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Última atualização: 14/02/2024

Prólogo

Dizem que existe uma linha tênue entre o amor e o ódio. Um sentimento lindo pode se tornar o pior em apenas um milésimo de segundo, e vice-versa. Não tenho muita experiência com o amor, devo ser sincero, mas desde que a conheci se tornou absurdamente familiar a oscilação de sentimentos regados a bebida e devaneios.
é um misto do meu maior sonho com o pior pesadelo. Ela tem a capacidade de me levar ao céu em um momento e me empurrar lá de cima no seguinte, direto para o inferno e sem pausas no meio do caminho. Alguns diriam que ela é uma vadia interesseira sem coração, e parte de mim não poderia concordar mais com a afirmação. E ainda assim, sendo o masoquista que sou, eu a amo. Ou a odeio, dependendo do dia. Mas normalmente a amo tanto a ponto de fazer besteiras estratosféricas como viajar para outro estado atrás dela.
Talvez uma breve explicação me ajude a fazer mais sentido. Eu conheci há exatamente um ano. Havia ido até um novo bar próximo de casa na esperança de beber algumas e esquecer a humilhação a qual fui submetido pelo pai de um dos meus alunos, regado com ameaças nada sutis do diretor logo em seguida. Era uma sexta-feira à noite e como eu não precisava me preocupar em ficar bem o suficiente para trabalhar no dia seguinte, tinha a intenção de beber até esquecer de quem eu era.
No entanto, meus planos foram interrompidos por um par de belos olhos que me observavam com curiosidade do outro lado do balcão do bar. Ela estava absolutamente linda, com um vestido branco que realçava sua pele e os cabelos presos em um coque deixando exposto seu pescoço delgado. Custei a acreditar que ela estava realmente interessada em mim apesar da troca constante de olhares e sorrisos, mas quando o barman me entregou uma dose de tequila enviada por ela, não havia mais tempo a perder.
Assim que me aproximei e conversamos por alguns minutos, duas coisas ficaram absurdamente claras. A primeira foi que ela simplesmente fala exatamente o que quer, sem rodeios. A segunda foi que ela queria apenas sexo sem compromisso.
- Se você for do tipo nerd romântico, pode dar meia volta e continuar qualquer que fosse o seu plano para essa noite. – afirmou sem a menor piedade. E sim, eu sou um nerd romântico, mas para tê-la eu seria o que ela quisesse que eu fosse.
Aquela foi a primeira noite que ela passou no meu apartamento. Transamos como dois coelhos no cio, e era incrível como nossos corpos se encaixavam com tanta perfeição. Ela me deixava com tesão a tal ponto que – pela primeira vez na minha vida – fui capaz de passar a madrugada acordado, conhecendo seu corpo de todas as maneiras imagináveis. Definitivamente o melhor sexo da minha vida, e mesmo que ela nunca admita, foi o melhor da vida dela também.
É claro que sendo verdadeira em suas palavras, sexo era tudo que ela queria. E assim que não conseguíamos mais mover um músculo de tão inteiramente extasiados que estávamos, ela se levantou sem qualquer cerimônia, vestiu suas roupas e me deu um beijo na bochecha acompanhado de “obrigada” antes de seguir porta afora. Meu ego ficou tão ferido que aquela foi a primeira vez que a odiei.
Tudo deveria ter acabado por ali, uma noite inesquecível sem qualquer compromisso para ser guardada eternamente na memória, mesmo com minhas tentativas estúpidas de ir até o bar da esquina com mais frequência do que minha vida financeira permitia, na esperança de encontrá-la novamente. A vida deveria seguir normalmente e eventualmente eu superaria a mulher incrível que abalara minha cama e meu coração, não fosse o fato de que a encontraria meses depois da maneira mais improvável possível.

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Três meses depois lá estava ela, na minha sala de aula, parecendo resplandecer em meio aos outros pais e mães que participavam da reunião. Quase perdi a capacidade de falar, não fosse a coordenadora ao meu lado direcionando a conversa para que eu a acompanhasse. Ela não deu o menor sinal de me reconhecer ainda que minimamente, nem mesmo quando se aproximou e assinou o documento de comparecimento com um agradecimento distante e formal. A minha vontade era agarrá-la e chacoalhá-la até que ela admitisse tudo que aconteceu, mas a parte racional em mim conseguiu ao menos conter o rompante ridículo que isso seria.
foi embora antes que eu pudesse fazer qualquer coisa para impedi-la, como se a minha existência fosse completamente irrelevante. Eu poderia ter respeitado a mim mesmo o suficiente para lhe retribuir o tratamento, mas ao invés disso secretamente invadi a secretaria e procurei por suas informações nos arquivos da escola, encontrando seu número de celular.
Caso você não tenha entendido ainda quão baixo é meu nível de amor-próprio, aqui vai um spoiler: eu liguei e enviei mensagens completamente ignoradas por pelo menos duas semanas antes dela finalmente aceitar me encontrar no “nosso” bar. foi categórica ao dizer que não me queria a seguindo como um cachorro sem dono, e que não tinha o menor interesse em me ter na vida dela. E, novamente, eu poderia decidir seguir a minha vida e tentar esquecê-la, mas chame de vício, obsessão ou o que desejar chamar, eu simplesmente não conseguia.
Segui tentando fazê-la me notar de alguma forma, inventando desculpas e criando situações para que ela precisasse comparecer na escola. Aproveitando cada uma dessas chances para convencê-la de que aquela noite que perturbava todos os meus sonhos deveria se repetir. E como já dizia Renato Russo “quem acredita sempre alcança”.
Finalmente, se rendeu às minhas incansáveis investidas. Ela apareceu na minha casa no meio da madrugada de um dia qualquer, sem o menor tipo de aviso, e antes mesmo de entrar porta adentro estabeleceu suas regras. Não poderia procurar por ela, ligar, enviar mensagem, ou decidir qualquer coisa em relação ao nosso “relacionamento”, ela teria total controle sobre quando e como aconteceria. Além disso, qualquer sinal de romance estava fora de cogitação.
Aquele momento deveria ter sido de epifania, e se eu fosse um pouco mais sensato teria fechado a porta na sua cara ou mesmo exigido que ela me desse o mínimo de respeito, mas é claro que – ao contrário disso – eu a beijei como se ela fosse um oásis em meio ao deserto. Esse dia foi o início oficial do nosso “affair” e não havia uma semana que ela não surgisse na minha porta em busca de sexo selvagem.
Por seis meses suportei essa situação sem deixar que meu orgulho interferisse. Tentava me convencer que tínhamos um acordo mútuo que beneficiava a nós dois, ainda que todas as decisões partissem dela. Racionalmente e objetivamente, era apenas sexo e nada mais. E mesmo quando descobri sobre seu casamento com um figurão ex-militar e nossos encontros se tornaram mais frequentes, foi a essa ideia que me apeguei. Porém, por mais que seu corpo me levasse ao paraíso e me mantivesse são em meio ao vazio que era minha vida, havia sempre uma parte em mim que desejava mais, ansiava por mais.
Muitos não entenderiam por que me submeti a me envolver com alguém que só queria me usar para benefício próprio, mas a verdade nua e crua é que – sem ela – não parecia haver nada em minha vida que a fizesse valer a pena ser vivida. Eu era um artista que havia vendido minha alma como professor de um bando de crianças mimadas por alguns trocos a mais, seguindo regras sem questionar e ignorando completamente a essência de fazer arte por mera tecnicalidade. Meus poucos amigos me achavam incrível por trabalhar em uma das melhores escolas do país e eu não tinha coragem de assumir que aquele estava longe de ser meu trabalho dos sonhos.
não se preocupava em saber nada sobre minha vida, e respondia a contragosto muito pouco das perguntas feitas por mim. Ou seja, eu conhecia seu corpo de todas as formas possíveis, sabia cada detalhe, cada mancha e marca em sua pele, até mesmo havia memorizado as reações aos meus toques, mas sua mente e coração permaneciam fechados. Após seis meses de martírio e êxtase, ela anunciou que não voltaria mais, deixaria São Paulo para acompanhar o marido no lançamento de sua carreira política. Ela me disse adeus como se estivesse fazendo um comentário qualquer sobre o tempo, enquanto meu mundo se ruía ela nem sequer se preocupou em me dar um último beijo.
Faz um ano que ela se foi e deixou meu mundo vazio e essa poderia ser uma história para dizer que a superei e agora consigo viver como se ela nunca tivesse existido. Mas a verdade é que ela me assombra a cada segundo do dia, e quando vou me deitar imagino que ela irá aparecer a qualquer instante e bater na minha porta como se nada tivesse mudado. Portanto essa história é - na verdade - fruto da minha decisão de conquistá-la. Eu estou indo até o sul do país – mais precisamente Gramados – com uma única missão: conseguir o coração da mulher que amo.


Capítulo 1

Entrei no salão de festas do Hotel Britânico tentando transmitir uma confiança que eu definitivamente não sentia. Eu tinha certeza de que estaria lá e esperava conseguir alguma oportunidade para conversar com ela, embora ainda não soubesse o que exatamente dizer. Duvidava que dizer “oi, cheguei à conclusão de que te amo e não consigo viver sem você” fosse ter um efeito muito positivo.
Caminhei um pouco e rapidamente encontrei o lugar destinado a mim junto a outros artistas. Antes mesmo de me sentar, aproveitei para pegar uma taça de espumante de um dos garçons que passava por mim e virei o conteúdo todo em um único gole. Coragem líquida seria necessária sem sombra de dúvidas.
Sentei-me em meu lugar e imediatamente minha atenção foi tomada pelos meus colegas que me faziam perguntas de praxe sobre o que achei da arquitetura do novo hotel e se já tinha recebido alguma instrução acerca do projeto de curadoria que estávamos prestes a fazer.
- Não tenho muita informação, mas acredito que queiram quadros que tenham sido feitos por artistas do Reino Unido. – respondi desinteressadamente voltando meu olhar para as centenas de pessoas ao redor sem encontrar nenhum sinal daquela por quem mais ansiava.
Quatro taças de espumante depois, estava prestes a perguntar a algum dos garçons se havia algo um pouco mais forte para beber quando sinto alguns tapas leves em meu ombro. Me viro e dou de cara com um dos donos do hotel e meu contratante, Sr. Hoff.
- ! Que prazer tê-lo conosco, espero que tenha tido uma boa viagem. - para minha surpresa me cumprimentou como se fossemos velhos amigos.
- Sim Sr. Hoff, a viagem foi perfeita, obrigada. O hotel está magnífico, meus parabéns! – comentei sem jeito tentando retribuir a gentileza.
- Sim, sim, e ficará ainda melhor quando vocês usarem o conhecimento de vocês e darem aquele toque especial. - antes que eu pudesse retribuir ele se adiantou para cumprimentar os outros artistas próximos um a um.
Terminei de tomar minha quinta taça de espumante e virei o rosto à procura do garçom quando dei de cara com me olhando como se tivesse visto um fantasma. Tentei sorrir para dissipar a tensão, mas devia estar sofrendo do mesmo efeito paralisante.
- Ah! , antes dessa noite terminar espero ter a oportunidade de trocar algumas palavras com você. - Sr. Hoff se aproximou novamente, porém não conseguiu dominar completamente minha atenção. - Como você costumava ser o professor favorito da minha enteada, confio particularmente em você e sua visão para comandar o time.
Só então consegui me atentar ao que ele falava, desviando minha atenção do olhar confuso de .
- Mas isso não é de urgência, claro, conversaremos depois do jantar, pois hoje é dia de celebrar! - continuou sem perceber minha distração, me oferecendo uma taça de vinho para brindarmos. – , você deve se lembrar do professor de Artes da Sophia, certo?
ensaiou um sorriso simpático ao receber a atenção de seu marido, se virando para mim com a mão estendida.
- Mas é claro. É um prazer revê-lo, professor. – apesar das palavras educadas ela não poderia soar mais desinteressada e aquilo foi como um chute no estômago. Retribui o aperto de mão.
- O prazer é todo meu, Sra. Hoff.
Ela e seu marido se afastaram logo em seguida, alegando que havia outras pessoas que precisavam de um pouco de sua atenção. passou as próximas duas horas distante, mas seu olhar sempre encontrava o meu em meio à multidão de pessoas, como se ela ansiasse me ver tanto quanto eu ansiava por ela, ou talvez essa fosse uma projeção da minha mente me pregando peças.
Estava tão consciente da mulher a alguns metros de distância que reparei assim que ela se levantou e seguiu rumo à saída do salão. Notei que ela ia sozinha e foi nesse momento que decidi segui-la, pedindo licença aos outros na mesa e inventando a desculpa de ir ao banheiro.
Saí do local a tempo de ver adentrar um dos elevadores e percorri a pequena distância sendo rápido o suficiente para entrar antes que as portas se fechassem. Ambos nos encaramos em silêncio, sem muita certeza do que dizer, e antes que eu desse por mim me aproximei e levei minhas mãos ao seu pescoço a puxando para um beijo apaixonado.
Seu beijo doce era como um veneno se apossando das minhas veias e me fazendo querer ainda mais. correspondeu a princípio, pega de surpresa, mas logo me empurrou com veemência.
- Você tá louco, ? Alguém pode entrar a qualquer momento! – me repreendeu ainda que o desejo fosse evidente em seus olhos que teimavam em se direcionar para meus lábios. – Aliás, o que você pensa que tá fazendo aqui?
Me aproximei novamente levando a mão ao seu rosto em uma carícia leve e sensual, deslizando os dedos por seu pescoço e um pouco abaixo.
- Eu não aguentava mais ficar longe de você. – confessei em um sussurro. Seus olhos se encontraram com os meus e pude ver sua guarda baixar, um misto de pena e compreensão evidentes. Um segundo depois era ela quem me atacava, seus braços ao redor do meu pescoço e seus lábios colidindo com os meus como se ela quisesse se certificar de que eu realmente estava ali.
O elevador apitou e nos afastamos rapidamente, aparentemente no local onde havia escolhido. Ela me puxou para fora e notei que se tratava do terraço do hotel, completamente vazio e com a bela vista da cidade à nossa disposição. Confesso que sequer reparei na paisagem, era tudo que eu queria ver e sentir naquele momento e foi exatamente o que fiz. Ela voltou a enlaçar os braços em meu pescoço enquanto eu a peguei no colo, a empurrando contra uma estátua e utilizando a posição para mover meus quadris contra os dela, o beijo de repente mais intenso e sensual.
Era perceptível que eu não era o único sofrendo de uma abstinência terrível, tenho certeza de que nossa única vontade era arrancar as roupas um do outro e passar a noite como nos velhos tempos. Devo confessar que não estávamos tão longe disso, deslizou as mãos por meus ombros, peito e abdômen até encontrar o botão da minha calça social e abri-lo sem o menor pudor. A coloquei novamente no chão e deslizei minhas mãos por seu corpo puxando o vestido pelo caminho, estava usando cada fibra do meu ser para controlar meu impulso de pegá-la ali mesmo, mas quando ela chupou meu pescoço enquanto sua mão agarrava meu pênis que já estava a ponto de bala não pude conter um gemido desesperado.
- Ah, ! Olha o que você faz comigo, olha como você me deixa, pequena... – depositei beijos em seus lábios, ombros e colos notando que o autocontrole dela estava tão ruim quanto o meu. – Deixa eu te sentir só um pouco, sentir você me apertando, vai ser tão gostoso ... – praticamente implorei – Prometo que te faço gozar antes de notarem nossa ausência...
olhou nos meus olhos e assentiu antes de voltar a me beijar e tirar meu membro para fora da cueca, me dando a permissão que eu tanto esperava. Em um suspiro de alívio por entre o beijo, me afastei dela o suficiente para virá-la de costas fazendo com que ela se inclinasse um pouco utilizando a estátua como suporte. Rapidamente terminei de levantar seu vestido até o quadril e deslizei sua calcinha por suas pernas torneadas, deixando seu sexo exposto, ela estava tão molhada que só precisou de alguns toques antes que eu pudesse penetrá-la ouvindo seu gemido rouco e sensual em meu ouvido.
Eu sabia que não tinha muito tempo e que estávamos fazendo algo completamente arriscado, mas simplesmente não podia me importar menos. Ter seu corpo grudado no meu de novo, sentir sua intimidade quente e úmida me apertando tão perfeitamente e ouvir seus gemidos era tudo que eu precisava para ser feliz, e eu aceitaria qualquer punição que pudesse haver só para tê-la para mim.
Notei que ela estava próxima de um orgasmo e a ajudei tocando seu clitóris enquanto depositava beijos molhados e pequenas mordidas pela extensão do seu pescoço, movendo meu corpo com um pouco mais de força e rapidez da maneira que eu sabia que ela adorava.
- Isso, Fe, se entrega pra mim...goza pra mim, pequena. – com um gemido alto a senti tremer nos meus braços e seu líquido escorrer em mim, e foi então que a segui, a preenchendo com meu gozo sem me preocupar com as consequências.
Demoraram exatos dois minutos antes que ela se recuperasse e se afastasse do meu abraço. Sem olhar nos meus olhos se aproximou e retirou minha gravata sem a menor cerimônia a utilizando para se limpar antes de levantar a calcinha e se afastar como se nada tivesse acontecido.
Esperei por mais alguns minutos tentando recuperar parte do meu orgulho e dignidade antes de pegar a gravata usada e me livrar dela no banheiro, observando com incredulidade minha própria aparência desgrenhada no espelho e tentando ajustá-la ainda que minimamente. Um gosto agridoce havia pairado em minha boca, parte de mim extasiado por ter tido em meus braços novamente ainda que por pouco tempo, enquanto outra parte mergulhava em raiva e autopiedade por ter cedido ao velho hábito.
Assim que reuni coragem para voltar a festa, vocês já devem presumir que a primeira coisa que fiz foi beber uma taça de espumante. Em seguida a procurei pela multidão reparando que ela e o marido pareciam se despedir de algumas pessoas enquanto se aproximavam da saída. Quando ele me viu fez menção de vir até mim, mas ela o impediu dizendo algo em seu ouvido, ele lhe assegurou com um sorriso amigável antes de acenar em despedida fazendo um gesto de “te ligo depois” antes de saírem porta afora.


Capítulo 2

Após a saída de da festa no dia anterior eu tomei a coragem de perguntar para um dos garçons a possibilidade de servir algo um pouco mais forte e fui atendido. É claro que beber demais não resultou em nada além de uma dor de cabeça horrível no dia seguinte quando fui acordado por uma ligação da secretária do Sr. Hoff.
Apesar da estadia estar sendo paga pela empresa que me contratara não quis abusar, então havia escolhido um apartamento no bairro Planalto há uns três quilômetros do centro da cidade. Como você deve imaginar, não estava nas melhores condições para a reunião de trabalho que estava prestes a ter com meu contratante, por isso decidi caminhar a distância até sua casa, um pouco acima da Rua Torta.
No caminho tomei pelo menos três xícaras de café, aproveitando para apreciar a arquitetura definitivamente diferente de São Paulo. Havia um cuidado bem artístico em tudo ao redor, até mesmo nos jardins, o que era inspirador de se ver. E se eu não estivesse com uma ressaca desgraçada e o coração partido, tenho certeza de que teria apreciado tudo ainda mais.
Em quarenta minutos estava à frente da casa, uma mansão incrível com muito mais cômodos do que os donos precisam com toda certeza. Era também bem esverdeado, dando um ar sereno apesar da opulência da propriedade. Respirei fundo reunindo a energia que precisaria para lidar com a visão de novamente e – principalmente – com a reação que ela teria ao me ver.
Caminhei alguns passos até a porta quando ouvi uma risada leve e despreocupada vinda da parte de trás da propriedade. Dei a volta silenciosamente para não atrapalhar a interação que acontecia e vi brincando com a filha, ambas dançavam sem música com movimentos que variavam entre exagerados e engraçados. Senti meu coração comprimir no peito ao ver a cena, o sorriso largo que eu raramente via no rosto dela a deixava ainda mais linda, e era essa doce, fofa e despreocupada com a sua filha que eu gostaria de conhecer.
Nas vezes que a havia visto na escola eu já percebia quão gentil e carinhosa ela era com Sophia, e sempre me perguntava como seria possível que aquela mulher era a mesma que traía o marido sem pudor e me tratava como um objeto sexual sem o menor remorso. Suspirei e me virei para seguir na direção da mansão novamente quando ouvi o grito de Sophia.
- ‘Prô ! – ela exclamou correndo em minha direção e abraçando minhas pernas. Sorri fazendo um cafuné em sua cabeça e bagunçando seu cabelo.
- Oi florzinha. Como você está? – perguntei antes de levantar meu olhar e dar de cara com a expressão irritada de .
- Bem. Eu e a mamãe estamos brincando de ser dançarinas. – comentou com um sorriso fofo.
- Muito bem! Logo você será uma artista completa. – afirmei incentivando-a.
- Sim!! – gritou empolgada e voltando a correr na direção da mãe. – Mamãe, posso mostrar o meu desenho para o ‘Prô ?
- Pode sim, meu amor. – respondeu à garota, vendo a filha se afastar. – O que você quer aqui, ? – perguntou assim que a filha estava longe o suficiente.
- Seu marido me chamou para uma reunião. – afirmei antes que ela decidisse me atacar.
- Então, vai. – praticamente me expulsou como se eu fosse um cachorro – E não pense que o que fizemos ontem teve qualquer significado.
Ela definitivamente não precisava pisotear meu coração, mas parecia sempre fazer questão de fazê-lo. Engoli a resposta rude que tive vontade de dar e me afastei seguindo na direção da propriedade novamente. Amar tinha um gosto agridoce, era delicioso tê-la em meus braços e provar dos seus beijos e do seu mel, mas sua atitude fria e distante era como uma porta que ela levantava para não me deixar conhecê-la verdadeiramente.

A reunião foi longa o suficiente para que passássemos todo o resto da manhã até a hora do almoço. O Sr. Hoff – Marcio, como me pediu para chamá-lo – era um cara muito gente boa. Ele me tratou como se fosse seu sobrinho favorito, contando um pouco da sua história, seu envolvimento com a construção do novo Hotel Britânico, e exatamente qual era sua visão para a decoração artística. Fez questão de me colocar como líder dos outros artistas que participariam da curadoria e colocou total fé em meu trabalho e percepção após mostrar algumas das influências que havia pensado para o hotel.
Foi uma manhã produtiva, e a cada minuto na companhia daquele homem o remorso me corroía cada vez mais. Uma coisa era me envolver e me apaixonar por uma mulher casada imaginando que seu marido era um ex-general filho da puta que não a merecia, outra bem diferente era conhecer a pessoa incrível que ele era e não entender porque havia decidido traí-lo. Na hora do almoço a dita cuja surgiu na porta o chamando para almoçar com ela e Sophia, eu estava me sentindo tão mal que nem olhei em sua direção, e fiz questão de recusar o convite que ele fez para que me juntasse a eles.
Saí da reunião com um gosto amargo na boca, mesmo depois de ter viajado para outro estado e ter me enfiado nesse projeto de curadoria para o qual eu nem me julgava tão apto assim, a dúvida pairava em minha mente. Será que valeria a pena seguir com meu plano de ter para mim ignorando completamente os efeitos que isso teria em sua família? Talvez eu devesse simplesmente me dedicar a mais uma semana de trabalho e me forçar a esquecer que ela existia. Porém, o engraçado dessa história é que nem tudo ocorreu apenas por decisões minhas, o destino parecia determinado a me empurrar nessa jornada também.




Continua...



Nota da autora: Sem nota.

Outras Fanfics:
Algum Lugar Além do Rio

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