Última atualização: 10/10/2019

Prólogo

“I knew we had something from the moment I met you...” (Shakira – 23)

Hampsted Lane, Londres, Inglaterra, sábado, 7 de janeiro de 2017

Sabe aquele momento do filme de comédia romântica adolescente em que os personagens principais cruzam os olhares numa festa? Ou ele ou ela chegam na festa e o outro que já está lá o vê e toda aquela coisa de ficar interessado e sentir que os dois terão alguma coisa?
Eu achava que isso era coisa de filme adolescente e nunca aconteceria na vida real.
Até que aconteceu.
Comigo.
Eu não costumava ser uma pessoa com muita crença em amor e coisas do tipo, apesar de saber que existe e é real, não achava que fosse algo pra mim. Eu já estava sozinha há um tempo (na questão de relacionamentos, porque casos de uma noite aconteceram bastante) e até mesmo tinha ouvido que existem pessoas que nasceram pra ficar sozinhas, que nunca encontravam alguém com quem aquela conexão sentimental/romântica acontecesse de verdade. E eu estava convencida de que era uma dessas pessoas.
E eu estava muito bem acreditando nisso, ainda que por diversas vezes eu questionasse o motivo de não ter a chance de estar com alguém de forma completa e verdadeira, porque eu queria algo assim pra mim. Mas eu tentava aceitar, afinal, eu ainda estava solteira e sem nunca ter sentido uma ligação emocional verdadeira, então talvez fosse mesmo verdade que há pessoas destinadas a ficarem sozinhas, eu poderia sobreviver sendo solteira.
Ser solteira não é ser totalmente sozinha, em todo caso.
Bom, talvez eu apenas quisesse acreditar ferrenhamente nisso, porque uma pessoa que tivesse convicção em ser solteira eternamente não sentiria falta de ter alguém consigo ou sentiria vontade de ter uma conexão real e romântica com alguém, apenas viveria plenamente bem, aproveitando sua vida de solteira e sua liberdade de ficar com quem quisesse e estivesse plenamente interessado ao invés de ficar remoendo esses pensamentos de encontrar um par romântico e alguém pra dividir uma vida junto.
Eu estava na casa de uma nova companheira de time, Ramona Bachmann, e outras pessoas que eu não conhecia estavam por lá também. Eu estava no Chelsea há apenas quatro meses, mesmo que tivesse começado na base do time, mas fui vendida ao Brighton aos dezenove e fiquei lá por três temporadas até me recontratarem. Ramona estava conosco há sete dias, ainda que tivesse assinado seu contrato em dezembro e nós já a conhecêssemos de antes, enfrentamos o Wolfsburg e a Suíça, e também já tínhamos sido apresentadas formalmente quando ela assinou com o time e fez os exames médicos.
Aquela reunião era uma forma de unir o time ainda mais, novas jogadoras que estavam chegando à equipe, além de algumas saídas, e nossa missão era começar a colocar o nome do time feminino do Chelsea entre os grandes, fazer desse time um time vencedor e reconhecido mundialmente como o time masculino do Chelsea. Precisávamos ser amigas, ter intimidade e nos conhecer, o extracampo ajudaria muito durante treinamentos e jogos.
Eu conhecia algumas das minhas novas companheiras de time, porque já tínhamos nos enfrentado quando eu ainda jogava pelo Brighton ou por jogarmos juntas na seleção inglesa, então eu estava mais familiarizada à maioria delas do que a Ramona, que vinha da Suíça e tinha jogado na Alemanha antes.
Quando nos conhecemos pessoalmente, eu sabia que seríamos grandes amigas, porque compartilhamos de várias coisas em comum, como descobrimos nesses poucos sete dias de convivência. Ramona era a minha versão suíça, como algumas das nossas companheiras de time acabaram por decretar um tempo depois. E quando nos juntávamos a outras duas das nossas companheiras de time, as coisas eram sempre agitadas.
Pois bem.
Estávamos em grupo, em pé perto de uma parede, bebíamos e conversávamos como sempre: Bethany, Millie, Fran, Karen, Claire e eu. E naquele momento eu estava rindo de alguma coisa idiota que a Bethany tinha dito, porque sempre estávamos falando coisas idiotas quando estávamos juntas, e eu olhei na direção da porta enquanto ria.
E lá estava ela.
Foi exatamente como os filmes descrevem: o tempo desacelerou, as vozes das pessoas e a música ficaram abafadas, era como se tudo ao meu redor fosse um borrão e a única coisa que eu podia ver claramente era ela.
A mulher mais linda que eu já tinha visto na vida.

- Você precisa de um babador, ? – ouvi Bethany provocar.
A típica frase de filme quando isso acontece.
- Acho que ela prefere a convidada que acabou de chegar. – foi a vez de Millie falar rindo.
Outra típica frase de filme.
- Ela é linda, eu não tenho culpa. – respondi dando de ombros, desviando os olhos da bela mulher que tinha acabado de chegar.
- Ela é a novata do Arsenal, não é? – Fran perguntou olhando rapidamente para a direção em que Ramona estava conversando animada com a mulher que tinha acabado de chegar. – Veio da Juventus, se não me engano. Joga muito.
- Não faço ideia, mas ela é linda. – respondi, tomando um gole da cerveja que tinha em mãos, e voltei meu olhar na direção em que ela estava.
Linda.
Mas mesmo tendo sido desse jeito, eu sei que não me apaixonei à primeira vista. Na verdade, eu nem acredito que isso possa acontecer de verdade. Paixão, segundo o dicionário, é um sentimento intenso a ponto de ofuscar a razão de quem a sente. E não foi isso que senti quando coloquei meus olhos nela quando a vi entrar na casa da Ramona. O que eu senti foi interesse, porque ela é linda e é como disseram em algum filme que eu não recordo agora o nome, ninguém se apaixona pela sua personalidade à primeira vista, porque o que acontece primeiro são os olhos enxergarem a aparência.
Ou seja, à primeira vista o que acontece é interesse pela imagem que se vê, apaixonar-se demanda convivência e eu me apaixonei quando começamos a conviver e depois deixou de ser apenas paixão.
Quando ela virou seu olhar em minha direção, eu senti que nós teríamos alguma coisa. Alguma coisa que seria muito mais do que o simples interesse pela bela imagem dela. Eu senti que alguma coisa aconteceria entre nós.
E acordar com ela ao meu lado quase todos os dias, com a boca semiaberta, babando um pouco no travesseiro, com os cabelos espalhados e uma das pernas sobre mim, enquanto ronca baixo é a prova de que eu estava certa.
O que eu sinto pela é amor.


Um

“If you need a love that's true, need someone to stand by you, here I am...” (Dolly Parton ft. Sia – Here I Am)

Estádio Kingsmeadow, Londres, Inglaterra, domingo, 14 de outubro de 2018



O placar marcava dois a zero para o Arsenal quando o primeiro tempo do jogo acabou. O público era razoável em Kingsmeadow naquele dia e perder em casa era inaceitável, principalmente quando se trata de perder para o rival local. A descida para o vestiário foi feita quase em silêncio, mas a entrada no recinto foi barulhenta e nervosa.
O primeiro gol tinha saído depois de um erro de , que perdeu a bola no meio campo e isso obrigou Maria Thorisdottir a fazer o pênalti. Tudo bem, tinha sido o único erro de durante o primeiro tempo, mas foi isso que fez o primeiro gol acontecer.
O segundo gol saiu dos pés de , num dos gols mais bonitos que o futebol mundial já tinha presenciado. Nem mesmo aquele gol de voleio que Zidane na final da Champions League em 2002 tinha sido tão bonito. As bicicletas de Gareth Bale e Cristiano Ronaldo na Champions League de 2018? Os dois não limpariam as chuteiras de depois daquele voleio incrivelmente impecável. Carly Telford não teria defendido aquilo nem se tivesse dois metros e meio de altura e uma curvatura maior que a de Courtois e Kepa juntos.

- , a culpa não foi sua! Seja a nossa camisa 7, dona do meio campo e vamos virar esse jogo. Nós precisamos de você totalmente focada e sem sentimento de culpa. – Emma Hayes, a treinadora, falou séria e assentiu. – Continue a fazer o que você sabe e nós vamos virar esse jogo. E agora quero você colada na Miedema.

Emma deu mais algumas orientações, corrigiu posicionamentos e logo os times estavam voltando para o campo para o segundo tempo da partida. queria virar aquele jogo e ganhar. Queria os três pontos e apenas isso interessava naquele momento, porque aliariam a campanha na Champions League à uma possível conquista de campeonato nacional e uma copa. Queria, pelo menos, um doblete.
estava com suas companheiras de time e deu um sorriso tímido para a namorada quando o Chelsea, finalmente, voltava a campo. deu um sorriso pequeno, quase engessado, e voltou sua atenção para o time. As duas nunca tinham se enfrentado, no primeiro jogo entre Arsenal e Chelsea, na temporada 2016/2017, estava suspensa e no segundo, era quem cumpria suspensão. Na temporada 2017/2018, tinha sentido a panturrilha no primeiro jogo e no segundo, estava gripada. Aquela era a primeira vez e estava ganhando. E, para , perder para o Arsenal era inaceitável. Tanto como atleta do Chelsea, quanto como torcedora do time.
Quando a juíza apitou dando início ao segundo tempo, as coisas ficaram ainda piores para os azuis de Londres. Com sete minutos de jogo a meio-campista Nobbs fez um gol, aumentando mais ainda a vantagem do Arsenal.
Três a zero.
O time do Chelsea parecia completamente desligado, não parecia ter entrado em campo e não conseguiam ter efetividade em nenhuma jogada. Estavam sendo esmagadas pelo time do Arsenal e não tinham poder de reação. As jogadoras até tentavam, mas não conseguiam se impor como normalmente faziam em todos os jogos, sem sentir pressão, sem se deixar abater.
Em determinado momento do jogo, perto dos doze minutos, conseguiu roubar a bola no meio campo e quando seguiu mais adiante, levando o time azul de Londres pra cima do Arsenal, foi travada quando tentou um lançamento que encontraria Ramona Bachmann livre para diminuir a vantagem do adversário. estava ficando irritada e aquilo daria errado, porque acabaria tomando outro cartão e seria expulsa. E ficou mais nervosa ainda quando fez seu segundo gol e o quarto gol da equipe do Arsenal.
Quando a saída de bola foi autorizada, Fran Kirby tocou a bola para , que seguiu adiante, avançando a linha de meio-campo, levando o time da casa pra o ataque, numa jogada que costumava dar certo, e quando estava prestes a devolver a bola para a camisa 14, foi travada pela lateral Leah Williamson.
E a camisa 7 do Chelsea caiu aos berros, segurando a perna esquerda e gritando de dor. Quando foi se apoiar para não tomar um pisão, se apoiou errado e torceu o pé. A camisa 6 do Arsenal e companheira de seleção de estava preocupada, não tivera a intenção de lesionar a colega, só queria tirar a bola e nem mesmo tinha encostado em .

- NÃO! – gritou para a juíza, que tinha o cartão vermelho erguido para Leah Williamson. – Ela não fez falta. Puta que pariu, tá doendo. Chama o médico! E não expulsa! Não expulsa! A culpa foi minha! Ai. Inferno.
- ! – a voz de se fez ouvir e ela logo estava perto da namorada, que ainda estava no chão, chorando de dor e tentando convencer a juíza de que Leah Williamson não tinha lhe machucado. – O que aconteceu?
- Pisei errado e torci o pé. – respondeu por alto, sentindo uma dor forte no tornozelo esquerdo, e logo a equipe médica do Chelsea entrou em campo.
E nenhum deles parecia muito feliz ao ver o pé da atleta, depois que lhe tiraram a chuteira e fizeram o exame preliminar, ouvindo os gritos, o choro e as reclamações de . Aquilo estava feio. E a prova foi quando ergueram as mãos e pediram a substituição.
- Ela não me machucou. Leah nem encostou em mim. – falou, tentando soar mais calma, enquanto era erguida e auxiliada pelos médicos do time. – Não a expulse.
- Você ficou doida? – Robert perguntou baixo e sem entender aquela atitude.
- Leah não me machucou e nem tinha essa intenção, ela foi só na bola e eu pisei errado quando fui tentar desviar. Ela não encostou em mim. – falou para a juíza, que pareceu confusa e apenas assentiu.
- Obrigada, . – Leah deu um sorriso pequeno enquanto a meio-campista blue saia do gramado.

A juíza voltou em sua decisão e resolveu mostrar apenas o cartão amarelo para Williamson pelo jogo perigoso, mesmo que contestada pelas atletas do Arsenal, e saiu de campo para avaliação no vestiário, sendo substituída por Drew Spence. Nem mesmo viu o quinto gol do Arsenal saindo dos pés da meia Jordan Nobbs, e só teve tempo de mandar uma mensagem para a namorada, avisando que estava indo para o hospital, antes de saírem do estádio.

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Quando finalmente as atletas foram liberadas, após o sorteio para o antidoping e entrevistas, além do banho, seguiu o mais rápido que conseguiu até o hospital que o clube usava para avaliação e tratamento dos atletas. A avaliação prévia da equipe médica do Chelsea quando atenderam foi a de que era algo sério. E estava preocupada.
Estava feliz pela vitória e pelo saldo de gols do time ter ampliado tanto, aquilo deixava o Arsenal mais acima na classificação e reacendia o sonho do título, mas estava triste e preocupada com a namorada, não conseguiria saborear a vitória e sua excelente atuação da forma como gostaria enquanto não soubesse exatamente como estava.
Após pedidos de orientação dentro do hospital, conseguiu chegar ao corredor em que estava fazendo uma ressonância e alguns dos componentes da equipe médica do Chelsea esperavam do lado de fora da sala e não pareciam nem um pouco felizes ou esperançosos de que aquilo poderia ser algo mais tranquilo do que sentiu.
E isso era uma merda.
os cumprimentou quando se aproximou o suficiente para que pudessem se falar e recebeu o relatório inicial, aquele do exame prévio feito no campo e repetido no vestiário antes de saírem para o hospital: uma lesão no tornozelo que provavelmente precisaria de cirurgia e deixaria fora dos gramados por, pelo menos, três meses.

- E ela já sabe disso? – perguntou e Robert negou com um aceno. – vai pirar.
- Vai. E muito. – ele suspirou. – Mas é necessário. O Paco quer repetir os exames amanhã de manhã e já agendar pra essa semana caso seja necessário operar, mas pelo que vimos hoje na pré-avaliação...
- Que merda. – reclamou, sentando-se na cadeira do corredor.
- Eu te parabenizaria pelos gols, pela sua atuação e pela vitória de hoje, , mas contra o Chelsea é sem chance.
- Quando fiz o primeiro gol, fez uma cara tão feia que eu quase achei que ela ia me bater. – deu uma risadinha pelo nariz. – E depois do segundo... já estava preparada pra fazer as malas, procurar outra casa e outra namorada.
- Vocês nunca se enfrentaram?
- Nunca. Essa foi a primeira vez que nos enfrentamos e provavelmente teríamos uma DR enorme se ela não tivesse se machucado.
- Blues não sabem ser amigáveis quando o Chelsea perde, , acostume-se. – Robert deu um sorrisinho.
- Ah, eu sei. Ela fica realmente enfurecida quando o time perde. – deu uma risadinha.
- Não sei como ela nunca xingou os jogadores do time masculino lá em Cobham.
- Ou partiu pra agressão...
Antes que Robert pudesse concordar, a porta da sala de exames se abriu e saiu de lá numa cadeira de rodas, acompanhada de dois médicos do Chelsea e tinha uma carranca emburrada, um mix de dor, tristeza e raiva. Ah ela estava com raiva. Muita raiva. Raiva da lesão, raiva do resultado do jogo, raiva de ter perdido para o Arsenal, raiva de sua atuação pífia e apagada naquele dia...
- Vamos repetir o exame amanhã de manhã, pra dar vinte e quatro horas, mas pelo que vimos, as coisas não estão boas. – Paco Biosca, o diretor médico do Chelsea, falou sério tanto para quanto para .
- Posso ir embora ou tenho que ficar aqui? – perguntou de má vontade, totalmente decepcionada, recebendo um aceno em confirmação.
- Amanhã, dez e meia aqui. – Biosca falou sério e ela assentiu. – E você está proibida de tomar medicamentos pra dor e colocar gelo a partir da meia-noite. E jejum de oito horas, . Ah, ficar deitada com o pé pro alto também.
- Que ótimo. – resmungou. – Vejo vocês amanhã.

despediu-se com um aceno da equipe e saiu empurrando a cadeira de rodas de em silêncio. Sabia que a namorada estava frustrada pelo resultado do jogo, provavelmente estava se culpando pelo primeiro gol ter saído após uma falha pessoal e medindo a própria atuação em campo e como aquilo podia ter levado o time àquele vexame. E ainda tinha que lidar com aquela lesão que provavelmente era bem mais grave do que ambas gostariam que fosse.
Era melhor seguirem em silêncio e fingirem que o jogo não existiu, porque nenhuma das duas estava satisfeita, ainda que tivesse atuado bem e feito gols, não conseguia ficar feliz ao ver a pessoa que ama naquela situação. Se fosse apenas a derrota, tudo bem, poderiam falar sobre, mas com uma lesão como aquela? Sem chances! Sabia como estava se preparando para grandes competições com o Chelsea e com a seleção inglesa, uma muito provável convocação para jogar a Copa do Mundo...
Aquela lesão doía em também, mas doía em seu coração.

- Posso sentir o cheiro de torrado dos seus neurônios queimando enquanto você pensa, . – falou enquanto seguiam para o estacionamento.
- Talvez estejam torrados mesmo. – riu sem graça. – Eles te medicaram?
- Sim, mas tenho uma receita médica pra comprar um analgésico forte. Podemos ir na farmácia antes de ir pra casa?
- Claro, Vida. E essa cadeira vai conosco? – perguntou e resmungou um “uhum” desgostoso. – E você consegue passar pro banco do carro sozinha ou precisa de ajuda?
- Consigo, mas abre a porta pra mim, por favor?

Assim que pararam perto do carro, abriu a porta e auxiliou a entrar no veículo, guardando a cadeira dobrada no banco traseiro e logo partindo para a farmácia. permaneceu calada e no carro, até porque demandaria muito trabalho para que ela fosse junto até a farmácia. E, depois de, finalmente, o analgésico ser comprado, as duas foram embora para a casa que dividiam num condomínio em que várias das jogadoras de Chelsea, Arsenal, West Ham e Tottenham residem.

- Para de me olhar com essa cara de pena, por favor. E você deve ficar feliz, seu time venceu, você jogou muito bem e fez um puta golaço! – pediu, dando um sorriso pequeno, saindo da cadeira de rodas e indo para o sofá num pulo e chamou para que se deitasse ao seu lado, o que foi prontamente atendido.
- Não consigo ficar feliz te vendo assim, Vida. – resmungou, recebendo um sorriso de , que lhe deu um selinho demorado.
- Você fez um golaço e se não for eleito o gol Puskas dessa temporada, eu vou mandar encerrar as atividades da FIFA.
- Não é pra tanto, . – resmungou sem graça.
- Não é pra tanto? – deu uma risada incrédula. – Meu amor, nem mesmo aquele golaço do Zidane na final da Champions em 2002 ou as bicicletas de Cristiano e Bale na Champions passada são comparados ao seu gol! Puta merda! Você deu o voleio mais bonito e impecável que eu já vi na vida! A Carly não pegaria nem que ela quisesse muito.
- Achei que você ia me matar. – deu uma risadinha, fazendo um carinho no rosto da namorada. – Quando fui comemorar, você estava com a pior cara do mundo.
- Claro, você fez um golaço no MEU time do coração, . – deu uma risadinha. – Mas foi um golaço, Vida, você jogou muito bem hoje e mereceu os gols que fez.
- Vou fazer alguma coisa pra gente comer. E você tem que colocar esse pé pro alto, colocar gelo e tomar seu remédio. – falou preocupada.
- Eu te amo. Mesmo que você faça dois gols no meu time. E um deles foi um puta golaço! Na hora que você fez aquele gol, , eu quis beijar sua boca e te socar ao mesmo tempo.
- Idiota. – deu uma risada, voltando a fazer um carinho no rosto de , que fechou os olhos para aproveitar a carícia e deu um sorriso pequeno.
- Mas é a verdade. – deu de ombros.
ficou de pé, juntando as almofadas e fazendo uma pilha antes de, gentilmente, colocar o pé de sobre elas e observar a namorada franzir o nariz numa careta dolorida.
- Você está confortável?
- Sim.
- Então vou buscar o gelo, o remédio e fazer alguma coisa pra comermos.
- E voltar pra ficar deitada comigo, me consolando pela derrota do meu time. E pela minha lesão.
- Posso pensar nisso enquanto cozinho. – falou, inclinando-se para dar um selinho demorado em e saindo da sala.

foi até a cozinha, buscou a água e a bolsa de gelo, voltando à sala apenas para entregar a , que agradeceu enquanto procurava por alguma coisa para assistir, já que não podia se levantar e nem tinha o que fazer apenas deitada no sofá naquele momento. E enquanto cozinhava um macarrão, respondeu algumas mensagens que tinha recebido, postou uma foto parabenizando o time pelo jogo e pelos três pontos conquistados e curtiu algumas outras postagens no Instagram.
E, claro, ignorou os comentários ofensivos em suas fotos e em que tinha sido marcada. Estava cansada demais pra dar atenção a esse tipo de coisa, estava velha demais pra se ofender com aquilo e o principal, sabia que se falasse qualquer coisa, apenas pioraria tudo e perderia a razão, então era melhor fingir que não tinha visto nada. Preferia manter-se afastada de pessoas e comentários tóxicos sobre sua vida, sua profissão e sua orientação sexual.
Ela estava absolutamente feliz e sua vida não era da conta de ninguém, afinal.
Quando, finalmente, tinha terminado de fazer o macarrão mais simples e rápido que já tinha feito em toda sua vida, seguiu para a sala fazendo malabarismo com os pratos e deixando-os sobre a mesa de centro antes de ajudar a se sentar para comer e depois ela mesma sentou -se no chão e encostou-se no sofá. Na televisão, um episódio aleatório de “Doctor Who”, que as duas assistiram sem conversar e comendo.
Passava das quatro da tarde quando finalmente saíram da sala e com certa dificuldade da parte de para mudar do sofá para a cadeira de rodas, seguiram para um dos quartos de hóspedes ainda do andar inferior, não teriam como dormir no quarto que dividiam no andar superior da casa, era sem chances que conseguisse subir um lance de escadas, principalmente sem muletas. O quarto delas estava fora de cogitação por um bom tempo, provavelmente.

- Você pode buscar uma sacola, por favor, Vida? – pediu e a olhou sem entender.
- Sacola?
- Preciso tomar banho e não posso molhar a bandagem, então vou colocar uma sacola no pé. – deu de ombros como se fosse óbvio. – E preciso de uma cadeira também, mas isso vai ser mais difícil, porque as nossas não são nem um pouco indicadas pra colocar debaixo do chuveiro.
- Podemos usar os bancos da cozinha. – ponderou. – Vou buscar e te ajudo no banho.
- Gostei. – deu um sorriso cheio de segundas intenções e fez uma careta.
- Sexo no chuveiro é péssimo.
- Sexo com você nunca é péssimo, . – respondeu sincera, fazendo rir.
- Como foi que passamos de colocar uma sacola no pé pra não molhar a bandagem para sexo no chuveiro?
- A culpa é sua que sugeriu me ajudar. – deu de ombros.
- No banho, . No banho.
- Pois é, por isso aí mesmo.
- Deixa pra depois do seu exame e de sabermos como vai ser sua recuperação e tratamento, porque você tem que manter esse pé pro alto.
- O meu tornozelo imobilizado não impede que façamos nada, você sabe. – voltou a sorrir de forma sugestiva para , que deu uma risada incrédula pelo que ouvia. – Você só vai ter que colaborar um pouquinho e me ajudar.
- , você não pode ser real. Sério. Está lesionada e está pensando em sexo!
- Vida, é melhor rir do que chorar.
- Mas isso precisa esperar pelo menos até amanhã, não podemos correr o risco de piorar a sua lesão.
- Eu vou aceitar apenas porque eu estou sentindo dor e nem mesmo o analgésico ajudou de verdade. – reclamou. – Parece que eu arrebentei todos os ligamentos do meu tornozelo.
- Talvez essa dor toda seja só por ter sido hoje e amanhã amanheça melhor.
- Assim espero. Não quero perder nada.
- E não vai, Vida, mas agora vou buscar uma sacola e um banco. E te dar banho.
- Falando assim você não me ajuda em nada, . Na verdade, você apenas piora a situação da sua namorada.
- Se você já é carente normalmente, com essa lesão eu acho que vai ficar ainda pior... coitada de mim. – fingiu drama e lhe deu um sorriso arteiro, antes de assentir em confirmação.
apenas deu um sorriso antes de sair do quarto para buscar a sacola e o banco, deixando esperando.

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Hampsted Lane, Londres, Inglaterra, segunda-feira, 15 de outubro de 2018



Quando finalmente chegou do hospital e estava sozinha no quarto de hóspedes onde tinha passado a noite, chorou.
Chorou muito.
Estava arrasada.
Essa era a definição do estado de naquele momento. Total e completamente arrasada, com a cirurgia marcada pra o dia seguinte, afinal aquela lesão tinha sido mais séria do que ela mesma tinha achado que poderia ser. Uma entorse lateral do tornozelo esquerdo de grau 3, que a afastaria dos gramados por, pelo menos, doze semanas.
Três meses inteiros.
Perderia jogos da Premier League, da FA Cup, da Champions League e da Copa da Liga. E os amistosos da seleção.
tinha dirigido em total silêncio na volta do hospital e assim as duas permaneceram enquanto entravam em casa, estava de muletas e o pé envolto em novas bandagens e com uma tala para manter o pé o mais imóvel possível até a cirurgia no dia seguinte.
E, agora, sozinha no quarto, ela chorou. Não era possível que aquela lesão idiota e que se deu de forma tão estranha fosse tirá-la dos gramados por tanto tempo, além de colocar em risco sua participação nos campeonatos. E o prazo inicial era de doze semanas, mas podia ser aumentado a depender da evolução do quadro.
Doze malditas semanas.
Três meses fora dos campos, com trabalhos de fisioterapia intensiva e contato com gramado de futebol apenas quando pudesse fazer trabalho de campo, mas isso demoraria pelo menos dois meses e não seria jogar futebol de verdade.
odiava aquilo, mesmo que soubesse que era necessário.
A coisa mais séria que a afastou dos gramados foi uma gripe e ela ficou fora do time por uma semana, mas nunca tinha se lesionado em toda sua carreira. Fazia trabalho de fortalecimento, alimentava-se bem e cuidava do próprio corpo com uma dedicação ímpar. Raramente dividia bolas com agressividade, costumavam compará-la à N’Golo Kanté e Xabi Alonso, tamanha maestria e classe em campo. Não precisava de agressividade para impor seu estilo de jogo e comandar o meio-campo do time.
Mas estava ali, chorando, lesionada e prestes a fazer uma cirurgia no tornozelo que a tiraria de jogo por doze semanas.
Doze semanas.
Oitenta e quatro dias.
Duas mil e dezesseis horas.
Cento e vinte mil novecentos e sessenta minutos.
Ou mais.
Talvez doze semanas não fosse tempo suficiente para sua recuperação total.
Talvez ela precisasse de muito mais tempo pra isso.
Talvez perdesse o resto da temporada.
Talvez estivesse fora da Copa do Mundo.
E esse era o pensamento que a aterrorizava. Ficar fora da Copa do Mundo era fora de cogitação. Vinha jogando bem, trabalhando firme para ser reconhecida e conhecida, para alcançar seu lugar ao sol. Era difícil ser jogadora de futebol, porque não tinha o reconhecimento financeiro equivalente ao de um jogador de futebol masculino, ainda que, muitas vezes, fizesse mais do que os homens.
recusou diversos patrocínios que queriam pagar a ela menos de um quinto do valor pago ao atleta masculino que menos recebia. Se ousavam compará-la a Xabi Alonso e N’Golo Kanté, então ela merecia ser valorizada e paga como eles eram. Jogava com material esportivo sem nenhuma marca, sem nenhuma estampa e custeado por seu próprio salário.
Ouvia e lia comentários machistas, sexistas e homofóbicos todos os dias. Em suas fotos e tweets, nas fotos e tweets do clube e da seleção, nas fotos e tweets de ... as pessoas tinham que aprender a cuidar das próprias vidas e parar de fiscalizar o resto do mundo. E parando de querer impor aos outros suas próprias crenças e ideologias.
E já podia imaginar o tipo de coisas que leria e ouviria depois dessa lesão e durante seu tratamento. Alguns “torcedores” estão apenas esperando a chance para fazer comentários desnecessários, desmerecendo atletas por credo, sexo, raça, orientação sexual...
Sentiu a cama mexer-se e antes que pudesse falar que queria ficar sozinha naquele momento, já estava deitada com o rosto escondido na curva de seu pescoço com um braço sobre seu corpo em um abraço torto, mas totalmente aconchegante.

- Vai dar tudo certo, Vida. E nós passaremos por isso juntas.


Dois


“Cause you still look perfect as days go by, even the worst ones, you make me smile. I'd stop the world if it gave us time...” (Lukas Graham – Love Someone)

Hampsted Lane, Londres, Inglaterra, segunda-feira, 05 de novembro de 2018.



Quando chegou em casa, depois de um longo dia de treinamentos, sabia que ainda teria que passar por uma social antes de poder finalmente descansar do dia pesado que tivera. Os carros estacionados à porta de sua casa mostravam que provavelmente metade do time do Chelsea estava ali e talvez a outra metade chegasse em breve ou estivesse de carona.
Assim que deixou o carro na garagem e entrou pela porta da cozinha, ouviu gargalhadas altas vindas da sala. As companheiras de time de já tinham ido visitá-la duas vezes antes e estava até acostumada a chegar e ouvir as conversas e risadas das mulheres, parecia ter se tornado a trilha sonora da casa, mas, naquele dia, os pais de estavam junto e pareciam se divertir muito com algo que tinha sido dito.

- Inimigo se aproximando. – Ramona foi a responsável pelo comentário ao ver caminhando até o grupo.
Ramona Bachmann, acompanhada da namorada Alisha Lehmann, Fran Kirby, Carly Telford, Karen Carney, Millie Bright, Hannah Blundel, Ji So-Yun, Maren Mjelde, Bethany England, Maria Thorisdottir, Magdalena Eriksson e Erin Cuthbert estavam pela sala e sentados juntos delas, o senhor e a senhora .
- Vejo que o dia foi produtivo. – falou, observando as caixas de pizza, pedaços de bolo e garrafas de cerveja, refrigerante e chá, claro.
Aproximou-se de e lhe deu um selinho antes de cumprimentar uma a uma das atletas e os pais de , sentando-se ao lado da namorada depois.
- Meus pais vieram me ver e minhas fãs simplesmente não aguentam mais viver sem minha constante presença, então precisam vir aqui em casa todo dia mesmo me vendo em Cobham antes de irem treinar. – falou em tom de quem se gabava.
- Eu discordaria, mas é a verdade. – Millie respondeu rindo. – Sentimos falta da pessoa mais idiota do squad.
- A Ramona não está treinando com vocês? – perguntou, provocando a suíça, que praguejou em alemão.
, Alisha e riram, enquanto os demais ficaram sem entender o que tinha sido dito.
- O que tem ai pra comer? – perguntou, inclinando-se na direção da mesa e abrindo uma das caixas de pizza.
- Pra você é só essas duas ai perto da sua namorada, suas veganas. – Bethany implicou e lhe mostrou a língua antes de pegar um pedaço da pizza e dar uma mordida grande.
- Enfim, como eu estava contando antes da chegar e atrapalhar meu relato... – Millie retomou a fala. – A Carly colocou o balde em cima da porta e nós fomos nos esconder, eu do outro lado do armário e a Ramona atrás da porta...
E as gargalhadas recomeçaram.
- Parem de rir e me deixem contar! – Mille pediu também rindo. – Enfim, quando a Maren fosse pro vestiário depois do treino, a intenção era ela abrir a porta e cair a água e depois a gente jogaria farinha...
- Só que a Ramona é burra. – Bethany implicou, rindo alto. – Ela não esperou o sinal e assim que a porta foi aberta pelo Zola, o balde caiu e a Ramona jogou farinha nele!
Mais gargalhadas.
- Vocês são idiotas. – falou quando conseguiu recuperar-se do ataque de risos. – E o que o Zola tinha ido fazer lá?
- Ia falar com a Emma, parece. – Karen deu de ombros. – Ele ficou em choque, coitado, mas depois caiu na risada.
- E enquanto ríamos do Zola todo sujo, a Maren chegou sem entender nada, mas já não tinha mais água e farinha. – Fran falou rindo.
- Vocês são idiotas. – repetiu. – Coitado do Zola.

E entre muitas risadas e atualizações do que vinha acontecendo nos treinos e jogos, a noite chegou e passava das dez quando a casa estava vazia, apenas e deitadas no sofá, as caixas de pizza e garrafas já devidamente descartadas, bolo guardado e o ambiente limpo.

- Como foi a fisioterapia hoje? – perguntou, erguendo o olhar até , que deu um sorriso preguiçoso.
- Foi puxada, mas no começo é mesmo mais difícil, pelo que disseram. E como só eu estou machucada, nem mesmo do time masculino tem lesão séria, então estão se dedicando exclusivamente a me torturar. – resmungou num tom dengoso, fazendo rir. – Mas é bom, estão cuidando bem de mim.
- Leah quer vir te ver, mas disse que está com medo de você matá-la. – falou rindo.
- Pode falar pra ela vir e ficar tranquila, a culpa dessa lesão não foi dela. – deu de ombros ao falar. – Ela nem encostou em mim, eu calculei errado e quando fui recuar pra não pisar nela, torci o pé.
- Você chegou muito antes de mim?
- Hoje eu sai era perto das três e fiquei aqui sozinha até minha mãe chegar, umas cinco e então as meninas chegaram logo depois com pizzas e cerveja pra comemorarmos o aniversário da Maren que é amanhã. Você chegou uns quarenta minutos depois delas.
- Temos que acordar cedo, então são dez e vinte e nós deveríamos ir pra cama.
- Eu tinha outros planos pra essa noite. – falou sugestiva e sorriu.
- Ainda bem, porque eu estou pensando em arrancar cada peça de roupa do seu corpo desde a hora que eu cheguei.
- Na frente dos meus pais, ? Que absurdo! – fingiu-se de ofendida.
- Cama, . Cama. – falou, ficando de pé e estalou os lábios, fazendo a namorada olhar em sua direção e encontrar uma expressão entediada no rosto de . – O que foi?
- Você deveria me convencer a levantar desse sofá.
- Se dormir ai, suas costas acordarão doloridas e além de puxarem seu pé, terão que puxar sua coluna e a tortura na fisioterapia será dobrada.
- Você sabe quebrar um clima e ser convincente como ninguém, . – falou debochada, sentando-se no sofá e pegando as muletas para seguir para o quarto.

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Londres, Inglaterra, sexta-feira, 09 de novembro de 2018



estava sentada em um banco alto, a música alta do lugar fazia seus ouvidos vibrarem. À sua frente, dançava animada acompanhada de algumas das companheiras de time e de algumas das jogadoras do Chelsea e da única jogadora do West Ham que as acompanhava naquele dia, Alisha Lehmann.
Não jogariam no fim de semana, então resolveram reunir-se para curtirem a noite londrina, como não faziam há um bom tempo. A indicação tinha vindo de Granit Xhaka, o jogador suíço do time masculino do Arsenal, que recomendou à Leah e logo as movimentações começaram para que as mulheres encontrassem uma boa data para irem, além de conseguirem que o sábado fosse de folga. Poderiam curtir suas ressacas sem problemas.
E uma música em espanhol tocava alto agora, não fazia a menor ideia do que aquela letra dizia, nenhuma das presentes sabia cantar e apenas dançavam ao som daquele ritmo tão diferente e cativante. aproximou-se de e a abraçou, sem parar de dançar e deu um sorriso provocativo.

- Você ficou ótima com esse vestido. – falou no ouvido de , que soltou uma risadinha.
- É uma merda que você não possa dançar, somos uma boa dupla.
- Somos, mas estou um pouco impossibilitada. – resmungou, ganhando um carinho de e um sorriso da namorada.
- Essa música é ótima! – deu um sorriso já ébrio. – É daquela alemã, não é?
- Acho que sim. Catherine Heinze, certo?
- A própria! Ela é ótima!
- Concordo.
- You're the beat to my melody and you understand me. Lines connect so easily and you're speakin' my language. Tune in to my frequency, cause you lift me up above it all... cantou animada, apontando para , que deu uma risada.
- Amor, você já está bem bêbada. – riu, abraçando pela cintura.
- Estou só um pouquinho, mas gosto dessa música. Devíamos ter ido ao show dela aqui, vai demorar a ter outro!
- Acho que tínhamos jogo no dia ou no dia seguinte, amor.
- No próximo nós vamos.
- Tudo bem.
- Agora eu vou te beijar. – falou, aproximando o rosto do de e juntou os lábios num beijo.
abraçou o corpo de e sentiu os dedos da namorada entrando em seus cabelos e puxando-os de leve, recebendo uma mordida leve no lábio como resposta e antes que as coisas saíssem do controle, partiu o beijo e deu um selinho demorado nos lábios de .
- Ainda estamos num local público, melhor manter a postura. – falou ao ouvido de , que resmungou e recostou a cabeça sobre o ombro da namorada e foi abraçada pela cintura.
- Você é tão bonitinha. – resmungou, dando um beijo no pescoço de e ergueu a cabeça para dar em um selinho demorado.
- Ei casal! Vamos dançar! – Millie apareceu animada, acompanhada de Ramona e Alisha.
- Não posso, infelizmente, mas vocês podem aproveitar. Eu fico aqui tomando conta da mesa e bebendo meu suquinho.
- Não vai mesmo beber, ? – Alisha perguntou alto, apontando para o copo de suco na mesa, e negou.
- Ainda estou tomando remédio. – fez uma careta. – E eu sim tenho que ir pra Cobham amanhã, tenho fisioterapia.
- E como está essa lesão?
- Melhorando. Acho que consigo voltar dentro das doze semanas que me deram como tempo mínimo. – sorriu aliviada. – E ai poderei sair pra beber e dançar sem nenhum impedimento.
- Se vocês dão licença, eu vou dançar com essa mulher linda que eu tenho a honra de namorar. – Ramona falou, fazendo e assentirem rindo, levando Alisha consigo para dançar.
- E eu não vou ficar aqui segurando vela, claro, então vou voltar pro bar. – Millie falou alto e saiu de perto das duas.
- AH! Amo essa música! – comemorou ao ouvir “Wild Thoughts” começar a tocar. – I don't know if you could take it, know you wanna see me nakey, nakey, naked...
- Realmente. – deu uma risadinha, mordendo o próprio lábio enquanto observava cantar animada a versão remixada que tocava.
- Eu posso ler sua mente, . – aproximou-se mais e deu um sorriso repleto de segundas intenções para .
- Nem é preciso ler minha mente pra saber isso, Vida. – deslizou as mãos pelas costas de , parando-as sobre as nádegas da namorada, que sorriu e mordeu o lábio de antes de voltar a beijá-la.
enfiou os dedos nos cabelos de e puxou de leve, beijando-a com mais vontade e arrancando um suspiro da mulher, que a beijou da mesma forma, com tanto desejo quanto e apertou as mãos em sua bunda, fazendo soltar um ofego ao sentir o toque. As línguas tocavam-se com pressa, mas da forma correta, corações acelerados e as mãos que começavam a ficar perigosamente aflitas, tocando-se o máximo que podiam e conseguiam.
- Procurem um quarto. – as duas foram interrompidas pela voz de Bethany England, que as olhava de forma amistosa.
- É, preciso mesmo. – respondeu num resmungo sofrido. – E precisamos mesmo. tem que acordar cedo amanhã.
- Hoje. Já é muito hoje, quase o hoje que eu preciso acordar, inclusive. – respondeu rindo.
- Exagerada.
- Se quiser ficar, eu posso ir pra casa sozinha sem problemas.
- Vamos dividir o Uber? Eu estou exausta! – Bethany perguntou e assentiu, ficando de pé e tirando o cartão do bolso para pagar o último suco que tinha tomado.
- Então vamos dar tchau pr... – começou a dizer e negou com um aceno.
- Fica e se divirta, Vida, você merece. – falou, segurando o rosto de entre as mãos e lhe deu um selinho demorado.
- Você vai me provocar e não vai me levar pra casa, ? – perguntou ofendida, fazendo piscar.
- Temos tempo pra resolver essa parte depois, amor, não se preocupe. E divirta-se, Vida, você merece. – repetiu e logo estava de saída com Bethany, depois de despedir-se das amigas e as duas irem esperar por seu Uber do lado de fora do lugar.

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Hampsted Lane, Londres, Inglaterra, domingo, 18 de novembro de 2018



- Agüero? – perguntou, deitada no outro sofá e pareceu pensar enquanto comia pipoca.
- Claro! – respondeu convicta. – Sterling?
- Sem sombra de dúvidas! – gargalhou. – Iniesta?
- Acho que não. – respondeu pensativa. – Lacazetti?
- Absolutamente! Barkley?
- Mais do que absolutamente. – respondeu rindo. – Messi?
- Não.
- Eu tenho certeza que sim.
- Você confia demais em mim, eu não acho que eu seja melhor que o Messi.
- Messi não é o melhor nem da casa dele, , imagina se ele é melhor que você jogando bola. – respondeu, fazendo gargalhar.
- Você sabe que ele é o melhor do mundo.
- Ele não foi eleito no ano passado e nem esse ano, porque convenhamos, ele não é o melhor do mundo há tempos, ainda que seja um excelente jogador e que faça muita diferença no Barcelona quando quer jogar. E, em todo caso, Eden Hazard é infinitamente melhor.
- Seu clubismo te cega.
- O seu também. – respondeu atrevida, fazendo rir.
- Se fosse assim, eu teria dito o Xhaka.
- Você não torce pro Arsenal, .
- Eu estou falando do Taulant Xhaka do Basel, . – deu de ombros, fazendo gargalhar.
- Nem nos seus maiores e melhores sonhos, minha querida. O maior e melhor jogador do mundo é Eden Hazard, todo mundo sabe disso.
- E quando ele for pro Real Madrid na temporada que vem isso continuará sendo verdade? – provocou e estreitou os olhos.
- Hazard não vai pro Real Madrid.
- Você é cubista e iludida.
- Gostaria que ele não fosse, mas já que ele quer , então é melhor ir e render algum dinheiro ao clube do que sair de graça, porque obviamente ele não vai renovar o contrato dele.
- Ele quer realizar o sonho da vida dele de ir jogar com o Zidane e no Real Madrid, .
- Alguém devia informar pra ele que todo cadáver no Everest é de alguém que resolveu sair da zona de conforto pra ir realizar um sonho. – resmungou, fazendo gargalhar.
- Nós deveríamos dormir, você acorda cedo pro tratamento amanhã.
- Nem me lembre. – resmungou desgostosa. – Não aguento mais aqueles choques, fisioterapia chata e ressonâncias. Deviam testar outras coisas.
- Você ainda não aguenta pisar sozinha, Vida, então tem que ser esse tipo de coisa por enquanto.
- Já faz um mês!
- Você não vai conseguir pisar muito antes de dois meses, . E se tentar, provavelmente vai se machucar mais e ai será bem pior.
- O que você acha de irmos ao cinema amanhã? – mudou de assunto e deu um sorriso antes de ficar de pé e pegar as vasilhas de pipoca para levá-las à cozinha. – Faz tempo que não fazemos esse tipo de programa de casalzinho...
- Parece ótimo, Vida. Eu te busco na fisioterapia e nós vamos?
- Pode ser. – deu de ombros, pegando as muletas e ficando de pé.
Já tinha adquirido certa habilidade em andar de muletas, coisa que odiava desde o primeiro dia em que precisou usá-las, e conseguia ficar de pé sem dificuldades. Ainda podia usar as muletas para bater nas companheiras de time apenas por implicância, até aprendeu a correr usando as muletas, podia golpeá-las e correr, quase sem risco de ser alcançada e atingida por alguma coisa que elas lhe jogassem. E o que lhe dava conforto era saber que os braços estavam sendo exercitados enquanto caminhava usando aqueles trambolhos.
seguiu para o quarto de hóspedes, que seguia sendo o novo “quarto-sede” da casa, já que, mesmo que as habilidades de andar de muletas estivessem bem desenvolvidas, ela ainda não conseguia subir escadas, enquanto foi à cozinha deixar as vasilhas sujas para o dia seguinte. Estava frio demais para se pensar em lavar alguma coisa, então era melhor deixar pro dia seguinte.
O ritual que antecedeu a ida para a cama as envolveu e cada uma tratou de escovar os próprios dentes, vestir os pijamas e logo estavam envolvidas em cobertores grossos o suficiente para esquentá-las naquela noite fria de outono londrino. aninhou-se ao abraço de , ouvindo o resmungo satisfeito da namorada e logo embarcou em um sono que duraria até a manhã seguinte, quando o despertador tocasse e acordasse as duas, levando-as de volta à realidade da semana.
A rodada do campeonato tinha sido boa para ambas as equipes, o Arsenal venceu a equipe do Everton, jogando em Liverpool naquela manhã, com um belo quatro a zero, com direito a um gol e uma assistência de , o time estava bem no campeonato, vinha jogando muito bem e queria ajudar o time a chegar no título. Nos títulos. Poderiam ser campeãs do Campeonato Inglês, além da FA Cup. E era tudo que queria: provar seu potencial, levar o time ao topo nacional e em busca de outra Champions League na temporada seguinte, quem sabe.
Mentalmente, anotava tudo que tinha a fazer no dia seguinte: iria ao treino regenerativo pouco depois de ir para Cobham de carona com Ramona ou Bethany, depois passaria no supermercado para comprar tomates, que, pela época do ano, estariam um absurdo de caros, voltaria pra casa, provavelmente chegaria em casa nesse meio tempo, as duas se arrumariam e iriam ao cinema com ela, como não faziam há um bom tempo.
Podia ouvir o ronco baixo de e um sorriso pequeno se abriu, fazendo-a fechar os olhos e aconchegar a namorada um pouco mais em seu abraço.

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Hampsted Lane, Londres, Inglaterra, segunda-feira, 19 de novembro de 2018



- A única coisa boa que o Arsenal tem é a sua bunda. – falou, observando entrar em casa.

Tinham passado quase a tarde inteira no cinema, depois foram comer no restaurante que David Luiz e Willian tinham juntos, e já passava das dez quando voltaram para casa, apenas pelo frio que começava a ficar muito mais intenso do que ambas queriam suportar fora de casa.
tivera um dia difícil no Chelsea, uma fisioterapia mais puxada, sentiu uma dor que acreditava que não deveria e a ressonância não parecia ter agradado a equipe médica, mas ninguém falou nada com ela, além daquela maldita terapia de choques e gelo que a deixaram nervosa, estava irritada com toda a situação, mas sabia que era necessário. E durante aquelas horas de fisioterapia e que precisava ficar em casa sem poder fazer nada, ela estava lendo. E já tinha lido muitos livros, todos os que tinha em casa, na verdade, precisava convencer a mãe a dirigir até sua casa, saindo de Croydon, buscá-la em Hampsted Lane para irem ao centro de Londres fazer algumas compras. E não apenas convencer, mas descobrir se a mãe teria tempo. A irmã tinha se mudado para Liverpool há alguns anos, então não havia a possibilidade das irmãs saírem por Londres como faziam antes de ir jogar no Brighton.
Precisava de livros novos, além de um par de tênis, talvez dois, uma chuteira nova, uns dois pares novos de caneleiras e algumas roupas de frio. A pior parte de não aceitar patrocínios, que seriam com valores muito inferiores aos oferecidos aos atletas masculinos, era ter que comprar coisas que ganharia da distribuidora de materiais e teria apenas que postar algumas fotos e participar da campanha de lançamento dos uniformes e chuteiras. Mas preferia pagar do próprio bolso do que aceitar um tratamento diferente, afinal, fazia as mesmas coisas que os homens em campo, algumas vezes até mais do que eles, então qual o motivo de ganhar menos? Era melhor gastar algumas (muitas) libras e sustentar seu posicionamento até que entendessem que não era “piti” ou “necessidade de atenção”, apenas uma reclamação justa por direitos iguais. Aceitar aquelas condições idiotas de menor pagamento, “afinal os campeonatos femininos têm menos impressões que os campeonatos masculinos” era uma enorme balela e que fazia diversas pessoas caírem e reproduzirem aquela idiotice.
Ela não queria ganhar mais do que ninguém, queria igualdade. E enquanto isso não acontecesse, pagaria pelas chuteiras, moletons, tênis, caneleiras...

- , você é idiota. – falou rindo e as duas logo estavam na sala de casa, refugiadas do frio e seguiu até o termostato, ligando o aquecedor e seguindo para o quarto e sendo acompanhada de perto por .
- Você sabe que eu não menti. – deu de ombros. – Preciso ligar pra minha mãe, mas se eu fizer isso agora, ela me mata.
- É urgente?
- Dá pra esperar até amanhã de manhã. – respondeu, equilibrando-se em apenas uma perna e soltando as muletas, tirou o par de brincos, a maquiagem, escovou os dentes e logo as duas estavam sob os edredons. – , você acha que isso de não aceitar patrocínios por não querermos menos do que os homens é uma luta perdida?
- Eu não acho que seja uma luta perdida, mas sim uma luta muito longa. Não é algo que vamos conseguir ao nos recusarmos a assinar um contrato na primeira vez, ou na segunda, ou na terceira... vão sempre nos chamar de mimadas, reclamonas, esquentadinhas... vão dizer que não temos noção e que não sabemos que futebol feminino é “muito menos relevante” – fez aspas com os dedos. – do que o futebol masculino, vão nos comparar com atletas que não têm nada a ver com nossas posições, funções ou qualquer outra coisa para nos diminuir, vão continuar sempre dizendo que um atleta homem não fica com essas reclamações idiotas sobre contratos e valores pagos, não vão nos ouvir e vão querer nos interromper e nos impedir, mas isso não é nada do que nós já não estamos acostumadas a lidar. Só teremos a mesma relevância, por assim dizer, que os jogadores de futebol masculino, se nos impusermos e mostrarmos que estamos aqui pra jogar bola, assim como eles, mostrarmos que é futebol do mesmo jeito, sendo homem ou mulher jogando. Um dia eles vão entender isso e vão perceber que nós não queremos dominar o mundo e acabar com o futebol masculino, só queremos ter o mesmo reconhecimento e fazer com que entendam que podemos coexistir sem nenhum problema e, principalmente, sem diferenças.
- , eu te amo com todo meu coração. – falou sincera, dando um beijo estalado no rosto de e a fez rir.
- Eu também te amo, . E, só pra você saber, o Messi não é o melhor do mundo, porque essa é você. – falou num sussurro, aconchegando-se ao abraço de e não tardando a dormir.



Três




“You're everything I need and more, it's written all over your face. Baby, I can feel your halo, pray it won't fade away...” (Beyoncé – Halo)

Cobham Training Centre, Cobham, Londres, Inglaterra, terça-feira, 18 de dezembro de 2018



estava com medo.
Sentada sobre a maca na sala de fisioterapia, observava seu pé sem a bota ortopédica, visão de todos os dias desde que as sessões de fisioterapia tinham iniciado, mas, naquele momento, era assustador. Ela não estava deitada, mas sentada, o pé não estava apoiado em uma almofada, mas pendurado. E parecia dolorosamente frágil e absurdamente exposto.
O primeiro dia em que tentaria caminhar sem muletas e apoiando o pé no chão e ela estava com tanto medo que quase sentia vontade de chorar. E se não conseguisse firmar o pé? E se isso comprometesse seu retorno? E se precisasse operar de novo? E, pior, se isso a tirasse da Copa do Mundo? Aquele pequeno espaço que separava o pé esquerdo de do chão lhe parecia um abismo imenso que tinha o poder de decidir se ela estava ou não recuperada.
sentia que seu pé podia desintegrar-se e sumir se ela o olhasse por mais um segundo que fosse, mas seu olhar estava fixo e parecia impossível desviá-lo do pé recém operado, que parecia mais pálido, fraco, fino e quase impossível de sustentar seu peso sem sucumbir e derrubá-la de cara no chão. Por que não deixaram aquilo para o ano seguinte? O tratamento seguiria, por isso – e pelo fato de sua família valorizar o Natal mais do que qualquer outra tradição – ela não viajaria com para Basiléia, poderiam fortalecer mais os músculos em sessões extenuantes e chatas de fisioterapia, choques e ressonâncias magnéticas, porque podia sentir no mais profundo do seu coração que ficaria triste no Natal por causa daquela situação que aconteceria dali alguns minutos.

- , você está pronta? – Robert, um dos fisioterapeutas, perguntou enquanto a observava atentamente.
- Nem um pouco. – respondeu num tom decepcionado. – Não podemos deixar isso pro ano que vem?
- Se você não quiser jogar a Copa e nem pelo resto da temporada, claro que podemos. Mas se você tem pretensão de continuar jogando futebol, precisamos fazer isso hoje.
- Eu estou com medo do que isso vai dar. – resmungou derrotada, numa confissão que lhe doía cada pedaço do corpo.
Odiava sentir medo, odiava sentir-se exposta, fraca e derrotável. Queria ter a força que mentalmente achava ter, porque precisava naquele momento. E muito.
- Pedi pra doutora Dune vir conversar com você antes de testarmos sua recuperação. – Robert falou olhando para .
No corredor que separava a sala de tratamento das demais áreas do complexo de Cobham, a doutora Samantha Dune, psiquiatra do time, encaminhava-se para o local em que a aguardava. Tinha uma pasta em mãos e parecia muito mais nova do que uma psiquiatra deveria ser, quantos anos ela tinha afinal? Não sabia dizer, mas sabia que a mulher fora requisitada pelo próprio Paco, porque foi de fundamental ajuda na recuperação de Ethan Ampadu e de um outro garoto do Chelsea Youth, então ela era realmente boa. E Roman Abramovich, pelo que tinha ouvido falar, tinha oferecido um salário astronômico para que ela aceitasse compor o corpo médico do Chelsea. E, bom, ela tinha passado uns dias na seleção inglesa masculina na reta final da Copa do Mundo...
- Oi! – Samantha cumprimentou, sorrindo animada, quando se aproximou dos dois. – Eu sou sua fã. De verdade.
- O...brigada?! – agradeceu incerta, fazendo Robert rir.
- Vou deixá-las a sós, vou cuidar da minha vida fora daqui e quando eu puder voltar e minha presença for útil, mande um bipe.
- Bipe? – fez uma careta. – WhatsApp já foi inventado, sabia? Não estamos mais na idade da pedra.
- Como se você não soubesse que usar celular em campo é um pedido de demissão, . – Robert respondeu quase desaforado, num tom que pouco condizia com seus quase cinquenta anos, e riu. – Mas sério, conversem. Dune é foda e com certeza quem vai sair daqui falando que é fã de alguém hoje, é a .
- Normalmente isso demora umas quatro sessões, Rob, se eu fosse você, não criaria tanta esperança assim. – Samantha respondeu rindo.
O homem saiu da sala, depois de despedir-se com um aceno e fechou a porta atrás de si. Samantha abriu a pasta, sentando-se na maca à frente de , e passou os olhos rapidamente pelo relatório que lhe tinha sido entregue há alguns dias, que já estava rabiscado e anotado. seria sua primeira paciente lesionada no Chelsea, antes tinha tratado Ethan e Marcel no antigo hospital em que trabalhava até pouco mais de um mês, então era uma experiência nova lidar com uma lesão dentro do clube, ainda que já tivesse conversado com quase todos os jogadores do time masculino e alguns dos garotos da base.
- Sua lesão foi bem séria. – Samantha pontuou, fazendo murmurar uma concordância quase inaudível. – Você se lembra do momento?
- Dividida de bola no jogo contra o Arsenal. Eu estava indo em direção à área delas e Leah Williamson chegou pra me desarmar, ela foi totalmente limpa e apenas na bola, mas eu calculei errado os movimentos dela e os meus, recuei e pisei errado, virei o pé e senti a pior dor que já senti na vida.
- A cirurgia foi um sucesso, seus resultados de exames e progressões estão perfeitos, mas você está com medo. – Samantha olhou para , que mantinha o olhar baixo, observando o pé que já nem parecia mais seu, mas sim de alguém sem nenhum hábito de práticas esportivas.
- Tenho medo de que não esteja tão bem cicatrizado e que não seja a hora de fazer isso, além de sentir um medo absurdo de que essa seja a primeira de muitas lesões que provavelmente vão atrapalhar minha carreira e meus sonhos. Não quero ficar fora da Copa do Mundo, não quero perder mais temporadas, não quero atrapalhar o Chelsea. Quero títulos, vitórias e estar bem pra isso. E tenho medo de que esse passo seja mais forte do que meu tornozelo recém-operado seja capaz de aguentar. – confessou, suspirando derrotada.
- Você também torce pro Chelsea, assim como eu, e eu fico muito feliz que você queira cumprir esse compromisso de vencer e ajudar o time a se posicionar na elite do futebol feminino. Também fico muito feliz, como inglesa, que você esteja empenhada em nos dar um título importante pela seleção. Agora, me diga como uma torcedora e não como profissional, quando Eden Hazard se machucou, você preferia que ele voltasse de qualquer jeito pra salvar a temporada 2015/2016 ou que ele se recuperasse totalmente, sem nenhuma pressa, para nos ajudar na temporada seguinte?
- A segunda opção, claro. Queria que ele se recuperasse totalmente, porque Eden totalmente recuperado era tudo que precisaríamos pra fazer a temporada 2016/2017 valer a pena. E valeu.
- Você sabe que ele quis voltar antes, não sabe?
- Sei.
- E a comissão médica barrou, não cederam aos pedidos e o seguraram por vários meses no DM, não sabe?
- Sei.
- A comissão médica do Chelsea é formada por profissionais excelentes, , são pessoas que sabem o que estão fazendo e que sabem da responsabilidade que têm ao tratar atletas de grande destaque e selecionáveis. Você nunca vai ouvir alguma notícia sobre reincidência de lesões vindas do Chelsea, porque nossos médicos levam a sério o trabalho e são profissionais. Há exames muito específicos aqui pra saber sobre a fisiologia de cada um, você sabe disso, porque passou por esses exames.
- Eu sei.
- Pois é, aqui o trabalho médico é levado muito a sério, porque é o nome de um clube importante e de destaque, não vamos colocar a condição física dos atletas e nem a nossa imagem em jogo apenas pra apressar recuperações. Quando Ethan e Marcel foram encaminhados para o tratamento comigo, eles estavam totalmente recuperados fisicamente, mas ainda precisavam fortalecer a mente. Eles já caminhavam sozinhos, faziam trabalho de campo e já tinham até mesmo voltado a jogar, mas as dores fantasmas os assombravam, impediam que eles conseguissem atingir o máximo de suas capacidades antes das lesões. Você é uma mulher mentalmente capaz, porque se teve o sangue frio de pensar durante um jogo em que sua equipe estava sendo derrotada por quatro a zero, no seu estádio e pro maior rival, você tem a mente forte o suficiente para conseguir lidar com essa lesão e com essa reta final de tratamento que será a mais extenuante e dolorosa. Preciso que você tente, de verdade. Primeiro vamos testar sentada, depois que você se acostumar a sentir o chão com seu pé, você fica em pé, depois anda.
- Doutora Dune, eu sei que a comissão médica do Chelsea nunca daria um tiro no escuro e arriscaria sua reputação, mas eu realmente tenho medo de que eu não consiga mais ser , que essa lesão tenha tirado de mim toda aquela habilidade que fazia com que me comparassem ao Kanté e ao Xabi.
- Então não se prenda a esses rótulos, , seja apenas a , a volante foda pra caramba que se recuperou muito bem de uma lesão e voltou melhor do que sua antiga versão. – Samantha falou sincera, fazendo dar um sorriso pequeno. – Eu nunca quis trabalhar com fisiologia, sabe?! Achava que não tinha nada a ver comigo, meu foco sempre foi o tratamento de doenças e distúrbios mentais associados à personalidade, mas um ex-colega me pediu uma ajuda para tratar o Marcel e mesmo sem gostar muito da área e sem entender muito do assunto, eu fui. Foi um mês de sessões diárias de uma hora e meia, conversas e mais conversas, e ele voltou ao campo mais confiante que nunca. Ethan chegou enquanto eu tratava Marcel e eu comecei a gostar dessa área. O Chelsea quis me contratar e me deu total liberdade de atuação, tanto no campo fisiológico quanto na questão psicológica, posso tratar vocês em ambas as áreas. Você é minha primeira paciente da parte de fisiologia aqui dentro do clube.
- Você é namorad...
- Sou. – Samantha interrompeu . – E é uma merda que as pessoas agora saibam disso, porque toda hora tenho um monte de solicitações de amizades e de mensagens no Instagram, além de marcações em fotos aleatórias em que eu nem mesmo estou e comentários e nem todos são bons ou educados.
- Sei como é. – deu uma risadinha condescendente. – Vejo isso sempre sobre e eu.
- Inclusive, avise sua namorada que eu ainda não a perdoei por aquele maldito gol Puskas.
- Nem eu. – riu. – é a única coisa boa que o Arsenal tem.
- Eu concordo. – Samantha falou sorrindo. – Meu clubismo me faz preferir a Ji e a Fran, mas se ela quiser vir jogar no Chelsea será mais do que bem-vinda. Porém, o foco aqui é te dizer que o medo não pode superar sua vontade de crescer, de expandir e alcançar seu objetivo. Sei que parece papinho ensaiado e que você não quer ouvir frases prontas, mas há momentos em que elas são necessárias. Se você se permitir tentar, pelo menos um pouquinho, hoje, já é um passo na direção certa.
- Muitas frases clichês. – brincou, fazendo Samantha sorrir. – E eu sei que você está certa, doutora Dune, mas é difícil.
- Sam, pode me chamar de Sam. E vamos tentar a parte da cadeira, o que você acha? Sem esforço, apenas um teste.
- Tudo bem. – suspirou, aceitando a proposta da médica.

Samantha desceu da maca em que estava sentada e puxou uma cadeira para próximo do local em que permanecia sentada, ajudou a jogadora a descer sem encostar o pé recém curado no chão para caminhar. Sentada e com o pé suspenso, avaliou a situação. Não seria tão ruim, seria? Zero esforço, ela apenas tocaria o chão e sentiria a superfície com o pé.
Perguntava-se se os bebês também tinham aquela sensação quando eram colocados no chão pela primeira vez antes de aprenderem a engatinhar e depois quando começariam a dar seus primeiros passos. Mas era óbvio que não, eles não pensavam o suficiente pra fazer esse tipo de constatação, são pensamentos elaborados demais pra uma pessoa que nem mesmo consegue se comunicar sem se babar ou em um idioma compreensível.
Respirou fundo antes de abaixar a perna devagar, tocando o chão um tempo depois e sentindo seu coração parar por um breve segundo, quando a temperatura mais baixa do chão atingiu sua pele. Ela tinha se esquecido de como era aquela sensação gostosa, ainda que o frio que fazia em Londres naquele dia não ajudasse muito na alegria que ela sentia. Não fazia esforço, só tocando o chão com o pé e sentindo a superfície dura sob si.
Forçou um pouco o pé contra o chão, aumentando o contato, mas sem colocar o peso de uma passada. Nenhuma dor. E só ai percebeu que estava de olhos fechados e a testa franzida, tamanho medo que sentiu de visualizar aquele momento, mas estava bem e seu pé não tinha virado pó e nem sumido, estava ali, sentindo o chão frio.

- E como você se sente?
- Com menos medo.
- Então pegue as muletas, vou te levar pra um lugar que vai te ajudar a evaporar esse medo de vez. – Samantha sorriu, estendendo as muletas para .

As duas caminharam juntas até o campo ao lado do local em que os jogadores do time masculino treinavam para a maratona que os esperava naquele fim de ano. O campo em que, habitualmente, o time feminino fazia seus treinamentos estava vazio e as duas caminharam para lá, esse era o propósito, na verdade, fazer a mente de trabalhar junto com a parte física. Estava frio, mas nada muito extremo, 11ºC e o habitual céu nublado que Londres costumava ostentar, não foi um problema para as duas seguirem até o campo, fazendo Robert olhá-las curioso à distância.
Samantha caminhou até o meio do campo, enquanto parou próximo à beirada. Não sabia se estragaria o gramado impecável com aquelas muletas. E também não sabia se teria equilíbrio suficiente para andar num gramado de muletas.
- Pode vir, não vai estragar o gramado e você não vai cair. – Samantha garantiu, falando mais alto, e resmungou baixo antes de seguir calmamente com as muletas até o meio do gramado.
- Qual é sua ideia? Eu estava bem mais confortável lá dentro.
- Fecha os olhos. – Samantha pediu e a encarou sem entender. – Por favor.
- Você é doida.
- É um dos requisitos essenciais pra se formar em psiquiatria. Agora fecha os olhos. – Samantha pediu e obedeceu. – O que você sente?
- Frio. – falou, fazendo Samantha rir.
- Não, , qual o seu sentimento de estar novamente em um campo, depois de dois meses? Dentro do campo. – Samantha perguntou e , ainda de olhos fechados, deu uma risadinha.
- Sinto falta de estar aqui treinando.
- Coloca o pé no chão. Não precisa forçar a caminhada ou o ficar em pé, pode se sustentar nas muletas, só quero que você sinta.

Samantha falou séria, tinha um vinco entre as sobrancelhas e observava atentamente os movimentos de . Afinal, se ela cambaleasse ou algo do tipo, precisaria de ajuda para não cair e piorar ainda mais a situação inteira. E Samantha torcia para que não fosse necessário.
E então pisou no gramado, sem colocar o peso sobre o pé descalço e que estava gelado, quase anestesiado, sentindo a grama molhada de orvalho roçar na sola do pé. E, mesmo não sendo aquele o seu toque no gramado habitualmente, já que sempre estava de chuteira quando estava ali, sentiu a familiar sensação de pertencimento. Estava em casa.

- Você estava errada, doutora Dune. – falou, abrindo os olhos e com um sorrisinho nos lábios, e Samantha a olhou confusa. – Não preciso de quatro sessões pra ser sua fã. Sou sua fã agora.

Com o pé firmemente apoiado na grama molhada, sorria.
Estava pronta pra voltar.

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Basiléia, Suíça, terça-feira, 25 de dezembro de 2018



estava deitada em sua antiga cama na casa dos pais, encarava o teto do quarto que ainda tinha as estrelas que o pai tinha pintado quando ela tinha doze anos, os pôsteres estavam nas paredes e se não fosse pela bicicleta ergométrica no canto do quarto e os armários vazios, seria altamente crível que ela ainda morava ali e dormia naquele quarto.
Nos outros dois quartos, os pais e a irmã mais nova terminavam de se arrumar para o típico almoço de Natal. Comemoravam a virada do dia vinte e quatro para o dia vinte e cinco, mas isso envolvia muitos parentes e o ritual do Natal em família era algo para o almoço do dia vinte e cinco, em que só os quatro – ou “eventuais convidados” e por “eventuais convidados”, os pais de diziam namorados ou namoradas das filhas.
tinha ficado em Londres, passara o Natal com os pais e também voltaria à fisioterapia no dia seguinte, então além de passar o feriado com a família, ainda teria que trabalhar. Não que não tivesse que voltar aos treinos naquela semana para os treinos, mas ainda tinha dois dias de folga.

- Ei, , está tudo bem? – Nico perguntou abrindo a porta do quarto depois de duas batidinhas e ela o olhou.
- Tudo, só estou olhando as estrelas e pensando em como você é o melhor pai do mundo, porque eu me lembro que pintá-las não foi fácil. – respondeu, apontando para o teto e o homem riu.
- Foi bem difícil mesmo, no final eu tinha mais tinta em mim do que no teto, mas você ficou muito feliz e valeu a pena. – Nico respondeu sorrindo. – E obrigado pela parte do melhor pai do mundo.
- É apenas a verdade. – deu de ombros, ficando de pé. – Mesmo que, biologicamente, você não seja meu pai, você é o que um pai deve ser. Sempre foi.
- Se olhar bem, nós até temos algumas semelhanças.
- Sim, o branco do olho e a sola dos pés. – caçoou, fazendo Nico rir alto.
- Parem de rir e vamos comer, eu estou morrendo de fome! – Lara, a irmã mais nova de , falou passando pelo corredor na direção da escada.

Os dois a acompanharam, caminhando até a sala de jantar e encontrando a mesa de almoço já posta, com cinco opções de saladas, além de adaptações veganas dos pratos típicos de Natal, vinho e suco. A família seguia uma alimentação vegana desde que era capaz de se lembrar, algo que a mãe começara quando adolescente e transmitiu para as filhas, além de ensinar ao marido.
Nico e Sara tinham se conhecido pouco depois do pai de abandoná-las, simplesmente saiu de casa um dia com duas malas de roupas e nunca mais voltou ou deu notícias. Nem mesmo quando se sagrou uma jogadora importante para a seleção suíça, além de logo chamar a atenção da Juventus e, posteriormente, do Arsenal. Não sabiam nem se ele estava vivo, mas não importava, pois Nico tinha chegado para ser o marido e o pai que as duas mereciam ter por perto.
Quase um ano depois da partida do ex-marido, que deixou de ser marido quando a sua última comunicação com a mulher fora o envio dos papéis do divórcio, Sara estava no supermercado fazendo compras com , uma criança de quase quatro anos que, simplesmente, pulou do carrinho de compras e seguiu pelo corredor enquanto a mãe escolhia uma marca de macarrão que fosse barata, gostosa e não contivesse ovos. Sara só percebeu a ausência da filha quando um homem trouxe a menina, que vinha conversando animadamente com ele.
O homem era Nico.
Os dois trocaram telefones e pouco depois começaram a sair, Nico sempre tratara como a filha que ele ainda não tinha e depois de uma pequena batalha judicial, conseguiu autorização para que mudasse de sobrenome e pudesse usar o seu, desligando-a de seu pai biológico totalmente, afinal, se ele não queria conviver com aquela garotinha, não teria a honra de dar a ela um sobrenome.
tinha cerca de seis anos quando Sara e Nico se casaram oficialmente, numa cerimônia pequena para as famílias, e depois de vários anos e tentativas frustradas, Lara nasceu. tinha dezesseis anos, já era jogadora de futebol pelas categorias de base do Basel.
E Nico tinha sido o maior e mais entusiasta do sonho de se tornar uma jogadora de futebol. Encorajava a garota, levava aos treinos e jogos, estava em todos os jogos na torcida, fossem na Basiléia ou não. E então ela foi vendida para a Juventus pelo maior valor de transação envolvendo um jogador suíço à época. Maior do que de Xherdan Shaqiri para o Bayern de Munique. Aquilo era irreal, afinal, uma mulher sendo vendida por tudo aquilo?
só podia agradecer aos céus por ter Nico em sua vida, por sua existência e por todo amor e respeito que ele tinha por ela, por sua mãe e por sua irmã. Eram uma família perfeita, uma família como muitas pessoas desconheciam e não tinham a chance de pertencer.
A descoberta de sua sexualidade na adolescência não foi um problema para os pais, ainda que num primeiro momento tivessem ficado parcialmente surpresos, deram total apoio a e ela sempre teve liberdade para falar sobre isso em casa. Era abençoada por ter aquelas pessoas em sua vida – seus pais, sua irmã e sua namorada – por ter o futebol e o carinho dos fãs, ingleses, suíços e italianos.
Sentia falta de estar em casa com a mãe, a irmã e o pai por mais tempo do que tinha por ano. As visitas deles a Londres eram até frequentes, mas não era a mesma coisa de morarem perto e poderem se ver a qualquer momento que sentissem falta uns dos outros. até tinha tentado convencê-los a se mudar com ela, mas os três tinham suas vidas ali na Suíça e não era justo que abdicassem disso para acompanhá-la.
Depois do farto almoço, foi para o quarto, acompanhada de Lara, a criança de oito anos mais falante e agitada que a mais velha conhecia. Uma menina de sorriso doce e curiosa, cheia de opinião, mas fofa e educada. A pequena sentou na cama e olhou para os pôsteres na parede, todos já previamente conhecidos por ela, e depois para o teto.

- Não vejo a hora de me deixarem vir pra esse quarto. – Lara falou dando um sorriso travesso, sem um dos dentes da frente, e riu.
- E por quê?
- Aqui tem estrelas no teto. E pôsteres por tooooda a parede!
- Você sabe que pode pedir ao papai pra pintar estrelas pra você, não sabe?
- Sim, mas gosto dessas aqui.
- Ele pode pintar iguais pra você. – deu de ombros, deitando-se na cama e puxando a mais nova pra se deitar ao seu lado.
- Mas essas são suas e quando eu sentir sua falta é só olhar pra cima. – Lara respondeu sincera, fazendo sorrir e apertá-la num abraço. – Ai! Cadê a ?
- Em casa com os pais dela e a irmã. Passou o Natal em família e também está machucada, lembra? Então precisa voltar ao médico amanhã e não podia vir, mas vocês vão passar o ano novo conosco, então você vai poder abraçá-la e cobrar seu presente de Natal.
- Vocês vão me levar naquela roda gigante enorme? – perguntou esperançosa.
- Claro!
- Queria que vocês jogassem no mesmo time, eu gosto mais do seu, mas preciso torcer um pouquinho pra também, pra ela não ficar triste.
- Precisa. – falou, contendo uma risada e a vontade de amassar a irmã em um abraço.
- , você pode convencer a mamãe a me dar um cachorro?
- Por que ela não quer deixar você ter um cachorro? – perguntou confusa, mas antes que a irmã pudesse responder, a mãe entrou no quarto.
- Porque eu já tenho que aturar Lara e Nico e só ficaria pior se um cachorro estivesse junto. – Sara falou quase derrotada, deitando-se na cama, entre as filhas, que desfizeram o abraço para que ela se encaixasse ali.
- Argumente a seu favor, Lara. – falou, fazendo a menor pensar por um instante antes de abrir um sorriso.
- Cachorros são bonitinhos, mamãe.
- Mãe, ela venceu. Não dá pra argumentar contra isso. – defendeu a irmã, que comemorou animada.
- Vou pensar, quem sabe no ano que vem...
- EBA! EBA! EBA! – a menor comemorou animada, abraçando a mãe e a beijou demoradamente no rosto.
- Por que eu estou sendo excluído dessa reunião familiar? – Nico perguntou, fingindo um tom ofendido, parado à porta do quarto.
- Clube das mulheres, papai. – Lara respondeu, fazendo os adultos rirem.
- Aceitem um pobre pai abandonado nesse clube... – Nico fingiu drama, juntando as mãos e piscando repetidamente.
- Só se esse pobre pai abandonado fizer minhas malas. – falou e Nico estreitou os olhos.
- Isso ai é estelionato.
- Se você fizer pipoca e nós formos assistir algum filme na sala, está aceito.
- Depois você pergunta os motivos da menorzinha ser minha favorita, . – Nico implicou, fazendo dar uma gargalhada.
- Ela ainda não aprendeu o poder da chantagem, pai, quando aprender, sua favorita serei eu novamente.
- Pipoca! – Sara decretou, fazendo Nico rir.
- Espero que vocês não escolham um filme de terror, porque eu pretendo dormir bastante essa noite.
- Vamos ver Moana. – Lara e falaram juntas, rindo em seguida.
- Eu disse sem terror! Aqueles cocos são realmente assustadores. De um jeito fofo. Igual a vocês. – Nico implicou, sendo vaiado pelas três e recebeu uma almofada nas pernas antes de sair rindo para o andar inferior da casa, em direção à cozinha.
- Vou ajudar o papai. – Lara saiu da cama, passando por cima das duas mais velhas e saiu correndo para fora do quarto.
- E como está, filha?
- Se recuperando, mãe. Ela ficou muito triste, mas agora está tratando e já até está andando sem as muletas e sem a bota ortopédica. Nos primeiros dias, antes e depois da cirurgia, ela chorava o tempo todo, mas depois começou a se conformar e entender que aquilo tinha sido necessário, porque ela realmente tinha rompido todos os ligamentos.
- E vocês duas?
- Estamos bem. Mesmo depois de eu fazer dois gols na goleada em cima do Chelsea e do Arsenal estar bem melhor na tabela. – deu uma risada ao falar. – Mas nós estamos muito bem. é a melhor namorada que eu poderia ter e nem se eu tivesse pedido sob encomenda ela seria tão perfeita.
- Queria que ela tivesse vindo, realmente gosto dela. – Sara deu um sorriso sincero. – Mas, pelo menos, vamos pra Londres daqui dois dias e poderei vê-la.
- Deixa de ser babona, mãe. – implicou. – te adora, ficou bem frustrada por não poder vir, mas o Natal é uma coisa muito séria para os e se ela não ficasse por lá, provavelmente seria deserdada.
- E seria muito bem acolhida aqui.
- Meu Deus, essa família é o próprio fã-clube da . – rolou os olhos, entediada.
- E a presidente-fundadora é você. – Sara implicou, esbarrando o ombro no da filha, que sorriu. – Gosto que ela te faça feliz assim, que vocês se façam felizes e não se escondam do mundo, mesmo que tantas pessoas façam comentários desnecessários e idiotas sobre vocês. Lor é meu casal favorito do mundo!

Mas, antes que conseguisse responder a mãe, as duas ouviram um barulho vindo da cozinha, seguido de gargalhadas de Lara. Levantaram-se e desceram o mais rápido que conseguiram, porque não podiam perder a chance de ver o que quer que fosse que tivesse acontecido naquela cozinha.
E enquanto ria de Nico cheio de chocolate na camisa, novamente agradecia por aquela família e por aquelas pessoas.

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Londres, Inglaterra, segunda-feira, 31 de dezembro de 2018



As famílias estavam reunidas no Parque Primrose Hill para assistir, ainda que de longe, a queima de fogos de ano novo no London Eye. E, ainda que não fossem tão numerosos e que estivessem num local aberto, conversavam paralelamente e isso soava ruidoso, mas adorava aquilo. As duas famílias se dão muito bem, tratam-se com total respeito e companheirismo. Os pais de amam como se ama uma filha, a mesma coisa os pais da suíça sentiam pela inglesa. E isso era maravilhoso.
Tinham saído para jantar nas proximidades do parque e resolveram ficar por lá para assistirem aos fogos com um pouco mais de tranquilidade do que na roda gigante no centro de Londres. Estavam bem agasalhados, acompanhados de suas cervejas e sucos e o assunto agora girava em torno do futuro cachorro de estimação que Lara teria na Suíça, ela estava empolgada contando sobre aquilo e tentando decidir qual a melhor raça para ter em casa, fazendo a mãe de arregalar os olhos toda vez que um cachorro de porte realmente grande era mencionado. Toda aquela conversa em torno de raças de cachorro cairia por terra em breve, porque acabariam adotando um cachorro resgatado da rua e que não teria raça definida.
também queria ter um cachorro, mas deixaria aquele assunto para tratar com depois, por enquanto ela apenas queria aproveitar a presença da família inteira ali para iniciarem juntos mais um ano.
tinha sentido falta da namorada, mas desde que estavam novamente no mesmo país, as duas não tiveram quase nenhum tempo a sós, sempre havia alguém por perto. O tratamento de estava ótimo, dentro do prazo que o departamento médico acreditava que tudo se desenvolveria, não sentia mais dores e nem desconfortos e poderia começar os trabalhos na água em três dias e os trabalhos de campo a partir da segunda metade de janeiro, talvez até antes se as coisas continuassem evoluindo bem. E ela estava ansiosa por isso. Continuava suas consultas com a doutora Dune, assim como todos os outros atletas do clube, e vinha sendo ótimo. A mulher era realmente muito boa, apesar de ser nova, e muito segura de seus métodos.
Os dias antes do recesso no campeonato feminino tinham sido muito bons para os dois times, o Arsenal estava firme na liderança e a vitória por 3 a 1 sobre o Millwall, o Chelsea tinha batido o Tottenham com uma bela goleada de 5 a 0. Só que mesmo muito feliz pelo time ter conseguido aquelas vitórias, sentia falta de estar em campo, além de sentir-se levemente ameaçada, afinal, o time estava bem sem ela, não sentiram sua ausência e estavam bem. E aquilo a assustava.
Sentiu a mão de apertar a sua e virou-se em sua direção, olhando-a diretamente nos olhos e sorrindo sob o cachecol que estava envolvendo metade de seu rosto. Os 9ºC daquela noite só pareciam mais frios por causa do vento que insistia em atingi-las. Por sorte, pouco apenas cinco minutos separavam-nas da entrada do novo ano.

- , você podia jogar no time da . – Lara foi quem se pronunciou, fazendo virar o rosto em sua direção e olhá-la curiosa. – Eu gosto muito mais de vermelho, sabe?! Você ficaria linda de vermelho.
- Eu prefiro azul, Lara. – fez uma careta.
- O Basel é azul E vermelho. – Lara falou, dando um sorriso, que também estava escondido sob um cachecol, fazendo os adultos gargalharem.
- ficaria muito mais bonita de azul do que de vermelho. E você também.
- Eu fico linda com qualquer cor. – Lara deu de ombros, causando novos risos entre os adultos. – Falta muito?
- Três minutos. – Nico falou, conferindo o relógio.

A conversa foi retomada entre quase todos, deixando apenas e fora do assunto, de mãos dadas, elas apenas observavam o céu que, em breve, seria preenchido por fogos e cores.

- Senti sua falta. – falou baixo, aproximando o rosto do de e a suíça sorriu, franzindo o canto dos olhos ao fazê-lo e acariciou a mão de , coberta pela luva.
- E eu a sua. – destampou o próprio rosto, sendo seguida por e os sorrisos sinceros foram vistos.
- Meus pais me deixavam apenas com mais vontade de te ver, porque falavam de você o dia inteiro!
- A mesma coisa aconteceu na Suíça. – deu uma risadinha.
- DEZ! – Lara gritou, chamando a atenção das duas.
A família estava de pé e as duas fizeram o mesmo, acompanhando a contagem regressiva e quando chegaram ao zero e o céu se iluminou com os fogos e os abraços começaram a ser trocados, e estavam em uma bolha só delas. Os narizes gelados se roçavam vez ou outra, e as bocas ainda que frias permaneciam macias e apaixonadas naquele beijo de ano novo, guardando a tradição e também para aliviar a falta que sentiram uma da outra.
Queriam se beijar para sempre, sem parar, se fosse possível, mas infelizmente ainda não haviam inventado uma forma disso acontecer sem que a falta de oxigênio causasse problemas, então separaram-se quando precisaram de fôlego, mantendo as testas grudadas e olhos fechados, não viam as respirações formarem fumaça de frio e nem os familiares se abraçando.
Silenciosamente, cada uma delas fazia sua própria prece agradecendo pelo ano que tinham vivido e pedindo para que o ano que se iniciava fosse tão bom quanto, com conquistas e repleto de coisas boas.

- Feliz ano novo, Vida.
- Se for do seu lado, , tudo é mais feliz. – falou antes de voltar a beijar a namorada.




Continua...



Nota da autora: Sem nota.




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