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Ultima atualização: 23/03/2024

Prólogo

“Sombria não é aquela noite escura e aterradora, mas aquela pessoa que carrega o ódio no coração.”
Jader Amadi


O cheiro de sangue já estava impregnado no ambiente. Dois corpos caídos sem vida em suas respectivas poças do líquido vermelho escarlate. O terceiro, de joelhos perante ela, esperava sua hora. Sabia que iria morrer. A questão era somente o tempo que isso levaria para acontecer. Observava a garota à sua frente. Imponente, decidida.
Em seus olhos nenhum resquício de piedade. Nem sequer algo que provasse que ali dentro do corpo esguio e pequeno, havia um pingo de humanidade. A arma, apontada para sua cabeça, o fazia questionar a burrice de seus atos recém quistos, porém nunca concluídos. À noite, de fato, não terminaria como planejou durante tanto tempo. Sequer teria um fim para ele. A escuridão eterna, para ele, se iniciaria dali poucos instantes. Respirou fundo uma última vez e clamou aos céus por alguma piedade. Mas ele sabia que, se existisse um Deus, não seria para ele que seu olhar estaria voltado. Não depois de tudo o que fizera durante sua miserável vida. Era um homem orgulhoso. Um homem que jamais abaixou a cabeça para mulher alguma, e hoje, estava de joelhos diante de uma garota, de no máximo 20 anos, esperando qual seria a hora em que ela decidiria que ele deixaria de viver. Não que sua existência fosse de fato fazer falta a alguém. Era um criminoso, culpado de atos terríveis. Sua morte mais traria paz do que qualquer outra coisa. Um som, além do de sua respiração descompassada e da forte chuva que caia sem piedade do lado de fora do galpão abandonado, o fez engolir em seco.

Uma risada.

Sentiu um arrepio mais forte do que todos que sentira durante a noite. Se tinha alguma esperança de sair vivo da merda em que ele próprio havia se enfiado, ela se esvaiu totalmente no instante em que a doce voz feminina reverberou em seus ouvidos.
— Olha pra você. — ela começou, com a voz divertida. — Acostumado a ter mulheres aos seus pés, usá-las como brinquedo, moedas de troca... tratá-las feito lixo e hoje está aqui, cheirando a xixi enquanto chora como um bebê. — a arma fez mais pressão em sua testa, o fazendo cerrar os olhos com força, sentindo o tremor em seu corpo se intensificar. — Você é um nojento de merda que merecia muito mais do que uma bala na cabeça. Sorte sua que eu não tenho tempo pra me divertir te fazendo sofrer. Espero que tenha aproveitado sua vida de merda, porque ela acaba agora. — o som do tiro ecoou alto pelo saguão vazio ao mesmo tempo em que o corpo do homem caia ao chão. A garota sequer piscou. Olhou para o corpo velho sendo banhado pelo sangue e se permitiu ter a visão prazerosa que era vê-lo morto por breves segundos, antes de virar as costas e rumar para fora do velho galpão. Antes de sair de encontro a chuva, pegou o pequeno aparelho celular que estava em seu bolso e digitou uma mensagem ao número tão conhecido e odiado em sua agenda.

"O trabalho está feito."


Capítulo 1

Aprendera a apreciar a noite da grande Londres. Quando chegou, seis meses atrás, a odiava com todas as forças. Não pela cidade em si, mas pela nova realidade à qual seria apresentada morando nela. Aprendeu a gostar do lugar, visando manter o pouco de sanidade que lhe restara. Há seis meses, perdeu a única pessoa por quem valia a pena ficar viva. Mas por ela também, e disso não se arrepende, fez dívidas que só seriam quitadas quando estivesse à sete palmos do chão. Talvez nem assim.
Sentiu a brisa gelada da noite Londrina lhe atingir a pele exposta onde o grande e grosso casaco preto que vestia, não conseguia cobrir. Respirou fundo e olhou para a cidade abaixo de si. Era linda, imponente... grandiosa. Poderia facilmente amar Londres, se não fosse, claro, pelas circunstâncias que a faziam ser obrigada a morar nela. Outra brisa gelada a atingiu, fazendo um arrepio descer por sua espinha. Conforme a madrugada ia anunciando sua chegada, o frio se tornava mais intenso.

Isso a encantava, o frio.

— Você não deveria ter voltado a ativa tão cedo. — Olhou para o lado ao ouvir a voz de Ander, seu amigo, e só então lembrou onde e com quem estava. Ele a fitava sério, enquanto segurava o cigarro de maconha entre os dedos de uma das mãos e estendia em sua direção, ela o tomou de sua mão e rapidamente o levou a boca, dando uma tragada e fechando os olhos em seguida, sentindo o torpor que a fumaça causava em seu organismo enquanto prensada por ela. — Caralho, que frio. — Ander resmungou, apertando o grosso casaco ao redor do corpo. sorriu soprado e soltou a fumaça da tragada recente, observando-a desaparecer por entre a escuridão. Devolveu o cigarro para o amigo, que o pegou de prontidão.
— Eu 'to bem. Se ficasse mais tempo parada ia fazer, segundo você e Celeste, a maior burrada da minha vida. Mataria minha mãe. — a última palavra saiu como ofensa dos lábios da garota, junto a careta desgostosa em sua face. Somente por chamar aquela mulher de mãe, seu estômago revirava tamanho nojo que carregava por Samantha. Ela não merecia ser chamada de mãe. Não depois do que fez.
— Se você realmente estivesse bem eu não precisaria estar aqui.
— Se o Falconne não acredita nisso problema é dele. Não meu. Eu sei que ‘to bem. — , dessa vez, arrancou o cigarro de Ander, ele riu. Não soube o porquê, mas achou engraçado. Talvez fosse o efeito da erva fazendo efeito em sua cabeça, ou talvez porque conhecia muito bem e não creditou em nenhuma palavra dita por ela.
— Não, gata, você não ‘tá bem. ‘Tá operando em modo louco. Você sabe do que ‘to falando. — bufou. Estava farta das pessoas achando que sabiam mais de seus sentimentos do que ela própria. — O Falconne tem razão de se preocupar. Se não fosse a Sky ter conseguido invadir o sistema de câmeras antes da polícia encontrar os corpos no último trabalho que você fez sozinha, você estaria presa.
— Você realmente acha que ele se preocupa comigo? — ela o fitava realmente incrédula. Ander assentiu. — Ele se preocupa é com o dinheiro e com tempo que gastou me transformando em uma Falcon. Não comigo em si. Eu o odeio e tenho certeza que o sentimento é recíproco.
— Você é a única da equipe de limpeza que o conhece além de mim, . Você sempre teve contato direto com ele desde que... — uma pausa foi feita, não era hora para tocar naquele assunto. Talvez nunca seria. Era delicado e Ander sabia. — Bom, você sabe. Você é uma das protegidas dele.
— Sim, porque eu mato quem ele manda matar sem questionar. Porque ele me fez assim. Não ache que tem algo a mais nisso. — Ander ergueu as mãos em rendição. A conversa havia acabado. Quando a garota se exaltava era hora de parar. A conhecia muito bem para entender e compreender seus momentos e sentimentos. O frio àquela hora era cortante, somado a altura em que estavam, ele duplicava. O terraço do prédio em que Ander morava era o refúgio para onde corria quando estava prestes a ceder as obscuridades que em sua mente residiam. O silêncio se fez presente e ambos se contentaram em observar o restante da madrugada naquele lugar, em silêncio. Embora, em suas mentes, houvessem gritos e lembranças de dias que nunca poderiam se apagar.

🔥

Não se orgulhava da pessoa que havia se tornado. Não se orgulhava do que fazia, tampouco da vida que levava. Mas sabia que toda ação tem uma reação e, em consequência de sua ação desesperada para tentar salvar a vida de seu pai, teria consequências que perpetuariam por toda sua vida. Quando se meteu com Frederick Falconne, foi com um objetivo claro em mente: Pagar o tratamento de uma doença que seu pai tinha. E ela o fez, obteve êxito. O tratamento foi eficaz e lhe permitiu alguns anos há mais com o homem que lhe criou sozinho, e mesmo com todas as dificuldades impostas pela vida, lhe deu tudo. Ele era sua âncora, mantinha-lhe estável em meio às tempestades que desde sempre sondavam sua mente turbulenta. Era sua bússola, lhe ajudando a encontrar o caminho de casa sempre que se perdia pagando pelo o que havia lhe proporcionado o benefício de anos há mais. Mas a vida, ela é trágica. Pelo menos para . Segundo ela, a vida acharia uma forma de lhe punir pelos maus que causara em prol de seus próprios desejos, sempre soube disso. Mas não estava preparada para quando aconteceu. A vida lhe tirou seu pai de outra forma. Um acidente de carro lhe ceifou a vida, deixando uma completamente devastada e sozinha para lidar com a dor. A dor de perder quem sempre foi seu Norte. Seu herói. Seu melhor amigo. E foi lembrando do pai que saiu do apartamento de Ander às 4 horas da madrugada, rumando sozinha pelas ruas de Londres em direção à casa na qual morava. Não demorou muito para avistar os portões imponentes do condomínio luxuoso. Sempre que passava por ele, o ar em seus pulmões se comprimiam. Odiava aquele lugar. Odiava ter que morar ali. Odiava não ter opção. Conforme se aproximava da residência, notou um Bugatti Chiron — reconheceria em qualquer lugar — preto, estacionando em frente a mesma. Revirou os olhos e pensou em dar meia volta quando teve a certeza de que ele estava ali. Conviver com Samantha não era nada agradável. Conviver com Samantha e Hector, o marido milionário por quem foi abandonada, era horrível. Agora, passar mais de 10 minutos com Samantha, Hector e — o filho pródigo de seu padrasto e criado como filho pela mãe que a rejeitou, era, de fato, insuportável. Metido, arrogante e um tanto quanto narcisista, era tudo o que desprezava. Respirou fundo e seguiu em direção à porta de entrada, retirando a chave que estava em sua posse do bolso do casaco e colocando-a na fechadura, tentando fazer o mínimo de barulho possível durante o processo. Assim que entrou em casa, o ar quente a abraçou e o frio de Londres ficou do lado de fora. rapidamente trancou a porta e seguiu rumo as escadas, querendo acima de tudo um banho quente e sua cama. Mas, quando estava prestes a subir o primeiro degrau, notou uma movimentação na divisão que separava a sala de estar, que era onde estava, da cozinha. Não iria parar, no entanto, pela sua visão periférica já o havia reconhecido. Não estava com saco para aturar . Não agora. E nem nunca, se pudesse escolher. Mas não compartilhavam do mesmo pensamento, já que se fez ser notado não somente pela presença, como por sua voz que se fez presente assim que percebeu que a garota não iria parar.
— Boa noite pra você também, . Perdeu os bons modos que ainda tinha? — assim que a voz rouca do rapaz — que em qualquer mulher causaria reações diretas em seus ventres, mas que em causava repulsa – ecoou pelo cômodo silencioso, a garota parou e girou nos calcanhares, fitou e o mesmo carregava um sorriso irônico nos lábios bonitos.
— Você não vale o esforço que teria que fazer para usá-los. – Retribuiu o falso sorriso e voltou a subir os degraus. O homem gargalhou.
— Afiada como sempre. Vejo que nada mudou por aqui. – Ele andou poucos passos até ficar no pé da escada, e olhava a garota continuar a subir sem lhe dar atenção. – Mas me diz, , o que você tanto faz pelas madrugadas de Londres? Não é a primeira nem a segunda vez que passo a noite aqui e você chega nesse horário. — parou, novamente. O pouco de paciência que lhe restava se esvaindo conforme olhava seriamente para o homem que tinha o semblante sereno aguardando por sua resposta. Ele certamente sabia que não viria. Mas era divertido, para ele, deixar a menina estressada. Já havia tentado uma aproximação assim que a garota veio morar com sua madrasta e, consequentemente, com seu pai. Mas nunca lhe dera uma brecha sequer. Sempre com respostas prontas e língua afiada. Por mais que entendesse o que sentia em relação à mãe, não achava correto o modo que ela a tratava e, muito menos, o modo que tratava seu pai. Não morava com a garota, mas sempre que podia vinha visitar seu velho e, nunca houve uma vez sequer em que estivesse presente, que não tenha presenciado discussões feias entre Samantha e a filha. Seu pai tentava ficar afastado e não se meter, mas quando não conseguia, também virava alvo das grosserias de . Consequentemente ele também se metia e tudo virava uma bola de neve com gente gritando por todo lado.
Ele odiava.
Então, quando percebeu que nada do que fizesse ou falasse faria com que lhe escutasse ou gostasse ao menos um pouco de si, resolveu que seria engraçado devolver tudo na mesma moeda. Deixá-la irritada era divertido.
— E desde quando o que eu deixo ou não de fazer te interessa?
— Não interessa. Bom, pelo menos não pessoalmente. Mas como policial, me preocupo com a sua segurança. As madrugadas de Londres não são muito seguras.
— Pode pegar a sua preocupação e redirecioná-la para quem se importa com ela. O que, certamente, não é o meu caso. – não conseguia ficar irritado com as respostas atravessadas da garota. Bom, pelo menos não mais. Ele achava graça, até. Obviamente, quando redirecionadas a si. Quando era ao seu pai, a história era outra.
Estava pronto para testar mais um pouco da paciência da garota quando ouviu o barulho da porta atrás de si abrindo e fechando logo em seguida. Se virou e viu seu pai, que o era principal motivo da sua vinda à residência àquela hora da madrugada. Hector olhou para o filho com a testa franzida. Depois, olhou para o alto da escada a tempo de ver subindo o restante dos degraus e sumindo de suas vistas. Olhou novamente para o filho, não entendendo o que ele estava fazendo ali.
? Quando voltou de Nova York? – O senhor falou, já indo em direção ao filho para lhe cumprimentar.
— Hoje mesmo. Cheguei há pouco tempo. – Deu um abraço em seu pai e logo lembrou o porquê de ter voltado. Um semblante sério se formou em seu rosto e Hector percebeu. – Quando o senhor ia me contar que está recebendo ameaças? – Seu pai respirou fundo e retirou um dos grossos casacos que vestia, jogando o mesmo em cima do sofá, indo, logo após, em direção à uma mesinha na sala com várias bebidas e alguns copos. Pegou a garrafa de whisky e colocou uma pequena dose em dois copos, voltando ao filho e lhe entregando um.
— Eu não iria contar. Tinha esperanças de resolver antes de você voltar das férias. – Hector andou em direção ao sofá sentando-se nele. – Não é nada para se preocupar.
— Você está brincando, não é? – estava de fato, indignado. – Rowan me contou tudo o que aconteceu, pai. Não tente diminuir a gravidade disso.
— Não estou diminuindo a gravidade de nada. Só estou querendo dizer que já tenho tudo sob controle.
— Chegou a essa conclusão hoje? Antes ou depois de receber isso aqui? – retirou do bolso traseiro de sua calça um papel, um tanto quanto amassado, e estendeu em direção ao seu pai que, já imaginando do que se tratava, pegou-o de sua mão e deu uma rápida olhada para os escritos que continham ali, já sabendo de cor o que estava escrito, por tê-lo lido e relido várias vezes durante a tarde.
— Quando a Rowan te entregou isso?
— Assim que sai do aeroporto, fui no apartamento dela. – rumou em direção ao sofá em frente do qual seu pai estava, sentando-se ali. – Ela está apavorada, pai.
— E consequentemente te deixou apavorado também. Mas novamente, não tem com o que se preocupar. – Hector virou o resto do whisky em seu copo, sentindo o arder tão caraterístico em sua garganta. – De verdade, filho. São ameaças vazias. Ninguém nessa cidade teria coragem de me fazer alguma coisa.
Ele teria. – o olhou sério.
— Não é coisa do Falconne. – Hector respondeu, convicto.
— Você já deve imaginar que eu estou sabendo de tudo que o senhor tentou esconder de mim, não é? Inclusive da lista que interceptaram de um e-mail de um dos caras dele.
— Um e-mail que supomos ser de um dos caras dele. Não temos certeza.
— Pai, Félix Northen morreu semana passada e já sei que confirmaram ser obra dos Falcons. O nome dele está na lista. Seria muita coincidência não ter ligação, não acha? O senhor é um detetive bem melhor que eu, pai. Sabe que isso tem ligação, sim.
— Então nós vamos focar ainda mais na investigação contra ele. É assim que vamos resolver. Não criando um caos e dando palco para joguinhos ridículos. – Hector levantou, respirou fundo e fitou o filho, que ainda permanecia sentado. – Agora, eu preciso dormir. Hoje foi um dia cheio. Vá para o seu apartamento também, descanse. Fico esperando você na Scotland segunda. Tire o dia de hoje para colocar a cabeça no lugar.
— Eu não vou embora, pai. – também levantou, sinalizando com a cabeça para perto da porta, onde suas malas estavam. – Vou ficar aqui por um tempo, pelo menos até resolvermos isso.
, realmente não vejo necessidade....
— Não precisa gastar sua voz tentando me convencer do contrário, pai. Eu vou ficar. Não quero deixar o senhor sem proteção nenhuma em casa.
— Se é por isso eu posso pedir proteção, filho. Não quero incomodar e sei o quanto você desgosta de estar aqui no meio da confusão que é e Samantha.
— Eu não quero deixar o senhor sem a minha proteção, pai. Sou o melhor daquele departamento, depois do senhor, claro, e você sabe. Não confio em deixar sua segurança com aqueles policiais incompetentes. – Hector riu da fala do filho, modéstia nunca fora sua qualidade mais notável. – E eu posso suportar uns dias de drama se é para ter certeza de que o senhor está bem.
— Tudo bem então, como queira. Já sabe onde fica seu quarto. – acenou com a cabeça e Hector começou a se afastar. – Preciso realmente dormir agora. Nos vemos no almoço. – Mais uma vez acenou, e viu seu pai subindo escada a cima. Sentou novamente no sofá e pegou seu celular, assim que o visor acendeu, discou rapidamente os números que já sabia de cor e colocou o aparelho na orelha, aguardando. Não demorou muito para o “Alô” sonolento do outro lado da linha ser ouvido.
— Hunter, desculpa a hora. Sei que teríamos mais umas semanas de férias, mas surgiu uma coisa grande em Londres. Preciso da minha equipe. Preciso que acione todo mundo pra mim. Quero todos na Scotland segunda. Temos um peixe grande para pegar.


Capítulo 2

Dormir sempre fora algo sagrado para a garota. Sentia que era o único momento em que podia ficar em paz. Mas também, amava a noite. Gostava de olhar para a escuridão por se familiarizar com ela. Então, sempre trocava as noites pelos dias. Dormiria facilmente o dia todo se deixassem. E seu humor, que já não era dos melhores, se tornava ainda mais insuportável quando era acordada sem motivo. E para ela, o único motivo tinha nome, sobrenome e uma fama terrível: Frederick Falconne.
No entanto, naquela manhã, não fora o toque estridente de seu celular que a acordou. O aparelho, desta vez, nada tinha a ver com os barulhos irritantes que a acordaram. Batidas na porta. Eram esses os sons que tentava diminuir colocando o travesseiro em volta de sua cabeça. Porém, de nada adiantava. Quem quer fosse do outro lado estava disposto a acorda-la e, certamente, teria que lidar com as consequências de seu humor ácido pelo feito.
Bufou, jogando as cobertas pelos ares e levantando da cama impaciente. Não se importou com a roupa que vestia – ou que não vestia, no caso – e rumou com passos pesados até a porta abrindo-a num rompante. Do outro lado, uma Elena assustada estava encolhida já temendo pelos desaforos que teria que ouvir. No entanto, não lhe falou nada. Sabia que, se Elena estava ali, não era por vontade própria. Era uma funcionaria e obedecia a ordens.

— Desculpe lhe acordar, senhorita. – A mulher, baixinha e corpulenta de 40 e poucos anos, falou, com a voz baixa. – Sua mã... dona Samantha me pediu para acordá-la. O almoço será servido em breve.
— Bom, avise para ela que, como sempre, não vou me reunir à mesa para fazer parte de um teatro ridículo de família feliz. Tenha um bom dia, Elena. – Não esperou por respostas e fechou a porta em seguida. Já estava quase chegando em sua cama novamente quando as batidas na porta voltaram a acontecer. Estancou no lugar e respirou fundo algumas vezes, odiava soar grosseira com quem não merecia. E, para , naquela casa, Elena era uma das poucas pessoas que mereciam ser tratadas com respeito. As outras duas eram o motorista, Jasper, e a cozinheira, senhora Choi. Sendo assim, e sabendo que quem batia à porta era Elena, voltou os poucos passos que havia andado e com uma calma que não lhe pertencia, abriu a porta novamente.
— Desculpe novamente, senhorita. Mas dona Samantha exigiu que eu insistisse. E falou que se a senhorita insistisse em não descer, era para ir avisa-la pessoalmente.
— Tudo bem, então. – saiu para o corredor e Elena arregalou os olhos no mesmo instante.
— A senhorita vai descer a-assim? – Se atreveu a perguntar, se punindo na mesma hora, mentalmente, pela ousadia. Mas oras, a garota vestia somente uma camisola que mal cobria sua bunda. E era um tanto transparente!
— Vou sim, Elena.
— Não, não vai. – A voz que se sobressaiu não fora a de Elena e sim, de Samantha. Atraindo no mesmo instante a atenção de e Elena pra si. – Saia. – Falou para a empregada que, sem questionar, saiu em passos apressados para qualquer outro lugar longe o bastante da troca de tiros que aconteceria dali instantes.
— É, não vou. Já que está aqui me poupa o trabalho de descer até lá embaixo.

virou as costas e voltou para o quarto, fechando a porta atrás de si em um baque. No entanto, a mesma logo fora aberta por Samantha, que adentrou o cômodo e fechou a porta atrás de si, com calma. Fitou a filha parada no meio do quarto que retribuía seu olhar com o dobro de sentimentos negativos do que ela própria carregava nos seus. Não gostava de . Sequer suportava olhar para a garota. Mas era obrigada a suportar sua existência e ser lembrada todos os dias do quanto imbecil foi por ter dado à luz a ela. Se arrependia.
— Você vai colocar uma roupa decente e descer para o almoço. — sua voz não carregava nenhum sentimento sequer.
— Para quê, exatamente? Pra você entrar no seu papel de mamãe desprezada pela filha e passar de coitadinha na frente do seu amado marido? — riu da própria constatação. Samantha era inacreditável.
— Não exatamente. — ela começou, andando pelo quarto e indo em direção a penteadeira de , se inclinando em direção ao espelho e ajeitando alguns fios soltos de seu cabelo. — O também está aqui, então, vou precisar encenar na frente dele também. — sequer era capaz de pronunciar qualquer palavra. Quanto mais conhecia Samantha, mais a odiava. E odiava ainda mais o fato de que, ninguém além dela, lhe conhecia verdadeiramente.
— Eu não vou descer. — conseguiu pronunciar, apesar do nó que se formava em sua garganta.
— Olha , eu, de verdade, não queria ter que apelar para isso, mas você não me dá escolha. — Samantha rumou para mais perto da garota, parando a um passo de distância. se encolheu quando, com um desprezo no olhar, a mulher levou uma de suas mãos aos cabelos da garota passando a ponta dos dedos neles. E, quando ela começou a falar, o bolo em sua garganta aumentou e a cara de incredulidade que fez foi inevitável. Por mais que tivesse que lidar com a verdadeira face de Samantha todos os dias, não estava preparada para o que ouviu.
— Sabe o asilo onde seus avós estão e eu, encarecidamente, assumi os custos quando seu amado pai morreu? Seria uma pena se, infelizmente, eu cortasse esse pagamento, você não acha? — A mais velha fez um bico com os lábios, como se estivesse triste. nunca quis tanto pegar sua arma, que guardava em um fundo falso na sua gaveta de calcinhas, e meter uma bala no meio da cabeça de Samantha. Mas ao invés disso, deixou com que tudo que estava sentindo saísse em tom de espanto junto com sua voz quando pronunciou:
— SÃO SEUS PAIS!
— Deixaram de ser quando não me deram a vida que eu merecia. — a mulher se afastou, indo em direção à porta.
— Você está se ouvindo? – Samantha cada vez mais se mostrava ser uma pessoa horrível. E mesmo sabendo que só tendia a piorar, ficou complemente em choque com a frase proferida pela mulher.
— O importante é se você me ouviu. — Ela deu meia volta, e fitou novamente.
— Eu odeio você. — a mais nova falou, pausadamente e com a voz embargada. Não poderia chorar em frente de Samantha. Mas a dor que sentia em seu coração naquele momento, quase foi demais para que conseguisse se conter.
— Gostaria de dizer que é recíproco. Mas eu não me importo o suficiente para me permitir sentir qualquer coisa que seja por você. — Dito isso, ela virou novamente e caminhou em direção a porta. ficou parada, chocada demais para ter qualquer reação a princípio. O bolo em sua garganta se intensificou e a primeira lágrima desceu rolando por sua bochecha. Por mais que soubesse desde o princípio que Samantha nunca iria ter qualquer sentimento afetivo por ela, ouvir isso sair de sua boca com todas as letras esmagou tudo o que restava do coração da garota, que mesmo inconscientemente e nunca jamais admitindo, tinha esperanças de um dia poder ter uma relação que fosse no mínimo descente com a mulher. Antes de Samantha chegar à porta, no entanto, rumou em passos apressados até a penteadeira agarrando a primeira coisa que viu — um vidro de um perfume qualquer — e atacou na direção de Samantha, que somente parou de andar quando o vidro atingiu a parede à sua frente e se desfez em cacos no chão. Alguns segundos de silêncio se passaram. A mulher não havia esboçado nenhuma reação, como se estivesse esperando por alguma atitude da garota.
— Vou mandar a Elena vir limpar isso. — Voltou a andar, chegando finalmente na porta e abrindo-a com calma. — Desça em no máximo 5 minutos. — Foram as últimas palavras proferidas pela mulher antes de sair do quarto, deixando uma completamente desestruturada para trás.

🔥


Quando chegou à sala de jantar, onde todos já estavam devidamente sentados em seus devidos lugares, as vozes, devido a conversa paralela que estavam tendo, deu lugar ao silêncio instantâneo. E os olhares de todos os presentes se voltaram para a garota. não retribuíra nenhum, no entanto. Rumou para o lugar que estava reservado para você ao lado de Samantha, em silêncio.
— Fico feliz em ver você aqui, . — A voz que ecoou pelo ambiente silencioso fora a de Hector. se limitou a voltar seu olhar para o mais velho, não esboçando nenhuma reação ao seu comentário. Não gostava dele. Sentia que era sua culpa ela ter crescido sem sua mãe. Se bem que, conhecendo Samantha como conhece hoje, sabia que no fundo fora melhor.
Sentiu sua pele queimar sob a fina blusa preta que optou por usar. Samantha e Hector já haviam engatado em uma conversa qualquer e soube assim, que estava sendo alvo dos olhos raivosos de . E soube também, que era por culpa do silêncio que fez quando seu pai lhe dirigiu a palavra. Não o julgava por isso. Fora uma atitude mal-educada. E entendia que ele tomava as dores de seu pai para si. Ela também fazia isso quando o seu ainda era vivo.
Pensar no pai fez a ardência característica do choro ser sentida em seus olhos, mas tratou de pensar em qualquer outra coisa quando percebeu que estava prestes a chorar em meio a todos eles. Nunca se permitia mostrar fraqueza perante ninguém. E não seria hoje que aquilo iria mudar. Hector tentava, e ela achava sim ser de verdade, ter uma relação boa com ela. Ele não parecia ser um terço do que sua mãe era. Parecia ser um bom homem. Mas, por mais que quisesse o tratar melhor do que tratava, não conseguia ignorar o fato de ele ter sido o pivô da separação dos pais. O homem que tirou Samantha de sua vida.
Se já conhecesse como sua mãe era, iria ter lhe agradecido. Mas nunca soube de fato antes de viver com ela. E por todos os anos que passou chorando e sozinha sem o colo de uma mãe que ela achava ter, o sentimento ruim que carregava por ele era mais forte do que a vontade de fazer isso mudar. Com o tempo, talvez, ela conseguiria. Mas, sabia que isso demandaria tempo demais e sabia também, que não ficaria morando com eles mais tempo do que o necessário.
— Então, meu querido, por quanto tempo você vai ficar conosco? — Samantha perguntou para , que não estava com uma cara muito boa.
— Até resolvermos o assunto do papai.
— Que assunto? — ela perguntou, fitando o marido que estava olhando feio para , o repreendendo com o olhar.
— Nenhum, querida. É um caso em que estamos trabalhando. — iria começar a falar quando Elena e senhora Choi entraram com os pratos de comida.

Odiava ser servida. Parecia que não tinha capacidade de o fazer. Se sentia uma dondoca. E odiava se sentir uma dondoca. A comida posta em seu prato era diferente das demais refeições que foram devidamente colocadas em cada prato. Enquanto nos outros três havia uma gororoba estranha que ela não soube identificar, no seu havia um pedaço de lasanha de 4 queijos. Odiava comida de rico. Estava prestes a abrir a boca para agradecer senhora Choi — havia contado para a cozinheira uma vez qual sua comida preferida e, desde então, a senhora sempre fazia pelo menos uma vez na semana — quando ouviu a voz de Samantha ao seu lado e se segurou para não enfiar a faca, que já estava em sua mão, na jugular da mulher e vê-la sangrar.
— Pedi para Choi fazer seu prato preferido hoje. Por isso insisti que descesse para almoçar conosco. — a fitou e a mulher tinha um sorriso forçadamente gentil nos lábios. Falsa do caralho, foi o que pensou. No entanto, sua única reação foi rir ironicamente, negando com a cabeça. Samantha abaixou a cabeça e fitou sua comida, parecendo estar envergonhada de ter tentado um contato com a filha sabendo qual seria sua reação. Depois de uns segundos com o silêncio reinando novamente, ouviu bufar. Ele fazia isso sempre que estava na presença de . Ela tinha uma leve impressão que tirá-lo do sério era sua especialidade. Não se importava, no entanto. para si não significava nada.
— Será que é...
— Eu estou sofrendo ameaças. — Foi a voz de Hector que cortou a fala de . Certamente preferia ser alvo da atenção de todos os presentes antes de mais uma discussão se iniciar. Porque era o que iria conseguir ao tentar recriminar as atitudes de . Uma discussão generalizada e gritaria sem igual. Estava cansado disso todos os dias. — É esse o assunto que temos que resolver. vai ficar aqui até que consigamos achar quem está o fazendo.
— Como assim ameaças? — Samantha perguntou, com a voz levemente trêmula. — Você está sendo ameaçado e não me contou? Eu não acredito que não me contou, Hector . — a voz da mulher aumentava a cada palavra dita. — Eu vou tirar você da cidade! É isso. Da onde já se viu? Ameaças, Hector! Você está em perigo e não me contou! — até , que estava absorta demais saboreando sua lasanha, levantou seu olhar para cada um dos homens presentes querendo saber suas reações ao chilique que Samantha estava dando. fitava o pai, o julgando também por não ter dito nada a mulher. Hector, por sua vez, estava com os cotovelos apoiados na mesa e as mãos na cabeça. Com os dedos, massageava as têmporas. não pôde evitar rir da cena. Um riso contido, claro. E que ninguém percebeu.
— Por isso eu não contei. — O mais velho entre eles falou, pegando seu copo com suco e bebericando um gole.
— Mas nós já sabemos quem está por trás disso. Não vai demorar para isso acabar. — Hector rolou os olhos quando acabou de falar. Céus, seu filho era inacreditável.
— E quem é? — Samantha perguntou, sua voz ainda mais trêmula do que antes.
— Frederick Falconne. — nesse instante os olhos de correram para imediatamente, em sua testa, um grande ponto de interrogação em neon piscava e, se alguém estivesse prestando atenção na reação que teve, de fato notariam que ela fora exageradamente estranha.
— Nós não temos certeza, . Pare de afirmar isso sempre que tiver a oportunidade ou passara a acreditar somente nisso sem se abrir a outras possibilidades. E isso, no nosso trabalho, é um erro gravíssimo. — a voz de Hector estava impaciente.
— Pai, está mais do que óbvio! Felix Northen morreu. Nome dele em primeiro da lista. Obra dos Falcons. O seu nome está em quinto! Quinto, pai! Nós não temos tempo de criar mil e uma possibilidades e suspeitos diferentes! — A careta de estava pior agora. Ela era a responsável pela morte de Felix Northen. E não foi por uma lista idiota que ele morreu. O que estava acontecendo, afinal? Deixou sua comida de lado e passou a prestar mais atenção na conversa, mesmo que tentasse disfarçar ao máximo sua curiosidade.
— Você está sendo irresponsável.
— Que lista? Alguém pelo amor de deus me explica direito o que estava acontecendo! — Samantha estava chorando. Chorando! Céus, pelo visto, a simples possibilidade de perder seu banco particular era realmente assustadora para a mulher.
— Nós temos acesso a um endereço eletrônico possivelmente pertencente à um cara que trabalha para o Falconne. — Hector explicou, pacientemente. E antes que voltasse a falar, Hector o fez um sinal para que ficasse quieto. — Deste endereço, interceptamos uma suposta lista de possíveis futuras vítimas dele.
— Por que você é cheio de suposições e possivelmente’s enquanto seu filho tem tanta certeza? — Samantha novamente questionou. E Hector novamente interrompeu o filho antes deste começar a falar.
— Porque meu filho está cego de ódio, fato este que está o fazendo agir irracionalmente.
— Eu estou agindo com a razão, pai. Só quero que o senhor fique seguro. Só isso. E eu não estaria o culpando se não tivesse certeza de que estou certo!
— Estaria sim. Você quer colocá-lo atrás das grades desde que....
— Não, pai. Não precisa terminar a frase. — levantou da cadeira, e fitou seu pai. — Eu quero sim que ele pague pela morte da minha noiva. Mas não é por isso que defendo a culpa dele nas ameaças ao senhor. E muito obrigada por tocar nesse assunto. Com licença. — dito isso, o rapaz rumou para fora da sala e pode perceber o arrependimento imediato que Hector sentiu ao tocar no último assunto abordado. tinha uma noiva. Noiva que morreu por culpa de seu chefe. Havia recebido muitas informações para assimilar tão rapidamente. Precisava de ar. Se pôs de pé e rumou em direção ao seu quarto, sem ao menos se importar se Hector ou Samantha achariam sua atitude mal-educada. Precisava falar com Ander. Urgentemente.

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Lista? Que porra de lista? — Ander falava do outro lado da linha. Tão chocado quanto a garota por ouvir tal absurdo.
— Estranho, né? O e-mail é o que achei mais bizarro nisso tudo.
Nós não fazemos nada pela Internet! Isso está muito estranho, .
— Eu sei. Por isso vim com falar com você. — a garota estava jogada na cama enquanto falava com Ander pelo telefone celular.
O chefe do departamento de homicídios da Scotland sendo ameaçado pelo Falconne! — O garoto gargalhou. — Caralho, isso é muito surreal de se pensar. Desde quando o cara mata polícia?
— Hector não está certo de que é ele que está por trás disso. O filho que acha saber tudo é que está.
Bom, então vemos que o filho dele não procede a fama que tem.
tem uma história com o Falconne. Ele está convicto de que está certo e não parece que vai mudar de ideia. — se virou de barriga para baixo, estavam há tampo tempo em ligação que suas costas doíam.
Cara, eu desconfio do que isso possa significar.
— Que alguém está querendo comprar briga com o Falconne? — a garota chutou. Também havia pensado nisso.
Sim. E você sabe o que isso significa, não é? suspirou. E mais convicta do que nunca, respondeu:
Guerra.

Capítulo 3

Via os raios cortarem o céu e ouvia os sons dos trovões cada vez mais alto. Os ventos faziam-na se encolher sob o casaco, três vezes maior que ela, a fim de conter o frio que se fazia cada vez maior. Apressou os passos quando sentiu um pingo grosso de chuva cair sobre a pele exposta de sua mão. Nenhum barulho além do som dos trovões e da chuva que se iniciava podia ser ouvido naquela escura rua. Andava à passos largos pelo caminho já decorado. Não sabia se conseguiria chegar em casa antes da chuva despencar, mas tentaria. Apressou ainda mais os passos, estava quase correndo agora. Os pingos de chuva se intensificaram e um trovão mais alto que todos os outros cortou os céus no mesmo instante em que a garota esbarrou em um homem parado no meio da calçada. Ela se desculpou e passou por ele, mantendo seu caminho. No entanto, não andou mais cinco passos sequer antes de tudo ficar escuro e sua consciência lhe abandonar.

acordou com a respiração desregulada e olhos arregalados. O coração em seu peito batia acelerado e sentia leves tremores em suas mãos. Maldito pesadelo.
Demorou a perceber seu celular tocando. Mas quando o fez, tratou de logo atende-lo, sem antes checar quem era do outro lado. Se arrependeu no instante em que a voz grossa e impaciente de Frederick Falconne reverberou pelo aparelho.
— Essa é a segunda vez que eu estou ligando. Espero uma desculpa plausível para não ter atendido na primeira chamada. respirou fundo, ainda tentando normalizar sua respiração.
— Me desculpe. — sua voz saiu rouca e baixa — Eu estava dormindo.
— Eu ligo, você atende. Não me interessa o que esteja fazendo no momento. Espero que não se repita. Sou um homem ocupado e não disponho de tempo a perder.
— Sim, me desculpe.
— Ander me contou de uma lista de nomes que está em posse de seu padrasto e da Scotland. Eu quero que descubra todos os nomes que estão nela e me passe assim que conseguir. franziu o cenho e não conseguiu segurar sua língua dentro da boca quando questionou.
— É uma lista falsa com futuras vítimas falsas. Estão tentando te incriminar pelas ameaças feitas ao Hector . Por que te interessa quais os nomes que estão lá? — O silêncio que permeou por segundos do outro lado foram suficientes para se arrepender de questionar.
— E quando foi que eu passei a te dever satisfações, Lynx? engoliu em seco e estava pronta para se desculpar novamente, quando a voz de Falconne voltou a invadir seus ouvidos. — Não tenho tempo pra perder com você. Só faz o que eu mandei e faça o quanto antes. — A ligação foi desligada e se jogou na cama. Como diabos iria conseguir acesso a porra da lista não sabia, mas sabia que se não o fizesse teria que lidar com consequências severas e não estava nem um pouco afim de lidar com elas.

Gostava de banhos longos. Gostava de sentir a água quente queimando em sua pele. Gostava de se sentir limpa, de corpo e alma. Sabia que sua alma era tão suja quanto o chão de um banheiro de rodoviária, mas ali, debaixo da água que caia em jatos fortes, sentia como se todo o peso de ser quem era saísse de seus ombros. Ouvir sua consciência era uma coisa que a garota evitava, mas nesse momento, ela gritava tão alto contra o desperdício de água que foi impossível ignora-la. Desligou o chuveiro e saiu do box, sentindo na mesma hora o ar gélido lhe atingir. Ignorou o arrepio que passou por seu corpo e tratou de logo alcançar as duas toalhas que estavam dispostas ali, enrolando uma em sua cabeça e secando-se com a outra. Saiu do banheiro em passos apressados. Pegou seu celular que estava jogado em cima de sua cama e conferiu às horas. 21:45. Se xingou mentalmente por estar atrasada. Tinha um trabalho com Ander e haviam marcado às 22:00. Jogou o celular de volta à cama e logo tratou de se vestir. Optou por uma calça preta rasgada nos joelhos e uma blusa justa da mesma cor. Calçou seus coturnos também pretos e foi novamente em direção ao seu celular checar as horas mais uma vez. 21:50.
Largou novamente o aparelho e correu para o banheiro secar os cabelos, não que tenha se demorado tempo o suficiente nessa ação para de fato, secar bem os fios, mas deu uma tapeada os secando por cima.
Voltando ao quarto, foi na direção de sua gaveta de calcinhas, usando uma faca que sempre tinha disposta ali, para retirar o fundo falso e pegar seu revólver. Depois de conferir se estava travado e com munição, o prendeu com maestria no cós da parte traseira de sua calça. Rumou mais uma vez para seu armário de roupas e pegou uma jaqueta de couro, vestindo-se rapidamente. Passou em frente ao espelho parando diante dele e permitindo se analisar por breves segundos para checar se estava tudo ok, antes de pegar seu celular e sair do quarto.
A casa estava silenciosa.
Foi o que constatou assim que colocou os pés no corredor. Muito provavelmente não havia ninguém em casa e, se houvesse, estariam dormindo. Enquanto rumava em direção ao primeiro andar, mandou uma mensagem para Ander avisando que estava pronta e o esperando. Quando chegou no alto da escada, pode perceber uma movimentação na sala de estar. . Imerso demais em papéis jogados na mesinha de centro para percebe-la ali. E como em um estalo, a voz de Falconne durante a ligação de mais cedo lhe invadiu a mente. Ela desceu as escadas e parou quando chegou ao último degrau, ainda sem atrair a atenção do policial. Ela precisava bolar um jeito de conseguir os nomes que estavam na maldita lista. E só isso passava pela sua cabeça quando se viu andando na direção de . No entanto, quando chegou perto o suficiente para atrair a atenção do moreno, travou. O que falaria? O que pensou indo até ele? O homem a fitava com uma grande dúvida estampada em sua face. o fitava de volta, enquanto sua mente trabalhava em algo pra dizer.
— Quer alguma coisa? — quem falou. pareceu sair do transe em que se colocou e falou a primeira coisa que viera em sua mente.
— Eu sinto muito pelo seu pai.
— Não precisa fingir que se importa com ele.
— Eu não gosto do seu pai, mas não é por isso que quero vê-lo morto. — ergueu uma sobrancelha e a fitou com clara desconfiança. rolou os olhos. — Eu não sou um monstro, . Eu já senti o mesmo medo que está sentindo agora. Ou já se esqueceu? — não esperou por mais alguma interação. Girou nos calcanhares e começou a rumar em direção da porta. Mas parou assim que ouviu a voz de adentrar seus ouvidos novamente. Sua respiração falhou e seus olhos arregalaram levemente com o tom que o homem usou e pelas palavras que saíram de sua boca. Lembrou no mesmo instante da arma no cós de sua calça e sua espinha gelou.
— O que é isso, ? — A garota girou e o fitou. Sem deixar transparecer o nervosismo. Bom, pelo menos esperava que estivesse conseguindo.
— Isso o quê?
— Me dirigiu a palavra somente pra dizer que sente muito pelo meu pai? Sem xingamentos ou no intuito de me tirar do sério? — respirou aliviada no mesmo instante. Céus, se tivesse visto a arma, certamente teria problemas. Problemas que resolveria somente puxando o gatilho. E não estava a fim de mata-lo. Não hoje, pelo menos.
— A função de me tirar do sério é sua, detetive. mudou sua expressão para uma divertida assim que a garota terminou de falar. Mais uma vez ela rolou os olhos. Céus, homem insuportável. Porém, sua expressão de divertimento durou somente por breves segundos, até abaixar seu olhar e fitar um papel que tinha em mãos.
— Eu entendo que você ache saber o que estou sentindo no momento, mas... — Esticou o papel na direção da garota — O que eu sinto quando vejo o nome do meu pai nessa lista não é medo. É raiva, . A mais pura e genuína raiva. Eu não sinto medo de perder ele. Eu sinto medo do que eu vou fazer com quem está por trás disso se eu perder ele. — pegou o papel e quase sorriu quando percebeu do que se tratava. O celular de começou a tocar e ele pediu licença, saindo da sala e indo em direção a cozinha com o aparelho no ouvido. demorou a perceber e acreditar na sorte que estava tendo. Assim que se viu sozinha, rapidamente pegou seu celular e abriu na câmera, não se demorando em tirar uma foto do papel, no mesmo instante em que uma mensagem de Ander fora recebida.
Largou o papel em cima da mesinha e guardou o celular no bolso traseiro de sua calça, rumando em passos apressados até o lado de fora da casa.

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— Nós fomos rebaixados agora?
— É só uma cobrança, Lynx.
— Não precisa me chamar de Lynx ainda. Estamos só nós dois aqui.
— Estamos em missão. Seu codinome é Lynx. — bufou.
— Eu vou continuar te chamando de Ander até chegarmos lá.
— Tudo bem. Meu nome de bandido é feio mesmo. Mas o seu é legal. – riu. Conversas aleatórias e sem sentido faziam parte quando estava com Ander. Seguiram em discussão até chegarem no local de destino. Os olhos de brilharam no mesmo instante e Ander, ao seu lado, logo percebeu o entusiasmo que de repente tomou conta da amiga.
— Isso é o que eu ‘to pensando?
— Depende, se você está pensando que estamos em um racha do Dios de Las Cales, você está certa. – Ander respondeu enquanto estacionava seu carro.
— Espera... – a garota se virou de lado para fitar Ander no momento em que ouviu o nome que saiu de sua boca. – O Dios é o cara que viemos cobrar?
— Sim.
— Esse cara é uma lenda! As corridas que ele organiza são famosas por toda a Inglaterra! Se eu tiver que matar ele, vai ser uma pena.
— Não vamos precisar mata-lo. – Ander acendeu um cigarro e ofereceu um para , que aceitou. Deu uma tragada e fitou a garota, falando entes mesmo de soltar a fumaça: — Pelo menos, por enquanto, não.

O Rapaz com traços latinos observava a garota que invadira seu trailer e estava sentada em um pequeno sofá que ali se encontrava. Ela o olhava com diversão nos olhos, parecia estar se divertindo com a confusão estampada em sua cara. E de fato, estava. O moreno ainda não havia movido um musculo se quer desde que notara a presença da garota ali dentro. Não a conhecia de nenhum lugar, e estava com medo de perguntar. Muita gente o queria morto. Cogitou a possibilidade de a garota ser uma policial, muita gente o queria preso também, mas não. Ela era muito jovem, se tivesse vinte e dois anos já seria muito.
Engolindo em seco e respirando fundo, jogou para fora a primeira pergunta que conseguiu formular. E a mais importante, talvez.
— Q-Quem é você? – Não obteve resposta de imediato. No lugar, ganhou um rolar de olhos e uma bufada da garota, nitidamente frustrada.
— Vocês sempre fazem as perguntas erradas – Ela se levantou e foi na direção do homem, que ainda se encontrava parado do mesmo jeito, no mesmo lugar.
Quando estava a poucos centímetros de distância dele, se inclinou um pouco para então sussurrar em seu ouvido.
— Deveria perguntar para quem eu trabalho, docinho.

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estava, ainda, sentado no sofá da casa de seu pai – e, temporariamente sua – a fim de tentar achar algum lugar para começar suas buscas e provar para seu pai que estava certo. Dessa vez, sentia que iria colocar Falconne atrás das grades e não podia estar mais ansioso por isso. Estava tão entretido que não ouvira ou ao menos se atentara ao seu pai parado ao seu lado no sofá, em pé. Somente quando este pigarreou, chamando a atenção do filho, foi que ele percebera a presença do homem. Ainda estava chateado pelo o que acontecera no almoço, ele pôde perceber, mas, se sobrepondo a esse sentimento, estava a tristeza. percebeu assim que o fitou.
— Eu quero me desculpar pelo o que disse mais cedo. – O mais velho começou, sentando ao lado do filho. – E não tinha que ter citado...
— Tudo bem, pai. – o interrompeu. – Não precisa pedir desculpas. Só vai parar de doer se eu não parar de reagir da maneira que reagi hoje toda vez que esse assunto surgir.
— E eu concordo com isso. Mas, não tinha o direito. Eu sinto muito, de verdade. – o fitou.
— Eu sei, pai. – o mais novo lançou-lhe um sorriso gentil - Eu também quero pedir desculpas. Eu sei que estou agindo de uma forma completamente antiprofissional e correndo sério risco de cometer erros graves nessa investigação, porque estou completamente focado em colocar minhas mãos no Falconne. – suspirou e jogou as costas contra o sofá, levando ambas as mãos à cabeça e bagunçando os fios de seu cabelo – não que este fosse, de fato, arrumado. – Só que, de verdade pai, eu sinto que ele tem alguma coisa a ver com isso.
— Eu fico feliz de você admitir que corre risco de fazer merda por culpa de sua raiva. – Hector virou seu corpo de lado para observar seu filho. – Mas acho completamente compreensível que você sinta que alguma coisa, nisso tudo, tenha dedo dele. – o mais velho respirou fundo e direcionou seus olhos à mesa, onde os vários papeis que obtinham toda a atenção de instantes antes, estavam. Pegou a folha onde seu nome estava e a analisou por breves segundos. – Eu não entendo. Tem muitos nomes aqui, nenhum com ligação aparente. Tem criminosos procurados, donos de grandes empresas, que possuem ficha limpa, devo salientar... e bem, o meu. Não faz sentido!
— Você é o responsável pela divisão de homicídios da Scotland, pai. E também, quem coordena toda a operação de investigação conta ele. – comentou, pegando o papel das mãos de seu pai. – E isso já me parecem motivos os suficientes para que ele queira dar um fim no senhor.
— Pode ser. – Hector bufou. – Pode ser que você tenha razão. Mas eu preciso que você coloque na sua cabeça que você precisa ser mais cuidadoso com o que afirma e que precisa ser cem por cento profissional quanto à essa investigação. Ou...
— Ou o que, pai?
— Ou eu vou tirar você do caso antes mesmo de entrar, de fato, nele. – arregalou os olhos ao ouvir as palavras do pai. Céus! Entendia que apesar de ser seu pai, Hector também era seu chefe e precisava exigir dele o seu melhor sempre, mas apesar disso, sabia também, que mesmo do seu jeito torto de investigar, ele era o melhor daquele departamento. E sempre prendia o cara certo. Nunca, em anos de profissão, cometeu um erro que colocasse atrás das grades uma pessoa inocente. E não seria dessa vez que isso iria acontecer. Não conseguia entender, por mais que tentasse, as medidas extremas que seu pai estava disposto a tomar caso, segundo ele, não agisse com cem por cento de profissionalismo. Por Deus, nunca agira assim. Sempre investigou de um jeito torto, mas sempre concluíra seu trabalho com maestria. Pensou em questionar seu pai e rebater até conseguir tirar aquela ideia – que julgava maluca – de sua cabeça, mas não o fez. Sabia que, mesmo não demonstrando externamente, seu pai estava preocupado com sua própria segurança e sua cabeça, certamente, não estava em ordem. E também porque, já havia ficado um mal-estar entre os dois mais cedo e odiava ficar de bico com seu pai. Odiava. Aos poucos a expressão de incredulidade foi deixando seu rosto, e esta foi para o rosto de seu pai quando o mais novo acenou em concordância. – Você não vai questionar?
— Não, pai. Não vou. – o cenho de seu pai franziu ainda mais em desconfiança. – Eu não concordo, obviamente. E vou ficar muito puto se isso acontecer, mas vou dar meu melhor, como sempre, para poder investigar quem está ameaçando o senhor sem ser escondido e por baixo dos panos. – sorriu sem mostrar os dentes em direção de seu pai, este por outro lado, lhe lançou um olhar feio em resposta de sua gracinha. – Eu estou brincando, relaxa.

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dash;&m Eu não tenho esse dinheiro em mãos agora, ele tem que esperar. – estava nervoso, não sabia se sairia dali com vida, mas não tinha como fabricar o dinheiro e entregar para a moça, que ele descobriu que era ninguém menos que Lynx, a garota que amarrava as pontas soltas deixadas por Frederik Falconne, maldito Falconne. Já ouvira falar de Lynx e das coisas que ela já havia feito. Sabia que poderia levar uma bala na testa a qualquer momento, mas ele não tinha o dinheiro. Simplesmente não tinha.
— Esperar? – sorriu sem mostrar os dentes, brincava com uma caneta em cima da mesa – Digamos que Falconne não seja muito paciente.
— E o que você quer que eu faça? – O moreno falou levantando a voz, parou de brincar com a caneta e o olhou. Ele tinha mesmo gritado com ela?
— Primeiro eu quero que pense duas vezes antes de levantar a voz pra mim – Ela se levantou da cadeira e rumou em sua direção, o homem sentiu uma gota de suor escorrer por seu rosto, estava morto, de fato, estava morto. – Segundo, se ousar fazer isso de novo mesmo depois de pensar as duas vezes, é melhor que esteja pronto pra dizer adeus ao que carrega no meio das pernas. – levou uma das mãos até o cós da calça do moreno, agarrando ali e se aproximando ainda mais dele. Pode observar o homem engolindo em seco e deu uma risadinha com aquilo. - Terceiro, eu posso te dar até amanhã à noite para conseguir esse dinheiro. Nem um minuto a mais. – Virou as costas e rumou em direção a porta do trailer, mas antes de sair se virou para o homem novamente. – E nem pense em fugir, porque eu vou atrás de você. E quando eu te achar, porque eu vou achar, pode se considerar um homem morto. – Sem esperar respostas, saiu do trailer rumando em direção ao carro. Ander a seguiu, sem contestar.
Tinha conseguido ouvir a última parte da conversa pelo fato das vozes lá dentro estarem levemente alteradas.
— Espera! – O tal Dios apareceu ofegante, antes que pudessem entrar no carro. – Eu preciso que espere até domingo. – o fitou com os olhos semicerrados, qual a parte do nenhum minuto a mais ele não havia entendido?
— Eu acho que fui bem clara lá dentro.
— Eu não consigo esse dinheiro até amanhã à noite. Tem uma corrida amanhã, e outra no domingo. Com o dinheiro das duas eu consigo pagar a minha dívida. Eu preciso que espere. – bufou, mas não via alternativas a não ser esperar. Falconne poderia não ficar feliz com isso, e ela sabia. Mas sabia também que não era mais quem cobrava dívidas fazia tempo. Ela era da limpeza. O que fazia de melhor era matar quem Falconne queria morto, o que não era o caso de Dios. Então, foda-se.
— Nos vemos no domingo. – Foram as últimas palavras que proferiu antes de entrar no carro, juntamente de Ander, e dar o fora daquele lugar.

Capítulo 4

Domingos eram melancólicos e tristes. Odiava domingos. Lembrava de seu pai, de quando a vida ainda era boa, de quando não era uma fodida de merda. De quando ainda tinha algum motivo para viver. Não tinha mais. Sentia que ainda estava nesse mundo por ter contas a pagar. Por ser uma péssima pessoa. Pessoas ruins nunca morrem antes de acertarem as contas nessa terra de merda. Pelo menos era o que seu pai falava. Céus, sentia tanta falta dele. Dos abraços do nada, dos “eu te amo, pai” e “amo você, minha filha”. Dos carinhos, dos momentos juntos, das séries que assistiam juntos, dos passeios... Nunca superaria sua morte. Nunca. Quis ir junto com ele no momento que soube, não queria viver sem ele. Sentia seu coração despedaçado, quebrado em mil pedaços e sabia que nunca o concertaria. A que existia antes de seu pai falecer, jamais voltaria a existir. Ele a mantinha com os pés no chão. Veja bem, já trabalhava para Falconne há algum tempo, mas sempre fora muito cuidadosa com tudo que fazia. Só de imaginar o desgosto de seu pai se descobrisse com o que estava metida, lhe apertava o peito de forma que a deixava sufocada. Depois que ele se foi, não via mais motivos para ser cuidadosa. Operava sem controle e sem o mínimo medo de ser presa ou morta. O que para ela era até divertido. Mas para Falconne, demasiado trabalhoso. As vezes pensava que se conseguisse irritar o velho o bastante, ele mesmo lhe mataria e acabaria com o martírio que era para ela estar viva. Já havia tentado acabar com isso por conta própria, mas aparentemente, nem controle sobre a própria vida ela tinha mais. Médicos idiotas.

Fora tirada de seus devaneios por seu celular tocando indicando uma nova mensagem.

“pode sair do condomínio, chego aí em 15”

Havia até se esquecido do compromisso que tinha. Levantou da cama e rumou porta afora. Estava quase no fim da escada para o primeiro andar quando deu de cara com , com uma expressão feliz demais no rosto, o que não era normal. O normal de era estar sério, sempre. Como se sorrir lhe causasse dor.
— Normalmente essa é a hora em que as pessoas chegam em casa, não saem. - Odiava . Era enxerido demais em suas coisas e estava lhe sugando a paciência que ainda tinha. Pensou por um momento como teria sido se tivesse de fato visto sua arma na sexta-feira à noite e ela tivesse que, de fato, lhe dar um tiro na cabeça. Permitiu que a imagem do homem esticado no chão em uma poça de sangue lhe invadisse a mente, e não pôde evitar um sorriso. - Olha, ela sorri.
— Porque não vai a merda, ?
— Estou de muito bom humor para isso. - Respondeu ele alargando ainda mais o sorriso.
— Você de bom humor? Isso é raro, Detetive. Transou? - Alfinetou e a risada do homem chegou aos seus ouvidos, de novo. - Risos e mais sorrisos. Odioso.
— Entendo que é difícil sorrir dentro dessa casa, não é, , ainda mais com você tornando nossa convivência tão tranquila.
— Eu concordo, mas no seu caso, é só ir embora. Olha a porta ali – aprontou para a enorme porta branca à sua frente. - É bem grande, acho que você consegue achar. - Mais uma risada de . Rolou os olhos e lhe deus as costas. não falou mais nada, pegou o controle da enorme TV e a ligou. Sentia que os dias que passaria nessa casa serviriam como um teste para sua paciência. não era fácil, mas teria que engoli-lo. Por bem, ou por mal.

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Adorava o som dos carros acelerando. Adorava a adrenalina de uma corrida de carros e adorava ainda mais quando era ela que estava no volante. Trocava as marchas com uma maestria de causar inveja. Cada marcha trocada, cada curva acentuada, cada novo décimo que o velocímetro subia, a fazia sentir mais viva. Ali, dentro de um carro, acelerando e abandonando seu oponente às suas costas comendo poeira, se sentia indestrutível. A chegada também tinha seu potencial, pessoas que não a conheciam venerando e aplaudindo, lhe tecendo elogios... Poderia facilmente fazer isso todo dia. Devolveu a chave do carro para Ander assim que se desvencilhou da muvuca de pessoas.
— Se o Falconne souber que você entrou em um carro no banco de motorista ele me mata. - O ouviu falar assim que se aproximou.
— Será o nosso segredinho. - Lhe direcionou uma piscadinha.
— Nossa, passo uma semana longe e vocês já tem segredinhos? - Uma voz feminina e conhecida falou atrás dos dois, que se viraram de imediato vendo Celeste ali. A ruiva era a única amiga que tinha, a conheceu quando começou a trabalhar para Falconne.
lhe deu um abraço e Ander a cumprimentou de longe, com um aceno. Acho bom pontuar que a ruiva era além de amiga, ex-namorada de Ander. Eram obrigados a trabalhar juntos, mas o garoto não conseguia superar a mágoa de ter sido abandonado. Tentavam ter uma boa convivência, mas era difícil. Ander era difícil e Celeste era complicada. Não entravam em consenso quanto a conduta com também, ambos tinham ordens para ficar de olho nela devidos aos acontecimentos de meses atrás, mas cada um queria fazer do seu jeito. O que sempre ocasionava discussões e brigas sobre , que levavam por fim, a brigas sobre o passado dos dois. Eram raras as ocasiões em que não havia bate-boca entre eles. detestava, mas eram a única família que tinha e, quando as coisas ficavam muito feias, ela sempre tentava apaziguar. Não queria perder nenhum dos dois e temia que sempre depois de uma briga feia, um deles fosse sumir. Não gostava nem de imaginar o que faria se não os tivesse consigo.
— Como sabia onde estaríamos? - Perguntou Ander, olhando para qualquer lugar, menos para a ruiva.
— Me informei com a Sky. Cheguei de Nova Iorque agora a pouco e não tinha nada para fazer.
— Falconne sabe que está aqui?
— Ele tem que saber de tudo, Ander? - Perguntou a ruiva. já via as faíscas. Céus, Celeste acabara de chegar não tem nem dois minutos.
— Quando se trata de alguma missão, sim. Ele tem. Não estamos aqui à toa, Viper. E aqui, você me chama de Mouse. - Celeste rolou os olhos e estava pronta para rebater quando interviu. Era muito cedo para brigas.
— Vamos logo fazer o que viemos fazer, antes que os dois me estressem.

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O som da música alta e dos carros eram abafados pelas paredes do trailer. estava sentada em uma cadeira da pequena mesa disposta no lugar enquanto esperava pacientemente Dios contar as cédulas de dinheiro para lhe entregar. O pequeno ambiente contava com tudo que fosse necessário para uma pessoa morar nele. Tinha cozinha, mesa de jantar, banheiro e até uma cama nos fundos. Pequenas janelas eram dispostas pelo lugar, e foi por uma dessas janelas que teve a visão de uma pessoa que, nem em um milhão de anos, cogitaria ver ali. Sua cabeça trabalhou rápido e quando viu, estava de pé prensando um Dios com olhos arregalados e completamente assustado contra uma parede. Sua arma estava em punho já apontada para a cabeça do homem.
— Mas o que...
— ARMOU PRA GENTE? - Os olhos do pobre coitado dobraram de tamanho, se é que era possível.
— O que?
— Eu perguntei se foi burro o suficiente pra armar pra gente, porra! - Celeste e Ander adentraram o trailer no momento em que ouviram a voz de gritar.
— Que merda tá acontecendo?
— Eu acho que esse merdinha armou pra gente, Mouse, é isso que tá acontecendo!
— Eu não sei do que caralhos você ‘tá falando, porra! - apertou ainda mais a arma contra a cabeça do homem. - Eu juro que eu não sei! - Nesse momento viu lágrimas se acumulando nos olhos arregalados.
— Lynx, o que você viu?
— Tem polícia aqui, Viper. - Se afastou de Dios e rumou até a porta que estava aberta, fechando-a num rompante.
— Eu juro que não armei pra ninguém! - Ander lhe encarava de forma mortal.
— Eu vi dois policiais da Scotland ali fora, fala a verdade antes que eu perca a porra da minha paciência. - Rumou novamente em direção ao homem que se encolheu como um animal indefeso.
— Eles devem estar atrás de mim! Dá última vez que organizei uma corrida na porra da terra da rainha eles quase me pegaram, eu ‘to jurado, acreditem em mim. Eu não seria tão idiota de armar pra vocês.
— A terra é do Rei agora. - A voz de Celeste se sobressaiu, atraindo os olhares dos presentes. Ander e lhe fitaram com a mesma cara de “É sério, porra?”. Celeste deu de ombros.
— Bom, se eles estão aqui pra isso, fico feliz em dizer que é a sua noite de sorte. Veio pra cá como, Viper? - A ruiva lhe fitou com as sobrancelhas franzidas em clara confusão.
— De taxi. - sorriu.
— Que merda você quer fazer Lynx? Pega esse dinheiro e vamos embora. - Ander já abria a mochila e colocava todo o dinheiro que estava em cima da mesa dentro dela.
— Não podemos simplesmente ir embora, eles devem ter feito uma emboscada pra pegarem o Dios. Devem ter carro por todo o lado. - espiava pela fresta da janela. estava ali. Junto com seu fiel escudeiro, Hunter. Tentavam se infiltrar pra não chamar atenção. Mas a todo momento falava algo em algum aparelho que tinha em mãos, e seus olhos estavam bons o suficiente para perceber que a porra de walkie talkie? Estavam em 2023! Que velharia.
— O que quer fazer? - Celeste perguntou para , mas quem respondeu foi Ander.
— Nós vamos pegar a porra do carro e vazar, não precisamos chamar a atenção da Scotland pra nós.
— Tem razão, Mouse. Não precisamos. - estava com determinação no olhar quando ficou de frente para Dios e lhe fitou. - Preciso de um carro.

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— Essa é uma péssima ideia!
— Você já falou isso dez vezes nos últimos cinco minutos, A...Mouse. - Celeste bufou.
— Pega isso – Disse entregando sua arma e celular para Viper. - Não parem essas merdas de carros, sumam com o Dios e não olhem pra trás. Se é como eu estou pensando vai ter muito policial e vai ser um caos, então, acelera essa merda Mouse.
— Você é inacreditável, de verdade. - Disse Ander entrando no carro, que era de Dios, mas que ele pilotaria. Nesse momento, puderam ouvir três disparos de arma e uma voz feminina gritando “polícia”. Era o sinal. Dios veio correndo sei lá de onde e entregou uma chave para .
— É o verde.
— Provavelmente ele vai ser apreendido. - Alertou a garota.
— Que se foda, antes ele do que eu. - Dios entrou no carro com Ander e Celeste embarcou no carro de Ander, que estava bem perto. Gritaria e caos se formaram enquanto todos os presentes aceleravam seus carros para longe. Sendo fechados por todos os lados por carros de polícia e sirenes. De onde haviam saído não saberia dizer, mas como imaginava, era um cerco. Correu para trás do trailer onde três carros estavam estacionados. Todos que Dios alugava para quem queria correr e não tinha com o que. não poderia negar que ele sabia fazer dinheiro. Entrou no verde, não demorando a sair dali. Em fila, Ander, Celeste e aceleraram se misturando a muvuca de carros.
Conforme o plano, que haviam bolado muito rápido, logo avistaram o carro de no meio da bagunça. Ander fez questão de passar devagar em sua frente, e como havia previsto, ele acelerou logo atrás. Sabiam qual era o carro do Dios. Bingo.
Celeste colou atrás de com em seu encalço.
Sendo guiado por Dios, Ander acelerou por meio dos carros e conseguiu seguir para fora do amontoado de veículos. Seguiram em perseguição por uma estrada deserta somente com a luz dos faróis iluminando o caminho. Quando Ander piscou os faróis traseiros e aumentou consideravelmente a velocidade, Celeste acelerou e embicou o carro na frente do de , abriram vantagem e foi logo atrás, a tentou fechar, sem sucesso. Agora, era no carro dela que estava colado. Seguiram por um longo caminho, pelo retrovisor, viu as luzes vermelhas e azuis de outros carros da polícia se aproximando. Haviam chamado reforço. As coisas estavam indo melhor do que tinha imaginado.
Feito mágica, Ander sumiu ao virar uma curva e Celeste, logo atrás dele, fez o mesmo. , no entanto, puxou o freio de mão, freando e virando o volante, fazendo um cavalo de pau perfeito, servindo de barreira para a rua onde Ander entrou. Seu coração batia acelerado no peito devido a adrenalina. Ouviu os carros freando bruscamente. Havia pelo menos quatro carros, com faróis apontados em sua direção. Um deles era de . Graças a película extremamente preta, não conseguiam ver seu rosto, e se vissem, se espantariam ao ver uma garota rindo atrás do volante. não sabia por que estava rindo, sabia que iria se foder, mas estava em um estado entorpecente. Havia frustrado os planos de . Só esperava ter herdado os excelentes genes de atriz que sua mãe possuía para se livrar dessa.
— Saia do carro com as mãos para cima! - . Sua voz adentrou seus ouvidos, alta, potente e zangada. não havia movido um músculo sequer. Queria irritá-lo mais um pouco. - Sai da merda desse carro agora, porra! - Porra. Ele sabe xingar. Um arrepio subiu por sua espinha quando levou uma de suas mãos até a porta, abrindo-a, devagar. Saiu do carro com as mãos para cima, de costas para os policiais.
— Vira, devagar. - Mais um comando de . Autoritário, grave. Sentiu mais um arrepio. Conforme foi se virando, sua expressão antes atrevida, mudou para assustada e inocente. - Nem ferrando! - estava prestes a surtar. Hunter do seu lado lhe encarrava em completo choque. Os demais policiais se entreolhavam sem saber o que fazer com as armas apontadas para .
— Abaixem as armas! - A voz que soou agora foi a de Hunter.
— Não abaixem merda nenhuma! - Mais uma vez, .
a menina ‘ta apavorada, não precisa disso.
— Cala a boca Hunter. - Bradou o moreno dando alguns passos na direção de , que ainda estava com mãos acima da cabeça.
— Que merda foi essa ? - sua voz estava rouca. Mais rouca que o normal. acabara de perceber que gostara desse tom.
— E-eu só estava correndo! Me apavorei quando ouvi os tiros, eu não vi que era a polícia!
— As porras das sirenes não te deram um sinal de que era a polícia, ? - ela se encolheu. - Abaixa a porra dos braços. - obedeceu.
— Eu só percebi agora, por isso parei!
— Algema ela. - Seus olhos arregalaram. O comando era para Hunter.
— Não vou fazer isso, . Não há necessidade.
— Eu mandei você algemar ela, cacete.
— E eu falei que não vou fazer!
— Não é pra tanto, . É só uma corrida de rua, vai me prender por isso? - usava a expressão mais inocente que conseguia.
— Tudo bem, faço eu mesmo. - Deu mais alguns passos se aproximando mais ainda de . - Se você quer agir como marginal participando dessas merdas de corridas ilegais, vai ser tratada como a porra de uma marginal. - A única coisa que os separava agora era a porta do carro ainda aberta. a fechou num rompante, fazendo dar um leve pulinho pelo susto.
— Vira de costas. - O moreno pediu e ali, frente a frente, não pode deixar de provocar mais um pouco.
— Não. - Faíscas saia de seus olhos. Se falasse que não estava gostando daquilo, mentiria.
— Vira de costas, . - Pelo tom de voz percebeu a paciência do moreno se esvaindo.
— É assim que trata os marginais? - A frase foi o estopim para algo que nunca vira antes nos olhos de , se acender.
— Não. É assim. - Tudo acontecera muito rápido, sentiu o aperto de em seu braço e logo depois fora virada de costas e se viu prensada com os peitos e barriga contra a lataria do carro, sentindo em suas costas algemando seus pulsos. Nunca vira esse , e jamais admitiria nem para si mesma que sentiu algo em seu ventre pulsar o vendo agir daquele jeito a segurando firme, forte e bruto. Ficou tão aérea, tentando entender a coceirinha que surgiu no meio das pernas, que só se deixou ser levada para o carro de sem lutar contra.
— Hunter, leva o carro dela pro pátio. Vocês - apontou para os demais policiais - Entrem naquela merda de estrada e achem aquele filho da puta! - Abriu a porta de seu carro jogando no banco do carona como se fosse uma boneca. - E você, , espero que esteja pronta para um interrogatório.


Continua...



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