Capítulo 1
(This is the first I've seen your face, but there's a chance we are soulmates. I know this might sound crazy, cause you don't know my name.)
Eu nunca fui uma pessoa que costumava acreditar em destino ou coisas do tipo, na realidade, acho que podem me chamar de cética. Não é como se a vida tivesse me dado muitos exemplos de coisas boas sendo destinadas para mim, muito pelo contrário.
Minha vida sempre foi extremamente difícil, nunca tive muito a presença da minha mãe já que ela trabalhava para garantir a comida do mês. Então, aprendi a lidar com tudo sozinha, cuidava da casa, do meu irmão, estudava sozinha e cresci assim, até terminar o ensino médio e me ver na opção de decidir qual faculdade eu faria. Obviamente, eu teria que trabalhar para poder bancar a faculdade, mas eu ia lutar para conseguir. Não é como se fosse muito difícil, já que eu sempre tive uma queda pela área da saúde e assim, escolhi ser enfermeira. Assumo que o medo de falhar era enorme, porém, estava ansiosa para o primeiro dia de aula, que seria exatamente amanhã.
Eu comprei um caderno e algumas canetas, imaginando ser necessário para poder acompanhar as aulas, anotar o necessário e também uma mochila, mas também comprei algumas coisas para meu irmão. Sim, aos vinte e cinco anos eu presenteava meu irmão que tinha dezessete.
Eu queria muito descansar, já que eram em torno de 17h e eu trabalharia das 19h até meia-noite, ser garçonete é um grande saco. Mas aproveitei que estava tudo estranhamente calmo em casa e me deitei no sofá, deixando a televisão ligada em um canal aleatório, não demorando muito para pegar no sono.
Estava andando por um jardim florido, totalmente lotado de flores tal como um dia ensolarado na primavera. Era possível perceber vários tipos de flores, algumas até que eu nunca havia visto antes e o céu, não tinha nenhuma nuvem. Quando percebi, um homem alto, talvez uns vinte centímetros a mais que eu, mais velho, usava óculos e tinha um cabelo preto um pouco jogado, sua roupa era escura e sapatos também escuros. Então, ele me abraçou e naquele momento, eu me senti a pessoa mais feliz do mundo. Era possível me ver como se fosse um filme, de cima. O sol batia em nossa pele, banhando-as com seu calor e eu gostava disso, porém gostava ainda mais da sensação que eu sabia que sentia quando estava ao lado daquele homem.
— Olha, amor… É para você. — ele pegou uma rosa grande e com alguns espinhos em sua parte inferior e me entregou com cuidado, para que eu não machucasse meus dedos.
— Uau… É tão bonita! — exclamei, pegando a rosa da mão dele e cheirando por puro extinto.
— Ela não tem metade da beleza que você tem, isso é certeza. — ele respondeu e eu automaticamente sorri.
Em seguida, era possível perceber o "cenário" ao meu redor ir mudando aos poucos. Naquele momento, estávamos em um hospital. Me peguei parada em um longo corredor e em minha frente havia uma certa movimentação, não era em um quarto e sim no posto de enfermagem. Caminhei até aquele local e pude ver aquele mesmo rapaz, ele estava vestido com um pijama hospitalar e por cima um jaleco branco. Eu me perguntava, como era possível alguém ser tão bonito assim? Deveria ser um crime, com certeza.
Assim que ele me viu, abriu um enorme sorriso em minha direção e caminhou lentamente até mim. Acabei fazendo o mesmo caminho até ele e ao ficarmos próximos, ele me deu um selinho rápido e sorriu novamente.
— É ainda mais bonita de perto, como consegue? — a voz dele saiu em um tom mais grave e eu, apenas o observei. — Eu sinceramente não consigo viver sem você, .
— Eu também te amo, … E eu queria muito saber responder essa pergunta, mas também não sei como. — acariciei o rosto dele rapidamente, porém acabei sentindo um golpe forte no rosto algumas vezes, me fazendo despertar.
Ao abrir meus olhos, pude sentir meu irmão batendo diversas vezes em meu rosto, por instinto eu o levantei e o empurrei levemente para longe.
— Para que fazer isso, garoto? Qual é o seu problema? — me sentei no sofá e percebi que já havia escurecido, olhei no celular e vi que estava atrasada.
— Você está atrasada, sua idiota. — me levantei quase que num pulo daquele sofá e corri para o meu quarto, por sorte o uniforme já estava arrumado, mas eu teria que correr para não chegar atrasada.
— Obrigada por me chamar, eu perdi a noção da hora. — falei mais alto para que meu irmão pudesse ouvir e fui até o banheiro. Escovei os dentes e passei uma maquiagem básica, delineado, batom e iluminador. Estava ótimo, quem ia reparar, né?
Foi difícil, mas ao observar pela janela aquela rua escura, eu sabia que viria uma longa noite a seguir. Trabalhar naquela lanchonete não era fácil, principalmente no período da noite. Mas por fim, decidi pegar minha mochila e coloquei alguns itens necessários como carregador do celular, blusa e um livro que eu estava lendo. Caminhei até a sala onde meu irmão estava e baguncei seu cabelo, dando um beijo de despedida. Eu odiava trabalhar naquela lanchonete, mas era dali que o dinheiro da faculdade vinha, então não poderia ter o privilégio de escolher onde e quando trabalhar.
Depois de caminhar por no mínimo uns quinze minutos, acabei chegando na lanchonete e de cara, já recebi uma expressão zangada do meu chefe. O senhor Albert sempre odiou atrasos, principalmente em dias como esse que sempre lotam a lanchonete. Corri até o balcão e comecei a atender as pessoas, depois de fazer um coque desajeitado em meu cabelo.
— Oi, posso ajudar? — perguntei para uma mulher sentada no balcão, ela tinha cabelos pretos ondulados, olhos claros e um sorriso marcante.
— Estou esperando meu noivo, mas acho que vou querer uma cerveja. — ela falou e eu rapidamente assenti, virei as costas e procurei uma boa cerveja que tinha ali. Quando voltei a atenção para ela, foi possível a ver abraçando um homem, que deveria ser seu noivo.
Acabei deixando a cerveja no balcão e antes que pudesse tirar minha atenção deles, o rapaz se virou e abriu a boca para falar, mas era como se não conseguisse encontrar as palavras. Eu, não sabia muito bem o que pensar, afinal, aquele cara era o mesmo cara que havia aparecido em meus sonhos e eu tinha certeza disso. Ficamos em uma espécie de transe bastante constrangedor, até que ele começou a falar, gaguejando um pouco.
— E-eu gostaria de uma cerveja também, por favor. — balancei a cabeça em afirmação e me virei, tentando disfarçar o nervosismo e tremedeira que havia me dado. Depois de segundos tentando me recompor, peguei a cerveja e o servi também.
— Fiquem à vontade, qualquer coisa é só me chamar. — tentei abrir um sorriso, mas na realidade eu queria mesmo é sumir dali.
E foi o que eu realmente fiz, caminhei até a parte de trás do estabelecimento, onde tinha uma pequena copa para os funcionários e apoiei as mãos na pia. Eu estava delirando, era isso? Porque não era possível eu sonhar com alguém que simplesmente nunca vi em minha vida.
Decido tomar um pouco de água e quando saio da copa, dou de cara com aquele mesmo homem e paro na porta, visivelmente surpresa por ele estar ali.
— Você pode me dizer onde fica o banheiro? — antes que eu pudesse dizer alguma coisa, ele foi o primeiro a se pronunciar.
— É a esquerda, senhor. — ele fez uma breve careta, talvez por ter sido chamado de senhor.
Ele era mais velho que eu, chuto que ele tenha no máximo uns trinta e cinco anos. O que o torna bem mais velho do que eu.
— Obrigado. — ele assentiu com a cabeça e seguiu até o caminho indicado e eu voltei para o balcão.
Eu me sentia um tanto desconfortável vendo aquele casal sentado no balcão a minha frente, não era inveja, jamais. Mas eu tinha tido um sonho e tanto com aquele homem, por mais estranho que pareça. Era uma sensação esquisita, eu sentia falta daquilo que aconteceu no sonho, de me sentir amada, realizada e feliz, eu me sentia extremamente feliz nesse sonho.
Acabei despertando dos meus devaneios quando ouvi um "moça" no fundo, alguém me chamava. Era um outro rapaz que estava no balcão e eu sorri, tentando disfarçar.
— E aí, gatinha. Será que você poderia me ver uma cerveja? — respirei fundo ao ouvir a forma que ele havia me chamado, eu odiava ser tratada dessa forma.
— Claro. — Assenti, dando as costas e indo até a geladeira, em seguida o servi e me afastei.
Caminhei até uma das mesas que havia sido liberada, peguei os pratos, copos e levei até a cozinha. Depois, comecei a limpar com um pano com álcool.
— Moça! — ouvi uma voz feminina, era a noiva daquele cara.
Ela era extremamente simpática.
Caminhei para o meu posto inicial e me coloquei de prontidão.
— Pois não? — tentava o máximo possível fazer contato visual com aquele cara, a sensação era bastante confusa.
— Meu noivo aqui está com vergonha de fazer o pedido. Até parece que é tão tímido assim. — ela apontou para o moreno ao seu lado enquanto ria, o mesmo abaixou a cabeça e a balançou em negação. — Gostaríamos de alguns petiscos, alguns frios. Pode ser?
— Lis… — a voz dele em repreensão, porém pude perceber que estavam brincando entre eles.
— Ah, acontece. — acabei sorrindo, levemente sem graça. — Mais alguma coisa?
Ela negou e eu fui até a cozinha, pedindo para a Cher, a mulher que trabalhava na cozinha no período noturno preparasse a tábua de frios para que eu entregasse para eles. Enquanto não ficava pronto, voltei ao balcão e comecei a passar um pano com álcool nos lugares vazios, percebi que a tal mulher havia saído e estava só o homem e por algum motivo, meu coração começou a bater mais forte. O que era ridículo já que ele era comprometido.
Comecei a me xingar mentalmente, tentando me distrair ao limpar o balcão com certa força.
— Acho que se você esfregar com mais força, daqui a pouco tira a cor da madeira. — Ao ouvir a voz alheia, meu corpo estremeceu.
Por que ele estava falando comigo?
— Você sabe como é, tem que ficar bem limpinho. — falei num tom brincalhão, dando um breve sorriso.
— Isso é uma coisa boa. — ele falou, assentindo e eu parei de passar o pano, deixando-o de lado. — Eu te conheço de algum lugar?
Um calafrio atravessou todo meu corpo e por um instante eu pensei que seria possível ouvir meu coração batendo na distância em que ele estava.
— Bem, talvez… Você já veio aqui alguma vez além de hoje? — ele balançou a cabeça em negação. — Então acho que não.
Encolhi os ombros. O que mais eu poderia dizer?
Logo, a tábua ficou pronta e pude servi-los. Já que a mulher dele voltou rápido. O tempo também passou mais rápido do que eu esperava, mas aquilo com certeza era bom, já que estava mais perto do grande dia.
Mas vez ou outra eu me pegava pensando… E se fosse eu ali? Será que estou ficando louca?
Capítulo 2
(All I can say is it was enchanting to meet you. Your eyes whispered: Have we met? 'Cross the room your silhouette, starts to make its way to met the playful conversation starts…)
Londres, 1943
Eu estava sentada no parapeito de um prédio, a noite estava gélida e o céu cheio de estrelas, a cidade iluminada por todas as luzes possíveis de prédios e das ruas. Sentia a brisa sobre meu rosto e a mesma bagunçava um pouco meus cabelos. Estava eufórica, mas não entendia o motivo.
— Cheguei! — uma voz masculina ecoou pelo telhado daquele prédio e assim que me virei, aquela figura tão conhecida e amada por mim estava lá esboçando o mesmo sorriso aconchegante de sempre. Parecia extremamente e verdadeiramente feliz em me ver.
Fui rapidamente em sua direção, me jogando em seus braços e o mesmo me levantou do chão, sem fazer muita força para isso. Em seguida, me colocou no chão novamente e ele me encarou.
— Trouxe seu jantar preferido… Já que você disse estar com desejo. — ele riu, mostrando a sacola em mãos.
Só assim, eu olhei para baixo e notei uma saliência em minha barriga. Caramba, como havia crescido.
— Nossa filha está com fome, não posso fazer nada. — brinquei e ele balançou a cabeça em negação, rindo. Em seguida, colocou suas mãos sobre meus ombros e guiou até a porta onde o mesmo havia saído há minutos.
Porém, ao entrar por aquela porta ao invés de estar numa casa, voltamos para o hospital. Eu estava em frente a um espelho no quarto de descanso e minha barriga estava ainda maior, deixando o pijama hospitalar bastante desproporcional. Eu estava tão feliz, sentia que faltava pouco tempo para que nossa bebê finalmente estivesse conosco.
Respirei fundo e sai daquele quarto, dando de cara com um corredor para a emergência. Já dei de cara com uma mulher que deveria ser enfermeira me entregando alguns prontuários e eu a segui. Aquele corredor era branco, possuía alguns detalhes de madeira envernizada no meio da parede e era possível ouvir os aparelhos.
— Tem um caso de esquizofrenia paranoide no leito dois, já chamamos a psiquiatria, mas nada de chegarem. — a mesma mulher falou e no fim do corredor eu pude ver anotando algo numa folha, bastante concentrado em seu trabalho.
— Chama de novo, por favor. — o paciente estava quieto em seu leito, mas qualquer um em sã consciência que trabalha em hospital sabe que alguém com esquizofrenia é tipo uma incógnita. Pode surtar a qualquer momento.
— As vozes estão me falando que você quer me matar… — o homem começou a falar baixo. — Você quer me matar, doutora? Me matar? Você vai me matar!? — A voz dele começou a aumentar e eu respirei fundo, caminhando lentamente até a porta.
— Calma, senhor. Ninguém vai te matar, você está seguro aqui. — levantei as mãos como se demonstrasse rendimento.
— Você vai, você vai… Mas eu posso te matar primeiro e depois me matar, são as vozes. As vozes estão muito altas. — ele gritou, batendo na própria cabeça e se levantou vindo em minha direção.
Eu deveria sair correndo, chamar alguém, mas simplesmente não consegui.
Tudo ficou em câmera lenta, a aproximação daquele homem, os barulhos dos aparelhos e meu coração. Eu conseguia ouvir meu coração.
As mãos daquele paciente seguraram firme em meus braços e em questão de instantes, me lançou para o chão com toda força que ele tinha, que era muita. Meu corpo havia sido brutalmente jogado no chão, mesmo sem ter certeza se conseguiria, tentei proteger a minha barriga. Esse era meu único pensamento.
O homem veio para perto de mim e colocou suas duas pernas entre as minhas, usando suas duas mãos para apertar meu pescoço. Minhas mãos tentavam desesperadamente tirar as dele dali, mas era quase impossível. Eu só pude ver algumas pessoas atrás dele, inclusive aparecendo com uma expressão desesperada em sua face e depois disso, tudo ficou escuro…"
Acabei despertando assustada, como se tivesse sido realmente sufocada. Eu respirava fundo, recuperando o ar.
— Mas que merda está acontecendo? — falei sozinha, passando uma das mãos sobre a testa.
Rapidamente, peguei o celular que estava ao lado da cama e vi que eram 7h24. Ufa! Não tinha perdido hora. Aproveitei para me levantar e ir ao banho. Toda a parte de higiene pessoal, havia demorado em torno de vinte minutos. Decidi colocar uma roupa casual, uma calça jeans e uma camiseta roxa com as letras NYU estampadas. Aquela era a minha maior felicidade.
Eu sentia um frio na barriga, um misto de emoções ao lembrar do sonho e também ao pensar em como vai ser. Obviamente, o primeiro dia não vai nem ter aula direito, mas estou feliz porque vou começar.
Depois de pronta, desci para a cozinha e vi minha mãe sentada sobre a mesa com uma xícara nas mãos.
— Bom dia, querida. — ela falou e sorriu fraco para mim.
— Bom dia, mãe. Chegou mais tarde do que eu ontem… — respondi, me sentando na mesa e pegando um copo, enchendo de suco dentro do mesmo.
— Pois é, eu fiz algumas horas extras. Você sabe, estamos precisando. — eu assenti.
A família da minha mãe achava um cúmulo eu ir para a universidade, achavam que era um capricho meu, mas minha mãe sempre bateu no peito e por mais que eu tenha entrado alguns anos atrasada, a falta de dinheiro e apoio familiar não me impediu de realizar o meu maior sonho.
— Também vou fazer algumas horas a mais sempre que for possível, nos finais de semana quando não tiver provas ou coisas do tipo, vou tentar trabalhar o dia todo. Quanto mais, melhor. — falei com convicção terminando o suco em quase um gole. — Cadê o ?
— Hoje o ônibus escolar passou um pouco mais cedo, então, ele saiu alguns minutos antes de você descer. — ela deixou a xícara na mesa e me encarou. — Está tudo bem, filha?
— Ah, sim… — suspirei um pouco chateada por não ter dado atenção para ele. — Estou sim, claro.
Minha voz falhou e ela fez uma careta.
— É algo com a faculdade? Pensei que estivesse feliz por estar realizando esse sonho. — ela me encarava, como se tentasse me ler.
— É também, mas… Eu ando tendo alguns sonhos estranhos, sabe? Eu sonhei com um homem ontem e o vi no mesmo dia, pela primeira vez… Como se fosse uma premonição ou sei lá. — era bom falar sobre aquilo com alguém que talvez pudesse me entender. — Hoje tive um sonho com esse mesmo homem, foi bizarro.
— Ok, mas é um sonho bom? — ela apoiou o braço na mesa e a cabeça em sua mão.
— O primeiro foi, parecia um conto de fadas. O segundo começou como um conto de fadas e terminou como um pesadelo. — fiz uma careta e passei as mãos sobre o pescoço, lembrando da última cena do sonho.
— É realmente bastante estranho… Talvez você tenha gostado um pouco dele. — ela abriu um sorriso e eu ri junto, balançando a cabeça.
— Eu gostei mesmo, do que o meu cérebro inventou sobre ele. — encolhi os ombros e me levantei, olhando as horas no celular. — Vou sair um pouco antes para andar um pouco pelo campus, até mais tarde.
Dei um beijo na testa dela, coloquei a mochila nas costas, o celular no bolso e segui o meu caminho até o campus da NYU. Eu não tinha feito esse caminho a pé ainda, então decidi dar uma olhada no maps para ver onde seria melhor. Porém, depois de muito observar, acabei ficando boquiaberta ao perceber que eu demoraria horrores para chegar lá se fosse a pé.
Me xinguei mentalmente, já que teria que usar o dinheiro da comida de hoje para o táxi até lá. E assim o fiz.
O trajeto do Bronx até a NYU foi mais rápido e confortável. Quando cheguei, já havia passado das 8h e eu teria alguns minutos para conhecer o local. Eu já tinha feito antes, mas queria olhar de novo, ver que eu não estava só em um sonho.
Todos os detalhes de vidro do local eram simplesmente magníficos, o tom amadeirado das paredes deixavam o ambiente confortável. Que sorte a minha de estar aqui.
Quando deu a hora da primeira aula, eu fui uma das primeiras a chegar no auditório. Deixei minha bolsa no banco ao lado e suspirei bastante ansiosa, em seguida, peguei meu celular e enquanto não começava, eu mexia no mesmo olhando algumas fotos antigas.
Conforme os minutos se passaram, o auditório foi enchendo de gente. Devia ter em torno de quase cinquenta pessoas ali, uma menina loira se sentou ao meu lado e deu um sorriso, quando eu ia perguntar seu nome, a nossa atenção foi tomada por um barulho de microfone.
— Bom dia, alunos. Sejam bem vindos ao primeiro dia do resto de suas vidas. — uma mulher negra, alta, de cabelos compridos havia começado a falar. Ao lado dela, se encontrava um outro homem, ele tinha um cabelo ralo e grisalho, ouvia a mulher falar. O que me surpreendeu de verdade, fazendo com que eu entrasse numa espécie de transe ou sei lá o que, foi que o mesmo homem dos meus sonhos entrou com uma mochila. Porém, ele não subiu para se juntar aos alunos e sim com os outros dois professores.
Eu não sabia se ficava surpresa, ou se saía correndo. Eu teria que conviver com ele todos os dias? Num hospital? Onde a maioria dos meus sonhos com ele acontecem? Meu Deus… Isso não pode estar acontecendo comigo.
Meus olhos ficaram praticamente colados no homem de óculos e mochila nos ombros, seu olhar era terno e ele tinha um sorriso animado nos lábios. Ele era sem dúvidas o homem mais bonito que já vi em meus vinte e cinco anos.
— … Hoje vocês vão ter apenas introduções sobre algumas matérias, mas a partir de amanhã vocês não terão moleza. Qualquer coisa podem falar comigo, com o Dr. Victor Gómez ou o Dr. .
… Então esse era o nome dele. Será que é o mesmo nome do sonho? Não me lembro bem.
— E aí, pessoal. — pude ouvir a voz que estava sempre presente em meus sonhos. — Como vocês podem ver, a turma é um pouco menor esse ano, mas isso é bom. Vocês devem se empenhar, devem estudar para lidar com vidas e não para fazer provas, não se esqueçam disso. — seu olhar parou sobre mim e ele não falou mais nada, apenas sustentou seu olhar o suficiente para algumas pessoas me encararem também. O que me fez corar e abaixar a cabeça.
— Então… — O homem pigarrou e deu uma risada, tentando disfarçar e então, tirou a mochila das costas e jogou no chão. — Vamos ver… Antes de tudo, quero fazer uma dinâmica com vocês. Já que na enfermagem o trabalho será sempre em grupo, quero que se conheçam melhor. Primeiramente vou falar sobre mim e depois façam o mesmo, ok?
A turma assentiu e eu senti um breve frio na barriga, mas respirei fundo tentando me controlar.
— Meu nome é , nasci em 1984, vamos ver quem é bom em matemática aí para saber a minha idade de cabeça. Me formei um pouco mais velho, mas isso nunca me impediu de fazer o que mais gosto. Acabei fazendo pós-graduação em enfermagem intensivista e é onde mais gosto de trabalhar. Na correria. — brincou, andando de um lado para o outro.
E então, assim seguiu com os outros alunos se apresentando. Eu estava mais para o fundo, então seria uma das últimas.
Sentia o olhar de sobre mim algumas vezes, mas eu tentava disfarçar o máximo possível, porque queria entender o que estava acontecendo comigo.
— Você. — ouvi a voz dele e o mesmo apontando para mim, com um sorriso em seus lábios.
— Bem… Eu não sou muito boa falando sobre mim, mas vou tentar. Meu nome é , tenho vinte e cinco anos, minha entrada na faculdade foi um pouco diferente do que as outras pessoas, mas isso não me impediu de estar aqui. Sempre gostei de enfermagem, principalmente depois que tive que passar um tempo no hospital com meu pai. Quero poder trabalhar na emergência e ajudar muitas pessoas, assim como fizeram com meu pai até ele falecer.
Fui sincera, falando tudo o que veio à minha mente. Certeza que eu estava com a bochecha vermelha de tanta vergonha, mas a superei.
O resto daquela aula havia sido legal, tinha dado introdução dos fundamentos da enfermagem e por mais que seja a parte burocrática, eu não achei tão ruim assim. Assim que a mesma acabou, havíamos sido liberados. Não tinha sido o horário todo ocupado, mas já era quase meio-dia e eu estava faminta. Nesse instante, acabei me lembrando que havia usado o dinheiro para pegar o táxi e murchei no mesmo instante enquanto guardava minhas coisas.
Assim que o fiz, suspirei e fui em direção a saída. Mas antes que pudesse realmente sair, fui impedida por uma voz masculina me chamando.
— ! — era ele e eu me estremeci por completo.
Me virei para o rapaz e sorri fraco, um pouco tímida.
— Sim? — perguntei, curiosa do porquê ele havia me chamado.
— Acho que descobri de onde nos conhecemos. — ele falou e eu senti um frio na barriga, imaginando quais hipóteses ele poderia dar. — Já devo ter visto você por aqui, talvez quando veio fazer matrícula, conhecer o local…
Ele dizia, mas parecia mesmo era que estava mais tentando convencer a si mesmo disso.
— Bem, eu não vim conhecer o local e quando vim fazer a matrícula, os professores estavam de férias. — respondi simplesmente, encolhendo os ombros.
— Mesmo? Dessa eu não sabia… — ele coçou a nuca e eu sorri um tanto sem graça. — De qualquer forma, agora vamos ter bastante tempo… Digo, eu, você e os alunos da sala. — acabei sorrindo sincera com o que ele havia dito. — Está indo almoçar?
Ele perguntou, dando alguns passos para trás a fim de pegar sua mochila. Assim que o fez, a jogou em seus ombros e caminhou até mim novamente.
— Não vou… — respondi, mexendo na alça da mochila em meus ombros.
— Não? Ficou a manhã toda em aula e não está com fome? — ele perguntou, curioso.
Estou morrendo de fome.
— Na verdade não. — Assim que pronunciei aquelas palavras, meu estômago acabou fazendo um barulho bastante alto, me deixando quase roxa de tão envergonhada.
— Acho que seu estômago está dizendo outra coisa. — ele falou, apontando para a saída do auditório já que havia ficado apenas nós dois ali.
Comecei a caminhar na direção da saída, pensando em uma desculpa que daria para falar o porquê não iria comer.
— Acho que vou me manter na dieta. — falei em um tom de brincadeira, mas o mesmo levantou a sobrancelha e me encarou, dessa vez um pouco mais sério.
— Se está passando fome não é dieta. Você sabe o quanto pode fazer mal ficar de estômago vazio por tanto tempo. — ele me encarava, como se eu fosse aqueles programas de televisão que te prendem do começo até o fim.
— É que eu esqueci o dinheiro em casa, então não tenho como comer. — menti.
— Ah! — ele exclamou. — Isso não é um problema. Eu pago para você.
— Não, . Até parece, não mesmo. — balancei a cabeça com certa urgência o que ele fez com que ele desse risada, porém, percebi que havia agido com mais intimidade do que deveria e fiquei um pouco sem graça. — Digo, professor.
— Não aceito não como resposta, . — ele falou, enquanto chegávamos no refeitório. — Pode me chamar de mesmo, não tem problema.
— Tudo bem… — esfreguei as mãos, ficando na fila logo atrás dele. — Amanhã, assim que eu chegar, te devolvo.
Ele se virou para mim, balançando a cabeça em negação.
— Não precisa. Encare como um presente de boas vindas. — deu um sorriso, assim como em meus sonhos.
Aquilo fez com que eu sentisse um arrepio e abaixasse a cabeça levemente envergonhada, o que durou pouco tempo já que tirei coragem de algum lugar desconhecido para fazer uma piadinha.
— Vai pagar almoço para todos os seus alunos como presente de boas vindas? — perguntei, ainda tendo um sorriso tímido nos lábios.
— Só para os que me deixarem com a impressão de que os conheço a vida toda.
Antes que eu pudesse responder, ele se virou e foi até o balcão, pegando uma bandeja e entregando para mim e depois, pegou outra para si, servindo com a comida que queria ali.
O refeitório era bastante bonito, parecia organizado, suas paredes brancas traziam uma sensação de limpeza absoluta. Tinha tanta variedade de comida ali, eram coisas que eu nunca tinha visto na minha vida. Coisas que talvez fossem boas demais, mas que eu nunca tinha tido dinheiro para sequer experimentar. Acabei me servindo, colocando várias coisas na bandeja e deixei com que pagasse, um pouco tímida por isso, mas não falei mais nada a respeito do que ele havia proposto.
Caminhei para uma mesa, me sentaria sozinha já que talvez fosse um pouco estranho ficar tão próxima de um professor logo no primeiro dia, sabendo que ele é noivo e que ele toma conta dos meus sonhos e pensamentos. Porém, me acompanhou até a mesa e se sentou, ficando de frente para mim.
— O que vão dizer do professor almoçando com a caloura logo no primeiro dia de aula? — falei, abrindo meu suco e colocando o canudo no mesmo.
— Não que eu me importe muito com o que vão dizer, mas tecnicamente já nos conhecemos. — ele proferiu como se fosse óbvio e eu fiquei um tempo olhando fixo para ele, tentando digerir o que o homem falou.
— É… Eu acho. — acabo dando um sorriso nervoso, essa sensação de sempre estar nervosa e ansiosa perto dele, era muito ruim.
— Me conte sobre você então, . — ele falou, enquanto mexia em sua comida, antes de levá-la até a boca.
— Acho que eu já falei tudo o que consigo lá na sala de aula. — ri, dando um gole no suco de laranja que havia pegado.
— Não gosta de falar sobre si? — questionou, me fazendo levantar os ombros.
— Olha, na verdade eu tenho uma grande dificuldade em fazer isso. — acabei rindo, tentando conter a timidez.
Era engraçado porque desde o dia em que comecei a sonhar com , nunca imaginei que o encontraria aqui, nem que falaria com ele. Achei que poderia ser apenas uma peça que minha mente estava pregando.
— Geralmente, pessoas assim são as que mais têm coisas interessantes para contar.
As palavras de soavam extremamente doce, seria muito difícil aguentar esses cinco anos convivendo com ele se eu continuar sonhando daquela forma.
— Ai que você se engana. — falei com certa animação. — Sou super simples, aquele tipo de pessoa sem novidades e sem muitas coisas para contar.
Ele riu, abaixando a cabeça para fitar a comida e deu uma garfada no seu alimento.
— Por que está rindo? É verdade, eu juro. — levantei os braços em rendição.
— É o que veremos. — ele sorriu novamente.
E o resto daquele momento passou quase voando de tão rápido. Eu não sabia decifrar o que estava sentindo e nem o que tinha acontecido. Por que ele havia sido tão bonzinho comigo? Será que ele sonhava comigo também? Queria tanto poder perguntar. Mas o fato era que eu estava encantada, se é que eu poderia usar essa palavra.
Já eram em torno de oito horas da noite e eu estava na lanchonete. Aquele local com certeza precisava de uma pintura, visto que as paredes próximas das janelas estavam descascando, mas eu jamais falaria isso para o chefe, já que ele era um senhor bem chato.
Eu estava limpando o balcão quando de soslaio, acabei vendo uma silhueta que não saía de meus pensamentos e olhei automaticamente para ele, que já estava com um lindo sorriso nos lábios.
usava uma camisa xadrez vermelha e preta de manga longa, uma calça escura e tênis da mesma cor, seus cabelos jogados, barbas por fazer e como sempre e as mãos no bolso.
— Professor , o que te traz até aqui? — tentei ser o mais simpática possível, mas não posso mentir que sentia meu interior estremecer a cada vez que o via, juntamente com uma sensação estranha de nostalgia.
— Já te pedi para que não me chamasse assim. Faz com que eu me sinta com uns sessenta anos. — fez uma careta, se sentando de frente para mim, justamente onde eu estava limpando.
— Desculpa, vou tentar lembrar disso da próxima vez, prof… ! . Então, o que vai querer hoje? — questionei, deixando o pano com álcool embaixo da pia e voltei minha atenção para ele.
— Vou querer uma cerveja. — ele pediu simples e eu prontamente fui buscar o que ele havia pedido. Em poucos instantes, eu já tinha aberto a long neck e entregado para ele.
— Qualquer coisa você pode me chamar. — fazia parte do meu trabalho, essa coisa de estar sempre a disposição do cliente e tal. Mas por sorte, hoje a lanchonete estava vazia.
— Se não for atrapalhar o seu trabalho, me fazer companhia seria uma boa. — ele sugeriu com uma expressão no rosto que eu não soube decifrar, mas foi o suficiente para que eu aceitasse sem pensar duas vezes.
— Enquanto estiver sem movimento, tudo bem. — respondi sinceramente e ele sorriu. — O que te trouxe até aqui? Além de querer beber uma cerveja, é claro.
Poderia parecer um pouco curiosa, até mesmo inconveniente, mas eu só queria puxar assunto. Tudo bem que o silêncio não deveria ser algo torturante, já que a presença de torna tudo estranhamente mais leve.
— Vim arejar a cabeça, na verdade. Muita coisa acontecendo, a cabeça fica a mil. — ele falou e eu assenti, sabia bem como era isso.
— Acho que entendo perfeitamente o que está falando. — concordei, apoiando no balcão.
Ele não respondeu, apenas balançou a cabeça positivamente e manteve seu olhar sobre mim, me fazendo corar.
Puta merda, por que ele fica me encarando desse jeito? As coisas já são tão difíceis quando ele está por perto.
— Até que horas costuma trabalhar aqui? — Questionou, me tirando do transe com um pequeno susto.
— Meia-noite. Espero o Sr Albert fechar e então vou embora. — fiz uma careta quase imperceptível e ele sorriu.
— Que merda… E como vai embora? — ele voltou a perguntar e eu fiquei brevemente curiosa para saber o porquê de todas essas perguntas vindo dele.
— Normalmente vou andando, minha casa fica a uns quinze minutos daqui. — falei normalmente, vendo um casal entrar no local e prontamente me distanciei. Ainda que gostasse daquilo, precisava trabalhar.
O casal que não parecia ter mais de vinte e cinco anos, foram servidos rapidamente. Tinham escolhido apenas cervejas, como era o costume e então, depois disso, me aproximei de .
— É muito perigoso andar sozinha por aqui, . Não existe outra forma de você ir embora? — isso era realmente uma preocupação, que fofo.
— Não tenho saída, não tenho ninguém para fazer isso por mim e infelizmente não tenho habilitação, nem carro, nem mesmo uma bicicleta.
Ele não respondeu, apenas balançou a cabeça e pude perceber que ele estava pensativo. Eu queria muito saber o que se passava na cabeça dele, queria mesmo. Então, as horas foram passando e faltavam praticamente cinco minutos para fechar o estabelecimento, porém, ainda estava ali.
— , psiu. — Sr Albert me chamou, ele estava próximo a cozinha.
O Sr Albert era um senhor de aproximadamente setenta anos, eu o conheci quando vim procurar emprego há três anos e ele cedeu. Sempre foi bastante respeitador, porém, como veterano do exército, ele era fechado.
— Sim? — questionei, retirando o avental que vestia.
— Precisa dizer ao seu amigo para ir embora. Não estou querendo ser grosseiro com ele por você, mas está bem explícito o horário que fechamos.
Eu não queria problemas então apenas concordei e fui em direção a , mas dessa vez do lado de fora do balcão. Ele estava… Talvez um pouco bêbado? Não sei se duas cervejas seriam o suficiente para deixá-lo bêbado, mas ele estava aéreo.
— ? Nós vamos fechar, estou indo embora. — quando o chamei, parece que ele acordou de um transe e me olhou, dando um sorriso super fofo.
— Acho que eu me perdi no horário. — ele riu, se levantando da cadeira e passando as mãos levemente pela camisa.
— Acontece, é um lugar aconchegante. — acabei rindo junto. — Vou só pegar a minha bolsa.
Fui em passos largos até a salinha onde tinha deixado minha mochila e volto rápido, percebendo que ele tinha ficado me esperando.
— Aqui é aconchegante mesmo. — ele respondeu só quando eu cheguei.
Após isso, caminhamos em direção a saída em silêncio, mas não era nada constrangedor, era um silêncio confortável. Quando chegamos na calçada, me virei para e sorri.
— Eu vou por aqui, até amanhã, . — acenei brevemente e quando ia me virar para caminhar em direção a minha casa, o rapaz segurou meu braço.
Assim que senti o toque dele em meu braço, senti uma espécie de eletricidade percorrer desde o braço até o corpo todo e pude vê-lo com uma roupa medieval, sorrindo para mim. Talvez ele tenha sentido o mesmo, porque soltou meu braço com certa rapidez e balançou a cabeça.
— Eu… Eu… Te levo embora. — ele sugeriu e eu neguei.
— Não precisa, . Faço esse caminho há três anos. — ajeitei a mochila nas costas, ainda um pouco atordoada.
— Eu insisto. — ele novamente sugeriu e eu cedi. Seria estranho se eu não cedesse.
— Tudo bem. — assim que aceitei, novamente ele sorriu e apontou para o seu carro.
Fomos caminhando até o carro que estava estacionado no outro lado da rua, era um carro preto, nada tão chique, mas era bonito. Ele destravou o carro, apontou para que eu abrisse a porta e assim o fiz, entrando no carro logo em seguida.
— Realmente não precisava perder seu tempo me levando em casa. — comecei a falar, enquanto o mesmo ligava o móvel.
— Eu sugeri, . Está tudo bem. Só coloca no meu celular o endereço, por favor. — disse me entregando o celular desbloqueado.
Era estranho porque estávamos agindo como se nos conhecêssemos há muito tempo, era isso o que passava para mim, uma sensação de estar em casa, de conforto.
Deixei o endereço no gps e entreguei novamente o celular para ele, me ajeitando no banco do carro. Ele ligou o rádio enquanto começava a dirigir, era possível notar a música que tocava e eu realmente adorava ela.
— Gosto dessa música. — falei sorrindo, enquanto batucava na própria perna.
Say it's true, it's true
(Dizem que é verdade, é verdade)
And we can break through
(E que nós podemos vencer)
Though torn in two
(Embora partidos em dois)
We can be one
(Nós podemos ser um)
(...)
I will be with you again
(Eu estarei com você novamente)
I will be with you again
(Eu estarei com você novamente)
Enquanto cantava new years day do U2, pude perceber de relance que ele me encarava várias vezes com um sorriso no rosto.
O caminho foi mais rápido do que eu queria, mas enfim estava em casa. Assim que estacionou em frente, eu soltei o cinto e me virei para ele meio sem jeito, não sabia se acenava, estendia a mão, abraçava ou sei lá. Por fim, eu apenas acenei.
— Muito obrigada por ter me trazido, . Você me ajudou muito hoje. — comentei sorrindo, ajeitando a bolsa no ombro.
— Não precisa agradecer, está tudo bem. — ele assentiu e sorriu também.
O carro estava escuro, apenas as luzes da rua iluminavam ali, o que era bem pouco. Sem saber o que dizer, ficamos nos encarando por alguns segundos até que eu saí do transe e abri a porta.
— Tudo bem, até então. — acenei novamente, já fora do carro e ele acenou de volta, dando uma piscadela em seguida.
Fechei a porta e queria morrer. Como pode um ser humano ter pego toda a beleza do mundo para si?
Caminhei em direção a entrada de casa e assim que entrei, pude ouvir o barulho baixo do carro dele saind
Londres, 1943
Eu estava sentada no parapeito de um prédio, a noite estava gélida e o céu cheio de estrelas, a cidade iluminada por todas as luzes possíveis de prédios e das ruas. Sentia a brisa sobre meu rosto e a mesma bagunçava um pouco meus cabelos. Estava eufórica, mas não entendia o motivo.
— Cheguei! — uma voz masculina ecoou pelo telhado daquele prédio e assim que me virei, aquela figura tão conhecida e amada por mim estava lá esboçando o mesmo sorriso aconchegante de sempre. Parecia extremamente e verdadeiramente feliz em me ver.
Fui rapidamente em sua direção, me jogando em seus braços e o mesmo me levantou do chão, sem fazer muita força para isso. Em seguida, me colocou no chão novamente e ele me encarou.
— Trouxe seu jantar preferido… Já que você disse estar com desejo. — ele riu, mostrando a sacola em mãos.
Só assim, eu olhei para baixo e notei uma saliência em minha barriga. Caramba, como havia crescido.
— Nossa filha está com fome, não posso fazer nada. — brinquei e ele balançou a cabeça em negação, rindo. Em seguida, colocou suas mãos sobre meus ombros e guiou até a porta onde o mesmo havia saído há minutos.
Porém, ao entrar por aquela porta ao invés de estar numa casa, voltamos para o hospital. Eu estava em frente a um espelho no quarto de descanso e minha barriga estava ainda maior, deixando o pijama hospitalar bastante desproporcional. Eu estava tão feliz, sentia que faltava pouco tempo para que nossa bebê finalmente estivesse conosco.
Respirei fundo e sai daquele quarto, dando de cara com um corredor para a emergência. Já dei de cara com uma mulher que deveria ser enfermeira me entregando alguns prontuários e eu a segui. Aquele corredor era branco, possuía alguns detalhes de madeira envernizada no meio da parede e era possível ouvir os aparelhos.
— Tem um caso de esquizofrenia paranoide no leito dois, já chamamos a psiquiatria, mas nada de chegarem. — a mesma mulher falou e no fim do corredor eu pude ver anotando algo numa folha, bastante concentrado em seu trabalho.
— Chama de novo, por favor. — o paciente estava quieto em seu leito, mas qualquer um em sã consciência que trabalha em hospital sabe que alguém com esquizofrenia é tipo uma incógnita. Pode surtar a qualquer momento.
— As vozes estão me falando que você quer me matar… — o homem começou a falar baixo. — Você quer me matar, doutora? Me matar? Você vai me matar!? — A voz dele começou a aumentar e eu respirei fundo, caminhando lentamente até a porta.
— Calma, senhor. Ninguém vai te matar, você está seguro aqui. — levantei as mãos como se demonstrasse rendimento.
— Você vai, você vai… Mas eu posso te matar primeiro e depois me matar, são as vozes. As vozes estão muito altas. — ele gritou, batendo na própria cabeça e se levantou vindo em minha direção.
Eu deveria sair correndo, chamar alguém, mas simplesmente não consegui.
Tudo ficou em câmera lenta, a aproximação daquele homem, os barulhos dos aparelhos e meu coração. Eu conseguia ouvir meu coração.
As mãos daquele paciente seguraram firme em meus braços e em questão de instantes, me lançou para o chão com toda força que ele tinha, que era muita. Meu corpo havia sido brutalmente jogado no chão, mesmo sem ter certeza se conseguiria, tentei proteger a minha barriga. Esse era meu único pensamento.
O homem veio para perto de mim e colocou suas duas pernas entre as minhas, usando suas duas mãos para apertar meu pescoço. Minhas mãos tentavam desesperadamente tirar as dele dali, mas era quase impossível. Eu só pude ver algumas pessoas atrás dele, inclusive aparecendo com uma expressão desesperada em sua face e depois disso, tudo ficou escuro…"
Acabei despertando assustada, como se tivesse sido realmente sufocada. Eu respirava fundo, recuperando o ar.
— Mas que merda está acontecendo? — falei sozinha, passando uma das mãos sobre a testa.
Rapidamente, peguei o celular que estava ao lado da cama e vi que eram 7h24. Ufa! Não tinha perdido hora. Aproveitei para me levantar e ir ao banho. Toda a parte de higiene pessoal, havia demorado em torno de vinte minutos. Decidi colocar uma roupa casual, uma calça jeans e uma camiseta roxa com as letras NYU estampadas. Aquela era a minha maior felicidade.
Eu sentia um frio na barriga, um misto de emoções ao lembrar do sonho e também ao pensar em como vai ser. Obviamente, o primeiro dia não vai nem ter aula direito, mas estou feliz porque vou começar.
Depois de pronta, desci para a cozinha e vi minha mãe sentada sobre a mesa com uma xícara nas mãos.
— Bom dia, querida. — ela falou e sorriu fraco para mim.
— Bom dia, mãe. Chegou mais tarde do que eu ontem… — respondi, me sentando na mesa e pegando um copo, enchendo de suco dentro do mesmo.
— Pois é, eu fiz algumas horas extras. Você sabe, estamos precisando. — eu assenti.
A família da minha mãe achava um cúmulo eu ir para a universidade, achavam que era um capricho meu, mas minha mãe sempre bateu no peito e por mais que eu tenha entrado alguns anos atrasada, a falta de dinheiro e apoio familiar não me impediu de realizar o meu maior sonho.
— Também vou fazer algumas horas a mais sempre que for possível, nos finais de semana quando não tiver provas ou coisas do tipo, vou tentar trabalhar o dia todo. Quanto mais, melhor. — falei com convicção terminando o suco em quase um gole. — Cadê o ?
— Hoje o ônibus escolar passou um pouco mais cedo, então, ele saiu alguns minutos antes de você descer. — ela deixou a xícara na mesa e me encarou. — Está tudo bem, filha?
— Ah, sim… — suspirei um pouco chateada por não ter dado atenção para ele. — Estou sim, claro.
Minha voz falhou e ela fez uma careta.
— É algo com a faculdade? Pensei que estivesse feliz por estar realizando esse sonho. — ela me encarava, como se tentasse me ler.
— É também, mas… Eu ando tendo alguns sonhos estranhos, sabe? Eu sonhei com um homem ontem e o vi no mesmo dia, pela primeira vez… Como se fosse uma premonição ou sei lá. — era bom falar sobre aquilo com alguém que talvez pudesse me entender. — Hoje tive um sonho com esse mesmo homem, foi bizarro.
— Ok, mas é um sonho bom? — ela apoiou o braço na mesa e a cabeça em sua mão.
— O primeiro foi, parecia um conto de fadas. O segundo começou como um conto de fadas e terminou como um pesadelo. — fiz uma careta e passei as mãos sobre o pescoço, lembrando da última cena do sonho.
— É realmente bastante estranho… Talvez você tenha gostado um pouco dele. — ela abriu um sorriso e eu ri junto, balançando a cabeça.
— Eu gostei mesmo, do que o meu cérebro inventou sobre ele. — encolhi os ombros e me levantei, olhando as horas no celular. — Vou sair um pouco antes para andar um pouco pelo campus, até mais tarde.
Dei um beijo na testa dela, coloquei a mochila nas costas, o celular no bolso e segui o meu caminho até o campus da NYU. Eu não tinha feito esse caminho a pé ainda, então decidi dar uma olhada no maps para ver onde seria melhor. Porém, depois de muito observar, acabei ficando boquiaberta ao perceber que eu demoraria horrores para chegar lá se fosse a pé.
Me xinguei mentalmente, já que teria que usar o dinheiro da comida de hoje para o táxi até lá. E assim o fiz.
O trajeto do Bronx até a NYU foi mais rápido e confortável. Quando cheguei, já havia passado das 8h e eu teria alguns minutos para conhecer o local. Eu já tinha feito antes, mas queria olhar de novo, ver que eu não estava só em um sonho.
Todos os detalhes de vidro do local eram simplesmente magníficos, o tom amadeirado das paredes deixavam o ambiente confortável. Que sorte a minha de estar aqui.
Quando deu a hora da primeira aula, eu fui uma das primeiras a chegar no auditório. Deixei minha bolsa no banco ao lado e suspirei bastante ansiosa, em seguida, peguei meu celular e enquanto não começava, eu mexia no mesmo olhando algumas fotos antigas.
Conforme os minutos se passaram, o auditório foi enchendo de gente. Devia ter em torno de quase cinquenta pessoas ali, uma menina loira se sentou ao meu lado e deu um sorriso, quando eu ia perguntar seu nome, a nossa atenção foi tomada por um barulho de microfone.
— Bom dia, alunos. Sejam bem vindos ao primeiro dia do resto de suas vidas. — uma mulher negra, alta, de cabelos compridos havia começado a falar. Ao lado dela, se encontrava um outro homem, ele tinha um cabelo ralo e grisalho, ouvia a mulher falar. O que me surpreendeu de verdade, fazendo com que eu entrasse numa espécie de transe ou sei lá o que, foi que o mesmo homem dos meus sonhos entrou com uma mochila. Porém, ele não subiu para se juntar aos alunos e sim com os outros dois professores.
Eu não sabia se ficava surpresa, ou se saía correndo. Eu teria que conviver com ele todos os dias? Num hospital? Onde a maioria dos meus sonhos com ele acontecem? Meu Deus… Isso não pode estar acontecendo comigo.
Meus olhos ficaram praticamente colados no homem de óculos e mochila nos ombros, seu olhar era terno e ele tinha um sorriso animado nos lábios. Ele era sem dúvidas o homem mais bonito que já vi em meus vinte e cinco anos.
— … Hoje vocês vão ter apenas introduções sobre algumas matérias, mas a partir de amanhã vocês não terão moleza. Qualquer coisa podem falar comigo, com o Dr. Victor Gómez ou o Dr. .
… Então esse era o nome dele. Será que é o mesmo nome do sonho? Não me lembro bem.
— E aí, pessoal. — pude ouvir a voz que estava sempre presente em meus sonhos. — Como vocês podem ver, a turma é um pouco menor esse ano, mas isso é bom. Vocês devem se empenhar, devem estudar para lidar com vidas e não para fazer provas, não se esqueçam disso. — seu olhar parou sobre mim e ele não falou mais nada, apenas sustentou seu olhar o suficiente para algumas pessoas me encararem também. O que me fez corar e abaixar a cabeça.
— Então… — O homem pigarrou e deu uma risada, tentando disfarçar e então, tirou a mochila das costas e jogou no chão. — Vamos ver… Antes de tudo, quero fazer uma dinâmica com vocês. Já que na enfermagem o trabalho será sempre em grupo, quero que se conheçam melhor. Primeiramente vou falar sobre mim e depois façam o mesmo, ok?
A turma assentiu e eu senti um breve frio na barriga, mas respirei fundo tentando me controlar.
— Meu nome é , nasci em 1984, vamos ver quem é bom em matemática aí para saber a minha idade de cabeça. Me formei um pouco mais velho, mas isso nunca me impediu de fazer o que mais gosto. Acabei fazendo pós-graduação em enfermagem intensivista e é onde mais gosto de trabalhar. Na correria. — brincou, andando de um lado para o outro.
E então, assim seguiu com os outros alunos se apresentando. Eu estava mais para o fundo, então seria uma das últimas.
Sentia o olhar de sobre mim algumas vezes, mas eu tentava disfarçar o máximo possível, porque queria entender o que estava acontecendo comigo.
— Você. — ouvi a voz dele e o mesmo apontando para mim, com um sorriso em seus lábios.
— Bem… Eu não sou muito boa falando sobre mim, mas vou tentar. Meu nome é , tenho vinte e cinco anos, minha entrada na faculdade foi um pouco diferente do que as outras pessoas, mas isso não me impediu de estar aqui. Sempre gostei de enfermagem, principalmente depois que tive que passar um tempo no hospital com meu pai. Quero poder trabalhar na emergência e ajudar muitas pessoas, assim como fizeram com meu pai até ele falecer.
Fui sincera, falando tudo o que veio à minha mente. Certeza que eu estava com a bochecha vermelha de tanta vergonha, mas a superei.
O resto daquela aula havia sido legal, tinha dado introdução dos fundamentos da enfermagem e por mais que seja a parte burocrática, eu não achei tão ruim assim. Assim que a mesma acabou, havíamos sido liberados. Não tinha sido o horário todo ocupado, mas já era quase meio-dia e eu estava faminta. Nesse instante, acabei me lembrando que havia usado o dinheiro para pegar o táxi e murchei no mesmo instante enquanto guardava minhas coisas.
Assim que o fiz, suspirei e fui em direção a saída. Mas antes que pudesse realmente sair, fui impedida por uma voz masculina me chamando.
— ! — era ele e eu me estremeci por completo.
Me virei para o rapaz e sorri fraco, um pouco tímida.
— Sim? — perguntei, curiosa do porquê ele havia me chamado.
— Acho que descobri de onde nos conhecemos. — ele falou e eu senti um frio na barriga, imaginando quais hipóteses ele poderia dar. — Já devo ter visto você por aqui, talvez quando veio fazer matrícula, conhecer o local…
Ele dizia, mas parecia mesmo era que estava mais tentando convencer a si mesmo disso.
— Bem, eu não vim conhecer o local e quando vim fazer a matrícula, os professores estavam de férias. — respondi simplesmente, encolhendo os ombros.
— Mesmo? Dessa eu não sabia… — ele coçou a nuca e eu sorri um tanto sem graça. — De qualquer forma, agora vamos ter bastante tempo… Digo, eu, você e os alunos da sala. — acabei sorrindo sincera com o que ele havia dito. — Está indo almoçar?
Ele perguntou, dando alguns passos para trás a fim de pegar sua mochila. Assim que o fez, a jogou em seus ombros e caminhou até mim novamente.
— Não vou… — respondi, mexendo na alça da mochila em meus ombros.
— Não? Ficou a manhã toda em aula e não está com fome? — ele perguntou, curioso.
Estou morrendo de fome.
— Na verdade não. — Assim que pronunciei aquelas palavras, meu estômago acabou fazendo um barulho bastante alto, me deixando quase roxa de tão envergonhada.
— Acho que seu estômago está dizendo outra coisa. — ele falou, apontando para a saída do auditório já que havia ficado apenas nós dois ali.
Comecei a caminhar na direção da saída, pensando em uma desculpa que daria para falar o porquê não iria comer.
— Acho que vou me manter na dieta. — falei em um tom de brincadeira, mas o mesmo levantou a sobrancelha e me encarou, dessa vez um pouco mais sério.
— Se está passando fome não é dieta. Você sabe o quanto pode fazer mal ficar de estômago vazio por tanto tempo. — ele me encarava, como se eu fosse aqueles programas de televisão que te prendem do começo até o fim.
— É que eu esqueci o dinheiro em casa, então não tenho como comer. — menti.
— Ah! — ele exclamou. — Isso não é um problema. Eu pago para você.
— Não, . Até parece, não mesmo. — balancei a cabeça com certa urgência o que ele fez com que ele desse risada, porém, percebi que havia agido com mais intimidade do que deveria e fiquei um pouco sem graça. — Digo, professor.
— Não aceito não como resposta, . — ele falou, enquanto chegávamos no refeitório. — Pode me chamar de mesmo, não tem problema.
— Tudo bem… — esfreguei as mãos, ficando na fila logo atrás dele. — Amanhã, assim que eu chegar, te devolvo.
Ele se virou para mim, balançando a cabeça em negação.
— Não precisa. Encare como um presente de boas vindas. — deu um sorriso, assim como em meus sonhos.
Aquilo fez com que eu sentisse um arrepio e abaixasse a cabeça levemente envergonhada, o que durou pouco tempo já que tirei coragem de algum lugar desconhecido para fazer uma piadinha.
— Vai pagar almoço para todos os seus alunos como presente de boas vindas? — perguntei, ainda tendo um sorriso tímido nos lábios.
— Só para os que me deixarem com a impressão de que os conheço a vida toda.
Antes que eu pudesse responder, ele se virou e foi até o balcão, pegando uma bandeja e entregando para mim e depois, pegou outra para si, servindo com a comida que queria ali.
O refeitório era bastante bonito, parecia organizado, suas paredes brancas traziam uma sensação de limpeza absoluta. Tinha tanta variedade de comida ali, eram coisas que eu nunca tinha visto na minha vida. Coisas que talvez fossem boas demais, mas que eu nunca tinha tido dinheiro para sequer experimentar. Acabei me servindo, colocando várias coisas na bandeja e deixei com que pagasse, um pouco tímida por isso, mas não falei mais nada a respeito do que ele havia proposto.
Caminhei para uma mesa, me sentaria sozinha já que talvez fosse um pouco estranho ficar tão próxima de um professor logo no primeiro dia, sabendo que ele é noivo e que ele toma conta dos meus sonhos e pensamentos. Porém, me acompanhou até a mesa e se sentou, ficando de frente para mim.
— O que vão dizer do professor almoçando com a caloura logo no primeiro dia de aula? — falei, abrindo meu suco e colocando o canudo no mesmo.
— Não que eu me importe muito com o que vão dizer, mas tecnicamente já nos conhecemos. — ele proferiu como se fosse óbvio e eu fiquei um tempo olhando fixo para ele, tentando digerir o que o homem falou.
— É… Eu acho. — acabo dando um sorriso nervoso, essa sensação de sempre estar nervosa e ansiosa perto dele, era muito ruim.
— Me conte sobre você então, . — ele falou, enquanto mexia em sua comida, antes de levá-la até a boca.
— Acho que eu já falei tudo o que consigo lá na sala de aula. — ri, dando um gole no suco de laranja que havia pegado.
— Não gosta de falar sobre si? — questionou, me fazendo levantar os ombros.
— Olha, na verdade eu tenho uma grande dificuldade em fazer isso. — acabei rindo, tentando conter a timidez.
Era engraçado porque desde o dia em que comecei a sonhar com , nunca imaginei que o encontraria aqui, nem que falaria com ele. Achei que poderia ser apenas uma peça que minha mente estava pregando.
— Geralmente, pessoas assim são as que mais têm coisas interessantes para contar.
As palavras de soavam extremamente doce, seria muito difícil aguentar esses cinco anos convivendo com ele se eu continuar sonhando daquela forma.
— Ai que você se engana. — falei com certa animação. — Sou super simples, aquele tipo de pessoa sem novidades e sem muitas coisas para contar.
Ele riu, abaixando a cabeça para fitar a comida e deu uma garfada no seu alimento.
— Por que está rindo? É verdade, eu juro. — levantei os braços em rendição.
— É o que veremos. — ele sorriu novamente.
E o resto daquele momento passou quase voando de tão rápido. Eu não sabia decifrar o que estava sentindo e nem o que tinha acontecido. Por que ele havia sido tão bonzinho comigo? Será que ele sonhava comigo também? Queria tanto poder perguntar. Mas o fato era que eu estava encantada, se é que eu poderia usar essa palavra.
Já eram em torno de oito horas da noite e eu estava na lanchonete. Aquele local com certeza precisava de uma pintura, visto que as paredes próximas das janelas estavam descascando, mas eu jamais falaria isso para o chefe, já que ele era um senhor bem chato.
Eu estava limpando o balcão quando de soslaio, acabei vendo uma silhueta que não saía de meus pensamentos e olhei automaticamente para ele, que já estava com um lindo sorriso nos lábios.
usava uma camisa xadrez vermelha e preta de manga longa, uma calça escura e tênis da mesma cor, seus cabelos jogados, barbas por fazer e como sempre e as mãos no bolso.
— Professor , o que te traz até aqui? — tentei ser o mais simpática possível, mas não posso mentir que sentia meu interior estremecer a cada vez que o via, juntamente com uma sensação estranha de nostalgia.
— Já te pedi para que não me chamasse assim. Faz com que eu me sinta com uns sessenta anos. — fez uma careta, se sentando de frente para mim, justamente onde eu estava limpando.
— Desculpa, vou tentar lembrar disso da próxima vez, prof… ! . Então, o que vai querer hoje? — questionei, deixando o pano com álcool embaixo da pia e voltei minha atenção para ele.
— Vou querer uma cerveja. — ele pediu simples e eu prontamente fui buscar o que ele havia pedido. Em poucos instantes, eu já tinha aberto a long neck e entregado para ele.
— Qualquer coisa você pode me chamar. — fazia parte do meu trabalho, essa coisa de estar sempre a disposição do cliente e tal. Mas por sorte, hoje a lanchonete estava vazia.
— Se não for atrapalhar o seu trabalho, me fazer companhia seria uma boa. — ele sugeriu com uma expressão no rosto que eu não soube decifrar, mas foi o suficiente para que eu aceitasse sem pensar duas vezes.
— Enquanto estiver sem movimento, tudo bem. — respondi sinceramente e ele sorriu. — O que te trouxe até aqui? Além de querer beber uma cerveja, é claro.
Poderia parecer um pouco curiosa, até mesmo inconveniente, mas eu só queria puxar assunto. Tudo bem que o silêncio não deveria ser algo torturante, já que a presença de torna tudo estranhamente mais leve.
— Vim arejar a cabeça, na verdade. Muita coisa acontecendo, a cabeça fica a mil. — ele falou e eu assenti, sabia bem como era isso.
— Acho que entendo perfeitamente o que está falando. — concordei, apoiando no balcão.
Ele não respondeu, apenas balançou a cabeça positivamente e manteve seu olhar sobre mim, me fazendo corar.
Puta merda, por que ele fica me encarando desse jeito? As coisas já são tão difíceis quando ele está por perto.
— Até que horas costuma trabalhar aqui? — Questionou, me tirando do transe com um pequeno susto.
— Meia-noite. Espero o Sr Albert fechar e então vou embora. — fiz uma careta quase imperceptível e ele sorriu.
— Que merda… E como vai embora? — ele voltou a perguntar e eu fiquei brevemente curiosa para saber o porquê de todas essas perguntas vindo dele.
— Normalmente vou andando, minha casa fica a uns quinze minutos daqui. — falei normalmente, vendo um casal entrar no local e prontamente me distanciei. Ainda que gostasse daquilo, precisava trabalhar.
O casal que não parecia ter mais de vinte e cinco anos, foram servidos rapidamente. Tinham escolhido apenas cervejas, como era o costume e então, depois disso, me aproximei de .
— É muito perigoso andar sozinha por aqui, . Não existe outra forma de você ir embora? — isso era realmente uma preocupação, que fofo.
— Não tenho saída, não tenho ninguém para fazer isso por mim e infelizmente não tenho habilitação, nem carro, nem mesmo uma bicicleta.
Ele não respondeu, apenas balançou a cabeça e pude perceber que ele estava pensativo. Eu queria muito saber o que se passava na cabeça dele, queria mesmo. Então, as horas foram passando e faltavam praticamente cinco minutos para fechar o estabelecimento, porém, ainda estava ali.
— , psiu. — Sr Albert me chamou, ele estava próximo a cozinha.
O Sr Albert era um senhor de aproximadamente setenta anos, eu o conheci quando vim procurar emprego há três anos e ele cedeu. Sempre foi bastante respeitador, porém, como veterano do exército, ele era fechado.
— Sim? — questionei, retirando o avental que vestia.
— Precisa dizer ao seu amigo para ir embora. Não estou querendo ser grosseiro com ele por você, mas está bem explícito o horário que fechamos.
Eu não queria problemas então apenas concordei e fui em direção a , mas dessa vez do lado de fora do balcão. Ele estava… Talvez um pouco bêbado? Não sei se duas cervejas seriam o suficiente para deixá-lo bêbado, mas ele estava aéreo.
— ? Nós vamos fechar, estou indo embora. — quando o chamei, parece que ele acordou de um transe e me olhou, dando um sorriso super fofo.
— Acho que eu me perdi no horário. — ele riu, se levantando da cadeira e passando as mãos levemente pela camisa.
— Acontece, é um lugar aconchegante. — acabei rindo junto. — Vou só pegar a minha bolsa.
Fui em passos largos até a salinha onde tinha deixado minha mochila e volto rápido, percebendo que ele tinha ficado me esperando.
— Aqui é aconchegante mesmo. — ele respondeu só quando eu cheguei.
Após isso, caminhamos em direção a saída em silêncio, mas não era nada constrangedor, era um silêncio confortável. Quando chegamos na calçada, me virei para e sorri.
— Eu vou por aqui, até amanhã, . — acenei brevemente e quando ia me virar para caminhar em direção a minha casa, o rapaz segurou meu braço.
Assim que senti o toque dele em meu braço, senti uma espécie de eletricidade percorrer desde o braço até o corpo todo e pude vê-lo com uma roupa medieval, sorrindo para mim. Talvez ele tenha sentido o mesmo, porque soltou meu braço com certa rapidez e balançou a cabeça.
— Eu… Eu… Te levo embora. — ele sugeriu e eu neguei.
— Não precisa, . Faço esse caminho há três anos. — ajeitei a mochila nas costas, ainda um pouco atordoada.
— Eu insisto. — ele novamente sugeriu e eu cedi. Seria estranho se eu não cedesse.
— Tudo bem. — assim que aceitei, novamente ele sorriu e apontou para o seu carro.
Fomos caminhando até o carro que estava estacionado no outro lado da rua, era um carro preto, nada tão chique, mas era bonito. Ele destravou o carro, apontou para que eu abrisse a porta e assim o fiz, entrando no carro logo em seguida.
— Realmente não precisava perder seu tempo me levando em casa. — comecei a falar, enquanto o mesmo ligava o móvel.
— Eu sugeri, . Está tudo bem. Só coloca no meu celular o endereço, por favor. — disse me entregando o celular desbloqueado.
Era estranho porque estávamos agindo como se nos conhecêssemos há muito tempo, era isso o que passava para mim, uma sensação de estar em casa, de conforto.
Deixei o endereço no gps e entreguei novamente o celular para ele, me ajeitando no banco do carro. Ele ligou o rádio enquanto começava a dirigir, era possível notar a música que tocava e eu realmente adorava ela.
— Gosto dessa música. — falei sorrindo, enquanto batucava na própria perna.
Say it's true, it's true
(Dizem que é verdade, é verdade)
And we can break through
(E que nós podemos vencer)
Though torn in two
(Embora partidos em dois)
We can be one
(Nós podemos ser um)
(...)
I will be with you again
(Eu estarei com você novamente)
I will be with you again
(Eu estarei com você novamente)
Enquanto cantava new years day do U2, pude perceber de relance que ele me encarava várias vezes com um sorriso no rosto.
O caminho foi mais rápido do que eu queria, mas enfim estava em casa. Assim que estacionou em frente, eu soltei o cinto e me virei para ele meio sem jeito, não sabia se acenava, estendia a mão, abraçava ou sei lá. Por fim, eu apenas acenei.
— Muito obrigada por ter me trazido, . Você me ajudou muito hoje. — comentei sorrindo, ajeitando a bolsa no ombro.
— Não precisa agradecer, está tudo bem. — ele assentiu e sorriu também.
O carro estava escuro, apenas as luzes da rua iluminavam ali, o que era bem pouco. Sem saber o que dizer, ficamos nos encarando por alguns segundos até que eu saí do transe e abri a porta.
— Tudo bem, até então. — acenei novamente, já fora do carro e ele acenou de volta, dando uma piscadela em seguida.
Fechei a porta e queria morrer. Como pode um ser humano ter pego toda a beleza do mundo para si?
Caminhei em direção a entrada de casa e assim que entrei, pude ouvir o barulho baixo do carro dele saind
Capítulo 3
Londres, 1943
’s POV
(I knew I loved you before I met you
I think I dreamed you into life
I knew I loved you before I met you
I have been waiting all my life)
Uma das coisas mais difíceis das quais tive que suportar, nenhuma delas superaram ver desfalecida no chão do quarto de um paciente, a culpa pairava sobre a minha mente. Eu não deveria ter a deixado sozinha, devia ter pedido para que ela ficasse em casa no final da gestação. A única reação que tive, foi afastar aquele cara de cima dela, o empurrando com toda a força, era literalmente como se a minha vida dependesse disso, porque dependia. O homem foi arremessado para longe e eu me ajoelhei ao lado da minha .
— , amor, pelo amor de Deus, acorde. — Minha voz ecoava no cômodo em puro desespero com a ausência de resposta dela, o que me fez a pegar em meus braços rapidamente e correr em direção a uma sala vazia, gritando algum médico disponível para socorrê-la. — ALGUÉM ME AJUDA AQUI!
Era desesperador, o coração dela havia parado e eu simplesmente estava em extrema agonia. Naquele mesmo instante, comecei a massagem cardíaca nela e outros médicos foram chegando.
— Agora deixe que cuidaremos disso. — um dos colegas que era médico havia chegado, junto com várias pessoas da equipe que trabalhava junto.
Eu estava com meu corpo curvado para o de , massageando seu peito a fim de ressuscitá-la. Eu sentia meus olhos arderem, tinha certeza que estava chorando, percebia a forma que as pessoas me olhavam.
Eu não poderia perdê-la.
— Não! Eu não vou deixá-la aqui. — o desespero batia mais alto e eu continuava a massagem cardíaca. Porém, logo em seguida, um dos colegas acabou pegando meu braço e me afastou dali, pude ver de soslaio outros assumindo os cuidados.
— , você precisa deixar eles cuidarem disso. Mantenha a calma, vai ficar tudo bem. — Richard era um médico mais antigo ali, ele estava no lado de fora da sala comigo, na tentativa de me acalmar, mas era totalmente em vão.
— Ficar tudo bem? Você por um acaso viu como minha esposa está? Chegou a ver o rosto dela? A quantidade de sangue? — falei sem pausa, em puro desespero. — Meu Deus… A bebê… Você precisa ver como a bebê está, por favor.
Ele assentiu e saiu dali, e eu, apenas deixei meu corpo escorregar pela parede e caí sentado, colocando a cabeça entre as pernas e chorando com medo de perder a minha vida. era a minha vida.
New York, 2024
Acordei ofegante como se realmente estivesse chorando, nervoso e preocupado. O sol já batia no quarto e com a claridade era possível ver que Lis dormia ao meu lado. Me sentei na ponta da cama e passei as duas mãos no rosto, eu queria muito saber o que estava acontecendo comigo… Por que essa menina não saía da minha cabeça? Dos meus sonhos? E são sonhos tão reais que eu realmente não acreditei quando a vi pela primeira vez, pensei que minha mente estava me pregando uma peça. Ela era ainda mais bonita pessoalmente, porém, parecia menos feliz.
Olhei ao redor e me situei novamente, estava em 2024, numa casa diferente e com uma mulher diferente da que ocupa meus sonhos. Ao pegar o celular, pude ver que não estava atrasado, daria para tomar um banho tranquilamente antes de ir até a faculdade. Tinha passado duas semanas desde o primeiro dia de aula e eu havia ficado estranhamente próximo de . A sensação de familiaridade, conforto, lar e… Até mesmo… Eu a via e sentia que a amava, era uma sensação diferente. Não sabia como isso era possível e me sinto mal por Lis.
— Ótimo dia. — falei sozinho e levantei da cama, indo em direção ao banheiro.
Tomei um banho rápido, escovei os dentes e me troquei. Tinha decidido me vestir com uma camiseta cinza e calça preta porque eram simplesmente as primeiras peças que vi no guarda roupas. Em seguida, pude ver Lis se espreguiçando e dei um sorriso para ela.
— Bom dia, Lis. — falei, enquanto calçava o tênis.
— Bom dia, meu amor. — ela sorriu.
Lis era uma mulher doce, amorosa, mas também era decidida e guerreira. Estávamos juntos por três anos e recentemente decidimos noivar e morarmos juntos. Ela realmente não merecia que eu a tratasse daquela forma.
— Daqui a pouco estou saindo, vou levar o pessoal para conhecer o hospital hoje. — estava um pouco mais animado que o normal, afinal, eu sabia o quanto aquilo era importante quando se estava na graduação.
— É mesmo? Percebo que está ainda mais animado com a turma desse ano. — a mulher fez um comentário e eu acabei me sentindo um pouco mal, minha animação tinha nome, sobrenome e um lindo sorriso tímido.
— É, talvez um pouco. — concordei, um pouco aéreo.
O silêncio reinou depois disso, eu havia terminado de me arrumar e tinha ido até a cozinha. Tomei um café rápido e segui meu rumo em direção a universidade, após me despedir de Lis.
Já era em torno das dez da manhã quando tinha acabado o assunto que estava lecionando, para finalizar, havia passado também uma lista de exercícios para o pessoal e depois iríamos ao hospital.
Meus olhos percorreram aquelas mesas, mas pararam em uma pessoa específica. estava extremamente entretida naquela lista de exercícios e ao seu lado, um rapaz que aparentemente tentava puxar assunto com ela. Confesso que a aproximação daquele cara me deixou um pouco incomodado, mas quem sou eu para dizer alguma coisa?
Me mexi na cadeira, como se tivesse literalmente algo me cutucando ali. Automaticamente, me levantei de onde estava e caminhei em direção a eles.
— E aí, pessoal. Estão conseguindo fazer os exercícios? — questionei, atraindo a atenção dos dois, que agora olhavam para mim.
— Na verdade, sim, professor. Valeu! — o cara proferiu.
Eu havia esquecido o nome dele e nem foi de propósito, eu só não sou tão bom com nomes, pelo menos não de algumas pessoas em questão.
ficou em silêncio por alguns instantes e me deu um sorriso.
— Estudei bastante disso ontem, então sem problemas até agora. — A forma que ela falava, se expressava, toda calma e fofa, me fazia sorrir junto, mas também me fazia dar cambalhotas por dentro.
Nunca havia sentido isso antes.
Aquele cara que estava ao lado dela, me deixava com uma sensação ruim de verdade.
— Que bom, sabia que mandaria bem. — assenti com a cabeça, a vendo sorrir timidamente e sai dali, engolindo o ciúme e talvez um pouco de orgulho também.
Voltei para perto da minha mesa e virei para a turma novamente.
— Assim que terminarem, deixem os papéis aqui na mesa e vistam o jaleco, daqui iremos até o hospital. — peguei o jaleco na mochila e vesti, para aguardar os alunos.
Logo, pude ver que começou uma certa movimentação e algumas pessoas traziam suas folhas, as deixando na minha mesa, fez o mesmo e voltou onde estava.
Estávamos caminhando pelo corredor de uma das alas menos cheias do hospital, antes de chegar ali, tinha conversado com todos os alunos e os pedi respeito, silêncio e atenção, principalmente.
POV
Estávamos no corredor do hospital e com certeza todo mundo estava extremamente animado por estar aqui, conhecendo o campo onde trabalharemos daqui uns anos. A sensação de estar num hospital ao lado de é totalmente estranha, mas eu tentava me distrair com a nova amizade que havia feito. O nome dele é Richard. Ele deve ter a minha idade, cabelos claros penteados para trás, olhos claros marcantes e um bigode que eu acho particularmente estranho. Também sentia certa familiaridade perto dele, mas não o mesmo tipo de familiaridade que senti com , não chegava nem perto disso.
— Animada? — sai do transe ao ouvir a voz de Richard ao meu lado.
— Com certeza… Estar do outro lado, agora como profissional é totalmente diferente. — comentei, dando um sorriso fraco e desviei meu olhar do dele, podendo ver que me encarava.
Depois que Richard se aproximou, eu pude notar um comportamento diferente vindo de . Talvez fosse coisa da minha cabeça, certa vontade de vê-lo com ciúme de mim, já que os sonhos com ele ainda continuavam, mas talvez fosse verdade. Só que eu carregaria essa dúvida comigo.
Vale ressaltar que desde o dia que o conheci de verdade, sempre vai à lanchonete que trabalho, principalmente próximo do meu horário de saída e me leva para casa, todos os dias.
Que tipo de professor faria isso? Eu não conheço nenhum, além dele, é claro.
— , por que não se inscreve em uma fraternidade? — Richard fez com que eu saísse de meus pensamentos novamente.
— Ah… Eu não sei se teria condições de pagar os gastos mensais. É complicado, você sabe que eu trabalho bastante pra conseguir manter a faculdade e tal. — respondi, ajeitando o jaleco branco em meu corpo.
— Eu sei, estuda a possibilidade e qualquer coisa pode entrar na minha. — eu assenti, voltando a prestar atenção no que dizia.
— Esse costuma ser o lugar mais frequentado pelos enfermeiros, o posto de enfermagem. É aqui que as medicações são preparadas, os prontuários são atualizados e muito mais. Aqui é o ponto chave para nós. — seu olhar caiu sobre mim e eu não pude deixar de dar um sorriso tímido.
Naquele instante, foi possível me lembrar do sonho que tive com ele em um corredor do hospital próximo ao posto de enfermagem, antes de acontecer aquela tragédia.
Continuamos todos acompanhando , ele nos mostrava cada canto daquele hospital, menos o centro cirúrgico. Esse ficaria para outro dia e eu estava animada para conhecer essa parte também.
Já era em torno de 16h e havíamos sido liberados, eu me encontrava na frente do hospital e segurava o jaleco em meus braços, pensando se deveria guardá-lo na mochila ou segurar como estava até chegar em casa.
— O que achou do hospital? — acabei tomando um susto ao ser surpreendida pela voz de logo atrás de mim.
— Meu Deus, . Que susto! — coloco a mão no peito, visivelmente assustada.
— Desculpe, . Não foi a minha intenção. — ele riu baixo, ajeitando a mochila em seus ombros.
— Eu sei. Então, eu adorei o hospital. Sendo bem sincera. — sorri, bastante empolgada com o leque de possibilidades que eu teria para trabalhar. — Me trouxe sensações… diferentes.
Ele balançou a cabeça e respirou fundo, naquele momento, por um breve instante, parecia que ele realmente entendia o que se passava pela minha cabeça e sabia do que eu estava falando.
— Espero que tenham sido boas. — ele sorriu.
O céu estava particularmente azulado naquele dia, não havia nuvens para atrapalhar a claridade, era lindo.
— A maior parte dela, sim. — balancei a cabeça em concordância, sentindo meu celular vibrar no bolso. Era uma mensagem do meu irmão que perguntava onde eu estava e se estava bem. — Bom, tenho que ir. Antes de ir para a lanchonete, tenho que passar em casa, tomar banho e comer alguma coisa.
— Eu te levo embora. — mal terminei de enumerar as coisas que eu ia fazer e ele já se prontificou.
Assim fica tão difícil, .
— Não precisa, … Não quero incomodar. Já não basta todas as caronas que você me dá desde que nos conhecemos de verdade. — fui sincera, não queria ser aquela pessoa que abusa da bondade alheia. Porque essa ação dele é apenas isso, um ato de bondade.
— , eu já te falei que não é incomodo algum. Não me importo em fazer isso, até prefiro. — ele encolheu os ombros, pegando a chave do carro em seu bolso da calça.
— Tudo bem… Por que até prefere? Não entendi. — questionei, aceitando novamente a carona dele.
Fico me perguntando se sou uma pessoa horrível por aceitar esse tipo de coisa, tendo em vista o relacionamento dele. Tudo bem que nunca fizemos nada de errado, tenho certeza que isso nunca passou pela cabeça dele.
— Porque quando te dou carona sei que estará segura.
Não consegui poupar um sorriso e abaixei a cabeça, com certeza havia ficado corada. Ele começou a caminhar e eu fui atrás dele, sem saber o que dizer.
— Por que você tem tanta preocupação com isso? — resolvi perguntar, afinal era uma dúvida genuína.
Caminhamos até o carro por alguns instantes, eu fui em direção a porta do passageiro e ele do motorista. O homem me olhou por cima do automóvel, como se procurasse as palavras certas para usar. Pelo menos era o que parecia.
— Sinceramente, … Eu não sei explicar. Sinto uma necessidade um tanto estranha e enorme de te proteger e te ver bem. Isso deve parecer ridículo, mas eu não suportaria ver algo acontecendo contigo.
Assim que disse aquelas palavras, abriu a porta do carro e entrou, eu logo fiz o mesmo. Ainda em silêncio, dessa vez era eu quem procurava as palavras certas para usar, só que não conseguia.
— Eu não sei o que dizer. — respondi sincera e ele sorriu, saindo com o carro em direção a minha casa.
— Espero não parecer um estranho, não é esse tipo de sensação que pretendo passar. — eu o encarava enquanto ele dirigia, era uma cena particularmente bonita.
— Não parece… Talvez fosse estranho se eu dissesse a você que sinto uma sensação estranha a seu respeito também. Familiaridade, cumplicidade, lar. É esquisito porque eu nunca me senti assim antes. — encolhi os ombros ao criar coragem de dizer aquelas palavras e ele me olhou algumas vezes.
Eu não consegui decifrar o olhar dele, mas ele tinha um brilho diferente e ficava me perguntando o que se passava na mente dele naquele momento.
Acabamos ficando em silêncio depois daquelas palavras, o caminho até em casa não demorou. O som da música no fundo era o que não tornava tudo extremamente quieto. Ele estacionou em frente a minha casa, o lugar que ele já estava acostumado a aparecer.
— Chegamos, mais um dia. — ele disse com um sorriso nos lábios, o sorriso que era capaz de derreter qualquer um.
— Acho que você já veio em casa mais do que alguns familiares.
Ele acabou dando uma gargalhada com o comentário que eu havia feito e respirou fundo, quase no mesmo momento que eu.
— Não sei se isso é uma coisa boa… Digo, por ser seus familiares. Por mim, é ótimo. — tirou o cinto, virando brevemente para o meu lado.
Eu tinha um pouco de medo do que poderia acontecer.
— Na verdade, eu prefiro mil vezes você aqui do que eles.
O sorriso ainda se manteve nos lábios de , eu soltei o cinto de segurança também e fiquei o encarando.
Estávamos numa espécie de transe, era possível reparar que ele olhava meus olhos, em seguida a boca. Eu tinha a impressão que ele queria me beijar, mas não era justo. Ele tinha a Elisa e eu jamais seria a outra, embora sentisse algo por ele.
— Acho que vou querer entrar, assim espero seu horário de ir trabalhar e te levo também. — ele quebrou o transe e eu novamente respirei fundo, mas dessa vez, era um misto de tristeza com alívio.
— Já está se convidando para entrar na minha casa? Que abusado. — brinquei, abrindo a porta do carro para sair e dei a volta no mesmo, o esperando.
— Acho que mereço no mínimo sentar em um sofá confortável e tomar uma água, enquanto espero você. Agora sou enfermeiro/chofer. — ele disse após trancar o carro e me acompanhou.
Aquelas palavras de me arrancaram uma gargalhada.
— Você vai ter um adolescente te enchendo de perguntas e talvez uma mãe fazendo o dobro de perguntas também.
Minha casa era simples, a cozinha era junto com a sala, apenas um balcão dividia os cômodos. Os sofás eram mais velhos, já surrados e a televisão não era tão grande, tínhamos também um vídeo game que meu irmão havia ganhado de uma das minhas tias, mas ele já estava bastante usado. As paredes eram a parte mais nova da casa, porque meu pai havia pintado antes de morrer, porém, já mostrava sinais de que a pintura deveria ser refeita. A cozinha era simples, havia uma mesa pequena que cabia perfeitamente quatro cadeiras e o armário tinha quatro portas. Era onde guardávamos nossos mantimentos. O cômodo de cima era composto por três quartos pequenos, o da minha mãe que raramente entrávamos e também, o cômodo mais simples da casa.
Atualmente, era composta por uma cama de solteiro e um guarda roupa pequeno, as paredes totalmente precisando de pintura e os móveis a serem trocados. Os quartos meu e do meu irmão, eram os mais arrumadinhos. Meus pais faziam questão de que fossem confortáveis e arrumados o suficiente para que vivêssemos bem. O quarto do meu irmão tinha uma tonalidade azul turquesa, a cama era praticamente nova, um guarda roupa pequeno e umas medalhas penduradas na parede. O meu era salmão, eu havia escolhido essa cor porque na minha cabeça, era uma cor feliz. Eu tinha uma fama de casal, a qual já quis trocar com a minha mãe que nunca aceitou, um guarda roupa pequeno, pôsteres de algumas bandas na parede, muitas fotos da minha família, amigos e até minhas perto dos pôsteres, uma estante de livros e um notebook que usava para estudar.
Ao abrir a porta de casa, pude ver sentado no sofá enquanto jogava uma partida de futebol. Ele adorava qualquer coisa que envolvia futebol e provavelmente conseguiria uma bolsa numa boa faculdade por conta desse esporte.
Assim que o garoto me viu entrando com , os olhos dele se arregalaram e o mesmo pausou o jogo. Não sabia como ele iria reagir, porque jamais havia entrado com um rapaz em casa.
— Oi . Esse é o , meu professor da faculdade. , esse é o meu irmão . — apresentei os dois e deixei a mochila no canto ao lado do sofá. — Fique à vontade, , a casa é simples, mas somos receptivos. — olhei de canto para que concordou.
— E aí, . Você joga? — meu irmão começou a puxar assunto com e eu sorri, observando a cena.
Eu aproveitei que eles haviam se entendido bem, já estava numa partida com e fui tomar um banho. Só havia um banheiro em casa, super pequeno, mas dava para o gasto. Meu banho não durou mais que cinco minutos, já que a ideia de que estava em casa jogando vídeo game com o meu irmão me deixava um pouco agitada.
Separei a roupa que iria trabalhar e naquele dia, a roupa era composta de uma camiseta social preta de manga curta, já que era exigência do Senhor Albert que sempre fôssemos de camiseta social pelo menos. Uma saia na metade da coxa também preta, uma meia calça arrastão também preta e um all star preto e branco. Parecia uma emo dos anos 2000, mas adorava aquele estilo. Saí já trocada do banheiro e fui até o meu quarto, me surpreendi ao ver que estava ali, em pé, observando as fotos na parede.
— Esse quarto é a sua cara. — ele comentou, sem tirar os olhos das fotos.
— Você acha? — perguntei e ele concordou com a cabeça.
— Você era mais sorridente. Seu sorriso é lindo, … Deveria sorrir mais. — tenho certeza que meu rosto havia ficado vermelho, agradeci por ele ter mantido os olhos nas fotos.
— Muita coisa aconteceu, acho que perdi o brilho. — fui sincera, procurando uma escova para pentear os cabelos.
— Eu queria muito poder te ajudar a devolver esse brilho. — ele falou, voltando a me olhar.
— Você já faz isso, . E olha que nos conhecemos há pouquíssimo tempo. — dei um sorriso, aquela preocupação que ele tinha era surreal de tão boa para mim.
— Quero fazer mais. Só preciso descobrir como. — ele se aproximou e eu estremeci. A distância era um tanto pequena entre nós dois.
Eu tinha medo do que ele poderia fazer. Eu queria um beijo dele? Óbvio! Mas jamais gostaria que ele traísse a Elisa. Talvez devesse me afastar, dizer que não gosto dessa proximidade, mas eu não sabia o que deveria fazer porque já não sei se conseguiria ficar longe dele.
— … — nossos olhos estavam fixos um no outro e a distância ainda era pequena.
Ele não falou nada, apenas levou a mão direita até a maçã do meu rosto e acariciou com o polegar. Aquele ato me fez fechar os olhos e simplesmente vagar até uma época desconhecida por mim, onde usávamos roupas medievais, novamente.
Quando abri os olhos, tirou a mão de meu rosto e suspirou.
— Me desculpe, . Eu não sei o porquê de ter feito isso. — ele respirou fundo, levemente afobado e andou de um lado para o outro do quarto.
— Está tudo bem e eu estou pronta, já podemos ir. Perdi totalmente a fome. — ele não respondeu nada, apenas balançou a cabeça em concordância.
O caminho até a lanchonete foi silencioso como sempre, mas dessa vez estava um pouco mais tenso que o normal. Eu não sabia se era por causa do que quase aconteceu no quarto ou se ele também conseguiu sentir o mesmo que eu. Mas algo ficou estranho depois daquilo.
— Obrigada por me trazer de novo, não precisa vir me buscar. Eu vou andando. — falei, soltando o cinto de segurança.
— Hoje não vou conseguir ficar aqui, mas meia noite estarei na porta para te buscar. — ele ponderou e eu suspirei, sabia que nada o faria mudar de ideia.
— Tudo bem, então. Obrigada. — antes que eu pudesse sair, me puxou e me deu um abraço desengonçado, juntamente com um beijo na testa.
Aquele ato novamente havia me pegado de surpresa, mas era uma surpresa boa a ponto de me deixar sorrindo como boba.
Me despedi dele e entrei na lanchonete com o sorriso mais bobo do mundo.
— Que cara de boba é essa, menina? — senhor Albert me tirou do transe que eu estava.
— Nada, só… Muita coisa acontecendo. — respondi.
A noite passou praticamente voando, eu estava morta de cansaço. Meus olhos estavam pesando e eu sabia que era só chegar em casa e deitar que eu dormiria em menos de cinco minutos. Ao sair da lanchonete, pude ver encostado em seu carro me esperando e assim que me viu, abriu um sorriso tão lindo, que acabou me fazendo sorrir junto.
— Sempre pontual. — comentei enquanto me aproximava dele. — Nem sei o quanto te agradecer por conta dessas caronas.
— Não precisa agradecer. — ele novamente me deu um beijo na testa e abriu a porta do carro.
Eu dei a volta no mesmo e entrei rápido, encostando a cabeça no banco.
— Dia cansativo? — ele questionou, ligando o carro e saindo em seguida.
— Vida cansativa. — comentei, rindo baixo.
Ele acabou rindo junto e eu encostei a cabeça na porta do carro, sentindo a brisa batendo em meus cabelos e rosto. O caminho como sempre foi silencioso, dessa vez um silêncio confortável. Fiquei com os olhos fechados, porque eu estava bastante cansada naquele dia, mas pude perceber que o carro parou. Porém, me mantive com os olhos fechados para ver o que faria.
— Chegamos, . — ele comentou, olhando rapidamente para mim. — Ela dormiu…
Ele falou baixo, dando uma risadinha.
— Vou te levar para dentro, você merece ser tratada como uma princesa… Merece ser feliz, eu queria muito poder te ajudar com isso, . — a voz foi ficando mais fraca, já que ele estava dando a volta no carro.
O rapaz abriu a porta do carro e me pegou nos braços. Desengonçadamente, eu me deitei nos braços do cara que tomava conta dos meus sonhos e ali, parecia meu porto seguro. Era como se todos os meus problemas tivessem sumido num passe de mágica.
Ele só parou de andar depois que entrou em casa, subiu as escadas e foi até o quarto. Quando ele me deixou na cama, o rapaz tirou meus sapatos, a bolsa que estava em volta do meu pescoço e pendurou, voltando ao meu lado em seguida.
— Boa noite, menina que não sai dos meus sonhos. — ali, eu tive a certeza que ele também sonhava comigo.
Era muito difícil me manter quieta, como se realmente estivesse dormindo. Porém, minutos depois eu acabei dormindo, sem me lembrar se ele acabou falando mais coisas ou se havia ido para casa logo depois.
’s POV
(I knew I loved you before I met you
I think I dreamed you into life
I knew I loved you before I met you
I have been waiting all my life)
Uma das coisas mais difíceis das quais tive que suportar, nenhuma delas superaram ver desfalecida no chão do quarto de um paciente, a culpa pairava sobre a minha mente. Eu não deveria ter a deixado sozinha, devia ter pedido para que ela ficasse em casa no final da gestação. A única reação que tive, foi afastar aquele cara de cima dela, o empurrando com toda a força, era literalmente como se a minha vida dependesse disso, porque dependia. O homem foi arremessado para longe e eu me ajoelhei ao lado da minha .
— , amor, pelo amor de Deus, acorde. — Minha voz ecoava no cômodo em puro desespero com a ausência de resposta dela, o que me fez a pegar em meus braços rapidamente e correr em direção a uma sala vazia, gritando algum médico disponível para socorrê-la. — ALGUÉM ME AJUDA AQUI!
Era desesperador, o coração dela havia parado e eu simplesmente estava em extrema agonia. Naquele mesmo instante, comecei a massagem cardíaca nela e outros médicos foram chegando.
— Agora deixe que cuidaremos disso. — um dos colegas que era médico havia chegado, junto com várias pessoas da equipe que trabalhava junto.
Eu estava com meu corpo curvado para o de , massageando seu peito a fim de ressuscitá-la. Eu sentia meus olhos arderem, tinha certeza que estava chorando, percebia a forma que as pessoas me olhavam.
Eu não poderia perdê-la.
— Não! Eu não vou deixá-la aqui. — o desespero batia mais alto e eu continuava a massagem cardíaca. Porém, logo em seguida, um dos colegas acabou pegando meu braço e me afastou dali, pude ver de soslaio outros assumindo os cuidados.
— , você precisa deixar eles cuidarem disso. Mantenha a calma, vai ficar tudo bem. — Richard era um médico mais antigo ali, ele estava no lado de fora da sala comigo, na tentativa de me acalmar, mas era totalmente em vão.
— Ficar tudo bem? Você por um acaso viu como minha esposa está? Chegou a ver o rosto dela? A quantidade de sangue? — falei sem pausa, em puro desespero. — Meu Deus… A bebê… Você precisa ver como a bebê está, por favor.
Ele assentiu e saiu dali, e eu, apenas deixei meu corpo escorregar pela parede e caí sentado, colocando a cabeça entre as pernas e chorando com medo de perder a minha vida. era a minha vida.
New York, 2024
Acordei ofegante como se realmente estivesse chorando, nervoso e preocupado. O sol já batia no quarto e com a claridade era possível ver que Lis dormia ao meu lado. Me sentei na ponta da cama e passei as duas mãos no rosto, eu queria muito saber o que estava acontecendo comigo… Por que essa menina não saía da minha cabeça? Dos meus sonhos? E são sonhos tão reais que eu realmente não acreditei quando a vi pela primeira vez, pensei que minha mente estava me pregando uma peça. Ela era ainda mais bonita pessoalmente, porém, parecia menos feliz.
Olhei ao redor e me situei novamente, estava em 2024, numa casa diferente e com uma mulher diferente da que ocupa meus sonhos. Ao pegar o celular, pude ver que não estava atrasado, daria para tomar um banho tranquilamente antes de ir até a faculdade. Tinha passado duas semanas desde o primeiro dia de aula e eu havia ficado estranhamente próximo de . A sensação de familiaridade, conforto, lar e… Até mesmo… Eu a via e sentia que a amava, era uma sensação diferente. Não sabia como isso era possível e me sinto mal por Lis.
— Ótimo dia. — falei sozinho e levantei da cama, indo em direção ao banheiro.
Tomei um banho rápido, escovei os dentes e me troquei. Tinha decidido me vestir com uma camiseta cinza e calça preta porque eram simplesmente as primeiras peças que vi no guarda roupas. Em seguida, pude ver Lis se espreguiçando e dei um sorriso para ela.
— Bom dia, Lis. — falei, enquanto calçava o tênis.
— Bom dia, meu amor. — ela sorriu.
Lis era uma mulher doce, amorosa, mas também era decidida e guerreira. Estávamos juntos por três anos e recentemente decidimos noivar e morarmos juntos. Ela realmente não merecia que eu a tratasse daquela forma.
— Daqui a pouco estou saindo, vou levar o pessoal para conhecer o hospital hoje. — estava um pouco mais animado que o normal, afinal, eu sabia o quanto aquilo era importante quando se estava na graduação.
— É mesmo? Percebo que está ainda mais animado com a turma desse ano. — a mulher fez um comentário e eu acabei me sentindo um pouco mal, minha animação tinha nome, sobrenome e um lindo sorriso tímido.
— É, talvez um pouco. — concordei, um pouco aéreo.
O silêncio reinou depois disso, eu havia terminado de me arrumar e tinha ido até a cozinha. Tomei um café rápido e segui meu rumo em direção a universidade, após me despedir de Lis.
Já era em torno das dez da manhã quando tinha acabado o assunto que estava lecionando, para finalizar, havia passado também uma lista de exercícios para o pessoal e depois iríamos ao hospital.
Meus olhos percorreram aquelas mesas, mas pararam em uma pessoa específica. estava extremamente entretida naquela lista de exercícios e ao seu lado, um rapaz que aparentemente tentava puxar assunto com ela. Confesso que a aproximação daquele cara me deixou um pouco incomodado, mas quem sou eu para dizer alguma coisa?
Me mexi na cadeira, como se tivesse literalmente algo me cutucando ali. Automaticamente, me levantei de onde estava e caminhei em direção a eles.
— E aí, pessoal. Estão conseguindo fazer os exercícios? — questionei, atraindo a atenção dos dois, que agora olhavam para mim.
— Na verdade, sim, professor. Valeu! — o cara proferiu.
Eu havia esquecido o nome dele e nem foi de propósito, eu só não sou tão bom com nomes, pelo menos não de algumas pessoas em questão.
ficou em silêncio por alguns instantes e me deu um sorriso.
— Estudei bastante disso ontem, então sem problemas até agora. — A forma que ela falava, se expressava, toda calma e fofa, me fazia sorrir junto, mas também me fazia dar cambalhotas por dentro.
Nunca havia sentido isso antes.
Aquele cara que estava ao lado dela, me deixava com uma sensação ruim de verdade.
— Que bom, sabia que mandaria bem. — assenti com a cabeça, a vendo sorrir timidamente e sai dali, engolindo o ciúme e talvez um pouco de orgulho também.
Voltei para perto da minha mesa e virei para a turma novamente.
— Assim que terminarem, deixem os papéis aqui na mesa e vistam o jaleco, daqui iremos até o hospital. — peguei o jaleco na mochila e vesti, para aguardar os alunos.
Logo, pude ver que começou uma certa movimentação e algumas pessoas traziam suas folhas, as deixando na minha mesa, fez o mesmo e voltou onde estava.
Estávamos caminhando pelo corredor de uma das alas menos cheias do hospital, antes de chegar ali, tinha conversado com todos os alunos e os pedi respeito, silêncio e atenção, principalmente.
POV
Estávamos no corredor do hospital e com certeza todo mundo estava extremamente animado por estar aqui, conhecendo o campo onde trabalharemos daqui uns anos. A sensação de estar num hospital ao lado de é totalmente estranha, mas eu tentava me distrair com a nova amizade que havia feito. O nome dele é Richard. Ele deve ter a minha idade, cabelos claros penteados para trás, olhos claros marcantes e um bigode que eu acho particularmente estranho. Também sentia certa familiaridade perto dele, mas não o mesmo tipo de familiaridade que senti com , não chegava nem perto disso.
— Animada? — sai do transe ao ouvir a voz de Richard ao meu lado.
— Com certeza… Estar do outro lado, agora como profissional é totalmente diferente. — comentei, dando um sorriso fraco e desviei meu olhar do dele, podendo ver que me encarava.
Depois que Richard se aproximou, eu pude notar um comportamento diferente vindo de . Talvez fosse coisa da minha cabeça, certa vontade de vê-lo com ciúme de mim, já que os sonhos com ele ainda continuavam, mas talvez fosse verdade. Só que eu carregaria essa dúvida comigo.
Vale ressaltar que desde o dia que o conheci de verdade, sempre vai à lanchonete que trabalho, principalmente próximo do meu horário de saída e me leva para casa, todos os dias.
Que tipo de professor faria isso? Eu não conheço nenhum, além dele, é claro.
— , por que não se inscreve em uma fraternidade? — Richard fez com que eu saísse de meus pensamentos novamente.
— Ah… Eu não sei se teria condições de pagar os gastos mensais. É complicado, você sabe que eu trabalho bastante pra conseguir manter a faculdade e tal. — respondi, ajeitando o jaleco branco em meu corpo.
— Eu sei, estuda a possibilidade e qualquer coisa pode entrar na minha. — eu assenti, voltando a prestar atenção no que dizia.
— Esse costuma ser o lugar mais frequentado pelos enfermeiros, o posto de enfermagem. É aqui que as medicações são preparadas, os prontuários são atualizados e muito mais. Aqui é o ponto chave para nós. — seu olhar caiu sobre mim e eu não pude deixar de dar um sorriso tímido.
Naquele instante, foi possível me lembrar do sonho que tive com ele em um corredor do hospital próximo ao posto de enfermagem, antes de acontecer aquela tragédia.
Continuamos todos acompanhando , ele nos mostrava cada canto daquele hospital, menos o centro cirúrgico. Esse ficaria para outro dia e eu estava animada para conhecer essa parte também.
Já era em torno de 16h e havíamos sido liberados, eu me encontrava na frente do hospital e segurava o jaleco em meus braços, pensando se deveria guardá-lo na mochila ou segurar como estava até chegar em casa.
— O que achou do hospital? — acabei tomando um susto ao ser surpreendida pela voz de logo atrás de mim.
— Meu Deus, . Que susto! — coloco a mão no peito, visivelmente assustada.
— Desculpe, . Não foi a minha intenção. — ele riu baixo, ajeitando a mochila em seus ombros.
— Eu sei. Então, eu adorei o hospital. Sendo bem sincera. — sorri, bastante empolgada com o leque de possibilidades que eu teria para trabalhar. — Me trouxe sensações… diferentes.
Ele balançou a cabeça e respirou fundo, naquele momento, por um breve instante, parecia que ele realmente entendia o que se passava pela minha cabeça e sabia do que eu estava falando.
— Espero que tenham sido boas. — ele sorriu.
O céu estava particularmente azulado naquele dia, não havia nuvens para atrapalhar a claridade, era lindo.
— A maior parte dela, sim. — balancei a cabeça em concordância, sentindo meu celular vibrar no bolso. Era uma mensagem do meu irmão que perguntava onde eu estava e se estava bem. — Bom, tenho que ir. Antes de ir para a lanchonete, tenho que passar em casa, tomar banho e comer alguma coisa.
— Eu te levo embora. — mal terminei de enumerar as coisas que eu ia fazer e ele já se prontificou.
Assim fica tão difícil, .
— Não precisa, … Não quero incomodar. Já não basta todas as caronas que você me dá desde que nos conhecemos de verdade. — fui sincera, não queria ser aquela pessoa que abusa da bondade alheia. Porque essa ação dele é apenas isso, um ato de bondade.
— , eu já te falei que não é incomodo algum. Não me importo em fazer isso, até prefiro. — ele encolheu os ombros, pegando a chave do carro em seu bolso da calça.
— Tudo bem… Por que até prefere? Não entendi. — questionei, aceitando novamente a carona dele.
Fico me perguntando se sou uma pessoa horrível por aceitar esse tipo de coisa, tendo em vista o relacionamento dele. Tudo bem que nunca fizemos nada de errado, tenho certeza que isso nunca passou pela cabeça dele.
— Porque quando te dou carona sei que estará segura.
Não consegui poupar um sorriso e abaixei a cabeça, com certeza havia ficado corada. Ele começou a caminhar e eu fui atrás dele, sem saber o que dizer.
— Por que você tem tanta preocupação com isso? — resolvi perguntar, afinal era uma dúvida genuína.
Caminhamos até o carro por alguns instantes, eu fui em direção a porta do passageiro e ele do motorista. O homem me olhou por cima do automóvel, como se procurasse as palavras certas para usar. Pelo menos era o que parecia.
— Sinceramente, … Eu não sei explicar. Sinto uma necessidade um tanto estranha e enorme de te proteger e te ver bem. Isso deve parecer ridículo, mas eu não suportaria ver algo acontecendo contigo.
Assim que disse aquelas palavras, abriu a porta do carro e entrou, eu logo fiz o mesmo. Ainda em silêncio, dessa vez era eu quem procurava as palavras certas para usar, só que não conseguia.
— Eu não sei o que dizer. — respondi sincera e ele sorriu, saindo com o carro em direção a minha casa.
— Espero não parecer um estranho, não é esse tipo de sensação que pretendo passar. — eu o encarava enquanto ele dirigia, era uma cena particularmente bonita.
— Não parece… Talvez fosse estranho se eu dissesse a você que sinto uma sensação estranha a seu respeito também. Familiaridade, cumplicidade, lar. É esquisito porque eu nunca me senti assim antes. — encolhi os ombros ao criar coragem de dizer aquelas palavras e ele me olhou algumas vezes.
Eu não consegui decifrar o olhar dele, mas ele tinha um brilho diferente e ficava me perguntando o que se passava na mente dele naquele momento.
Acabamos ficando em silêncio depois daquelas palavras, o caminho até em casa não demorou. O som da música no fundo era o que não tornava tudo extremamente quieto. Ele estacionou em frente a minha casa, o lugar que ele já estava acostumado a aparecer.
— Chegamos, mais um dia. — ele disse com um sorriso nos lábios, o sorriso que era capaz de derreter qualquer um.
— Acho que você já veio em casa mais do que alguns familiares.
Ele acabou dando uma gargalhada com o comentário que eu havia feito e respirou fundo, quase no mesmo momento que eu.
— Não sei se isso é uma coisa boa… Digo, por ser seus familiares. Por mim, é ótimo. — tirou o cinto, virando brevemente para o meu lado.
Eu tinha um pouco de medo do que poderia acontecer.
— Na verdade, eu prefiro mil vezes você aqui do que eles.
O sorriso ainda se manteve nos lábios de , eu soltei o cinto de segurança também e fiquei o encarando.
Estávamos numa espécie de transe, era possível reparar que ele olhava meus olhos, em seguida a boca. Eu tinha a impressão que ele queria me beijar, mas não era justo. Ele tinha a Elisa e eu jamais seria a outra, embora sentisse algo por ele.
— Acho que vou querer entrar, assim espero seu horário de ir trabalhar e te levo também. — ele quebrou o transe e eu novamente respirei fundo, mas dessa vez, era um misto de tristeza com alívio.
— Já está se convidando para entrar na minha casa? Que abusado. — brinquei, abrindo a porta do carro para sair e dei a volta no mesmo, o esperando.
— Acho que mereço no mínimo sentar em um sofá confortável e tomar uma água, enquanto espero você. Agora sou enfermeiro/chofer. — ele disse após trancar o carro e me acompanhou.
Aquelas palavras de me arrancaram uma gargalhada.
— Você vai ter um adolescente te enchendo de perguntas e talvez uma mãe fazendo o dobro de perguntas também.
Minha casa era simples, a cozinha era junto com a sala, apenas um balcão dividia os cômodos. Os sofás eram mais velhos, já surrados e a televisão não era tão grande, tínhamos também um vídeo game que meu irmão havia ganhado de uma das minhas tias, mas ele já estava bastante usado. As paredes eram a parte mais nova da casa, porque meu pai havia pintado antes de morrer, porém, já mostrava sinais de que a pintura deveria ser refeita. A cozinha era simples, havia uma mesa pequena que cabia perfeitamente quatro cadeiras e o armário tinha quatro portas. Era onde guardávamos nossos mantimentos. O cômodo de cima era composto por três quartos pequenos, o da minha mãe que raramente entrávamos e também, o cômodo mais simples da casa.
Atualmente, era composta por uma cama de solteiro e um guarda roupa pequeno, as paredes totalmente precisando de pintura e os móveis a serem trocados. Os quartos meu e do meu irmão, eram os mais arrumadinhos. Meus pais faziam questão de que fossem confortáveis e arrumados o suficiente para que vivêssemos bem. O quarto do meu irmão tinha uma tonalidade azul turquesa, a cama era praticamente nova, um guarda roupa pequeno e umas medalhas penduradas na parede. O meu era salmão, eu havia escolhido essa cor porque na minha cabeça, era uma cor feliz. Eu tinha uma fama de casal, a qual já quis trocar com a minha mãe que nunca aceitou, um guarda roupa pequeno, pôsteres de algumas bandas na parede, muitas fotos da minha família, amigos e até minhas perto dos pôsteres, uma estante de livros e um notebook que usava para estudar.
Ao abrir a porta de casa, pude ver sentado no sofá enquanto jogava uma partida de futebol. Ele adorava qualquer coisa que envolvia futebol e provavelmente conseguiria uma bolsa numa boa faculdade por conta desse esporte.
Assim que o garoto me viu entrando com , os olhos dele se arregalaram e o mesmo pausou o jogo. Não sabia como ele iria reagir, porque jamais havia entrado com um rapaz em casa.
— Oi . Esse é o , meu professor da faculdade. , esse é o meu irmão . — apresentei os dois e deixei a mochila no canto ao lado do sofá. — Fique à vontade, , a casa é simples, mas somos receptivos. — olhei de canto para que concordou.
— E aí, . Você joga? — meu irmão começou a puxar assunto com e eu sorri, observando a cena.
Eu aproveitei que eles haviam se entendido bem, já estava numa partida com e fui tomar um banho. Só havia um banheiro em casa, super pequeno, mas dava para o gasto. Meu banho não durou mais que cinco minutos, já que a ideia de que estava em casa jogando vídeo game com o meu irmão me deixava um pouco agitada.
Separei a roupa que iria trabalhar e naquele dia, a roupa era composta de uma camiseta social preta de manga curta, já que era exigência do Senhor Albert que sempre fôssemos de camiseta social pelo menos. Uma saia na metade da coxa também preta, uma meia calça arrastão também preta e um all star preto e branco. Parecia uma emo dos anos 2000, mas adorava aquele estilo. Saí já trocada do banheiro e fui até o meu quarto, me surpreendi ao ver que estava ali, em pé, observando as fotos na parede.
— Esse quarto é a sua cara. — ele comentou, sem tirar os olhos das fotos.
— Você acha? — perguntei e ele concordou com a cabeça.
— Você era mais sorridente. Seu sorriso é lindo, … Deveria sorrir mais. — tenho certeza que meu rosto havia ficado vermelho, agradeci por ele ter mantido os olhos nas fotos.
— Muita coisa aconteceu, acho que perdi o brilho. — fui sincera, procurando uma escova para pentear os cabelos.
— Eu queria muito poder te ajudar a devolver esse brilho. — ele falou, voltando a me olhar.
— Você já faz isso, . E olha que nos conhecemos há pouquíssimo tempo. — dei um sorriso, aquela preocupação que ele tinha era surreal de tão boa para mim.
— Quero fazer mais. Só preciso descobrir como. — ele se aproximou e eu estremeci. A distância era um tanto pequena entre nós dois.
Eu tinha medo do que ele poderia fazer. Eu queria um beijo dele? Óbvio! Mas jamais gostaria que ele traísse a Elisa. Talvez devesse me afastar, dizer que não gosto dessa proximidade, mas eu não sabia o que deveria fazer porque já não sei se conseguiria ficar longe dele.
— … — nossos olhos estavam fixos um no outro e a distância ainda era pequena.
Ele não falou nada, apenas levou a mão direita até a maçã do meu rosto e acariciou com o polegar. Aquele ato me fez fechar os olhos e simplesmente vagar até uma época desconhecida por mim, onde usávamos roupas medievais, novamente.
Quando abri os olhos, tirou a mão de meu rosto e suspirou.
— Me desculpe, . Eu não sei o porquê de ter feito isso. — ele respirou fundo, levemente afobado e andou de um lado para o outro do quarto.
— Está tudo bem e eu estou pronta, já podemos ir. Perdi totalmente a fome. — ele não respondeu nada, apenas balançou a cabeça em concordância.
O caminho até a lanchonete foi silencioso como sempre, mas dessa vez estava um pouco mais tenso que o normal. Eu não sabia se era por causa do que quase aconteceu no quarto ou se ele também conseguiu sentir o mesmo que eu. Mas algo ficou estranho depois daquilo.
— Obrigada por me trazer de novo, não precisa vir me buscar. Eu vou andando. — falei, soltando o cinto de segurança.
— Hoje não vou conseguir ficar aqui, mas meia noite estarei na porta para te buscar. — ele ponderou e eu suspirei, sabia que nada o faria mudar de ideia.
— Tudo bem, então. Obrigada. — antes que eu pudesse sair, me puxou e me deu um abraço desengonçado, juntamente com um beijo na testa.
Aquele ato novamente havia me pegado de surpresa, mas era uma surpresa boa a ponto de me deixar sorrindo como boba.
Me despedi dele e entrei na lanchonete com o sorriso mais bobo do mundo.
— Que cara de boba é essa, menina? — senhor Albert me tirou do transe que eu estava.
— Nada, só… Muita coisa acontecendo. — respondi.
A noite passou praticamente voando, eu estava morta de cansaço. Meus olhos estavam pesando e eu sabia que era só chegar em casa e deitar que eu dormiria em menos de cinco minutos. Ao sair da lanchonete, pude ver encostado em seu carro me esperando e assim que me viu, abriu um sorriso tão lindo, que acabou me fazendo sorrir junto.
— Sempre pontual. — comentei enquanto me aproximava dele. — Nem sei o quanto te agradecer por conta dessas caronas.
— Não precisa agradecer. — ele novamente me deu um beijo na testa e abriu a porta do carro.
Eu dei a volta no mesmo e entrei rápido, encostando a cabeça no banco.
— Dia cansativo? — ele questionou, ligando o carro e saindo em seguida.
— Vida cansativa. — comentei, rindo baixo.
Ele acabou rindo junto e eu encostei a cabeça na porta do carro, sentindo a brisa batendo em meus cabelos e rosto. O caminho como sempre foi silencioso, dessa vez um silêncio confortável. Fiquei com os olhos fechados, porque eu estava bastante cansada naquele dia, mas pude perceber que o carro parou. Porém, me mantive com os olhos fechados para ver o que faria.
— Chegamos, . — ele comentou, olhando rapidamente para mim. — Ela dormiu…
Ele falou baixo, dando uma risadinha.
— Vou te levar para dentro, você merece ser tratada como uma princesa… Merece ser feliz, eu queria muito poder te ajudar com isso, . — a voz foi ficando mais fraca, já que ele estava dando a volta no carro.
O rapaz abriu a porta do carro e me pegou nos braços. Desengonçadamente, eu me deitei nos braços do cara que tomava conta dos meus sonhos e ali, parecia meu porto seguro. Era como se todos os meus problemas tivessem sumido num passe de mágica.
Ele só parou de andar depois que entrou em casa, subiu as escadas e foi até o quarto. Quando ele me deixou na cama, o rapaz tirou meus sapatos, a bolsa que estava em volta do meu pescoço e pendurou, voltando ao meu lado em seguida.
— Boa noite, menina que não sai dos meus sonhos. — ali, eu tive a certeza que ele também sonhava comigo.
Era muito difícil me manter quieta, como se realmente estivesse dormindo. Porém, minutos depois eu acabei dormindo, sem me lembrar se ele acabou falando mais coisas ou se havia ido para casa logo depois.
Capítulo 4
Love, we loved so many times
And in so many lives, sometimes we got it right
Pain, it found its way back in
Until we meet again into that good night
(Cosmic - Avenged Sevenfold)
Londres, 1943.
Quando eu finalmente despertei, vendo ao meu redor aquelas paredes brancas, barulhos de monitores e dormindo sentado na cadeira ao lado da cama, eu percebi que tinha sido grave, mas que pelo menos eu estava viva. Mas logo veio em minha mente uma outra pessoinha… Minha filha! Passei a mão sobre a barriga e percebi que estava murcha, ainda inchada, mas era perceptível que não tinha mais nada ali dentro.
Comecei a entrar em desespero, porque ao olhar ao redor eu simplesmente não via nada relacionado a nossa filha. Apenas Mason e eu. Apenas o vazio que ela havia deixado em mim.
— ! ! — chamei ele, minha voz estava mais alta e desesperada.
Ele levantou rápido da cadeira, acordando praticamente em um pulo.
— O que foi, meu amor? — ele perguntou, mas sua voz era baixa e com certo pesar.
Eu já sabia o que tinha acontecido, só não queria acreditar.
— Cadê ela? — pergunto com a voz chorosa, vendo a expressão no seu rosto se fechar ainda mais. Ele retirou os óculos e passou as mãos sobre os olhos.
Quando ele retirou os óculos que pude perceber que ele tinha olheiras, não sabia ao certo se era de ficar acordado ou por ter chorado. Talvez os dois.
— Eu… Eu sinto muito, . — ele falou, segurando em minha mão e eu comecei a chorar em desespero.
— NÃO! POR FAVOR… — um grito de desespero saiu de minha garganta, tão alto ao ponto de doer, mas não tanto quanto o meu peito ao perceber a ausência da minha filha.
Ela tinha falecido simplesmente por uma irresponsabilidade minha, eu tinha causado isso e jamais iria me perdoar por tê-la colocado em risco.
New York, 2024
O sol batia em meu rosto, fazendo com que eu me incomodasse com a claridade. O sonho que eu tive nessa noite foi ainda pior, eu acordei com a sensação como se realmente estivesse sofrendo a perda e o luto pela minha filha. Era uma dor dilacerante, parecia apertar meu peito.
A última coisa que veio em minha memória foram as palavras de para mim. Então, ele também sonhava comigo? Por que isso acontecia? Era um tanto estranho.
Aquele dia estava mais gélido, ao ponto de sentir meu nariz gelado como se estivesse andando pelas ruas em um dia de outono, onde a brisa batia sem dó em meu rosto. Essas sensações traziam meu pai na memória, quando ele levantava bem cedo e o sol nem havia nascido ainda, eu o acompanhava até a porta. Era como um ritual meu e dele e acontecia todos os dias e sempre no mesmo horário.
Depois de muito custo, levantei da cama com certa dificuldade, parecia que um caminhão havia me atropelado várias vezes. Tomei um banho e fiz tudo o que se deve fazer pela manhã, obviamente meu rosto necessitava de mais cuidado, então eu passei uma maquiagem de leve, tentando ocultar as olheiras escuras embaixo dos meus olhos.
E então, quando desci até a cozinha pude ver minha mãe e meu irmão sentados na mesa. Meu irmão me encarava com um sorriso travesso nos lábios e minha mãe, um tanto curiosa. Conforme fui me aproximando da cozinha, eles cochichavam, algo sobre ontem que eu não conseguia entender muito bem.
— Bom dia? — perguntei, assim que me sentei na mesa junto com eles e coloquei um pouco de café na xícara.
— estava me falando que ontem a noite o seu professor entrou com você nos braços… — minha mãe falou e eu suspirei, balançando a cabeça em negação. — Ele pediu a permissão para seu irmão, se podia entrar e te deixar na cama, mas o que me deixou intrigada foi o fato dele ser seu professor e estar te carregando nos braços.
— Foi só um mal entendido, mãe. Eu acabei pegando no sono e ele me deixou em casa. Só isso. — na minha cabeça, era basicamente o que tinha acontecido.
— Minha filha, não é normal que um professor te busque todos os dias no seu serviço e ainda te leve para dentro de casa quando você sem querer dorme no carro dele. — minha mãe falou e meu irmão apenas observava a conversa.
— Eu acho que vocês estão sendo extremamente precipitados em pensar qualquer coisa a respeito do . — minha voz saiu baixa e evidenciando que eu estava totalmente na defensiva.
Era ridículo pensar que eu poderia ter algo com ele, afinal, ele estava em um relacionamento, não era simplesmente porque eu não queria, na realidade, eu com certeza teria algo com ele se eu pudesse, mas infelizmente a vida nem sempre é como a gente quer.
— Bem, se você acha que isso não é nada demais… Quem sou eu para pensar diferente? — minha mãe novamente falou e eu suspirei.
— Eu preciso ir, senão vou me atrasar. — dei um longo gole no café, a fim de me livrar daquela situação extremamente chata. — Amo vocês.
Eles concordaram com a cabeça e não falaram mais sobre o assunto. Deixei o copo na mesa e dei um beijo na bochecha dos dois, peguei a mochila e sai pela porta, sem nem olhar para trás.
O caminho da faculdade era o mesmo de sempre, meio distante e era por isso que eu costumava sair mais cedo de casa, para chegar a tempo.
Quando cheguei na sala de aula, pude ver alguns alunos sentados em lugares dispersos da sala e também, em sua mesa, mexendo no celular. Eu me aproximei dele sorrateiramente e logo vi que ele se virou para mim.
A expressão dele se iluminou em um sorriso bonito, mas logo se apagou, como se ele tivesse se arrependido da ação anterior.
— Bom dia, . — comecei a falar, achando um pouco estranho esse tipo de reação vindo dele, mas achei que talvez pudesse ser pura impressão minha. — Eu queria te agradecer por ontem e também pedir desculpas, acabei realmente pegando no sono.
— Não tem problema, . — ele falou e desviou o olhar do meu, voltando a atenção para o celular.
Aquilo com certeza não era normal.
— Tem certeza que está tudo bem? — perguntei novamente e ele soltou o celular na mesa, bufando irritado.
— Não é uma boa hora, . — ele falou, mas sua voz era em um tom baixo para que ninguém ouvisse o que a gente estava conversando. — Eu passei dos limites ontem, não vai acontecer de novo. É melhor a gente se afastar.
Quando ele falou aquilo, eu fiquei um pouco sem reação e até pensei que poderia ser brincadeira dele. Porque no dia anterior, ele me tratou como uma princesa e agora, estava me esculachando.
Eu não queria, mas ao mesmo tempo entendia. Aquela nossa relação e proximidade estranha, estava começando a ficar um pouco descontrolada. E com certeza eu não gostaria de ser “a outra” da história.
— Tudo bem… — eu acabei falando baixo, sentindo um nó na garganta, que praticamente me impedia de engolir a saliva.
— Vem aqui. — ele levantou e segurou devagar em meu pulso, me levando para fora da sala, até a entrada da biblioteca que era ao lado, por sorte, ela estava vazia. — Eu estou confuso, . E sinceramente, não posso fazer isso com a Elisa.
Parte de mim pensava que ele também não queria aquilo, que ele estava numa luta interna, mas também, que tinha escolhido um lado. O lado da noiva dele, era justo. Eu não podia ser hipócrita e pedir que ele me escolhesse, ele ao menos tinha um motivo plausível para isso.
— Você não precisa me explicar nada, . É a sua vida, você decidiu assim… Vamos nos afastar, vai ser melhor assim. — eu acabei concordando, soltando meu pulso de suas mãos.
— … — ele suspirou, tirou os óculos e esfregou uma das mãos no rosto em frustração e na mesma hora, eu me lembrei do sonho, que ele fazia a mesma coisa. Retirava os óculos e esfregava o rosto, era simplesmente horrível lembrar dele, ter todas essas memórias e não ter ideia do que se tratava.
— Está tudo bem, é sério. Eu sei que acabou tomando proporções que a gente não imaginava, você está certo por escolher ela, no final das contas… É a sua noiva.
Eu sentia um misto de emoções e sentimentos, parte de mim queria sair correndo e chorando dali, para os braços da minha mãe porque era tudo muito confuso. A outra parte queria ficar ali e ser superior, fingir que qualquer coisa que ele faça simplesmente não me afeta.
Era a primeira vez que eu entrava na biblioteca desde o primeiro dia de aula. Ela tinha um tom todo amadeirado, prateleiras enormes com muitos tipos de livros, uma escada caracol que guiava para o andar de cima, onde tinha mais prateleiras amadeiradas com vários livros. No centro dela, algumas mesas com cadeiras, outras mesas com computadores e uns banquinhos estilo aqueles de praça.
— Eu escolhi não fazer merda, não magoar a Elisa. Não significa que não tenha sentido nada por você. — ele falou simplesmente, fazendo meus olhos irem de encontro aos dele.
— Por favor, não fale isso. Não fala mais nada disso, eu não quero saber… Não quero ouvir. — em um impulso, eu coloquei as mãos no ouvido e abaixei a cabeça.
Não queria ouvir mais nada que pudesse me deixar pior, pior do que eu já me sentia. Eu sabia que essa aproximação era uma coisa perigosa, por causa do relacionamento dele e dos meus sonhos, mas eu me senti ainda pior quando descobri que ele também sonhava comigo.
— , é sério. — ele colocou as mãos nos meus braços, a fim de tirá-las do meu ouvido.
Mas assim que ele fez isso, pude claramente sentir uma eletricidade percorrendo todo meu corpo. Pude ver ele um uniforme do exército britânico, parecia muito o uniforme da segunda guerra mundial, seus óculos tinham um formato parecido com o atual que eram quadrados.
Ele se afastou e virou de costas para mim, passando as mãos nos próprios cabelos. Era uma frustração que eu percebia que ele também sentia e também pude perceber que ele havia sentido o mesmo que eu, senão não fugiria.
Ao invés de ficar e continuar praticamente discutindo com ele, eu decidi sair correndo daquela biblioteca. Mas infelizmente ao fazer isso, senti meu corpo se chocar com o de alguém e quase ir para o chão, mas eu tinha conseguido me equilibrar.
— Porra. — pude ouvir a voz masculina e então levantei meu olhar até o dono da voz.
Richard.
— Desculpa, eu… Estava com um pouco de pressa. — falei e vi que ele esticou a cabeça para olhar dentro da biblioteca, era possível ver com os braços cruzados e o rosto um pouco avermelhado.
— Está tudo bem? — ele colocou um braço em volta do meu ombro, como se indicasse para caminharmos para a sala, mas pude ver que seu olhar ainda estava em , dando um sorriso superior para o homem.
Eu não entendi aquela ação dele, mas também não me preocupei em perguntar. Eu era grata ao por todas as caronas que ele me dava, por todas as vezes que ele me ajudou. Mas tinha acabado dessa vez.
— Está sim. — assenti, caminhando em direção a sala de aula junto com ele.
— Escuta, pensou a respeito da fraternidade? — Richard perguntou e eu fiz uma careta.
Eu não sei se deveria sair da minha casa, onde cresci, todas as minhas lembranças estão lá.
— Acho que eu passo, pelo menos por enquanto. — falei sincera, me sentando em um lugar no meio da sala. Queria o mínimo de contato possível com .
— Tem certeza? — ele perguntou e eu assenti, irrefutável pelo menos por enquanto.
Eu ia responder, mas pude ver entrando na sala. Sua expressão era fechada, não precisava conhecer para saber que ele estava irritado.
— Alguém está irritadinho hoje. — Richard sussurrou, eu fingi um sorriso e suspirei.
Aquela merda de aula ia ser longa.
— Você trabalha hoje, ? — Richard chamou minha atenção novamente, enquanto eu tirava minhas coisas da mochila.
— Sim, trabalho todos os dias. Raramente tiro folgas, às vezes só no domingo. — encolhi os ombros. Sabia que o meu horário de serviço era meio ridículo, mas eu tinha combinado com o Sr. Albert daquela forma, para que eu pudesse receber um pouco mais.
— Você trabalha demais. — ele falou novamente, descansando as costas na cadeira e olhando na minha direção. — Sábado a noite vamos fazer uma festa na fraternidade que eu moro, tenta aparecer lá.
— Sério? Vai ser a minha primeira festa desde… Sempre. Pelo menos esse tipo de festa.
Fui sincera e ele riu, concordando. Logo, começou a falar sobre a matéria e sua cara era de poucos amigos. Eu não podia fazer nada, a escolha partiu justamente dele.
O resto da aula passou como todos os outros dias, super maçante e cansativa. Mas pelo menos tinha acabado. Já era em torno de cinco horas da tarde e eu estava em frente a televisão, sentada ao lado do meu irmão enquanto comíamos pipoca.
— Você está quieta hoje. — meu irmão falou, fazendo eu sair do transe.
— Um pouco chateada. — falei, levando um punhado de pipoca até a boca.
— Por quê? — ele se virou, esquecendo a televisão na nossa frente e me encarou.
— Não é nada demais, só que eu e o decidimos nos afastar. — falei, olhando de canto para ele, enquanto comia a pipoca.
— Mas se vocês se gostam, por que se afastar? — ele perguntou como uma criança curiosa.
— Ele é comprometido. — falei simplesmente e me levantei.
Tinha voltado a sentir um nó na garganta, estava muito triste porque toda vez que eu lembrava dele, dos nossos sonhos, principalmente o de hoje… A situação só ficava pior.
As horas foram se passando e agora, eu já estava praticamente no horário de ir embora do serviço. Por sorte tinha sido uma noite movimentada, muitos atendimentos, quase não parei. Mas também pude perceber que pela primeira vez desde que eu conheci o , ele não veio aqui e não ficou me esperando até eu sair.
No fundo, eu sabia que ele não faria isso. Ele não tinha motivos para vir aqui, me dar carona até em casa.
Minha bolsa já estava nas costas e eu tinha saído da lanchonete. Porém, quando começo a caminhar vejo o carro preto de estacionado do outro lado da rua e ele encostado no carro.
Fico ponderando a ideia de ignorar ele e seguir meu caminho ou então, ir até lá e ver o que ele tem para dizer. Acabo decidindo a primeira opção, meu coração doía por fazer isso, mas tudo o que eu menos precisava agora era estar num carro fechado com ele.
Continuo caminhando por mais alguns instantes, até perceber o carro dele andando quase colado na guia, a rua já estava escura e vazia. Um cenário quase de terror.
— Entra no carro, . — sua voz era mandona e eu fingi que não ouvi.
Ele continuava a me acompanhar com o carro, andando devagar.
— , para de graça e entra no carro. — ele falou novamente, parecendo impaciente e eu não respondi, também não olhei para ele. — Não seja infantil. !
Quando ele me chamou de infantil, parei de andar e me virei para olhá-lo, apoiando na porta do carro.
— O que você quer, ? Estava certo que nós iríamos nos afastar. Por que você está aqui? — perguntei, com a sobrancelha franzida.
Eu tinha o encarado novamente, eu não conseguia decifrar o olhar dele, parecia um misto de sentimentos.
— Vim te levar para casa, como falei que ia fazer todos os dias. Já disse que é perigoso você andar sozinha por aqui nesse horário. — ele falou com a maior calma do mundo, fazendo eu me irritar.
— Você não tinha que fazer isso. — suspirei, abaixando um pouco a guarda.
— Eu sei, mas eu quis. Entra aí. — ele falou, destravando a porta do carro e eu, depois de muita luta interna, caminho até a porta do passageiro e entro, colocando o cinto de segurança.
O carro escuro me impossibilitava de ver o rosto dele, mas também era bom porque ele não conseguia ver o meu. O caminho tinha sido silencioso, nem mesmo o rádio estava ligado naquele dia.
Eu não queria discutir, ele parecia não querer também, mas estávamos numa situação um pouco… Difícil.
Assim que ele estacionou na frente de casa, eu soltei o cinto e abri a porta, mas antes de descer eu o observei mais um pouco, pela última vez naquele dia.
— Obrigada pela carona.
Eu ia me levantar para sair do carro, mas fui impedida por uma mão segurando meu pulso novamente. Suspirei e me virei para ele novamente.
— Você… Você pode até não entender o porquê de eu estar fazendo tudo isso, mas eu espero que um dia eu consiga te explicar. , você ocupa a minha cabeça mais do que imagina, mas eu não posso fazer isso antes de finalizar qualquer outra coisa que eu tenho com outra pessoa. — seu olhar era fixo em mim, o rosto dele era iluminado apenas pelas luzes da rua e eu pude ver verdade em seus olhos.
Eu não sabia como e nem o porquê, a gente tinha algum tipo de conexão estranha que eu não entendia, mas comecei a pensar que talvez devesse investigar sobre esses sonhos que tenho com ele.
— Tudo bem… Boa noite, . — eu acenei e segui o meu caminho, sem mesmo olhar para trás.
Se tem algo que eu preciso fazer, é: Colocar todos os meus pensamentos no lugar, lidar com meus sentimentos e tentar o máximo possível descobrir sobre esses sonhos, para conseguir tirar o da minha cabeça.
Capítulo 5
Even if we'd met on a crowded street in 1944
And you were headed off to fight in the war
You still would've been mine, we would have been timeless
(Taylor Swift - Timeless)
Londres, 1944
Um ano havia se passado desde o fatídico dia que eu e havíamos perdido nossa filha naquele acidente do hospital, foi um ano complicado, mas as coisas entre nós continuavam boas. Nós nunca tivemos problemas, no geral. Estávamos em janeiro, para ser mais exato no dia vinte. A segunda guerra mundial ainda a todo vapor, Hitler com suas tropas avançavam por alguns países, perdia força em outros, mas era uma guerra que parecia não ter fim. Tanto eu, como fomos chamados pelo exército para ajudarmos as tropas britânicas e aquela era para ser a nossa última noite juntos em casa. Sendo bem sincero, eu não queria ir, ter que largar a minha familia aqui para lutar uma guerra que teoricamente não era minha, era complicado.
— ? — a voz de ecoou pelo cômodo, eu estava experimentando a roupa que eu usaria.
Era uma farda, uma tonalidade marrom claro e um chapéu com uma cruz vermelha na cabeça, era o que me diferenciava dos outros. Ela entrou no quarto e eu rapidamente sorri, ela usava um vestido amarelo claro, apertado até os quadris e solto nas pernas, evidenciava a curvatura do seu corpo, a deixando ainda mais bonita. Como se fosse possível.
— Oi, minha linda. — me aproximo dela, levando a mão até a cintura e em um único movimento, a puxo para perto de mim.
— Você ficou incrível com esse uniforme. — ela falou e eu ri baixo.
Direcionei minha cabeça até a curvatura do pescoço dela e sem muito esforço, o perfume dela adentrou minhas narinas, me dando uma sensação inebriante. Podíamos estar juntos há um tempo, mas sempre me causou efeitos que eu nunca soube explicar, era como se literalmente tivéssemos sido feitos um para o outro. Pude notar que a pele dela se arrepiou com o meu toque e aquele pequeno ato, se tornou ainda mais convidativo, me incentivando a continuar e ir além.
— E você, está linda com esse vestido. Mas eu prefiro você sem nada. — falei próximo ao ouvido dela, que inclinou sutilmente a cabeça na direção oposta, eu aproveitei e mordisquei o lóbulo da orelha dela, e desci para o pescoço, fazendo uma trilha de beijos, até novamente a curvatura, mordendo levemente aquela extensão.
Pude ouvir um gemido baixo saindo dos lábios dela e então, a peguei em meus braços sem muito esforço e a coloquei na cama, ficando por cima dela e apoiando os braços um de cada lado da cabeça dela. Ela sorriu e eu, guiei meus lábios até o dela, tomando os para mim de uma vez por todas. Nossas línguas se encontraram sem pudor algum, elas se entrelaçavam e faziam um tipo de ritmo frenético e cheio de luxúria. Enquanto a gente se beijava, levei a mão até as costas dela, soltando aqueles botões com certa urgência, até que ficasse solto o suficiente para que eu retirasse com facilidade. Assim que o fiz, ela levantou o corpo, e eu tirei aquela peça que ela vestia, jogando para qualquer canto do quarto. Ela, que agora só estava vestida com uma calcinha, se sentou na cama de uma forma desengonçada, quebrando o beijo e começou a desabotoar a minha roupa. Com uma urgência ainda maior, eu comecei a ajudar ela e me livrei de peça por peça, até mesmo da cueca e ela por último, retirou a calcinha.
Eu voltei a deitá-la na cama e minhas mãos foram automaticamente para um dois seios dela apertando levemente, enquanto o outro, eu abocanhava sem dó. Minha língua brincava com o mamilo eriçado dela, chupando vez ou outra. Meu corpo se arrepiou por inteiro quando ela começou a arranhar minhas costas, a ereção já era notória, sentia meu pau encostando na pele quente da coxa dela.
Novamente, uma trilha de beijos foi feita pelo abdômen dela, juntamente com alguns chupões. Não me preocupava se poderia ficar marcado, até porque ela era minha. Ao chegar no monte de vênus, levantei meu olhar para ela, que me olhava com certa euforia. Desci mais um pouco e então, molhei com a própria saliva o dedo médio e anelar, e introduzi nela, levando a minha língua na região do clitoris dela.
Movia os dedos com certa rapidez para dentro dela, assim como a língua percorria toda a extensão do clítoris dela. A forma que ela gemia e se contorcia com as investidas que eu dava com os dedos e a língua, só me deixava ainda mais duro. Queria estar dentro dela, mas só depois que ela estivesse devidamente molhada.
O quadril dela se movia no movimento contrário ao que eu fazia com os dedos, ela grudou uma das mãos em meus cabelos e eu já conseguia sentir meu pau pulsando, querendo mais dela. Não demorou muito e ela começou a gemer mais alto e se contorcer mais um pouco, chegando ao clímax. Eu aproveitei e suguei todo o líquido dela e me levantei, me inclinando sobre ela novamente. ainda estava com a respiração ofegante, mas ela tinha decidido tomar a frente da situação. Pude sentir as mãos dela sobre meu peito, me empurrando para a cama. Então, eu me deitei e ela se ajeitou sentando em minha cintura. Ela começou a esfregar a entrada da boceta molhada dela em meu pau, fazendo com que eu apertasse a cintura dela com força e soltasse um suspiro.
— Puta merda, … Você é tão gostosa. — falei, minha voz havia saído mais rouca e baixa, por conta da excitação que tinha tomado conta do meu corpo. Essa mulher me deixava louco.
Ela nem mesmo respondeu, mas ao perceber ainda mais a minha excitação, ela sentou no meu pau de uma vez. Um gemido rouco saiu dos meus lábios e eu apertei forte mais uma vez o quadril dela. Ela se movia com excelência em meu colo, eu aproveitei e distribuí alguns tapas na bunda dela, antes de levar uma das mãos até um dos seios de .
Apertava e massageava os seios dela, sentindo o tesão percorrer por todo meu corpo. A sensação do meu pau sendo engolido pela boceta apertada dela me deixava praticamente extasiado. Os movimentos dela eram precisos, se levantava e encaixava novamente nele e quando estava lá embaixo, ela dava uma rebolada, assim, ambos sentíamos uma excitação ainda maior. Retirei a mão do seio dela e voltei para a cintura dela, descendo para o quadril logo depois, forçando ela em cima do meu colo, assim como o meu quadril para cima.
E então, eu sabia que estava chegando em meu clímax. Ela também percebeu, porque intensificou a rebolada que ela dava em meu colo. Meu corpo se moveu com certo descontrole, chegando no meu clímax…”
New York, 2024
Quando finalmente despertei daquele sonho, eu esfreguei as mãos no rosto em frustração. Os sonhos estavam se tornando cada vez piores — ou melhores, dependendo da situação. Eu estava duro. Me virei na cama e vi Elisa dormindo ao meu lado, aquela situação precisava acabar. Eu só não sabia como. Ao me levantar da cama, fui diretamente ao banheiro, um banho frio com certeza me faria bem.
O maior problema, seria encontrar depois daquela merda de sonho. Eu tenho certeza que iria olhar para ela e lembrar do sonho, lembrar dos gemidos, da pele dela arrepiada com o meu toque e o corpo dela totalmente sem roupa.
Merda, eu preciso parar de pensar nela desse jeito.
Depois de quase vinte minutos tomando um banho frio, eu pude sair de lá com mais tranquilidade. Ao sair do banheiro, vi que Elisa ainda estava dormindo, eu não iria acordá-la, mas estava decidido que conversaria a respeito do que estou sentindo. Coloquei uma calça preta, camisa marrom e um tênis preto, era o suficiente.
Eu tinha chegado um pouco mais cedo na universidade hoje, aproveitei o vazio da sala para tentar colocar meus pensamentos no lugar. Não conseguia entender o motivo de ter esses sonhos com , nem mesmo o porquê dela estar sempre na minha mente. Foi algo que eu não consegui evitar, nem mesmo controlar.
Alguns alunos chegaram, mas ainda não estava na hora da aula começar. Então, deixei minha mochila na mesa e decidi sair dali. Fui até a biblioteca e comecei a andar pelo local, procurando algum livro, mas sem saber ao certo qual era. Porém, fiquei estático quando vi um pouco distante em uma das mesas, ela estava concentrada em alguma coisa a sua frente, provavelmente um livro. Não pude evitar de ficar olhando ela por alguns instantes, a menina mexeu nos cabelos, deixando o pescoço à mostra e eu automaticamente me lembrei do sonho.
Comecei a lembrar do cheiro que emanava, da textura da pele dela e também… Dela em meu colo, essa com certeza era uma cena que eu jamais iria esquecer.
Me xinguei mentalmente quando bati em uma das prateleiras, fazendo um livro cair. Ela se assustou e olhou na minha direção. Pude ver seus olhos se arregalando e logo ela virou para o livro novamente. Pude perceber também que ela começou a mover uma das pernas, parecendo ansiosa.
— Bom dia, . — quebrei o silêncio e caminhei na direção dela.
Era exatamente o contrário do que eu deveria fazer, mas meu corpo não obedecia às ordens da razão quando tudo se dizia a respeito dela.
— Bom dia… — ela falou e a voz dela era baixa. Ela não olhou para mim nem por um instante.
Fiquei ao lado da cadeira que ela estava sentada e apoiei uma das mãos no encosto, observando o livro que ela lia.
— Bruxas? — perguntei, curioso.
— Sim, é um assunto interessante… Você não acha? — ela perguntou, sem me encarar.
— Talvez um pouco. — respondi, vendo que ela parecia me evitar.
Eu era mesmo um idiota. Primeiro pedia para ela se afastar, depois eu mesmo me aproximava dela. Olhei no relógio e por sorte, havia dado o horário de começar a aula, ela percebeu o mesmo já que fechou o livro e se levantou.
Eu não me movi, então quando ela ficou em pé, seu corpo ficou um pouco mais próximo do meu e eu quase vacilei. Minha vontade era de jogá-la naquela mesa e fazer o mesmo que tinha feito naquele sonho. Era possível sentir o perfume dela, doce… Assim como ela.
— Você vai realmente ficar parado aí? — ela perguntou, segurando os livros no braço enquanto me encarava.
— Foi mal, eu viajei. — dei alguns passos para o lado, deixando com que ela saísse dali e suspirei, sentindo falta dessa pequena proximidade.
— Tudo bem… Sabe, essas suas mudanças de humor ainda vão me deixar louca. — ela falou e eu voltei a encará-la.
Por alguns instantes, eu simplesmente não respondi nada. Fiquei apenas olhando o rosto dela, vidrado, como se fosse um dos espetáculos mais bonitos de Beethoven, um dos quadros mais bonitos de Van Gogh.
— Parece que mesmo quando eu quero, não consigo ficar longe de você. — falei simplesmente e pude perceber que ela abaixou a cabeça.
Minha vontade era de me aproximar dela, mas não podia. Simplesmente não dava.
— Para com isso. — ela pediu e virou as costas, andando rápido até a saída da biblioteca.
Eu não podia simplesmente reclamar dela por estar fazendo isso, até porque o único motivo de estarmos nessa situação é o meu relacionamento com a Elisa. Mas ao mesmo tempo, sinto que é uma merda simplesmente terminar meu relacionamento com ela como se não tivéssemos ficado há um bom tempo juntos.
Eu caminhei em direção a saída, deixando a em paz. Ia seguir minha palavra, ou pelo menos tentar novamente não ficar me aproximando muito, pelo menos até decidir o que fazer. Quando entrei na sala, vi conversando com o Richard novamente, eles pareciam estar em uma conversa engraçada, porque ela ria bastante.
Aquela cena me deixou bastante enciumado, eu tinha vontade de pegar aquele moleque pela gola da camiseta e chutar ele daqui… Não sei o porquê, mas a sensação de que deveria ser só minha era muito grande.
— Bom dia, galera. Quero fazer alguns testes com vocês a respeito das aulas passadas… — cheguei falando, atraindo a atenção de todos que estavam ali. — Vou sortear alguns nomes e pedir para fazer algum procedimento que vimos, pode ser em mim mesmo.
Eu sugeri, tentando não deixar a aula tão chata e maçante. Essa época de aulas, acabam sendo bastante complicadas, porque são assuntos complexos.
Chamei alguns alunos que fizeram alguns procedimentos, já estava praticamente acabando os alunos e então, chamei a última pessoa que faltava. Eu deixei ela por último de propósito, já que quem terminasse podia ir embora.
— … — disse, vendo ela se aproximar de mim. — Você pode fazer ausculta cardíaca e pulmonar?
Ela assentiu e pegou o estetoscópio na mochila. Não posso negar que ela era muito boa no que fazia.
Eu me sentei na cadeira e fiquei ali, esperando para que ela fizesse as auscultas.
— Eu vou precisar erguer um pouco a sua camisa. — ela falou e eu desabotoei alguns botões, deixando parte do abdômen à mostra.
— Posso deixar assim ou quer que eu abra mais? — ela pareceu um pouco desconcertada e eu ri baixo.
— Assim está bom. — ela sorriu fraco e se aproximou de mim.
Ela começou a examinar e eu fiquei quieto, para que ela conseguisse fazer direito. Aquela proximidade estava acabando comigo, com certeza meu coração tinha se acelerado quando ela se aproximou um pouco mais para ouvir as duas partes.
— Você está taquicárdico. — ela falou, dando uma risadinha sem graça e eu acabei sorrindo junto. — Duas bulhas cardíacas normofonéticas e murmúrios vesiculares presentes, professor.
— Perfeito, . Menos na parte taquicárdico, eu sou atleta. — respondi, com um tom mais leve. — O que significam esses termos?
— Significa que eu consegui ouvir o tum-tá do seu coração e que seu pulmão está limpo. — ela explicou, guardando o estetoscópio na bolsa. — Ah, e a taquicardia é porque o coração estava aceleradinho.
— Muito engraçada, . Mas você acertou as três. — sorri, guardando as coisas na mochila. Eu não iria embora por conta da reunião, mas não ficaria na sala.
— Vou aproveitar que você me liberou mais cedo e vou descansar um pouco. Até mais, . — ela acenou, ainda meio sem jeito e foi se afastando de vez, fazendo com que eu novamente sentisse falta da presença dela.
— Até a noite, . — eu disse e segui em direção da sala dos coordenadores, onde teria uma reunião a respeito das aulas e matérias.
Já era noite, eu estava em casa e estava próximo de buscar . Eu sempre faria isso, nunca iria mudar. Elisa estava no sofá ao lado e eu a encarei, pensando que poderia ser a chance para conversarmos.
— Lis… — comecei a falar e ela me olhou. — A gente precisa conversar. Ela pareceu incomodada, mas logo desfez a cara de dúvida e sorriu.
— Claro, deixa eu só terminar um negócio. — ela falou e voltou a olhar o celular.
Bons minutos se passaram e ela enrolou aquele tempo todo, tinha dado a hora de buscar , então eu levantei e segui em direção da saída. Eisa falava no celular com alguém e eu não quis incomodar. Já era tarde e eu queria levar embora em segurança.
Quando cheguei em frente da lanchonete, pude ver que ela conversava com o tal velho Albert e quando me viu, ela pareceu tímida e acenou para o senhor, correndo até o carro e entrando logo depois.
— Boa noite. — falei, olhando para ela enquanto ela se ajeitava e sorri, dando partida no carro para sair novamente.
— Boa noite. — ela respondeu e ficou olhando para o lado de fora.
Mesmo dirigindo, é perceptível quando alguém te olha e eu via que não me olhava direito. Parecia me evitar a todo custo. Quando chegamos na frente de sua casa, ela suspirou e virou para mim.
— Lar doce lar. — falei, depois de estacionar o carro.
— Obrigada por isso, . — ela continuou me encarando e eu, sem quebrar o contato visual.
Inconscientemente, nós começamos a aproximar ambos os corpos. Minha mente cantava um coro de aleluia. Minha mão foi até o rosto dela, mas quando estava prestes a encostar ambos os lábios, o cinto travou e ela tomou um susto, talvez percebendo o que nós estávamos quase fazendo.
— Eu… eu estou indo. Tchau, . — ela abriu a porta do carro e saiu correndo dali.
Já eu, fiquei alguns instantes pensando no beijo que eu e ela poderíamos ter dado se não fosse aquela porcaria de cinto de segurança.
Continua...
Nota da autora: Oi pessoal, como vocês estão? Queria agradecer por vocês terem chegado até o final. Espero que estejam gostando e peço perdão pela demora pra att, demorou, mas veio.
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