lugar. O homem havia ficado inteiramente insatisfeito, e a mulher talvez estivesse até agradecida pela humilhação pública do dia ser dele, e não dela, e eu estava saindo de uma noite mais divertida do que imaginei que seria.
Ao chegar em casa, faço uma chamada de vídeo para falar com o . Não era como se eu não confiasse nos avós dele, na verdade, os pais do eram ótimos e sempre me deram todo o suporte durante e após a gravidez – mesmo que sempre dessem uma desculpa para as atitudes imperdoáveis do filho. O que eu sentia mesmo era saudades do meu pequeno, de dormir após sentir o cheirinho doce dos fios de cabelo escuros ou de colocá-lo na cama. Mas também não confiava no o suficiente para deixar o dormir longe sem checar como ele estava. Vai que o pai não tivesse sequer falado com ele e ele fosse dormir chorando? Ou se ele quisesse voltar pra casa por sentir saudades? Infelizmente e a contragosto meu, não seriam as primeiras vezes a acontecer isso. Ligo para o meu pequeno príncipe e falo com ele antes de dormir. Por algum milagre do destino, havia ido até a casa dos pais. Agora estavam no quarto do maior, e dormia junto com o pai.
Suspiro baixo com os pensamentos voando sem rumo certo e pensando em tudo que eu havia passado até chegar até aqui, principalmente pensando em como poderia ser assim sempre. Ele não precisava ser bom para mim – os anos morando juntos provaram que isso estava fora de cogitação –, mas podia ser bom para o filho. Poderia sempre ser atencioso, carinhoso, presente, mais pai.
não havia sido planejado, claro que não. De forma alguma uma criança estaria em meus planos com dezoito anos de idade e uma graduação a completar, mas em momento algum ele havia sido indesejado. Desde o primeiro segundo que soube que ele estava se formando em meu ventre, eu o quis. Talvez fosse justamente o sonho de ser mãe que sempre gritou de forma latente em meu peito, mas sempre seria minha melhor escolha.


Capítulo 3

— Sim, . Eu já ouvi — reviro os olhos, observando meu filho brincar numa área infantil dentro da sala de espera. — A clínica é linda, completamente adaptada para crianças e... — sou interrompida pelo homem, mas devolvo a gentileza assim que ele começa a expor (novamente) os motivos por não concordar com aquilo. — Eu já te ouvi e, para a sua infelicidade, você não é o único responsável pelo . Eu sou a mãe dele e, por sinal, passo mais tempo com o menino do que você. Você diz que não precisa porque não convive com ele. Pra você é muito fácil falar com o uma vez por mês e se achar um ótimo pai com melhores soluções, mas pra opinar sobre isso, você vai ter que se tornar muito mais do que um pai de fim de semana.
Desligo o telefone, sentindo toda a raiva acumulada voltar a exalar. Odiava quando se achava mais capaz do que eu para tomar decisões em relação ao meu filho. Não era ele quem estava vendo o filho desenvolver comportamentos agressivos, sendo chamado na diretoria, vendo o filho ser suspenso das aulas. Não era ele que ouvia o filho chorar pela sua ausência ou se sentir constantemente abandonado! Então como ele ousava opinar que era uma fase que passaria? Ou falar que eu estava sendo exagerada e maluca? Maluca estava eu quando me apaixonei por ele, isso sim!
Baker — ouço secretária chamar.
O pequeno me olha assim que ouve seu nome, então larga a bola que mexia e caminha em passos lentos até mim. Somos direcionados a uma sala com um pequeno hall. Espero ali, sentindo o menor se apoiar em minhas pernas e, assim que a secretária mostra a sala, sorrio agradecida e entro.
— Prazer, me chamo .
Olho desconfiada para ele, apenas para constatar o que a voz já me dizia. O psicólogo do meu filho é o homem de dois dias atrás. O mesmo que eu havia derramado bebida e me chamado de louca.
— respondo. Talvez ele não se lembrasse de mim e eu não precisasse ficar tão constrangida assim, certo? — Esse é , meu filho. Imagino que você seja o psicólogo que irá atendê-lo.
— Sim, prazer, senhorita . Sente-se, por favor — ele solicita. A voz baixa e rouca demonstra uma educação e profissionalismo grande, mas também me desperta pequenos arrepios com a tonalidade certeira para derrubar um elefante. — o chama, agora trazendo a atenção do meu filho para si. — Quantos anos você tem?
O menino olha para mim, respondendo apenas quando acenei com a cabeça.
— Seis? É mais do que uma mão cheia. Do que você gosta de brincar?
— Eu gosto de futebol. E de bichinhos — murmura de forma simples. Ele não era fã de brincadeiras calmas, como carrinhos ou ursos de pelúcias. Isso ele definitivamente havia puxado do .
— A mamãe gosta de futebol?
, então, nega rapidamente com a cabeça, me fazendo rir daquilo. Eu realmente não era fã, o único jogo que eu assistia eram os do meu próprio filho.
— Então que tal se a gente ficar aqui se conhecendo e conversando um pouco sobre futebol só nós dois? A sua mãe vai ficar ali naquela sala, atrás da porta, e podemos chamá-la a qualquer momento, que tal?
parece pensar um pouco na proposta do maior, mas não contesta muito e logo se senta no sofá da sala. Sorrio com a forma que ele parece se sentir confortável e vou para a outra sala, ler alguma revista enquanto esperava que criassem esse laço inicial.
Eu sabia que as sessões do meu príncipe seriam alternadas; algumas teriam que ser apenas ele com o profissional, outras seriam junto comigo... Para começar era apenas uma consulta teste. Claro que não seria a única, mas dependendo de como o meu pequeno se sentiria, eu não o forçaria a continuar vindo se não fosse sua vontade.
Olho para a decoração, em seguida para o relógio. A janela trazia uma boa luminosidade, o ar deixava a sala fresca e as cores conseguiam alegrar uma criança e acalmar um adulto. Ao contrário do que imaginei, a sala não era cheia de brinquedos. Na verdade, tinha uma quantidade suficiente para que a criança não perdesse tanto o foco, o que definitivamente me fazia confiar ainda mais no profissionalismo do senhor . O sobrenome me lembra o nome, que lembra o fim de semana, e logo começo a rir sozinha. Quem mais jogaria bebida em um homem aleatório no bar, apenas para descobrir dias depois que o tal homem acompanharia seu filho? Coisas que aconteciam apenas comigo, com certeza. Por sorte o loiro alto não se lembrava de nada, já que não fez questão de mencionar o fato ou me olhar como se, pelo menos, me conhecesse.
A secretária se aproxima, pega alguns dados e pergunta como seriam as sessões. De imediato explico que não queria fechar definitivamente ainda, que iria aguardar as reações do e que iria fechar apenas mais três sessões, afinal, eu acreditava ser o bastante para definir se amaria ou odiaria o . Ela concorda e eu peço para que gere o pagamento de todas sessões, porque eu pagaria antecipadamente. A mulher concorda e sai do lugar, voltando com uma ficha, como uma anamnese para preencher com informações que não conseguiria dar sozinho.
Aquela havia sido a hora mais lenta de todas que eu já tinha passado pela minha vida inteira, mas um sorriso se fez em meu rosto assim que saiu dali animado. Rio baixinho, olhando o meu pequeno, e vejo a proximidade que ele já apontava com o loiro alto. A secretária chama o homem, que pede para que nós o esperássemos, e eu concordo com a cabeça, o aguardando. Ele foi e voltou com uma prancheta e uma nota fiscal. Na prancheta tinha as perguntas que eu havia respondido agora há pouco, reconhecida facilmente pelas minhas letras no papel. Na nota eu não consegui identificar bem, até que ele mesmo me falasse do que se tratava.
— Faltou o seu número de telefone — Adam diz sério, fazendo minhas bochechas corarem. Como o consultório entraria em contato comigo se eu não havia colocado telefone para contato? O maior me entrega a prancheta e preencho com o meu número ali e, em casos muito urgentes e improváveis, também adiciono o telefone de . — E essas são as notas fiscais do pagamento das sessões que havia realizado — ele me entrega a nota. Verifico o valor de forma rápida, mas sou surpreendida assim que ele continua a falar: — Atrás tem também a nota referente à camisa que você estragou com whisky, senhora .
— Agradeço pela sessão, senhor — respondo apenas, me afastando com em meu colo, que já demonstrava sinais de sono.
Então se lembrava de mim e da bebida que joguei nele. Ótimo, como minha vida poderia ficar mais divertida?


Capítulo 4

Quão alto seria o barulho de um jarro de vidro sendo jogado contra ele? O jarro não é tão grande, também não parece ser tão duro. A figura que me olhava de forma debochada, ao contrário, parecia dura o bastante para receber a visita dos vidros.
Devolvo o sorriso.
— Olá, — sussurro, sentindo meu corpo inteiro falhar, embora eu fosse ótima em disfarçar isso. Abro a porta e ele rapidamente entra. Eu estava ligeiramente surpresa e um tanto quanto abalada, talvez meu ego nunca tivesse superado tudo que aconteceu entre nós. Não ainda.
— Papai! — sai correndo em direção ao maior. Demoro alguns minutos os olhando; quando o pega no braço, deixando um leve beijo em sua bochecha, paro para lembrar o quão meu filho se parece com meu ex. Não que eu não tivesse um lembrete diário, mas quando estavam juntos era impossível não notar cada verossimilhança.
Os olhos claros, o cabelo escuro, o formato dos dentes. tem a minha boca, mas sorri como . Tem o meu nariz, mas respira como .
— Oi, filho — ele fala de forma alegre. não consegue esconder o sorriso e eu não consigo esconder a irritação. Odeio quando ele faz isso, como se pudesse sumir e aparecer quando bem entendesse. — — sussurra, de maneira desconfiada, com a voz rouca.
Encolho os ombros, me aproximando dos dois e pegando no colo, e ele reclama.
— Eu preciso conversar com o seu pai, tá? Daqui a pouco você vem e vocês ficam juntos.
Ele não gosta disso, mas entende e vai ao seu quarto com o pretexto de apresentar o novo brinquedo ao mais velho. Brinquedo que provavelmente deu com a intenção de ocultar sua ausência.
— O que você tá fazendo aqui, ? Não é seu dia de ficar com o . Você não pode aparecer e sair da vida do menino como se sua ida ou volta não importassem tanto. Isso mexe com ele, sabia?
— Ele me ama, — ele fala, da maneira presunçosa que eu odeio. — Com quem você estava alguns dias atrás?
Franzo o cenho, confusa, então me lembro de .
— Eu não te devo explicação alguma. Se eu bem me lembro, nós terminamos há dois anos. Você é pai do , não meu — me sento no sofá, respirando fundo e engolindo cada molécula homicida que aparecia em meu corpo.
— Eu me preocupo com o meu filho, com quem você coloca na vida dele — resmungou, colocando os braços cruzados na frente do corpo.
— Então deveria acompanhar isso de perto, não? — devolvo, irônica o suficiente para que ele se sentasse ao meu lado. Não gosto de sua presença.
— Combinamos que, apesar do que aconteceu, deveríamos ter uma boa relação. Soube por outras pessoas que você está saindo à noite com alguém que eu não conheço. não foi à escola tem dois dias, o que houve? — questionou em um tom sério, quase me acusando de ser irresponsável com a educação do meu filho. Levanto-me irritada e olho para a escada numa tentativa de não ver o pequeno ali. Odiava que ele presenciasse brigas, e eu não permitiria que isso acontecesse.
— O que aconteceu é que você é um péssimo pai. Até os amigos de seis anos do sabem disso. Onde você está quando ele precisa, ? Cadê você na droga do futebol dele? Ou cadê você quando esquece ele na escola porque tem algo mais importante pra fazer?
“Calma”, penso, “nenhuma toalha seria o suficiente para estancar o sangue caso você jogue esse vaso na cabeça dura dele”.
aparece pequenino na escada, perguntando se já pode descer, e eu sorrio com a cena. Ele carregava o seu dinossauro nos braços e parecia tão eufórico que era impossível dizer não àquele rostinho. Então o chamo com as mãos e encaro o mais velho pela última vez.
— Você foi um péssimo noivo, . Seja um bom pai.
— Papai, olha! Foi a vovó que me deu. Ela disse que o senhor amava um monte essa bola — ele mostrou de forma animada a bola colorida que tinha ganhado da avó paterna, e eu sorri com aquilo. Não tinha nada tão gostoso quanto vê-lo fazer ou falar qualquer coisa, mas quando ele falava sobre o assunto que amava, parecia que eu conseguia amá-lo ainda mais.
Eu não sabia quanto amor cabia em uma pessoa até nascer.
— Que legal, campeão.
Tento não sorrir com o apelido dado pelo pai ao pequeno.
Odiava o fato de saber ser um bom pai, às vezes, e isso fazia com que eu tivesse esperanças que ele poderia ser para o o pai que eu mesma não tive. Me fazia entender a devoção do nosso filho sobre ele, mas tudo ia por água abaixo quando seus inúmeros afazeres se colocavam acima do menino.
— Eu estava aqui pensando e acho que podíamos ir ao shopping hoje. O que você acha, campeão? Assim você me perdoa pelo seu jogo e a gente assiste um filme bem legal, hoje é dia de um filme bem legal lá. Você ia ficar no seu habitat natural. Eu também vou te levar no museu.
fica tímido quando escuta o pai falar do futebol, mas sorri assim que recebe a oferta de passar o dia com ele.
— O que é habitat, mamãe? — perguntou, empolgado. Gosto quando ele me chama pra participar dos momentos deles. Sinto que estou acertando, que não sou tão substituível pelo quanto acho, às vezes.
— É como se fosse o seu lar. A casa onde você mora, se sente bem e onde tem sua família. — explico da melhor forma que consigo, sorrindo terna para meu filho, que agora voltava a se aninhar nos braços do pai.
— Meu habitat é com vocês, papai — ele fala de forma inocente, com o sorriso que eu tanto amo amar. Sorrio de volta, entendendo a dor que aquilo me causa também. Eu sempre quis dar uma família ao meu filho, daquelas extremamente idealizadas, igual propaganda de margarina. Não conseguir isso me faz pensar que falhei.
— Bom, a sua mãe podia ir com a gente. Acha que convence ela? — acena de forma eufórica. Não era tão comum termos programas juntos, exceto nos aniversários ou eventos importantes pro .
Reviro os olhos, sorrindo ao ter o pequeno pulando do colo do pai para o meu. Abraço ele como se cada átomo meu precisasse daquela figurinha pequena em meus braços, porque precisava. me recarregava e me dava forças até quando eu achava ser impossível restaurar minha energia. Concordo em ir com eles.


Capítulo 5

Me surpreendo ao entrar no carro do e ver que na parte de trás tinha o assento elevado para e alguns brinquedos. Talvez ele não fosse tão ruim assim. O observo acomodar o pequeno, passando o cinto de segurança pelo corpo do menor, então o vejo fazer o mesmo, colocando o item de segurança também.
O caminho seria silencioso se não fosse a empolgação do menor, que sempre perguntava alguma coisa, arrancando risadas minhas e do pai. Chegamos em cerca de vinte minutos no shopping. Realmente havia uma temática de dinossauros e isso me diverte, porque realmente achei que era uma desculpa do .
Ele sai do carro e abre a porta para mim. Talvez ele não fosse tão ruim assim. Ao me ver saindo, abre a porta e tira o cinto de segurança do nosso filho, o pegando no colo. O espaço estava decorado em tons verdes, e eu não lembrava se tinha alguma data específica para aquilo ou se era apenas um marketing de algum filme novo, mas gostava de ver os olhos do menor brilhando. Fazia com que os meus brilhassem junto.
— Mamãe! Papai! — ele nos chama empolgado, apontando para a tela em 3D, de onde um lagarto gigante parecia escapar. Gargalho com a cena: ele olhando por cima dos ombros do pai, escondido de forma curiosa enquanto espera para ver se o animal sairia mesmo da tela. — Ufa! Ele não viu a gente.
— Claro que viu. Só que ele entendeu que você era mais forte do que ele, não quis arriscar — explica, fazendo cócegas no pequeno. Eu sorrio com aquilo. É, talvez ele não fosse tão ruim assim.
O dia passou tranquilo. O sorriso do pequeno demonstrava o quanto ele estava feliz com os momentos em família, e isso me enchia o coração. Quando pequena eu sempre quis viver isso, ir ao shopping com meus pais e vivenciar cada momento. Me divertir e entupir de besteiras e saber onde era meu habitat. Sem ter que me dividir em duas. Meu coração dói com o pensamento. Algum dia se sentiria dividido entre eu e o pai? Ou se cansaria de estar em dois lugares diferentes? E se ele de tanto se dividir, não se sentisse parte de nada?
— Eu amo você — ouço, sendo despertada dos meus pensamentos. Olho para baixo, vendo o pequeno grudado em minhas pernas e o pai sorrindo logo à frente. Pego em meu colo e deixo um beijo rápido em seu rosto. — Obrigado por ter vindo com a gente.
É ali que eu entendo: nunca me senti inteira em outros lugares porque ele nunca esteve em outro lugar comigo. é o meu habitat.
— Eu te amo, sempre e pra sempre.
Ele sorri, mas logo se afasta querendo ir a mais algum brinquedo. O filme acaba ficando para outra hora devido ao horário, e acabamos indo às pressas para o museu. amava história, o que era surpreendente, porque eu detestava e sempre foi de exatas – por isso talvez tenha se tornado um engenheiro tão bom.
O trajeto foi rápido, cerca de quinze minutos e estávamos lá. balançava os pés inquietos enquanto reclamava que eu tinha comido devagar demais e por isso ele não conseguiria ver as ”antiquitades”. Eu me surpreendia com a inteligência do meu filho na mesma proporção que me divertia com isso.
Ao entrarmos, não é surpresa alguma que o havia nos puxado para ver os ossos de dinossauros; ele nunca se cansava do assunto. Observo a grande figura e imagino como deveria ser assustador viver tão perto de um. se aproxima, deixando seu ombro tocar o meu, e suspiro ao tentar me lembrar de todos os motivos que eu o detestava. Não era tão difícil assim gostar dele.
— Olha, mamãe. É o tio — ouço a voz do meu pequeno, que apontava para uma figura loira, não tão longe dali. o procura com os olhos.
— Tio? Vamos lá falar com ele — o mais velho fala.
“Não”, eu penso. Eu não era íntima de e não queria as perguntas de . Ainda não tinha contado sobre as consultas de . Merda.
? Quanto tempo, cara. E aí, o que você está fazendo por aqui? Não me diga que se perdeu — o cumprimenta em um tom divertido, mas não é só diversão que tem ali. Eles se conheciam?
? Não tinha ideia que você continuaria por aqui depois de tanto tempo. Terminou a faculdade de engenharia? Cara, eu realmente não nasci pra aquilo — o loiro completa. Eles ignoram minha existência, o que me mantém confortável. Não queria ser enxergada, estava nervosa e não entendia o porquê. — Oi, pequeno — ele fala, sorrindo para o , que devolve o sorriso.
— Você também veio ver o Frango Rex, tio? — pergunta encolhido, bocejando enquanto se mantém deitado nos ombros do pai, cansado pelo dia. Conversando com o , uma vez falei sobre o frango ser o parente vivo do Tiranossauro Rex e ele nunca mais esqueceu aquilo. Sorrio, ainda me aproveitando do fato de estar invisível na cena. também sorri.
— Frango Rex? — ele pergunta, mas entende assim que olha para a figura esquelética do dinossauro. fecha os olhos, bocejando mais uma vez. Ao olhar para o réptil, ele me enxerga. Não me enxergue, . — . Boa noite, desculpe, não a vi aí — ele sorri novamente, da maneira convencida que sabe fazer tão bem. Seu sorriso me irrita. E me encanta.
— Vocês se conhecem? — pergunta, aninhando em seus braços.
Abro a boca para responder, mas nenhuma palavra sai. Apenas encaro como se o pedisse para não falar do ; não queria que o soubesse por outra pessoa, afinal, era nosso filho.
— Sim. Nos encontramos algumas noites atrás, no pub do Carter. Vocês são parentes? — perguntou, curioso, desviando o olhar para . Vejo estampado em seu rosto que só agora ele percebeu a semelhança entre os dois.
é meu filho. é minha... — pensa no que falar e me encara. Ele estava sério, então me encolho. — É complicado.
Tento responder, mas não acho apropriado discordar do pai do meu filho em um lugar público.
— Acho melhor a gente ir, está com sono — ele continua e eu concordo com a cabeça. — Te vejo por aí, .
Caminho atrás do , tentando alcançar seus passos rápidos. Ao chegar no estacionamento, espero enquanto ele acomoda na cadeirinha, que agora dormia serenamente. Ele fecha a porta e caminha em minha direção. O olhar sério me faz engolir seco, minha barriga congela.
As mãos de envolvem o meu braço com força e me encostam no carro. Sinto vontade de gritar, mas não quero que acorde.
— Você transou com ele?
Tento me soltar, mas ele me segura com mais força.
— Eu te fiz a porra de uma pergunta, .
Respiro fundo, negando com a cabeça. Eu não faria uma cena ali, não com o meu filho dormindo no banco de trás do carro, a centímetros de nós.
— Não. Ele é o psicólogo do — respondo e balança a cabeça.
Meu braço dói. aparece, acenando de um carro a metros de distância. me solta e sorri de volta, deixando um beijo em minha testa. De longe, provavelmente, parecia que estávamos em um momento de carinho. Ele abre o carro e eu entro.
Eu lembro os porquês.
Sim, ele era tão ruim assim.


Capítulo 6

— Esse idiota fez o quê? — Cassie pergunta completamente irritada, e eu me arrependo de contar a ela porque sabia que ela não deixaria quieto.
— Não — respondo, já sabendo o que viria a seguir. Ela então se joga no sofá, inconformada. — Por favor, eu não quero viver isso tudo de novo.
— Que droga, . O que você viu nele? Ele nunca foi bom, nunca — ela fala e encolho os ombros, sabendo que isso era verdade.
— Eu tinha dezesseis anos quando a gente começou a namorar. Ele foi a primeira pessoa por quem me apaixonei e me deu a pessoa que mais amo na minha vida. Eu não sei o que vi nele, ele parecia... diferente. Só isso.
Cassie me olha com compaixão, passa as mãos em meus ombros e me puxa para seu colo.
Eu adorava a forma como ela conseguia passar da mais imensa raiva para a mais fluida compaixão. Gostava de como me protegia sem deixar de me acolher, e não era surpresa que ela sempre detestou . Quando ele me pediu em casamento, eu estava grávida de pouco mais que três meses, e Cassie fez toda questão de exercer a sua garra de irmã mais velha e o ameaçar de todas as formas possíveis. Eu acabei me afastando dela quando passei a morar com , já que ele falava que não iria receber em casa alguém que não gostava dele.
Quando eu tinha dezesseis anos, estava terminando o ensino médio. já estava com dezenove, fazia faculdade de engenharia e eu achava sua maturidade incrível. Além disso, o interesse que praticamente todas as meninas tinham nele acabou me contagiando, de alguma forma. Tudo aconteceu rápido. Cassie me apresentou o namorado, que me apresentou o , e em semanas estávamos namorando. Em um mês eu havia perdido a minha virgindade, e em dois, estava grávida do . Com quase cinco meses juntos, me pediu em casamento, e com seis, fomos morar juntos. Aos oito meses, o primeiro empurrão, e com um ano, veio a primeira traição. Permaneci com ele até os quatro anos de , quando me deixou pela ex-namorada. Aos poucos me recuperei, mas ainda me perco quando ele aparece. Ele aparece e eu pareço sumir. Engulo em seco ao relembrar que, apesar de tudo, eu não era mais aquela menina de dezessete anos.
Cassie parece me ver perdida em meus pensamentos, já que me solta, arrumando o meu cabelo em um gesto que ela sempre fazia.
— Você não vai? — a olho confusa, mas me lembro antes de perguntar para onde eu iria.
.
Arregalo os olhos, concordando com a cabeça, volto a vestir minha armadura e abraço de canto a minha irmã mais velha. estava na casa dos avós e eu tinha combinado de passar em após receber sua ligação hoje pela manhã. Teríamos uma conversa sobre as próximas sessões de e eu havia esquecido completamente. Vou em direção ao carro, que estava estacionado na porta da garagem, e o ligo para sair dali de automático.


•••


— Pode entrar.
Aceno agradecida para a secretária e me acomodo na cadeira. me olha com o mesmo sorriso de sempre. Odiava os dentes perfeitamente alinhados que ele tinha e adorava a forma que combinava tão bem com o rosto dele. Se o problema tivesse um rosto, seria aquele.
— Você está bem? Eu adorei a nova camisa, a propósito — falou de maneira descontraída. Reviro os olhos, mas lembro que ele é o psicólogo do meu filho, então mantenho o sorriso cordial. — Estou brincando. Comprei isso pro — ele se aproxima, me entregando um dinossauro com um laço verde sobre o pescoço.
— Você deveria dar presente aos seus pacientes? Isso é ético? — pergunto, um tanto quanto irritada com aquele sorriso. E ele o abre ainda mais.
— Eu trabalho com crianças, e crianças desenvolvem afinidade emocional por meio de objetos. Quando ele olhar o brinquedo, vai ver o símbolo de uma confiança que estamos criando — explicou, dando sentido ao significado daquilo. — E tecnicamente eu não estou dando, você está. Foi com o seu dinheiro, afinal. Tento não rir, mas não consigo. Ele era tão descarado que conseguia me divertir.
— Sobre o ... — script>document.write(Adam) continua. — Eu e ele não somos amigos. Tivemos nossas afinidades e problemas alguns longos anos atrás, mas não o conheço. Não vai afetar o processo com o .
Concordo com a cabeça, sem saber muito bem o que falar. Levo a mão até o braço, lembrando da noite anterior. Ele me olha de forma indecifrável. Arrumo minha postura.
— Me chamou aqui pra isso?
Ele nega com a cabeça.
— Eu queria explicar algumas coisas. Fiz a primeira sessão sem você porque as crianças se sentem mais independentes sem os pais por perto. Os pais são a zona de conforto, e com isso vêm algumas limitações. — Concordo com a cabeça, prestando atenção nele. — Então te chamei para dizer que algumas sessões vão ser com ele e outras com você, afinal, ele não pode dizer tudo sobre a vida dele ainda. Queria saber se posso contar com você pra isso. Novamente assinto.
— Eu não sou muito boa falando, mas respondo bem.
“E sou péssima brincando”, penso em responder, mas ele não parece se importar com isso. Ficamos em silêncio por alguns minutos; não consigo elaborar uma resposta suficientemente boa para aquilo.
— Posso perguntar sobre seu relacionamento com o ? Quero entender como isso influencia o e como foi a infância dele. Se algum tema for delicado pra você, você fala... “frango”.
Sorrio com a palavra de segurança porque lembro o falando ela. Frango Rex. Balanço com a cabeça.
— Há quanto tempo estão juntos?
— Não estamos. Eu e ele passamos alguns anos juntos, mas estamos há dois anos separados. — Ele anota algo, e me incomodo com isso. — Você pode não anotar?
Ele assente, largando a caneta e o caderno de anotações.
— Por que trouxe o para as sessões? O que você espera disso?
Penso um pouco em que resposta deveria dar.
— Ele foi violento na escola, às vezes tem comportamentos agressivos. Acho que ele se sente só.
assente, não como se concordasse comigo, mas sim como se entendesse a minha visão.
— Ele conviveu com pessoas agressivas no seu cotidiano?
Penso em , mas não acho que replique tal comportamento. Nunca permiti que ele tivesse contato com esse lado do pai.
— Frango — respondo. balança com a cabeça, sorrindo com a palavra que ele mesmo inventou, e isso me diverte um pouco.
— Por que acha que ele se sente só?
A pergunta me surpreende um pouco, porque talvez eu não tenha uma resposta clara para ela.
— Acho que ele sente falta do pai. Desde que eu e nos separamos, ele vê menos o nosso filho. O trabalho sempre vem primeiro, às vezes não é nem o trabalho. Qualquer coisa vem primeiro. sempre foi mais próximo do pai, então essa distância... acho que afeta ele.
concorda novamente e me movo desconfortável no sofá. Não gostava de abrir tanto assim a minha vida ou a do meu filho. Eu sentia como se estivesse desabando cada armadura minha e não gostava de estar descoberta. Também não gostava da facilidade com que derrubava as minhas muralhas daquela forma.
— E você?
Encaro-o confusa.
— Hã? — espero que ele repita, ou ao menos se expresse um pouco mais claro.
— Por que você se sente só?
Eu não falei que me sentia só, mas ele sabia que eu me sentia. Eu também não gostava disso, não gostava da forma que ele conseguia me ler. Dou de ombros.
— Eu sou uma longa história, — suspiro, respirando fundo.
— Tudo bem. Eu tenho tempo, .
Sinto minha pele se arrepiar com aquilo.


Capítulo 7

Mordo levemente o lábio inferior, desviando meu rosto para as minhas mãos em meu colo. Não gostava da forma que parecia enxergar através do meu corpo, e estava gostando menos ainda da forma que minha mente começava a questionar: “ele teria mesmo tempo para a bagunça que eu sou?”.
— Às vezes... — começo a falar com um fio de voz que me escapa, então forço um pigarreio suave para recuperar o meu timbre normal. — Às vezes acho que não sei mais quem eu sou, além da mãe do .
me olha, não expressando reação alguma. Por alguns minutos me sinto um dos participantes do Masterchef, entregando algum prato do qual eu não tinha certeza sobre o sabor.
— Por quê? — ele pergunta, mas não apresenta dúvida em sua voz.
— Não sei bem... Por muito tempo eu fui a filha estudiosa dos meus pais, depois fui a adolescente grávida, a esposa do e agora sou a mãe do . Ele é tudo para mim, por isso me assusta estar sendo uma péssima mãe — murmuro; as palavras pareciam ter menos sentido quando eu as falava em voz alta.
— E você se sente bem sendo a mãe do ?
— Eu... — tentei responder, embora não tivesse uma resposta clara. Eu amava mais do que qualquer coisa ser a mãe do , mas estava satisfeita em ser apenas isso?
Saio dos meus pensamentos quando ouço o telefone tocar. Tento ignorar a primeira chamada, mas me preocupo demais na segunda e não perco mais do que dez segundos antes de atender a terceira. Meu coração pula assim que ouço a minha irmã do outro lado. Minhas mãos tremulam em resposta e meus olhos se enchem de lágrimas assim que entendo o teor da ligação – me levanto de imediato, pegando minha bolsa e juntando as minhas chaves.
— É o — falo de forma simples, desligando o telefone sem me despedir. — Eu tenho que ir.
me olha preocupado, levantando-se logo após. Ele me acompanha com os passos e segura minha mão, soltando-a em questão de segundos.
— Você não está em condições de dirigir. Eu te levo. Onde ele está?
Penso em debater, penso em explicar todos os porquês daquela ser uma péssima ideia, mas não tinha tempo para isso. Então apenas aceno a cabeça e digo o nome do hospital. Gostava da inteligência de , gostava que ele sabia quando perguntar e quando não perguntar sobre algo.
Tento ligar para , que não atende. Então volto a ligar para Cassie.
— Ele está bem? — pergunto assim que alguém atende. Ela fala que sim, fala que está no quarto. Sinto culpa. Não podia ser apenas coincidência que eu havia dito que não queria ser só mãe dele e agora ele tinha se acidentado. — Por favor, Cassie. Não deixa nada acontecer com ele. Por favor — imploro a ela e a qualquer Deus que pudesse me ouvir.
dirige com certa pressa; estávamos no carro dele porque eu sequer havia lembrado onde tinha estacionado o meu.
— Chegamos — ele aponta, me tirando os pensamentos, e saio do carro assim que ele estaciona.
Ando em direção à entrada e, vendo sentado na sala de espera, vou em passos rápidos até ele.
— Qual a porra do seu problema? Você podia ter matado ele! — começo a bater nele, com raiva. Com dor. Com mágoa. Ele me segura, com o olhar frio, mas também demonstra preocupação.
— O moleque é maluco por corridas. Eu quis trazer ele pra uma experiência.
— Ele tem seis anos, . Ainda usa cadeira de apoio pra andar no banco traseiro de um carro. Como poderia ser uma boa ideia levá-lo pra uma corrida? Em uma pista de verdade? Sem a merda da segurança?
Puxo minhas mãos, soltando-me dele. chega logo atrás de mim, sem jeito. Não sabendo bem se devia falar algo ou não, no fim ele acabou ficando em silêncio. Me sento, esperando que o médico venha trazer notícias. se senta ao meu lado sob os olhos fulminantes do meu ex, o motivo de estarmos aqui agora.
— ele o cumprimenta secamente, tendo como resposta apenas um aceno com a cabeça.
— Pais de Vollmer — a figura com jaleco branco chama, despertando de imediato minha atenção. Ando até ele com atrás de mim.
— Como meu filho está? — pergunto, e o médico olha a ficha e tenta me tranquilizar com um sorriso.
— Não foi nada grave. Ele está bem, um pouco tonto e com um corte na cabeça. Nada que vá comprometer as suas funções ou a sua qualidade de vida. Vou passar alguns remédios para o caso de dores. Gostariam de vê-lo?
— Sim, por favor — pede , deixando as mãos em minha cintura para me guiar para frente. Me desvencilho do toque.
— Minha irmã, Cassie, está com ele?
O médico balança a cabeça de forma positiva. Ao entrar no quarto, percebo um sonolento, brincando da forma mais animada que conseguia naquele momento. Cassie vem até mim e eu observo meu filho por um tempo. O corte ia do início de sua testa até alguma parte do seu couro cabeludo, e sinto vontade de chorar.
— Calma, ele está bem — ela me puxa para um abraço e concordo com a cabeça.
— Mas poderia não estar — falo ainda com raiva.
Detestava que o pai do meu filho fosse tão irresponsável. Um dia, um único dia fora dos planos da guarda compartilhada e havia sofrido um acidente em uma pista de Fórmula 1.
— Papai? Mamãe? — ele chama, deixando o brinquedo de lado. Acompanho até o pequeno, o abraçando com força. — Você tá me apertando, mamãe.
Eu o solto, segurando o sorriso.
— Desculpa, eu estava com medo de que você tivesse se machucado mais.
Ele sorri e dá de ombros, então se ajeita para ir ao colo do pai.
— Eu andei de carro igual o Seg, mamãe — disse animado, olhando o pai como se o agradecesse. — Só que a gente foi na Ferrari, não foi, papai?
balança a cabeça, concordando com o garoto.
— Viu? Não foi nada de mais e ele adorou.
Sinto meus olhos ferverem. Minha pele inteira esquentava com a audácia dele em me dizer que um corte de três pontos, na testa do nosso filho, não foi nada de mais.
Cassie sai do quarto e minutos depois aparece; sorri ao ver o maior e eu acabo sorrindo junto. Decido deixá-los um pouco a sós. Talvez precisasse do psicólogo ali para descartar todas as possibilidades de um evento traumático.
— Eu posso falar com você? — pergunto para , aproveitando o entretenimento do pequeno.
Ele concorda com a cabeça, devolvendo para a cama, que logo volta a pegar seu brinquedo. Saímos no quarto, ficando em uma área reservada do corredor e suspiro, tentando engolir o amargo de minha raiva.
— Ele tem seis anos. Ele levou três pontos na testa. O que deu em você? Levar o menino pra uma pista de Fórmula 1? Você é pai dele há seis anos e a cada dia parece ficar mais irresponsável.
— Pelo menos eu estava com ele. Onde você estava? Com o ? Foi só eu te largar que você virou uma vadia que vai pra casa de quem acabou de conhecer?
Meu rosto inteiro esquenta e mal consigo pensar. Parece que todos os meus pensamentos se desligam e voltam a mim somente após ouvir o estalo ecoar no corredor. Sinto a ardência em minha mão e o ódio nos olhos de . Eu havia lhe batido? Mordo meu lábio com força e ele segura meu punho, apertando-o até me fazer gemer de dor.
— Nunca mais, na porra da sua vida, ouse me bater de novo — ele avisa e eu engulo em seco, sentindo minha coragem de esvair. Meus olhos lacrimejam e sinto as mãos de alguém atrás de mim, mas não me viro. Odiava estar em vulnerabilidade. solta a minha mão. — Você está maluca? — pergunta, afrouxando a força em meu punho e me soltando aos poucos.
Sua voz fica suave e sinto um nó forte em minha garganta. O que havia dado em mim? Eu normalmente não era tão explosiva. se aproxima, acariciando a minha cintura e me puxa pra um abraço. Não consigo me afastar, porque, mais uma vez, me sinto culpada.
— O que está acontecendo com você, ? Você nunca foi agressiva. Não é essa mãe que o merece ter.
Engulo em seco porque sei que apesar da manipulação escrachada em sua voz, ele tem razão.
Baby, eu acho que você está sobrecarregada em cuidar do nosso filho sozinha.
— Você me machucou — murmuro entre os soluços, tentando de alguma forma argumentar uma batalha que eu já sabia que estava perdida.
— Eu fiquei nervoso. Você me bateu! Me desculpe, eu não quis retribuir uma violência com outra — seu tom de voz muda e eu fecho os olhos.
Me sentia perdida. Parecia haver duas versões de mim; uma quando eu estava sozinha, que era corajosa, forte, segura... e outra que estava a uma linha de desabar. Normalmente, a segunda aparecia com .
Não respondo mais, sequer volto a culpá-lo. Sinto meu corpo vazio quando ele me leva de volta para o quarto em um abraço. Os olhos agora não escondiam o choro que eu tentei tanto esconder.
— O médico deu alta ao disse com os olhos focados em mim. Balancei a cabeça positivamente, apenas para ele ver que eu estava o entendendo.
... Obrigado por ter trazido a . Nós vamos dormir na minha casa hoje, o precisa de um lugar confortável. Eu a levo. Eles vão comigo no meu carro — fala. Caminho até e o seguro em meu colo, sentindo o cheiro do seu cabelo acalmar todo e qualquer oceano que havia dentro de mim. — Sendo assim, você pode ir.
— Eu... — o loiro me olha, esperando que eu diga ou faça algo, talvez averiguando se podia me deixar. Eu não o olho de volta, apenas continuo segurando a mim. — Tudo bem. Até amanhã, pequeno.
— Até amanhã, titio.


Capítulo 8

Respiro fundo, sentindo o perfume de , então abro os olhos lentamente. Os lençóis cinzas me lembram onde estou, suspiro baixo. Onde diabos eu estava com a cabeça quando aceitei vir para a casa dele?
Ouço o barulho de risadas vindo da cozinha e rapidamente sou contagiada por elas; a voz de é divertida quando fala algo sobre “panquecas”. Levanto de forma calma, ainda vestida com a roupa do dia anterior, e caminho em direção ao cômodo que eu já conhecia bem.
— Bom dia, mamãe! — o pequeno fala, levando o garfo até a boca desajeitadamente.
— Bom dia, meu amor — sussurro, me aproximando e deixando um rápido beijo em sua testa. — Bom dia, .
— O papai fez panquecas.
Balancei com a cabeça, concordando. Sabia o que estava acontecendo ali. Quando estávamos casados e ele fazia alguma grande merda, simplesmente amanhecia no outro dia fazendo panquecas com mel, frutas, suco, buquê de flores e meus chocolates prediletos.
O homem se mantinha em silêncio, não falava nada sobre aquilo, e eu agradeci mentalmente pelos poucos minutos que me restavam em paz.
— Dormiu bem? Comprei algumas coisas pra você, estão no banheiro.
Concordo com a cabeça, me afasto do lugar e vou até o banheiro da suíte. Nunca tinha entendido por que a casa inteira dele sempre havia sido cinza. Sobre a pia encontro uma pequena nécessaire com escova de dente, pasta, fio dental e outros itens de higiene. Reviro os olhos, mas não recuso a escova.
Enquanto escovo os dentes, começo a pensar no motivo de estar ali. Era só pelo ou fiquei vulnerável de novo? Ele havia aceitado tranquilamente dormir no sofá e eu havia ficado com a cama, o que também não discuti. Apenas aceitei. dormiu em seu quarto.
Observo a figura pálida do meu ex entrar no banheiro e se posicionar atrás de mim. Encaro-o, esperando que dissesse alguma coisa; ele não me toca, apenas me olha de forma desconfortável. Lembro de Cassie perguntando o que vi nele, não era difícil ver algo belo nele. Até a pele extremamente branca conseguia ser atraente, principalmente contrastando tão bem com o cabelo escuro e os olhos azuis como o céu. Me preocupava que meu filho tivesse puxado tantas coisas do pai, mas beleza certamente não era um dos motivos de minha preocupação. era lindo, e embora tivesse traços meus, ele era idêntico ao pai.
— Desculpa por ontem, eu não quis te machucar.
Concordo com a cabeça, abrindo a torneira e enxaguando a boca. Enxugo-a com uma toalha e me viro para .
— Desculpa também, eu nunca deveria ter batido em você. — Ele balança a cabeça, concordando. Tínhamos um clima estranho entre a gente, pior do que mil elefantes brancos no meio da sala. — Acho melhor eu ir embora, não quero que a sua noiva me encontre aqui e pense algo que...
— Eu não estou mais com a Stella. — Aquilo me pega um pouco desprevenida. Não era como se eu ainda o amasse, mas fazia bem pro meu ego saber que ele não estava mais com a mulher pela qual me trocou. — O precisa de um dia calmo hoje, fica mais um pouco. Ele acabou de acordar, pode ser que ainda sinta alguma dor e é melhor que tenha os dois pais perto.
Detestava quando ele conseguia juntar o mínimo de coerência em seus pensamentos.
— Tudo bem — murmuro de forma simples. Nenhum argumento meu seria suficiente quando era pra debater sobre o bem estar de .
era uma criança mimada e em partes eu sabia o quanto era a responsável por isso, embora sempre o ensinasse os princípios que gostaria que tivesse. Apesar de ser acostumado a ter absolutamente qualquer coisa que quisesse, ele não era mal educado ou incompreensivo. Tínhamos conversas diárias sobre o certo e o errado e ele era bastante inteligente para a sua idade.
Agora estávamos fazendo mais uma de suas vontades: vendo filme com um colchão no meio da sala, ao pleno meio-dia. Ele estava animado, ocupava um espaço entre mim e o pai, e eu gostava disso; do momento e da distância que me ajudava a criar.
Ouço a campainha tocar e peço para que eu mesma a abra. Cassie tinha ficado de vir me buscar já que eu estava sem meu carro, e talvez pudesse ser ela, se fosse não ficaria tão feliz dando de cara com . Abro a porta, arregalando os olhos com uma surpresa inevitável.
? — Definitivamente não era Cassie. — O que você tá fazendo aqui?
— Hã... Oi! Eu vim trazer o seu carro e ver como o está.
Concordo com a cabeça. Aquilo fazia sentido pra mim, não sei se faria para . Meu cabelo cai sobre o rosto e vejo colocar as mãos no bolso logo após me entregar a chave, como se as prendesse ali.
— Eu trouxe seu carro, então acabei deixando o meu. Você pode me dar uma carona?
Sinto vontade de gargalhar com a fala do homem. Não o conhecia tão bem, mas realmente parecia ser a cara dele.
— Eu... acho que sim. É só que... O tá vendo filme, talvez demore um pouco.
— Não tem problema. Eu queria comprar algo pra ele, mas não tenho ideia do que ele gosta. Você poderia me ajudar? — Me surpreendo mais uma vez, principalmente quando as mãos de envolvem minha cintura quase de forma possessiva. não desvia, ao invés disso, expõe um sorriso irônico nos lábios. — Ei, .
— Aconteceu alguma coisa?
Nego com a cabeça, não me movendo. Nervosismo acaba percorrendo cada centímetro do meu sistema nervoso.
— Não, o veio trazer o meu carro e...
— Bom, obrigado mais uma vez, — meu ex me interrompe, me fazendo revirar os olhos. mantém o sorriso sarcástico.
— Acho que ela não terminou de falar.
me olha sério e acompanha o olhar dele, não se deixando abaixar a cabeça nem por um segundo.
— Ele quer agradar ao , pediu minha ajuda — digo de forma simples, sinto a respiração do homem atrás de mim pesar.
— Eu sou o pai dele, também posso ajudar.
— Sim, com certeza pode. Só que não vai ser hoje. Qualquer dia te chamo pra fazermos uma terapia conjunta, vai ser bom pro pequeno. Como só tive ajuda da até hoje para entendê-lo, prefiro que continue sendo assim — categorizou, em seguida passou a mão pela minha, me puxando de . Então voltou a sorrir, arrumando os óculos no rosto. — A não ser que você se incomode com sua ex-esposa saindo comigo.
— Boa tarde, — o homem disse, voltando para dentro e fechando a porta, deixando-nos ali fora.
, meu Deus! Você está maluco? Onde já se viu agir dessa forma? Quando me falaram que você era um profissional ótimo, eu não imaginei que fosse isso.
Ele respira, tenso, apertando ainda mais as mãos entre o bolso. Sinto o olhar de culpa pesar sobre ele, mas logo um sorriso volta ao seu rosto.
— Desculpe, realmente não foi nada ético. Eu só queria saber se vocês estavam bem. Na verdade, eu vim ver o , mas você pareceu desconfortável e eu quis te tirar de lá.
— Eu não estava desconfortável, eu só... O é um ótimo pai para o .
— Que bom, é a obrigação dele. Isso não quer dizer que ele é um ótimo parceiro, não é? Seu pulso está machucado?
Passei a mão em cima da região assim que ele falou, sequer havia percebido a sua perspicácia. Puxo minhas mãos de forma suave, as escondendo uma na outra.
— Não foi nada, bati com a porta. E eu não estou no seu consultório, aqui você não tem direito algum de me avaliar.
— Sua porta tem dedos? — O observo com um olhar de poucos amigos e ele balança as mãos um pouco acima da cabeça. — Com certeza, não se preocupe. Não farei novamente — ele disse, andando ao meu lado pela calçada. — Tem um shopping aqui perto, não é? Podemos ir lá pra escolher o presente do pequeno?
Penso em negar, mas gostava de e a presença dele lhe faria bem, então apenas concordo com a cabeça. Ao chegar, ele me convence a tomar um sorvete, o que apenas aceito, porque amava toda e qualquer sobremesa gelada.
— Qual a sua história com o ? — pergunto e ele me olha confuso, rindo ao lamber o seu sorvete. Observo a forma que ele fazia isso, o maxilar bem definido se movia tão suavemente quanto os olhos verdes.
— A gente dividiu uma namorada na faculdade, nada de mais.
Gargalho com a resposta. Nada de mais? Em que mundo ele vivia?
— Como assim? Eu nunca soube disso.
— Ele e a Stella namoravam, eu apareci e não fui um amigo muito bom — deu de ombros, falando do assunto como se não houvesse a mínima importância. — As pessoas se preocupam demais com o ego. Ele nem gostava dela tanto assim — ele engole um pouco mais do meu sorvete.
— Eu esqueço que quando você não está no consultório, você é um cafajeste.
Ele me olha ofendido, mas com um certo divertimento em sua voz.
— Eu não sou um cafajeste! Posso até não ligar no outro dia, mas eu aviso isso. Além do mais, eu era só um jovem recém-saído da adolescência que não sabia o que queria da vida. Tanto que tranquei a faculdade após quase dois anos perdidos e me mudei. Hoje já sei o que eu quero.
A pergunta abre um buraco em minha mente, de alguma forma eu queria conhecê-lo mais. Queria saber o que o movia e, agora, queria saber o que ele queria.
— E o que você quer? — Estávamos passeando em passos lentos por lojas de brinquedos. Ele dá de ombros, como se não soubesse a resposta. — É incoerente você dizer que sabe o que quer e, quando pergunto, você dá de ombros.
Ele sorri, me olhando com aquele jeito de ser.
— Você não está preparada para a minha resposta. — Tento segurar a risada torta, o que é impossível. Ele me encara por alguns segundos; os olhos fixos nos meus fazem com que eu me perca um pouco, me desequilibre e precise de algo pra me apoiar. — Eu queria te pedir desculpas. Você tem razão quando diz que não estou sendo profissional. Eu fui na sua casa, me meti na sua vida pessoal e estou comprando presentes para o seu filho. Psicólogos não fazem isso, eu não faço isso. Não é ético construir relação de amizade com os pacientes e tampouco tomar sorvete com eles em um shopping lotado. Eu só... — ele suspira, pensando nas palavras exatas. — Senti a necessidade de saber se você estava bem. Me afetou mais do que deveria te ver chorando ontem, e o estava preocupado que você e o brigassem por culpa dele.
As palavras me pegam de surpresa e não consigo responder ou formular uma frase mais calma para aquilo. Concordo com a cabeça, suspirando baixo, então mordisco levemente meu lábio inferior. Eu não sabia o que era pior: ele ser antiético ou eu estar gostando daquilo.
— Aquela não é minha casa, é a casa do — falo apenas, suspirando baixo. Que merda de resposta era essa, ?! Respiro fundo, falando o que eu realmente queria falar: — Eu agradeço por ter vindo. E por ter me levado ao hospital ontem. E desculpa por ter jogado bebida em você.
gargalha, o que imagino ser com a lembrança da primeira noite que nos encontramos. Ele tinha um sorriso lindo, e eu morria um pouco a cada risada que ele deixava escapar por entre seus lábios.
— Tá tudo bem. Eu só falei da camisa tantas vezes pra implicar com você. Você é um pouco estressada, sabia?
Reviro os olhos, dando um tapinha leve em seu ombro. Finalizamos nossos sorvetes e escolhemos dois brinquedos para .
— Qual o seu maior medo?
me olha confuso, tentando imaginar de onde veio a minha pergunta, e dou de ombros porque nem eu sabia.
— Acho que tenho medo de dar certo.
O olho confusa; ele não me encara de volta. Estávamos retornando a casa do quando paramos na praça, sob a sombra de uma árvore.
— E você?
— O que seria medo de dar certo? — questiono e ele balança a cabeça negativamente, relembrando-me que agora era minha vez de responder o jogo que tínhamos criado sem perceber. — Acho que tenho medo de ser uma péssima mãe.
— Você sabe que não foi sua culpa, não sabe?
Me assusto, olhando pra ele. Parecia que ele tinha lido meus pensamentos. Dou de ombros, então continua:
— O que aconteceu com o não tem necessariamente culpados, e se tivesse, você definitivamente não seria uma. Você é uma excelente mãe e ele ama você. Está tudo bem não querer ser só mãe. Antes de ser mãe você é mulher, deve ter uma infinidade de coisas que tem vontade de fazer, e tudo bem querer fazer.
Mordisco levemente meu lábio inferior com as palavras dele. A forma que ele falava tão certo, seguro e confiante fazia com que eu acreditasse em tudo. Fazia com que eu acreditasse nele.
— Obrigada, . — Ele sorri, dando de ombros. Talvez escutasse isso com frequência, mas não era o psicólogo do meu filho que eu estava avaliando, e quis deixar isso claro. — Não por ser psicólogo... Por ser você.


Capítulo 9

Quando cheguei, me esperava com cara de poucos amigos. estava jogando videogame, ainda deitado sobre o sofá no chão, e não me procurou quando viu a porta bater. Mordisco meu lábio inferior, encarando o moreno à minha frente.
— Voltei.
— Estou vendo.
Ele me encarou de volta, cruzando os braços. O rosto fechado demonstrava que não estava feliz com a minha saída, tampouco com meu retorno. Me aproximo de , deixando os presentes ao seu lado, e, apesar do interesse em seu olhar, ele continua jogando.
— O que ele tem? Estava bem até agora há pouco. Se sentiu mal de novo?
— Você saberia se não tivesse saído com o . — Sinto o julgamento afiado em sua voz. — Mas não, não passou mal. Só sentiu sua falta. Sua irmã veio te buscar. Falei que não era necessário, que você estava com seu carro de novo.
Aceno com a cabeça.
— Filho, acho que tá na hora de irmos pra casa. — não me olha, ao invés disso, segura o controle com mais raiva. — O tio te trouxe presente, você não quer ver?
Eu me sentia culpada, como se estivesse comprando a atenção do meu filho. Meu estômago revira com a possibilidade, mas sabia que não conseguiria sua atenção de outro modo.
busca o olhar do pai, como se pedisse aprovação, e percebo o que estava acontecendo ali. Sinto a raiva ferver meu corpo, mas a engulo. Não iria brigar na frente do ; essa era a única regra que eu jamais me permitiria quebrar, independente da manipulação do .
— Eu quero que a gente fique com o papai.
Engulo em seco, mordendo o meu lábio inferior pela parte interna. larga o videogame e olha curioso para a sacola que eu tinha trazido junto a mim para o sofá. Odiava quando o ele era metido na relação entre mim e o seu pai, odiava a sensação horrível que era não poder evitar isso de uma forma que o deixasse mal.
— Já conversamos sobre isso, lembra? — Engulo minha respiração por alguns segundos, sentindo o olhar do moreno queimar minhas costas atrás de mim. O olho como se pedisse ajuda, e queria arrancar o sorriso vitorioso que surge em seus lábios.
— Ei, pequeno, tá tudo bem ir com a sua mãe. — Odeio o seu tom de voz, como se estivesse me fazendo um favor. — Eu passo lá hoje à noite pra ver como você está. Combinado?
parece pensar um pouco, mas concorda com a cabeça. Em seguida, deixa o controle do seu jogo de lado e calça os tênis, então corre para o quarto dele, provavelmente em busca de algum dos brinquedos que amava ter na casa do pai, e volta em minutos. Pego a sacola com os presentes do e seguro meu filho nos braços, ainda com o pulso doendo um pouco. Suspiro baixo, mordiscando meu lábio inferior mais uma vez.
Ao chegar no carro, entrego a sacola para o pequeno assim que o posiciono na cadeirinha. Ele olha interessado, mas ainda confuso, como em um conflito interno. Sorrio, entro no banco do motorista e encaro as feições do pequeno mais uma vez.
— Está tudo bem?
Ele me olha, em seguida observa os pacotes.
— Eu não quero os presentes do tio — sua voz pareceu conflituosa.
— Tudo bem, você não precisa ficar com eles, então. Mas pode me dizer por que você não quer?
— Eu já tenho os presentes do papai — ele mostra, erguendo o carro de brinquedo que buscou em seu quarto.
— Sim, e você tem os que a mamãe te deu. E os da tia Cassie. E os da sua avó... — Ele balança a cabeça, pensativo. — Isso quer dizer que pode ter mais de um presente dado por mais de uma pessoa, não é? Você não ganhou presentes só do seu pai.
Enquanto dirijo, pensa um pouco por alguns minutos, mas logo abre a embalagem e rasga os embrulhos de presente, sorrindo com ambos. Um dinossauro moderno, como os que ele amava, e o outro era um polvo que alterava as emoções quando era invertido.
Por um instante, esqueço a alienação parental que fazia de forma vedada. Esqueço o meu pulso machucado e tudo que um dia passei com o moreno. Por alguns segundos, penso em como estava sendo magnífico cuidando de da forma que fazia, o quanto ele estava sendo incrível em se preocupar em como eu estava ou nas minhas portas com dedos. Por um momento, desejo que ele estivesse aqui, vendo o sorriso do pequeno com os brinquedos.
Estaciono o carro e saio, pegando o meu celular da bolsa. Checo se tinha mensagens e seguro o riso ao me deparar com uma delas. Solto meu filho da cadeirinha e ele corre em disparado para dentro de casa. Abro o aplicativo de mensagens e não preciso investigar muito para saber de quem se tratava.

Eu ainda não gosto de você.

É recíproco, senhor “sou sincero dispensando todas as mulheres”.

No entanto, devo admitir que amo o seu filho.


Mais um sorriso largo se forma ali, assim que ele digita aquela frase, juntando todos os cacos do meu pulso e dos meus pensamentos.

Ele é adorável.

Respondo de maneira genuína, como uma mãe boba que sabia que tinha o filho mais incrível do mundo. Caminho em direção a minha casa, abrindo a porta para uma figura pequena e impaciente.

É. Talvez ele pareça um pouco com você.

Seguro a risada que insiste em se formar em meu rosto antes de guardar o celular. De repente, sinto aquela sensação de novo, o frio na barriga, não saber o que esperar. Quando esperar ou o quanto esperar. Suspiro. Não podia sentir isso de novo.





Quando eu tinha dezessete anos, minha mãe me disse que eu tinha a síndrome do salvador. Não entendi de imediato por que ela me disse aquilo. Alguns meses à frente, passei a compreender, principalmente depois do meu relacionamento com Alyeska, que conseguiu ser tão difícil quanto o seu próprio nome, mas acabei me encontrando após o nosso relacionamento. Fiz psicologia para conhecer um pouco de mim mesmo, das coisas sombrias que eu não conseguia expor pra ninguém, e para suprir, de forma saudável, o desejo de ajudar as pessoas.
não era Alyeska e eu estava bem ciente disso, também não me sentia como se precisasse salvá-la a ponto de me prejudicar por isso, mas eu sentia algo. Uma cautela enraizada que trazia a energia dos olhos castanhos dela para os meus. Não gostava de nem da forma que ele olhava para ela – o que era totalmente absurdo, já que eu não era nada dela e ele era o pai do seu filho e ex-marido.
Estava na cama, inquieto, virando-me de um lado para o outro. Sentia que não deveria tê-la deixado sozinha. Sentia que o braço vermelho da sessão de ontem e os olhos inchados no hospital não eram coincidência. Sentia que eu precisava saber de sua longa história. Merda. Fecho os meus olhos e penso em Alyeska; ela era o motivo de eu me afastar das pessoas. Eu não consegui salvá-la, então por que diabos eu estava pensando numa estranha? Isso ia contra todo o meu senso de moral, de ética e de princípios. Engulo em seco, desejando que ter ética e princípios fosse mais fácil do que estava sendo, precisava ser.
Fecho os olhos com mais força, como se isso fosse me fazer dormir. Ao invés disso, meu cérebro parece querer me fazer sonhar acordado. Penso na boca de , nos lábios comprimidos quando segura a risada, no cabelo castanho claro que contrasta tão bem com o seu tom de pele. Mais uma vez penso nos seus olhos e no universo que eles escondem. Não devia estar desejando descobrir nenhum universo, porque o meu já era caótico e dolorido por si só. Eu deveria ter aprendido a porra da minha lição, então por que drogas eu estava sentindo minha pele queimar ao pensar no a tocando? Respiro fundo, passando as mãos em meu cabelo. A confusão de sentimentos parecia me matar aos poucos.
Não consigo me controlar e lhe mando uma mensagem. Demora alguns minutos até que a primeira resposta venha; envio outra e recebo mais uma. A conversa é breve o bastante para não me oferecer a ir pra casa dela, mas longa o suficiente para me fazer sorrir. Não sabia como eu tinha passado da implicância com alguém que jogou bebida em mim para a vontade de conhecer mais dela e do filho, que por sinal era meu paciente. Suspiro baixo, engolindo em seco. Eu podia me meter em encrenca de formas fodidamente pesadas se não colocasse limites a isso e não assumisse de novo o meu senso de ética. não era meu primeiro, segundo ou terceiro paciente, então por que era tão difícil me manter longe da sua história e da sua mãe?
Ouço meu telefone tocar e o pego. Não era .
Por favor, . Você ama a sua sobrinha e vai ser só por um dia. Eu não vou poder ir e o Carson também não.
Respiro fundo, com uma certa irritação na voz. Uma vez li que a frustração de alguém é dada pela sua incapacidade de colocar limites para ela e, às vezes, eu me sentia assim com Bárbara, minha irmã. Era impossível dizer não a ela, mesmo que eu tivesse que remarcar todos os meus atendimentos da segunda-feira.
Obrigada, eu te amo!
Ela desliga o telefone assim que respondo. E com a desculpa de acompanhar minha sobrinha na excursão da escola, me forço a dormir e desligar todos os meus pensamentos.


•••


— Qual é mesmo a necessidade de acompanhar a criança em uma excursão? — Uma voz fala no ônibus, me arrancando uma sincera risada. Era a pergunta mais coerente desde que tínhamos chegado aqui.
— Bom, senhora, a praça é um projeto de moderno desenvolvimento. Hoje é a inauguração de um polo importante em nossa cidade, teremos atividades para as crianças e para os responsáveis. Além de acreditarmos em um ensino compartilhado com a presença dos familiares e...
A mensagem chata é interrompida assim que uma criança entra no ônibus correndo e se senta no banco em frente ao meu. Não tenho tanto tempo de raciocinar sobre quem era, porque logo em seguida a mãe dele entra, se desculpando por interromper a palestra. Sorrio de forma involuntária quando vejo .
Ela se senta ao lado do filho, o deixando ir na janela, então troco de lugar com Lily.
— Não sabia que estudava com a minha sobrinha.
me olha surpresa, em seguida esconde o sorriso por alguns segundos, mas logo o deixa escapar.
— Eu acho que não estuda. O ônibus dele saiu há alguns minutos e direcionaram a gente para este. É sua filha?
A pergunta me faz gargalhar baixinho. Nego com a cabeça, passando as mãos pelo cabelo da pequena. Embora tivesse alguns poucos traços meus, Lily era idêntica à minha irmã.
— Não, é minha sobrinha.
O homem fala mais alguma coisa que não consigo ouvir, ou não me esforço o suficiente pra isso, e logo saímos com o ônibus. Demora pouco mais de uma hora para chegarmos, e me pergunto que praça deve ser tão longe a ponto de alguém querer passar uma hora dentro do carro pra ver.
Ao chegar, percebo que a praça é linda para um santo cacete. O som de folhas balançando conseguiam ser um calmante e a estrutura era facilmente a mais linda que já tinha visto. Era mesmo inovador, tinha tecnologia ligada à natureza. As crianças saíram quase correndo; segurei a mão de Lily para que ela não fizesse o mesmo. Desci com ela pelas escadas, mantendo a paciência. Lily era uma criança encantadora. Ela tinha um sorriso doce, um nariz fino e a serenidade do olhar de Bárbara, embora a cor de olhos fosse minha e o queixo, junto com a cor de cabelo, fossem inteiramente do pai.
Ao sair, deixo que a menina vá com o seu instrutor, e a vejo sair saltitante, animada e em segurança na companhia de . Sorrio com aquilo. Se meu cunhado visse um menino encostando em sua filha, ele com certeza surtaria. Seguindo os passos da família, procuro a mãe do menino e me aproximo de forma suave.
— Você não parece tão animada com o lugar.
Ela sorri. Sinto uma pequena falta de ar.
— Eu já conheço o projeto.
A dúvida paira em minha cabeça, mas não preciso explicar quando vejo ali. De repente, entendo o que significam as pequenas letras “CV” na entrada no lugar. O que me surpreende é Stella, que surge ao lado dele segundos depois. As mãos dele na cintura da morena parecem causar um desconforto em .
— Você está bem?
Ela concorda, sorrindo sem força.
— Sim, só não gosto do rumo que isso vai tomar.
Não procuro entender o que ela diz, porque tinha prometido não analisá-la.
Stella se solta do acompanhante e caminha até nós. sorri de forma forçada e engulo a risada com aquilo. Não sabia qual o problema das duas, mas sabia que uma irritada podia ser bem perigoso. Me afasto, para dar um pouco mais de privacidade à morena e seus problemas pessoas, mas não consigo ir muito longe.
— Boa noite, . — Ela não responde, ao invés disso, mantém os olhos fixos para o lugar onde o filho tinha sumido. — Eu e o estamos pensando em voltar, e eu gostaria muito de manter um contato maior com o seu filho e com você.
Entendo a raiva da morena agora. Se eu conseguia ouvir falsidade naquela voz mansa, nem queria saber o que a ouvia.
Balanço a cabeça com um sorriso fraco.
se aproxima delas, mas não toca na que parece ser sua namorada, talvez por estar na frente da ex. Tento não me meter no drama familiar, mas era impossível não ficar atento caso ela precisasse.
.
O cumprimento parece receoso. Ela devolve, com maior segurança.
.
O clima tenso é quebrado assim que Stella volta a falar:
— Como eu estava dizendo... Gostaria mesmo que mantivéssemos uma boa reação, principalmente agora que terá um irmão ou irmã — a mão dela desce até a barriga e eu a acompanho. fica estática, surpresa com a notícia. — Você não sabia? Não se preocupe por isso, eu descobri recentemente. Sei que deve ser difícil, porque ainda não superou o , mas talvez agora você consiga seguir em frente. Com essa criança que está vindo...
ri de forma irônica. Sabia que não devia fazer isso, não podia fazer, mas ainda assim me aproximo deles e envolvo a minha mão pela cintura dela, beijando a lateral do topo da sua cabeça. Ela me olha com um certo susto e eu sorrio, beijando agora a sua bochecha.
Baby, aí está você.
Ela fica nervosa. Consigo sentir sua mão trêmula com a falta de reação e me arrependo quase de imediato pelo que fiz, mas o arrependimento vai embora assim que sua mão segura a minha e ela deixa um beijo na minha mandíbula, me fazendo rir.
me olha com ódio. Devolvo o olhar. Stella nos encara surpresa, sem saber bem o que dizer, e consigo sentir ela engolindo a frase anterior. Não me importava caso ainda gostava de , mas não deixaria ninguém usar seus sentimentos contra ela.
Que porra eu tinha acabado de fazer?


Capítulo 10

me olha com os olhares fulminantes que tinha e um clima tenso paira sobre o lugar. Mordo meu lábio inferior, engolindo em seco com isso, mas me deixo levar com a ideia de . Fingir que estávamos namorando sem dúvidas calaria a atual do meu ex, o manteria longe de mim e a faria engolir algumas palavras também.
— Você está mesmo com ele? — O timbre de voz sombrio do meu ex marido me faz arrepiar. Dou de ombros. Ele tenta me puxar para um lugar um pouco mais longe, mas não permite.
— Sim — minha voz sai baixa e rouca. Não tinha sentimentos por , o que existia era uma vontade de que as coisas tivessem sido diferentes por . Pela Hailee. — Parabéns pelo seu filho. Não estrague tudo dessa vez.
O olhar dele pesa para o chão. Sinto lágrimas em meus olhos, mas evito soltá-las. Não estava mal porque ele tinha seguido sua vida, estava mal porque ele tinha esquecido ela. Enquanto eu não conseguia sequer dormir uma noite sem chorar, ele estava ali, com outra mulher, outro filho e nenhuma memória do que tinha nos feito durante tanto tempo.
percebe o clima e se despede por mim, me tirando dali com a mão ainda em minha cintura, me segurando como se eu fosse um cristal que ia cair e quebrar. Sentamos em um dos bancos, um pouco mais escondido. Não consigo segurar mais, começo a chorar.
Silenciosamente, ele me puxa para seus braços e eu escondo meu rosto na curva de seu pescoço. Ele apoia o queixo no topo da minha cabeça e fica ali, me ouvindo chorar copiosamente. Sinto raiva, mágoa, frustração. Não gostava de chorar na frente de ninguém, nem mesmo de alguém que me acolhia tão bem. O loiro enfia as mãos nos fios do meu cabelo, acariciando a região com calma, e suspiro baixo entre soluços. Ele não pergunta e eu agradeço por isso.
Ficamos assim por alguns minutos. O silêncio me confortava e aos poucos a minha respiração ficava tranquila, e as lágrimas, mais escassas.
— Olha, se servir de consolo, a minha namorada é bem mais bonita que a dele.
Gargalho baixinho, agradecendo a ele pela piada e me afastando aos poucos enquanto enxugava as minhas lágrimas.
— Desculpe por isso, eu não...
O que eu diria? Que eu não choro na frente das pessoas? Isso pareceria patético para um psicólogo.
— Ei, não precisa se desculpar. Fui eu que comecei um namoro fictício sem nem te perguntar sobre isso. — O semblante franzido demonstrava que nem mesmo ele acreditava na própria atitude de minutos atrás. Volto a sorrir. — Eu sinto muito pelo que você passou lá. Imagino que deve ser difícil ver o ex com outra pessoa.
— Eu não estou mal por eles, eu só... — Engulo em seco por alguns minutos, desvio o olhar para as minhas mãos e pouso sobre o meu pulso, que agora já não estava marcado. — Eu e o tivemos uma filha.
O olhar de foi de surpresa. Sinto minhas bochechas corarem, porque, embora ele não tivesse feito nenhuma pergunta, ouço todas as suas dúvidas estampadas no par de olhos verdes.
— Eu a perdi. — Sinto a dor familiar da perda ao expressá-la de forma tão audível. — Já faz um tempo, mas ainda não passou pra mim. Ainda sinto... Ainda penso... — As lágrimas voltam, mas olho para cima, as segurando ali. — É difícil pra mim ver que ele está seguindo de novo, como se ela nunca tivesse existido. Nós dois a perdemos, então por que só eu sinto que parte minha foi com ela? É egoísmo, eu sei.
Não conto para que ela se chamava Hailee. Não conto que ela nasceu com complicações, falecendo logo após, e não conto que o mesmo homem que seria pai tinha sido culpado por isso. De alguma forma, sinto que não preciso contar nada, porque são coisas que doem, e sinto que não precisa doer com ele.
me acolhe novamente, dessa vez não me puxando para seu braço, mas segurando a minha mão com todo o carinho que existia no mundo. Tento não ver naquele gesto de apoio algo maior do que realmente era.
— Egoísmo também é um sentimento e também precisa ser validado. Pessoas são egoístas o tempo todo, e não tem problema se sentir assim às vezes. Isso não te torna uma pessoa ruim, isso só te faz humana.
— Acho que eu não gosto muito de ser humana.
Ele sorri de forma sincera, me fazendo rir junto.
— Eu te acho uma humana incrível. E forte para caralho.
— Você fala como se eu fosse dura como um diamante, mas na realidade eu sou mole como água.
— A água consegue ser ainda mais forte que qualquer outra coisa, . Em jatos fortes o suficiente, com o equipamento certo, só água consegue quebrar e moldar uma pedra tão dura quanto o diamante. Ser água é a coisa mais linda que alguém pode ser, porque no fim das contas, a fluidez de se transformar em sólido, líquido e gasoso é o que mais se assemelha aos sentimentos humanos. Podemos ser muitas coisas se formos água.
De repente sinto que eu não preciso mais ser diamante.
Sinto que tudo bem ser água.


Capítulo 11

Desvio o olhar para o pequeno ao lado de . Eles pareciam se divertir juntos, e era bonito ver a forma como se permitia a voltar a ser apenas o menino de seis anos que era. A brincadeira era acompanhada por algumas perguntas, e, embora eu estivesse atenta à cena, não me esforçava para ouvir o que eles falavam.
Meus pensamentos fogem da cena e começam a divagar entre os últimos dias. Havia começado um namoro fictício com e me perguntava o que tinha se passado em sua cabeça para ter feito isso, no entanto, também me sentia agradecida. Aceitei fingir junto a ele porque a ideia de estar tão vulnerável ao novo filho do meu ex parecia humilhante.
Meu olhar sobe para e mordo levemente o meu lábio inferior. Ele era estranhamente belo, com um sorriso harmonioso e os olhos claros tão profundos que pareciam uma supernova.
A culpa me atinge assim que a atenção se volta para ; a forma que ele abraçava o maior e confiava nele, a maneira que guiava tão bem a mente da criança para um desbloqueio tão natural era lindo, e eu não podia colocar isso a perder. Não podia me aproximar o suficiente do psicólogo, porque se eu fizesse isso... ele teria que se afastar de . E o pequeno já tinha perdido pessoas demais em sua vida.
— Mamãe? — sua voz me chama. Ele corre até o meu colo e sorri, e eu o abraço e o acolho ali. Sinto o cheiro do seu perfume doce e infantil, e percebo que todo meu corpo relaxa. — A gente pode almoçar com o tio ? Eu tô com fome.
Meus olhos se erguem em surpresa, acompanhado pelos do loiro à minha frente. Mordo levemente o lábio inferior porque não sabia se era uma boa ideia e o pensamento parecia ser acompanhada pelo terapeuta, que me olhava da mesma forma.
— Eu acho que a sua mãe está um pouco cansada, e talvez ela queira você só pra ela agora, Dino.
Seguro a vontade de rir com o apelido criado pelo homem. Era fofo de uma forma que eu não imaginava que ele pudesse ser.
— Eu... — penso em negar o pedido, mas achava que devia isso aos dois. tinha me salvado há três dias, e embora o clima entre nós estivesse um pouco confuso, sentia falta de momentos assim. — Se não tiver problema pra você, tudo bem por mim.
Novamente mordo o meu lábio inferior, levanto-me do sofá e encaro o homem à minha frente. Ele devolve o olhar e eu acompanho suas mãos, que bagunçam um pouco o topete. Ele fica quieto por alguns segundos, talvez numa luta interna entre não misturar o trabalho com relacionamentos afetivos, mas a quem queríamos enganar? Já estávamos misturados desde o dia que joguei bebida nele e ele passou a me tratar como uma rebelde incorrigível. E agora mais ainda com um relacionamento falso.
— Eu tenho outro paciente agora — disse, por fim. Um frio estranho percorreu a minha barriga. — Podemos jantar, se vocês quiserem.
O complemento da frase me pega de surpresa e mordo meu lábio inferior com certa força. O frio agora percorria a minha espinha, transferindo-se entre as veias de meu corpo.
— Eu quero — responde por fim, envolvendo as pernas em meu quadril e enlaçando os braços pelo meu pescoço, como costumava fazer sempre que estava perto de mim.
sorri para o pequeno, se aproximando e bagunçando levemente os fios de cabelo escuro. Sorrio quando se encolhe, achando que ele lhe faria cócegas.
— A gente precisa ir agora, mas vai ser ótimo sairmos pra jantar, sim.
A resposta parece vaga demais. Não consigo dizer que estava feliz, porque eu não sabia bem o motivo da felicidade. Ao mesmo tempo que sentia que era errado, também sentia que era necessário.
Saio da sala, mas de alguma forma sinto que não sai de mim. A forma que minha mente repetia seu nome era absurda, e conforme eu passava pelo corredor, ainda sentia o cheiro amadeirado de seu perfume.
Caminho com o pequeno em direção ao carro após sairmos, o acomodo na cadeirinha e fecho o cinto de segurança em sua volta. Ele estava quieto demais, mas eu também percebia uma certa serenidade em seu olhar. Tínhamos as sessões uma vez por semana, e havia uma rotina na qual uma delas era juntos, outras eram só com o , dependia do que ele queria falar.
Vou para o banco do motorista e ligo o carro, passando a marcha.
— Eu gosto do tio.
Um sorriso escapa de meus lábios com a frase do pequeno.
— Eu também gosto dele. — O silêncio ocupado no carro era reconfortante, porque a personalidade agressiva do parecia dar espaço ao seu lado sensível apenas com uma frase. Fazia tempo que ele não falava que gostava de alguém. — Eu amo você.
Uma risada ocupa o lugar. Aos poucos ele para os olhos grandes e azuis, direcionando-os a mim.
— Eu te amo mais, mamãe.


Capítulo 12

A tarde tinha passado mais rápido do que eu gostaria, talvez pelo nervosismo de não saber o que esperar na noite ou até mesmo pela ansiedade do dia de hoje. Suspiro, observando com um sorriso de canto a forma que estava vestido – ele era perfeito, e por mais que a fala fosse suspeita, por eu ser sua mãe, sabia que era a criança mais bela de todo o universo. Arrumo as mechas de seu cabelo, de forma que não ficasse arrumado demais, já que ele detestava o cabelo alinhado. A calça jeans escura era acompanhada por uma blusa social branca e tênis.
Ainda não sabíamos em que lugar iríamos, por isso tinha optado por vesti-lo de uma forma mesclada entre o social e o formal. Eu, por minha vez, estava com um macacão preto sem alças. Era simples, mas conseguia ser elegante se fosse necessário.
A incerteza e a insegurança tomam conta de mim novamente. A maquiagem leve parecia não ser o suficiente e o cabelo solto precisava de algum detalhe a mais. Reviro os olhos quando percebo: era um jantar com o psicólogo do meu filho. Eu não precisava me esforçar para estar bonita, porque eu não precisava chamar a sua atenção. Não queria um envolvimento, então por que drogas estava me sentindo tão estranha em relação a roupa, cabelo e maquiagem? Afasto os pensamentos com a cabeça, ignorando o fato de que eu estava mais confusa do que me permitira estar.
Ouço o barulho de uma buzina e assim que olho a hora, pelo celular, vejo a mensagem dele, avisando que estava lá fora. Sorrio de forma involuntária e seguro a mão direita de , guiando-o para fora de casa.
percorre os olhos por todo meu corpo e sinto arrepios ocuparem cada molécula minha. corre para seus braços e ele levanta prontamente o menino, bagunçando o cabelo dele e parando assim que percebe o trabalho que eu tive para não deixá-lo espalhado.
— Você está magnífica.
Solto todo o ar, não lembrando sequer do momento que perdi o fôlego.
— Você também. — A frase era curta, mas real. A calça social preta, com uma blusa branca e suspensórios, que jamais o imaginei usando, conseguia deixá-lo com uma pitada de nerd sexy, o que era ainda mais torturante quando ele ergueu as mangas pela metade dos braços, mostrando um par de tatuagens que eu não tive tempo para observar. — Você tem tatuagens?
A pergunta óbvia o fez olhar para os braços e ele sorriu, concordando com a cabeça.
— É, algumas. Umas mais visíveis que outras. — Desvio o olhar, tentando não imaginar onde estariam as tatuagens não visíveis, mas era tarde demais. — Eu não tenho uma cadeirinha, mas peguei a da minha irmã, então acho que vai servir.
O homem se afasta, abre a porta de trás do carro e acomoda ali, que já estava acostumado com todo esse transporte. Segurança sempre tinha sido o meu ponto fraco e forte, o que me deixava um pouco obcecada com isso. Terminando de posicionar o pequeno, ele abre a porta para mim e entro. Espero que ele faça o mesmo e acompanho suas mãos conforme ele passa a marcha, me dou conta que gosto das mãos dele.
— Aonde vamos? Eu sou bem curiosa, e é um pouco torturante para mim esse mistério todos.
Ele gargalha baixinho, guiando o carro pela rua e, com sorte, passando pelos sinais verdes que encontrávamos.
— Minha irmã inaugurou um restaurante ontem, eu fiquei de ir e não consegui. Então vamos hoje.
Concordo com a cabeça. Era nova a informação de sua irmã para mim, e eu não a conhecia – isso me causava um certo nervosismo também.
— Eu ouvi falar. Se não me engano se chama Sequoia, certo?
Os olhos dele se direcionam a mim com um sorriso e, caramba, que sorriso bonito ele tinha.
— Isso. O marido dela é um ótimo chef e ela é uma ótima administradora, juntaram o útil ao agradável. E tem espaço kids, o que vai ser bem agradável pro .
A forma que ele pensava no meu filho era tão encantadora que eu precisaria me esforçar muito para não desmanchar diante desses gestos.
ficou quieto ao longo do caminho, estava entretido com as luzes conforme passávamos pelos postes. Quando chegamos, estacionou e novamente abriu as portas para mim, então ajudou a tirar da cadeira. O menor, por sua vez, não quis colo; ao invés disso, queria demonstrar que era um rapaz crescido e por isso andou sozinho para dentro do restaurante, sem sair de nossas vistas.
A anfitriã da noite havia sido sua irmã, e conhecê-la foi reconfortante, porque não me senti insegura. Me senti acolhida e foi uma sensação boa. Ela era linda como ele, tinha os olhos castanhos, mas o cabelo era da mesma cor. Descobri que seu nome era Ellie quando ela nos levou à mesa. Acomodei-me ali, sendo servida com todo o cavalheirismo de e ficou no meio entre nós dois.
— Então, o que vocês gostam de comer?
— Sorvete! — Prendi o riso pela espontaneidade do garoto. — Ou macarrão — ele murmurou, balançando as perninhas que não alcançavam o chão, pela cadeira mais alta que as normais.
Os pedidos foram feitos com base na indicação do chef e Ellie vinha à mesa sempre que podia, brincava com o irmão e saía assim que chegavam novos clientes. Era bonito ver a relação de implicância que eles tinham. As piadas internas trocadas e o sorriso espontâneo, mas um ar de ironia demonstrava que eles conviviam em harmonia. Não precisei de muito para entender que o esporte de era irritar as pessoas, mas que ele se jogaria de uma ponte por elas. Isso se enquadraria a mim?
— Desculpa, eu não sabia que eles viriam. — O tom de voz aflito me tira dos pensamentos e olho por cima dos ombros dele. Observo entrando com a sua atual, reviro os olhos de forma involuntária.
— Está tudo bem, você não tinha como adivinhar. Só vamos ignorar eles e seguir nossa noite.
A fala saiu mais fácil que a ação, já que se tratava do pai do meu filho que não facilitava em nada a minha vida, ou a minha noite. Ele se aproximou, deixando um beijo no topo da cabeça de , que gritou um “papai” de forma animada. Stella se aproximou em seguida, com a mão na barriga inexistente.
— Boa noite, casal — a voz irritante da mulher começou, lembrando-me que para eles, éramos mesmo um casal.
.
.
Os cumprimentos entre nós eram sempre pelo nome, arrastando-se com um tom frio e rouco rodeado de desconforto. Será que algum dia seria diferente? continuou quieto, não respondendo ao cumprimento de Stella, nem interrompendo o de . Ele apenas os ignorou e eu senti vontade de rir.
— Bom, foi ótimo ver vocês. Vamos, querido? — Os braços dela ocupam o entorno dos braços do moreno à sua frente e ele sorri, murmurando algo para e se afastando em seguida. O pequeno os acompanha com o olhar, mas logo é distraído quando o jantar chega.
A noite estava sendo incrivelmente boa. Era divertido passar o tempo com o loiro. Era bom de uma forma surpreendente, porque eu não imaginei as diversidades de assuntos que ele conseguia transformar em piada com seu humor duvidoso.
— E aí, o que acharam? — Ellie pergunta, se aproximando.
— Estava tudo muito bom, o espaço é maravilhoso. Você fez um ótimo trabalho — ela sorri de maneira convencida e franze o cenho.
— Eu acho que a anfitriã merecia ser substituída. Ela é acolhedora demais, é irritante — implica, me arrancando um sorriso largo. Ela o olha ofendida e ele segura sua mão com carinho. — Vocês mandaram muito bem. Sempre soube que o sucesso da família seria você.
Um estranho conforto se acomoda em mim, porque, apesar das pequenas brigas, o homem era doce e reconhecia o sucesso da irmã, não tendo receio algum de demonstrar isso a uma desconhecida para a família. Ele era genuinamente bom, ainda que se esforçasse para ocultar essa parte sua.
... — ela chama, e a olho com atenção, bebericando um pouco do vinho tinto. — Eu não sei o que você está fazendo com o meu irmão, mas obrigada. É a segunda mulher que ele apresenta a alguém da família e ouso dizer que ele está até um pouco mais feliz. Um pouco, bem pouco, por trás dessa cara carrancuda.
O comentário me pega de surpresa, não consigo esboçar uma reação. Busco os olhos dele com os meus, as bochechas levemente coradas faziam meu peito inteiro palpitar. Minhas mãos ficam geladas. Eu jamais imaginaria que ele não tinha apresentado ninguém à sua família.
Como se fosse um ímã arrastando por uma corrente magnética, não consigo afastar o meu olhar dele. Estava presa ali, afundada na sua beleza e entorpecida com a áurea confortante que tinha em volta dele.
— Em homenagem a isso, tenho uma surpresa pra vocês. — Com dificuldade, desvio os olhos do homem à minha frente. — Você sabe que o Oliver não toca há anos, não é? — O olhar sapeca direcionou-se ao irmão e o vi encolher os ombros. A cena me arrancou uma risada, porque era tão dono de si, seguro e sem medos que foi impossível não ver graça na forma que ele se encolhia da irmã. — Pois ele irá tocar hoje, e eu exijo que vocês dancem juntos.


Capítulo 13

— Ellie, eu não acho uma boa ideia. Além disso, a e eu não somos...
— Me poupe, . Dá pra ver de longe o jeito que você olha pra ela e eu te conheço desde o dia que você nasceu. Você não consegue esconder de mim que está encantado com essa mulher, e eu não te julgo. Ela é linda.
A ardência em minhas bochechas me atinge em cheio pela forma que ela fala, cheia de veracidade, no entanto, eu não conseguia ver da mesma forma que ela. não parecia ir muito com a minha cara ou, talvez, ele fosse com a cara de qualquer mulher que tentasse levar para a cama.
— Vamos, venham. O ficará em boas mãos, prometo.
Seguro a mão da mulher, simplesmente não sabendo como agir. Ela leva minha mão até a de , que mesmo parecendo desconfortável, a segura.
Um palco improvisado é montado. O homem, que deduzo ser o marido dela, se posiciona no piano, e, como se todo o restante do espaço desaparecesse, caminho ao lado de .
Nos posicionamos no centro do salão. Suas mãos envolvem minha cintura com receio, os olhos firmes se prendem ao meu, e ouço a música que começa a ser emitida pelo salão. O som do piano, junto com a voz do homem, se tornava a única coisa que eu conseguia ouvir fora da imensidão de pensamentos e arrepios que se formavam em minha mente e corpo. Uma versão acústica de All of Me é cantada na voz de Ellie, numa versão ainda mais suave que a original.
As mãos largas do homem direcionam as minhas até o seu pescoço e as encaixo ali, cruzando os braços um pouco abaixo de sua nuca. Suas mãos encaixam perfeitamente bem em minha cintura, e a resposta disso é um arrepio intenso que me percorre.

What would I do without your smart mouth?
Drawing me in and you kicking me out
Got my head spinning, no kidding
I can't pin you down

Tento ignorar o quanto a letra se assemelhava às nossas desavenças; o quanto a língua afiada dele – ou minha – conseguiam estar tão bem descritas em uma estrofe. Apoio o rosto em seu ombro e fecho os olhos quando meus sentidos são invadidos pelo seu cheiro. A colônia amadeirada conseguia me acalmar de uma maneira suave. Seus dedos apertam um pouco mais o meu quadril e me controlo para não gemer com a mistura de sensações que seu toque me causava.

What's going on in that beautiful mind?
I'm on your magical mystery ride
And I'm so dizzy, don't know what hit me
But I'll be alright

— Eu juro que não tive culpa. — O sussurro em sua voz faz com que eu abra os olhos. A respiração quente dele sussurrando contra meu pescoço, alcançando o lóbulo de minha orelha, me deixam tonta quase que de imediato. O tom rouco, aguçado no timbre de voz, me desconcentram, fazendo-me tropeçar discretamente em seus pés.
— Tudo bem. Eu não imaginei que tivesse — devolvo, tentando soar um pouco mais segura e falhando miseravelmente em disfarçar as sensações que ele me causava.
— Caralho. Tá todo mundo olhando pra gente. — Me seguro, evitando a risada do xingamento, e me afasto de seu ombro, o encarando pela primeira vez na dança. Os olhos dele puxavam os meus de uma maneira sobrenatural, como se ele fosse um furacão e eu uma vítima que me arrastava em círculos à sua volta. — Você tem um cheiro bom pra cacete.
Sou pega de surpresa pela última frase. Antes que eu consiga percebe,r a testa dele está apoiada na minha, o que o deixa um pouco mais curvado em minha direção.
... — Como em uma amnésica, esqueço que estamos no restaurante da sua irmã. Suas mãos agora subiam e desciam pelo meu quadril de forma suave, sem malícia, apenas como se ele explorasse as curvas de meu corpo. — Acho que você tem o meu cheiro favorito no mundo.
Ele gargalha, e consigo sentir cada linha da minha estrutura nervosa cair no chão. Sua mão direita sobe até o meu cabelo, onde ele acaricia com cuidado. Ele me segurava como se eu fosse quebrar, e por mais surreal que fosse, eu amava isso. Amava a forma que podia ser vulnerável perto dele, porque algo me dizia que ele não me quebraria como aconteceu antes.
Sua mão, então, se move para o lado do meu rosto e a outra se espalma em meu quadril. Sua boca se aproxima da minha, ficando a pouquíssimos centímetros, e consigo reparar com detalhes nos lábios rosados que ele tinha. Paro a dança porque esqueço como se mexe os pés, esqueço meu nome, fico completamente perdida entre sua boca e a respiração que se mescla a minha, como se fôssemos um só. Sinto cada caquinho do meu coração palpitando com a certeza de que, se um coração pudesse sair do peito de tanto bater, o meu estaria aos pés de nesse momento.

Love your curves and all your edges
All your perfect imperfections
Give your all to me
I'll give my all to you
You're my end and my beginning
Even when I lose, I'm winning
'Cause I give you all of me
And you give me all of you, oh-oh

How many times do I have to tell you?
Even when you're crying, you're beautiful too
The world is beating you down, I'm around through every mood
You're my downfall, you're my muse
My worst distraction, my rhythm and blues
I can't stop singing, it's ringing
In my head for you

— Eu vou te beijar agora, tudo bem? — As palavras ditas silenciavam até mesmo a música ao vivo. Fecho meus olhos, encostando minha testa na sua, e permito que seu corpo se aproxime mais do meu. — Eu vou te beijar e não é porque está todo mundo olhando, ou porque precisamos manter as aparências, já que todos pensam que somos um casal. Eu vou te beijar porque eu estou maluco pra fazer isso desde que pus os olhos em você. Eu vou te beijar porque meu corpo está suplicando isso tanto quanto minha mente. Vou te beijar porque você parece a porcaria de uma Deusa, e tudo que eu pensei a noite inteira é que a única forma de sentir o gosto do céu é na sua boca. E eu vou te beijar porque eu quero te beijar mais do que qualquer coisa que eu já quis até hoje.
Ele espera o meu consentimento e ergo o rosto, mal conseguia assimilar ou pensar nas palavras que saíam de sua boca. Eu estava trêmula, e tudo que consegui pensar era que também queria beijá-lo.
— Por favor, . Me beije.
Não precisando ouvir nenhuma outra frase, a mão que estava em meu rosto levou a minha boca em direção à dele, e eu pude sentir, pela primeira vez em muito tempo, as malditas borboletas em meu estômago. Revirando-se, comemorando, gritando e saltitando. Eu não sabia mais qual o meu cheiro preferido antes de e definitivamente não ligava pra outro gosto que não fosse o do seu beijo.
Ele entreabre minha boca com calma, de forma lenta ao som da música. Suspiro baixo, deixando um pequeno arfar escapar pelo beijo. Sua língua pede passagem e eu cedo. Consigo sentir a maneira que seus lábios chupam e mordiscam os meus, consigo perceber a forma que sua língua busca a minha com um desespero oculto em meio à calma. Tudo em mim incendeia; os pensamentos são confundidos cada vez que sua saliva se mistura à minha. A falta de ar faz com que a gente separe nossos lábios, mas permaneço com os olhos fechados, porque não sabia se queria acordar daquele momento. deixa um selinho em meus lábios e ouvimos aplausos, só então me recordo que estamos em um lugar público. Que meu ex está a metros de distância e que meu filho está na mesa, nos esperando.
Merda.


Capítulo 14

Saio em silêncio, com atrás de mim e sua mão ainda posicionada em minha cintura, me guiando até nossa mesa. Mordo o lábio inferior com força, tentando evitar a raiva que senti quando encarei ao lado de , cujo bom humor tinha sumido.
— Não acredito que deixou o menino sozinho, no meio de pessoas desconhecidas — a voz acusadora surgiu, e se posicionou à minha frente, não conseguindo esconder a raiva tão bem quanto eu.
— Ele não ficou sozinho. Caso não tenha visto, tem uma pessoa aqui com ele — murmurou, com os lábios cerrados.
— Tem razão, a garçonete foi uma ótima companhia para o menino.
O deboche em sua voz me irritava e me incomodava tanto porque, de alguma forma, eu sentia a culpa que suas palavras queriam trazer. Ele sempre conseguia me deixar mal de alguma forma. Olho para , percebo que ele segurava o choro e me abaixo, ficando na altura da cadeira.
— A mamãe já está aqui, o que houve? — tento colocar minha mão em seu rosto, mas ele afasta, arrancando um pedaço do meu coração.
— Eu não quero falar com você. Você não é minha mãe e eu não te amo mais.
Por não estar mais na cadeira adaptada para crianças, ele apenas pula e sai correndo. Engulo o nó na garganta que se forma e me levanto, prestes a ir atrás dele. segura a minha mão, me puxando para si e beija o topo da minha cabeça.
— Eu vou.
Eu o observo se afastar, mas por mais que conhecesse e confiasse no , sentia que precisava ir junto. Conhecia o meu filho, sabia de suas hostilidades quando influenciado pelo pai, e caso ele precisasse de mim ou mudasse de ideia, apenas queria estar lá.
Demoro alguns minutos para encontrá-los e os acho no Espaço Kids, eles estavam sentados. Não me aproximo, apenas fico observando de longe. não o afasta, mas não deixa que o maior se aproxime tanto dele. O homem apenas se senta ao lado do pequeno, curvando um pouco as costas para baixo. Eles ficam em silêncio, até que o menor começa a falar.
— Eu não quero que você namore a minha mãe. — Engulo em seco, me perguntando se isso vinha de ou se tinha visto o beijo. Não sabia qual opção me doía mais. — Você não pode casar com a minha mãe, você não é o meu pai.
O tom de voz do pequeno agora estava embargado pelas lágrimas. O loiro sorriu de forma forçada e balançou a cabeça.
— Não, eu não sou o seu pai. Você já tem pai e eu sei disso. Lembra do que a gente conversou? — Os olhos azuis do pequeno foram em direção ao chão e ele encarou o mais velho, confuso. — Ninguém pode mudar quem o seu pai é pra você, e ninguém quer mudar isso.
O menino ainda o olha um pouco desconfiado, como se não tivesse argumentos, mas não quisesse mudar sua opinião. O que era justificável para uma criança de seis anos.
— Mas se você ficar muito amigo da minha mãe, ela não vai mais ter tempo pra mim e vai me largar. Igual o papai fez quando foi embora com a tia Stella.
Sinto meu peito apertar com uma dor aguda e sufocante. Odiava que meu filho se sentisse assim, odiava que traumas causados mesmo em crianças tão pequenas tivessem tanta influência nas vidas das pessoas. Prometi que meu filho não sentiria a dor do abandono e não fui capaz de mantê-lo longe do sofrimento.
— Sua mãe jamais te largaria por ninguém, pequeno. — O homem aproximou as mãos do menino, acariciando o topo da sua cabeça. O menor permite o contato. — Quantos amigos você tem?
O garoto encara o mais velho pensativo, talvez tentando encaixar como uma coisa estava relacionada com a outra e mesmo me sentindo aflita, não consigo evitar o sorriso.
— Eu tenho um monte. Tem do futebol, da corrida, tem da escola...
— E você se diverte com eles? — balança a cabeça de forma positiva, ainda desconfiado com o assunto do loiro. — E não termina a amizade com alguém quando faz outro amigo?
— Não. A gente brinca junto. — A voz sai baixa e ele se dá conta da relação entre os assuntos.
— Então sua mãe também pode ter outros amigos e conhecer outras pessoas, né? — O olhar bravo já não ocupa mais os olhos azuis, agora ele estava quieto e pensativo. — Quer dizer, se ela só pudesse ser próxima de uma pessoa, seria um pouco triste, não acha? — Apesar de demorar um pouco a responder, o menor balança a cabeça positivamente. — Eu prometo que não vou roubar sua mãe de você. Ninguém vai, é algo impossível de acontecer, porque ela te ama muito e é o tipo de amor que não quebra que nem os carrinhos. Ele é duro que nem aço.
— Eu falei que não amo ela.
concorda, balançando a cabeça.
— Mas você ama, não é?
— Eu amo um montão.
Seguro o choro, engulo as lágrimas que se formavam e agradeço mentalmente por ter ali. Às vezes é difícil ser a pessoa que as pessoas têm, porque você também precisa ter alguém para si.
— Então você pode pedir desculpas e falar que a ama. Ela vai gostar de ouvir.
se aproxima do homem, retribui com um abraço os conselhos dados e eu suspiro baixo, sentindo meu coração voltar a bater aos poucos.
— Tio... — ele chama, baixinho, mas ainda consigo ouvir da distância que estava. — Quando o meu irmão nascer, meu pai vai parar de gostar de mim e vai embora, igual fez quando teve a Hailee?
Engulo a seco, suspirando baixo. Eu achava que o pequeno não tinha percebido que a distância do pai e a nossa separação estavam diretamente ligadas a perda da minha segunda gravidez. Achava que ele fosse pequeno demais para perceber o que acontecia ao seu redor. Sinto a dor pontiaguda me furar novamente.
não pergunta nada e agradeço por isso. O maior envolve o pequeno em um abraço, o puxa para o seu colo e beija a bochecha do menino em seus braços.
— Ele seria louco se parasse de gostar de você algum dia, campeão.


Capítulo 15

Alívio toma conta de meu corpo quando caminha em minha direção. De forma tímida e sem jeito, ele abraça as minhas pernas e o acolho em meus braços, trazendo-o para o mais perto de mim que consigo. Fecho os olhos, sentindo o seu cheiro de colônia infantil e engulo o choro que trava em minha garganta. Às vezes era difícil não saber o que fazer por nunca se sentir suficientemente boa para lidar com tudo sozinha.
Abro os olhos, observando . Ele nos olha distante, com um sorriso de lado e as mãos enfiadas no bolso.
— Obrigada — sussurro.
Ele dá de ombros, como se não tivesse feito nada ou não soubesse o por quê do meu agradecimento, mas para mim, significa o mundo inteiro. Como se ele tivesse consertado uma parte quebrada que, naquele momento, eu não conseguiria sozinha.
— Eu quero ir pra casa. — O pedido vem de , me fazendo sorrir. Concordo com a cabeça, mordendo levemente o lábio inferior sem deixar que ele saia do meu colo. O menor envolve as pernas em meu quadril e enlaça os braços por volta do meu pescoço. — Mamãe? — ele chama de forma desconcertada, e o olho com maior atenção. — Eu te amo muito.
— Eu te amo muito mais.
Ele deita a cabeça em meu ombro, aliviado por eu ter sido recíproca. E entendo que aquele era o seu pedido de desculpas que, de forma indireta, carregava todo o sentimento confuso de uma criança de seis anos.
se aproxima de nós e percebo o quando ele não quer parecer invasivo, mas de uma forma estranhamente confortável, ele fazia parte daquilo. Ele pousa a mão sobre o meu quadril de forma delicada, não com posse, apenas como alguém que buscava com o toque a forma mais simples de dizer que estava ali.
Enquanto o carro se aproxima da minha casa, eu me pego olhando para a janela, observando as luzes da cidade passando rapidamente. Meu coração ainda está acelerado, e minha mente está cheia de pensamentos tumultuados. dirige com segurança, e o silêncio entre nós é reconfortante, muito diferente da tensão que ainda pairava no ar depois do que aconteceu no restaurante.
Não consigo evitar olhar para o banco de trás, onde está sentado, imerso em seus próprios pensamentos. Ele está quieto, e eu me pergunto o que está passando pela sua cabeça. Eu sabia que o beijo entre e eu tinha abalado o mundo dele, desencadeando medos e preocupações que eu precisaria abordar com cuidado.
Finalmente, o carro para em frente à minha casa e eu suspiro, sentindo um misto de alívio e apreensão. Olho para ao meu lado e, por um momento, nossos olhos se encontraram, comunicando mais do que as palavras poderiam expressar. Era como se soubéssemos que algo importante estava acontecendo entre nós, algo que poderia mudar nossas vidas de maneiras que ainda não conseguíamos compreender completamente.
Não percebo quantos minutos estou parada olhando para ele, mas em algum momento do caminho em que eu me perdia nos pensamentos e do olhar que eu e trocávamos, havia dormido.
— Quer ajuda para levá-lo até a porta? — A pergunta era despretensiosa e me despertou uma montanha de sentimentos.
Concordo com a cabeça, e quando faço menção de sair do carro, sai primeiro e abre a porta para mim. Não consigo deixar de achar um gesto acalentador. Tudo em causava uma segurança imensa, e não era repentino – era algo que ele construía dia após dia. Ele nunca falou que seria algo, ele apenas foi.
... — chamo baixinho, o olhando. Ele me encara de forma curiosa enquanto retira da cadeirinha e pego a bolsa do menino no banco traseiro. Respiro fundo, o ajudando a fechar o carro enquanto ele tenta de forma delicada não acordar o meu filho. Caminhamos até a porta enquanto ele ainda espera uma resposta, então suspiro algumas vezes. — Você quer entrar?
Por mais simples que a pergunta pareça, não estou necessariamente perguntando se ele quer entrar na minha casa. De uma forma estranha, eu queria que ele entrasse na minha vida, e havia sido a primeira vez em anos que eu quis alguém ali.
— Se você permitir, eu adoraria entrar.
Arrepios percorrem minha pele com a intensidade das palavras. Ele não só havia entendido o que eu tinha dito entrelinhas, mas tinha respondido de uma forma perfeita para que eu não sentisse nenhum desconforto.
Assenti com gratidão e abri a porta cuidadosamente. Entramos na casa e eu caminho com ele indicando o percurso. Nossos passos eram praticamente imperceptíveis. A luz fraca da sala de estar iluminava o caminho enquanto seguíamos em direção ao quarto de . Eu me sentia grata por ter ali, por sua presença calma e solidária.
Chegando ao quarto de , e eu trocamos um olhar antes de nos aproximarmos da cama. Meu filho estava dormindo profundamente, e ao se deitar, seus cabelos escuros espalharam-se sobre o travesseiro. Eu sinto um amor imenso por ele, misturado com uma dose de preocupação pela confusão que ele estava enfrentando.
Com cuidado, e eu nos inclinamos sobre a cama, cada um de nós segurando um lado de . Com movimentos suaves e coordenados, levantamos o garoto e o acomodamos debaixo das cobertas. se mexe levemente, mas não acorda, e eu sinto um suspiro de alívio escapar dos meus lábios, porque se ele acordasse, dificilmente dormiria de novo. e eu observamos por um momento, nossos olhares se encontrando novamente. Sinto uma onda de emoção ao compartilhar esse momento com ele, como se estivéssemos formando uma equipe. Era assustadoramente bonito.
— Ele é um garoto incrível — diz em um sussurro, seus olhos brilhando com sinceridade. Assenti, sentindo um sorriso suave se formar no meu rosto.
— Sim, ele é. E também é muito corajoso.
coloca a mão no meu braço, em um gesto de conforto que me faz sentir mais próxima dele.
— Isso é mérito seu. Você também é incrível, . A maneira como você cuida dele e enfrenta as coisas... É inspirador.
Uma onda de gratidão inundou meu coração. entendia, de uma forma que poucos tinham entendido antes, o que eu estava passando. A forma que ele tinha as palavras certas nos momentos certos e a verdade translúcida em seus olhos verdes me enchiam de esperança.
Saímos do quarto com cuidado, fechando a porta suavemente atrás de nós. Na sala de estar, e eu nos sentamos no sofá, olhando um para o outro. Não eram necessárias palavras; nossos olhares diziam tudo.
— Obrigada por estar aqui, — eu finalmente digo, com minha voz suave e sincera.
Ele sorri, aquele sorriso gentil que eu já estava começando a adorar.
— Sempre, . Sempre estarei aqui, pelo tempo que você quiser e permitir, claro — ele murmurou, me fazendo gargalhar, porque até mesmo em um momento assim, a maneira que ele dava voz às minhas vontades era incrível.
Eu ainda sentia que tinha algo fechado dentro de si, talvez uma muralha semelhante à minha, ou pior. Eu tinha medo e receios de que, talvez, ele fosse embora a qualquer momento, porque no fim todos iam embora. Eu estava acostumada a isso. Era mais fácil não se acostumar a nunca ter ninguém do que ter alguém que nunca ficava.
Mordo meu lábio inferior e balanço a cabeça, afastando um pouco dos pensamentos invasores. Talvez ele não estivesse amanhã, mas ele está hoje, e era o agora que eu precisava vivenciar.
— Você... quer ficar aqui hoje?
Ele pareceu surpreso com o meu pedido e foi a sua vez de gargalhar. O loiro se vira em minha direção e aproxima nossos corpos o suficiente para fazer todas as minhas estruturas tremerem. Sua mão sai do bolso e ele arruma uma mecha do meu cabelo, enquadrando-a atrás de minha orelha. Sorrio tímida com o gesto. Eu era mãe, e com ele voltava a me sentir apenas uma adolescente descobrindo que o mundo podia ser mais colorido do que eu acreditava.
— Sabe por que sempre enfio as mãos no bolso quando tô perto de você?
Paro pra pensar na resposta e lembro das vezes que nos encontramos. Era verdade, ele sempre enfiava a mão nos bolsos, e apenas com sua pergunta percebi que nunca questionei isso antes. Balanço a cabeça para os lados, negando.
— Sempre que eu fico perto de você, sinto uma vontade incontrolável de te tocar. A forma que o seu cabelo cai é um gatilho para a minha ética e sanidade mental e preciso prender as mãos em algum lugar para não levá-las até o seu rosto, com a devoção de quem está tocando numa obra de arte.
Fecho meus olhos, porque queria gravar em minha mente cada palavra dita por ele. Me arrepio inteira enquanto sua mão desce até a minha cintura, mas ele não aperta. Apenas desliza os dedos por ali.
Quando abro meus olhos, o universo verde que ele carrega encontra o meu mundo numa colisão intensa. Dessa vez, não espero que me beije, envolvo minhas mãos pela nuca dele e colo meus lábios aos seus. Eu ainda não sabia como me sentir em relação ao loiro, mas estava disposta a trilhar o caminho que me levaria até a resposta. Busco sua boca sem pressa, de forma delicada, e exploro sua língua assim que ele a penetra em minha boca, e é no nosso segundo beijo que percebo: tinha a boca exata de quem seria a minha destruição. Ou salvação.


Capítulo 16

não passou a noite em casa, mas definitivamente fez uma morada absurda em minha mente. Mordo levemente meu lábio inferior enquanto termino o preparo das panquecas para , que subia de forma desajeitada na bancada em meio a reclamações minhas para que ele tomasse cuidado e não se machucasse.
— O que conversamos sobre ficar ajoelhado nas cadeiras da ilha? — Eu o olho de forma compreensiva e ele se acalma, sentando-se da forma convencional.
— Que eu posso cair e me machucar. — Seguro a vontade de rir quando ele repete exatamente as palavras que eu costumava repetir com uma certa frequência.
O aroma das panquecas recém-preparadas pairava no ar enquanto eu cuidadosamente colocava um prato na frente de . Seu rosto se ilumina com um sorriso sonolento enquanto ele observa as panquecas com olhos curiosos. Era um daqueles momentos tranquilos, onde o único som era o tilintar suave dos talheres.
O telefone toca, quebrando a tranquilidade que havia se instalado na cozinha, e vejo o nome da minha irmã na tela. Minhas mãos ficam tensas enquanto eu atendo. Cassie era incrível, mas jamais estaria acordada com um telefone na mão às oito da manhã se algo ruim não tivesse acontecido.
— Oi, Cassie — digo, tentando manter minha voz calma.
, preciso te contar algo urgente — a voz da minha irmã soa apressada do outro lado da linha. — Eu acabei de receber uma notificação legal. entrou com um processo de guarda definitiva do .
Um arrepio percorre minha espinha e meu coração começa a bater mais rápido. Sento-me à mesa, meu olhar ainda fixo em , que estava concentrado em sua refeição.
— O quê? Como ele pode fazer isso? Com que direito? Cassie, isso é uma brincadeira de mal gosto, não é? Nem no tempo dele ele se presta a fazer o seu papel, como assim guarda definitiva? Por quê?
Sarah suspira do outro lado da linha.
Eu não sei exatamente, mas ele contratou um advogado e alega que está preocupado com o bem-estar do , citando a suspensão dele da escola e o episódio em um restaurante.
Minhas mãos tremem ligeiramente. A sensação de pânico ameaça me dominar, mas eu luto para me manter firme.
— E o que podemos fazer? Ele não é a melhor influência para o , você sabe disso.
Minha irmã soa frustrada.
Eu sei, . Vamos lutar por isso. Mas precisamos nos preparar para uma batalha legal. parece estar determinado a tirar o de nós.
Olho para , que agora está olhando para mim com os olhos grandes e inocentes, curiosos pelo conteúdo da conversa que envolvia o seu nome. Me limito a sorrir para não deixá-lo preocupado.
Meu filho era o meu mundo. Eu sabia que tínhamos que fazer tudo o que estivesse ao nosso alcance para protegê-lo.

A manhã cinzenta e fria parecia refletir as nuvens carregadas de tensão que pairavam sobre mim enquanto levava para a escola. Seus dedinhos pequenos se enrolavam nos meus, e eu sentia o calor reconfortante do seu aperto como um lembrete constante de por quem eu estava lutando. Nossos passos ecoavam no chão, ritmados pelo peso da situação que agora pairava sobre nós, ainda que ele não soubesse de nada do que acontecia.
A escola estava agitada, com crianças animadas correndo e rindo pelos corredores. olhava ao redor com olhos curiosos, sua expressão um misto de fascinação e ansiedade. Ele estava tentando entender tudo o que estava acontecendo à sua volta, enquanto eu lutava para manter minha mente focada em nossa própria batalha.
Enquanto nos aproximávamos do portão da escola, um arrepio percorre minha espinha ao avistar a figura de encostado em seu carro, como uma sombra ameaçadora esperando para emergir. Seus olhos encontram os meus e eu podia sentir a intensidade do olhar dele, cheio de desafio e, inexplicavelmente, de ciúmes.
— ele diz friamente quando nos aproximamos. Seu tom é carregado de uma mistura de emoções, e eu percebo que essa conversa está longe de ser casual.
— respondo, tentando manter minha voz firme, embora uma parte de mim estivesse ansiosa e eu me controlava para não ser agressiva na frente do pequeno.
Estou irritada e inconformada com sua atitude sorrateira de entrar com um processo de retirada de guarda do nosso filho. Seus olhos percorrem meu rosto, como se ele estivesse tentando decifrar meus pensamentos.
— Eu vi vocês dois — ele finalmente diz, com sua voz repleta de ressentimento. — Vi você e beijando-se como se fossem o centro do mundo.
Meu coração dá um salto, uma mistura de surpresa e indignação enchendo-me. Como ele ousa trazer esse assunto à tona, especialmente na frente de ?
, isso não é da sua conta — digo com firmeza, mantendo meu olhar fixo nele. Ele deu um passo em minha direção, sua expressão tensa e carregada.
— Não é da minha conta? , nós temos um filho juntos. Eu me preocupo com o que ele vê e como isso o afeta — seu tom é sarcástico, mas eu quem sentia vontade de rir. Depois de seis anos ele se sentia pai o suficiente para entender o que afetava ?
Olho para o pequeno, que está observando a troca entre nós com um olhar confuso e preocupado. Eu precisava proteger meu filho dessa tensão, mas também não estava disposta a recuar diante das investidas de .
— Ele é uma criança, — digo com calma, minha voz se elevando ligeiramente. — Ele não precisa ser exposto às suas inseguranças ou ressentimentos.
solta um suspiro frustrado, e eu podia ver a luta interna em seus olhos.
— Não é insegurança, . É preocupação. Eu só quero o que é melhor para o .
Seguro a vontade de revirar os olhos quando ele se aproxima, retirando o meu filho dos meus braços, que vai de pronto com o pai. abraça o maior e deixa um beijo em sua bochecha; eu respiro fundo, me controlando diante da situação.
— O que é melhor para o é um ambiente estável e amoroso — respondo, com a voz soando mais firme do que nunca. — Não é uma disputa entre você e eu. É sobre o bem-estar do nosso filho. Nós dois somos os pais dele e acredito que ambos queremos o melhor para o , — digo com suavidade, me esforçando para encontrar um terreno comum. — Mas precisamos resolver isso da maneira certa, com o foco no nosso filho. Então seguirei a sua vontade, vamos seguir os canais apropriados e fazer o que é justo para ele.
Ele assente, seus ombros abaixando ligeiramente.
— Tudo bem, . Você sabe as batalhas que está disposta a comprar.
Olho para , que estava observando atentamente a troca entre nós. Seus olhos ainda estavam cheios de confusão, e eu sabia que essa situação estava afetando-o mais do que eu gostaria.
— Você tem acesso a ele, . Você pode estar presente se escolher estar, não precisamos de uma batalha judicial pra isso, por favor. Não tente tirar ele de mim. — As palavras agora saem baixas, evitando que meu filho as ouça.
Ele desviou o olhar, parecendo desconfortável.
— Eu me sinto afastado dele. E acredito que a responsável por isso é você. Acredito fielmente que você está negligenciando as suas funções de mãe com o novo namorado e quero livrar meu filho de um ambiente onde a sua mãe o deixe sozinho para beijar o namorado que conheceu ontem.
Minha paciência estava sendo testada e fecho os olhos conformada, sentindo cada molécula minha querer agredir o meu ex. No entanto, penso em e respiro fundo, tentando manter a calma.
— Você está afastado porque escolheu estar afastado, . Não é culpa minha, e não é justo que jogue isso em mim. — Evitando que o menor entre nós ficasse ainda mais envolvido na confusão que criávamos a cada segundo, me despeço dele, o tirando dos braços do pai e o enviando para a sua sala com a professora, que o aguardava na porta. — E eu não vou aceitar suas mentiras ou a forma que tenta me desestabilizar. Você deveria estar cuidando da sua mulher grávida agora, não me infernizando. Se estamos aqui hoje é porque você quis. Eu aguentei muitas coisas calada, . Eu aguentei suas traições, suas agressões e suas mentiras por muito tempo, mas eu definitivamente não vou aguentar que use para me destruir mais do que você já fez por anos.
— Eu sei que fiz escolhas erradas, , mas eu quero mudar, quero fazer as coisas certas agora — ele olha para mim novamente, seus olhos cheios de uma mistura de culpa e frustração.
— Então demonstre isso. Tome responsabilidade pelas suas ações passadas, e mais importante, você precisa pensar no que é melhor para agora.
Meu coração estava cheio de uma mistura complexa de emoções. Por um lado, eu queria acreditar nas palavras de e dar-lhe uma chance de se redimir como pai. Por outro, eu estava determinada a proteger acima de tudo, e isso significava garantir que qualquer mudança fosse genuína e duradoura.
— Eu desisto da guarda completa se você se afastar de .


Capítulo 17

O peso das palavras de pairava no ar, enchendo o espaço entre nós com uma tensão palpável. Eu estava parada ali, olhando para ele enquanto as implicações de sua proposta se infiltravam em minha mente. Era uma escolha difícil, uma encruzilhada entre o amor de mãe e as emoções que eu estava começando a sentir como mulher. Por um lado, eu sabia que era uma mãe excelente, mas também havia inseguranças. era poderoso o suficiente, e o seu pai, avô de , era o juiz da cidade – mesmo que transferissem o caso para alguém imparcial, as chances de manipulação eram muitas.
, eu quero que você entenda — começa, sua voz carregada de uma intensidade cautelosa. — Que tudo o que estou pedindo é pelo bem do . Você não quer que ele se afaste de você, quer? Quero dizer, uma batalha judicial agora... não seria nada boa — ele suspira, seus olhos fixos em mim com uma intensidade quase penetrante. — Eu sei que é difícil, mas pense no que é melhor para o nosso filho. Se você se afastar de , se garantir que ele não seja mais uma influência na vida de , eu estou disposto a abrir mão da guarda definitiva.
Mordo meu lábio inferior, lutando contra as emoções conflitantes que estavam se agitando dentro de mim. Por um lado, eu queria fazer o que fosse melhor para , protegê-lo a todo custo. Por outro, o pensamento de me afastar de , de abrir mão da felicidade que ele trouxera para a minha vida, era agonizante. Nós nem tínhamos começado a ter algo de verdade além de um namoro falso, e, em dias, me senti feliz de uma forma que há anos não sentia.
— Você está pedindo para eu sacrificar algo que é importante para mim, algo que eu comecei a valorizar — falo, buscando ser o mais controlada possível para não fazer uma cena em frente a escola do nosso filho.
— Não foi você que disse que sua prioridade era garantir que o tenha um ambiente estável e saudável? Estou te dando a chance de provar que isso é real.
A batalha dentro de mim continuava, minhas emoções oscilando entre o desejo de proteger meu filho e a necessidade de seguir meu coração. Eu olhei para o chão por um momento, perdida em meus pensamentos conflitantes.
, eu te amo — diz suavemente, sua voz cheia de sinceridade. — Eu quero o melhor para você e para o nosso filho. E eu acredito que isso é uma oportunidade para começarmos de novo, para dar ao a família que ele merece.
Levanto meus olhos para encontrá-lo, sentindo as lágrimas ameaçando se formar. Ele dá um passo em minha direção, sua expressão determinada.
— Você não precisa apagar seus sentimentos por ele, . Apenas considere o que é mais importante neste momento. O que você sente ou o nosso filho?
Minha mente estava em turbilhão, a batalha interna atingindo um nível quase insuportável. Eu queria gritar, queria chorar, queria encontrar uma solução que não me forçasse a escolher entre duas partes de mim mesma.
— Eu só quero que você saiba que estou disposto a fazer o que for preciso para garantir que o tenha o melhor. Estou te dando a opção de ser com você ou não.
Eu sabia que a batalha estava longe de terminar. Enquanto eu observava se afastar, eu me sentia presa em uma teia de emoções conflitantes. Meu coração estava dividido entre o papel de mãe protetora e a mulher que estava começando a descobrir o amor e a felicidade novamente.
Me recosto em um banco próximo, sentindo o peso do mundo sobre meus ombros. Uma impulsividade fora do comum toma conta de mim quando eu sigo e entro no carro dele; eu ainda não tinha tido tempo para pensar, mas havia um cansaço de anos acumulado em mim por todas as vezes que ele tentou e conseguiu me controlar. Eu não podia viver com medo. Se eu tivesse um pouquinho mais de coragem, talvez estivesse viva, no entanto, ela não estava. E eu não podia permitir que outro filho escapasse de minhas mãos.
Ele me olha surpreso, escondendo a contragosto a diversão em seus lábios.
— Eu não posso, . Eu não posso abrir mão de mim e de uma felicidade que eu posso ter simplesmente por uma proposta que é claramente um ato de manipulação. Você tem e teve todas as chances de ser um bom pai do , e não me culpe por estar na vida dele. Eu o coloquei, sim, mas foram suas atitudes que o levaram para isso. Nosso filho é incrível, ele tem um coração gigante e uma agressividade crescente que eu não sei se herdou de você ou se ele aprendeu a ter para lidar com a sua ausência. Você não é um bom pai durante a guarda compartilhada e não será um com a guarda definitiva. E você não me ama, porque se você amasse... eu não teria carregado tantos hematomas por tanto tempo. Você já quebrou partes da minha alma, já quebrou o meu braço e o meu coração, e eu não vou permitir que quebre . Não vou permitir que acabe com ele como acabou com , porque se não fosse por você, ela estaria aqui. Você arruinou a minha vida por um longo tempo, mas eu te proíbo de arruinar a vida do nosso filho por um dia sequer.
As palavras saem com uma coragem desconhecida e me arrependo assim que o vejo trancar as portas. Eu precisava ter dito isso a ele, mas por alguns segundos esqueci quem ele realmente era.
— Vamos dar uma voltinha — ele diz simplesmente, com o olhar ficando escuro. A raiva exalava de cada um de seus poros.
Tento abrir a porta do carro, sem sucesso. parecia dividido entre a frustração e a luta interna, e então, para minha surpresa, ele trancou as portas do carro e deu partida no motor. O carro acelerou de repente, saindo da escola com uma velocidade que me deixou atônita.
, o que você está fazendo? — eu grito, sentindo minha voz carregada de alarme. — Pare o carro.
Ele não responde, sua expressão tensa e determinada enquanto o carro se afastava rapidamente. Meu coração estava batendo descontroladamente em meu peito enquanto eu assistia o carro desaparecer à distância.
O carro acelerava pela estrada e eu podia sentir a velocidade que o vento soprava pelos vidros enquanto eu me segurava no assento, com o coração acelerado e a mente repleta de ansiedade. Eu olhei para , seus olhos focados na estrada, suas mãos firmemente segurando o volante. O silêncio entre nós era pesado, carregado de tensão e medo.
, PARA O CARRO! — eu grito com a voz trêmula. Ele não responde, ao invés disso, mantém sua mandíbula tensa enquanto continuava a dirigir em alta velocidade. Eu sentia o pânico subindo em mim, a sensação de estar fora de controle e à mercê da situação me atormentava. — Você está me assustando — digo, minha voz mais calma, tentando apelar para o lado sensato dele.
Ele finalmente olha para mim, seus olhos cheios de uma mistura de emoções.
— Eu não posso simplesmente permitir que você arruine tudo.
— Isso não é justo, — digo, sentindo minha voz vacilar. — Você não pode usar o como um peão para me manipular. Por favor.
Ele aperta o volante com força, seus olhos fixos na estrada à frente. O silêncio volta a se instalar no carro e a tensão entre nós aumenta a cada segundo. Parte de mim dizia que ele apenas queria me assustar, mas a outra parte temia. Eu sabia que estava em uma situação perigosa, que estava nas mãos de alguém cujas emoções estavam fora de controle. Eu precisava encontrar uma maneira de acalmar a situação, de fazer com que ele entendesse a gravidade do que estava fazendo.
, por favor, pare o carro — imploro novamente, minha voz é suplicante e o choro se acumula no fundo da garganta. — Nós podemos conversar, podemos encontrar uma solução que seja boa para todos nós.
Ele parece considerar minhas palavras por um momento, mas então, para minha surpresa, aumenta ainda mais a velocidade, ignorando completamente meu apelo. O medo agora está em meu rosto, e eu sentia um desamparo me consumindo. Olho para a estrada à frente, tentando ver algum sinal de ajuda ou uma maneira de escapar dessa situação.
... — chamo com urgência. — Por favor, pare o carro.
Ele finalmente olha para mim novamente, carregando consigo uma expressão quase selvagem. Eu sabia que estava enfrentando um momento crítico, uma situação que estava além de qualquer coisa que eu já tinha vivido. Minhas mãos estavam suando, meu coração estava batendo descontroladamente, e eu sabia que tinha que encontrar uma maneira de sair dessa situação o mais rápido possível.
, eu estou pedindo, por favor, pare o carro — repito com uma determinação que sinceramente não sabia de onde tinha surgido, mantendo o tom de voz claro e alto.
Ele olha para mim por um momento, seus olhos vacilando antes de finalmente ceder. Ele pressiona o freio e o carro para bruscamente, fazendo com que eu fosse jogada para a frente. Bato a cabeça, sentindo a região latejar, e ele abre as portas do carro.
Uma leve tontura toma conta de mim. Saio do automóvel assim que consigo, mas me seguro para não cair com a visão embaçada devido a pancada.
— Vamos falar sobre — sua voz é ainda mais sombria que o seu olhar.
Busco os lados à procura de qualquer ajuda possível e engulo quando percebo que não tinha para onde ir. Estava sozinha.


Capítulo 18

AVISO DE GATILHO: Este capítulo aborda temas que podem ser sensíveis ou desencadear emoções desconfortáveis para algumas pessoas.

Meu coração dá um salto e sinto meu estômago revirar-se com a menção do nome de nossa filha perdida. tinha sido uma parte dolorosa do nosso passado, uma ferida que nunca havia cicatrizado completamente. Ela tinha nos deixado cedo demais, um evento que tinha mudado nossas vidas para sempre.
, nós já falamos sobre isso — digo com cautela, sentindo minhas próprias emoções começando a se agitar. Engulo em seco, sentindo um calafrio percorrer minha espinha. As palavras dele ecoavam no ar como um aviso sinistro, e eu sabia que estava prestes a enfrentar algo muito mais sombrio e doloroso.
Ele me olha com intensidade. Seus olhos, apesar de sombrios, brilhavam com uma mistura de emoções turbulentas.
— Você acha que tudo isso é apenas uma conversa? Você acha que pode simplesmente me acalmar com palavras vazias? Hm?
Sinto meu coração apertar diante de sua agressividade. Eu sabia que estava lidando com um lado dele que era perigoso e imprevisível, um lado que estava carregado de raiva acumulada e dor profunda.
— Olha... Eu sei que você está com raiva e machucado — digo com sinceridade, apesar de sentir minha voz tremer enquanto buscava manter minha própria calma. — Mas nós precisamos encontrar uma maneira de lidar com isso juntos. Ele ri amargamente, a risada ecoando no ar como um som fantasmagórico.
— Lidar com isso? Você acha que eu posso simplesmente lidar com a morte de nossa filha? Com o vazio que ela deixou em nossas vidas?
Minhas lágrimas começam a escorrer. Eu sentia com intensidade a dor de suas palavras cortando fundo a minha alma.
— Eu sei que é difícil, . Nós compartilhamos essa dor juntos, e eu nunca disse que é algo fácil de lidar.
Ele se inclina em minha direção, sua expressão contorcida pela raiva.
— Você me culpa e diz que por minha causa a morreu, mas não foi bem assim, foi? Você deveria ter cuidado dela, . Você deveria ter protegido ela.
Sinto uma onda de desespero me inundar. Minha voz tremia enquanto eu tentava me defender das acusações injustas.
— Eu não pude evitar o que aconteceu, você sabe disso. Você estava com ciúmes, você me bateu. Foi uma tragédia, algo que nenhum de nós poderia ter previsto — engulo a última frase porque não acreditava no que eu dizia.
Ele se aproxima de mim, me olhando com um olhar glacial, e sinto a raiva ferver sob a superfície de sua pele.
— Você sempre foi fraca, . Você nunca foi capaz de proteger aqueles que amava.
Me encolho diante de suas palavras cruéis, e a dor em seu olhar continuava a me cortar. Eu sabia que ele estava canalizando toda a sua raiva em mim, que ele estava encontrando um bode expiatório para a sua própria dor insuportável.
Empurrão.
, por favor, pare — imploro com os cacos de minha voz enquanto as lágrimas rolam livremente por meu rosto. — Isso não vai nos levar a lugar nenhum. Nós precisamos encontrar uma maneira de nos apoiar mutuamente, de encontrar um caminho para a cura.
Ele se aproxima mais enquanto me afasto.
Empurrão.
Ele se afasta de mim, sua respiração pesada enquanto ele encarava a escuridão lá fora.
— Cura? Você acha que a cura é possível depois do que aconteceu? Você acha que pode escapar da culpa, ? — ele diz, sua voz carregada de uma intensidade perturbadora. — Você acha que pode simplesmente seguir em frente e esquecer o que aconteceu, caralho?
Engulo em seco, sentindo a dor da perda de nossa filha se revirar dentro de mim. Suas palavras estavam cutucando feridas antigas, abrindo cicatrizes que eu havia tentado desesperadamente esconder.
, por favor — minha voz tremia enquanto eu recuava, minha mente girando em uma mistura de medo e tristeza.
Empurrão.
Ele continua a avançar, sua expressão sombria enquanto me observava com olhos inescrutáveis.
— Você não pode negar sua parte naquilo, . Sua negligência permitiu que isso acontecesse.
Lágrimas enchem meus olhos enquanto eu lutava para conter as emoções que estavam ameaçando me engolfar. A dor da perda de nossa filha estava se misturando à dor de enfrentar a acusação e a agressividade de .
Empurrão.
— Eu nunca quis que isso acontecesse — minha voz sai em um sussurro, minhas palavras quase sendo engolidas pelo peso da tristeza.
Empurrão.
A cada passo que dou, ele me empurra mais para trás. As lágrimas percorrem todo o meu rosto e não consigo me equilibrar, caindo sobre os seus pés.
Ele para bem à minha frente, sua respiração pesada enquanto nossos olhares se encontram em um confronto silencioso.
— Você acha que suas desculpas vão trazer ela de volta? Você acha que pode simplesmente se redimir?
Sinto meu corpo tremer, meu coração aperta diante de suas palavras acusadoras. Eu queria defender minha posição, explicar como também tinha sofrido, como tinha carregado minha própria culpa e tristeza, mas ele não estava sendo racional agora e de nada adiantaria.
— Não faça nenhuma bobagem. Você tem uma namorada grávida que está te esperando. — A tentativa é em vão e ele me levanta com força, segurando-me pelos braços.
— Stella não está grávida, e se tiver o filho, não é meu. Eu fiz uma cirurgia quando morreu — sua voz sai em um descaso e ele aperta mais os meus braços, me fazendo gemer de dor. Ele me empurra sobre o carro, fazendo minhas costas baterem contra o metal pesado, e não consigo parar de engolir o choro. — Eu dei tudo a você, — sua voz agora era amarga. — E você vai escolher um psicólogo de merda ao invés do nosso filho?
— Eu não escolhi a — murmuro entre soluços e ele trava as mãos no maxilar. Consigo sentir minha pele dolorida em cada lugar que ele toca, demonstrando os lugares que ficariam marcados quando algumas horas passassem.
Ele aproxima o meu rosto ao dele, fazendo-me encarar seus olhos azuis. tinha os mesmos olhos do pai e eu temia que um dia meu filho tivesse o temperamento também.
— CALA A BOCA, PORRA — grita, me fazendo fechar os olhos. Suas mãos vão até o meu pescoço, onde ele aperta com força, apenas com o intuito de me marcar. — Antes de se tornar padrasto de , eu mato você. Eu juro por Deus que eu te mato, . — A verdade em seus gestos era tenebrosa, e soluços escapam junto com o meu choro. — E Stella vai criar ele comigo e com o filho bastardo que ela espera, se for necessário. Só pra eu ver você se remoendo no túmulo quando ele tiver dez anos e chamar ela de mãe. Eu vou te prender na banheira e cortar seus pulsos pra que todos pensem que você tirou a própria vida. Então pense bem, porque se você tem medo de perder a guarda, imagine o pânico de eu te tirar da vida dele, cortando a sua vida. — Com um ato sádico, ele leva as mãos até meu pulso, torcendo até que eu grite de dor. Eu sentia dor pela agressividade de suas mãos, pelos cortes de suas palavras e pela sensação terrível de saber que ele realmente teria coragem de fazer isso. Quando ele me solta, caio ajoelhada. Ele me puxa para cima e beija meus pulsos, braços e pescoço, deixando um beijo em cada pedaço de pele que ele machucou. — Ligue para sua mãe, diga que voltamos. Ela sempre me adorou.


Capítulo 19

Hoje era um daqueles dias. Daqueles longos e compridos, em que você pensava em tudo de ruim que já aconteceu e se culpava por tudo também. Um dos dias em que eu não me sentia sequer capaz de ser mãe e, por isso, recorria à maior fonte de apoio que eu tinha com o : minha irmã.
Observo o teto por alguns minutos, perdendo-me entre as imensidões de momentos que se passavam pela minha mente. tinha seis anos; minha história com o pai dele tinha um pouco mais de quatro. Dois anos separados e ainda conseguia ser uma sombra constante em minha vida.
Me sinto dividida.
De algum lado, sei que posso estar errada em abrir mão da minha vida. Voltar com o meu ex era uma possibilidade que eu não queria, principalmente depois de tudo que ele já me tinha me causado. Eu não era tola. Sabia bem que a personalidade de não era causada apenas por um trauma em que, se eu aguentasse mais um pouco, conseguiria me recuperar. Ele gostava de me machucar, eu podia enxergar o prazer disso em seus olhos. Já pensei que ele mudaria, mas quatro anos, vários machucados e uma perda foram mais do que suficiente para mostrar que, nem sempre, o amor muda uma pessoa.
Ouço o interfone tocar e preciso reunir muita força para me levantar da cama, ainda de pijama, e ir até a porta. Não ouço direito quem está entrando, apenas permito a entrada porque, pelo horário, acredito que seja Cassie. Não é ela quem encontro quando chego.
A figura loira do homem me causa arrepios e me encolho de forma suave, não sabendo bem como lidar com sua presença agora. Parte de mim o queria ali, e a outra, gritava que eu não devia me aproximar mais.
me disse que você tinha passado por um dia delicado, quis ver como você estava.
Eu havia esquecido que era dia da sessão de . Me encolho, permitindo a passagem para que entre.
— Está tudo bem, só amanheci indisposta. — Caminho em direção ao sofá, sentando-me ali com todos os sentimentos confusos que me rodeavam. Eu não podia olhar muito nos olhos de porque eles me traziam um conforto que eu não sabia se podia ter.
Ele me acompanha; seus olhos pairam sobre meu corpo, mas não há malícia. Existe compaixão, como se, de alguma forma, ele entendesse o motivo sórdido da minha indisposição. Eu rezava para que não ele não enxergasse isso. De alguma forma, com , eu conseguia ser a mulher forte que sempre quis e não queria ser vista de outra forma. Não por ele.
— Você quer conversar? — A pergunta curta escondia algumas camadas que eu podia reconhecer bem. Nego com a cabeça, colocando uma das almofadas em meu colo. — Olha... Eu sei que não foi ético eu ter te beijado e que não está sendo ético eu estar aqui, mas se você precisar de alguém no sentido não-profissional ou profissional, eu tô aqui. Ou posso indicar alguém que esteja.
Sinto um nó na garganta, misturado com uma vontade amarga de gargalhar. A ironia de suas palavras me afetava em um nível que eu odiava. A mágoa surge em mim, rasgando um lado meu que não é de responsabilidade de , mas vejo nisso uma oportunidade perfeita para afastá-lo enquanto ainda é tempo.
, olha... — Tento amenizar o impacto que as minhas palavras teriam, não nele, mas em mim. — Eu peço desculpas por ter te tirado da sua linha ética...
— Não foi isso que eu quis dizer. — Sua defesa vem como a defesa de alguém que sabe por qual crime está sendo culpado. Eu não o culpava de fato, mas talvez fosse mais fácil deixar que ele pensasse assim.
— Eu ainda não terminei.
Ele se silencia, me olhando de uma forma inexpressivamente dolorosa. Esperando que eu termine.
— Eu realmente aprecio a figura que se tornou com o meu filho e a sua ajuda de fazê-lo reconhecer os próprios sentimentos e lidar com isso. — Meu peito dói. Por algum motivo estranho e desconhecido, sinto tudo se apertar dentro de mim. — Mas não acho que é certo que eu me envolva com o terapeuta dele. Desde o dia em que nos conhecemos, você deixou claro o tipo de homem que é, não quer se relacionar. E uma mulher separada, com um ex presente o tempo todo e uma criança de seis anos, não vai ser a fuga da responsabilidade que você tanto deseja. — Lágrimas inundam a minha voz, e por mais que eu tente evitá-las, não consigo. — Falsos ou não, tivemos bons momentos e agradeço por isso, mas também não é o que eu quero pra minha vida agora. Eu estive pensando muito em tudo e... o melhor para o é que tenha a mãe e o pai presentes em sua vida, por isso eu e o voltamos.
Espero que ele grite ou lance sobre mim um olhar magoado. Espero que ele reaja de uma forma tão ruim que isso me faça odiá-lo. Espero que ele tenha um lado mal que tire de mim a culpa de vê-lo escapar entre meus dedos. Porque, de alguma forma, sinto que posso estar perdendo a única pessoa que trouxe um fio de esperança pra minha vida.
Ao invés disso, ele não fala nada. me olha, com os olhos de quem busca a verdade, mas não a verdade por trás das palavras. Ele desvia o olho pelo meu pescoço, pelos braços e pulsos. Não entendo quando ele sorri, não entendo quando ele se aproxima de mim e beija o topo da minha cabeça de uma forma carinhosa.
— Tá tudo bem — ele diz, apenas. Se afasta e sai em seguida.
Quando ele sai, eu desmorono.
Tudo que eu menos sinto é que algo está bem.


•••


Não sei em que momento dormi, mas pela minha desorientação com o toque do celular, me dou conta que já havia passado algum tempo. Atendo de forma rápida, ainda sem conseguir abrir os olhos. A outra voz na linha demonstra uma irritação assustadora e eu me encolho, como se aquilo me fizesse voltar a mim.
— Eu te dei a porra de uma chance, . É assim que você pensa que vai resolver as coisas? É assim que você diz que escolhe o seu filho? Eu acho bom que a sua advogada seja ótima, porque eu vou mover a porra do mundo para que você não tenha mais acesso ao . Aproveite seus dias com ele, porque eu te garanto que serão os últimos.
Antes que eu consiga responder, ele desliga a ligação, e busco entender o que eu tinha feito para despertar tanta ira. Fiz o que ele pediu, me afastei de . Por que drogas ele estava gritando assim agora?
A campainha toca e me arranca um suspiro, então vou até a porta. Quando a abro, está parado ali novamente. Sua respiração está cansada e não consigo ignorar os punhos machucados. Como em um quebra-cabeça, tudo se encaixa aos poucos em minha mente.
, o que você fez? — Minha voz sai rouca, suplicando para que ele não tenha feito o que acho, exatamente, que ele fez.
— Quis ver se ele teria coragem de fazer comigo o que fez com você.
Saio andando, porque não sei identificar o que eu sinto. As palavras dele me atingem com uma força avassaladora, e o medo me consome a mesma linha que a raiva também. estava furioso, e isso ia contra toda e qualquer ação que eu pudesse utilizar para conter sua vontade de tirar o nosso filho de mim.
— Você não tinha o direito, — minha voz sai dolorida, o choro retorna e a falta de ar aos poucos me preenche. Minha mente percorre por e a dor me consome porque eu não podia perder da mesma forma que a perdi.
Percebendo que eu estava por um triz de cair, entra em casa, fecha a porta atrás de si e me segura com pressa. Me aninha em um abraço, onde consigo chorar copiosamente. Eu me sentia vulnerável, e vulnerabilidade era algo que eu odiava.
— Ele também não. — As palavras saem dóceis, me permitindo liberar todo choro acumulado. Ele me aperta com mais força contra si, afundando o rosto nos fios do meu cabelo.
Passo alguns minutos assim, me permitindo chorar, permitindo-me mostrar a fraqueza que eu sentia e o medo absurdo que eu tinha. Aos poucos, conforme vou parando, ele se afasta de mim. Quando busco seus olhos, não é pena que encontro. É algo confortante, uma presença tão forte que, pela primeira vez, não me sinto fraca em chorar.


Capítulo 20


Era assustadoramente comum que algumas pessoas enxergassem sentimentos como fraquezas. Demonstrar não estar bem ou se permitir ser vulnerável não faz parte do cotidiano de algumas pessoas, e isso não é um caso atípico ou sem justificativa. Pessoas que fogem de sentimentos são as mesmas que, antes, se afogaram neles. Quando você vive algo intenso e excruciante na vida, você se vê buscando escolher uma das duas seguintes alternativas: vivenciar isso novamente, num mesmo ciclo, embora com outras pessoas, ou simplesmente escolher nunca mais passar por nada parecido. Com ninguém mais.
O problema é que quando você escolhe nunca mais viver nada, você fica o tempo inteiro em alerta, e estar sempre em alerta é cansativo. Quando você escolhe não viver mais o lado ruim, você também deixa de viver o lado bom.
Não é difícil enxergar por que a escolheu a segunda opção. Um relacionamento ruim pode destruir uma pessoa de várias formas. Claro que um amor ruim não mata os sentimentos, é impossível que os sentimentos sejam mortos; mas quando pessoas têm suas emoções diretamente atacadas, elas aprendem a escondê-las bem para que jamais sofram algum tipo de violência de novo.
Ela já estava calma agora, um pouco mais sonolenta também. Passo as mãos por seus braços, contornando algumas das manchas ali. Sinto raiva ao tocar cada uma delas, não apenas pela não merecer estar vinculada a um agressor filho da puta, mas porque eu já acompanhei uma situação assim de perto e sabia que os fins para casos assim podiam ser, em sua grande maioria, feios.
— Obrigada — ela murmura de forma tímida, me arrancando um pequeno riso. Me viro de forma desajeitada até ficar em sua frente e acaricio o seu rosto, limpando as lágrimas e o rastro molhado que deixaram na pele bronzeada.
— Eu não bati nele, se isso te confortar um pouco mais. — Por mais que a justificativa fosse aleatória, eu sabia o que ela pensava. Sabia que instabilidade não era o que ela estava buscando, e se eu fosse agressivo com ele, assim como ele foi com ela, eu não seria tão diferente. — Eu posso tê-lo ameaçado, talvez…
Ela sorriu, revirando os olhos, como se quem dissesse que eu era um idiota divertido. E era só isso que eu queria ser pra ela. O idiota bom que alguém a roubou de ter no seu passado.
— Eu sei que posso ter sido impulsivo, e eu juro que normalmente não sou assim, mas te ver machucada despertou coisas em mim da qual eu não me orgulharia. E eu só queria gritar que você não estava sozinha, porque você não está.
— É uma atitude interessante para um cara que procura suas aventuras à noite em um bar e as dispensa no dia seguinte.
Não seguro a vontade de rir. Eu adorava quando ela estava afiada assim, porque era essa pessoa que eu tinha aprendido a observar. A mulher afiada, sem medo de falar o que pensa.
— Devia ter poção do amor na bebida que jogou em mim, porque daquele dia pra cá eu não penso em outra coisa a não ser em você. — Percebo que minha resposta a surpreende, e um sorriso tímido surge em seu rosto. — O quê? Acabaram as suas alfinetadas? Achei que funcionasse melhor sob pressão, .
— Qual é a sua história, ?
A pergunta remete diretamente à frase que trocamos há algumas semanas, quando lhe perguntei o motivo de ela se sentir só e ela me respondeu que era uma longa história. Dou de ombros.
— Você sabe, garoto triste que tem o coração partido com uma perda e decide não se relacionar mais. — Ela não parece satisfeita com a minha resposta e permanece me encarando com os olhos gigantes e mágicos de uma mulher curiosa. — Tive um relacionamento alguns anos atrás. Alyeska.
— Tipo o Alaska?
— Exatamente como o Alaska. — Ela acena com a cabeça, me permitindo continuar. — Ela tinha alguns problemas com o pai, eles não se davam bem. A mãe dela se mudou para outro estado depois de se relacionar com o nosso professor, e o pai dela a culpou. Nos aproximamos em algum trabalho idiota, depois começamos a namorar. Não foi difícil me apaixonar por ela, porque era linda, divertida e muito inteligente. Ficamos alguns anos juntos e…
Não falo que o pai a agredia diariamente e que, por este motivo, ela desenvolveu uma depressão profunda. Também evito falar sobre todas as vezes que me senti impotente para fazer algo que a ajudasse. E definitivamente não acho relevante dizer que, de tanto ser culpada pelo pai por tudo que houve, ela passou a se culpar também. São detalhes importantes, mas que não acho que sejam saudáveis para a nesse momento porque, embora não seja com o pai, ela sabe o que é viver isso. As marcas em seu corpo demonstram que a morena em minha frente tinha as próprias culpas impostas por um terceiro.
— … Ela morreu.
— Ela se matou?
Dessa vez sou eu que a encaro com surpresa. Ela se encolhe, um pouco envergonhada, talvez com receio de ser invasiva.
— O pai dela a culpando. Deve ter sido difícil — murmurou, justificando como chegou à conclusão.
Aceno positivamente com a cabeça.
— Alyeska suportou uma culpa muito grande, que não lhe pertencia. E um dia ela não suportou mais aguentá-la.
— A culpa é o pior dos sentimentos.
— Talvez, mas não devia ser. Digo, fizemos algo que impactou diretamente na vida de alguém? Isso se chama vida, certo!? Ela não era culpada apenas por ter sido quem apresentou a mãe ao professor. E a mãe dela também não foi culpada por ter se segurado na chance de sair de um casamento infeliz. Nem todas as pessoas são egoístas por prazer, fazemos o que julgamos ser bom naquele momento. As coisas acontecem e isso inclui as coisas ruins também. Nem todo erro merece uma punição, às vezes tudo que um erro merece é o perdão.
— Você já parou pra pensar no que difere uma pessoa boa de uma pessoa ruim?
— Pessoas ruins não se preocupam com a possibilidade de serem uma pessoa ruim. E, ?
Ela me olha. Consigo sentir o impacto que essa frase recai sobre ela.
— Uma pessoa ruim não chora. Não desse jeito, não com essa dor.
Ela se aproxima de mim, me abraçando de forma confortável, e fecho os olhos, sentindo o cheiro familiar do seu cabelo.
— Eu posso te beijar?
Seguro a vontade de rir que sinto com o seu pedido, porque para mim era mais do que claro que ela poderia me dar todos os beijos do mundo se quisesse. Mas entendo que para o consentimento é algo importante porque, de uma forma ou outra, foi roubado dela em algumas situações. Então apenas a olho, concordando com a cabeça.
— Eu adoraria que me beijasse, .
Com um sorriso discreto em seu rosto, ela se aproxima de mim e coloca as mãos em minhas pernas para ficar um pouco mais alta. Observo os grandes olhos castanhos que me encaram.
— Às vezes tenho a impressão de que eu te olho com adoração.
— Você olha, . E é adorável ser olhada assim por quem eu gosto — ela sussurra, baixo o suficiente para que a revelação se perdesse naquela sala, apenas para nós dois.
Agarro sua cintura com um pouco mais de força, a puxando para mais perto de mim, e é nesse momento que ela sela nossos lábios, pedindo espaço para sua boca. Cedo espaço para seu beijo, assim como minha mente cede para que ela a ocupe por completo. O sabor dos lábios macios dela é o meu gosto preferido em todo o mundo, e deixo que ela saiba isso assim que intensifico o beijo. Ela se posiciona em meu colo, colocando uma perna em cada lado do meu corpo, e exploro seu quadril com as mãos, apertando-o entre os meus dedos.
Seu gemido é abafado contra a minha boca e sua mão busca meu cabelo, apertando-o, puxando-me mais para ele. Desço os beijos para o seu pescoço de forma suave e carinhosa. Tudo tinha sido rápido demais para ela e, de alguma forma, eu queria ser a lentidão que acreditava que ela não teve.
— Quer conhecer o meu quarto?
— Quero conhecer você inteira, .
Ela se levanta, estende a mão para mim e eu seguro, entrelaçando meus dedos aos da morena. Em minutos sou guiado até o seu quarto; quando entramos, percebo sua timidez, mas ela não se demora ali. De forma lenta, calma, mas intensa, ela volta a buscar a minha boca e, tal como minutos atrás, minhas mãos voltam a explorar o corpo dela como se tivesse nascido para estarem ali.
retira a sua blusa e, por mais que eu consiga sentir minha boca salivar com os seus seios ainda cobertos pelo sutiã, evito me aproximar por alguns segundos, dando-lhe tempo para pensar se era realmente isso que ela queria.
— Tem certeza? Não precisamos fazer nada.
— Eu tenho certeza, . Muita certeza.
Não escondo minha felicidade àquela resposta. Volto a aproximar o meu corpo do dela e a ajudo a se livrar das últimas peças que ainda faltavam, em seguida tiro as minhas. Quando a deito na cama, paro alguns segundos apenas para observar o seu rosto, a sua boca, as curvas e os detalhes que a faziam ser bonita para um santo caralho.
Por baixo de sua roupa, consigo ver mais do seu corpo e mais de algumas manchas roxas que eu sabia da onde tinham vindo. Ela fica envergonhada, mas não deixo que se esconda. Ao invés disso, trilho uma sequência de beijos pelo seu corpo. Passando os lábios por cada machucado. Os beijos não iriam retirar os hematomas, mas talvez dessem um novo significado a eles.


Capítulo 21


A luz matinal timidamente rompia as cortinas, iluminando o quarto com um brilho suave. Minha consciência despertava lentamente, ainda de forma preguiçosa, embora satisfeita pelos momentos compartilhados no dia anterior. Ao meu lado, repousava, adormecida como uma obra de arte em um quadro dourado.
Seus cabelos caíam delicadamente sobre o travesseiro, formando uma moldura perfeita para seu rosto sereno. Um rosto que normalmente exibia uma gama de emoções fortes, estava agora calmo e descansado. Seus lábios, em repouso, esboçava um sorriso suave de satisfação.
Eu me movi na cama com todo o cuidado para não acordá-la. No entanto, meus olhos não conseguiam desviar-se dela. Eu a observava, encantado, prestando atenção em cada detalhe de . Seus olhos, normalmente carregados de faíscas de determinação, estavam fechados, guardando segredos de sonhos que eu não podia acessar.
Meu olhar vagou por seu corpo coberto pelos lençóis. Cada curva e linha pareciam ser parte de uma obra-prima única. Eu pensei sobre as marcas que a vida havia deixado em seu corpo – marcas que ela não mostrava a todos, mas que compartilhara comigo na noite anterior.
A luz do sol continuava a inundar o quarto, e eu agradecia pela tranquilidade do momento. Eram naqueles minutos silenciosos que eu percebia o quanto estava fodidamente apaixonado por . Não apenas por sua beleza exterior, que eu admirava naquele momento, mas por sua força interior, sua coragem e a vulnerabilidade. Era sua força como mãe que eu admirava.
Quando conheci pela primeira vez, vi nela a beleza nítida em cada expressão sua, em cada linha suave de seu rosto e corpo, mas não foi só isso que me atraiu nela. Também não foi a familiaridade com Alyeska porque, embora elas tivessem vivido coisas semelhantes, eram completamente opostas. Aos poucos deixou escapar detalhes pequenos de sua vida, demonstrando ter visto mais coisas do que a morena ao meu lado achava. Eu senti um lado protetor meu, um lado que acredito ter surgido com a maturidade.
Não pude fazer nada para que Alyeska saísse do domínio do pai agressor. Não pude impedir que o ciclo se repetisse tantas vezes a ponto de tê-la sufocado. Não pude ajudá-la. E por mais que eu soubesse que sua decisão de tirar a própria vida não fosse minha culpa, não pude deixar de sentir uma certa responsabilidade. Nós sempre pensamos que poderíamos ter feito mais, que poderíamos ter tentado mais. Demora a entender que não, não podemos. Quando a encontrei desfalecida em seu banheiro, repleta pelo próprio sangue que se misturava a água da banheira, prometi que ajudaria outras pessoas de uma forma que não consegui ajudá-la. E meu amor com as crianças me trouxe até a terapia infantil.
Quando falei com a primeira vez, apesar de quieto e tímido, não foi difícil reconhecer alguns sinais. Uma frase aqui ou um desenho ali escapados entre uma sessão e outra demonstraram a vulnerabilidade dele. Mas, de alguma forma, a cada sessão eu me via mais encantado por aquela criança e pela sua mãe.
Foi difícil reconhecer o que eu senti pela no início. Tudo foi muito imediato. Eu mal a conhecia, mas já tinha uma necessidade de estar com ela, de protegê-la e de dar apoio ao . Foi a primeira vez que me senti assim acerca de alguém, e definitivamente foi a única vez em que coloquei um sentimento e uma impulsividade acima da minha própria ética profissional. Não sei se era pela sensação de protegê-la, pela semelhança com Alyeska, pelo confronto que já sentia com na faculdade ou simplesmente porque ela é tão adorável que me encantou desde as primeiras conversas, mas eu precisei aceitar meus sentimentos pela morena. Não tinha outra forma, a não ser reconhecer que ela mexia comigo. Talvez, se eu não tivesse que fazer minha própria terapia, eu demorasse a reconhecer, mas sabia que não tinha como fugir do que sentia, então fiz o óbvio. Eu aceitei o que sentia e me mostrei disposto a estar com ela quando precisasse. E se ela sentisse o mesmo de alguma forma, então eu seria um homem de muita sorte.
Sentindo-me o homem mais sortudo do mundo, com um toque delicado, eu afastei uma mecha de cabelo do rosto dela, sentindo a textura macia de seus fios. suspirou levemente em resposta, mas continuou a dormir, envolta por seus próprios sonhos. Naquele quarto inundado pela luz da manhã, eu descobri que não poderia haver visão mais bela do que adormecida. E eu sabia, sem sombra de dúvida, que estava exatamente onde pertencia.
começou a se mover lentamente, seus olhos piscando preguiçosamente enquanto a luz da manhã a envolvia. Com um sorriso sonolento, ela olha para mim e diz:
— Bom dia.
Retribuo o sorriso, envolvendo-a em meus braços, então respondo:
— Bom dia para você também.
Nós compartilhamos um momento de silêncio, aproveitando a sensação da presença um do outro.
— Que horas são? É muito tarde? Preciso buscar o .
… Precisamos conversar sobre .
Ela me olha preocupada e desconfiada. Levo minha mão até a sua, acariciando a ponta dos dedos para confortá-la.
— O que aconteceu?
— Não se preocupe, não é nada ruim. Eu apenas queria conversar com você porque não posso mais ser o psicólogo dele. Vai ser uma mudança abrupta, mas acredito que será o melhor.
franziu a testa, um pouco surpresa.
— Mas por quê? Você tem sido incrível para ele, e ele gosta muito de você.
Eu assenti.
— Eu sei, e isso significa o mundo para mim, porque eu também gosto muito dele. Mas, como profissional, há diretrizes éticas que devo seguir e eu já venho quebrando-as há algum tempo. Primeiro me apaixonando pela mãe dele, depois me envolvendo diretamente em sua vida e indo até de confronto ao pai dele... Continuar a ser o psicólogo de enquanto estou em um relacionamento com você poderia criar conflitos de interesse e não seria ético. E quando falo sobre ética, é uma maneira de me justificar profissionalmente, mas vai muito além disso. A situação inteira pode ter resultados reversos em .
olha para mim com olhos cheios de medo, e eu posso ver a insegurança que a consumia. Entendia o medo exposto em seu olhar porque ambos tínhamos um passado.
— Eu entendo seus medos e não culpo você por ter preocupações. Não somos prisioneiros de nossas histórias passadas. Na verdade, Shakespeare escreveu: "O passado é prólogo". Isso significa que o que importa é o que fazemos a partir deste momento. Sei que talvez haja um receio pela forma que nos conhecemos, mas eu não sou mais a pessoa que estava sendo naquele bar, porque você entrou na minha vida. Eu não vou abandonar o ou você, e isso não é uma forma de fuga da minha parte. Convenhamos, eu já tive motivos maiores para fugir antes de tê-la assim, despida ao meu lado. Eu posso não ser mais o psicólogo de , mas pelo amor de Deus, me deixe fazer parte da vida dele. E da sua. Não como alguém que você contratou, mas como alguém que escolheu estar aqui ao lado de vocês dois. … Quero que entenda uma coisa.
Ela ri, me dando um leve tapa no ombro, e espera em silêncio para que eu continue.
— Estou onde preciso estar.
Apesar de parecer mais confortável com a minha resposta, olha para mim, com seus olhos transbordando em preocupação. Incentivo para que ela fale o que quer que estivesse em sua mente e, após alguns segundos, ela foi suave ao falar.
, há algo que preciso conversar antes de começarmos algo. Não acho que seja o momento certo para assumirmos um relacionamento. entrou com um processo judicial para conseguir a guarda do nosso filho. Ele alega que sou uma mãe negligente, que não está seguro comigo.
A tensão se espalha pelo ar, mas eu não digo nada, permitindo que ela desabafe. respira fundo antes de continuar, e eu acaricio os fios de seu cabelo a fim de passar-lhe mais segurança.
— Eu temo o que ele pode inventar para tentar ganhar a guarda. Tenho medo de que nosso relacionamento, especialmente se for público, possa ser usado contra mim no tribunal — sua voz vacila no final da frase, e eu estendo minha mão, segurando a dela com gentileza.
— Não se preocupe com isso, tudo bem? Não quero que você se sinta pressionada de forma alguma. Sua preocupação é legítima, e não quero complicar ainda mais a situação para você e .
Ela olha para mim, seus olhos expressando uma mistura de gratidão e incerteza.
— Obrigada por entender. Eu não quero que isso te afete de maneira negativa. A última coisa que quero é te colocar em uma situação complicada.
— Você sabe que é uma mãe incrível, certo? está seguro e feliz ao seu lado, e isso é o mais importante. Você é a pessoa que ele ama e em quem confia.
Faço uma pausa em meio às observações que fazia assim que a vejo mais tranquila, no entanto, a dúvida surge em minha mente por alguns segundos. A forma que ela recebeu a ligação e o desespero que sentiu, as marcas em seu corpo… Tudo me levavam a uma dúvida quase certa.
— Ele ameaçou você? — Não preciso explicar como cheguei àquela conclusão. Ela se encolhe em meus braços e consigo perceber seu desconforto em falar sobre o assunto.
— Ele pediu para que voltássemos. Se eu voltar com ele, ele encerra o processo.
— E você quer isso?
— Não.
Sua resposta foi direta e, por mais que eu esperava que fosse me tranquilizar, uma ideia absurda surgiu em minha mente.
— O que eu vou falar talvez seja um absurdo, mas acho que tem algo que possamos fazer.


Capítulo 22



Oi, estranha.
Marquei uma consulta com aquela minha amiga, espero que você e o possam conhecê-la. O que você fez comigo, aliás? Estou com saudades e só tem dois dias que não te vejo.


Oi, estranho.
Eu coloquei um feitiço em você, não percebeu ainda?

Sorrio com a resposta dela, mesmo que fosse apenas em pensamento. No entanto, a mensagem seguinte deixa um gosto amargo em minha boca.


Eu sabia!

Não preciso de muito para imaginar que ela estivesse sorrindo do outro lado da linha.


Posso te ver hoje?

A mensagem demora um pouco para ser respondida. Vejo o “digitando” aparecer na tela, como se estivesse ponderando algo.


Não.
Eu não sei se é uma boa ideia.
Não estou me sentindo muito bem hoje.

Apesar de estarmos nos relacionando apenas há algumas semanas, eu já a conhecia bem o suficiente para saber que ela não estava mais escondendo suas vulnerabilidades de mim. Havia algo mais, algo que ela não estava disposta a compartilhar comigo e a possibilidade disso me assustou, tendo em consideração o que ela tinha passado nos últimos meses.
Decido ligar para ela, sentindo a urgência de entender o que estava acontecendo. Enquanto o telefone chama, minha mente se enche de preocupação e desconfiança. estava escondendo algo, e eu precisava saber o que era.
não atende o telefone, e meu nível de preocupação aumenta rapidamente. Eu sabia que algo não estava certo, e seu comportamento distante nas mensagens e agora a recusa em atender minha ligação só reforçaram minhas suspeitas.
Me sento no sofá da sala, perdido em pensamentos, enquanto minha mente divaga entre as possibilidades. ainda era uma ameaça real. Ele tinha um certo poder de manipulação e influência, e isso sempre me preocupava.
Enquanto eu pensava na influência que podia ter sobre , minha imaginação começou a criar cenários sombrios. Ela tinha mencionado uma reunião com ele, que parecia suspeita desde o início. E agora, com seu comportamento distante e a recusa em me ver, minha mente estava cheia de dúvidas.
Tentei ligar para ela novamente, mas o resultado foi o mesmo: a ligação foi direto para a caixa postal. Me levanto inquieto e começo a andar pela sala. Tudo em mim está em alerta, preocupado com o que poderia estar acontecendo. Por mais que quisesse estar sendo apenas paranóico, sentia em mim que tinha algo errado e isso me incomodava.
Tomo a decisão de ir até a casa de , movido pela preocupação que não consigo ignorar. O que quer que estivesse acontecendo, precisávamos enfrentar juntos, e minha mente estava cheia de cenários sombrios.
Chego à porta da casa de e toco a campainha, esperando que ela atendesse e pudéssemos conversar sobre o que estava acontecendo. No entanto, sou surpreendido quando a porta é aberta, mas não por .
está diante de mim. Seus olhos frios encontram os meus, e posso sentir a tensão que nos envolve. No entanto, a surpresa não parou por aí. Atrás de , aparece envolta apenas por uma toalha, com os cabelos úmidos, como se tivesse acabado de sair do chuveiro. Seus olhos se arregalam de surpresa ao me ver ali, e posso sentir o constrangimento que a envolve agora.
Por um momento, ficamos em silêncio, uma atmosfera carregada de tensão e mal-entendidos pairando sobre nós. Eu não sabia o que dizer, e me olha com desconfiança, como se estivesse guardando algum segredo.
Finalmente quebro o silêncio, lutando para manter a calma:
… Desculpa ter vindo. Eu fiquei preocupado sobre as consultas do .
Ela se recupera da surpresa inicial e fala rapidamente, sua voz trazendo um toque de defensividade:
veio para conversar sobre .
A justificativa me faz sorrir sem vontade. Dou de ombros e preciso colocar as mãos nos bolsos, me controlando para não demonstrar mais do que deveria. Ela ainda está enfrentando a possibilidade de um processo parental e eu não deveria ser mais um problema.
— Não se preocupe, isso não me diz respeito — digo, por fim, por mais que quisesse gritar que sim, que me dizia respeito.
Ela se encolhe sob meu olhar. não diz nada, mas seus olhos brilham em uma expressão que eu não gostava.
— O que foi, ? Você não esperava encontrar dessa maneira? — O sorriso sarcástico em seu rosto deixa claro a provocação.
Minha frustração com cresce ainda mais, mas eu sabia que não é o momento para confrontá-lo. Ele está determinado a criar um ambiente desconfortável. Enquanto ainda tento entender o que está acontecendo, ele se aproxima de , beijando suavemente sua testa, e agradece pela noite anterior, um gesto que me fez sentir uma pontada de ciúmes.
— Obrigado por ontem à noite, . Você sempre faz com que eu me sinta bem-vindo — ele diz com um sorriso que carrega insinuações muito além das palavras.
Minha mandíbula se contrai, mas eu não queria dar a a satisfação de me ver reagir. Permaneço em silêncio, observando a cena com uma expressão impenetrável, embora minha mente estivesse tumultuada. , por sua vez, parece desconfortável com a situação. Seus olhos mostram um misto de confusão e insegurança, como se ela não soubesse como lidar com as provocações de .
O homem se aproxima de mim; seu tom é mordaz, cheio de insinuações cruéis que atingem o meu ponto mais vulnerável.
, meu caro, você sabe o que dizem... O melhor dos términos é a reconciliação — ele deixa um sorriso malicioso pairando em seus lábios, e o silêncio que se seguiu foi pesado de tensão. As palavras de pairavam no ar como uma ameaça velada, e eu sinto o calor da raiva subir pelo meu peito. — Você é carinhoso demais com ela, não é assim que ela gosta. A prova disso é que mesmo depois de eu tê-la ameaçado e batido nela, ainda foi para mim que ela gemeu ontem à noite. Foi o meu nome que ela gritou.
As palavras cruéis de ainda ecoam na sala, como se fossem uma ferida aberta que não parava de sangrar. Meu coração bate com força, e uma mistura avassaladora de emoções toma conta de mim. estava decidido a me provocar, e a cada palavra sua, minha raiva e ciúmes cresciam. No entanto, eu sabia que precisava manter a compostura. Não queria ceder às provocações dele, não ali, não daquela maneira.
Meu olhar se volta para , esperando que ela negasse as palavras cruéis de , mas ela permanece paralisada, mantendo os olhos fixos no chão.
Uma sensação de desespero cresce em mim.
também dirige seu olhar a , e um sorriso triunfante ilumina seu rosto quando percebe a ausência de uma negação por parte dela. Sua expressão vitoriosa ecoa em meus ouvidos, como se ele tivesse atingido seu objetivo de me provocar.
— Você achou mesmo que teria alguma chance com a minha mulher? — ele ri. Um riso zombeteiro que ecoa pela sala, como se estivesse se divertindo com a nossa tensão, como se estivesse se regozijando com meu desconforto. — Eu e ela temos um filho juntos, . Um filho que é louco por mim, que eu conseguiria colocá-lo contra ela em segundos. Que eu poderia facilmente arrancar dela, porque eu posso comprar a porra de qualquer juiz. Ela até pode ser uma vadia, às vezes, mas não tem nada que ela ame mais do que o . Você nunca seria uma escolha.


Capítulo 23


Quando finalmente sai da sala, uma onda de alívio percorre meu corpo, e sem pensar duas vezes, corro na direção de . Meus braços a envolvem num abraço apertado, como se eu temesse que ela desaparecesse a qualquer momento.
— Você está bem? Ele te fez algo? — pergunto, preocupado, enquanto a observo nos olhos em busca de qualquer sinal de sofrimento.
Ela nega com a cabeça, mas mantém seus olhos em mim, demonstrando gratidão e vulnerabilidade.
— Eu juro, , eu não dormi com ele.
— Eu sei que não, estranha — sussurro o apelido que tínhamos começado a partilhar, com a lembrança do dia em que nos conhecemos e da forma estranha que tínhamos chegado até aqui.
Os olhos de brilham com um toque de alívio, e um tímido sorriso brinca em seus lábios.
— Fico feliz em saber que você confia em mim, estranho.
e eu nos encaramos, nossos olhos transmitindo uma compreensão mútua que as palavras não eram capazes de expressar completamente.
— Você conseguiu gravar? — pergunta, sua curiosidade aflorando.
Sorrio e dou-lhe um selinho rápido.
— Sim, ele não vai conseguir comprar juiz nenhum com uma prova irrefutável como essa.
Duas semanas antes da primeira audiência, minha vida estava prestes a se entrelaçar de forma definitiva com a de e . O áudio que eu havia gravado, capturando a confissão de , tornou-se uma peça fundamental em nosso xadrez legal.
Enviá-lo para o advogado de era um movimento calculado. Eu queria que ele soubesse que eu estava disposto a proteger e a qualquer custo. A mensagem era clara: se ele ousasse se aproximar de , continuar com o processo ou tentasse manipular de qualquer forma, eu estaria pronto para agir.
A ameaça que pairava naquele áudio não era apenas a minha; era uma advertência a todas as suas escolhas. deveria entender que o jogo havia mudado, que a verdade estava do nosso lado e que as consequências de suas ações poderiam, sim, ser devastadoras.
Enquanto eu enviava o áudio que poderia mudar o rumo de nossas vidas, e estavam ocupados se preparando para darem início ao aniversário do pequeno. Essa comemoração prometia ser especial – seria o primeiro marco na construção dos laços que estavam se formando. O dia não era apenas uma comemoração a mais um ano de vida, mas também a celebração do progresso que havíamos feito como família.
No começo, havia sido cauteloso em relação ao meu envolvimento com a sua mãe. Apesar de pequeno, sempre fiquei admirado com a inteligência dele. A aceitação do meu relacionamento com foi um grande passo e, claro, veio com uma sequência de conversas nas quais trabalhei com ele a ideia de não ser ou representar a substituição de ninguém. Mas, com o tempo, ele começou a entender que eu estava ali para ficar e acrescentar.
estava prestes a comemorar sete anos de vida, e nossa casa estava transformada em um cenário jurássico. e eu havíamos planejado tudo minuciosamente para proporcionar a uma festa de aniversário inesquecível. O tema era “Mundo dos Dinossauros”.
O quintal se transformara em um território pré-histórico. Tendas com estampas de selva e vulcões de papel-machê decoravam o espaço. Dinossauros de brinquedo estavam espalhados pelo jardim, como se estivéssemos em plena Era Mesozóica.
Balões com estampas de dinossauros flutuavam pelo ar, criando uma atmosfera de aventura. Um arco de entrada, adornado com plantas tropicais e rochas de isopor, dava as boas-vindas aos convidados, transportando-os para um mundo repleto de répteis gigantes.
A mesa de doces era um verdadeiro tesouro jurássico. Cupcakes decorados como ovos de dinossauros, biscoitos com formato de pegadas e um bolo que parecia saído de um sítio arqueológico. Cada detalhe, desde as plantas tropicais até os adereços dos convidados, contribuía para criar a atmosfera de uma expedição pré-histórica.
As crianças corriam pelo quintal, maravilhadas com os dinossauros em tamanho real. , vestido de aventureiro, liderava suas descobertas ao lado de seus amigos, explorando o mundo dos dinossauros que havíamos criado para ele.
, com um chapéu de exploradora, estava radiante, e apesar das luzes, era o seu sorriso que iluminava o jardim. Ela conversava com os convidados, garantindo que todos se sentissem parte da grande aventura. O amor e a dedicação que ela havia colocado na festa eram evidentes em cada detalhe. E em cada passo seu ou gentileza involuntária eu enxergava mais os motivos de ter me apaixonado por essa mulher.
Enquanto o mundo dos dinossauros ganhava vida em nosso quintal, recebemos alguns convidados inesperados: os avós paternos de , convidados pelo pequeno e movidos até aqui pela notícia da desistência de do processo de guarda.
Após um momento de tensão, reunimo-nos em um canto do jardim, longe das crianças. , e os pais de estavam cercados pela atmosfera festiva, mas a conversa era séria.
O pai de falou primeiro e me mantive ali, ao lado da mulher que amava. Apoiei minhas mãos na parte de trás de suas costas, acariciando a região em um carinho de conforto. Imaginava que não fosse fácil sua relação com os antigos sogros pelo pouco tempo que os vi interagindo.
, quero que saiba que sinto muito pelo que fez. Não aprovamos suas ações, e gostaríamos de pedir desculpas por todo o sofrimento que você e passaram.
o ouviu com atenção, e apesar das cicatrizes do passado, aceitou suas desculpas com graça.
— Agradeço por suas palavras. Aceito suas desculpas. O que passou não será apagado, mas também não há necessidade de ser vivido mais uma vez.
— Eu amo o meu filho, . Você como mãe deve entender os sentimentos que tenho, mas não posso mais justificar as suas atitudes. está desistindo do pedido de guarda de . Ele está se mudando para outro país e eu prometo que ele não voltará a incomodá-la. No entanto, eu gostaria muito de fazer parte da vida do , e peço que não me negue isso. Já estou longe do meu filho, como consequência de suas próprias atitudes. Tudo que peço é que eu fique perto do meu neto. — A mãe de parecia genuinamente emocionada. — Não quero que ele cresça distante da família de seu pai.
— Enquanto não tentar manipular de nenhuma forma, acredito que é importante que continuem fazendo parte da vida do nosso filho. Ele pode falar e ver também, ele ainda é o pai do meu filho e permanece com direitos sobre ele. Apenas o aconselhem para que se mantenha distante de mim.
Enquanto observava o cenário e as pessoas que amava, meu coração transbordava de gratidão. Aquela festa de aniversário era um testemunho de que havíamos superado desafios e construído algo maravilhoso juntos. Éramos uma família unida pelo amor, e o mundo dos dinossauros era a representação física desse amor.
Enquanto o sol se punha e as lanternas se acendiam, os olhos de brilharam quando ele apagou as velas do bolo. Naquele momento, seus desejos se misturaram com o rugido dos dinossauros, e eu não tinha dúvidas de que suas aventuras continuariam.
A festa de aniversário de havia chegado ao fim, deixando nosso quintal repleto de resquícios de alegria e celebração. As crianças haviam se exaurido com suas brincadeiras, e agora e eu estávamos ocupados com a tarefa de colocar na cama.
Ele havia ficado animado com o aniversário e, com alguma resistência, aceitou que era hora de descansar. , sempre a mãe amorosa, leu sua história favorita e cantou uma canção suave, embalando-o para o sono.
Assim que finalmente adormeceu, e eu saímos do quarto com cuidado para não acordá-lo. O silêncio da noite se instalou, e percebi que aquele era o momento perfeito. parecia tão linda na meia-luz da sala, com traços de cansaço e felicidade em seu rosto.
Segurando sua mão, a conduzo até o quintal, onde as luzes da festa ainda iluminavam o espaço. Ali, no meio da bagunça da celebração, eu a abraço e a olho nos olhos.
— Hoje foi mais um dos dias incríveis que passei a ter ao seu lado. Obrigado por me deixar fazer parte da sua família.
Ela sorri, e posso sentir um brilho de amor em seus olhos.
— Foi perfeito.
Meu coração batia mais rápido, mas eu precisava prosseguir:
— E eu estava pensando... Quer dizer, há algo que eu gostaria de perguntar.
Ela inclina a cabeça, confusa e curiosa.
— O quê?
Respiro fundo, ajoelho-me sobre a grama e tiro do meu bolso a caixinha de veludo que havia comprado um mês atrás, esperando o momento certo como se minha vida dependesse disso porque, na verdade, dependia. Sinto minhas mãos tremendo ligeiramente.
, a estranha mais familiar que a vida colocou em minha vida, você aceita se casar comigo?
arregala os olhos, surpresa, e as lágrimas começam a se formar em seus olhos. Ela olha para mim, a felicidade e o amor refletidos em seu rosto.
, você... você está me pedindo em casamento?
Assenti, sorrindo nervosamente.
— Que parte do “você aceita casar comigo” você não entendeu, mulher? Eu já estou nervoso o suficiente para repetir — brindo, a vendo gargalhar. Abro a caixinha em minhas mãos, revelando o anel de esmeraldas que havia comprado e respiro fundo, sentindo todo o amor me preencher. — Estou. Eu quero passar o resto da minha vida ao seu lado, enfrentar todos os desafios e compartilhar todas as alegrias. Você é a pessoa com quem quero construir o meu futuro.
Ela solta uma risada emocionada, alegria transbordando de seu ser.
— Sim, , sim! Eu aceito!


Epílogo


6 anos depois.


Nossa vida a dois havia amadurecido e se solidificado após alguns de casados. Junto com o amor, as brincadeiras e implicâncias se tornaram uma parte adorável da nossa rotina. Naquela tarde, eu estava na cozinha, tentando dominar uma receita complicada que havia encontrado em algum lugar na internet. Ela estava ao meu lado, assistindo com um sorriso malicioso e a diversão explícita.
Eu segurava uma colher de sopa de sal, segundo a receita, e , com sua típica expressão cética, ergue uma sobrancelha.
— Você tem certeza de que isso é uma colher de sopa de sal, ? — ela pergunta, desafiando minha habilidade culinária, e seu olhar travesso me fez sorrir.
Não perdi a oportunidade de fazer um teatro, dramatizando minha indignação.
— Claro que tenho certeza. Quem é o chef aqui, afinal? — respondo com um tom de voz confiante, embora estivesse ansioso para ver a reação dela.
solta uma risada gostosa e se aproxima de mim de uma forma perigosa quando se tinha um assado no forno. Seus lábios buscam os meus; a morena se coloca entre mim e a bancada, me fazendo buscar uma posição que me deixasse próximo o suficiente, mas sem apertar a sua barriga de cinco meses de gestação. Inicio um beijo lento e a sinto mordiscar meu lábio inferior.
— Claro, querido, o chef que quase queimou a cozinha na semana passada — ala zomba em um sussurro, lembrando-me de um pequeno incidente que tivemos recentemente.
Não pude evitar de continuar a dramatização com um suspiro exagerado.
— Foi só um pequeno incêndio. E eu já te disse que o fogão estava desregulado — brinco, mantendo a mão na colher de sal e sorrindo para ela, sabendo que sua expressão incrédula me deixava ainda mais apaixonado.
aproveita a oportunidade e rouba um pedaço de massa da minha tigela, saboreando-o com uma expressão travessa que ilumina seus olhos.
— E eu sou a única que se preocupa com a nossa sobrevivência, certo? — ela zomba, e o brilho de diversão em seus olhos me faz rir. Balanço a cabeça em concordância e a abraço, sentindo o calor do nosso amor nos envolver.
— Bem, eu conto com você para me manter vivo, meu amor — murmuro, permitindo que o carinho transpareça em minha voz.
solta um suspiro dramático, nos divertindo com seu teatro improvisado.
— Homens, sempre tão dramáticos — ela observa com um sorriso cúmplice, e eu me inclino para beijar sua testa carinhosamente, aproveitando a intimidade que o casamento nos proporcionou.
— E mulheres, sempre tão incríveis — retribuo com um sorriso e a beijo suavemente, capturando o doce sabor de seus lábios.
Ela corresponde ao beijo com carinho, demonstrando a profundidade do nosso amor.
— É para isso que estou aqui, para cuidar de você — ela sussurra, e a abraço com mais força, sentindo a alegria da nossa união que crescia a cada dia.
Sentindo o calor do forno aquecer também o meu corpo, coloquei sentada na bancada, me posicionando entre suas pernas antes de distribuir um caminho de beijos pelo seu pescoço e voltar a equilibrar os lábios em sua boca. Gostava de fazê-la se sentir desejada, principalmente porque sabia as inseguranças que a gravidez a trazia após os anos de casados. Tudo entre nós havia acontecido de uma forma rápida, mas eu me esforçava para demonstrar que, apesar do início rápido, seríamos duradouros. Eu a amava muito mais do que seis anos atrás, e tinha certeza que a amava muito menos do que em seis meses futuros.
Ela corresponde o beijo na mesma velocidade calma. Seu corpo está mais sensível e por isso eu buscava ir com calma ao explorar suas curvas delicadas. Termino o beijo com alguns selinhos quando escutamos passos virem da sala.
Em segundos, adentrou a cozinha com , que de forma dengosa logo pediu o braço da mãe. Era uma cena que se repetia diariamente em nossa casa, mas que sempre enchia nossos corações de amor.
, com seus dois anos de idade, tinha um jeitinho encantador de pedir atenção. Seus olhos curiosos e expressivos brilhavam enquanto ela esticava seus bracinhos em direção à sua mãe.
— Mamãe, colo! — ela pede de forma adorável, sua vozinha suave e doce como um murmúrio.
sorri com ternura, desviando-se da bancada na cozinha para atender o pedido de nossa filha. Com habilidade, ela acomoda em seus braços, como se fossem peças de um quebra-cabeça perfeitamente encaixadas. A pequena, por sua vez, afundou-se confortavelmente contra o peito de sua mãe.
Apesar da minha preocupação com sua gestação, já havia recebido diretas mensagens da médica de . Em poucas palavras, ela me pedia para não ser superprotetor, avisando que tudo bem segurar , desde que não fosse um desconforto para . O nome da nossa primeira filha veio como uma homenagem a tudo que a minha esposa e o meu enteado passaram, não como uma substituição, mas como uma nova vida. Uma nova esperança de que, mesmo que tudo dê muito errado um dia, ainda pode dar certo no futuro.
, agora com treze anos, observava a cena com um misto de afeto e diversão, deixando claro que havia presenciado parte dos selinhos.
— Vocês dois são sempre tão melosos. É constrangedor — ele brinca, sua voz carregada de amor e provocação.
lança-lhe um olhar cúmplice, seu sorriso transbordando alegria e tranquilidade.
— É o amor, campeão. Você vai entender um dia.
revira os olhos, mas seu sorriso denunciava que, no fundo, ele apreciava o ambiente acolhedor da nossa família. Mesmo quando éramos “melosos”, ele sabia que podia contar conosco para tudo.
, confortável nos braços da mãe, solta uma risadinha e balança as perninhas, mostrando-se satisfeita por estar nos braços de . Era um retrato da nossa vida: amor, união e uma pitada de melosidade para adoçar nosso dia a dia.
se aproxima, seu olhar um pouco tímido, mas sua curiosidade brilhava nos olhos. Com uma voz que tremia ligeiramente pela expectativa, ele fez sua pergunta.
— Tio, a Lily vai vir aqui hoje?
Sua voz estava um tanto tímida, e eu pude ver o brilho nos olhos de , que trazia uma faísca de expectativa. Claro que ele estava se referindo à Lily, minha sobrinha que, para , era “quase prima”, seguida de “não prima de verdade”. Desde que ela tinha voltado para a cidade, parecia especialmente interessado na presença dela.
Um sorriso brincou nos meus lábios, e eu troquei um olhar de cumplicidade com , que observava a cena com interesse, em alerta para tudo que acontecia na vida de .
— Ela com certeza vem, campeão.
relaxa, um sorriso surgindo em seu rosto, e eu podia jurar que ele corou levemente.
lançou-nos um olhar de surpresa e um sorriso cúmplice nos lábios enquanto , empolgado com a resposta positiva, saiu da cozinha, pronto para o que o dia lhe reservava. Seu pequeno segredo, aparentemente uma paixão inocente, nos fazia rir e refletir sobre o quão rápido ele estava crescendo.
— É impressão minha ou o meu filho talvez esteja desenvolvendo um crush na quase-prima? Céus, tudo que eu não preciso é de mais uma polêmica em família — brinca, um sorriso de cumplicidade dançando em seus lábios.
— Bem, ao menos a vida nunca fica entediante conosco, não é? — comento, rindo e lançando um olhar amoroso a .
— Aninha — aponta para a barriga da mãe de forma divertida. Aquelas mãozinhas pequenas e curiosas sempre encontravam o caminho para o centro das atenções. Tínhamos descoberto que estávamos esperando mais uma menina, e juntos decidimos que o nome dela seria Ana Clara, em homenagem a alguém que conhecíamos e que tinha sido um presente ao longo de nossa história.
riu, acariciando a cabeça de enquanto a olhava com um carinho incondicional. Nossa família estava prestes a crescer mais um pouco, e a alegria que isso nos trazia era indescritível. Estávamos ansiosos e felizes com a chegada da nossa nova filha, um sinal de que nossa família continuaria crescendo e prosperando, repleta de amor e união. Cada dia era um novo capítulo na nossa jornada juntos, e mal podíamos esperar para ver o que o futuro nos reservava.

“O amor é um campo de batalha. Há momentos felizes e tristes, pessoas certas e erradas, momentos de excitação e quietude, mas, acima de tudo, o amor é uma jornada que vale a pena.”


Fim



Nota da autora: Obrigada por cada leitura, carinho e participação de vocês. Comentem pra que eu fique super inspirada e faça muitos capítulos e participem do grupo do whatsapp. Lá eu sempre posto quando vai ter atualização e dou spoiler, além de liberar pequenos jogos com temática da fic. Vocês são divines.



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Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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