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Última atualização: 17/11/2023

Aviso de gatilho: A intenção da fanfic não é ser religiosa, no entanto, é importante ressaltar que, por se passar em um convento, haverá menções a situações religiosas ainda que não haja desrespeito a nenhuma religião. Também terá temas como sexo explícito, assassinatos e menção ao tráfico humano. Também pode conter referências ao BDSM.


♱♱♱

Perdoe-me, Senhor, pois sou uma dualidade.
Busco a religião, mas o desejo me atormenta.
Neste convento, luto pela devoção, mas tece seus pecados nas sombras da minha alma.
Não sou santa, longe disso, e a minha pureza é uma promessa quebrada.
Estou confusa, Senhor, dividida entre a fé e a tentação.
Sou uma blasfêmia disfarçada. Não busco redenção, mas compreensão.
Minha alma é um terreno de conflito, onde as raízes da fé se entrelaçam com os espinhos do pecado.
Perdoe-me, Senhor, pois gosto dos espinhos em minha pele.
Observo os olhos verdes do homem direcionados a mim.
Os fios loiros do seu cabelo esquentam a minha mente e arrepiam o meu corpo.

Perdoe-me, padre, porque eu pequei.
E que aqueles que leem minha confissão sintam a mesma inquietação que me consome, ansiosos para desvendar os segredos que habitam em minha alma.



Capítulo 1


Eu tinha com oito anos de idade quando fui enviada para estudar em um colégio católico, uma decisão que mudaria completamente o rumo da minha vida. Meu pai alegava que a educação que eu receberia ali seria a melhor escolha para o meu futuro. Eu cresci em um ambiente estritamente ligado à religião, parte de uma tentativa contínua do meu pai de me criar de forma diferente da minha mãe.
Minha mãe era uma figura distante e desconhecida para mim. Na verdade, ela nunca demonstrou interesse em me conhecer, e isso era algo que meu pai lamentava profundamente. Ele expressava suas preocupações com frequência, arrependendo-se de ter tido uma filha com uma mulher que ele considerava "mundana".
Essa primeira experiência no colégio católico marcou o início de uma jornada repleta de desafios e questionamentos para mim. Fui imersa nos princípios da fé católica e ensinada a viver de acordo com seus preceitos. O ambiente escolar era diferente de tudo o que eu conhecia antes e eu não tinha idade para discernir o que realmente achava daquilo, com crucifixos nas paredes e o aroma constante de incenso pairando no ar.
Cada manhã começava com uma missa na capela da escola, onde os cânticos e as preces enchiam o ambiente, criando uma atmosfera de espiritualidade. Fui aprendendo sobre a história da religião, os sacramentos e a importância da devoção. Tentei me moldar em alguém que meu pai teria orgulho, esforçando-me para seguir o caminho divino que ele se esforçava para me mostrar.
No entanto, quatro anos depois, meu mundo desabou quando meu pai faleceu, deixando-me a única herança que ele havia me ensinado: a fé. A perda dele foi um golpe avassalador e sua ausência criou um vazio em mim. Naquele momento, eu percebi que a religião era a única conexão que eu tinha com ele, a única lembrança de uma família que eu precisava preservar e cultivar.
Após a morte do meu pai, a madre da escola se tornou a figura materna que me guiou e cuidou de mim. Ela aceitou a responsabilidade de continuar com a minha educação e me ajudou a enfrentar os desafios que a vida impunha. Sua orientação foi meu norte quando eu não tinha nenhum caminho a seguir. Foram anos de aprendizado e crescimento, ela me ensinou não apenas os princípios da religião, mas também valores, como a compaixão, solidariedade e amor ao próximo.
Quando completei dezesseis anos, com a bênção da madre, tomei a decisão de ingressar no convento onde estou hoje. Agora já faziam mais de dois anos que eu estava aqui, e, em alguns meses, eu seria freira.
Minha juventude parecia uma época distante, uma vida que agora pertence ao passado. Lembro-me das risadas, das cores vivas e dos sons alegres que enchiam meus dias. As amizades e as paixões da minha adolescência eram tão diferentes do silêncio e da austeridade que caracterizam a vida no convento.
Aqui, as paredes de pedra e a rotina rígida me cercam, oferecendo um refúgio da agitação do mundo lá fora, mas também impondo um isolamento que às vezes parece sufocante. O silêncio e a oração se tornaram meus companheiros mais constantes, e a busca espiritual, minha razão de ser. No entanto, há momentos em que sinto saudades da liberdade que deixei para trás, da sensação do vento em meu rosto e do som da música que costumava me fazer dançar de alegria.
O convento não era um lugar conhecido por sua hospitalidade. As freiras não aceitavam tão bem quando outras noviças chegavam e eu, particularmente, parecia não conseguir me encaixar entre as pessoas que ali habitavam. Tirando duas outras noviças que eu conversava às vezes, me sentia sozinha. Excluída.
As paredes de pedra pareciam fechar-se ao meu redor, como se o próprio convento me rejeitasse. A rotina rígida e o silêncio constante eram meus companheiros mais frequentes e eu tentava encontrar conforto na oração e na devoção à fé que havia me guiado até ali.
Mas o isolamento pesava sobre mim. O olhar crítico das freiras e o murmúrio silencioso que me seguia nos corredores tornavam cada dia uma batalha silenciosa. Ser uma forasteira neste lugar sagrado era uma provação constante, um teste à minha determinação de seguir o caminho da fé.
Aos dezessete anos, havia finalmente começado a entender o motivo de tamanha hostilidade que enfrentava no convento. Foi então que descobri a verdade sobre minha origem e os segredos sombrios que envolviam minha mãe e o passado do convento vieram à tona. Minha mãe, descobri com dor e perplexidade, era uma prostituta. O nome que ela carregava era sinônimo de escândalo e decadência. Passei a entender que a rejeição das freiras e noviças se devia a esse fato, a essa sombra que se estendia sobre mim. E, para tornar as coisas ainda mais complexas, descobri que, por causa dela, um dos padres do convento havia sido destituído de sua posição e, como consequência, havia tirado sua própria vida em uma das torres do convento. A moralidade daquele lugar sagrado tinha sido manchada e eu era vista como um lembrete vivo desse escândalo.
Acreditavam que eu carregava em mim um "gene de miséria", como se a pecaminosidade de minha mãe fosse hereditária. Essa crença injusta me atingiu em cheio, tornando minha solidão ainda mais insuportável. A hostilidade que enfrentava diariamente agora fazia sentido, mas não aliviava a dor que sentia.
— a madre chamou, olhando-me com um olhar fingidamente afetuoso. Ela também não me aceitava plenamente ali, mas era uma das poucas que se esforçavam para disfarçar sua insatisfação. — Preciso que esteja pronta para auxiliar o padre em sua chegada.
Eu hesitei, tentando encontrar as palavras certas para expressar minhas dúvidas.
— Madre, eu não sei se sou a pessoa certa para isso. Não sei se estou pronta para ocupar uma função tão grande e...
— Eu estou avisando-a — a madre me cortou com firmeza, sua expressão não deixando espaço para argumentos. — Quem precisa saber sou eu, e a designei para isto. Obedeça.
Assenti com a cabeça, abaixando o olhar para esconder os pensamentos inquietos que rodopiavam em minha mente, mantendo-os cuidadosamente guardados.
A madre continuou a instruir-me com um tom sério e severo.
— Você ficará encarregada de mantê-lo feliz. Cuide de seu quarto, o acorde nos horários para suas missas, lembre-o de seus horários e o apresente aos cômodos do espaço. Faça-o se sentir em casa, não precisamos de mais um escândalo.
Dentro do convento, as noviças tinham missões especiais quando se tratava dos padres residentes. Cada uma de nós tinha obrigações bem definidas e solenes, que incluíam não apenas manter o espaço imaculado e organizado, mas também garantir que a liturgia e as missas fossem realizadas sem contratempos.

Minha tarefa, agora, era cuidar do padre , e isso envolvia uma série de responsabilidades. Era minha responsabilidade manter seu quarto em perfeita ordem, suas roupas devidamente lavadas, garantir que seus pertences estivessem sempre à mão, e acordá-lo pontualmente para suas missas diárias. Organizar os horários e lembrá-lo de suas obrigações religiosas era essencial.
Além disso, eu tinha a missão de auxiliá-lo durante as missas e cuidar para que ele se sentisse bem-vindo e à vontade no convento. Afinal, não podíamos permitir que mais um escândalo se abatesse sobre nós. A sombra do recente suicídio de um dos padres pairava sobre o convento e a cidade estava em polvorosa com o trágico acontecimento.
— Sim, madre. — Assenti, por fim, embora soubesse que não era minha escolha o que eu teria que fazer. A resignação era uma companheira constante em minha vida, pois não tinha muitas escolhas aqui, nem na vida em geral. Na verdade, eu sequer sabia o que uma escolha verdadeira poderia ser. Desde muito jovem, havia sido ensinada a obedecer, a seguir as ordens sem questionar, a aceitar as tarefas que me eram atribuídas. Eu estava aqui para isto, estava aqui para obedecer.


Capítulo 2


Antes do meu aniversário de dezoito anos, existe um vazio. Não há nada antes do bolo de chocolate, não existe nada além do cheiro da vela apagada ou das vozes altas das pessoas pela sala e o tinir dos copos se batendo. Me concentro um pouco mais, mas tudo que ouço é uma música. Talvez houvesse uma música. Olho ao redor, mas não há nenhum rosto realmente conhecido. De repente, há uma mulher. Procuro-a ao redor, mas ela não está ali. Ela parece distante. Busco pela origem da imagem, mas não a encontro. Eu deveria me lembrar dela, eu sinto que sim. Eu deveria entender o nome que seus lábios chamam, mas não lembro. Em vez disso, tudo fica turvo.
? — uma mulher chama, olhando em minha direção. Olho para o meu corpo sem me reconhecer, como se aquele nome não fosse meu. Sou eu? Tudo em minha mente é um borrão, uma paisagem embaçada de sentimentos e impressões. Tudo começa a se juntar à medida que me concentro na voz que ecoa no presente. O som dela reverbera em meus ouvidos, parece vir de todos os cantos da sala.
O bolo está à minha frente, numa visão tentadora de um passado que se esvai. A chama apagada ainda lança um brilho fraco, um testemunho esvaecido do tempo que se passou. Risadas e conversas preenchem o espaço, vozes que deveriam ser familiares, mas que agora soam distantes, como se pertencessem a uma outra vida. Não a minha vida.
Eu tento relembrar rostos, nomes, momentos, mas as lembranças se esquivam como areia fina entre meus dedos. A mulher que me chama é um ponto de ancoragem no caos. Seus olhos me fitam com expectativa, uma expressão que parece misturar preocupação e reconhecimento.
? — ela chama, mais uma vez, e meu próprio nome ressoa em meus ouvidos. . Eu deveria conhecê-lo. Deveria sentir uma conexão com esse nome, mas ele parece distante, como uma memória esquecida que tenta retornar do abismo do esquecimento. Olho para a mulher, buscando pistas em seus olhos, mas o que vejo é apenas uma janela para o desconhecido.
Minha mente está em tumulto, como um quebra-cabeça com peças faltando. Há algo significativo no nome "", algo que evoca uma sensação de inacabado. No entanto, como posso reivindicar um nome que parece não me pertencer? Como posso entender a mulher que chama por ele?
— Sim? — pergunto, fingindo um reconhecimento em minha voz. Eu lembrava dela, pelo menos eu tinha a sensação de que havia uma memória ali.
— Você está bem? — Eu estava bem?
— Estou, claro.
Minhas palavras ecoaram no ambiente, uma tentativa de manter a fachada que eu havia criado, uma máscara para esconder o turbilhão de dúvidas que atormentavam minha mente. A mulher à minha frente me olhou com um misto de alívio e incerteza, como se ela própria estivesse tentando entender o que acontecia, mas não era só isso. Tinha algo sombrio que eu conseguia reconhecer, havia um medo intrínseco em seu olhar.
Eu tinha a sensação de que a conhecia, de que havia compartilhado momentos com ela, mas as memórias continuavam elusivas, como pássaros fugindo de uma gaiola aberta. Ela parecia saber algo que eu não sabia, algo importante que eu havia esquecido, e a ansiedade se misturava com a sensação de que o tempo estava se esgotando.
Ela sorriu, um sorriso que carregava tanto alívio quanto tristeza, como se estivesse ciente do abismo que existia entre nós.
— Você se lembra de mim? — ela perguntou, mantendo os olhos fixos nos meus, procurando algum mínimo reconhecimento.
Minha mente se debateu em busca de respostas, como uma vítima da escuridão lutando para encontrar a luz.
— Sim — respondi com sinceridade, embora a lembrança fosse fugaz e efêmera, como um sonho desvanecendo ao amanhecer. — Eu me lembro de você.
Era a verdade, ou pelo menos a verdade que eu conseguia sentir naquele momento.



♱♱♱


À medida que me aproximava dos grandes portões de madeira do convento, a densa neblina que envolvia a paisagem rural acrescentava um toque de mistério ao ambiente. Um sorriso sutil, quase cruel, se desenhou em meus lábios. Eu havia esperado estar nesse lugar há anos e agora, finalmente estava aqui.
Os portões de madeira maciça, marcados pelo tempo e esculpidos com entalhes que evocavam segredos antigos, revelavam uma história que estava ansioso para desvendar. Ao empurrá-los lentamente, uma corrente elétrica percorreu meu corpo, como se estivesse atravessando o limiar de um abismo escuro, onde a verdade estava enterrada profundamente nas sombras. Eu sentia o lado sombrio em cada sopro gelado que o ar trazia para o meu rosto. Aquele lugar, imponente e enigmático, parecia ter sido construído especialmente para alguém como eu, alguém que sabia que a verdade podia ser tão sombria quanto o próprio inferno.
O pátio interno, cercado por paredes de pedra de um cinza sombrio, era iluminado apenas pelas chamas trêmulas de velas. O cheiro do lugar era uma mistura intrigante de aromas, um mosaico de incenso queimado, madeira envelhecida, umidade e o leve odor de velas derretendo. O incenso, em particular, dominava o ambiente, criando uma fragrância mística que se infiltrava nas narinas.
À medida que eu avançava, observei as freiras vestidas em seus hábitos, com véus que cobriam quase todo o rosto. Seus olhares eram penetrantes e desconfiados, como se soubessem que eu era um intruso, mas seus olhares não me perturbavam. Eu já havia vivido o suficiente para não me importar com a desconfiança alheia.
No centro do pátio, uma estátua de um anjo caído erguia-se majestosa, suas asas quebradas e uma expressão desafiadora nos olhos. Enquanto a observava, senti-me atraído por sua rebeldia silenciosa, era uma sensação familiar, quase confortável, como se a estátua se conectasse a alguém dentro de mim que estivesse me convidando a desafiar as normas rígidas do lugar, como se entendesse a minha própria natureza sombria de uma forma que eu próprio não conseguia entender.
À medida que eu me movia pelos corredores escuros e iluminados apenas pelas velas trêmulas, o cheiro de madeira envelhecida e pedra úmida tornava-se mais pronunciado. A madeira desgastada das portas e corrimãos exalava a história do convento, enquanto a pedra cinza das paredes mantinha um aroma inconfundível de antiguidade.
Após a minha entrada furtiva no Convento São Silvanus, fui recebido por uma das freiras, que me olhou com suspeita e curiosidade. Ela era alta e austera, com um véu que cobria a maior parte do seu rosto.
— Padre, é um prazer tê-lo conosco. O superior deseja conhecê-lo imediatamente. Por favor, siga-me — pediu, com uma voz suave, mas autoritária.
Eu a segui pelos corredores silenciosos. Os ecos de nossos passos reverberaram pelas paredes antigas de pedra, e a energia sombria do lugar se mostrava presente. Cada passo era como um eco da minha própria curiosidade e determinação, ecoando no silêncio opressivo do convento.
A freira de meia idade me conduziu através de labirintos escuros e sombrios, até finalmente chegarmos a uma porta de madeira maciça, adornada com entalhes intricados. Ela bateu à porta, que se abriu para revelar um homem idoso, vestido com vestes sacerdotais, cuja expressão era difícil de ler.
— Este é o novo padre que chegou, Vossa Eminência — disse a freira, com um respeito reverente em sua voz.
O homem idoso, que aparentava ser o superior do convento, acenou com a cabeça em aprovação.
— Deixe-nos a sós, Irmã Agnes. — Sua voz era profunda e ressonante.
A freira se curvou ligeiramente e se retirou, deixando-me sozinho com o homem cujas intenções e segredos eram tão misteriosos quanto o próprio lugar.
— Padre , seja bem-vindo ao Convento São Silvanus. Sei que sua presença aqui é atípica e agradeço por ter vindo de tão longe de última hora, foi lamentável o que aconteceu com o nosso padre anterior. É triste que situações tão trágicas o tragam para nós, mas, de qualquer forma, faço-me grato pelo seu apreço.
Assenti de forma simplória, mantendo a fachada de ignorância em relação ao que havia acontecido com o padre anterior. Eu tinha passado cerca de dois anos em busca da localização do lugar que constantemente assombrava meus sonhos. Quando finalmente o encontrei, descobri que visitantes não eram bem vindos e que a única maneira de entrar no convento era quando um padre falecia e era substituído por outro.
A escuridão ao meu redor permitia que minhas lembranças ressurgissem, frias e sombrias, como fantasmas de um passado não tão distante, escondidas assim como quem eu era. Relembrar, para mim, era um ato que não me provocava nenhum resquício de arrependimento. Fui criado para fazer o que precisava fazer e quando precisava fazer, não importava a religião, não importavam as consequências. Criado para traçar passos cuidadosamente planejados e executá-los de forma perfeita. Os gritos do padre ainda se desenrolam em meus ouvidos, as suas súplicas e as rezas em latim, clamando por um Deus que não o salvou, ainda ressoam em meus sentidos em uma lembrança de quem eu era e do que eu buscava. Eu não acreditava em um Deus que pudesse interferir em meu destino e definitivamente não acreditava em uma salvação. Não tinha certeza de quem fui antes, mas sabia quem tinha sido até então. Eu arderia no inferno por todos os pecados que cometi e por todos os mais que pretendo cometer. Não há redenção para as coisas que fiz e não é redenção que busco.
O bispo continuou.
— Vou encaminhá-lo para seu quarto, onde você poderá descansar e se aclimatar ao ambiente. Amanhã, uma das freiras vai apresentá-lo ao lugar. Saiba que este é um lugar de respeito e devoção, e espero que você siga as regras e tradições do convento.
Compreendi a importância de respeitar as tradições do convento e me comprometi a fazê-lo, mesmo não tendo intenção alguma em segui-las. O bispo se levantou e indicou que eu o seguisse. Com passos silenciosos, deixamos o quarto e caminhamos pelos corredores do convento, até chegarmos ao meu quarto. Ele abriu a porta e indicou o interior.
— Aqui está o seu quarto, Padre . Descanse bem.
A ironia de suas palavras me atingiu. Ele havia dito para eu descansar bem, mas para isso era necessário ter paz e eu não conseguia encontrar paz. Havia algo perturbador em meus sonhos, uma sombra que me espreitava sempre que eu fechava os olhos. Era alguém que eu não conhecia, mas que parecia observar atentamente o que estava dentro de mim, como se soubesse dos segredos que eu guardava.
A sensação de ser vigiado, de ser observado por olhos invisíveis, tornara-se uma presença constante em minha mente. Aquela sombra desconhecida, que se manifestava apenas em meus sonhos, me atormentava com sua presença silenciosa.
Ao adentrar meu quarto no convento, meus olhos varreram o espaço, capturando cada detalhe com uma meticulosidade quase instintiva. O ambiente era simples, mas havia histórias silenciosas que ecoavam nas paredes de pedra. As paredes eram nuas e robustas, gastas pelo tempo, suas superfícies revelando vestígios de arranhões e marcas que contavam uma história de muitos anos. As velas, estrategicamente dispostas nas paredes, emitiam uma luz fraca que mal iluminava o quarto. As sombras dançavam com uma melancolia silenciosa.
Minha cama era uma estrutura de madeira simples, com um colchão coberto por lençóis de linho áspero, levemente desgastados. Sobre a cama, um crucifixo de madeira pendia, lembrando da natureza religiosa do lugar. Uma pequena mesa de madeira com uma cadeira igualmente simples ocupava um canto do quarto, oferecendo um espaço para escrita, leitura e reflexão. Sobre a mesa, uma única Bíblia repousava, como se aguardasse pacientemente para guiar aqueles que buscavam respostas.
Uma janela de pequenas dimensões permitia a entrada de um feixe de luz tênue, revelando um vislumbre do céu estrelado lá fora. Era a única conexão com o mundo exterior.
Deparei-me com um móvel de madeira simples, posicionado junto a uma das paredes. Este móvel, aparentemente feito à mão, serviria como um armário para guardar minhas roupas e pertences pessoais.
A madeira desgastada pelo tempo exibia uma pátina suave, revelando sua longa história de uso. As portas desse armário eram adornadas com entalhes minimalistas, que adicionavam um toque de beleza clássica. As dobradiças rangiam suavemente quando eu as abria, revelando o espaço interior, onde encontrariam acomodados minhas vestes e pertences pessoais.
O cheiro característico de madeira envelhecida envolvia o armário, evocando uma sensação de nostalgia e antiguidade. Era como se aquele móvel tivesse sido testemunha de inúmeras histórias ao longo dos anos, e agora estava ali, esperando para guardar os segredos que eu traria comigo durante minha estadia no convento.
Sentado à beira da cama de madeira, com as mãos apoiadas nas coxas, permiti-me uma breve pausa para contemplação. Eu não era um homem de fé, não acreditava em Deus ou na redenção. Fui criado para ser uma arma, um instrumento sem sentimentos, dedicado a cumprir objetivos. Fazer o que era necessário, independentemente da moralidade, era o meu único código. Não havia espaço para julgamento ou remorso em minha existência. Na minha mente, não havia certo ou errado, apenas o necessário.
A sombra que pairava sobre meu passado era tão sombria quanto a que habitava em meu interior. Eu não lembrava de nada antes dos meus dezoito anos, e talvez fosse assim por uma razão. Talvez o passado fosse uma prisão que eu próprio havia construído para me proteger da verdade terrível que ele escondeu, no entanto, ele ainda era um enigma que precisava ser desvendado, custasse o que custasse. E, se isso significasse enfrentar meus próprios demônios na porcaria desse convento, assim seria. O que eu buscava era a verdade e, por mais terrível que ela fosse, eu estava disposto a arriscar tudo para encontrá-la.


Capítulo 3


O dia amanheceu com a promessa das tarefas que eu havia recebido. Enquanto o sol raiava no céu, lançando seus tímidos raios através das janelas do convento, eu me preparava para cumprir a minha obrigação: apresentar o espaço do convento ao padre .
Vesti meu hábito com cuidado, ajustando cada dobra e prega enquanto pensava nas palavras que diria a ele. O convento, com suas paredes de pedra que pareciam conter séculos de história e segredos, seria agora apresentado a um estranho, e era eu quem carregava o peso da responsabilidade, por menor que fosse. Eu não era habituada a ter alguém confiando em mim, não era comum que me dessem missões importantes ou confiassem nas minhas capacidades, essa desconfiança por si só já deixava a obrigação ainda maior.
O relógio marcava o início da manhã quando me dirigi ao quarto de padre . Cada passo que eu dava ecoava pelos corredores vazios, acrescentava uma camada adicional de silêncio e solenidade a este lugar sagrado.
O padre estava prestes a mergulhar nesse mundo de devoção e penitência, e eu seria sua guia.
Ao chegar à porta de seu quarto, bati de maneira suave, esperando ser recebida. O silêncio reinava, mas havia uma expectativa que flutuava como uma sombra. Quando a porta se abriu e padre apareceu diante de mim, um calafrio percorreu minha espinha.
Ele tinha uma aura de mistério, e seus olhos pareciam esconder segredos profundos. No entanto, seu rosto era marcado por uma expressão cansada e atormentada, ele possuía um fardo, assim como o meu. Era evidente em cada linha que se formava em sua pele.
— Padre , bom dia — murmurei, tentando manter um tom de respeito em minha voz. — Estou aqui para guiá-lo pelo convento e apresentar a você os espaços que agora serão seu lar.
Ele assentiu, sem dizer uma palavra, e saiu de seu quarto.
Através dos corredores silenciosos, levei o padre para conhecer cada canto do convento. Mostrei-lhe a capela, onde a luz das velas dançava sobre os altares e os bancos de madeira polida. Passei por corredores escuros e galerias tranquilas, revelando os espaços onde a oração e a devoção eram praticadas.
O refeitório era um lugar de encontros silenciosos e refeições simples, onde as freiras se reuniam para compartilhar suas refeições em silêncio. Cada cômodo que mostrava a padre era repleto de história e significado, uma parte do tecido da vida religiosa que ele agora fazia parte.
O jardim do convento era um oásis de tranquilidade, com suas flores que desabrochavam em silêncio e seus bancos de pedra onde as freiras buscavam paz e reflexão. Foi ali que parei por um momento, observando padre enquanto ele absorvia a serenidade do lugar. Eu o via, mas, ao mesmo tempo, tentava não olhar muito, não deixar transparecer o que passava em minha mente.
Sua presença era imponente e misteriosa e eu mal conseguia evitar o impacto de sua aparência. Padre possuía uma beleza que transcendia o comum. Os traços de seu rosto eram marcantes e masculinos, com uma barba por fazer que dava um ar de desalinho cuidadosamente pensado. Seus olhos, profundos e penetrantes, eram da cor do oceano em uma tempestade, um azul intenso que parecia esconder todos os segredos possíveis. O cabelo, bagunçado de maneira deliberada, caía sobre a testa, criando uma aura de rebeldia que contrastava com a atmosfera silenciosa do convento. Seu corpo era esguio e ereto, como o de um soldado que havia enfrentado batalhas tanto internas quanto externas. Cada passo que dava era firme, e eu podia ver a determinação que o impelia, mesmo que sua voz permanecesse silenciosa.
O padre era o homem mais bonito que eu já havia visto. Sua beleza tinha uma qualidade sobrenatural, uma combinação de virilidade e vulnerabilidade que me deixava hipnotizada. A presença dele era como uma chama ardente em meio à austeridade do convento, e eu me vi incapaz de desviar meus olhos dele.
— Leve-me para lá. — Ele apontou com determinação, indicando uma das altas torres do convento.
— Não é comum entrar naquele lado da torre — murmurei, de maneira simples, lembrando das histórias sombrias que pairavam sobre aquele lugar. Era dali que o padre havia se jogado, graças à minha mãe. Medo se apossou de mim, respirei fundo, imaginando que, talvez, eu fosse a culpada de minha própria existência. Como se meu sangue, em contato com o aspecto sombrio, fosse libertar as almas atormentadas, presas ali sem nenhum corpo para ocupar.
— Está se negando, noviça? — Sua pergunta carregava um misto de diversão e autoridade, desafiando minha hesitação.
Balancei a cabeça, um gesto simples que demonstrava minha obediência. Coloquei as mãos à frente do meu hábito e comecei a guiar padre pelos corredores do convento em direção à torre proibida.
O silêncio que nos envolvia era opressivo, mas a determinação do homem e a curiosidade que me consumia me impeliam a seguir em frente. À medida que avançávamos pelos corredores sombrios, eu sabia que estava prestes a entrar em um espaço carregado de mistério e tragédia.
A torre se erguia majestosamente diante de nós, suas escadarias estreitas e empoeiradas se estendendo para o alto. A cada passo que dávamos, o ar parecia ficar mais pesado e frio, carregado com as memórias e os segredos que a torre guardava.
À medida que subíamos as escadas, o silêncio era quebrado apenas pelo eco de nossos passos. Minha respiração se misturava à do loiro, criando uma sinfonia silenciosa de antecipação. Cada degrau que subíamos nos aproximava do coração sombrio da torre, e eu não podia evitar a sensação de que estávamos desafiando algo além de nossa compreensão.
Finalmente, chegamos ao último andar da torre, onde uma porta de madeira maciça se erguia diante de nós. Com um gesto firme, abri a porta e o conduzi para dentro.
O interior da torre revelou-se como uma câmara escura e empoeirada, com arcos que tornavam o lugar livre e que deixavam a luz do sol entrar de maneira difusa. O ar ali estava viciado, como se há muito tempo ninguém o houvesse respirado, mesmo com a circulação constante da brisa que passava.
— O que procuramos aqui, padre ? — perguntei, minha voz sussurrante em respeito ao silêncio que envolvia o lugar.
O padre não respondeu de imediato. Ele parecia imerso em pensamentos, como se estivesse buscando algo que havia sido perdido há muito tempo.
Ainda em silêncio, ele abriu uma caixa de madeira que estava escondida dentro de suas vestes e dela retirou um cigarro. Observar seus movimentos era fascinante, algo que nunca tinha visto antes. Os padres que eu conhecia eram homens velhos, que pregavam contra vícios e prazeres mundanos, não aqueles que os desfrutavam. Enquanto ele acendia o cigarro com um isqueiro de prata, minha curiosidade se transformava em uma curiosidade silenciosa. Carregada com um certo tom de admiração. Ele estava preso às amarras da religião assim como eu, no entanto, ele inspirava liberdade.
Ele tragou profundamente e soltou a fumaça, observando-a se dissipar no ar da torre. Meus olhos não conseguiam evitar sua figura imponente, seus músculos delineados que se tornavam mais evidentes conforme ele se livrava da batina e se sentava ao chão. Eu me repreendia internamente por observá-lo como um homem e não como um padre, por permitir que meu desejo entrasse em conflito com minha devoção. Meu rosto ardia em uma mistura de constrangimento e desejo.
Para dissipar o constrangimento, decidi quebrar o silêncio que nos envolvia, dizendo algo, qualquer coisa que pudesse aliviar a tensão que crescia entre nós.
— Eu não sabia que padres podiam fumar — murmurei, me forçando a manter o olhar longe de seus braços fortes ou de seu corpo e sim focado na conversa.
O padre assentiu com um aceno de cabeça, sua expressão séria e pensativa. Ele não ofereceu muitas palavras em resposta, mas seus olhos encontraram os meus por um instante, e eu vi neles um lampejo de algo que não conseguia identificar.
— Existe muitas coisas que um padre não pode fazer, mas faz. — Seu tom de voz era rouco, e eu conseguia sentir aos poucos o cheiro da nicotina. — Sabe guardar segredo, noviça? — Sua pergunta carregou uma certa inquietação. Mordisquei meu lábio inferior de forma involuntária, demonstrando meu nervosismo.
— S-sim — gaguejei antes de murmurar, mantendo-me quieta. Ele olhou para baixo, apontando a direção com a cabeça para que eu me sentasse e o obedeci. Sentando-me por cima de minhas pernas. O chão gelado contrastava com o calor estranho que começava a ocupar o lugar.
Ele repousou o cigarro entre os dedos e se aproximou, senti suas mãos grandes próximas demais, seu rosto se aproximou do meu e consegui sentir o cheiro de sua loção, a respiração dele era quente, o cheiro do frescor do seu hálito se misturava à nicotina em uma mistura excepcionalmente boa. Minha pulsação acelerou e consegui ouvir meu coração bater em disparado. Ele se afastou e eu soltei a respiração que até então não sabia que estava prendendo.
— Às vezes, um padre se permite aos prazeres da vida. Todos, sem exceção, acabam cedendo a algo que lhes é proibido pelo menos uma vez na vida. O desejo faz parte da natureza humana — ele disse com uma sinceridade que contrastava com a aura de mistério que o envolvia. Suas palavras ecoaram na câmara escura da torre, como se estivesse desafiando os dogmas e as normas que regiam sua vida como padre. Seu olhar intenso encontrou o meu, e eu me vi capturada por suas palavras e pela complexidade de sua presença. — Mas isso não quer dizer que é algo bom, então não faça besteira ou caia em vícios só porque vai me ver fazendo.
— Eu não… — Não consigo formular uma frase completa, de uma forma estranha todos os pensamentos que tenho em mente vão embora. As palavras se perdem e eu mal consigo encontrar os significados delas. O padre ergueu uma das sobrancelhas, esperando-me concluir. — Não pretendo sucumbir a nenhum desejo.
— Boa sorte com isso, noviça — ele murmurou, fechando os olhos por um instante antes de soltar a fumaça.


Continua...



Nota da autora: Sem nota.





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