Negócios Escusos


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Última atualização: 07/03/2024

Capítulo 1

“They say it’s good to start the story with a tragedy.”
(Fistfight – The Ballroom Thieves)

O céu estava exatamente como você poderia esperar de um dia de Outono em Chicago: as nuvens escuras e a garoa incessante combinavam perfeitamente com o cenário em que se encontravam: um cemitério. estendeu a mão e a entrelaçou com a de , tentando lhe passar confiança, ela sabia o quanto ele precisava dela nesse momento. aceitou a sua mão, a segurando com mais força do que o comum, mas seus olhos continuavam distantes, avistando ao longe sua família e amigos em volta do caixão sendo enterrado, e um gosto amargo se apossou de sua boca. Ele conseguia distinguir a figura de sua irmã mais nova, Gabrielle, abraçando sua mãe com força, enquanto a segunda se debulhava em lágrimas. sabia que deveria estar lá com elas, mas ele simplesmente não conseguia reunir forças o suficiente para se mover do lugar. compreendia, ela já estivera na mesma situação do amigo e sabia o quão difícil era enfrentar sorrisos falsos e frases vazia de apoio que em nada ajudavam. Ela olhou uma vez mais para fora, ouvindo as gotas batendo no teto do seu Porsche 911, e assim que notou a famiglia se dissipando, voltou seu olhar ao amigo.
— Só mais um minuto. — O ouviu falar com dificuldade, a voz embargada pela vontade de chorar reprimida. O silêncio reinou novamente, e estava tudo bem, pois apesar da falta de palavras, eles entendiam um ao outro, e jamais estiveram tão conectados quanto naquele instante, em que ambos entendiam a dor da perda.
Quando o murmúrio de vozes se fez distante e já não havia mais ninguém como testemunha, saiu do carro e caminhou em passos decididos até o túmulo do seu pai. se manteve distante, lhe dando espaço para se despedir, saiu do carro e se sentou no capô, percebendo que já não garoava mais. Sua mão coçava com a necessidade de acender um cigarro e foi exatamente o que fez, levando-o aos lábios pintados de vermelho e tragando como se ele fosse a solução para seus problemas. De longe, olhou para a figura do amigo e se perguntou o quanto a morte de Giuseppe afetaria a famiglia, e acreditava que não gostaria da resposta.
se aproximou algum tempo depois, as mãos nos bolsos, os ombros encurvados com um peso invisível, e seus olhos não encontraram os de quando falou:
— Você tem ideia do quão... — ele pausou, tentando organizar seus pensamentos, sua voz mais aguda do que o normal — do quão difícil é aceitar que ele se foi, sabendo que não era a hora dele? Sabendo que um verme desgraçado fez isso? Sabendo que foi traição?
Ao fim do discurso, seus olhos encontraram os de , ela conseguia ver a fúria neles, uma raiva alarmante que não era comum em sua feição normalmente branda.
— Nós vamos encontrar o culpado, e eu juro que ele vai pagar pelo que ele fez — falou com convicção, ela jamais descansaria enquanto não encontrasse o responsável pela morte de Giuseppe. riu com escárnio, uma risada que desfigurou seu rosto normalmente amigável, uma risada que não se encaixava nas feições do amigo. o olhou, preocupada.
— Nós sabemos exatamente quem foi, . — Ele se aproximou, os olhos fixos nos dela, e ela entendeu o que ele quis dizer, o nome pairando invisível no ar.
não tem nada a ver com isso — disse por entre os dentes, se sobressaltando ao ver o olhar de repulsa que lhe lançava.
— Mas é claro que você vai defender seu queridinho... pelo visto a foda foi tão boa que você já se esqueceu até dos seus próprios princípios, né? Talvez você seja mesmo filha do seu p... — A fala foi interrompida pelo tapa que lhe deu, seu olhar também carregado de raiva. voltou seu olhar para a amiga novamente, limpou o sangue que se formou no canto dos lábios enquanto o olhar abrandou um pouco.
— Não se atreva a terminar essa frase, , ou eu juro por Deus que... — As palavras morreram quando notou que a raiva no olhar do amigo se dissipava e dava lugar à dor. Ela suspirou, se aproximando do amigo e acariciando seu rosto, vendo uma lágrima traiçoeira escorrer de seus olhos.
— Me desculpa, desculpa, eu só... — Antes que ele terminasse de falar suas mãos envolveram a cintura de em um abraço e seu rosto se afundou no ombro de sua melhor amiga, enquanto seu corpo convulsionava em soluços. o abraçou de volta, com toda a força e amor que conseguia reunir em seu peito.
— Shh...tudo bem, vai ficar tudo bem. — se apegou à essas palavras, tentando se convencer de que tudo, de fato, ficaria bem. E, enquanto seus braços envolviam o corpo de e o cheiro dela era tudo que conseguia sentir, tudo parecia realmente estar bem.
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Ambos estavam novamente no carro, em silêncio. dirigia mais rápido do que seria prudente, especialmente agora que a garoa se tornara uma chuva forte e constante, mas não conseguia prestar atenção nisso, seus olhos estavam fechados e sua mente se perdia entre a preocupação pela mãe e as lembranças do pai. Apesar da velocidade em que dirigia, não estava ansiosa para chegar ao seu destino: a mansão dos Pellegrini.
A mansão dos Pellegrini era um monumento digno dos filmes de Hollywood, tão massiva que, mesmo sendo um tanto afastada do centro da cidade, podia ser vista a quilômetros de distância. dirigiu um pouco mais devagar ao chegar no portão principal, mas não precisou parar para se apresentar aos guardas que protegiam a entrada, aquela havia sido sua casa por anos após a morte de sua mãe; e tinha um rosto e um temperamento difíceis de se esquecer.
Havia carros de luxo estacionados por todos os lados, evidenciando a importância do evento ocorrido. Giuseppe era o tesoureiro da famiglia, sua morte certamente traria consequências desagradáveis à família e seus sócios, diretos ou não. estacionou seu Porsche próximo da saída da ala leste, não pretendia ficar mais tempo do que estritamente necessário e não gostaria de perder tempo com encontros casuais no meio do caminho.
foi a primeira a sair do carro, sendo seguida por , que ainda se encontrava perdido em seus próprios pensamentos. Ele ainda não se sentia preparado para enfrentar os sorrisos falsos dos supostos amigos de seu pai, e ainda temia as consequências que a morte dele traria para sua família. Eles caminharam juntos até a entrada da casa e acendeu outro cigarro para acalmar seus nervos, sabia o que e quem encontraria quando entrasse na propriedade.
Assim que chegaram na porta de entrada, foi arrastado por sua irmã, Gabrielle, que precisava da sua ajuda para acalmar a mãe. paralisou ao se ver sozinha, contemplando se conseguiria manter a paz de espírito e o autocontrole quando se visse em meio aos lobos e cobras que havia lá dentro. Com um último trago e um último suspiro, se livrou do cigarro na lixeira mais próxima e adentrou o hall. Em menos de cinco minutos, se sentia em estado de alerta, observando as pessoas vestidas como se fossem à uma festa exclusiva, contrastando com seu jeans preto e jaqueta de couro, mas deu de ombros e continuou sua caminhada, seguindo direto para a sala de estar, sabendo exatamente do que precisava para acalmar seus ânimos.
O bar na sala de estar constava com a presença de um barman que se ocupava em preparar as bebidas para os convidados, mas dispensou sua ajuda, ignorando os protestos do rapaz enquanto o contornava e se servia de uma dose generosa de whiskey, virando tudo em um só gole e servindo uma nova dose imediatamente. não havia reparado ao redor, tão focada estava em sua busca, mas um par de olhos a seguia fixamente desde que entrara no recinto, olhos que pertenciam a um belo rapaz de sorriso leve e despreocupado, o qual se aproximou sorrateiramente de .
— Cuidado, se você se embebedar na frente de toda essa gente, talvez eu tenha que cuidar de você. — A voz aveludada atingiu em cheio, e demorou alguns segundos para que ela pudesse esboçar a reação que causou comoção nas pessoas à sua volta, embora tenha apenas sorrido largamente ao sentir o whiskey molhar seu rosto e sua camisa Armani. — Vejo que continua a mesma gata selvagem que sempre adorei — disse o rapaz, não resistindo a estender a mão e tocar em uma mecha de cabelo que cobria os olhos da garota, sentia falta do toque sedoso dos seus cabelos e de seu olhar penetrante.
— E você continua um idiota como sempre — replicou , dando um tapa na mão do rapaz e se afastando apressadamente, levando a garrafa de whiskey consigo e maldizendo o universo por ter sido forçada a ficar tão próxima do rapaz novamente; seu coração palpitava apressado e suas mãos tremiam o suficiente para fazê-la ter vontade de fumar de novo. Andando a passos largos, logo se enfiou em um dos quartos de limpeza da mansão, fechando a porta e voltando a respirar profundamente. — Merda — xingou baixinho ao perceber que, por mais que os anos passassem, ainda a afetava como ninguém.
tomou um longo gole da garrafa, sentindo a queimação na garganta ajudar a acalmar seus nervos, pois era exatamente disso que precisava: amortecer seus sentimentos e enterrá-los bem fundo para manter a fachada dura e distante que construíra ao longo dos anos, sabia que só assim sobreviveria a mais um incontro di famiglia.


Capítulo 2

“Every single one’s got a story to tell”. (Seven Nation Army – The White Stripes)
se olhou no espelho do lavabo, prestando atenção no maxilar travado que denunciava seu estresse. Jogou água no rosto e se permitiu respirar fundo uma vez mais, organizando seus pensamentos e tentando ignorar as memórias que invadiam sua mente.
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Flashback on (’s POV)
Corri portão adentro como se minha vida dependesse disso, apressada demais para me preocupar em respirar como um ser humano normal. Hoje era o último das férias de e eu teria que esperar até o próximo verão para encontrá-lo novamente. A saudade já começava a comprimir meu peito, mas eu não pensaria nisso, ao menos não agora. Um riso escapou meus lábios quando toquei o relicário em meu bolso, sabendo que havia arriscado demais invadindo a casa de Luigi para “roubá-lo”. Não era como se tivesse alguma serventia para ele e eu tinha certeza que minha mãe iria querer que eu o pegasse, ela sempre dizia que um dia ele seria meu.
Passei pela porta do hall de entrada e continuei correndo, dessa vez escada acima, em direção ao quarto de hóspedes onde ele deveria estar. Entrei sem bater, sem me preocupar com formalidades bobas, e meus olhos quase saltaram para fora ao notar somente com uma toalha enrolada em sua cintura. Ao me ver, o sorriso largo e maroto de costume brotou em seu rosto e ele caminhou em minha direção.
— Está tentando tirar minha inocência? — Abaixei os olhos, sentindo minhas bochechas esquentarem de vergonha ao senti-lo se aproximar cada vez mais. Sua mão direita segurou meu queixo, me forçando a olhar em seus olhos. — Tudo bem, eu deixo — disse, com uma piscada de olho, aproximando o rosto do meu e selando nossos lábios em um beijo suave.
— Tenho algo para você — falei por entre o beijo, a ansiedade sendo maior que a vontade de agarrá-lo. Ele se afastou um pouco, levando as mãos à minha cintura e arqueando a sobrancelha em questionamento. — Um presente de despedida.
— Me seduzindo com presentes? Eu gosto — disse, me arrastando consigo em direção à cama, mas modifiquei nossa trajetória no meio do caminho, sabendo muito bem que a cama me faria perder o foco rápido demais. O empurrei na poltrona de veludo verde no canto esquerdo do quarto e apreciei a visão do cabelo ainda úmido do banho caindo sobre seus olhos , que me olhavam com um fascínio que deveria ser muito parecido com o meu por ele. Me lancei sobre seu colo, colando nossos lábios em um beijo apaixonado, tentando memorizar cada aspecto dos seus lábios colados aos meus, cada sensação que eu sentia com seu corpo tão próximo, seu cheiro dominando meus sentidos. Suas mãos deslizaram dos meus cabelos para minhas costas e pairaram sobre meu bumbum, me levando a soltar um leve gemido de aprovação, que se seguiu à minhas mãos espalmando seu peito definido, o empurrando para nos distanciarmos um pouco.
— Comporte-se — murmurei, me esquivando quando ele se inclinou em minha direção tentando capturar meus lábios uma vez mais. Ele aguardou com um olhar impaciente enquanto eu procurava o item no bolso do meu casaco, retirando-o dali e entregando em suas mãos mordendo o lábio inferior em expectativa.
me olhou confuso por um instante e — então — notou o mecanismo que permitia abrir o relicário, olhando com um misto de surpresa e comoção para a nossa foto juntos no início do verão, quando decidimos fugir dos olhares atentos da famiglia e fomos parar na trilha de Dells Canyons, onde, depois de nos perdemos e darmos voltas intermináveis, conseguimos finalmente encontrar a trilha do rio e apreciar uma das cachoeiras do local. Tiramos a foto para celebrar nossa conquista.
Tentei encontrar os olhos de para ver se as emoções que encontraria lá seriam as mesmas que eu sentia, e seus olhos intensos encontraram os meus, acompanhados de um sorriso largo.
— Esse foi meu dia favorito do ano — disse, fechando o relicário e o colocando no pescoço. — Vou usar todos os dias, para sempre te ter comigo — complementou, tocando meu rosto e encostando seus lábios nos meus tão sutilmente que mais parecia uma carícia.
Flashback off
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Uma batida insistente na porta a trouxe de volta à realidade, afastando das memórias que agora pareciam um sonho distante. Respirando profundamente mais uma vez, abriu a porta, encontrando o rosto juvenil de Luca, o desordeiro da família — como geralmente o chamavam —, mas certamente um dos poucos de quem genuinamente aguentava estar por perto.
— Hey, ! — disse, mais alegre do que deveria, considerando a ocasião, a puxando para um abraço, enquanto a loira que estava atrás dele deu um passo para trás, desconfortável. — Quanto tempo! Esteve se escondendo de nós? — Lançou uma piscadela, sabendo exatamente de quem ela tentava manter distância nos últimos anos.
— Bom te ver, Luca — disse, já se afastando para não ter de se render ao falatório inconsequente do garoto.
— Vê se não some de novo — respondeu, voltando-se novamente para a loira que o aguardava impaciente, a puxando consigo para o lavabo que ocupava minutos antes.
se permitiu um sorriso leve ao relembrar a época em que via Luca com mais frequência do que gostaria, considerando o quanto o garoto era apegado ao irmão, sempre o perseguindo por todos os cantos. O sorriso se esvaiu no momento que se lembrou novamente de e — quase que inconscientemente — olhou ao redor, procurando pela figura do rapaz, mas só o encontrou novamente quase duas horas depois, quando a multidão começou a diminuir e o momento que mais temia chegou.

A sala de reuniões era tão grande quanto os outros cômodos da mansão. O cheiro de mogno e charuto escocês permeava pelo ar, e a luz do lustre pendurado no teto iluminava a mesa oval de quase três metros rodeada por poltronas de couro. As paredes revestidas de isolamento acústico e a falta de janela davam ao ambiente um ar ligeiramente opressor, mas extremamente seguro. se mantinha em pé, recostada na parede ao lado da porta, observando com atenção os rostos ansiosos na sala. Essa era uma reunião excepcional, necessária devido aos últimos acontecimentos, mas ainda assim, os convidados foram cuidadosamente escolhidos pelo próprio Don Pellegrini.
Todos aguardavam em silêncio pela chegada do Don, essa seria uma de suas raras aparições em público, uma vez que se mantinha à espreita na maior parte do tempo, preferindo deixar que seus filhos cuidassem das questões cotidianas. Seu filho mais velho, Vincenzo, circundava a cadeira no topo da mesa com seu usual olhar de cobiça, lançando olhares furtivos à porta principal. Duas cadeiras à sua direita, seu irmão mais novo — Ângelo — tamborilava os dedos na mesa com certa impaciência, seu olhar calculista migrando entre os outros presentes à mesa. Luigi Mancini, sentado à esquerda da cadeira do Don, como de costume, tentava manter sua postura austera e olhar indiferente, embora o peso da idade e a perda de um de seus melhores amigos o afetava mais do que gostaria de admitir; ocasionalmente ele lançava um olhar furtivo em busca de sua filha, , a qual se esforçava para fingir que não o via.
Seguindo Luigi, havia a figura imponente de Paola Pellegrini — irmã de Don, mãe de e Luca — que olhava a todos como se fossem vermes embaixo de seu salto Louboutin. Ao seu lado, sempre parecia sério e desconfortável, dessa vez tentando se ocupar com o copo de conhaque em sua mão e se esforçando para não olhar na direção de . Do outro lado da mesa, ao lado de Ângelo, parecia um peixe fora d’água, trocando olhares de questionamento com , que também não entendia muito bem o que ela própria fazia ali.
Don Pellegrini entrou com passos lentos e cadenciados, olhando com calma e atenção para cada rosto presente, era impressionante seu magnetismo e todos na sala automaticamente pareciam compelidos a se ajeitar melhor na cadeira, procurando parecer atentos e polidos. Vincenzo finalmente se afastou da cadeira destinada ao pai e se sentou ao seu lado direito, observando o patriarca se aproximar e ficar de pé ao topo da mesa. sentiu todos os olhos em si quando Don virou-se para ela, sorrindo como se ela fosse uma criança teimosa.
— Sente-se, minha querida. — Apesar do apelido carinhoso, sua voz era fria como gelo e não deixava qualquer margem para recusa. se empertigou ligeiramente, ajeitando a jaqueta preta nos ombros e se apressando para se sentar ao lado de . — Meu caros — continuou Giorgio —, é um prazer estar com vocês novamente, embora a circunstância seja pesarosa.
O silêncio reinou na sala por alguns segundos, enquanto Don Pellegrini deixava a máscara de bem-estar vacilar um pouco, aparentando suas sete décadas de vida.
— Apesar da tristeza que assola a famiglia, é de suma importância pensarmos em como seguir adiante, e tenho certeza de que muitos questionamentos devem ser respondidos. Luigi, por favor, tome a palavra.
— Por certo, Giorgio, obrigada — murmurou Luigi antes de continuar. — A primeira medida que discutimos na maior parte da manhã e da tarde foi acerca de nossas finanças. Vocês devem ter notado que seguimos adentrando e saindo de reuniões com nossos amigos russos e sírios, eles estão preocupados, é claro, com o quanto a morte de nosso tesoureiro irá afetar os negócios; e precisamos nos certificar e assegurá-los de que esse... contratempo — franziu a testa com a palavra escolhida — não será um problema.
— O que vamos fazer? — perguntou Ângelo, impacientemente aguardando pela decisão de seu pai.
Luigi desviou seu olhar para o jovem com certa irritação, antes de direcioná-lo à , encontrando o olhar gélido da filha, e — finalmente — encarar , que parecia encolher sob o olhar minucioso do Consiglieri.
— Bom, Giuseppe sempre foi muito precavido e é claro que todas as suas ações foram sempre cuidadosamente registradas, sendo fácil, portanto, continuar seguindo seus planos. Além disso, como vocês sabem, ele sempre preferiu manter o negócio em família, e aqui — apontou para o rapaz — sempre esteve a par de todo o trabalho do pai, não é mesmo, meu jovem?
O rosto do rapaz se fechou em uma careta ao perceber onde o mais velho queria chegar com todo aquele discurso. Era evidente, enfim, porque fora chamado para aquela reunião, na qual nunca pôde fazer parte, nunca havia sido importante, mas agora precisavam dele. Seus pensamentos foram interrompidos pelo riso maquiavélico de Paola.
— Vocês querem deixar o dinheiro da famiglia nas mãos de uma criança? — questionou com amargura. — Giorgio, você não pode estar falando sério.
O maxilar de travou com a zombaria da mulher à sua frente, mas se manteve calado. Don Pellegrini olhou para a irmã com irritação.
— Sorella, quando a convidei para a mesa foi em respeito a seu marido, que não pôde estar aqui hoje, então por que não faz as honrarias de uma boa esposa e stai zitto, anotando tudo para entregar a ele depois?
Paola olhou para o irmão com uma raiva voraz fervilhando em seus olhos, mas apertou os lábios com força e se recostou na cadeira, mantendo-se calada, conhecia o irmão suficiente para saber que seu tom de voz era definitivo. O silêncio pairou no ambiente mais uma vez, sendo quebrado por um pigarro de Luigi que continuou seu discurso como se nada o tivesse interrompido.
— Como dizia, foi preparado por Giuseppe para este momento, ele sabe tanto quanto o pai e temos certeza de que fará um ótimo trabalho como novo tesoureiro da famiglia. Amanhã faremos sua cerimônia de iniciação.
olhou para com um olhar desolado, não tinha certeza de que seguir os passos do pai era seu desejo, mas não parecia haver qualquer margem para que tivesse alguma escolha. Ela o entendeu, mesmo sem palavras, e sua mão esquerda deslizou até a mão do amigo por debaixo da mesa, apertando-a suavemente para mostrar seu suporte.
— Muito bem, agora ao próximo tópico. Vincenzo. — Don cedeu a palavra ao filho mais velho, que apresentou um sorriso falso em agradecimento ao pai antes de iniciar seu discurso com a malícia usual.
— Grazie, papà. O próximo problema a ser resolvido... — pausou propositalmente, tentando causar algum suspense enquanto lançava um olhar calculista aos presentes — é a punição do traidor.
Ângelo sorriu ao lado do irmão, enquanto Don Pellegrini franzia o nariz em desgosto.
— Como vocês já devem imaginar... tudo indica que meu próprio irmão, , foi o causador dessa tragédia. — engoliu em seco observando o olhar calculista de Vicenzo, que tentava forçar uma mágoa inexistente. — Após refletirmos exaustivamente, chegamos à conclusão de que sua fuga foi praticamente uma confissão, o que nos resta agora é caçá-lo e puni-lo por sua traição.
A tensão na sala pareceu crescer ainda mais após as últimas palavras de Vincenzo, o coração de palpitava inquieto enquanto ela sentia a mão de envolver a sua com mais firmeza, e por mais que tentasse se concentrar no resto do discurso que Vincenzo continuava a fazer, sua mente perambulou pela última imagem que tinha de , a última vez que tiveram a oportunidade de estar sozinhos, a última vez que ouviu sua voz; e simplesmente não conseguia associar tudo que sabia dele com a imagem que agora tentavam pintar, a de um traidor. Ela se encontrava tão perdida em pensamentos que se surpreendeu ao perceber o rumo que o discurso de Vincenzo tomava.
— ... Por conta disso, chego à conclusão de que a melhor pessoa para o trabalho é, sem dúvidas, . — A reação na sala foi tão divergente que a própria levou um tempo a mais para processar o que acontecia. Luigi arfou como se tivesse levado um soco no estômago, vociferando como se a decisão de Vincenzo fosse uma ofensa pessoal.
— Mas o que é isso, Vincenzo? Deseja matar minha filha? — exclamou, recebendo o sorriso cínico do mais novo como resposta.
— Muito pelo contrário, Luigi, tenho absoluta confiança na competência de , tenho certeza de que esse trabalho não será nada extraordinário.
— Isso é insano — disse, surpreendendo a todos, se inclinando para a frente e tentando encontrar os olhos de . — , você não pode fazer isso. — A garota notou um misto de medo e aflição no olhar do rapaz, mas o que realmente chamou sua atenção foi o relicário pendurado em seu pescoço, o mesmo que ela o havia dado há tanto tempo, que mais parecia um sonho do que uma memória. Ela desviou os olhos do rapaz, focando novamente em Vincenzo enquanto ouvia a voz arrogante de Paola.
— a mãe do rapaz advertiu, transparecendo em sua voz o desgosto que essa atitude lhe trazia. Don permanecia em silêncio, assistindo com atenção o desenrolar dos fatos, mas após fitar a figura atlética e desafiadora de com um pouco mais de atenção, virou-se para o filho.
— Figlio, o que o faz pensar que é a pessoa certa para o trabalho? — Giorgio havia acompanhado à certa distância o desenvolvimento de : da menina rebelde e agressiva à uma profissional forte e imponente, mas sobretudo extremamente eficiente. Sempre ouvira sem dar muita atenção que, bastava ser designada a eliminar alguém, esse alguém certamente teria seus dias contados.
— Papà, eu mesmo me certifiquei de analisar todos os registros guardados por acerca de seus soldados e, ao menos nisso preciso dar o crédito a ele, os dados são muito bem-organizados e não resta dúvida de que os resultados de se destacam em relação aos demais. Além disso, ela foi pessoalmente treinada pelo meu fratello, como o senhor sabe, portanto ela deve saber como ninguém como ele pensa, estrategicamente falando. Do mais, creio que tenhamos de manter a missão em famiglia, quanto menos pessoas envolvidas nessa busca, mais controle teremos de seus desdobramentos, non è vero?
Luigi abriu a boca em sinal de contestação, mas antes que pudesse falar, foi interrompido por Giorgio, o qual tocou no ombro do amigo em advertência.
— Lui, mio amico, entendo sua preocupação, mas se é nossa melhor arma, temos de usá-la, independente dos riscos. Prima la famiglia.
A decisão de Don era sempre final, não havia margem para contestação ou argumentos. não teve chance de aceitar ou não sua nova missão, Luigi abaixou a cabeça, evitando o olhar da filha, sentindo que falhara com ela uma vez mais. , ao lado da mãe, não se atreveu a fazer nenhum outro comentário, mantendo os olhos fixos no copo de conhaque vazio que segurava com toda força. mantinha sua mão firmemente entrelaçada à de sua amiga, acariciando sua palma. Vincenzo sorria vitorioso, sabia que essa era a melhor estratégia para encurralar seu irmão.

— Bene, isso é tudo por hoje. , Luigi irá ajudá-lo nessa fase de transição enquanto você se adapta à sua nova função. , você responderá à Vincenzo, e somente a ele. Estão todos dispensados.
Enquanto todos saíam, se perguntava que tipo de controle Vincenzo esperava manter sobre ela, esquematizando o quanto poderia se manter independente, fingindo fazer o trabalho conforme suas ordens, mas ao mesmo tempo dando mais tempo para que pudesse se esconder e reunir — ela esperava — o máximo de provas possíveis da sua inocência. Se despedindo de com um abraço no hall de entrada, se dirigiu a seu Porsche apressadamente, sua mente maquinando e traçando rotas. Ela sabia que, se não quisesse ser encontrado, essa jornada provavelmente seria completamente em vão; mas uma parte de si gostava de acreditar que ele ansiava por vê-la tanto quanto ela ansiava por ele, e assim bastaria rastrear as “migalhas de pão” que ele jogara pelo caminho.


Capítulo 3

“All you have is your fire,
And the places you need to reach”.
(Arsonist’s Lullabye – Hozier)

observou com pesar se afastar em direção ao hall de entrada apressadamente e, então, sumir porta afora. Sua vontade era segui-la e fazer com que ela lhe escutasse, ou melhor, queria abraçá-la e sentir seu cheiro que o deixara em êxtase tantos anos atrás; ou ainda melhor, se fosse sincero consigo mesmo, gostaria de beijá-la até que ela se lembrasse do que sentiam um pelo outro. Sentiram, se corrigiu mentalmente, e voltou a seguir seu tio, Don Pellegrini, em direção ao escritório particular anexado aos aposentos do mais velho. se forçou a enterrar a memória dos beijos de para se concentrar no que seu tio queria, não era comum que essas conversas ocorressem distante do olhar do resto da famiglia, portanto, fosse lá o que seu tio quisesse dizer, não queria que a família soubesse.
Don Pellegrini sentou-se em sua poltrona preferida, de onde tinha a visão de grande parte da sua propriedade, e acendeu seu charuto escocês, presente de Luigi pelos seus 72 anos. A chuva havia amainado e a fileira de carros que havia mais cedo se dissipara, agora conseguia ver com distinção atravessar o portão de entrada com uma velocidade acima do normal em seu Porsche 911. Franziu a sobrancelha e pousou o olhar sobre seu sobrinho, prestando atenção na angústia que era evidente no rapaz, e contatou que ele ainda tinha muito a aprender. Percebeu que o jovem ainda não sabia que, em sua linha de trabalho, não havia lugar para corações partidos.
— Stai tranquilo, ragazzo. Sente-se. — assentiu e se sentou na poltrona ao lado de seu tio, recusando o charuto que este lhe ofereceu. — Deve estar se perguntando por que o chamei aqui, non è vero?
Giorgio sorriu, tomando seu tempo para dar algumas tragadas em seu charuto enquanto tamborilava os dedos na poltrona impaciente. Don Giorgio não apreciava favoritismos, mas tinha certa simpatia pelo mais novo, muito possivelmente pelo respeito que dava a seu pai, um grande amigo, porém havia também algo de muito familiar no jovem à sua frente, o lembrava muito de sua própria juventude.
— Uccello in gabbia non canta per amor, canta per rabbia — Don Giorgio recitou um velho ditado italiano que sua mãe lhe contava, antes de se virar para o sobrinho. — Já é um homem, ragazzo, está na hora de sair das asas de sua mãe.
sabia, não havia dúvida, mas era mais fácil falar do que fazer. Sua mãe havia se certificado de colocá-lo em todas as posições certas da famiglia na Itália, não podia simplesmente virar as costas para seus deveres. Don Pellegrini pareceu entender por onde a mente do rapaz se enveredava, e com um suspiro irritado, afirmou:
— Seu fratello, Luca, tem sido ... negligente com seus deveres. Talvez ele precise de alguém para se certificar de que está no caminho giusto. — Seu tio estava lhe oferecendo uma oportunidade, deixar a Itália, ainda que por alguns meses. — Lui capisce?
— Si, zio — suspirou de alívio, seria tão fácil assim se desvencilhar das amarras da mãe, virar as costas para o pai, sob a desculpa de cuidar de seu irmão?
Don Pellegrini apontou para a porta, sem precisar dizer mais nada, ainda havia outras pendências a resolver. entendeu o recado, se levantando e caminhando até a porta, parando somente para ouvir as últimas palavras de seu tio.
— Ragazzo, a partir de agora, ele é sua responsabilidade. Não vou tolerar mais bobagens... se certifique de apertar bem il collare.
De volta ao seu quarto, tirou o terno e a camisa, se sentindo ligeiramente sufocado com a reviravolta dos seus planos. Se olhou no espelho, os olhos carregando toda a frustração reprimida. Após tantos anos, esteve tão perto e a deixou escapar novamente. Levou a mão ao relicário no pescoço, tocando os entalhes de pedra de safira, voltando a relembrar os olhos e intensos de , sua mente divagando em lembranças.

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Flashback on (’s POV)
Bebi uma garrafa inteira de água em único gole, matando a sede depois de uma manhã toda jogando futebol com os caras, tinha sido uma má ideia jogar com um bando de criminosos, jogar sujo pra eles era apelido. Ri, lembrando do golpe baixo que deram no Luca, ele devia estar sentindo até agora. Louco pra tomar um banho, subi as escadas em direção aos quartos de hóspede praticamente correndo, parando quando escutei um soluço persistente. Virei a cabeça na direção do som, percebendo que o som não vinha dos quartos de hóspedes, mas da ala de quartos principais da mansão. Dei de ombros, talvez fosse melhor deixar para lá.
Estava com as mãos na maçaneta do meu quarto quando a curiosidade incontrolável ganhou o melhor de mim, olhei para o rastro de terra e grama que estava deixando no assoalho, mas nem me importei, dando meia volta e seguindo novamente em direção ao som dos soluços. Quanto mais perto chegava, duas coisas ficaram evidentes: a primeira, que aquele não era só um choro de tristeza, parecia mais o choro de alguém que havia entrado em uma crise pesada; a segunda, que o som vinha do quarto dela.
Parei novamente, pensando se valeria a pena encarar aqueles olhos frios carregados de ódio, ela provavelmente ia quebrar meu nariz só de estar chegando perto da porta dela. Tentei fazer um esforço para lembrar as poucas vezes que tive contato com ela, sempre em alguma situação social que éramos obrigados a participar por escolha dos adultos. Ela sempre parecia malvestida para a ocasião, não fazendo o menor esforço para se enturmar, além de olhar para todos como um desafio, desafiando quem teria coragem o suficiente para se aproximar. No outro dia, ouvi os adultos comentarem que ela já estava em treinamento para ser uma assassina, como se já não fosse medonha o suficiente.
Ainda assim, forcei meus pés a se moverem silenciosamente, chegando mais perto do quarto, a porta estava entreaberta, isso explicava eu ter conseguido ouvir seus soluços. Espremi meu rosto na fresta da porta, tentando ver alguma coisa e foi aí que notei, o quarto parecia um filme de terror: havia coisas quebradas e jogadas por toda parte, mas o que dava um toque realmente sinistro ao lugar era a quantidade de sangue nas roupas da garota. Balancei a cabeça e fixei os olhos novamente tentando comprovar a veracidade do que via, as lágrimas escorrendo por seu rosto se misturavam ao sangue, fazendo com que ela parecesse chorar sangue. Me inclinei para frente, preocupado que ela tivesse machucada, fazendo com que a porta rangesse. Involuntariamente, mordi a língua, preparado para ser escorraçado do quarto.
Porém, para minha surpresa, quando seus olhos encontraram os meus, não foi raiva ou ódio que encontrei naqueles olhos e profundos: foi um pedido de ajuda.
Flashback off
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Fechando os olhos com força, tentou dissipar a memória da jovem de sua mente, enquanto seu corpo parecia quase poder sentir o abraço forte que ela lhe deu quando se aproximou naquele dia, se ajoelhando ao lado da garota e se conectando a ela de uma forma que jamais imaginaria possível. Naquele dia, desvendou seu maior mistério, a pose rebelde e agressiva escondia uma garota frágil de coração partido, lutando contra o mundo para não ser devorada por ele.
Com um suspiro irritado, se afastou do espelho, caminhando impaciente pelo quarto. Se forçou a lembrar de sua aparência algumas horas antes, suas roupas ainda se destacando por não parecer em nada com o traje dos convidados. Sorriu, sabendo que a rebeldia ainda era um dos seus maiores traços. Percebeu também que estava ainda mais bela do que da última vez que se viram, anos atrás; mas o que parecia cortar seu coração como uma faca foi o olhar de quando se virou, com tantas emoções guardadas naquele olhar intenso: decepção, raiva, tristeza, e — sobretudo — traição. Por mais que tentasse se enganar, sabia que não merecia seu perdão, mas a maior parte de si, aquela que nunca havia deixado de amá-la, ainda não estava pronto para desistir.
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sentiu a água quente escorrer pelo seu corpo com um misto de alívio e felicidade, e enquanto sentia seus músculos tensos relaxarem sob a água, tentava acalmar sua mente que se emaranhava no que parecia ser mil pensamentos por minuto. Uma parte de si — a menor, se fosse honesta consigo mesma — pensava em seu melhor amigo e em como ele lidaria com a nova função nada bem-vinda para a qual com certeza não se sentia preparado. Outra parte de si questionava por que ainda se abalava tanto com a presença de , mesmo depois de tantos anos, e em sua lembrança, via com clareza o momento que entregou o relicário para o rapaz, não entendia o porquê de ele ter guardado e ainda estar usando. Será que escolheu usar somente naquele dia para que ela visse, como se isso fosse fazer alguma diferença? Não sabia, e aquele não era o melhor momento para deixar que seu ex ocupasse seus pensamentos.
Quando desligou o chuveiro e se dirigiu ao quarto, deixando o conforto do banheiro cheio de vapor, sua mente estava mais estrategicamente focada em uma pessoa: . Deitada em sua cama, ainda enrolada na coberta, começou a maquinar os possíveis lugares e pessoas que poderiam ter algum rastro de seu paradeiro. O apartamento de , a essa altura, já deveria ter sido revirado do avesso, seria um lugar óbvio demais para deixar qualquer pista. O QG? Poucas pessoas sabiam de sua localização, pessoas que seriam supostamente confiáveis, mas dado o cenário atual, não podia se dar ao luxo de confiar em qualquer um. Onde mais ele poderia deixar alguma informação para ela? Um lugar insuspeito para os outros, que não seria descoberto facilmente por qualquer um... e com um salto se sentou na cama, olhando ao redor. A porta do seu apartamento estava perfeitamente trancada quando entrou, mas tinha todas as habilidades necessárias para entrar e sair sem deixar qualquer evidência, se assim quisesse.
Levantando-se da cama, a garota passou a olhar ao redor com um escrutínio que havia abandonado no momento que havia chegado em seu loft. Pensa, , pensa. Conhecia o suficiente para saber o quanto ele seria sútil, algo que poderia facilmente se passar por normal, como se devesse estar ali. Os olhos da garota pousaram no pequeno vaso de planta sobre a cômoda, o cacto que ele lhe dera de presente em seu último aniversário, que — segundo ele — a representava perfeitamente: “resistente, forte, persistente e uma sobrevivente”. Com um leve sorriso pintando seus lábios, se aproximou do vaso e observou a pequena notinha pendurada, a mesma que ele havia escrito há quase um ano atrás. Desdobrando o papel, a garota passou os olhos pela nota, notando uma frase adicional “...e quente como o deserto”. Os dedos de se demoraram no papel um pouco mais, como se pudesse sentir o toque de entre os seus. Suspirando, colocou a nota de volta no mesmo lugar, jogando a toalha sobre a cama e se vestindo rapidamente.
Trinta minutos depois, a garota se encontrava sentada no tapete do que se passava pela sala de estar, com uma xícara de chá fumegando em suas mãos e um mapa disposto na mesa à sua frente. Todos os lugares em que poderia encontrar deserto se encontravam no Sudoeste, o que seria uma viagem de pelo menos dezesseis horas se fosse de carro, e para , seu amado Porsche sempre era a melhor opção. Mordendo o lábio em irritação, se perguntava qual era o sentido da pista, será que esperava que ela o caçasse ao redor do país? Ou será que havia algo no meio do caminho? Traçando a rota com um lápis, algo em seu cérebro clicou como uma fechadura, era isso!
se levantou rapidamente, intrigada com a nova constatação. Em sua mente, já conseguia visualizar o item que necessitava, e estava prestes a correr na direção de seu quarto para buscá-lo quando ouviu a batida em sua porta. Imediatamente entrou em estado de alerta, pegando a sua Magnum escondida sob a poltrona e caminhando silenciosamente até a porta, visualizando pelo olho mágico a figura embaçada de Vincenzo com cara de poucos amigos. Irritada, abriu uma fresta da porta, com a arma ainda em mãos.
— O que veio fazer aqui? — Vincenzo abriu um de seus costumeiros sorrisos cínicos, como de costume, e olhou a garota de cima a baixo, notando a arma em sua mão.
— Ora, tesoro, você saiu tão apressada que não tivemos como discutir nossos planos. — revirou os olhos e suspirou impaciente, antes de responder o mais velho.
— Vincenzo, como você já deve saber, eu estou acostumada a planejar minhas caças sozinha, então, ciao. — Tentou fechar a porta, mas foi barrada pelo pé de Vincenzo barrando o caminho.
— Tesoro, acho que ainda não entendeu muito bem a nova configuração. Como o Don disse, você responde a mim nessa missão, e isso quer dizer que eu dou as ordens, e você, como uma boa cucciola, obedece.
respirou fundo ao ouvir o apelido insultante, tentando se lembrar de todos os exercícios de autocontrole possíveis para não bater em Vincenzo naquele momento. Cogitou fechar a porta contra a vontade do mais velho e ignorá-lo, mas sabia que negá-lo dessa maneira seria o mesmo que rejeitar a famiglia, e não podia se dar a esse luxo no momento. Saindo de perto da porta para deixá-lo entrar, se distanciou, ficando do outro lado da mesa de centro, onde deixara seu mapa. Vincenzo fechou a porta atrás de si, ainda com o sorriso nos lábios, se aproximando do mapa e analisando a rota que a garota fizera.
— Tão eficiente... me parece que fiz a escolha certa. — Aguardou uma resposta da garota, mas ela se manteve impassível, olhando para ele fixamente. — Sua teoria é que meu irmão tenha fugido para o Sudoeste?
— Não sei ainda, estou tentando traçar a rota de fuga mais fácil, considerando as conexões da famiglia. Ele sabe que não pode correr para qualquer lugar — mentiu, mantendo a feição apática.
— Hum — ele não estava convencido —, de qualquer maneira, seja lá qual for a sua rota, quero saber de cada decisão tomada, cada contato que possa saber o paradeiro de , cada pedaço de chão pelo qual você passar — foi se aproximando de até estar a centímetros de distância — e cada mudança de plano, por mais insignificante que possa parecer. Estamos entendidos?
travou o maxilar com raiva, mirando os olhos verdes de Vincenzo com uma fúria incontida antes de levantar a arma e pressioná-la à barriga de seu novo chefe, forçando-o a se distanciar com um olhar alarmado.
— Primeiro, Vincenzo, é preciso que você entenda algumas coisas. Se você chegar perto assim de mim novamente, sem minha permissão, eu vou dar um tiro em cada uma das suas pernas — pausou para apreciar com um sorriso maníaco o mais velho se distanciando, assustado. – Além disso, eu já falei que não trabalho recebendo ordens, então não. Eu não vou te passar meus contatos, ou rota, ou qualquer decisão que eu faça, justificada ou não, para encontrar . E se você mandar um dos seus capangas inúteis atrás de mim, ele não vai viver o suficiente para contar a história. Estamos entendidos?
Os dois entraram em uma disputa de olhares, Vincenzo tentando recuperar um pouco da compostura após ser intimidado por uma garota que tinha idade para ser sua filha, e determinada a deixar claro a veracidade de suas palavras.
— Stai attento, cucciola, você está entrando em um jogo muito perigoso. Você não vai querer seguir os passos do seu mentor e se tornar uma traidora, ou vai?
A tensão no ar era tamanha que seus corpos denunciavam a postura rígida e agressiva, esse era um momento crucial para os próximos acontecimentos. pensou na famiglia por um segundo, imaginando o quanto poderia teimar em sua decisão sem prejudicar sua imagem, enquanto também pensava em quão satisfatório seria quebrar o nariz do homem à sua frente. Talvez houvesse um meio termo?
— Ok — respondeu, por fim, se dando parcialmente por vencida. — Falaremos somente por mensagens de texto, tenho alguns celulares descartáveis, e toda vez que eu descartar um, te envio o número do próximo. Sem mensagens desnecessárias, apelidos idiotas ou qualquer tentativa sua de me dizer o que fazer como se você tivesse qualquer ideia do que fazer, nós dois sabemos que eu sou a especialista aqui.
Apesar da rapidez e da quantidade de informações, a voz de era firme e sua fala era concisa e cortante, como uma navalha. Vincenzo acenou, com o maxilar travado e um gosto amargo na boca, não estava acostumado a ter pessoas falando consigo dessa maneira.
— Do mais, vou te enviar a conta fantasma que utilizamos para transações bancárias, preciso de um back-up para gastos de viagem, subornos e possíveis incidentes.
— Va bene. Farei como quiser, mas espero que saiba, srta. Mancini, que não há espaço para falhas nessa missão.
assentiu, deixando para se preocupar com as consequências dos seus planos depois.
— Eu nunca falho. — Caminhou até a porta e a abriu o suficiente para que Vincenzo passasse. — Se você me der licença, tenho uma missão a cumprir.


Capítulo 4

“There ain’t no rest for the wicked
Until we close our eyes for good”
(Ain’t no rest for the Wicked – Cage the Elephant)



Após a saída de Vincenzo, não quis perder mais tempo, organizou algumas roupas em uma mala, junto ao mapa com os destinos traçados, comeu qualquer coisa longe de ser saudável ou deliciosa só para se manter de pé e, enfim, se dedicou a caçar o pager que lhe entregara há mais de cinco anos atrás. se lembrava nitidamente do momento que recebeu o aparelho, e de seu mentor lhe informando que a entregava aquela lista na mais absoluta confiança, e somente os dois teriam acesso a ela: uma lista de possíveis aliados que poderiam ajudar em situações variadas se fosse necessário. Depois disso, ele iniciou mais uma de suas longas lições sobre não se apegar aos seus contatos e não utilizar o mesmo contato por mais de um trabalho; lição a qual a garota não prestou muita atenção, afinal — em sua mente — não havia nada mais óbvio do que isso.
Duas horas depois, estacionou na garagem do QG, verificando o horário em seu relógio: meia noite e quarenta. Esperava encontrar Key lá dentro, apesar do horário, uma vez que a teoria da equipe era de que a garota provavelmente usava o lugar como uma segunda, ou até mesmo primeira, casa. Antes de sair do carro, comparou mais uma vez a lista de nomes escrita no papel com aquela que encontrara no Pager, e verificando que estava tudo certo, caminhou até a entrada do QG.
A fachada do galpão que servia como quartel general do time de parecia uma casa comum de subúrbio, escondendo perfeitamente sua função real. Adentrando a porta, deu de cara com mais uma das ilusões que julgou ser necessário: uma sala de estar clássica, com sofás cobrindo duas paredes inteiras, televisão de led equipada com um home theater, mesa de centro, além de uma mesa de jantar com um jogo de cadeiras. Ignorando a ilusão, seguiu para uma porta que se passava por um lavabo e a abriu, descendo as escadas que levariam aos dois andares abaixo.
Parou no primeiro andar, olhando ao redor e avistando com facilidade o cabelo verde da garota que procurava: Key. A hacker sempre fora uma incógnita para o time, assim como sua procedência; ao olhar para ela, ninguém diria que ela tinha mais do que quinze anos apesar do cabelo colorido, das tatuagens e dos piercings que saltavam de sua sobrancelha, nariz e lábio. A garota estava curvada sobre seu computador, teclando de forma tão rápida que nem dava para acompanhar o que fazia, enquanto pausava a cada dois minutos para enfiar mais um bocado de doritos na boca, mastigando tão alto que até parecia querer propositalmente ensurdecer alguém.
— Hey — se fez notar, uma vez que a garota sequer olhou em sua direção quando parou ao lado dela.
Key a olhou de cima baixo, e voltou a digitar como se nunca tivesse sido interrompida.
— O que está fazendo? — tentou novamente, com um suspiro. Nunca havia tentado conversar com Key antes, percebeu, as duas eram antissociais demais para fazer qualquer contato direto uma com a outra.
— Te ajudando — respondeu, com uma voz tão doce e infantil que novamente levou a se perguntar como a garota havia parado ali.
— Como? — Se aproximou do computador, tentando entender o que Key fazia ali, mas os códigos que apareciam na tela estavam além de sua compreensão.
— Vincenzo ordenou que eu tentasse encontrar algum rastro de online — disse, dando de ombros e colocando mais uma mão de doritos na boca. A sobrancelha de automaticamente se elevou ao perceber, mais uma vez, quão determinado Vincenzo estava em encontrar seu irmão. — É claro que ele não sabe que jamais seria estúpido o suficiente para recorrer ao uso de qualquer coisa que possa ser rastreada.
sorriu levemente, concordando com a garota, antes de estender a lista que trouxera consigo para que a mais nova pudesse vê-la.
— Que tal deixar isso de lado e me ajudar de verdade?
Key desviou os olhos do computador novamente, parando de teclar e virando sua cadeira para ficar de frente para , pegando a lista em sua mão e a olhando com atenção.
— Vincenzo sabe disso? — questionou, curiosa.
— Ele precisa saber? — rebateu , recebendo em resposta um sorriso enigmático de Key.
— Mas é claro que não. — E voltou a teclar no computador. — O que exatamente você precisa saber sobre essas pessoas?
— Tudo.
— Quanto tempo eu tenho? — perguntou, mordendo o lábio. Não era uma lista grande, mas tudo era um pouco abrangente demais.
— Até o início da manhã, pretendo sair antes do sol nascer.
Key não disse nada dessa vez, apenas assentiu, colocando mais doritos boca adentro. assentiu também, se afastando e voltando a descer as escadas para o segundo andar do subsolo.
O primeiro andar no térreo era a ilusão perfeita de uma sala de estar onde também poderiam descansar, caso houvesse necessidade, e o segundo andar acima era onde podiam treinar na academia montada. O primeiro andar do subsolo era onde faziam reuniões e analisavam os alvos, e o segundo andar abaixo era um dos favoritos da garota, onde guardavam as armas.
Pela manhã, se sentia revigorada o suficiente, havia selecionado as armas que poderia necessitar, e em seguida aproveitou para dormir em um dos sofás da sala de estar, sabia que precisava de toda sua energia se teria que dirigir por horas a fio em sua busca. Antes de checar se Key havia encontrado o que pedira, decidiu fazer um leve treino para ficar mais desperta, e trinta minutos depois, pingando suor, achou que já era o suficiente. Tomou uma ducha e trocou de roupa, antes de seguir escadas abaixo, procurando pela hacker.
Encontrou a garota na mesma posição de horas atrás, dessa vez se alimentando de cheetos. Ao seu lado, notou algumas pastas espalhadas pela bancada, olhou em seu relógio para checar o tempo: cinco e quarenta sete.
— Uau, você não brinca em serviço — brincou, sorrindo em agradecimento pela ajuda. Key a olhou novamente, assentindo em resposta. contou as pastas, dando uma breve olhada no que havia dentro: um total de oito pastas, cada uma com um dossiê completo de cada uma das pessoas da lista de . Pegou todas com cuidado para não perder nada e se afastou, seguindo novamente em direção às escadas.
— Hey, ! — Se sobressaltou ao ouvir a garota chamá-la por seu apelido. — Se cuide. Espero que o encontre logo.
estava contente com a maneira como as coisas estavam acontecendo, tudo de acordo com o plano. O que precisava fazer agora era analisar os dados que Key lhe entregou e se certificar de selecionar as pessoas certas que a levariam até o destino de . A garota terminou de preencher o porta-malas do seu carro com as armas que havia selecionado mais cedo e estava prestes a entrar em seu Porsche quando viu movimento ao lado do QG, o que a deixou imediatamente em estado de alerta. Se certificando de pegar a arma no porta-luvas e esconder sob a jaqueta de couro, se aproximou sorrateiramente em direção à sombra que havia ali, ouvindo os murmúrios despreocupados.
— Luca? — questionou ao notar o característico cabelo loiro do rapaz com um de seus chapéus costumeiros.
— Hey ! — disse com o entusiasmo de sempre, os olhos vermelhos acusando que o rapaz não estava em seu estado natural.
reparou na garota escondida atrás de Luca, parecia jovem, mas seu olhar profundo denunciava uma inteligência que pertencia a quem já havia vivido o bastante. Com olhos cerrados para a garota, se ocupou em memorizar seus traços, ela tinha um rosto que definitivamente se destacaria na multidão de Chicago, não somente pela beleza, mas também pela evidente ascendência indígena. Após escanear o perfil da garota e se certificar de que não esqueceria daquele rosto, desviou seu olhar para questionar Luca com irritação.
— O que você está fazendo aqui? — Um sorriso culpado dominou os lábios do rapaz, que coçou o cabelo desviando o olhar, exatamente como uma criança que foi vista fazendo algo que não devia.
— Não fica brava, tá bom? Eu só queria um lugar pra curtir com a... — pigarreou — minha amiga, . — Apontou para a garota atrás de si.
— Como você sabe desse lugar? — continuou questionando, sabendo que poucas pessoas tinham conhecimento da localização do QG.
— Lembra quanto o precisou... “conversar” com meu colega de trabalho? Bem, ele não queria fazer suj... quer dizer, ele não queria discutir negócios em público, então pediu que o trouxesse aqui — explicou o rapaz, tentando editar sua fala para que a garota atrás de si não percebesse que Luca se referia a um traficante idiota e ambicioso demais que estava atrapalhando a famiglia e precisou ser eliminado. não deixou escapar que prestava atenção em tudo que Luca falava como se entendesse exatamente o contexto por trás de suas palavras.
— Que seja, aqui não é lugar para “curtir”, Luca. Dê o fora daqui — ordenou sem tirar os olhos de , notando a forma como a garota se mantinha fria e impassível sob seu olhar intenso, o que a fazia desconfiar ainda mais da mesma.
— Qual é, , não seja tão estraga-prazeres! Prometo deixar tudo no lugar — pediu o rapaz, com um sorriso que conseguia ser um misto perfeito entre um jovem ingênuo e um tremendo cafajeste.
— Eu não tenho tempo para isso, Giordano. Some daqui antes que sua amiga tenha que descobrir que a curiosidade matou o gato — disse a última parte com a acidez exata para assustar a garota, que a encarou de volta com a mesma determinação.
— É, você sempre soube como estragar a brincadeira, né? — resmungou Luca, segurando pela mão e a levando até a moto que havia sido escondida na pequena área atrás do galpão. permaneceu parada no mesmo lugar até ter certeza de que o garoto estava realmente indo embora, e não sem surpresa, viu olhar uma vez mais em sua direção com olhos tão desafiadores quanto os seus, enquanto ambos se distanciavam pela estrada.
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inventou uma desculpa qualquer para se desvencilhar de Luca quando ambos chegaram ao apartamento do rapaz. Não foi a tarefa mais fácil, considerando o quanto era simples se permitir ficar ao lado dele, com seu sorriso fácil e energia leve, mas era uma mulher determinada, e deixar que um rapaz estragasse seus planos simplesmente não era uma opção.
Preocupada em manter seu disfarce, caminhou por dois quilômetros até a estação de metrô mais próxima: Roosevelt. De lá, precisaria pegar a linha vermelha para chegar em Lincoln Park, onde poderia caminhar até sua base de operação. sabia que ter encarado tão abertamente, sem sequer disfarçar que não tinha medo da garota, não fora uma boa ideia; havia uma grande chance de se tornar o próximo alvo da assassina se ela sequer desconfiasse de quem realmente era, e não tinha tempo para isso agora, não quando estava chegando tão perto de seu objetivo.
A viagem até Lincoln Park foi rápida, e em trinta minutos se encontrava dentro do pequeno escritório que servia como base para si e sua pequena equipe. Seu assistente, Gery, era o único que se encontrava ali devido ao horário, e assim que a avistou, lhe entregou uma xícara de café fumegante.
a tomou em suas mãos como se fosse a oitava maravilha do mundo, sorrindo agradecida.
— Obrigada, Gery, não sei o que faria sem você.
Gery estava acostumado com o frio de outono em Chicago, afinal havia nascido e passado boa parte de sua vida ali. , no entanto, não podia estar mais fora do seu elemento, e caminhar pelas ruas da cidade se provava ser um martírio constante.
— Você deveria arrumar alguns casacos melhores, se quiser sobreviver ao inverno.
Ele estava certo, claro. havia chegado por volta de dois meses atrás, a tempo de se despedir do verão, e sabia que o inverno estava pouco mais de um mês à frente, mas esteve muito ocupada desde que chegara, focada demais em sua missão para se preocupar com o incômodo que o frio lhe causava.
— Está tendo algum progresso? — perguntou Gery com um olhar ansioso. sabia que ele se preocupava com ela tanto quanto se preocupava com a missão, e sabia que o risco a que estava se submetendo deixava todos em sua equipe um pouco desconfortáveis demais de tempo em tempo; assim, quanto mais rápido ela conseguisse as informações que precisavam, mais rápido poderia se desapegar do disfarce que havia criado.
— Sim, hoje foi um dia crucial. Ele me levou até um dos quartéis-generais, acredito que seja uma das bases dos soldados da família.
— Hum...isso é bom — ele começou, ajustando seus óculos, então olhando confuso para sua chefe. — Hoje? Ainda não é sete horas da manhã, Kanoska.
não disse nada, caminhando até a sua mesa, o silêncio pairando no ar.
A pergunta que Gery não fizera diretamente ficou sem resposta, embora na mente de a resposta era clara: sim, ela havia passado a noite com Luca Pellegrini Giordano, um de seus inimigos. Não se orgulhava de tê-lo feito, muito pelo contrário, sentia vergonha, e por isso não respondera seu assistente. Mas era parte do plano, era necessário se infiltrar na famiglia de alguma forma, e o link mais fraco era o cafajeste viciado.
— Ok, ele te levou até o quartel-general e...? — perguntou o assistente dessa vez, abandonando a dúvida anterior.
— Fomos barrados por ninguém mais ninguém menos que Sofia Mancini — respondeu , finalmente encontrando o que fora pegar em sua mesa, segurando o pesado arquivo em suas mãos.
— O quê? A assassina? — Gery estava surpreso com a calma que sua chefe demonstrava, conhecia a fama de o suficiente para saber que a mulher era letal.
— A própria. Nos expulsou de lá como dois gatinhos assustados antes que pudéssemos passar pela porta de entrada, e ainda fez uma ameaça que com certeza foi dirigida a mim.
— Ela sabe quem você é? — Gery a seguiu em direção à mesa de reuniões, se sentando ao seu lado.
— Se soubesse, eu não estaria aqui para contar a história, não é mesmo? Mas acredito que ela simplesmente não gostou da minha atitude. — Tomando um gole de seu café, encarou com curiosidade a pasta em sua mesa antes de se virar para seu assistente. — Mas isso não importa. O que importa é que Luca está confiando em mim o suficiente para me levar à lugares, e isso quer dizer que logo terei a chance de encontrar alguma coisa, qualquer coisa, que possamos usar contra a família Pellegrini.
Gery assentiu, concordando com sua chefe, estavam mais próximos do que estiveram há dois meses, quando iniciaram a missão com muitas convicções e nenhuma evidência. terminou o conteúdo de sua xícara e a pousou sobre a mesa, focando sua atenção na pasta à sua frente. Quando abriu o arquivo, a primeira coisa que viu foram os olhos frios que vira mais cedo, se destacando no rosto bonito e atraente, olhos que pareciam estar encarando sua alma, como se pudessem desvendar seus maiores segredos, os olhos de uma assassina.


Capítulo 5

“No one could ever know me
No one could ever see me
Seems you’re the only one who knows
What it’s like to be me”
(I’ll be there for you – The Rembrandts)


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Flashback on
As flores cresciam abundantemente no jardim da mansão Pellegrini, as cores faziam como que o lugar parecesse menos sombrio do que normalmente era, ao menos pelo olhar do pequeno . A casa estava cheia naquele dia, e tia Elena estava mais agitada do que de costume, dando ordens para as crianças se dispersarem e deixar os adultos lidarem com a situação. não entendia muito bem o que havia acontecido, mas sabia que não era nada bom, pois nunca vira seu papà tão abalado quanto quando recebeu a ligação pela manhã.
O garotinho olhou ao seu redor com curiosidade, não queria ter ido, as outras crianças não eram muito legais com ele por ali, mas seu papà fizera questão, então ao menos aproveitaria para levar uma flor para sua mamma. Decidiu que era melhor explorar o outro lado da mansão também, assim teria certeza de que havia escolhido a flor perfeita.
Do outro lado da casa, encontrou uma linda roseira de rosas brancas que logo lhe chamou a atenção, mas seu olhar perdeu o foco quando notou a sombra escura por detrás de uma das árvores. O garoto esfregou os olhos e olhou novamente com atenção: estaria ele vendo coisas ou aquilo era uma menina?
, sempre muito sábio para seus recém-feitos oito anos, analisou a cena com uma concentração ímpar. A garota estava parada em frente ao pequeno lago que se localizava há uns trezentos metros de onde estava, e parecia muito focada em olhar para a própria imagem refletida na água, usava um vestido preto e longo que por pouco não esbarrava na lama aos seus pés. nunca a havia visto por ali, então logo concluiu que talvez ela estivesse perdida e precisasse de alguma ajuda.
— Oi — disse simplesmente, assim que chegou ao lado da garota, que o olhou com os olhos esbugalhados, mas não respondeu nada. — Eu sou o . E você?
A menina continuava olhando para ele como se ele fosse algum tipo de alienígena, o que logo deixou desconfortável. Por que ela parecia tão surpresa por ele estar ali? Ela que era a estranha que ele nunca tinha visto. Será que ela era um fantasma? tentou se lembrar dos detalhes do filme que vira escondido no mês passado, pensou que talvez pudesse ter os mesmos poderes do garoto do filme: ver assombrações! Com uma nova decisão em mente se aproximou um pouco mais, estendendo o braço para cutucar o ombro da garota, o que logo percebeu ter sido a pior ideia possível, pois com o susto a garota se moveu tão bruscamente que acabou se desequilibrando e escorregando na lama, sujando todo seu vestido e respingando algumas gostas no terno do garoto.
— Ops. — Foi tudo que conseguiu dizer ao ver que a menina o olhava com um misto de irritação e confusão. — Desculpa, só queria ver se você é real.
A menina continuou em silêncio e não parecia fazer a menor questão de se levantar da lama onde havia caído, voltando a olhar para o lago. estava confuso, não se lembrava de já ter conhecido alguém tão estranho. Ela não fala, não toca nas pessoas, e ainda não se importa de ficar no meio da sujeira, pensava consigo mesmo.
— Por que você está aqui? — perguntou um tanto desconfiado, mas sem sequer dar tempo para que a menina respondesse. — Eu vim porque meu papà pediu, acho que ele não está muito feliz hoje. Não gosto muito daqui, é meio estranho e os adultos tão sempre de cara fechada. — Olhando de soslaio para a garota, percebeu que ela prestava atenção, embora se mantivesse em silêncio. — Achei que você fosse um fantasma, por isso tentei te tocar. Desculpa.
observou com olhos curiosos enquanto ela se levantou e se aproximou, parando ao seu lado — os ombros quase encostando nos seus — e voltou a observar seu reflexo no lago.
— Você acha que fantasmas são reais? — perguntou tão baixo que o garoto demorou um pouco para decifrar o que ela havia dito.
— Não tenho certeza — respondeu com olhar pensativo. — Mas acho que sim, só que nem todo mundo tem o poder de ver eles.
— Acho que não tenho esse poder. — Ouviu ela dizer, ainda com a voz baixa, seu rosto parecendo subitamente mais triste.
— Mas isso é bom, né? — não entendia muito bem o porquê de ela parecer tão triste, mas notou ela balançar a cabeça levemente em uma negativa. — Você queria ver fantasmas? Para quê?
O silêncio dominou o ambiente uma vez mais, voltou a achar a garota bem estranha, já pensava se não deveria deixar ela ali encarando o lago, e voltar para a mansão, talvez já fosse a hora de ir embora e seu papà estivesse lhe procurando. O menino estava quase decidido de que deveria ir embora, quando ouviu a voz da garota sussurrar:
— Para ver minha mãe.
abriu a boca para responder alguma coisa, mas não esperava o que viria a seguir: não esperava que a menina começasse a chorar compulsivamente, nem que as palavras escapassem sua mente enquanto tentava confortá-la segurando sua mão; e, esperava ainda menos, que as lágrimas percorressem seu rosto também.
Flashback off
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O telefone tocou apenas uma vez, o suficiente para tirar de seu sonho às seis horas da manhã.
— Alô. — ouviu a voz rouca do outro lado.
— Hey, sunflower. Desculpa o horário, só queria avisar que tá tudo bem. Tenho algumas ideias de por onde começar a busca por , saio do estado ainda hoje.
— Sai do estado? — Qualquer sinal de sono desaparecendo da voz do rapaz. — Não me diga que você pretende atravessar o país atrás desse... — pausou antes de falar algo que talvez se arrependesse.
, tá tudo bem. Eu sei o que eu tô fazendo. Acho que ele foi para o Sudoeste, mas preciso checar alguns lugares no meio do caminho, então talvez não precise ir tão longe assim.
ouviu a respiração alta do amigo, sabia que ele estava se segurando para não dizer algo que pudesse levar a uma discussão.
, eu sei como você o vê, eu entendo o quanto ele é importante pra você, mas... Não existe nenhuma parte da sua mente, por menor que seja, que cogita a hipótese de ele realmente ser um traidor?
pensou na pergunta do amigo por alguns segundos, não era preciso mais do que isso. Pensou na maneira como , embora nascido para a violência, sempre a tratou com um cuidado ímpar. Lembrou-se dos olhos verdes e surpreendentemente gentis, toldados pela amargura natural da vida que levavam.
— Não — respondeu, confiante. — Não acredito que ele seja capaz disso, . E eu entendo o porquê para você seja difícil perceber as coisas da mesma forma que eu, mas eu preciso que você confie em mim. Você não precisa acreditar no , mas acredite em mim.
O silêncio tomou conta da ligação, enquanto tentava aceitar o pedido de , tentando lidar com o medo que o consumia.
— Tudo bem, — suspirou. — Eu vou confiar em você nisso, mas, por favor, não seja imprudente, toma cuidado.
— Prometo. Preciso ir agora... você vai ficar bem? — Ele sabia que não se referia somente ao que haviam acabado de conversar, a pergunta também se referia à reviravolta causada pela reunião do dia anterior.
— Vou tentar. — Um sorriso sem o menor traço de felicidade tomou seu rosto.
— Se precisar de algo, esse será meu número por enquanto. Se eu precisar mudar, te mando um novo.
— Ok — disse simplesmente, se sentindo subitamente drenado, as preocupações ainda rondando sua mente.
— Ti amo.
A ligação ficou muda antes que pudesse responder, e minutos depois, ele voltou ao seu sono inquieto, enquanto arrancava com seu Porsche em direção à Interstate 55.
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dirigiu por uma hora pela Interstate até Kankakee, onde decidiu parar para comer algo em uma lanchonete de estrada de aparência um tanto duvidosa, mas nada que ela já não estivesse acostumada. Sentada na mesa mais distante possível do restante dos clientes, dispôs as pastas que recebera de Key mais cedo, disposta a tomar quantas xícaras de café fossem necessárias para analisar cada um dos perfis ali descritos, precisava ter certeza de que tomaria a decisão certa.
Uma hora, duas xícaras de café e três donuts depois, estava noventa e oito por cento certa de onde deveria ir. Por desencargo de consciência, revisou uma vez mais os quatro perfis descartados: uma idosa em Nova York, um ex-agente SEAL que se aposentara na Florida, um italiano que trabalhou com Giuseppe — o pai de — por algum tempo antes de ser extraditado para a Itália, e uma mexicana que se encontrava desaparecida. De fato, todos eles estavam muito distantes da rota direcionada por , se precisava seguir rumo ao sudoeste, havia somente quatro pessoas que poderia encontrar pelo caminho.
prestou atenção em cada um dos perfis, focando nos endereços e verificando em uma pesquisa rápida o quanto demoraria para chegar em cada um dos destinos: a corretora de imóveis era a mais próxima de onde estava, levaria por volta de quatro horas até Cedar Rapids, Iowa. De lá, poderia procurar pelo dono de uma loja de departamentos em Missouri, o que levaria seis horas e meia; ou continuar seguindo em direção ao Sudoeste para chegar na cidade de Nebraska, onde encontraria a jornalista em quatro horas e meia. Se seguisse por essa linha de pensamento, a última opção seria o médico de Lawrence, Kansas, o qual acessaria com facilidade tanto de Nebraska quanto de Missouri.
Depois de mais trinta minutos calculando todas as rotas, olhou para suas anotações com satisfação, já sabia qual seria sua rota.
Após pagar a conta e voltar para seu Porsche, a garota enviou uma rápida mensagem para Vincenzo informando que estava a caminho de Iowa. Ela estava pronta, sua mente já entrara no modo de caça ao qual se acostumara nos últimos anos, a adrenalina já percorria suas veias, se sentia pronta para uma batalha.
Olhou para o estacionamento ao seu redor uma última vez, notando a placa da lanchonete prestes a cair, um adolescente maltrapilho que urinava na caçamba de lixo, os poucos carros que ocupavam o lugar e acendeu um cigarro, acelerando na mesma velocidade que sentia a fumaça adentrar seus pulmões. Espere por mim, , estou a caminho.


Capítulo 6

"I knew I loved you then, but you'd never know.
'Cause I played it cool when I was scared of letting go.
I knew I needed you, but I never showed".
(Say you won't let go - James Arthur)


Estava escuro. Não como se fosse de noite, mas como se tivessem apagado todas as luzes, inclusive a luz da lua e das estrelas. O garotinho caminhou inseguro, o medo dominando cada passo seu, e a cada movimento incerto em meio à escuridão, um calafrio percorria sua espinha. Ouviu passos e se encolheu assustado, forçando seus pés a correrem em qualquer direção, procurando uma saída daquele pesadelo. De repente, parou, não por vontade própria, mas dominado por alguma força invisível que o mantinha paralisado no lugar. Escutou os passos soando mais alto em sua direção e, mesmo tentando se mover com toda a força possível, continuava preso no mesmo lugar, à espera do seu destino. As lágrimas começaram a escorrer por seu rosto quando sentiu, embora não conseguisse ver, a presença em sua frente. Apavorado, abriu a boca para gritar por ajuda, mas antes que o som pudesse se materializar, suas cordas vocais foram comprimidas pelas mãos pesadas que apertavam seu pescoço como se quisesse transformá-lo em pó. Finalmente recuperou os movimentos, e tentou lutar contra a mão que agarrava seu pescoço, mas logo percebeu a inutilidade de seus esforços quando sentiu a vida se esvaindo aos poucos, seu corpo perdendo a força.

acordou em sobressalto, levando a mão ao pescoço para se certificar de que estava intacto. Olhou ao redor ainda um pouco confuso, notando que já era quase manhã. Passou a mão sobre os cabelos pingando de suor e olhou para o alarme na mesa de cabeceira: quatro e quarenta e sete. Suspirando cansado, tentou afastar as imagens do pesadelo que tinha com uma recorrência alarmante. Forçando a se levantar, decidiu tomar um banho para acalmar sua mente.

O rapaz entrou no chuveiro com a mente ainda atordoada de pensamentos obscuros, se recordando involuntariamente da lembrança cravada em sua mente, uma lembrança que faria de tudo para esquecer, responsável por todos os seus pesadelos. nunca contara a ninguém sobre o pesadelo constante, sabia que poderia desenterrar fantasmas do passado que provavelmente era melhor manter enterrados, mas entendia que os sonhos ruins eram um misto de medo, ansiedade e culpa.

Involuntariamente ou não, seus pensamentos se voltaram para ela. representava uma época em sua vida na qual ainda tinha fé nas pessoas, havia ingenuidade o suficiente para ver o mundo com outros olhos, sua presença quente e vibrante tinha o poder de espantar qualquer pensamento negativo.

Sua mente deixou de estar atordoada pelos pesadelos, mas passou a ser dominada por outro tormento, as lembranças de seus beijos, suas curvas sinuosas, quase podia sentir seu gosto na ponta da língua. Sem que pudesse controlar, notou que seu membro enrijecia só pela lembrança de , algo com o qual já devia ter se acostumado. E, exatamente como todas as outras vezes, não pôde conter o gemido que escapou de seus lábios ao se tocar, fechando os olhos e imaginando que ela, com seu sorriso indecifrável e as mãos macias e quentes como seda, estava ali.

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Flashback on
— O que você tá fazendo comigo, ? — perguntei em desabafo ao sentir seus lábios macios tocarem a glande, enquanto sua mão direita se movia com maestria, no mesmo ritmo. Foi uma pergunta retórica, claro, eu sabia exatamente o que ela estava fazendo, se tornando tão essencial para mim quanto respirar. Sua mão esquerda deslizou em direção às minhas bolas e, mesmo que eu não fosse um jovem apaixonado com os hormônios à flor da pele, não conseguiria segurar o gozo que veio a seguir. A puxei pelos cabelos e a beijei com toda a paixão em mim, desejando que de alguma forma eu pudesse marcá-la como minha para sempre, assim como ela havia feito comigo. Não havia ninguém no mundo que eu pudesse querer tanto quanto a garota à minha frente.

Terminei o beijo e mantive as mãos em seu rosto, tentando memorizar cada traço de seu rosto que parecia esculpido pelos deuses, como era possível que eu tivesse tirado a sorte grande de ter aquela garota em meus braços? Voltei a beijá-la com paixão, desejando que eu pudesse tirar sua roupa ali mesmo e retribuir o prazer que ela havia me proporcionado, mas uma demonstração pública de afeto já havia sido suficiente.

— Calma aí, garanhão. — Ouvi sua voz rouca próxima do meu ouvido, tentando conter o riso após separar nossos lábios, ela havia notado o efeito que sempre tinha em mim, sendo tão deliciosamente irresistível.

— Você é completamente louca — disse, selando nossos lábios uma última vez e a abraçando de lado para continuarmos nossa caminhada pelo parque. — E eu sou completamente louco por você.
Flashback off
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A lembrança dos lábios de envolvendo seu membro e sugando até a última gota de sêmen o levou ao ápice, deixando que seu gozo fosse levado pela água junto com a frustração de não a ter ali consigo. se sentia como se fosse o cara mais idiota do mundo, sabia que era a única mulher para si, e ainda assim estava ali, se masturbando no chuveiro enquanto ela arriscava sua vida em algum lugar qualquer.

Recostando a testa na parede fria do banheiro enquanto sentia a água quente sobre as costas, se permitiu sonhar um pouco e vislumbrar um futuro em que pudessem estar juntos; e com uma nova convicção em mente, saiu do banho pronto para iniciar seus preparativos para reconquistar a mulher da sua vida.

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chegou em Iowa por volta de uma hora da tarde, um pouco mais rápido do que havia previsto. Checou a conta que havia passado para Vincenzo e se certificou de que havia recebido o valor combinado antes de seguir até um motel modesto em Cedar Rapids, que ficava a dez minutos da casa da corretora de imóveis. Depois de um banho para tirar a sujeira da estrada, se vestiu rapidamente e voltou a analisar o dossiê de Julia Hamirez.

A primeira coisa que notou em meio às informações extraídas por Key foi o fato de a corretora ter uma poupança em uma de suas contas bancárias que certamente não poderia ter conseguido na linha de profissão que escolhera. A partir disso, olhou com mais atenção suas transações bancárias e algumas conversas por e-mail, as quais Key fez questão de evidenciar em meio aos documentos. Aparentemente, Hamirez fornecia esconderijo para criminosos de colarinho branco que precisavam sumir por um tempo, seu trabalho como corretora sendo conveniente o suficiente para que soubesse em quais casas desabrigadas poderia habitar um foragido. Além disso, havia um certo hábito de cobrar valores acima do mercado em suas vendas para abocanhar uma comissão maior do que normalmente teria.

Se quisesse amedrontar Hamirez, ela tinha todas as provas para incriminá-la, mas a assassina não tinha certeza se essa seria a melhor estratégia ali. A corretora estava na lista de contatos de , no fim das contas, então talvez ela fosse uma aliada que poderia ser mais útil se continuasse assim. O problema era que não tinha o charme de seu mentor para encantar as pessoas e convencê-las a fazer o que ela queria ou precisava, era muito melhor intimidando as pessoas nessa direção. Logo, a assassina chegou à conclusão de que não havia o que fazer, essa missão era claramente diferente de qualquer outra que já fizera no passado, então teria de se forçar a lembrar de todas as tentativas fracassadas de para que fosse mais amigável com desconhecidos e improvisar.

Sua primeira decisão foi ligar para a empresa onde a corretora trabalhava, precisava se certificar de onde ela estava para que pudesse encontrá-la no momento mais propício. Fingiu ser uma cliente em potencial, interessada em visitar algumas propriedades e alegando que já havia feito um primeiro contato com a corretora, mas precisava oficializar um encontro para agendar suas visitas. A ligação foi melhor do que esperava e logo obteve a informação que precisava: Hamirez tivera algumas visitas agendadas pela manhã e teria sua última visita às duas da tarde, mas não voltaria à agência hoje, portanto a conclusão óbvia para era ir até a casa da mulher e aguardá-la.

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se encontrava sentada sobre o capô do seu Porsche com um cigarro em mãos, acreditava que se estivesse claramente visível quando a corretora chegasse, ela não daria meia volta e sairia correndo. Houve tempo suficiente para almoçar algo e depois seguir até a casa de Hamirez, e ainda assim conseguira chegar antes da mesma. Havia decidido não levar nenhum celular consigo, não queria correr o risco de ser rastreada, assim como também preferiu não levar nenhuma de suas armas, trazendo consigo apenas uma pequena adaga, escondida no bolso da jaqueta. Alguns minutos depois, avistou o Nissan prata da corretora se aproximar com uma lentidão angustiante, dando tempo o suficiente para que jogasse fora o cigarro e tentasse assumir uma postura menos ameaçadora.

Julia Hamirez era uma mulher prática e mais esperta do que deixava transparecer, mostrando sempre uma fachada de simpatia e profissionalismo que a deixava acima de qualquer suspeita, mas já havia se metido o suficiente no submundo do crime para reconhecer quando via alguém atado à ele, por isso não demorou mais do que alguns segundos para entender que não era uma cliente em potencial, mas alguém que desejava que ela lhe fornecesse alguma coisa que seu trabalho habitual não pudesse fornecer.

Hamirez saiu de seu Nissan com a aparência calma e simpática que se tornara natural para si, acenando para e se aproximando como se já esperasse encontrá-la ali, o que deixou a assassina imediatamente desconfiada e em alerta.

— Boa tarde, srta... — Hamirez fez uma pausa, aguardando que revelasse alguma informação sobre si, ato completamente em vão, uma vez que simplesmente a olhou impassível, sem a menor intenção de se apresentar. E lá se foi a tentativa de ser mais amigável, pensou consigo mesma. — Bem, em que posso ajudá-la?

olhou ao redor, incomodada com a claridade e a possibilidade de que alguém as visse conversando, preferia que as informações trocadas ficassem apenas entre as duas, e embora houvesse poucas casas um tanto distantes da que estavam, preferia não dar chance ao azar.

— Hamirez, creio que é melhor entrarmos — afirmou, notando o sorriso da corretora vacilar temporariamente antes que ela voltasse a estampar a simpatia forçada novamente, acenando e concordando com .

— Mas é claro, onde estão meus modos? — Caminhou em direção à casa com em seu encalço, seja lá o que a mulher queria, Julia não se sentia confortável de maneira alguma em recebê-la dentro de sua casa, mas sabia que não tinha opção.

Assim que adentraram a casa da corretora, não perdeu tempo em tirar a foto de dobrada dentro de sua calça e mostrar para a mulher.

— Conhece esse homem? — Não tinha a menor pretensão de revelar algo além antes de entender de que forma a mulher poderia ajudá-la. Imediatamente, um sorriso largo e sincero se apoderou dos lábios de Julia.

— Sim. — Pegou a foto da mão de , tocando a foto como em uma carícia. — Que mulher poderia se esquecer de ? — questionou com uma malícia implícita que não escapou , que travou o maxilar em irritação. Julia notou a reação de , e não mais preocupada em forçar simpatia, acrescentou. — Não me diga que você é a esposa traída que fica caçando as infidelidades do marido?

— De onde você o conhece? — questionou impaciente, ignorando completamente o comentário da corretora. A impaciência de era um misto de ciúmes e frustração por estar com ciúmes.

Julia se perguntava o quanto deveria revelar e se realmente deveria dizer a verdade sobre sua relação com . A mulher à sua frente não parecia nada inofensiva, e não conseguia fazer uma leitura precisa o suficiente para saber se ela fingia saber menos só para testá-la.

— Ele foi um cliente, é claro. Há muito tempo me procurou junto com um amigo, precisavam de um lugar seguro onde pudesse guardar alguns itens preciosos, definitivamente os clientes mais exigentes que já tive — decidiu pela verdade, não estava disposta a levar um tiro por um cara que mal conhecia.

— Ele comprou uma casa em Iowa? — perguntou, curiosa. Será que esse lugar era onde ele se escondia agora?

— Não. Eu morava e trabalhava em Missouri na época, e ele não queria uma casa, ele queria uma espécie de galpão ou depósito.

ficou em silêncio por alguns minutos, registrando as informações em sua mente e conectando com o que tinha até o momento, pensou que deveria haver alguma relação entre esse galpão e o dono de uma loja de departamentos em Missouri, um dos perfis em sua lista.

— Preciso do endereço desse galpão — ordenou , não dando a menor margem para argumentos.

— Sem querer ser mercenária, xuxu, mas o que eu ganho com isso? Eu tô colocando o meu na reta aqui te passando essas informações, e até onde eu sei o pode aparecer na minha porta amanhã e me matar por isso.

se permitiu um riso de escarnio para a morena à sua frente, ela era mais corajosa do que imaginava que seria.

— Não ir para cadeia e preservar a imagem de boa moça me parecem recompensas boas o suficiente. O que acha?

As duas ficaram em silêncio encarando uma à outra por alguns minutos. Julia maquinava se poderia extrair algo da mulher à sua frente sem nenhuma repercussão negativa, enquanto aguardava pacientemente sabendo que tiraria a informação de Hamirez de uma forma ou de outra. Por fim, Julia se deu por vencida e caminhou até a biblioteca no cômodo seguinte, sendo seguida de perto por , que a observava com olhos de águia.

Julia abriu uma das gavetas de uma fileira de armários de madeira que cobriam o lado direito inteiro da biblioteca, revistando as pastas ali até parecer encontrar o que estava procurando. Alguns minutos depois anotou um endereço em um pedaço de papel e entregou à . A assassina encarou o papel por alguns instantes, se perguntando se isso era tudo, será que desejava que ela soubesse de algo mais além disso, ou deveria dar meia volta e continuar como se tivesse cumprido a primeira etapa de sua missão? A corretora pareceu notar que a garota esperava por algo mais e com um suspiro complementou:

— Olha, isso é tudo que eu sei. Não sei o que ele guardou nesse depósito e nem quero saber, não faz parte do meu trabalho. Ele precisava de uma propriedade, eu a vendi, e esse é o endereço.

olhou fixamente nos olhos da corretora, a observando tremer sob seu olhar. A assassina percebeu que havia algo mais que ela não contara, e preocupada em não deixar nenhum detalhe passar, questionou uma vez mais.

— Tem certeza de que isso é tudo? Nada mais além de uma propriedade vendida?

— Nossa, mas você realmente não desiste, hein? — com um suspiro, Julia complementou a história. — Havia duas chaves para entrada no depósito. deixou uma comigo por precaução, segundo ele, caso precisasse dela no futuro. E acontece que esse futuro foi por volta de um mês atrás, quando ele me procurou e levou a chave reserva. E antes que você pergunte, ele não falou nada além de que precisava da chave.

Dessa vez, se convenceu de que a corretora falara toda a verdade. Com um aceno em agradecimento, a assassina guardou o endereço no bolso de sua jaqueta e deu meia volta na direção que haviam feito, seguindo direto para seu Porsche e acendendo um novo cigarro ao se sentar no assento de couro. Estava contente com as informações que recebera, e sentia que estava cada vez mais próxima de encontrá-lo.


Capítulo 7

“You live, you learn. You love, you learn.
You cry you learn. You lose, you learn.
You bleed, you learn. You scream, you learn.”
(You Learn – Alanis Morissette)


Os corpos se embalavam entre suspiros e gemidos, o corpo de se moldando ao de como se fossem feitos um para o outro, o que era exatamente o que sentiam. Com um último gemido, ambos atingiram o ápice, selando seus lábios em um beijo longo e sensual.

Enquanto despertava do sonho, seu corpo encharcado em suor, ainda pôde ouvir a voz de ecoando em sua mente "Ti amo, tesoro".

Deitada sobre a cama desconfortável do motel, encarou o teto com uma frustração crescente dominando seu corpo, sonhar com era a última coisa que precisava, ainda mais um sonho erótico! Irritada, precisou juntar toda sua força de vontade para se impedir de tocar-se pensando no rapaz, levantando-se da cama em um salto e seguindo para um banho gelado, apagando o desejo que lhe consumia minutos antes.

Vestir uma camiseta branca, uma calça jeans e uma camisa de flanela lhe pareceu a melhor escolha para se misturar à população de Nebraska. A assassina havia chegado na cidade na noite anterior e encontrara um motel moderadamente bom para passar a noite.

A viagem havia sido relativamente rápida da casa da corretora até o estado fronteiriço, com uma pausa rápida para se livrar do telefone descartável que usava — enviando um novo número para Vincenzo — e comendo um lanche qualquer antes de continuar seguindo viagem.

O próximo alvo da lista era Iris Johnson, uma jornalista renomada na cidade, e decidiu aproveitar o fato de que a mulher era uma figura pública para procurá-la nas redes sociais, logo descobrindo que a jornalista estaria cobrindo um festival no centro de Nebraska. Ótimo! Não bastava ter de lidar com os sorrisos e tentativas de conversa do amigável povo de Nebraska, teria de fazê-lo em meio à uma festa, pensou.

Checando o relógio, notou que ainda era oito da manhã, havia tempo até o início do evento dali a duas horas. Decidiu por pedir seu café da manhã no próprio motel, aproveitando o tempo para enviar uma rápida mensagem para (Até agora, tudo bem, Sunflower.), e analisar o perfil da jornalista de quem precisaria arrancar algumas informações.
A análise do perfil de Iris Johnson não lhe ajudou em nada, exceto por saber que a mulher era uma ótima profissional, incontestavelmente competente e renomada. Essa conclusão serviu apenas para colocar uma pulga atrás da orelha de , como era possível que essa mulher tivesse qualquer conexão com ?

Cansada de esperar pelos trinta minutos que ainda faltavam até o início do festival, decidiu iniciar sua busca pelo centro da cidade, mentalizando encontrar a jornalista antes das festividades. O Instagram de Johnson lhe permitiu encontrar a localização dela com facilidade, porém apesar da busca efetiva, a loira platinada estava rodeada de pessoas, cumprimentando fãs, entrevistando pessoas e com uma enorme câmera direcionada a ela a todo momento. Bufando, continuou caminhando pela multidão, percebendo que teria de aguardar até o fim do evento, se quisesse ter alguma chance de falar com a mulher sorridente que caminhava alegremente por entre as inúmeras pessoas.

Estar em meio a tantas pessoas era algo incomum para , que, no auge dos seus vinte e sete anos, ainda não havia evoluído tanto suas habilidades sociais, e o número de pessoas com quem conseguia manter uma frequência afetiva relativamente alta se resumiam a e , fazendo com que a necessidade de encontrar o último fosse ainda maior.

Enquanto observava as pessoas dançando e bebendo, rindo e conversando entre si, se deu conta de que toda essa leveza e facilidade em relacionar-se com outros seres humanos simplesmente não estava em sua constituição. Talvez fosse herança de sua infância, pensou, lembrando-se que não podia sair de casa nem para ir à escola, aprendendo desde muito nova a apreciar sua própria companhia e, consequentemente, não tendo oportunidade para conviver com alguém além de sua mãe e de seu pai.

O evento seguiu por todo o dia, dando tempo suficiente para que fosse abordada por, pelo menos, dez estranhos diferentes querendo "conhecê-la melhor". Mas a garota aproveitou para almoçar algo quase decente, para então passar o dia e observar Iris de perto por tempo suficiente para notar que a mulher era realmente talentosa no que fazia, e extremamente apaixonada por seu trabalho.

bebia sua terceira garrafa de água quando percebeu a aproximação, e sendo raramente pega de surpresa, encarou a jornalista que sorria largamente à sua frente.

— Sabe, as pessoas costumam ser mais discretas quando estão seguindo alguém — o sorriso se intensificou. — O que me leva a crer que, ou você é uma amadora, ou não é tão perigosa a ponto de me matar ou algo do tipo.

A assassina permaneceu em silêncio, pensando no quanto a mulher à sua frente estava errada, mas percebendo com nova admiração que ela era mais observadora do que imaginara.
— Ou talvez eu esteja completamente errada e você é somente uma grande fã querendo ver meu trabalho de perto...? — continuou, tentando arrancar alguma reação da mais nova.

— Preciso de algumas respostas — disse , tentando parecer menos intimidadora do que costumava ser, a loira platinada parecia genuinamente legal para variar.

— Hum... enigmática. Meu tipo favorito — comentou como se ela estivesse realmente interessada em ouvir o que tinha a dizer. — Bom, seja lá o que for, imagino que esse não seja o lugar ideal para conversarmos. Vem comigo.

titubeou por alguns segundos, mas logo seguiu a loira que caminhava confiante pelo mar de pessoas, encontrando facilmente uma rua estreita escondida na qual caminharam em silêncio. A mais nova ficava a cada minuto mais surpresa com a audacidade e confiança da jornalista, talvez por isso ela fosse tão boa profissional, no fim das contas.

Andaram por mais alguns minutos até chegarem ao que parecia um restaurante italiano clássico, com arquitetura do século XIX e móveis de madeira, vermelho e verde preenchendo o ambiente. Iris seguiu sem pausas, sorrindo para os funcionários que a cumprimentavam pelo caminho. Porém, ao invés de sentar-se em uma das mesas vazias, a jornalista continuou seguindo e entrando por um corredor que parecia destinado aos funcionários, encontrando uma escada ao fim do corredor e seguindo escada acima como se fosse a própria dona do lugar. tentou se recordar, mas tinha certeza de que não havia nenhum restaurante entre as propriedades da mulher em seus arquivos. Por fim, elas entraram em um escritório vazio, com móveis de mogno e couro por todos os lados, o cheiro de vinho e cigarro pungente no local.

— Vinho? — ofereceu, se servindo de uma dose generosa da bebida e gesticulando para que a mais nova se sentasse em uma das poltronas. Ao notar a evidente curiosidade de pelo local, continuou. — É o restaurante de um grande amigo. Sempre que preciso encontrar minhas fontes em um local seguro, esse é o meu favorito. Ninguém irá nos incomodar enquanto estivermos aqui, e tudo que conversarmos, ficará entre nós.

pensou nas possibilidades de todo aquele cenário ser uma armadilha, mas logo se deu por vencida, pegando a foto de no bolso da calça e colocando sobre a mesa de centro, observando a reação de Iris com atenção. A jornalista tomou um gole de vinho antes de pegar a foto e arquear a sobrancelha, analisando a foto com um misto de humor e irritação pulsando em seus olhos verdes.

— Hum... eu ainda nem sei seu nome, e ainda assim você não para de me surpreender — comentou, se afastando para servir uma dose de whiskey e entregar o copo para , que aceitou com relutância. — Não se preocupe, eu teria de estar completamente fora de mim antes de tentar algo contra alguém envolvido com os Pellegrini.

— O que você sabe sobre os Pellegrini? — foi a pergunta automática que escapou os lábios de , enquanto encarava a loira com intensidade. percebeu a mudança no comportamento de Iris, embora ela tentasse manter o ar leve, seu corpo claramente mostrava a tensão que a foto de lhe causara.

— O suficiente para saber que não devo me meter com eles — respondeu Iris, um olhar pesado pousando nos de . — E então? lhe enviou aqui?

A assassina encarou a jornalista com curiosidade, ela parecia saber mais do que deixava transparecer, e tinha a impressão de que teria de ser honesta se quisesse realmente arrancar algo da mais velha.

— De certo modo. desapareceu, mas deixou em minha posse uma lista com alguns nomes que deveriam servir para situações atípicas como essa. Você é um desses nomes.

deixou em sua posse... devo assumir então que vocês possuem alguma relação de intimidade e confiança...? — sondou Iris, tentando manter o rosto impassível enquanto tomava mais um gole de seu vinho.

— O truque mais velho de todos. Esperava mais de você, Johnson — deixou um riso de escárnio escapar, virando a dose de whiskey em uma única vez antes de prosseguir. — Eu faço as perguntas. Como você conheceu ?

Iris pareceu ponderar a pergunta por alguns segundos, saboreando calmamente seu vinho enquanto analisava o perfil de . A loira precisava admitir que a morena era extremamente linda, e que sua relação com poderia ser completamente profissional ou mesmo algo platônico. De qualquer maneira, a jornalista já havia vivido o bastante para perceber a áurea de perigo em volta da garota, e não era muito apegada a mentiras e subterfúgios, por isso logo concluiu que falaria a verdade, ainda que isso lhe custasse mais do que gostaria.

— Acho que está mais para como ele me conheceu. simplesmente apareceu na cidade alguns bons anos atrás e se fez ser notado por mim, por assim dizer. Se você o conhece tão bem quanto parece conhecer, deve saber como funciona seu charme irresistível.

permaneceu em silêncio, sentindo que essa não seria uma história que gostaria de conhecer.

— Ele ficou aqui por alguns meses, disse que precisava resolver algumas pendências do trabalho, embora nunca tenha me dito exatamente que trabalho era esse. — Um sorriso amargo dominou a face de Iris. — Ele parecia o homem dos meus sonhos... atraente, inteligente, carinhoso e extremamente bom de cama, devo admitir. — A expressão de vacilou por um instante, a raiva evidente em seus olhos se dissipando em segundos. — Você tem uma ótima poker face, é impressionante!

Iris se serviu de mais uma taça de vinho, completando o copo de com mais whiskey.

— Um brinde ao homem que roubou nossos corações. — Levantou a taça ironicamente, o sorriso amargo voltando novamente, enquanto voltava à expressão impassível de antes, embora por dentro fervilhasse de ciúmes e curiosidade. –—Bom, para ser curta e grossa, ele estava apenas me usando. Toda a pose de bom moço foi uma grande fachada, para esconder quem ele realmente é.

— O que quer dizer com isso? — questionou, inquieta para entender melhor o quebra-cabeças que se debruçava à sua frente quanto mais continuava em sua caça.

— Quero dizer que ele estava interessado no que seria o meu maior furo jornalístico na época. Há anos eu investigava o incêndio na tribo Chowanoke; a polícia recebeu dinheiro para fingir que tudo não passou de um acidente, mas era evidente que tinha alguma coisa por trás do incêndio que dizimou toda uma tribo. Para mim, era muito mais do que um furo jornalístico, era uma questão de justiça. — notou a mudança no semblante de Iris facilmente, a mais velha não tentava esconder a tristeza em seu olhar. — Eu cavei e cavei informações por anos, determinada a chegar até a raiz do que houve, e foi quando... — um suspiro escapou seus lábios. — Foi quando recebi uma pista que me direcionava à família Pellegrini.

O olhar tenso de encontrou a amargura e tristeza no olhar de Iris, a jornalista não tinha a menor intenção de esconder seus sentimentos, e a assassina sabia que nada do que ela falava ali poderia ser mentira.

— E é aí que entra? — questionou, temendo em ouvir a verdade.

— Sim, é exatamente aí que entra. Ele apareceu no momento perfeito, eu achei que tudo estava se encaixando no lugar: estava quase chegando ao fim da investigação que seria o marco da minha carreira, traria justiça para os sobreviventes daquela tribo esquecida pelo mundo, e ainda havia encontrado o amor da minha vida. — Uma lágrima escapou dos olhos de Iris, antes que ela conseguisse prosseguir — Acontece que eu era só mais uma idiota apaixonada.

— O que fez? — questionou uma vez mais, seu coração acelerado em antecipação.

— Ele sabia o que eu estava investigando desde o começo, claro. Mas aos poucos, conforme ele me conhecia um pouco mais, e me seduzia um pouco mais, e me manipulava um pouco mais, ele descobriu exatamente o quão perto eu estava da verdade. E foi aí que... — Seu olhar encontrou os de novamente, seus olhos verdes transmitindo toda a honestidade e dor em seu coração. — Foi aí que ele surtou. revelou quem era e me ameaçou, disse que me mataria se eu não entregasse a ele tudo que havia encontrado, cada pedacinho da minha investigação, do meu trabalho e esforço de anos. Ele ainda deixou bem claro que se as informações vazassem de alguma forma, ele me encontraria onde quer que eu fosse.

O silêncio dominou o pequeno escritório por alguns minutos, Iris perdida em sua memória trágica, enquanto tentava correlacionar o descrito pela jornalista ao que ela conhecia. Seria possível que estivera enganada esse tempo todo? Seria um traidor?

— Isso é tudo? — se forçou a perguntar, desejando não ter ouvido toda a história de Iris, e querendo mais do que tudo se afastar da mulher que parecia assombrada pelas memórias do passado.

— Sim. Eu nunca mais o vi novamente, também não me atrevi a continuar as investigações ou falar sobre tudo o que aconteceu até esse exato momento. — Um sorriso sarcástico assumiu seus lábios quando complementou. — Você é como meu próprio fantasma do Natal passado.

estava atordoada demais para se atentar à piada triste que Iris fizera. Simplesmente pegou a foto de e guardou em seu bolso, um aceno de cabeça na direção da jornalista antes de se dirigir até a porta. Pausou na soleira, como se uma corrente invisível à prendesse aquela mulher.

— Sinto muito, Iris. Por tudo que houve, mas especialmente por te fazer reviver tudo isso novamente. — Seus olhos se encontraram uma última vez, os olhos verdes de Iris um pouco mais tranquilos, agradecidos pela compreensão; os de repletos de empatia, pois ela também conhecera a dor da traição, e de um coração partido.


Capítulo 8

“Wrapped up, so consumed by all this hurt.
If you ask me, don’t know where to start.
Anger, love, confusion, roads that go nowhere.”
(Take me home – Jess Glynne)


O escritório estava vazio naquela manhã, tornando o momento perfeito para a ligação que a investigadora estava prestes a fazer.

— Oi, maninha. — ouviu a voz arrastada do irmão do outro lado da linha, seu coração doendo pela saudade que tinha de ouvi-lo.

— Hey, Nã! Como estão as coisas por aí? — perguntou, sempre preocupada com seu estado de saúde.

— Nada de novo, tudo está exatamente como da última vez que nos falamos. — pôde ouvir o suspiro irritado do outro lado da linha, ele não gostava que ela se preocupasse. — E como anda sua investigação?

Foi a vez de suspirar, mas de frustração, toda vez que achava estar próxima de conseguir algo contra os Pellegrini, algo lhe fazia retroceder.

— Não tão bem como eu esperava. Mas estou perto, posso sentir — respondeu por fim.

— Eu preferiria que você desistisse disso tudo antes de terminar desaparecida ou em uma vala qualquer — Nãami afirmou, sendo dolorosamente sincero com sua irmã uma vez mais.

— Você sabe que eu não posso fazer isso. Eles precisam pagar pelo que fizeram — disse, convicta. estava cansada de discutir o assunto com seu irmão, sabia que ele não aprovava o caminho que escolheu seguir.

— Não querer e não poder são duas coisas diferentes, maninha.

— E você sugere que eu simplesmente esqueça de tudo? Você, mais do que ninguém, deveria entender que isso é o que eles merecem.

E como que para provar seu ponto, ouviu a tosse alta e contínua de seu irmão do outro lado da linha, sua respiração ficando mais difícil enquanto o coração de parecia doer ainda mais.

— Eu entendo, maninha. Mas você merece muito mais do que perder sua vida em busca de vingança — ele conseguiu finalmente dizer.

ficou em silêncio ponderando o que seu irmão dissera. Ela sabia que ele tinha razão, em partes. Ela sabia do risco que estava correndo ao dedicar sua vida perseguindo uma das famílias mais poderosas do país; mas ela também sabia que era a única maneira de conseguir justiça por sua família perdida.

— Eu não consigo, Nã. Eu queria poder, mas... jamais vou conseguir dormir a noite sabendo que, enquanto nossa tribo se tornou poeira. E enquanto você morre, eles estão destruindo outras vidas, e eu não estou fazendo nada. Talvez você não acredite que eu possa fazer isso, mas eu sei que eu posso. Eu só preciso ter a coragem de continuar tentando até às últimas consequências.

Seu irmão ficou em silêncio, pensando em suas próximas palavras, mas podia ouvir sua respiração alta do outro lado da linha.

— Eu espero que consiga encontrar a paz que seu coração procura, minha irmã. Só isso. Mas lembre-se que todos em nossa tribo morreram com o coração em paz, e é assim que deve ser se você deseja algum dia encontrá-los novamente. Eu fiz as pazes com nosso passado, e algum dia você terá de fazer o mesmo.

sabia disso, claro, mas era mais fácil em teoria do que na prática. Naquele momento, a única coisa que realmente importava era conseguir justiça; se preocuparia com sua alma depois.
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observou as mulheres seminuas dançando ao seu redor sem lhe despertar nenhum interesse. Tomou mais um gole de seu conhaque enquanto esperava impaciente por seu irmão, atrasado para o encontro que haviam agendado no dia anterior. Três doses e trinta minutos depois, seu irmão saiu por detrás de uma das enormes cortinas de veludo vermelho que cobriam as entradas para as suítes destinadas aos clientes especiais do bar. observou enquanto o irmão, parecendo mais perdido do que o habitual, o procurava por entre as mesas. Quando o olhar de Luca pousou sobre o seu, notou imediatamente os olhos vermelhos e as pupilas dilatadas.

— Ora, ora, eu realmente achei que você não viria — observou Luca, ignorando o maxilar travado de em irritação e se aproximando para abraçá-lo. Apesar da raiva, seu irmão retribuiu o abraço.

— Por que não viria? — questionou o mais velho, depois de absorver as palavras de Luca.

— Ah, você sabe... desde que você e terminaram, você não sai da barra da saia da mamãe. — Deu de ombros, pegando alguns amendoins sobre a mesa e enfiando boca adentro antes de continuar. — Não achei que ela deixaria o filho pródigo tão próximo da ovelha negra da família, deve achar que vou te corromper ou algo assim.

tomou mais um gole da bebida, ponderando o que o irmão dissera, e no fundo sabia que ele não estava errado. Tivera um bom relacionamento com seu irmão mais novo há um bom tempo atrás, mas quando se prendeu em trabalhos burocráticos na Itália para esquecer de , acabou abandonando tudo que o fizesse voltar para os Estados Unidos, inclusive seu irmão.

— O Don solicitou que eu ficasse aqui por alguns meses, dar atenção à algumas questões importantes.

— Uau, e a sra. Bernardi Pellegrini não teve nada a dizer sobre isso?

deu de ombros, cansado de se preocupar com o que pensava sua mãe.

— Não cabia a ela se meter nos assuntos do Don — disse simplesmente, notando a maneira como seu irmão coçava o nariz a cada segundo. — O que você pensa que tá fazendo, Luca?

— Como assim, bro? — O mais novo assumiu uma postura defensiva, seus olhos se desviando dos de seu irmão.

— Desperdiçando sua vida entre álcool, mulheres e drogas... o que pensa que vai conseguir com tudo isso? — sua voz soava séria, mas seu olhar somente demonstrava preocupação.

— Sinceramente, fratello? — respondeu Luca, com sua honestidade habitual. — Eu não faço a menor ideia.

Um suspirou escapou os lábios de , ele sabia que parte da responsabilidade de seu irmão agir como agia caía em sua conta. Ele deveria ter ficado para cuidar do cartel de drogas em Chicago, e ele deveria ter ficado para cuidar do seu irmão mais novo, mas estava tão preso em seus próprios erros que não se preocupou em deixar que o ingênuo Luca lidasse com tudo sozinho.

Zio Giorgio pediu para que eu ficasse para tomar conta de você. Ele sabe dos problemas em que você tem se enfiado, dos deslizes, as indiscrições... — informou honestamente. — Eu preciso me certificar que tudo entre nos eixos antes que saia do nosso controle.

— Você quer dizer antes que se cansem das minhas burradas e mandem acabar comigo, corretto? — Luca perguntou, procurando o olhar de seu irmão mais velho do outro lado da mesa, nunca fora de usar de subterfúgios para dizer o que se passava por sua mente, algo que o favorecia tanto quanto o colocava em apuros.

— Algo assim — o mais velho replicou honestamente, bebendo mais uma dose de conhaque. — E como isso é algo que nenhum de nós queremos, preciso que você colabore, Luca.

O riso de escárnio do mais novo pôde ser ouvido do outro lado do bar, antes que ele tirasse um cigarro amassado do bolso de sua calça e o acendesse apressadamente, tragando como se fosse a melhor coisa que tivera em horas.

— Sabe, meu irmão, por mais que esteja comovido com sua tentativa de salvar a minha pele, acho que vou arriscar minhas chances — afirmou antes de se levantar para ir embora, sendo parado pela mão de em seu pulso.

— Sente-se. — A voz grave e séria do irmão o deixou pensando por um minuto antes de se sentar mais uma vez, tragando o cigarro enquanto admitia dar mais uma chance à reunião fracassada com seu fratello após oito anos de total distância.

— Sabe, , o mais irônico desse nosso reencontro é que você está alguns anos atrasados... Não há nada para você aqui. seguiu em frente e não te quer mais, eu segui em frente e não preciso de você.

As palavras atingiram em cheio, seu coração se apertando ao reconhecer o misto de dor e honestidade na voz do irmão. Pegou o copo para se entorpecer com mais uma dose de álcool, mas decidiu pelo contrário, entendendo que talvez era exatamente isso que precisava para se redimir de seus erros. Se o caminho para sua redenção fosse admitir o grande idiota autocentrado que sempre fora, então o faria.

— Luca... — suspirou, tentando organizar seus pensamentos —, eu sei que eu tenho sido uma merda de irmão por quase uma década, assim como eu fui uma merda de namorado para a , e, se você olhar um pouco mais de perto, devo ter sido uma merda de filho também.

Luca se surpreendeu com as falas do irmão, se atentando aos olhos lacrimejados, o maxilar travado em uma tentativa de manter seu orgulho apesar da confissão. O mais novo cruzou seu olhar com o de e ouviu de peito aberto o que ele tinha a dizer.

— Mas você é meu irmão, e eu sempre vou te amar mesmo não sabendo como demonstrar. Eu sei que eu falhei com você, Deus, eu sei o quanto eu falhei com a , mas eu quero... não, eu preciso me redimir. Eu quero ser um irmão melhor para você, e mesmo que você não queira, mesmo que você esteja com tanto ódio de mim que você nem consiga ficar na minha presença por mais de vinte minutos, eu não vou desistir de você.

Ao ouvir o discurso do irmão, Luca se lembrou de quando eram crianças e
seu irmão costumava protegê-lo da ira de sua mãe, tomando a culpa por seus erros. Naquele momento, enquanto via a máscara de cair e conseguia vislumbrar novamente o irmão que achara ter perdido, Luca percebeu que talvez isso fosse exatamente o que precisava. Jogando o cigarro dentro do copo do irmão, Luca deu um abraço no mais velho, as drogas em suas veias fazendo com que suas emoções e reações estivessem mais intensas do que o habitual.

Grazie, fratello, lo risolveremo.

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encarava o teto do quarto de motel com uma dor crescente em seu peito, ela simplesmente não conseguia conceber a ideia de que era um traidor. Fechando os olhos, tentou manter a cabeça fria enquanto pensava nos possíveis cenários à sua frente. A primeira possibilidade, e a que parecia mais evidente no momento, era de que ele havia traído a todos causando a morte de Giuseppe, pai de . Se essa possibilidade fosse verdadeira, teria de ser fiel à sua promessa, não poderia deixar que ele saísse impune.

A segunda possibilidade era de que tudo não passava de um mal-entendido, que talvez a intervenção dele na investigação de Iris fosse uma ação usada para proteger a famiglia, ou seja, ele estaria apenas fazendo seu trabalho. sabia que poderia ter matado a jornalista em um piscar de olhos, mas ao invés disso ele escolheu deixá-la viver, ele permitiu que ela continuasse viva, uma ponta solta, algo abominável de se fazer se a sua intenção era, de fato, proteger sua família.

Por mais que tentasse justificar suas atitudes, não conseguia unir todas as informações de uma maneira satisfatória. Ela conhecia — ou assim achava — , ela sabia que ele não gostava de envolver e machucar pessoas inocentes, que não tinham nada a ver com o mundo em que estavam mergulhados. Ainda assim, Iris havia sido um dano colateral em qualquer que tenha sido o seu plano.

Irritada, sentou-se na cama e procurou dentro da mochila pela foto de , analisando seus olhos e tentando encontrar ali alguma resposta para o quebra-cabeças que ele havia criado. “O que você fez, ?”, se perguntava. Uma parte de si pensava que tudo não passava de uma piada de mal gosto do universo querendo zombar da sua cara, havia levado anos para se recuperar da dor que lhe causara, e quando finalmente se permitiu baixar suas guardas de novo, ali estava ela, prestes a levar uma apunhalada nas costas.

Observando o rosto bonito, o sorriso charmoso e traços fortes de , sentiu a dor da saudade martelar em seu peito. Ainda se lembrava vividamente da última vez que haviam se encontrado, na semana anterior, de seu abraço apertado e reconfortante, seu beijo quente e apaixonado, e o olhar preocupado de quem estava prestes a carregar o mundo nas costas. Será que ele sabia, então, o que estava por acontecer?

O celular tocou na escrivaninha ao lado da cama, tirando de seus devaneios. Olhou o número desconhecido e atendeu imediatamente, curiosa em saber quem poderia ser.

— Mancini. — Ouviu a voz de Key do outro lado da linha, a hacker parecia agitada de uma maneira incomum. — Talvez você queira apressar sua visita ao comerciante em Missouri.

— O que houve? — perguntou, curiosa, sabendo que ele era o próximo de sua rota.

— A loja dele acabou de ser fechada pelo FBI. Congelaram sua conta bancária, sua casa está sendo vigiada e ele tem sido monitorado 24h por dia, não pode sequer sair da cidade. Acho que isso vai dificultar as coisas um pouco para você.

— O quê? Como isso aconteceu? Aliás, como você sabe disso?

— Eu decidi ficar de olho nos seus alvos, por via das dúvidas, atenta para verificar se encontraria qualquer rastro do chefe. O jornal local lançou a informação sobre a loja e eu fucei um pouco além, acessando alguns arquivos da polícia. Aparentemente, receberam uma denúncia que parece ser promissora demais para não ser investigada.

— Cortina de fumaça? — perguntou, imaginando se toda a situação não havia sido cuidadosamente arquitetada para mantê-la afastada do alvo.

— Provável. Não encontrei nada sobre essa suposta denúncia nos arquivos policiais. De qualquer maneira, tente chegar nele antes que ele seja preso ou algo assim.

— Certo. — Antes que pudesse agradecer, ouviu o bip de finalização da ligação do outro lado.

Não havia tempo a perder. Se quisesse realmente descobrir se era ou não culpado, precisava encaixar todas as peças daquele jogo, e após a ligação de Key entendeu que Pablo Garcia era fundamental na equação. Pegando sua mochila e telefone, correu para fora do motel sem se preocupar em fazer o Check out, já havia pagado na entrada. Entrou no seu Porsche e arrancou na maior velocidade permitida, ainda havia uma longa jornada pela frente.


Capítulo 9

““You light my fire like a cigarette.”
(iloveyou – BETWEEN FRIENDS)

Flashback - 10 anos atrás

— Hey! — interceptou no caminho para mais um de seus treinos com , colocando as mãos na cintura da garota e selando seus lábios em um beijo suave. — Preparei uma surpresa pra você.
— Uma surpresa? — perguntou , arqueando a sobrancelha intrigada, mas sabendo que não poderia se deixar enredar no encanto de seu namorado ou acabaria se atrasando.
— Sim, mas para aproveitá-lo você precisa ir trocar de roupa — respondeu o rapaz, não resistindo em beijar seus lábios novamente enquanto a guiava de volta ao quarto.
— Agora? Você sabe que eu tenho treino! — protestou, mesmo que se permitindo ser guiada, caminhando de costas pelo longo corredor.
— Quem agenda um treino para uma sexta-feira à noite? Isso é praticamente pedir para os alunos faltarem — contestou , seu sorriso leve e malicioso tomando conta do rosto jovem e bonito. — Além disso, você tem coisas mais importantes a fazer.
— Tenho? — questionou , achando graça na atitude do garoto e permitindo que ele continuasse com seu discurso.
— Claro que tem! — afirmou parecendo ofendido, posicionando em frente à porta de seu quarto e lhe dando mais um beijo antes de completar: — Aproveitar seu namorado.
deixou uma pequena risada escapar ao ver a piscadela que o rapaz lhe lançou, suspirando em derrota ao notar que jamais conseguiria resistir a passar mais tempo com ele.
— Okay, mas saiba que existe uma grande chance de não vivermos por mais um dia quando o souber disso. — Abriu a porta do quarto — O que devo vestir?
— Algo sexy — disse apenas, dando um beijo no pescoço de sua namorada antes de se afastar em direção ao seu próprio quarto. — Te encontro em trinta minutos.

optou pelo único item em seu guarda-roupa que poderia se passar por sexy: um vestido preto que seu pai lhe dera no ano anterior na esperança de que ela se vestisse "adequadamente" para uma festa de família ao menos uma vez na vida. Ela sequer chegou a participar da festa, escapulindo com para acampar no Bullfrog Lake Campground durante todo o fim de semana.
Se olhando no espelho, decidiu que o vestido lhe caía como uma luva, e sem ter o hábito de passar maquiagem, optou por apenas um batom vermelho para realçar os lábios e complementar o look sexy. Estava prestes a sair do quarto à procura de quando o garoto passou por sua porta, a encarando como se não acreditasse em seus olhos, fazendo com que corasse em resposta, desacostumada a vestir-se dessa maneira.
— Sexy o suficiente? — brincou, tentando quebrar o gelo.
A resposta do rapaz foi cruzar o quarto em sua direção, a empurrando contra a parede e lhe beijando apaixonadamente, as mãos em sua cintura apertando com um pouco mais de intensidade do que o habitual, enquanto conseguia sentir a ereção do rapaz sob a calça jeans que ele usava.
— Tão sexy que estou quase te arrastando para a cama e deixando a surpresa para outro dia — comentou em seu ouvido após quebrar o beijo.
— Vá pensando que eu me arrumei para ficar em casa... eu quero minha surpresa — afirmou, se desvencilhando dos braços do rapaz e observando a carranca que ele fez por alguns segundos.
— Okay, mas quando voltarmos, não vamos sair desse quarto nem se começar a terceira guerra mundial — concordou, pegando a mão de e dando alguns beijos da sua palma até o seu ombro, afundando o rosto no pescoço da mais nova para sentir seu cheiro inebriante.

Quarenta minutos depois, estacionava em frente a um local bem movimentado, um lugar que mais parecia um castelo, com um pequeno letreiro: Tao.
olhou para seu namorado em um misto de confusão e surpresa.
— Você espera conseguir entrar lá dentro? — perguntou, vendo graça no otimismo do rapaz.
— Não somente espero, como vou. Já temos reservas — respondeu antes de sair do carro, dar a volta e abrir a porta do passageiro, a ajudando a sair.
— Você se lembra que nós não temos a idade legal para entrar aí, né? — Arqueou a sobrancelha dando a mão para o mais velho e o seguindo mesmo assim.
— Nós talvez não tenhamos, mas Clara e Bruno Bernardini tem.
Antes que pudesse questioná-lo sobre as pessoas mencionadas, cortava caminho pela enorme fila, chegando ao início da mesma e apresentando seus documentos ao segurança, que os deixou entrar imediatamente. De boca aberta, aguardou que estivessem dentro do lugar para perguntar.
— Como conseguiu isso? E de onde você tirou essa ideia maluca?
— Bom, eu tenho meus contatos, como deve imaginar. E já que somos quem somos, achei que não faria muita diferença adicionar uma pequena irregularidade a mais no nosso currículo.
deu de ombros, concordando com o mais velho e se deixando encantar pela atmosfera do lugar. A pista de dança estava abarrotada de pessoas dançando ao som de uma EDM que não conseguia identificar, mas de ritmo contagiante. Tão contagiante que a garota começou a mover-se automaticamente, se direcionando para a pista até ser contida pelo aperto firme de em sua mão.
— Não agora — disse o rapaz, a guiando para um lance de escadas que ela não havia visto quando chegaram. Após a subida, pôde ver diversas mesas de jantar cuidadosamente decoradas espalhadas por todo o salão.
apresentou os nomes e documentos falsos que usaram para adentrar o local à hostess e logo estavam sentados em uma mesa com uma belíssima vista para a noite de Chicago.
Depois de alguns minutos observando a linda paisagem, questionou com ar suspeito.
— Agora me diga, o que exatamente te levou a escolher essa surpresa? — Estava acostumada demais a tê-lo só para si, seus encontros sendo geralmente em lugares remotos em que não pudessem ser incomodados por ninguém.
— Não gostou? — replicou o rapaz, uma misto de tristeza e nervosismo incomuns dominando seu rosto.
— Claro que gostei, é lindo — se apressou em acalmá-lo, colocando a mão sobre a do rapaz em um aperto leve. O sorriso que recebeu de seu namorado se provou novamente ser uma de suas visões favoritas, e o rapaz estava prestes a falar algo quando foram interrompidos pelo garçom.
— Boa noite, Sr. e Sra. Bernardini. Sejam bem-vindos ao Tao Chicago. Meu nome é Jhon, e eu serei responsável pela sua mesa esta noite. Posso lhes oferecer algo para beber?
— Certamente, Jhon, obrigada. Eu gostaria do seu melhor vinho, por favor — respondeu , a voz intencionalmente mais grave o fazendo parecer mais velho que seus dezenove anos.
Quando Jhon se afastou em busca da bebida, inclinou-se sobre a mesa, tocando uma mecha que se desprendera do coque de , os olhos compenetrados na fisionomia de sua namorada.
— Você é a mulher mais linda do mundo — disse simplesmente, seus dedos soltando a mecha para se aventurar rapidamente por seu lábio inferior antes de voltar a posição normal na cadeira. — Imaginei que já passara da hora de levá-la a um encontro propriamente dito, não apenas nossas escapadas por aí.
— Eu gosto das nossas escapadas, são sempre emocionantes — contra-argumentou . — Gostei daqui também, é lindo e aconchegante, mas o mais importante é a sua companhia.
Jhon voltou com o vinho e anotou seus pedidos alguns minutos depois, se afastando novamente. conseguia sentir o nervosismo de à sua frente, embora não entendesse a razão, enquanto o garoto tentava organizar seus pensamentos para falar sobre o que rondava sua mente há dias.
Enquanto tomavam o delicioso vinho e se esbaldavam com a comida incrível do restaurante, eles conversaram sobre os preparativos dos pais de Jhon para sua cerimônia de iniciação na Itália e sobre como acreditava que ela estava preparada para missões de nível 3, um pouco mais complexas e perigosas. E foi ao fim da menção sobre que finalmente tomou coragem para dizer o que pensava.
, eu estive pensando muito sobre nós e nosso futuro nos últimos dias — iniciou, notando o olhar curioso de conectado ao seu. — Eu acho que devemos oficializar nosso namoro perante a famiglia.
— Como assim? — questionou , sem entender o sentido de se emaranhar nas convenções sociais da família.
— Eu quero um futuro com você, . E eu quero que todos saibam que você é minha, não vejo mais razão para continuarmos nos escondendo e fugindo como se houvesse algo errado em estarmos juntos — confessou o rapaz, sentindo o coração palpitar com medo da rejeição.
suspirou de frustração por se sentir confusa em relação a declaração do rapaz. o amava com todas as forças, sem dúvidas, mas sabia que seu relacionamento não seria bem recebido por todos, e sabia que certas condutas seriam esperadas de ambos assim que oficializassem a união. Se havia algo que abominava eram os estúpidos códigos de conduta estabelecidos pela famiglia.
— Eu também quero um futuro com você, e você sabe que te amo, mas eu não consigo entender como contar para família faria qualquer bem para nós.
virou uma taça de vinho de uma única vez, sentindo o álcool amortecer um pouco de sua ansiedade, pensando nas próximas palavras a serem ditas. O rapaz entendia a relutância de sua namorada, sabia que preferia manter uma distância saudável entre pertencer à família e pertencer a si mesma, tal qual seu mentor. Porém, para , essa não era uma opção.
, eu tô cansado de ter você só por alguns meses no ano! — Suas mãos procuraram as de sobre a mesa, as segurando com carinho. — Quando eu assumir minha posição na cerimônia no próximo mês, não vai ser mais tão fácil largar tudo e vir para os Estados Unidos, e você também não será liberada para ir até a Itália sem nenhuma razão aparente. Nós precisamos disso, só assim poderemos pertencer um ao outro completamente.
— Eu entendo, é o que eu mais quero, — admitiu, dando-se parcialmente por vencida, embora uma parte no fundo do seu âmago pensava que não poderia ser assim tão simples. — Quais são as implicações?
desviou o olhar da garota, envergonhado. Claro que ela faria a única pergunta que ele não queria responder, ele sabia que ela não ficaria feliz em saber qual seria a repercussão.
— Bem, provavelmente o seria obrigado a te liberar, não seria compatível você ser uma assassina — respondeu honestamente, ainda evitando o olhar de sua namorada, mas ouvindo ela arfar em choque.
— Eu não entendo, o que determina se somos compatíveis é a minha profissão? — questionou, irritada.
— Meu amor, um assassino é um soldado, completamente descartável na hierarquia, você sabe disso. Você é filha do Consiglieri, e um dia será minha esposa, você é muito mais importante do que um soldado qualquer.
percebeu que as coisas estavam indo pelo pior caminho possível quando só houve silêncio por parte de . Ao levantar os olhos em direção a ela, notou o misto de raiva e mágoa em seus olhos , o suficiente para fazê-lo retroceder.
— Desculpa. O que eu quis dizer é que eu não posso deixar você continuar se arriscando dessa maneira, , você é o que eu tenho de mais importante.
A fala do rapaz suavizou os traços de e as emoções negativas se dissiparam aos poucos. Inclinando-se sobre a mesa, puxou o rapaz por sua gravata colando seus lábios em um beijo rápido.
— Que tal aproveitarmos a noite e deixar essa conversa para uma outra hora?
assentiu, os poucos minutos anteriores o haviam dado mais dor de cabeça do que pretendia, o ideal era aproveitar cada momento que tinham juntos, pensaria em como seguir adiante com sua proposta depois.

Ambos desceram para a pista de dança de mãos dadas, beberam e dançaram até o dia seguinte como se não tivessem nenhuma preocupação no mundo. se recusava a estragar sua noite com qualquer pensamento sobre a famiglia e o quanto ela poderia interferir em seu relacionamento. , por outro lado, parecia enfeitiçado pela beleza, sensualidade e inteligência da mulher consigo, e quanto mais enredado se encontrava na garota, mais preocupado ficava em não a perder. Toda vez que seus lábios se tocavam, a beijava com toda paixão e intensidade que tinha, tentando exprimir seu desejo de tê-la para sempre.

Flashback – 3 anos atrás

Olhei ao redor com a visão já turva de tanta bebida que havia tomado. Key estava no canto direito do QG sozinha, concentrada em seu vídeo game. Elly e Brenda estavam em uma sessão de pegação hardcore no sofá central, sem se preocupar com José, que estava claramente desconfortável ao lado das duas enquanto bebia mais um gole da cerveja que já devia estar quente de tanto que o rapaz enrolava para beber. Frida e J.J argumentavam sobre quem era o melhor atirador. E eu estava prestes a pegar mais um gole de whiskey quando senti meu pulso barrado por mãos grandes e fortes, acompanhei o caminho de tatuagens pelo braço musculoso até me deparar com o rosto de , piscando algumas vezes para tentar afugentar o pensamento de que ele estava extremamente gostoso com sua camiseta branca usual, agarrada ao peitoral definido.
— Acho que já chega por hoje, sweetheart — ele disse, me entregando uma garrafa de água. Era impressão minha ou a voz dele parecia mais rouca e sexy do que de costume?
— Obrigada — me forcei a dizer, engolindo em seco ao sentir o calor que emanava dele quando se sentou ao meu lado, também com uma garrafa na mão.
— É melhor eu te levar pra casa, já celebrou o suficiente — afirmou, se referindo à celebração pelo fim bem-sucedido da maior e mais difícil missão que já tivemos até o momento. Sem perceber, me aproximei dele olhando bem no fundo de seus olhos.
— Tem umas bolinhas douradas no seu olho — comentei, me estapeando mentalmente em seguida ao ouvir a sua risada gostosa.
— Toma sua água — comandou ele, o que fiz imediatamente, enquanto minha mente traiçoeira imaginava se ele deveria ser mandão assim na cama também.
— Ai, Deus. — O que estava acontecendo comigo, o que tinha naquela bebida?
— Você está bem? — perguntou, genuinamente preocupado, e devo dizer que seu olhar preocupado o fazia parecer ainda mais charmoso. Apenas assenti, não confiando no meu autocontrole para não falar besteira.
Assim que ele se levantou, senti a falta imediata do seu calor, franzindo a testa ao perceber que havia algo de muito estranho na minha atitude. Assim que ele estava de pé, ofereceu a mão para que eu a pegasse.
— Vamos? Acho que você precisa da sua cama. — O ouvi dizer e respondi mentalmente ‘acho que preciso de você na minha cama’, colocando a mão sobre a boca para me impedir de dizer em voz alta. me olhou como se eu tivesse louca, afirmando: — Acho que você realmente exagerou dessa vez.
O segui para fora do QG, sentindo o frio da madrugada de Chicago me consumindo, tremendo da cabeça aos pés. abriu a porta do carona para mim e me ofereceu a sua clássica jaqueta de couro, jogada no banco de trás do carro.
— Obrigada — consegui dizer, me vestindo com a jaqueta duas vezes meu tamanho. Sem conseguir conter, afundei meu nariz no tecido, sentindo o cheiro que era uma mistura de tabaco e um perfume amadeirado que combinava perfeitamente com sua postura forte, imponente e charmosa.
A viagem não foi longa, uma vez que no ano anterior havia conseguido comprar meu pequeno bungalow próximo o suficiente do QG. Mas cada minuto dentro do carro, imersa no calor da sua presença e no cheiro inebriante ao meu redor, intensificava minha vontade de me jogar em seu colo. Nunca mais vou beber assim, que merda tá acontecendo?
Quando chegamos, fez questão de me levar até a porta para se certificar de que eu não caísse nas escadas ou algo do tipo. Abri a porta com certa dificuldade, brigando com a fechadura. achou graça da situação, observando com um sorriso de lado que deixava sua covinha evidente.
— Eu deveria gravar isso para a posteridade — brincou. — Bom, está entregue salva e relativamente sã.
— Não quer entrar? — perguntei sem conseguir conter a tristeza súbita de vê-lo se afastar.
— Você precisa de mais alguma coisa? — questionou, genuinamente confuso e preocupado. E alguma mistura estranha da sua beleza, os olhos lindos e sinceros, com o meu cérebro embriagado, fez com que meu corpo reagisse em modo automático, quando notei já estava em seus braços, colando meus lábios aos seus. levou alguns segundos de surpresa para reagir, mas logo suas mãos estavam em minha cintura, me afastando com delicadeza de si. — O que você tá fazendo, ?
Mortificada ao ponto de querer cavar um buraco e me enfiar lá dentro, abri a porta e corri para dentro, fechando a porta na cara de e recostando a testa na mesma, sentindo a temperatura gélida do metal ajudar a colocar meus pensamentos no lugar, enquanto um pensamento martelava em minha mente “que merda eu fiz?”.


Capítulo 10

“If you don’t like sunny days, then I’ll make it rain.”
(If I Was The Devil – Justin Townes Earle)

ajustou a lente do binóculo uma última vez antes de voltar a observar a rotina de Pablo Garcia. Havia duas horas desde que montara seu equipamento no terraço da casa do lado oposto a do comerciante, tempo suficiente para que notasse o carro policial parado em frente ao local, a espiã disfarçada na casa ao lado, e os agentes prostrados em vigia do outro lado da casa, impedindo que o comerciante pudesse tentar fugir sem ser percebido.
— Zero chances de ele sair, o que quer dizer que terei de entrar — comentou consigo mesma, tentando calcular a melhor forma de invadir a casa.
Não poderia fazer nada precipitado, ou acabaria em cana. Sabendo que o ideal seria entender a rotina de vigilância a qual Garcia estava submetido, montou a câmera de segurança a posicionando cuidadosamente na ponta do terraço, de maneira que pudesse visualizar exatamente o que via naquele momento. Em seguida, testou a conexão da câmera com seu laptop, avaliando a qualidade da imagem antes de ajeitar suas coisas e sair dali rapidamente.
Trinta minutos depois, se encontrava devorando um sanduíche no apartamento que alugara no centro de Missouri, enquanto assistia as imagens em seu laptop atentamente. passou o dia entre assistir o vídeo e anotar tudo que conseguia concluir em relação à vigilância que o comerciante estava submetido.
— Seis possíveis entradas — murmurou consigo mesma, identificando as possibilidades para adentrar a propriedade. — A porta da frente e a de trás, a garagem, as janelas laterais e a janela sobre a garagem.
Impossível utilizar as portas e a garagem, os policiais notariam sua presença imediatamente. A janela sobre a garagem parecia a opção mais simples, pois teria suporte suficiente no telhado para arrombar a janela e invadir, mas seria arriscado demais, pois teria de ser invisível para não ser vista. As janelas laterais eram inacessíveis, a menos que alguém de dentro a ajudasse, concluiu.
Ao fim do dia, a assassina já havia feito anotações suficientes para perceber que teria de causar algum caos se quisesse ter a oportunidade perfeita para invadir a casa, além disso, precisaria ser rápida. Olhou para o relógio: 21h13. Optou por vestir uma roupa toda preta para se esconder melhor em meio a escuridão. No vídeo que era transmitido pelo laptop, reparou que a família de Garcia ainda se encontrava acordada, as luzes acesas em todos os andares da casa.
Pegou sua mochila com todos os itens que precisaria e voltou para a casa onde estivera mais cedo. Naquele momento, tinha certeza de que essa era uma situação na qual precisaria de um pouco mais do que suas habilidades, a sorte teria de vir a calhar.
Ao invés de subir ao terraço como fizera mais cedo, colocou a touca preta que cobria o rosto, e em seguida retirou os dois dardos de dentro da sua bolsa, guardando ambos no bolso de sua jaqueta. Enquanto espreitava pelo lado direito do sobrado, notou o movimento na viatura. Eles estavam prestes a mudar de posição, os da viatura vigiariam a parte de trás enquanto os outros viriam para o carro. não gostava de depender da sorte, mas cruzou os dedos, esperando que eles não trancariam a porta ao sair, e — como esperava — eles simplesmente encostaram a porta antes de seguirem na direção da casa do comerciante. A assassina aproveitou os poucos minutos que tinha para correr em direção à viatura, abrindo a porta traseira e se escondendo entre os bancos.
Alguns minutos depois outros dois policiais chegavam, adentrando o carro desatentos. esperou que o da esquerda se sentasse e fechasse a porta antes de enfiar o dardo em seu pescoço, virando-se rapidamente para o da esquerda e o puxando para sentar-se no banco antes de enfiar o dardo em seu pescoço também, ambos recostaram em seus assentos, inconscientes.
Nem sequer se permitiu celebrar o sucesso na primeira parte de seu plano, saiu silenciosamente da viatura, fechando tudo e correndo em direção à casa onde teria melhor visão do cenário. Quando chegou ao terraço, a primeira coisa que notou foi que algumas luzes permaneciam acesas, o que era bom para seu plano. Em seguida, reparou que a agente se fingindo de vizinha do comerciante não parecia estar acordada, pois não via sinais dela em lugar algum da casa. Olhou no relógio do celular: 22h28.
A rua estava silenciosa e poucas casas ainda mantinham algumas luzes acesas. Os policiais que haviam ido para parte de trás da casa ainda se encontravam lá, mas a assassina sabia que era uma questão de tempo até que fizessem a ronda novamente, portanto aproveitou esse momento para montar seu rifle 6.5 creedmore, prevendo parcialmente o que aconteceria em seguida.
aguardou atenta até notar os policiais da parte de trás da casa aparecem em sua linha de visão, ambos fazendo a volta para ter certeza de que tudo se encontrava em seu devido lugar. Mais cedo, pela câmera, a assassina já havia notado que eles tocavam a campainha para checar se o comerciante se encontrava lá com certa frequência.
Com seu rifle perfeitamente montado, ajustou a lente para mirar na direção da porta da casa, seus nervos impecavelmente controlados, não havia tanto tempo desde a última vez que usara um desses e armas sempre foram sua especialidade.
manteve sua mira estável enquanto observava um dos policiais que rondava a propriedade parar em frente à porta, seu parceiro logo parando ao seu lado. Antes que pudessem tocar a campainha, atirou em ambos em questão de segundos, notando com um sorriso os corpos caindo ao chão. Desmontando a arma e guardando tudo dentro da bolsa, assim como a câmera que havia instalado mais cedo, saiu do terraço rapidamente, seguindo na direção dos policiais caídos e tocando a campainha.
Ramirez abriu a porta enfadonhamente, como havia se acostumado a fazer desde que fora forçado a ficar preso dentro de sua própria casa. A primeira coisa que chamou sua atenção foi o rosto mascarado, em seguida notou os corpos caídos ao chão, e — mais por instinto do que por qualquer outra coisa — estava prestes a fechar a porta novamente quando vislumbrou o revólver na mão da assassina. sabia que tinha pouco tempo, portanto empurrou o comerciante para dentro de sua casa antes de fechar a porta atrás de si.
— Qual a sua relação com Pellegrini? — perguntou diretamente, sem tempo para rodeios.
Com as mãos levantadas para o ar em rendição e os olhos esbugalhados de medo, Ramirez se apressou a responder.
— Não tenho nenhuma relação com o Pellegrini, simplesmente o ajudei com o transporte de algumas cargas no passado.
— No passado? Não teve nenhum contato com ele recentemente? — continuou implacável.
— Bem... — Ramirez titubeou, desviando o olhar, não tinha sangue frio o suficiente para mentir sob a mira de um revólver. o ajudou, encostando a arma em sua testa. — S-sim, ele a-apareceu há alguns dias, antes dessa merda toda explodir na minha cara.
— O que ele queria? — questionou, calculando quanto tempo teria até que os policiais na viatura acordassem ou algum vizinho bisbilhoteiro notasse os corpos caídos na frente da casa.
— El-ele queria que eu guardasse algo. — aguardou, pressionando o revólver um pouco mais em sua testa, como uma mensagem para que ele lhe desse mais informações. — Eu, eu juro que eu não sei o que é. Ele me entregou um pacote e pediu para que eu guardasse até o momento certo. — O comerciante já estava em prantos, temendo por sua vida. Não sabia quem ela era, mas conhecia seu tipo: dos que não deixavam rastros para trás.
— Esse é o momento certo — disse simplesmente, guardando o revólver e estendendo a mão à espera.
Ramirez deixou escapar um suspiro de alívio antes de refletir se deveria fazer o que ela pedia, mas a lembrança dos policiais caídos na porta de sua casa logo o persuadiu. Em passos largos, seguiu até o quadro na parede e pressionou um dos lados, fazendo com o que o quadro se abrisse, dando espaço para um cofre. O comerciante digitou a senha rapidamente e retirou o pacote de lá, entregando nas mãos da mulher aterrorizante à sua frente.
olhou diretamente nos olhos de Ramirez, concluindo que ele estava aterrorizado demais para enganá-la. Em poucos minutos, a assassina abria a porta e pulava sobre os corpos caídos, correndo o mais rápido que pôde na direção em que deixara seu carro.

Somente quando estava a salvo no pequeno apartamento que alugara, se permitiu baixar a guarda, jogando a mochila pesada sobre o sofá e abrindo o pequeno pacote ansiosamente. Um misto de curiosidade e esperança se apossou de seu interior quando analisou o que havia guardado ali: uma chave.
olhou o relógio novamente: 00:03. A parte mais curiosa de si queria ir procurar o lugar naquele mesmo momento, ansiosa demais para aguardar por mais um dia; enquanto a parte sensata lhe dizia que era mais prudente ir dormir e aguardar pelo dia seguinte. A assassina descartou a segunda voz rapidamente, nunca foi o que poderia ser chamado de sensata ou prudente. Vestiu uma roupa mais apropriada para o calor que fazia em Missouri naquela noite e saiu imediatamente.
No carro, colocou no GPS o endereço passado pela corretora e dirigiu na velocidade mais rápida permitida, a ansiedade em chegar logo ao seu destino fazendo seu coração palpitar. Tinha a sensação de que encontraria utilizando o lugar de moradia, mas preferia não manter expectativas. Dirigiu por vinte minutos e parou em frente à um terreno enorme que ocupava três quarteirões. Apresentou a chave que carregava consigo para o segurança, que permitiu sua entrada. Olhou para a chave novamente, anotando mentalmente o número 28 entalhado, e caminhou apressadamente por entre os galpões conforme as instruções do segurança.
Paralisou em frente à porta enorme do que parecia uma garagem com o número 28 demarcado. Antes de abrir, encostou o ouvido na porta esperando ouvir algum som vindo lá de dentro, qualquer coisa que confirmasse que ali terminaria sua busca. Suspirou ao perceber o silêncio esmagador enquanto tentava prever o que faria caso o encontrasse lá dentro. Poucos segundos depois virou a chave e abriu a porta em um rompante de adrenalina. As luzes automáticas se acenderam imediatamente, iluminando um local que não poderia estar mais distante do que a garota havia imaginado: diversos caixotes de madeira e caixas de papelão dominavam todos os cantos do galpão.
franziu a testa, confusa. O lugar estava repleto de poeira, parecendo abandonado há algumas semanas e definitivamente parecia o tipo de lugar burocrático com o qual não gostaria de estar envolvido. A visão que a assassina tinha a sua frente era como um balde de água fria, e ela sentia que estava em um beco sem saída. Será que errou em alguma coisa no caminho? Era exatamente isso que queria que ela encontrasse?
Caminhou a passos lentos pelo local, reparando nas etiquetas que nomeavam as caixas por ano, a primeira parecendo datar de meados dos anos 90. Percebeu também que havia outras caixas com nomes do que pareciam empresas e alvos que haviam sido eliminados no passado. Mas o que realmente surpreendeu foi notar que em algumas caixas estavam anotados nomes familiares até demais: Luigi Mancini, Ângelo Pellegrini, Paola Pellegrini, Vincenzo Pellegrini, Luca Giordano e basicamente todas as pessoas envolvidas com a famiglia. procurou por seu nome entre as caixas, mas sua aproximação fez com que a luz ao fundo do galpão se acendesse, revelando a existência de um pequeno corredor e uma porta metálica por ali.
Uma dor de cabeça incômoda se iniciou e a assassina massageou as têmporas com um suspiro resignado, temendo que, o que imaginava ser o fim da sua jornada, fosse apenas o começo. Abriu a porta metálica, ouvindo o rangido agudo da porta, e se deparou com um escritório minúsculo: apenas uma mesa e cadeira, além de alguns suportes repletos de pastas instalados nas paredes. notou quase que imediatamente a foto da família Russo no porta-retrato sobre a mesa, mas o que de fato dominou sua atenção foi o envelope sobre o que parecia ser um livro de contas. Se aproximou e leu a pequena frase escrita: Para meus queridos e Gabrielle.
Caçando o telefone no bolso da jaqueta de couro rapidamente, sem se atentar ao horário, digitou o número de seu melhor amigo, ouvindo com impaciência o telefone tocar sem resposta. Insistente, tentou uma vez mais, ouvindo a voz embargada de sono de do outro lado da linha.
, preciso que você esteja em Missouri amanhã de manhã — disse enfaticamente, controlando sua vontade de abrir o envelope e ler a carta por conta própria.
? Do que você está falando? Aconteceu alguma coisa? Você está bem? — O rapaz estava genuinamente preocupado com a atitude não usual da amiga.
— Eu tô bem, tá tudo bem. Mas eu preciso de você aqui amanhã de manhã. Não posso dar detalhes por telefone, mas eu preciso que você me escute.
ficou em silêncio ponderando o pedido de , o relógio na cabeceira marcava uma e treze da madrugada. O rapaz tentava imaginar que desculpa inventaria para faltar à reunião que teria com Luigi pela manhã, quando ouviu novamente o apelo de sua amiga do outro lado da linha.
— Por favor, , é realmente importante.
— Ok — respondeu simplesmente, sentindo que se arrependeria depois, mas incapaz de deixá-la na mão.
— Ótimo. Venha de avião, te encontro no aeroporto às 08h. Não se atrase.
resmungou irritado ao ouvir o bip do outro lado da linha, apesar de saber o quanto costumava ser paranoica com tecnologias.
— Boa noite pra você também.
desligou a ligação decidida a voltar para o apartamento e descansar um pouco, precisava estar 100% para desvendar os mistérios daquele lugar com no dia seguinte. Saiu do galpão em passos rápidos, se certificando de trancar o portão e seguir até seu carro. A certeza de que o sumiço de envolvia muito mais do que o assassinato de Giuseppe crescia em seu peito na mesma medida em que aumentava suas desconfianças.

Capítulo 11

“Deep down we both knew
You were trouble by design
And the echo of my mother's words
Baby, don't you play with fire.”
(Too late to say goodbye – Cage the Elephant)

acordou de madrugada, como de costume, o pesadelo persistente não lhe permitindo dormir mais do que cinco horas por noite. Dessa vez, iniciou o novo ritual matinal: analisar seu aparato tecnológico. Após ter se resolvido com seu irmão, havia decidido que o próximo passo seria tentar contatar e estabelecer alguma relação com ela por mais efêmera e distante que fosse, esse era o primeiro passo para tentar reconquistá-la.
Dois dias atrás, comprara tudo que precisaria para rastrear as ligações de Russo. Imaginava que, mesmo envolvida em uma missão, não deixaria seu melhor amigo completamente abandonado em meio a todo o sofrimento pelo qual ele passava.
Bastou bater os olhos nos registros de chamada e notou uma ligação em meio à madrugada, de algum lugar em Missouri. Imediatamente acessou a gravação, ouvindo a voz que tanto ansiava do outro lado da linha.
— Te achei. — Sorriu largamente, anotando em seu celular e ligando imediatamente para o número que claramente provinha de um celular descartável, rezando para que ela não o tivesse descartado ainda.

Em Missouri, a mais de 400km de onde se encontrava o rapaz, acordava incomodada com o barulho do celular tocando. Olhou o despertador na mesa de cabeceira, bufando ao notar o horário: 5:17. A lembrança do que havia pedido ao seu amigo logo surgiu em seus pensamentos sonolentos e se preocupou que talvez algo tivesse dado errado em sua tentativa de sair de Chicago.
— Alô, ? — atendeu, sem olhar o visor com atenção, a mente ainda atordoada de sono.
— Te dou mais uma chance, e se errar, você me deve um beijo. — Cerrou os dentes ao reconhecer a voz do outro lado da linha.
— O que você quer, ? — perguntou, sem paciência para as brincadeiras idiotas do rapaz.
— Sendo bem honesto ... — notou a hesitação em sua voz antes que ele concluísse —, eu realmente precisava ouvir sua voz, por mais piegas que isso pareça.
fechou os olhos, pressionando a ponte do nariz por entre os dedos enquanto se questionava em pôr um fim à ligação.
— Okay, acho que isso não é algo que você quer ouvir nesse momento. — A voz de , alguns tons abaixo, evidenciava sua tristeza.
— Eu vou desligar agora — anunciou, após concluir que a voz do seu ex ainda tinha o mesmo efeito hipnotizador de dez anos atrás.
— Espera, ! Por favor, eu tenho uma proposta. — Ele nem havia pensado direito no que poderia oferecer à , mas ofereceria até a própria alma pela oportunidade de se aproximar dela novamente.
— Hum? — ela respondeu simplesmente, embora estivesse de fato curiosa para ouvir o que ele tinha a dizer.
— Eu quero ajudar na sua busca. No que você precisar, é só me falar.
— Desde quando você sabe caçar alguém? — rebateu friamente.
— Eu encontrei você, não foi?
— Eu não estava me escondendo.
, eu cresci, sabe? Já se passou uma década, o que acha que estive fazendo todos esses anos? Posso não ser incrível como você, mas tenho um ou outro truque na manga. — Ele podia sentir que ela queria prolongar a ligação tanto quanto ele, embora ela nunca admitiria.
— Esquece, tenho certeza de que você tem coisas mais importantes para fazer aí na Itália.
— Eu não vou voltar para a Itália — afirmou com convicção, quanto mais pensava em , mais certeza tinha de que sua vida era ali, com ela. A assassina ficou em silêncio, surpresa demais para comentar o que fosse. — , por favor, me deixa te ajudar. Você sabe que eu faria qualquer coisa por você, não é?
O pensamento de vagou para o galpão que encontrara algumas horas antes, a certeza de que ainda havia um longo caminho pela frente se instalando novamente em seu peito. Talvez ela realmente precisasse de ajuda, mas ainda não tinha certeza do quão perto gostaria de permitir que chegasse.
— Prometo que não vou fazer nada que você não permitir — insistiu mais uma vez, ansioso demais pela resposta.
— Ok — disse simplesmente, embora uma vez mais o turbilhão de sentimentos se apoderou do seu coração. O suspiro de alívio de pôde ser ouvido através do celular, e conseguia visualizar perfeitamente o sorriso largo e vitorioso do rapaz. — Mas nada de ligações desnecessárias e repentinas. Se eu precisar mudar de telefone, te enviarei o número novo.
— Certo, boss! Qual será minha primeira tarefa? — O rapaz mais parecia um cachorrinho querendo atenção de sua dona, mas não se importava com isso.
— Só... fique de olho no que está acontecendo por aí... se algo estranho aconteceu desde a morte do Russo*, se alguém tem agido de maneira suspeita.
— Farei o meu melhor, boss.
— Ok. — desligou a ligação apressadamente, antes que o rapaz inventasse mais alguma coisa para mantê-la enredada em sua voz sexy e convidativa. Com um franzido em sua testa, a assassina fez questão de apagar da mente a escolha da palavra "sexy" para se referir ao rapaz e jogou o celular sobre a cama, desistindo de voltar para o leito e saindo do quarto para caçar seu café da manhã.

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FLASHBACK ON
Terminei de arrumar a mala apressadamente, relembrando as palavras de em minha mente: “Venha comigo. Nós finalmente vamos poder ficar juntos sem nos preocupar com ninguém mais. Eu vou te fazer feliz, eu prometo”. Suspirei, em dúvida se estava fazendo a escolha certa, embora uma parte esmagadora no meu coração saltitava de felicidade e antecipação de tudo que teríamos para viver juntos. Me lembrei da minha aventura matinal indo à caça do presente perfeito de despedida para entregá-lo, e agora ali estava eu, me preparando para deixar tudo para trás e ir junto com ele.
Olhei para a foto da minha mãe sobre a mesa de cabeceira e a retirei do porta-retrato, me lembrando vagamente das vezes em que ela contara como deixara sua família em Dubai para ficar com meu pai em Chicago. Ela nunca me disse que se arrependera da decisão, mas sempre notei a falta de brilho em seus olhos. Guardei a foto no bolso externo da mochila e chacoalhei a cabeça, dissipando os pensamentos negativos. Eu amava , e ele me amava, não havia mais nada que precisássemos além de um ao outro.
Saí do quarto em busca de , mas não o encontrei no quarto de hóspedes onde sempre ficava, ao fim do corredor, embora suas malas estivessem devidamente organizadas sobre a cama. Peguei o celular que ele deixou jogado na poltrona apenas para ver o horário, percebendo que já estava na hora de sairmos rumo ao aeroporto. Desci as escadas para a sala de estar, imaginando que talvez ele estivesse se despedindo de alguém, mas ele também não se encontrava por lá, nem na cozinha ou sala de jantar. Franzi a testa, confusa com seu sumiço e segui em direção ao jardim, decidindo ir pelo caminho mais curto que passava pelo dormitório dos empregados da mansão. Estava próxima da porta de vidro da qual já podia visualizar algumas flores quando ouvi a voz de .
—- Já está tudo certo, tenho certeza de que ela não vai mudar de ideia.
- Perfetto! Me parece que você tem mais influência sobre ela do que eu imaginava.
Meu pai? Estavam falando sobre mim? Aliás, por que estavam conversando para começo de conversa? Me aproximei da porta silenciosamente, ouvindo nitidamente a pergunta de .
— As coisas já estão resolvidas na Itália?
— Parcialmente. Qui! — Ouvi um barulho que parecia de molho de chaves. — Vocês ficarão nesse apartamento assim que chegarem lá. Leve ela para conhecer os lugares, se encantar pela cidade, não sei... mas mantenha ela longe da famiglia por um tempo. Nesse meio tempo, falarei com seu pai e organizarei tudo para que você possa voltar e assumir seu lugar.
Capisco respondeu com uma seriedade que jamais ouvira em sua voz. Desde quando ele fazia acordos com meu pai ou obedecia às ordens dele?
Ouvi os passos de em direção à porta, mas permaneci paralisada, incapaz de obrigar as minhas pernas a se moverem.
— Mais uma coisa, ragazzo. Quanto menos contato ela tiver com ou , melhor. Não queremos que eles coloquem nenhuma ideia estranha na cabeça dela, non è vero?
Uma raiva que não sentia há anos dominou cada parte do meu pensamento, e antes que eu pudesse repensar, abri a porta em um rompante, encarando os olhos surpresos de e o olhar calculista do meu pai.
— Que merda tá acontecendo aqui? — perguntei, tentando conter a vontade de bater em algo, ou alguém.
, não é nada do que você está pensando, eu juro — se apressou a responder, seu olhar culpado mostrando o oposto de suas palavras.
— É mesmo? Então, por favor, esclareça, porque para mim está parecendo que vocês estavam me manipulando esse tempo todo! — repliquei, sem conseguir conter a raiva em minha voz.
— Filha, eu lhe garanto que só agi em seu interesse até o momento, o Giordano* me pareceu a melhor ferramenta para guiá-la na direção correta — meu pai afirmou como se as suas palavras não fizessem a situação se tornar ainda pior.
Me esforcei para ignorar as palavras de meu pai, me virando na direção de e aguardando por sua explicação.
, eu... Eu só achei que seu pai poderia me ajudar a organizar as coisas na Itália para que eu pudesse levar você comigo. — Se aproximou, colocando as mãos em meu rosto. — Você sabe que eu só quero cuidar de você.
Me afastei, retirando suas mãos do meu rosto e olhando no fundo dos seus olhos, como se fosse possível ler o que estava sentindo apenas através daqueles profundos.
— Por que você escondeu isso de mim? Aliás, o que meu pai tem a ver com ficarmos juntos na Itália? E o pior, como você se atreve a planejar me manter longe do meu único amigo? — Quanto mais eu pensava nas razões por trás da atitude de , menos eu entendia o que tudo aquilo significava.
— Eu não planejei isso, , essa foi uma sugestão do seu pai! Acho que ele imaginou que essa seria a melhor forma de manter você... — ele despejava as informações sem filtrar suas palavras, uma característica clara da sua personalidade que sempre considerei como honesta.
— Me manter o quê? Sozinha? Alienada? Completamente dependente de você como uma “boa mulher”? — forcei, esperando que o nervosismo o fizesse falar mais.
, minha filha, você está sendo irracional, como de costume — meu pai interveio, distraindo minha atenção novamente. — Estávamos apenas nos assegurando de que você não mudaria de ideia de repente e colocaria em risco tudo que fizemos para que você tenha um bom destino.
Bufando de raiva, caminhei pelo pequeno cômodo tentando acalmar meus nervos, a necessidade de socar alguma coisa fervendo por dentro. Eu sabia bem o destino que meu pai esperava de mim: calada, obediente e completamente submissa às vontades de algum marido poderoso, exatamente como a minha mãe fora, assim como todas as outras mulheres na famiglia.
, por favor, não vamos brigar por isso agora, nós precisamos ir. Podemos conversar no caminho, eu prometo que vou te explicar melhor. — se aproximou novamente, tentando me abraçar, mas me desvencilhei, cruzando os braços, mas sem me distanciar muito.
— Eu não vou sair daqui enquanto você não me responder sinceramente. Você estava fazendo tudo isso para de alguma forma me forçar a ficar com você? — questionei sentindo um gosto amargo na boca ao perceber que essa seria a explicação plausível para toda a manipulação.
— Não, claro que não, não é nada disso — retrucou indignado, suas mãos procurando me tocar novamente, mas estava determinada a não deixar que seu encanto e charme usual abrandassem minha irritação.
— Qual é a explicação, então? — perguntei, irredutível.
, por favor, deixa isso pra lá. — Eu podia ver que ele tentava segurar a verdade que estava prestes a sair.
— Qual é a explicação, ? — gritei, segurando sua camisa.
— Eu não quero que você acabe morta como a sua mãe! — gritou de volta, fechando aos olhos em negação ao notar o que havia dito, enquanto meu pai o repreendia.
— O que você quer dizer com isso? — insisti, notando que ele virava o rosto, evitando meu olhar. Minha cabeça parecia um amontoado de diferentes emoções e eu me sentia tonta ao pensar no que a sua frase implicava.
— Giordano, fique quieto — meu pai insistiu.
Ignorando a dor de cabeça que começava a sentir, me aproximei de , colocando a mão em seu rosto e o forçando a me olhar nos olhos.
— O que você quis dizer com isso, ?
— Eu... Eu vi as marcas no pescoço dela, . Naquele dia do enterro, os adultos estavam todos nervosos, conversando entre sussurros, e eu fui ver o que estava acontecendo e daí... Daí eu vi as marcas em seu pescoço, alguém a estrangulou até a morte.
Senti meu mundo ruir naquele instante, enquanto as coisas que haviam me dito e que tomei como verdade por tanto tempo colidiam com as informações que tanto relutara em dizer.
— Isso não é possível, ela caiu da escada. Eu lembro claramente de vê-la caída ao fim da escada, por que você tá dizendo isso agora? — Uma parte de mim queria acreditar no que ele dizia, enquanto a outra recusava veemente.
— Eu não sei, , eu não sei de muita coisa. Meu pai me mandou sumir de lá e não contar para ninguém o que eu tinha visto, essa é a razão de eu ter pesadelos constantes, eu...
— Já chega, Giordano, cale-se — meu pai interveio novamente antes de se dirigir a mim. — , não há razão para reviver o passado agora, tenho certeza de que você não deseja passar por tudo aquilo novamente.
Me virei para ele, irritada, percebendo que sua atitude confirmava exatamente o que estava dizendo.
— Isso é verdade? Minha mãe foi assassinada?
— Já disse que isso não é relevante agora, — respondeu com sua indiferença habitual, mas tentando evitar meu olhar. Sem conseguir conter a raiva que se apossou de mim, caminhei até ele, o segurando pelo paletó como havia feito com há alguns minutos.
— Eu juro que se você não me responder a verdade, você vai se arrepender, independente se você é meu pai ou não — afirmei com toda a verdade em meu coração, eu não o deixaria se safar de mentir para mim todos esses anos. — O que aconteceu com a minha mãe?
A surpresa em seu olhar foi evidente quando ele olhou para mim. Ele tentou se afastar, mas algo nos meus olhos deve ter feito ele mudar de ideia e concluir que não havia como esconder mais. Com um suspiro resignado, ele começou seu discurso.
— Sempre achei que era melhor se você não soubesse, assim você poderia superar mais facilmente a perda. Sim, , sua mãe foi assassinada. Não adianta se martirizar em saber os detalhes, o que aconteceu, aconteceu, não há nada que possamos fazer para mudar. Mas eu lhe asseguro que os responsáveis por sua morte já foram punidos pelo que fizeram.
— Quem foram os responsáveis? — perguntei, ignorando a tentativa de de se aproximar de mim. Meu pai suspirou novamente, respondendo com amargura.
— Uma gangue de rua qualquer com quem tínhamos um acordo. Estavam ficando audaciosos e ambiciosos demais na época, então decidimos que era melhor cortar as relações e deixá-los à própria sorte, não imaginamos que tentariam retalhar pelo ocorrido. Procuravam por você naquele dia, mas sua mãe tentou protegê-la e acabou se tornando efeito colateral.
Um misto de ânsia, ódio, tristeza e culpa me dominou de tal forma que eu sentia que mal podia respirar. Saí daquele lugar imediatamente ouvindo a voz do meu pai ecoar repetidamente em minha cabeça “sua mãe tentou protegê-la”, ela havia sido morta por minha causa?
Subi as escadas rapidamente em direção ao meu quarto sem muita certeza de quais seriam meus próximos passos, e mesmo notando a presença atrás de mim, não tinha qualquer vontade de conversar naquele momento, só queria desaparecer dali. Entrei no meu quarto e peguei a mochila onde havia colocado os itens mais necessários, deixando de lado a mala pronta e passando por no caminho de volta sem lhe lançar um olhar.
, por favor, me escuta, vamos conversar — pediu, tentando segurar meu braço, mas continuei meu caminho escada abaixo e em direção à saída principal da mansão. No hall de entrada, ele parou na minha frente, me abraçando. — Por favor, , me escuta. Eu não queria ter te contado assim, me perdoa, eu jamais quis te magoar.
O empurrei com força o vendo cambalear alguns passos para trás com um olhar magoado, mas não me importei, a mistura de emoções dentro de mim sendo demais para controlar.
— Quer saber, ? Não, eu não te perdoo. — Minha voz era fria e cortante, transmitindo a dor visceral que apertava meu peito. — Você não só escondeu uma informação crucial sobre a morte da minha mãe esse tempo todo, como me manipulou para ir embora com você e fez acordos com meu pai pelas minhas costas só para me controlar.
, eu juro que....
— Não, eu não quero ouvir o que você tem a dizer. Você pode até tentar se enganar com esse discurso de que fez tudo pelo meu próprio bem e porque me ama, mas no fundo você sabe que foi só por egoísmo. Eu achei que você era diferente, mas você é exatamente como todos os outros homens dessa família maldita, você só se preocupa com poder e controle. — Ele abaixou o olhar em vergonha, cerrando os lábios. — Se você me amasse de verdade, nada disso importaria. Nós poderíamos ser felizes juntos e deixar tudo isso para trás, mas você não quer isso. Você quer ir para a Itália, e seguir os passos dos seus pais e se tornar o próximo Don, e o único jeito de você conseguir tudo isso e me ter ao mesmo tempo é me diminuindo para que eu caiba nesse espaço de prepotência e arrogância. Mas essa não é uma escolha que você poderia ter feito sozinho e isso não é o que eu quero pra mim, então adeus, .
Segui em direção à porta, sem ligar para seus protestos atrás de mim, sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto sem minha permissão. Corri na direção dos portões principais e só parei quando vi a moto de entrando a propriedade, me perguntando se ele tentaria me barrar também. Limpei as lágrimas e engoli o choro, mantendo minha cabeça erguida ao vê-lo tirar o capacete e descer da moto, seu olhar de preocupação aumentando a raiva dentro de mim.
— Você sabia sobre minha mãe? — perguntei, o olhar em seu rosto confirmando sem precisar de palavras.
, por favor, eu te imploro, eu faço o que você quiser, mas por favor, me escuta. — A voz de atrás de mim fez com que as lágrimas voltassem a cair, mas voltei a andar na direção do portão. me parou e entregou a chave da sua moto na minha mão e o capacete, me oferecendo a liberdade que eu tanto precisava naquele momento. Subi sobre a moto rapidamente e dei a partida, lançando um último olhar para e vendo que o segurava, impedindo que ele continuasse em minha direção. Saí dali sem olhar para trás, e sem ter um lugar para onde ir. Aquele foi o último dia que vi em quase dez anos e aquele fatídico dia marcou a minha cisão com a família por mais de cinco anos.
FLASHBACK OFF
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*Russo se refere ao pai falecido do melhor amigo, seu nome era Giuseppe Russo.
*Giordano é o sobrenome do favorito 1.


Capítulo 12

“(Tell’em) I burn down my house and build it up again.
(Tell’em) I burn it down twice just for the fun of it.”
(Mount Everest – Labrinth)

— ... as últimas informações passadas pelo grupo de inteligência do Departamento de Polícia de Missouri informam que, apesar do ataque inesperado aos policiais de prontidão que mantinham o empresário em prisão domiciliar sob vigília constante, não houve tentativa de fuga. Também não houve nenhuma lesão ao empresário ou aos policiais que foram desacordados com dardos munidos de sonífero para ursos. Lembrando que um dos policiais, ao adentrar a viatura, disse ter notado uma figura não identificada à espreita dentro do veículo antes de ser atingido. O grupo de inteligência trabalha com a hipótese de que o ataque foi feito com o intuito de obter acesso ao empresário, possivelmente para uma tentativa de “queima de arquivo”. Ainda não foram revelados os detalhes do interrogatório do empresário e sua família.
desligou o rádio após ouvir o que pretendia, voltando sua atenção para , que parecia desconfortável no banco do carona.
— Você é a responsável por isso? — questionou a amiga com um franzido tomando conta de sua feição. apenas deu de ombros e sorriu ironicamente para seu amigo antes de responder.
— Todos estão vivos. Você deveria estar orgulhoso de mim.
não pareceu achar engraçada a piada e permaneceu com a feição amarrada, mas conhecendo a amiga, preferiu deixar de lado o assunto.
— Você realmente não vai me falar sobre o que se trata minha vinda até aqui? — questionou, intrigado.
— É algo que você precisa ver com os seus próprios olhos — respondeu. — Além disso, não é algo que eu tenha entendido completamente ainda, acho que você é a chave para solucionar o mistério.
Enquanto parava em um sinal, acendeu um cigarro e deu um longo trago antes de jogá-lo pela janela e anunciar em voz baixa.
— Se segura, vamos ter uma pequena aventura agora.
a olhou sem entender, mas logo o carro começou a se mover em uma velocidade acima do normal enquanto virava inesperadamente em algumas vias parecendo mal olhar para onde estava indo.
— Você tá louca? — perguntou, se segurando no banco enquanto ele a olhava indignado.
— Estamos sendo seguidos — comentou , como se estivesse falando sobre a paisagem. Apesar da aparência calma, a assassina estava em modo alerta a partir do momento em que notara o carro blindado que seguia seu Porsche desde o aeroporto. Estava tentando reprimir os questionamentos internos sobre o motivo da perseguição ou mesmo quem eram seus perseguidores para focar na segurança de , ao seu lado.
continuou fazendo curvas inesperadas para tentar despistar o carro atrás de si, mas todas as vezes que acelerava, notava que o outro carro fazia o mesmo, e a cada virada, lá estavam eles novamente. A garota considerou fazer algumas curvas perigosas que os deixariam para trás, mas não queria arriscar a vida do amigo ao seu lado, portanto precisaria ser inteligente em suas escolhas.
Olhou ao redor, tentando reconhecer os arredores, e reparou que estava próxima do maior shopping da cidade, por onde passara na volta da casa do empresário. Concentrando-se, acelerou uma vez mais, seguindo na direção do shopping sem pensar duas vezes. Como a maioria dos grandes shoppings que conhecera, esse era também construído com diversos andares de garagem, no qual ela poderia dar voltas e voltas ao redor do mesmo. Tomando a primeira decisão um tanto perigosa desde que iniciara sua fuga, optou por continuar em velocidade máxima enquanto dirigia o carro pelos andares acima sem pensar.
conseguiu alguma distância de seus perseguidores ao notar que chegou no último andar sem qualquer vestígio deles atrás de si.
, eu preciso que você abra a porta e corra imediatamente para dentro do shopping. Vá até o lugar mais cheio que tiver e fique lá, escondido em meio à multidão. Eu vou voltar para te buscar assim que possível.
O amigo pensou em protestar, não querendo deixar sozinha em meio a uma situação tão perigosa, mas o olhar que ela lhe lançou foi o suficiente para saber que ele estava mais atrapalhando do que ajudando. Assentindo com um leve movimento da cabeça, o rapaz logo em seguida cambaleou para fora do carro, correndo para o shopping sem olhar para trás.
Assim que o viu entrando porta adentro, acelerou uma vez mais, notando os seus algozes se aproximando novamente. Dessa vez, deu uma volta ligeira e arriscada pelo andar antes de seguir na mesma velocidade alucinante pelo caminho contrário, dirigindo para os andares abaixo. Quando chegou ao subsolo, parou o carro e pegou o teaser dentro do seu porta-malas e a arma presa abaixo do seu banco antes de correr a pé até um sedan estacionado próximo da saída do estacionamento. Se escondendo atrás do mesmo, tinha uma visão perfeita da entrada e saída, bem como de seu carro parado. Assim que se abaixou em seu esconderijo, ouviu o barulho do pneu cantando no concreto quente.

observou com atenção quando o carro parou próximo ao seu ao reconhecê-lo, e dois homens altos e truculentos saíram do veículo. Um dos homens passou a caminhar com cautela na direção do seu carro enquanto o outro fazia uma vistoria ao redor, procurando por ela. Quando este último estava próximo o suficiente de onde estava, mas ainda parcialmente de costas para seu destino, saiu de seu esconderijo e correu na direção do rapaz, colocando o teaser em seu pescoço e ativando na carga mais alta possível, o que o fez soltar um grito de agonia antes de seus joelhos cederem e cair ajoelhado ao chão, momento que a assassina aproveitou para dar uma coronhada em sua têmpora, o desmaiando.
Rapidamente, ela voltou a se esconder atrás do sedan antes de correr agachada alguns carros à esquerda. reparou que o grito havia alertado o outro homem, o qual procurava pelo colega com a arma em riste. Aproveitando o momento em que ele estava de costas para si enquanto caminhava até o amigo caído, a assassina aproveitou para seguir em sua direção, colocando a arma em sua nuca assim que o alcançou, observando-o parar imediatamente.
— Coloque a arma aos seus pés e chute para longe — comandou a assassina, aguardando a ação antes de questionar. — Quem te enviou aqui?
— Eu não sei — respondeu sem titubear, sentindo a arma pressionar com mais força em sua nuca. — Eu juro que não sei, apenas cumpro ordens. Merda, somos desassociados, ok? Contratam nosso serviço, pagam metade, fazemos o que nos mandam fazer e pagam a outra parte. São apenas negócios.
Desassociados. conhecia o termo, ela mesma foi uma no tempo em que esteve distante da família, isso significava que eles não faziam muitas perguntas, simplesmente cumpriam o que era acordado.
— Então qual era o serviço? Por que estavam me seguindo? — questionou, impassível.
— Não estávamos te seguindo, estávamos seguindo seu amigo — respondeu o rapaz, parecendo cada vez mais nervoso.
sabia que uma das regras mais importantes para os desassociados era o sigilo, e por isso ele parecia tão desconfortável, mas a assassina não poderia se importar menos.
— O que queriam com ele? — insistiu.
— Alguém o queria morto. Precisávamos fazer parecer um acidente.
travou os dentes ao saber que o amigo se tornara um alvo. Tendo as respostas que precisava, deu uma coronhada no rapaz com força máxima antes que ele pensasse em reagir, o nocauteando no chão. Em seguida, atirou em cada um dos pneus para que não pudessem mais segui-la, ligando para e pedindo que ele fosse para o mesmo lugar onde ela o havia deixado alguns minutos atrás. Assim que o amigo entrou no carro, ela arrancou em alta velocidade, querendo atingir a maior distância possível entre eles e seus perseguidores.
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Trinta minutos depois, olhava embasbacado para as caixas ao seu redor. O rapaz andara em círculos pelo galpão analisando os nomes escritos e as datas, como se pudesse resolver o enigma apenas através desses pequenos detalhes, mas sem sucesso logo perguntou.
— O que exatamente é isso tudo?
— Isso é exatamente o que eu preciso que você me diga — respondeu com um suspiro. — Todas as pistas que segui até agora me trouxeram até aqui, onde eu realmente achei que encontraria . Mas para minha surpresa... — pausou a fala para caminhar até a porta que dava ao pequeno escritório, fazendo um gesto para que a acompanhasse —, aparentemente, não era a única pessoa com acesso a esse lugar.
acompanhou a amiga até o escritório e seus olhos logo focaram na foto sua e de sua irmã sobre a mesa. Com um franzido de apreensão, o rapaz se aproximou do objeto e tomou a carta que ali havia em mãos, notando que a carta era direcionada a si e à sua irmã mais nova, Gabrielle.
observou em silêncio enquanto ele analisava a carta, notando que a letra pertencia — de fato — a seu pai. O rapaz precisou de alguns minutos para assumir coragem o suficiente para abrir a carta e ler o que estava escrito no papel.

Meus queridos e Gabrielle.
Se esta carta está agora em suas mãos, isso quer dizer que não pude viver o suficiente para lhe contar tudo pessoalmente, e essa é a minha forma de passar adiante a luta que travei e perdi.
Quero que saibam, antes de tudo, que ler essa carta será um caminho sem volta, e será impossível ignorar tudo que vocês estão prestes a descobrir, portanto — lhes suplico — não continuem a ler se não estiverem dispostos a arriscar suas vidas.
Há dezessete anos, iniciei uma busca por verdade e justiça para me redimir dos meus erros e pecados, e o que me levou a essa busca foi a perda do grande amor da minha vida: Aadhya.
Não vou perder tempo precioso explicando os pormenores, mas é importante que saibam que eu amo sua mãe com todo meu coração, e ela me trouxe as maiores alegrias que tive nessa vida: vocês. Mas a sua mãe nunca pôde se tornar a minha alma gêmea, essa já havia sido tomada por outro.
Perdoem-me os devaneios de um velho encarando a possibilidade próxima da morte, a velhice tende a nos fazer encarar os arrependimentos de toda uma vida. E o meu maior arrependimento foi renunciar a mulher que amava e deixá-la sucumbir para proteger seus algozes em nome de um dever ao qual deveria ter abandonado há muito tempo.
Talvez nada disso que estou dizendo faça muito sentido, mas logo vocês entenderão que, todas as vezes em que estive ocupado demais para fazer parte de suas vidas, estive tentando salvar a minha alma e fazer aquilo que acredito ser o certo. Prefiro deixar esse mundo mais cedo com a lucidez e paz de saber que fiz o que pude para salvar aqueles que amo, do que me manter conivente a um sistema violento e corrupto que só traz destruição.
Nos últimos anos, trabalhei incansavelmente para descobrir e reunir provas dos atos mais sórdidos que vocês jamais poderiam imaginar, cometidos por diferentes membros da famiglia. Nesse galpão, vocês encontrarão tudo que consegui e perceberão que, por saber demais, fui condenado à morte.
É necessário, ou melhor, é imprescindível que vocês continuem o meu legado, que procurem ser melhores do que eu fui e encontrem paz em fazer o que é certo, por mais difícil que seja.
Me desculpem por colocá-los em tal posição, fui — por muitos anos — inocente em pensar que poderia resolver tudo sem envolvê-los em minha busca. Mas confio que farão o que é certo, e saibam que, independentemente do que aconteça, eu os amo e tenho muito orgulho de quem se tornaram.
Por favor, não cometam os mesmos erros que cometi, e não se calem como eu me calei. Se permitam amar, mas — muito mais do que isso — se permitam viver esse amor.
De seu saudoso pai,
Giuseppe Russo Demantelli.

observou enquanto o rosto de empalidecia em choque e depois se transmutava em diferentes emoções, da surpresa para a tristeza, e dessa para a raiva, para em seguida se tornar saudosa, até que finalmente o amigo terminou de ler a carta se debulhando em lágrimas. não pensou duas vezes antes de abraçá-lo fortemente, o segurando junto ao peito e o acalentando com um cafuné, aguardando-o se acalmar para explicar o que havia na carta.
Alguns minutos depois, secava as últimas lágrimas sentado na cadeira em frente à mesa enquanto esperava terminar de ler a carta que lhe entregara. A assassina finalizou a carta em fúria e jogou o pedaço de papel na mão do amigo antes de caminhar irritada até o galpão, procurando por entre as caixas com tamanha impaciência que chegou a jogar algumas caixas aleatoriamente para os lados.
— O que você está procurando? — questionou o amigo que a acompanhara, preocupado.
— Alguma caixa com o nome da minha mãe. Se seu pai a amava, como ele alega nessa carta, deve ter alguma coisa que explica essa situação ridícula — respondeu, chutando com raiva um grupo de caixas amontoadas em um canto.
, calma. Eu sei que a informação é chocante para você, assim como é para mim, mas nós precisamos entender isso juntos — afirmou, se aproximando dela e impedindo que ela socasse um outro grupo de caixas.
A assassina se permitiu ser impedida, fechando os olhos e respirando fundo para aplacar sua raiva. Tanto ela quanto estavam acostumados demais com essa rotina: a fúria descontrolada de e suas tentativas de recuperar a calma antes que fizesse algo que se arrependesse.
Assim que percebeu a raiva sobre controle, sentou-se no chão do galpão, gesticulando para que o amigo a acompanhasse. olhou para o chão sujo com desconfiança antes de se juntar à amiga.
— Certo. Então vamos aos fatos que temos até agora. comprou esse galpão, então ele provavelmente estava trabalhando junto com seu pai nessa busca por informações — iniciou , indo direto ao ponto.
— Sim, é possível. O que significa que quem matou meu pai sabia que estava envolvido, e por isso o usou como bode expiatório.
deu um sorriso vitorioso, ao menos isso havia de bom em todo o cenário. era inocente, exatamente como ela acreditara desde o início.
— Essa pessoa claramente faz parte da famiglia, e eles deveriam estar na cola desse alguém, por isso foram rechaçados dessa forma — continuou, assumindo rapidamente um brilho no olhar. — O que quer dizer que, seja lá quem for, nós só vamos descobrir depois de analisar as coisas que eles juntaram aqui ou encontrar .
— Ou ambos — concluiu .
Os dois se mantiveram em silêncio por alguns minutos, perdidos em seus próprios pensamentos e conjecturas. Ambos sabiam que havia muito mais a desvendar dali por diante, mas pareciam estar prestes a transpor um limite que poderia ser fatal.
— Eu preciso continuar na busca por — disse , chamando a atenção do amigo, que assentiu. — Vincenzo logo vai querer saber por que não digo nada há pelo menos dois dias. Além disso, tenho mais uma pessoa na lista para visitar, essa pessoa pode ser a última peça para encontrá-lo.
— Concordo — respondeu . — Enquanto isso, posso dar uma olhada nos arquivos e ver o que consigo descobrir. Agora, o único problema é: como vou continuar aqui enquanto esperam que eu siga os passos do meu pai em Chicago?
— Coloque sua irmã para fazer seu trabalho por lá, ninguém precisa notar que você não está na cidade. Mantenha contato somente por telefone, recuse qualquer reunião. Está na hora de colocar em prática tudo que sempre te ensinei — brincou, dando uma piscadela para o amigo.
— Está na hora de eu mentir descaradamente, você quer dizer? — retrucou, meio entrando na brincadeira.
— Algo assim — confirmou com um sorriso, antes de assumir uma expressão séria. — Tem mais uma coisa, . Aqueles caras que estavam nos perseguindo estavam atrás de você. Alguém quer você morto.
lembrou imediatamente das palavras escritas na carta de seu pai. De fato, somente por ser filho dele já havia um alvo em suas costas, muito provavelmente pensavam que ele sabia tanto quanto seu progenitor.
— Precisamos tomar todo cuidado possível. Fale com sua mãe e sua irmã, peça para que elas não saiam da mansão, tenho certeza de que se existe um lugar seguro nesse mundo, é onde vocês vivem.
concordou um tanto relutante, ainda estava no processo de entender como sua vida mudaria dali por diante, exatamente como seu pai previra.
— Você acha melhor eu ficar por aqui? — questionou o rapaz, se perguntando se seria possível se acostumar em ficar em um lugar daqueles.
— Sim. Eu tenho colchão de ar no carro, posso trazer aqui. Você pode pedir delivery caso sinta fome, podemos fazer um pequeno estoque de coisas enquanto eu estiver à procura do — sugeriu , notando a feição do amigo ficar cada vez mais sombria. Para ela, aquele lugar era muito melhor do que diversos outros em que ela já foi obrigada a ficar, portanto não lhe afetaria em nada. Mas definitivamente não fazia o tipo que dormia em qualquer pocilga que pudesse encontrar na estrada.
— Ok — disse por fim, se dando por vencido. — Quando você pretende ir?
— O mais rápido possível. Vou trazer tudo que você precisa e depois seguir viagem. É somente uma hora daqui até o Kansas, então devo estar de volta até amanhã.
— Certo — concordou o amigo, levantando-se e olhando ao redor, procurando por onde começar.
, só mais uma coisa. Preciso que você me dê seu telefone — pediu .
— Meu telefone?
— Ele deve estar sendo rastreado. Vou atraí-los para longe e depois me livrar dele.
suspirou frustrado, se dando conta de que a jornada mal começara e já se sentia exausto em ter de fazer parte dela. Ainda assim, pegou o celular no bolso e entregou nas mãos da amiga. Ela sorriu empaticamente, compreendendo o que o amigo estava sentindo, mas sabendo — após ter cruzado essa estrada ela mesma — que não havia volta.


Capítulo 13

“This night ain’t for the faint of heart
‘Cause the faint of heart gonna fall apart.”
(Wicked Ones – Dorothy)

pegou a saída sentido Wichita com um leve sorriso, havia poucas coisas que ela gostava tanto quanto dirigir em uma rodovia, onde podia pisar no acelerador e sentir a adrenalina dominando seu corpo e o vento em seu rosto.
A garota também sentia uma estranha sensação do que ela classificava como esperança. Havia deixado no galpão com tudo que ele precisaria para passar os próximos três dias, e estava confiante de que ele logo encontraria algo de útil que pudesse direcioná-la a algum lugar. também confiava que o médico de Kansas lhe daria algum insight que a ajudasse a encontrar .
Trinta minutos depois ela chegava em Lawrence, Kansas, uma cidade relativamente pequena com menos de cem mil habitantes. Estacionou no primeiro posto que viu e pegou as anotações dadas por Key, analisando as informações mais importantes sobre o médico. Aparentemente, tinha uma estadia fixa, porém passava a maior parte do tempo em sua clínica cujo endereço Key não foi capaz de localizar. Fora processado três vezes por uso de medicamentos ilegais em seus tratamentos, porém todos os processos foram arquivados antes de iniciarem as investigações, o que era estranho o suficiente para que concluísse que ele definitivamente tinha algo a esconder.
A assassina fez uma pesquisa rápida para saber como chegar ao endereço residencial do médico e logo voltou a dirigir. Estava a menos de vinte minutos do destino e pelo mapa notou que o local era recluso de tal forma que poderia servir tanto como esconderijo, quanto para cometer um crime. Optou por deixar o carro à 500 metros da propriedade — escondido próximo de algumas árvores densas — pois pretendia se aproximar sem chamar atenção, ao menos para avaliar a situação primeiro.
definitivamente não achava que precisaria de alguma arma para usar contra um médico, mas uma das primeiras coisas que aprendera com foi a importância de estar sempre prevenida. Amarrando o cabelo em um coque, aproveitou para ali esconder quatro alfinetes, sabia que só serviriam para combate corpo a corpo, mas já era algo. Em seguida, verificou se sua colt 45 estava carregada e a colocou no bolso interno de sua jaqueta de couro. Sentia a boca formigar com vontade de fumar um cigarro, mas sabia que não era o momento para isso.
Para finalizar seus preparativos, pegou o teaser que utilizara mais cedo no estacionamento do shopping e escondeu dentro do bolso do seu jeans. Respirando fundo, trancou o Porsche e caminhou lentamente em direção às arvores que margeavam o lugar, poderia se esconder mais facilmente por ali, caso fosse necessário.
Alguns minutos depois a assassina se encontrava de frente para a parte de trás da propriedade, notando as luzes apagadas denotar que, muito provavelmente, não havia ninguém ali. Ainda assim, antes de se revelar, tomou o cuidado de caminhar um pouco mais à frente, observando que não havia nenhum carro próximo da residência do médico.
Silenciosamente, caminhou até a janela que havia do lado de trás da propriedade, se dando conta que estava coberta com um insulfilm preto que a impedia de enxergar qualquer coisa ali dentro. Não havia jeito, teria de entrar.
Suspirando resignadamente, deu a volta até o outro lado da casa, percebendo que o insulfilm simplesmente cobria todas as janelas pelas quais passara. Quando se encontrou de frente para a porta, testou sua sorte, girando a maçaneta para analisar se estava aberta e — para sua surpresa — estava.
— Certo. Ou isso significa muita sorte, ou muito azar — sussurrou para si mesma antes de abrir lentamente a porta, fazendo uma careta ao ouvir o rangido alto que ela fazia. Colocou a cabeça com cuidado para dentro do local observando a sala de estar empoeirada à sua frente. Após não ouvir nenhum outro barulho ou sinal de vida ali dentro terminou de adentrar a casa, empunhando seu revólver só por precaução enquanto caminhava lentamente pela sala, tentando fazer o mínimo de som possível.
A assassina caminhou por todos os cômodos do primeiro andar sem encontrar nada de muito útil. Após a sala empoeirada, encontrou a cozinha também empoeirada e o lavabo completamente inutilizável que ficava ao lado da escada. A única coisa que chamou a atenção da garota foi que a linha telefônica e de internet havia sido literalmente cortada, os fios ainda caídos no chão.
No segundo andar, entrou imediatamente em uma suíte que, assim como o resto da casa, parecia largada às traças, completamente suja. Ao lado dessa, notou o que parecia ter sido um escritório, no qual havia um computador de pelo menos duas décadas atrás com a tela quebrada e estantes completamente vazias. A assassina estava chegando à conclusão de que o médico precisara abandonar a propriedade por alguma razão, e se certificou de não deixar nenhum rastro para trás.
Sem muitas esperanças, se direcionou para o que parecia ser uma outra suíte, se surpreendendo ao perceber que essa era a única parte razoavelmente limpa na casa. Os lençóis limpos, mas bagunçados, davam a entender que alguém o utilizara recentemente. Porém o que realmente chamou a atenção de foi o cinzeiro e o cigarro na mesa de cabeceira — MS — a única marca que fumava, as informações escritas em italiano evidenciando que aquele fora importado diretamente do seu país de origem.
— Você esteve aqui — murmurou para si mesma, pronta para caçar por mais pistas até ouvir o barulho de motor do lado de fora da casa. Correu até a janela que dava para a parte de frente da residência, notando com uma sensação estranha se apoderando na boca do estômago que um furgão preto estacionara ali. Apesar de saber que não seria vista devido ao insulfilm nas janelas, fez questão de se manter parcialmente escondida, analisando um total de doze homens armados com o que ela reconheceu imediatamente como rifles Winchester.
— Merda — sussurrou por entre os dentes, sabendo que não trouxera munição o suficiente para acerta todos eles. — Pensa rápido, , pensa rápido.
precisava tomar uma decisão: iniciar o ataque antes que eles entrassem na casa ou se esconder e esperar pegá-los de surpresa. Reconhecendo que dificilmente teria o ângulo certo para fazer valer cada uma de suas balas, optou pela segunda opção. Assim, pegou os quatro alfinetes que escondera em seu cabelo e se escondeu ao lado do batente da porta, ativando automaticamente o modo frio e calculista para acalmar os nervos enquanto aguardava por seus algozes. Ela pôde ouvir quando entraram e, quase que imediatamente, se dispersaram por diferentes partes da casa. ouviu os passos na escada e calculou que ao menos três pessoas subiam para o andar onde estava.
Quatro homens mascarados se dispersaram pelo segundo andar, explorando os três cômodos que ali havia, as armas engatilhadas e os ouvidos atentos por qualquer barulho. Assim que um deles passou pelo batente da porta onde se escondia, a garota enfiou um dos alfinetes em sua veia carótida, o vendo perder a consciência imediatamente. Ela o segurou antes que ele tombasse no chão alertando aos seus colegas, o deitando com um pouco mais de delicadeza aos seus pés. Poucos segundos depois mais um apareceu na porta e deu um chute no seu tendão de Aquiles, fazendo com que ele soltasse um grito enquanto deixava o rifle escorregar de sua mão por tempo suficiente para que a assassina o tomasse de sua mão e usasse a base da arma para atingir sua laringe, o fazendo cair no chão.
O barulho do grito do rapaz foi o suficiente para que os outros dois seguissem na direção da suíte em que estava e correu para se esconder ao lado da cama, deitando-se no chão enquanto empunhava seu revólver. Assim que notou os pés de mais um perseguidor adentrando o cômodo, se esticou para ter a visão do rosto do rapaz, dando um tiro certeiro no seu esterno. Ele caiu para trás, atingindo o seu colega que o acompanhava, o que foi distração suficiente para se ajoelhar de modo que pudesse ter uma visão mais ampla e atirar em sua testa.
Toda a cena aconteceu muito rápido, mas os sons de tiro já haviam alertado os outros perseguidores que passaram a subir as escadas apressadamente em busca de quem estava atacando. correu para dentro do banheiro da suíte, fechando a cortina que dava para a banheira apenas para servir como distração antes de se esconder atrás da porta. Pelo som dos passos, ela calculou que dois haviam entrado no quarto, e guardando a arma na jaqueta, resolveu pegar o teaser com uma mão e um alfinete na outra. Assim que o primeiro passou direto pela porta indo na direção da cortina que cobria o banheiro, se preparou para o segundo que o acompanhava, enfiando o alfinete em sua laringe e se apressando para dar um chute na altura do rim do outro antes mesmo que o primeiro caísse no chão. O rapaz caiu para dentro da banheira, inconsciente, e mal teve tempo de se virar quando sentiu o golpe forte em sua bochecha, o gosto de sangue dominando sua boca instantaneamente.
A assassina se jogou no chão para fingir que o golpe havia sido mais duro do que fora de fato, aproveitando para dar um soco na rótula do joelho do homem que a atacou, ouvindo seu grito de dor e aproveitando a distração para usar o teaser que ainda segurava e colocá-lo nos testículos dele com a máxima potência, o fazendo cair inconsciente em poucos segundos. Antes que pudesse planejar o próximo movimento, no entanto, lá estavam três rifles apontados em sua direção, empunhados por três homens entre a porta do banheiro e o quarto.
— Se você mover um músculo, vamos estourar seus miolos. — O que parecia estar liderando o trio afirmou, o olhar que lhe lançou sendo o suficiente para perceber que ele falava sério. Desistindo de fazer algo imprudente, a assassina soltou o teaser que segurava no chão, levantando as mãos em sinal de rendição. Um dos homens abaixou o rifle e seguiu em sua direção, a puxando pelo cabelo que havia se soltado em um rabo de cavalo, a forçando a ficar de pé e caminhar à sua frente, enquanto os outros permaneciam com os rifles apontados em sua direção.
Enquanto descia a escada e notava que mais dois outros homens aguardavam, exatamente como havia contado pela janela, tentou calcular as suas chances. Havia conseguido derrubar sete deles, o que significa que seriam extra cautelosos com ela dali por diante, sabiam do seu potencial letal. No melhor cenário possível, eles a torturariam para arrancar informações úteis; no pior, a matariam sem pensar duas vezes.
Assim que ela se viu no meio da sala, o homem que a levava pelo cabelo deu um chute na parte de trás do seu joelho direito a fazendo cair no chão ajoelhada. E então notou que havia uma terceira pessoa, um homem de meia idade que não carregava arma alguma e parecia posar como o líder do grupo.
— Srta. Mancini — exclamou com um forte sotaque russo —, é uma honra conhecê-la!
O sorriso amarelo em seu rosto não parecia nada amigável, embora as palavras que saíam de sua boca soassem dessa maneira. cerrou os olhos, tentando avaliar quem era o homem à sua frente, mas permaneceu calada aguardando que ele revelasse alguma informação importante que o denunciasse.
— Os boatos não fizeram jus ao seu talento, no entanto. Sete homens armados em menos de cinco minutos, isso deve ser um recorde, het? — Mas assim que ele notou que não houve qualquer mudança na fisionomia de , o sorriso se desfez de seu rosto e ele assumiu uma postura claramente ameaçadora. — Agora, me diga, você quer fazer isso do modo fácil ou do modo difícil?
não disse nada, mas abriu um sorriso sarcástico que deixava claro que não seria adepta ao modo fácil. O homem se aproximou ainda mais, abaixando-se para manter os olhos na mesma direção da assassina antes de tocar seu rosto em uma carícia que fez sentir uma vontade instantânea de vomitar.
— Tão linda... — elogiou, antes de acrescentar com um sorriso cruel. — Eu sei exatamente como quebrar vadias como você.
— Vai pro inferno! — rebateu , o olhar feroz não deixando seu rosto nem por um segundo. O russo a olhou de cima a baixo e sorriu cinicamente, olhando para seus subordinados antes de dar um tapa na cara da garota, o anel em sua mão causando um corte em seus lábios; e pela segunda vez naquela noite, sentiu o gosto de sangue dominar seu paladar.
— Certo, vamos começar do zero, Mancini. Onde está Pellegrini? — questionou o russo, recebendo como resposta um simples arquear de sobrancelha da assassina, o desafiando.
Dali em diante tudo aconteceu no que pareceu ser um milésimo de segundo. O líder russo pegou uma navalha e assumiu a posição do seu capanga que estava atrás da garota, levando a navalha ao rosto da assassina e deslizando a arma levemente pela pele de , leve o suficiente para servir somente como um aviso.
— Me desculpa, acredito que dei a impressão que você tinha escolha — disse ironicamente no ouvido da garota. — Agora seja uma boa menina e me conte o que eu quero saber, ou serei obrigado a destruir esse seu rosto de princesa.
sabia que podia atacá-lo rápido o suficiente para deixá-lo inconsciente, mas seria morta em dois segundos por um dos três rifles apontados em sua direção. A assassina já considerava entrar na dança e mentir seu caminho até a liberdade quando um baque na porta desviou a atenção de todos os presentes para a entrada da casa.
— Cercandome? — disse Mateo com um sorriso largo no rosto. se recuperou rapidamente do choque e apertou o ponto de pressão no pulso do líder russo, fazendo com que ele perdesse o movimento da mão por alguns segundos, a navalha caindo no chão. Foi tempo suficiente para que a assassina pegasse a arma, levantasse de supetão e enfiasse a navalha no olho do líder russo enquanto ouvia o som dos quatro tiros rápidos e certeiros que dava nos capangas ao seu redor. lançou o corpo do russo na direção do último subordinado que se mantinha de pé, pegando a arma do bolso da jaqueta e atirando em sua testa antes de dar um tiro também no coração do líder.
A assassina deu uma rápida olhada ao seu redor notando os corpos caídos no chão, mas sua atenção logo foi tomada pela presença sorridente próxima à porta de entrada. Alguma parte do seu inconsciente se lembrava que seu rosto deveria estar respingado de sangue — seu e dos homens que matara —, mas seu consciente só registrava a covinha evidente no sorriso largo do homem à sua frente, e com uma rapidez impressionante, ela correu em sua direção.
estendeu os braços para pegá-la no mesmo instante que ela se jogou, enlaçando as pernas em seu tronco e emaranhando as mãos em seus cabelos antes de puxá-lo para um beijo apaixonado. Quando seus lábios se tocaram, nada mais pareceu importar, ambos não se davam mais conta do caos e morte ao seu redor, seus perseguidores ou até mesmo quem estava por trás de tudo aquilo. sentia como se estivesse bebendo água pela primeira vez depois de andar por dias no deserto, enquanto sentia como se estivesse vendo a luz pela primeira vez depois de ter ficado dias confinado ao escuro. O beijo não era doce e carinhoso como se esperaria de um casal de namorados, era um beijo que representava bem a personalidade de ambos: intenso e selvagem.
Um gemido sôfrego escapou dos lábios de quando se virou a empurrando contra a parede, seus corpos automaticamente se encaixando da maneira certa. A garota levou as mãos até a barra da camiseta do mais velho, a puxando para cima enquanto sentia a ereção de cutucando a parte de si que mais o desejava, mas — típico da mente analista de seu eterno mentor — ele parou o beijo com relutância, dando tempo para que o oxigênio voltasse a fluir por seus corpos antes de depositar uma mordida no pescoço da mais nova e sussurrar em seu ouvido.
— Não há nada que eu queira mais do que tirar suas roupas e fare l’amore finché non ce la fai piú, mas precisamos sair daqui antes que tenhamos mais companhia.
sentiu o calor em seu corpo aumentar ainda mais ao ouvi-lo falar em italiano com sua voz grave e sexy, e sem conseguir se conter o puxou para mais um beijo apaixonado, embora parando pouco tempo depois para descer de seu colo e aceitar a mão oferecida. Ambos saíram da propriedade de mãos dadas, andando apressados até a moto de que se encontrava parada a alguns metros dali. tinha muitas perguntas e diferentes sensações dominando sua mente, mas nada conseguia competir com a excitação de estar ali com ele, e a vontade de agarrá-lo era tanta que sentia o nó em seu baixo ventre aumentar a cada segundo que passava. Quando se encontraram de frente para a moto de , ele pegou um capacete reserva para entregar à , fazendo questão de prensar seu corpo contra o dela uma vez mais para que ela pudesse notar que a vontade dele era tão grande quanto a dela. Antes que ela pudesse colocar o capacete, ele segurou seu rabo de cavalo, o puxando o suficiente para que ela inclinasse a cabeça para trás, dando acesso para que ele a provocasse com uma mordida nos lábios e um caminho de beijos molhados até sua orelha, mordiscando a ponta e sussurrando em promessa.
— Voglio esplorare ogni singolo centimetro del tuo corpo con la mia bocca. — Foi o suficiente para que o calor que consumia a assassina se alojasse especificamente no meio de suas pernas, mas tão rápido como ele se aproximou, logo se afastou com um sorriso malicioso, colocando o capacete e se sentando na moto, aguardando o tempo que levou para se recuperar da provocação e colocar seu capacete também, subindo na moto atrás do mais velho e o abraçando com força, se preparando para onde quer que ele a levasse, e tendo a certeza de que, com ele, iria até o inferno.


Capítulo 13.1 (Bônus)

“I wanna fuck you like an animal My whole existence is flawed You get me closer to God.”
(Closer – Nine Inch Nails)

(Nota da autora: só passando para dar um aviso rápido que esse capítulo é pura safadeza, babes. E, mantenham o google tradutor aberto, pois como bom italiano, o segundo fave gosta de um Dirty Talk na sua língua nativa. Agora, aproveitem o Deus grego <3).

Me apertei um pouco mais contra , tentando me proteger do vento forte que assolava nossos corpos, e aproveitando para sentir seu corpo bem definido por debaixo da camiseta branca que usava. Já estávamos na moto há pelo menos quarenta minutos e eu havia notado as placas indicando que já não estávamos mais em Kansas. Não me preocupava com o destino, acostumada a sensação de segurança que transmitia, me fazendo sentir tranquila em deixar que ele assumisse as rédeas da situação e conduzisse o caminho.
Alguns minutos depois, a moto desviou da rodovia para seguir por uma estrada de terra que logo se ramificou em uma trilha floresta adentro. Abracei o tronco de com um pouco mais de força para me segurar em meio aos solavancos que a moto fazia ao passar pelos pedregulhos na estrada. Olhei à frente, tentando entender para onde exatamente estávamos indo, embora não fizesse a menor ideia do caminho que fazíamos. Minha curiosidade foi saciada assim que notei a pequena cabana em meio ao amontoado de árvores densas à nossa frente.
O pneu da moto fez um som estridente ao parar inesperadamente, e levantou rapidamente após se certificar de que ela estava segura, retirando o capacete e o colocando sobre o guidão antes de me ajudar a retirar o meu, oferecendo a mão para que eu pudesse me levantar também. O toque da sua mão na minha parecia eletrizar todo o meu corpo, e ele me puxou apressadamente até a porta da cabana, pegando o molho de chaves e procurando pela chave certa com alguma dificuldade, utilizando uma mão só, se recusando a me soltar.
Depois de duas tentativas frustradas, a porta estava aberta e mal pude reparar no ambiente ao dar um passo para dentro do local, sendo imediatamente empurrada contra a porta que se fechara atrás de mim, sentindo os lábios de se colarem aos meus enquanto suas mãos grandes encontravam minha cintura, me puxando em sua direção. Correspondi ao beijo com a mesma intensidade, passando minhas mãos por seus ombros até a sua nuca, o puxando para mais perto.
Era evidente que desejávamos mais do que tudo nos fundirmos em um só, e as mãos de agilmente retiraram minha jaqueta a jogando ao longe antes de separar nossos lábios para depositar beijos molhados e quentes pelo meu pescoço e ombros expostos pela regata que eu utilizava.
— Solo guardarti mi rende così duro. — O ouvi sussurrar, como se eu não estivesse sentindo sua ereção cutucando deliciosamente meu ventre, me fazendo querer arrancar de vez as roupas que nos separavam e montá-lo até que ambos estivéssemos satisfeitos. Com essa ideia em mente, arranquei sua jaqueta também, a jogando ao chão antes de puxar sua camiseta com tanta força que ouvi o som do material se rasgando. Não que qualquer um de nós se importasse, só o que importava era aproveitar cada pedaço um do outro, e reviver as sensações únicas que nos dávamos.
voltou a me beijar como se estivesse faminto e eu fosse sua comida predileta, enquanto sua mão esquerda se emaranhava pelos meus cabelos, conduzindo o beijo, e a outra deslizava perigosamente por meu corpo até a minha calça, abrindo o zíper e deslizando a mão além. Um gemido alto escapou meus lábios ao sentir seus dedos tocarem minha intimidade úmida, e pude perceber seu sorriso safado por entre o beijo. Ele mordeu meu lábio enquanto movia seus dedos com maestria no meu sexo que pingava por ele.
— Così bagnato...sempre tão úmida para mim — murmurou ao mesmo tempo que enfiava dois dedos em minha vagina, me fazendo soltar um grito desesperado e apertar seus ombros com força. Ele sabia exatamente o que fazer para me render totalmente, entregue aos seus toques e carícias, e a combinação dos seus dedos com sua voz rouca sussurrando em meu ouvido foi o suficiente para me fazer explodir em um orgasmo. — Quello... goza para mim, tesoro mio.
se afastou apenas por tempo o suficiente para tirar a própria calça, deixando à mostra seu físico deliciosamente perfeito, os braços fortes repletos de tatuagem, o abdômen definido evidenciando o caminho da perdição que levava ao seu membro rijo e grosso. Mordi os lábios para conter um gemido ao vê-lo se tocar me olhando. Um segundo depois nos beijávamos novamente como se não pudéssemos ter o suficiente um do outro. Terminando de abaixar minha calça, me pegou no colo com facilidade, me empurrando novamente contra a porta como apoio para me penetrar de uma só vez, me levando a soltar um grito, um misto de prazer e dor ao ser invadida tão repentinamente.
— Quello, gattina ... Ti farò venire così forte — sussurrou em meu ouvido com a voz rouca e sexy, fazendo com que minha vagina instantaneamente o espremesse em êxtase e um grunhido saísse de seus lábios. O puxei pelo cabelo, colando nossos lábios mais uma vez, e me senti imediatamente completa. Deus, como era maravilhoso estar em seus braços, completamente dominada pela energia sensual e selvagem que nos rondava. Não havíamos sequer tido tempo para conversar e eu não poderia me importar menos, eu ficaria grudada nele para sempre se pudesse, sua presença preenchendo cada pensamento, seu corpo me levando ao paraíso.
— Não para — murmurei enterrando meu rosto em seu pescoço, sentindo um novo orgasmo prestes a acontecer. Mordi o espaço entre seu pescoço e ombro, notando seu corpo tensionar antes que ele gemesse meu nome e colocasse as mãos em meu bumbum, ajustando meu corpo antes de me penetrar novamente no ângulo mais perfeitamente correto para me fazer explodir. Assim que sentiu meu líquido escorrer sobre seu pênis, ele me empurrou ainda mais contra a porta, capturando meus lábios e passando a me foder com força, a fricção violenta de nossos corpos me levando a um novo orgasmo quase instantâneo.
Mas eu o conhecia bem o suficiente para saber que ele ainda estava longe de terminar. Com um sorriso bobo que ia de orelha a orelha, desci do seu colo seguindo seu comando, sentindo seus beijos por meus ombros e costas enquanto ele me direcionava até o que parecia uma mesa de jantar. Ele me virou de frente para ele e me pegou pela cintura, me sentando no objeto antes de começar a beijar meus lábios, queixo, pescoço e descer para meus seios, dando atenção especial a cada um dos mamilos com suas mãos e lábios.
— Rilassati e lascia che mi prenda cura di te — ele disse antes de ajoelhar-se em minha frente na altura exata para explorar meu sexo pulsante com sua língua, e foi exatamente o que ele fez. A onda de prazer foi tão intensa que fechei os olhos por um instante, me privando de uma das imagens mais incrivelmente eróticas que era me saboreando como se fosse a coisa mais deliciosa que já estivera em sua boca. Não pude conter os gemidos lascivos que saíam de meus lábios, e minhas mãos foram para seu cabelo, o mantendo exatamente onde o queria, até que gritei seu nome em êxtase ao atingir o ápice pela terceira vez.
Ainda assim, não parecia ser o suficiente, tinha um efeito viciante em mim, e quanto mais eu o tinha, mais queria, como se ele fosse minha droga pessoal. Talvez tenha sido por isso que me joguei naquela busca tão determinada, como uma drogada em abstinência, como se a vida não fosse interessante o suficiente se ele não estivesse por lá. O puxei pelo cabelo, forçando os seus olhos no meu antes de dizer com a voz rouca.
— Eu preciso... de você dentro de mim. — Ele assentiu, se levantando, mas o puxei para mais um beijo apaixonado antes, sentindo seu cheiro misturado ao cheiro de sexo invadir minhas narinas. — Me fode como se sua vida dependesse disso — ordenei.
Não foi preciso dizer duas vezes. No minuto seguinte, eu já me encontrava debruçada sobre a mesa, meus braços presos nas minhas costas enquanto me invadia por trás da maneira mais deliciosa possível, me fazendo gritar em êxtase. Em alguma parte inconsciente do meu cérebro, eu tinha total noção de que estava entregue de tal modo que ele poderia fazer o que quisesse comigo, mas essa noção só me fazia desejá-lo ainda mais e o calor em meu corpo aumentar ao ponto que eu parecia prestes a entrar em combustão.
Segurando meus braços imobilizados atrás de mim com uma mão, levantou minha perna direita a colocando sobre a mesa de modo que pudesse atingir o ângulo perfeito para me penetrar de maneira selvagem, acertando todos os pontos certos. Um soluço desesperado escapou meus lábios ao sentir suas mordidas e chupões em meu pescoço, a mistura de dor e prazer se fundindo de tal maneira que senti minha vagina se contrair novamente, o apertando com força dentro de mim, o grito que ele deu sendo o suficiente para me fazer gozar uma vez mais.
— Sto per venire, piccola. — O ouvi dizer com um gemido enquanto ele se enterrava ainda mais fundo em mim, soltando minhas mãos para que eu pudesse me apoiar na mesa antes de puxar meu rosto para o lado, capturando meus lábios em um último beijo intenso antes de despejar seu gozo dentro de mim. — Ti amo, bella. Sei il mio tutto.


Continua...



Nota da autora: E... finalmente encontramos o famoso segundo fave (aka )! \o/ E aí, me conte o que acharam do boy. Eu sou muito suspeita porque o amo de paixão. <3



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