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Última atualização: Abril de 2025

A você que, como eu, ousa abraçar o vilanismo de suas próprias escolhas e se permite dançar com as sombras.
E ao meu terapeuta que me ensinou a aceitar o lado ruim que habita em mim.


Prólogo

null


Minha mãe disse, uma vez, que há três tipos de policiais: os corruptos, os incompetentes e os preconceituosos. Desde que ela falou isso, eu me encontrava em um constante jogo de adivinhações, tentando decifrar a qual categoria eu pertencia.
A certeza que carregava era a de que não era corrupta; a ética impregnada em minha educação era um escudo contra essa face sombria da profissão. A incompetência também não parecia ser meu fardo, embora por muito tempo eu tenha flertado com a sensação de inadequação.
Era o terceiro tipo, o preconceituoso, que me provocava dúvidas. Por muito tempo, a sombra de meu pai pairou sobre meu caminho, uma herança indesejada que moldava a percepção alheia sobre mim. A eterna filha de Thomas null, o detetive renomado, cujo legado carregava tanto a luz da justiça quanto a sombra de suspeitas. Estar à sombra do meu pai não era uma escolha, mas uma narrativa imposta pela história que precedia a minha admissão na força policial. A pressão de corresponder às expectativas, de provar que meu mérito era mais meu do que do meu sobrenome, era uma batalha diária.
Thomas null e Leslie Baker são dois nomes que ecoam no Departamento de Polícia de Edgewood South City como o significado de coragem e resolução. Juntos, assumiram um legado que transcende os limites da aplicação da lei, moldando vidas, influenciando escolhas e estabelecendo novos padrões para a justiça. Meu pai havia sido o responsável pela execução do porcelanista, um dos maiores assassinos em série das últimas décadas.
Talvez por isso carregar o legado de meu pai tenha se mostrado uma tarefa tão árdua. Primeiro, foi a difícil missão de convencê-lo de que minha escolha profissional era mais do que uma aspiração momentânea ou um capricho; era uma convicção, uma meta. Espelhar-me em meu pai não era apenas uma vontade, mas uma busca por me tornar uma figura tão impactante quanto ele.
Eu o venerava, sempre foi assim.
A jornada tornou-se ainda mais complexa diante dos preconceitos arraigados na área. Como mulher, cada passo exigia uma demonstração extra de competência, uma constante batalha contra estereótipos que insistiam em obscurecer minha verdadeira habilidade e dedicação.
E então, surgiram as dúvidas, não apenas as minhas, mas as que ecoavam nos olhares dos outros. Ser vista como null era uma batalha constante, pois a sombra de meu pai, o grande Thomas, muitas vezes se projetava sobre mim. As expectativas elevadas e os julgamentos frequentes faziam com que eu não fosse reconhecida por minha própria luz, mas como a filha de uma lenda do DPESK.
O amor que sinto por meus pais é inegável, e sou grata por todo o carinho que recebi ao longo dos anos. No entanto, inevitavelmente, me pego imaginando como seria se meu nome não estivesse constantemente associado ao legado deles. Se eu conseguisse ser apenas eu.
null, você tem quinze minutos para entrar na coletiva de imprensa. Parabéns pelo caso, seu pai deve estar orgulhoso.
Agradeci com um aceno de cabeça, apreciando o gesto sincero de meu chefe. Enquanto me preparava para encarar a atenção da mídia, uma pontada de emoção misturada com nervosismo pulsava dentro de mim. Não era apenas mais um caso; era a oportunidade de provar não apenas a mim mesma, mas a todos que viam apenas o sobrenome null, que eu era uma agente competente e capaz. Não pelo nome que eu carregava, mas por quem eu havia treinado exaustivamente para ser.
Caminhei em passos lentos para a sala que abrigaria a coletiva. Ao chegar fui envolvida pela luminosidade intensa, proveniente das câmeras e holofotes. Cada detalhe parecia aguçado, os contornos das pessoas, os tons das roupas, tudo nitidamente destacado.
O cheiro era característico de papel, tinta e, inevitavelmente, uma leve pitada de nervosismo que permeava o ar. A combinação era familiar, remetendo-me a inúmeras coletivas anteriores, mas desta vez eu não era uma parceira secundária colocada ali para dar suporte. Eu era o alvo de cada microfone apontado em minha direção.
Ao ocupar minha cadeira, pude sentir a tensão crescente no ar. O murmúrio constante das conversas convergia em uma sinfonia de vozes, misturando-se com o tintilar das câmeras prontas para registrar cada momento. Meus sentidos pareciam amplificados, captando cada movimento e som ao meu redor em câmera lenta.
Meu corpo reagia de maneira singular. O coração pulsava com uma cadência acelerada, as mãos, mesmo repousadas sobre o colo, revelavam uma leve tremulação que acompanhava a ansiedade. Cada inspiração era marcada pela consciência do momento, pela responsabilidade que carregava como agente especial e, mais significativamente, como filha de Thomas e Leslie null.
Enquanto aguardava o início da coletiva, meu olhar percorria a plateia, capturando expressões expectantes, olhares curiosos e flashes incessantes das câmeras. A cada clique, era como se o peso da responsabilidade aumentasse, mas, ao mesmo tempo, a determinação impulsionava-me a assumir o papel que eu mesma escolhera.
O superintendente, com sua voz firme e autoritária, iniciou os elogios à equipe e a mim. Seus comentários reverberam pela sala, e eu sinto o peso da responsabilidade aumentar. Olhei para o microfone à minha frente, pronto para enfrentar as perguntas que viriam.
— Senhoras e senhores da imprensa, estamos aqui para reconhecer e celebrar o trabalho exemplar da agente especial null null e de toda a equipe do DPESK. O caso que tanto desafiou nossa instituição foi solucionado graças ao esforço incansável deles. — O superintendente abriu espaço para as perguntas, e os repórteres prontamente começaram a levantar suas mãos. Eu respirava fundo, preparando-me para encarar não apenas as perguntas, mas também a exposição diante das câmeras e da atenção da mídia.
A primeira jornalista, com seu microfone em mãos, direcionou a pergunta para mim.
— Agente null, parabéns pelo sucesso no caso. Gostaria de saber, com essa nova responsabilidade, se você sentiu algum medo ou apreensão ao enfrentar um desafio tão significativo. E, se possível, qual você considera o maior desafio de sua profissão? — Respirei fundo antes de responder, mantendo a expressão controlada.
— Agradeço pela congratulação. Em relação ao medo, acredito que toda profissão traz seus desafios e responsabilidades. O que me motiva é a busca pela justiça e a resolução dos casos, mesmo que isso signifique enfrentar situações desafiadoras. Quanto ao maior desafio da profissão, acho que é a constante pressão para superar expectativas e garantir que a justiça seja feita. Famílias esperam isso, a vida de seus parentes depende disso.
Antes mesmo que eu pudesse responder, senti meu olhar sendo direcionado para a segunda voz feminina na linha de perguntas.
— Agente null, poderia fornecer mais detalhes sobre a investigação e como a equipe conseguiu solucionar o caso?
— Certos detalhes estratégicos não podem ser divulgados, mas posso garantir que a dedicação da equipe e a análise minuciosa das evidências foram fundamentais para a resolução desse caso. As testemunhas também ajudaram muito, é preciso bastante coragem para se expôr com o único intuito de ajudar pessoas.
— Com todo o respeito, há quem sugira que seu passado, vinculado ao seu pai, poderia ser um desafio adicional ou até mesmo um risco para suas investigações. Como você lida com essa possibilidade?
Mantive a compostura, ciente de que essa pergunta seria recorrente.
— Raízes profundas carregam sombras mais densas. — Murmurei, mas continuei ao perceber que a autora da pergunta não se deu por satisfeita. — Meu pai foi um excelente profissional, e acredito que seu legado é uma inspiração. No entanto, busco fazer o meu trabalho com dedicação e competência, independente do sobrenome que carrego.
— Agente, gostaríamos de saber como você se sente em relação ao modus operandi do porcelanista, considerando o histórico de sua família com esse assassino em particular. Você se sente preparada para lidar com casos semelhantes, especialmente considerando que ele quase causou a morte de sua mãe?
A pergunta trouxe à tona lembranças difíceis, mas mantive a postura ao responder.
— O porcelanista foi um desafio para minha família, mas também uma motivação para eu seguir carreira na área policial. Enquanto criança, precisei lidar com algumas sequelas mentais que ele deixou, especialmente em minha mãe, mas isso não muda os objetivos que passei a ter. Estou ciente dos perigos envolvidos e, sim, me sinto preparada para enfrentar qualquer desafio que a profissão me apresentar.
O jornalista, sem esperar permissão, prosseguiu com outra pergunta, arrancando-me do sério por alguns segundos.
— Agente null, sabemos que o porcelanista possui uma espécie de "fã-clube". Ao falar tão assertivamente sobre ele, não teme irritar ou desagradar aqueles que podem se identificar com o trabalho dele? Afinal, algumas pessoas acreditam que o porcelanista tinha uma visão única sobre a vida.
Dei uma risada irônica antes de responder, mantendo a firmeza no olhar.
— Se há alguém que apoie as atrocidades cometidas há vinte e sete anos, essa pessoa certamente não possui a menor regularidade de suas capacidades mentais. O porcelanista foi superestimado. Ele não passava de uma alma vazia, solitária, que morreu no fracasso de suas ações. Optar pelo mal é uma escolha, não uma visão única sobre a vida. Afirmo com convicção que, para cada porcelanista, sempre haverá um null pronto para fazer justiça.


Capítulo 1

Ele


Optar pelo mal só é uma escolha quando você tem alternativas, null.
Você não sabe o que é a escuridão até que ela se torne a única coisa que te resta.
Você vive em um mundo de privilégios, onde a vida é justa e as escolhas são meras opções, mas, para mim, a vida é uma sucessão de perdas. Você se destaca com seus discursos de moralidade, como se soubesse o que é enfrentar uma dor tão intensa que é capaz de te transformar.
O mal é subjetivo, agente null. Não se pode julgar o desespero de quem caminha à beira do abismo quando se está confortavelmente ancorado na luz.
Talvez, quando as sombras da sua própria existência se tornarem insuportáveis, você entenderá que nem tudo é preto e branco quanto gostaria que fosse. Se você acredita que o mal é uma escolha, então eu te desafio a enfrentar a realidade.


A sala estava mergulhada em sombras, apenas iluminada pela luz fraca que escapava pelas frestas das cortinas cerradas. Observo a beleza natural da mulher, agora indefesa e algemada, tremendo sob a certeza de um destino cruel. Cada movimento que eu fazia, cada palavra que eu proferia, era um passo calculado para aumentar o medo que brilhava nos olhos dela. Os olhos eram a parte mais prazerosa.
— Qual o seu nome, Petit? — Eu sabia o seu nome, mas sentia uma certa emoção quando elas se engasgavam tentando falar. Como se falar fosse mudar o seu destino. Ela era a terceira, mas seria a primeira a ser exposta porque, agora, eu estava pronto.
— Amanda. — Falou arfando, assim que retirei o pano de sua boca. — O que você vai fazer comigo? — Ela estava sóbria, consciente demais.
— Eu vou te matar. — Assumi, de maneira simples e logo as lágrimas voltaram a descer do rosto delicado. — E vai doer. — Seus olhos se fecham e quase consigo escutar as orações que ela faz para qualquer Deus em que acredite. Eu já não acreditava em Deuses a muito tempo. — Você vai morrer por causa dela, sabia? Por causa das palavras dela. Ela precisa entender que, sob certas circunstâncias, somos todos capazes de coisas que jamais admitiríamos. Você é o começo do fim daquela mulher. Ela engolirá toda a arrogância da mesma forma que você engolirá o seu próprio sangue. — Murmurei, me abaixando apenas o suficiente para observar a vítima com maior nitidez.
— Por favor, eu quero ir embora.
— Viu? É exatamente isso que a agente null precisa entender. As escolhas são ilusórias e nós somos marionetas das circunstâncias. O que você quer, nem sempre é o que você tem.

Amanda De Vryes era sua colega, agente? Vi que há muitos anos sua mãe postou uma foto de vocês duas juntas, mas não pareciam tão amigas. Você mal se recorda daquela foto, não é mesmo? Na imagem, as linhas do corpo de Amanda revelam uma busca desesperada por proximidade, enquanto a sua própria postura parece delinear uma fronteira intransponível. Era uma amizade forçada? Uma tentativa efêmera de sua mãe em construir laços que a temporalidade cuidou de corroer? Bom, isso não me importa, se vamos ser sinceros um com o outro.
Em meu show você não será uma testemunha, você será a audiência principal. E é pensando nisso que escolhi Amanda tão meticulosamente. Não busquei alguém que você considerasse próximo ou significativo à primeira vista. O objetivo era sutilmente ser uma figura emergindo de suas memórias esquecidas.
Uma escolha que ecoa a ironia do esquecimento, pois, afinal, quem se recorda verdadeiramente de uma colega distante? Este é apenas o início, null.


Meu tio havia sido um gênio incompreendido embora, talvez, eu deva admitir que ele foi um tanto quanto estúpido. A ideia de transformar aquelas mulheres em bonecas tinha uma criatividade rústica, uma beleza, como foi anunciado por ele a alguns anos atrás. Ele teria tido um nome, ele teria conseguido mostrar que a vida não é nada além de algo passageiro. Simon Brown teria sido um nome de inspiração para tantos… No entanto, ele não conseguiu chegar além de alguns números. Algumas mortes desconexas umas das outras e algumas emoções perdidas no meio da jornada confusa de não ter um alvo definido. No fim pode-se dizer que ele alcançou o seu objetivo, mas não com a eficiência necessária. No mundo, às vezes, você aprende que não basta fazer algo bom. É necessário fazer com perfeição.
O resmungo da mulher presa sobre a cama me tira do pensamento e caminho até a porta, parando para a olhar enquanto me sirvo de uma xícara de chá gelado. Por que mulheres eram tão barulhentas? Homens sempre tentavam usar a força, mas não falavam tanto. Mulheres choravam o tempo inteiro. Sua boca estava amarrada com pano, mas tive cuidado para colocar um tecido de algodão. Não queria marcas em seu rosto, tinha isso em comum com o meu tio. Odiava manchar o que seria uma obra imaculada. Ela para de resmungar por uns instantes, mas as lágrimas continuam. Me aproximo dela, colocando as mãos em sua bochecha. Ela não se afasta, mas o pânico ainda mora em seu olhar.
Sorrio, sentindo o prazer iminente da reação de medo que ela sente. Ela era bonita, uma beleza básica, mas ainda bela. Seus lábios eram grandes, os olhos carregavam o castanho das madeiras no inverno, seu tom de pele era bronzeado. Os cabelos eram curtos, na altura de seus ombros, mas apesar do corte moderno, havia uma feminilidade gritante em suas expressões e na forma que ela se movia, mesmo algemada.
Meu tio havia me ensinado algo sobre as ervas e plantas que utilizava, mas já tinha se passado muito tempo desde as suas aulas e eu sequer tinha absorvido todos eles porque eu era apenas uma criança. Mesmo que eu tivesse aprendido com ele, a tecnologia era muito mais avançada, por isso, precisei me recriar diante do que eu tinha e do que eu precisava.
Quando o meu tio começou a matar, ele tinha em mente purificar as mulheres. Eu, no entanto, não queria a purificação. Eu queria a degradação.
Eu não era como Ted Bundy, Ed Kemper ou Jeffrey Dahmer. Não era um jovem idiota que não sabia o motivo da minha ira ou que não podia controlá-la.
Eu sou melhor.
Eu sei quem atingir, sei como atingir e o por quê eu queria atingi-la. Com você, null, a minha degradação não seria física, seria mental, emocional. Quando o meu tio sequestrou Leslie, ele disse para ela que a melhor forma de machucar alguém seria deixando a pessoa viva e acabando com a família dela e essa foi a maior lição que eu poderia aprender.

Talvez o amor não seja uma fraqueza, mas se colocar abaixo dos que você ama é. E humanos são ótimos em fazer isso.
Você faz isso também?

— Vamos brincar de um jogo, tudo bem? — Voltei minha atenção para a mulher que chorava descontroladamente. — Eu vou te soltar e você vai fugir, mas eu vou te caçar. — Seu olhar veio ao meu em pânico, assustada, mas havia esperança também. Mesmo que a possibilidade fosse pequena, as pessoas sempre achavam que havia para onde fugir. — Suas mãos estarão amarradas, mas os teus pés estarão livres. Eu vou te dar dez segundos de vantagem para que você corra e vou andar atrás de você, não correr, apenas andar. — Sussurrei, seu choro incessante havia sido pausado e agora ela me encarava com atenção. Em passos lentos fui até o armário que ficava fora do quarto, pegando uma das minhas armas favoritas. Uma besta criada para caça, comum de ser encontrada, mas com melhorias feitas por mim. Retorno ao quarto e os olhos da minha convidada se arregalam. — Eu vou te caçar com isso, mas não se preocupe, eu não vou ferir o seu rosto.

Fiz conforme a orientei.
Deixei suas mãos amarradas com força suficiente para que ela nunca conseguisse se soltar sozinha, soltei os seus pés e, assim que ela levantou, sentei na cama para começar a contar.
Ela podia me atacar se quisesse, poderia se recusar a fugir, poderia ter ido até o armário e pegado uma arma qualquer para reagir, mas ela fugiu. Correu em desespero, como se essa fosse a sua única escolha.
Esse era o problema da mente humana. Sempre que você está em desespero, você acha que só tem uma escolha possível.

Um...
Dois...
Três...


Capítulo 2

null null


— Você sabe a minha opinião sobre a sua mudança de departamento, null. Eu não gosto da ideia e sua mãe também não a aprovaria. Você estava fazendo um bom trabalho na Unidade de homicídios, não precisava se especializar em malucos. — Meu pai soltou essas palavras, carregadas de preocupação e resistência vindo de alguém que viu a sombra de anos dedicados à caça de assassinos em séries. Respirei fundo, consciente de que essa conversa já se repetira tantas vezes que parecia um roteiro desgastado.
— Pai, eu fui promovida há seis meses, você já devia estar acostumado com a ideia de que sua filha é mais parecida com você do que você gostaria. — Minha resposta saiu carregada de determinação, mas eu compreendia os medos que ele tinha. Nossa família havia ficado com muitas cicatrizes, era impossível não as reconhecer.
Ele estudou meu rosto por um momento, seus olhos brilhavam em uma mistura complexa de apreensão e orgulho. Eu ainda conseguia ver as marcas que a vida deixara nele, eu não sabia toda a história do meu pai e nem sempre estive ali com ele, mas percebia a dor que sempre pairava sobre sua expressão.
— Eu sei que você é incrível no que faz, eu só... — Ele hesitou por um instante, escolhendo cuidadosamente suas palavras. — Eu só não quero te perder também.
A sinceridade em sua voz atingiu meu coração. Compreendia o medo que o assombrava, o medo de perder mais uma pessoa que amava para o lado sombrio da vida. Coloco minha mão sobre a dele, buscando transmitir pela nossa conexão a confiança que eu tinha no que eu queria fazer, mas também no que ele havia me ensinado.
— Pai, eu escolhi esse caminho porque quero fazer a diferença. Eu quero lidar com casos que os outros evitam. E, sim, sei que é perigoso, mas você me ensinou a enfrentar os perigos, não a fugir deles. Eu não estou fazendo isso para te decepcionar, estou fazendo porque é quem eu sou. — Ele soltou um suspiro resignado, mas um leve sorriso apareceu em seu rosto.
— Você sempre foi teimosa como a sua mãe. Tudo bem, vá lá e faça o que precisa fazer. Só prometa que vai tomar cuidado.
Prometi, sabendo que minhas palavras carregavam um peso significativo para o meu pai. Minha mãe não foi morta pelo porcelanista, mas as sequelas do que aconteceu eram visíveis em cada cicatriz emocional que ela carregava. Meu pai quase chegou tarde demais para salvar a mulher que amava, e esse "quase" foi o que o impeliu a deixar para trás o trabalho que o consumia, fazendo-o buscar uma vida mais pacífica ao lado de minha mãe e, futuramente, de mim.
— Eu vou. — Ele apenas assentiu, um gesto silencioso que expressava mais do que as palavras poderiam dizer. Me aproximei dele, depositando um beijo em seu rosto e logo busquei as chaves do meu carro em minha bolsa.
Ao alcançar o estacionamento, entrei no carro e dirigi em direção à Unidade de Crimes Especiais. O silêncio do carro permitia que eu me afundasse nos detalhes do meu caso atual.
Duas vítimas aparentemente desconectadas entre si: tons de pele diferentes, estilos de vida contrastantes, idades diversas e até mesmo locais que frequentavam completamente distintos. Era como se o assassino escolhesse suas presas sem qualquer padrão aparente.
A falta de conexão não confundia apenas a mim, mas também toda a equipe de investigação. Cada elemento daqueles assassinatos parecia ser meticulosamente planejado para manter as autoridades às cegas. Nós dificilmente associaríamos as mortes a uma única pessoa, se não fosse pelos detalhes.
O laço, amarrado com habilidade quase artística, era a característica mais distintiva. Mas era na mensagem que ele revelava o seu toque sombrio. Sempre um poema, escolhido de alguma obra literária. A combinação de poesia, beleza e morte era a sua assinatura.
Essa assinatura não o identificava, mas revelava uma mente perturbada. Ele não se sentia apenas um assassino, mas um criador. Um artista de sua própria escuridão.
Ao estacionar o carro próximo à entrada do departamento, respiro fundo antes de sair. O peso da investigação e a tensão do caso estavam sempre presentes, onde quer que eu fosse. Caminhei em direção à UCE com passos firmes.
Ao adentrar o apartamento, percebi uma atmosfera demasiadamente agitada. Os murmúrios dos colegas e a intensa movimentação indicavam que algo estava acontecendo. Não precisei me esforçar para entender o que estava acontecendo já que, ao chegar em minha sala, fui recebida com a notícia de que teria um novo parceiro designado para o caso.
— Você deve estar brincando, certo? — questionei, esperando por uma negação que não veio. — O que houve com o Jack? — Jack era meu antigo parceiro e havia muito silêncio pairando sobre a razão da sua repentina ausência.
— Transferido, algo sobre como a mãe dele não estar bem e ele querer estar próximo.
A mudança inesperada apenas alimentou minha frustração. Jack era confiável, experiente, resoluto e reservado. Agora, eu me via com um parceiro completamente diferente, alguém cujas habilidades eu desconhecia, apesar de ter visto várias manchetes com seu nome.
Eu conhecia null null; ele era um jogador famoso que escolheu o esporte por diversão, atingiu o ápice e depois decidiu que não queria mais seguir por aquele caminho. Ele era uma estrela, e estrelas não combinavam com morte, assassinatos, suspense e mistérios.
null seria minha ruína e o desastre do meu caso porque ninguém olharia para o que realmente importava. As pessoas prestariam atenção nele, o astro da NFL que agora brincava de detetive. As manchetes sensacionalistas e os olhares curiosos da mídia desviariam a atenção do trabalho árduo e meticuloso que a resolução do caso exigia.
— Me desculpe, senhor, mas não vou aceitar uma estrela de NFL no meu caso.
A resposta do meu chefe, no entanto, não deixava margens para negociação.
— Eu respeito você, seu pai e seus resultados, mas não é uma escolha sua, agente null. Você vai treiná-lo, vai cooperar com ele e incluí-lo em suas investigações. Ele está no caso com você, e isso não vai mudar, a não ser que seja por vontade dele. — Apesar da resposta fria, o Tenente Daniels se aproximou, mantendo um semblante sério delineando seu rosto. Ele fez um sinal para que eu o seguisse até seu escritório. — null, temos um novo desenvolvimento. Recebemos uma ligação anônima indicando a localização de mais um corpo. Parece ser o mesmo modus operandi do nosso caso atual. — disse o tenente, sua expressão grave transmitindo a seriedade da situação. — Já acionei o seu novo parceiro, vocês se conhecerão lá.
A notícia de uma nova vítima ecoou em meu peito, havia algo nesse caso que se tornava pessoal sempre que eu ouvia atualizações, eu me sentia ligada a isso. De uma forma fodidamente incomum.
O Tenente Daniels estava claramente preocupado com a gravidade do caso e não era para menos; três mortes, nenhum suspeito. Enquanto ele explicava a situação, minha mente já se movia para o próximo passo na investigação, mas a notícia de que null null já estava a caminho da cena do crime adicionou uma camada adicional de desafio a todos os passos que eu tentava antecipar.
— Ele vai para a cena do crime? null nem teve tempo de se ambientar aqui ainda. — Minha frustração se manifestou novamente.
— Então não vamos perder tempo, o ambiente assim que ele chegar lá.
A irritação pulsava em minhas veias enquanto eu me dirigia para a cena do crime. O trajeto até o local parecia interminável, meu carro cortando a cidade sob a luz das sirenes, refletindo meu estado de espírito agitado.
Ao chegar, uma visão sombria tomou forma diante de mim. A rua estava bloqueada, e policiais fardados estavam presentes, delimitando a área com fitas amarelas. O piscar frenético das luzes das viaturas pintava um quadro surreal na escuridão da noite. O olhar curioso de transeuntes e moradores locais acrescentava um tom de morbidez à cena, uma plateia involuntária para o espetáculo do crime.
Barreiras policiais formavam uma linha de defesa, mantendo afastados os intrusos indesejados. A curiosidade era palpável no ar, e os murmúrios da multidão acrescentavam um ruído constante à atmosfera tensa. Entre os policiais, repórteres tentavam obter um vislumbre dos acontecimentos, câmeras em punho, ansiosos por qualquer fragmento de notícia que pudessem transmitir.
Eu me aproximei, mantendo minha expressão séria e determinada. Os olhares dos policiais se voltaram para mim, alguns com reconhecimento, outros com um toque de especulação. Ao adentrar o perímetro, o cheiro familiar de desinfetante e a presença sutil da morte preencheram o ar.
— Detetive null, não encontramos documentos próximos à vítima que pudessem identificá-lo. Além disso, nenhum familiar apareceu entre as pessoas curiosas. — O policial que descobriu o corpo relatou, mantendo um semblante sério diante da situação.
— É um homem? — A surpresa foi evidente em minha voz. Mais um padrão sendo quebrado, mais um nó surgindo em minha mente.
O perito se aproximou, fechando a sua agenda e se colocando em minha frente.
— Agente null. — Cumprimentou, fazendo-me desviar o olhar por alguns segundos. Eu gostava de Liam, mas não conseguia confiar nele. Tinha algo no seu olhar que era sorrateiro demais, mas ele era muito competente tecnicamente. — Não há evidências de que a vítima tenha sido morta aqui. Analisando a situação, não encontramos fisicamente uma ligação aparente entre esta e as outras duas mortes. Além disso, ao contrário das vítimas anteriores, não há o característico laço, mas encontramos uma mensagem no corpo. — Enquanto eu assimilava as informações, me aproximei da vítima para examinar mais de perto. O perito, com uma destreza inabalável, continuou a análise. — A semelhança nos modus operandi é evidente, mas, até agora, não conseguimos traçar uma ligação direta entre as vítimas. A mensagem estava presa na garganta dele, mas não foi a causa da morte. Enviei algumas amostras para análise. — Olhei atentamente para o homem estendido diante de mim. Havia algo familiar na forma como ele estava disposto, nas feições de seu rosto. Algo que eu não conseguia decifrar inteiramente, mas que me lembravam de alguém. — O homem está morto há quase um dia, no entanto, notavelmente, está conservado. Isso indica que o assassino pode ter acesso a produtos químicos e conservantes, evidenciando um alto nível de preparação e cuidado.


Capítulo 3

null null


Organizado. Cuidadoso. Inteligente. Com recursos.
Essas palavras ecoavam em minha mente à medida que as informações do perito eram assimiladas. Embora o perfil do assassino ainda não estivesse totalmente delineado, essas características básicas já começavam a emergir.
O assassinato não era apenas um ato impulsivo, mas uma elaborada peça de teatro planejada nos mínimos detalhes. A ausência de documentos próximos à vítima, a mensagem habilmente escondida e a conservação do corpo indicavam uma mente meticulosa e calculista.
A escolha de não deixar enigmas nas poesias anteriores, revelava uma progressão planejada. O assassino estava construindo uma narrativa, um jogo psicológico que se desdobrava em cada cena do crime.
Enquanto eu ponderava sobre os possíveis traços do criminoso, percebi um aumento nos flashes e no burburinho ao meu redor. Instintivamente, afastei-me um pouco do corpo, curiosa para entender o que estava acontecendo. Foi quando avistei null null chegando, trajando um terno vinho que se destacava, sapatos brancos em harmonia com detalhes do mesmo tom, e óculos escuros que acentuavam a sua vestimenta.
Seu cabelo loiro estava perfeitamente arrumado, embora alguns fios se soltassem com a brisa.
O contraste entre a seriedade da cena do crime e a presença marcante de null provocou um pensamento inevitável.
— Porra. Ele acha que está no Paris Fashion Week ou o que? — resmunguei para mim mesma, não conseguindo evitar uma pitada de sarcasmo. A forma como ele se movia, se vestia e sorria me davam a certeza do que eu temia. null null era tudo, menos uma boa ideia para aquele caso. A ironia da situação não escapou a mim. Enquanto eu tentava desvendar os mistérios de um assassino meticuloso, null parecia mais preocupado em desfilar um traje de moda pelas ruas. Eu sabia que a primeira impressão poderia ser enganosa, mas a escolha de null para a vestimenta naquele momento específico era, no mínimo, inusitada.
— Estamos em uma investigação de assassinato, não em um desfile de moda — comentei, aproximando-me dele. — Se quer chamar atenção, sugiro que seja pelas razões certas.
A confiança quase exagerada de null era evidente em seu sorriso branco demais, o qual me deixava ligeiramente desconfortável.
— Você deve ser null, então. — Sussurrou, fazendo-me sentir pequena demais diante da sua figura. A diferença de tamanho era evidente.
Eu mantive minha postura, respondendo com firmeza.
— Sim, sou a agente especial null null. E, ao contrário do que possa pensar, estamos aqui para desvendar um crime e não para exibições pessoais.
— Eu posso facilmente fazer os dois, agente. — A risada dele intensificava a aura de confiança que o cercava. Sua voz havia uma tonalidade clara de desafio.
— Espero que seu estilo também inclua usar luvas ao lidar com evidências, Sr. null. Se quer participar, comece por aí. — Comentei, mantendo um tom sério, mas não pude evitar um leve sorriso irônico.
Observo null se aproximar do corpo com uma avaliação meticulosa. Seus olhos percorrem a pele do homem, evitando tocar, mas não demonstrando qualquer sinal de medo ou nojo diante da cena, o que me surpreende.
Notando um corte na garganta do lado direito, null se volta para o perito, indicando a região afetada.
— O que temos aqui? — Pergunta ele, mantendo a curiosidade e o interesse profissional.
O perito, por sua vez, pega a mensagem que está guardada como evidência.
— Achamos uma mensagem na garganta dele, mas só conseguimos tirar quando abrimos os pontos. Parece que foi costurado dentro do corpo quando a vítima ainda estava viva, mas precisamos de mais análise para ter certeza. — Ele explicou, entregando-me uma sacola transparente que continha a mensagem.
Eu peguei a sacola, observando-a com atenção. A ideia de uma mensagem costurada dentro do corpo da vítima enquanto ainda estava viva aumentava a complexidade do caso. A mente do assassino estava se revelando cada vez mais perturbadora.
— Não parece ter um significado específico, na verdade parece só mais uma poesia.

"O que há em um nome? Aquilo que chamamos de rosa, mesmo com outro nome, manteria o mesmo perfume tão doce. Portanto, Romeu, se ele não se chamasse Romeu, teria a mesma perfeição que possui agora."

As palavras pareciam ecoar em minha mente, mas não era apenas a composição de versos que me deixava perturbada. Eu conhecia aqueles versos, era Shakespeare. Meu rosto assumiu uma palidez repentina quando eu olhei mais atentamente para o homem morto.
Um arrepio percorreu minha espinha quando percebi algo que até então havia escapado da minha atenção: eu conhecia aquele homem. E não apenas ele, mas todas as vítimas.
O assassino não escolheu aleatoriamente suas presas; ele as selecionou entre pessoas que fizeram parte da minha vida.
Amanda De Vryes.
Lisandra Hernandez.
Romeu Scheiffer.
Eu não era próxima dos três, mas havíamos frequentado os mesmos lugares. Amanda era minha vizinha, Lisandra e eu fomos para o mesmo acampamento e Romeu havia sido o meu par na peça de teatro de Romeu e Julieta.
Eu não era o centro de suas vidas, mas era o ponto comum entre eles. O assassino parecia ter como alvo aqueles que, de alguma forma, estiveram próximos a mim.
Deixei a cena do crime com passos apressados e minha mente girando em um turbilhão de pensamentos. A ansiedade e o nervosismo me envolviam enquanto eu tentava raciocinar sobre como toda essa tragédia poderia ter chegado até mim. Como eu não percebi antes? Nada disso poderia ser uma coincidência.
A rua estava vazia enquanto eu caminhava, a minha respiração estava acelerada denunciando o impacto emocional da descoberta. Eu podia sentir a minha pele gelada, embora o calor fosse escaldante. Passei a mão pelo rosto, tentando afastar a tensão que se acumulava. Cada detalhe do caso, cada vítima, agora parecia um quebra-cabeça que se encaixava em minha própria vida.
Como o assassino tinha acesso a informações tão íntimas sobre mim e as pessoas ao meu redor? Por que escolher pessoas do meu passado? Essas perguntas ecoavam em minha mente, mas as respostas eram esquivas.
No início da investigação, cheguei a considerar a possibilidade de que a primeira vítima fosse um espetáculo preparado por algum maníaco, alguém que me desafiava a desvendar sua mente doentia. No entanto, agora ficou claro que não era apenas para mim; era sobre mim. A ideia de ser o alvo central desse serial killer era aterrorizante, e a pergunta que ecoava em minha mente era: por quê?
Enquanto eu continuava andando sem rumo, uma sensação avassaladora de falta de ar me atingiu. Parei abruptamente, levando as mãos ao peito, lutando para recuperar o fôlego. Cada inspiração parecia insuficiente, como se o ar ao meu redor estivesse escasso.
Meu telefone vibrou, interrompendo o silêncio tenso. Eu o peguei, a visão embaçada pela ansiedade que dominava meus sentidos.
“Peguei você, agente.”
O choque da mensagem gelou meu sangue e permaneci imóvel por alguns segundos observando a tela do meu aparelho.
Merda! O que era isso?
Eu precisava me recuperar, manter a compostura para enfrentar o que estava por vir. Com uma respiração profunda, pedi ao departamento de TI para rastrear imediatamente o número desconhecido.
Enquanto aguardava uma resposta, percebi null se aproximando de mim. Eu forcei um semblante calmo, guardando as palavras para mim mesma por enquanto. Não era hora de compartilhar o peso dessa mensagem com meu novo parceiro. Eu precisava de respostas antes de envolver mais pessoas, ainda não sabia se era uma brincadeira sem graça ou uma ameaça e não havia confiança alguma no loiro de quase dois metros de altura.
null parou ao meu lado, olhando-me com curiosidade e preocupação. Mantive meu olhar firme, escondendo a inquietação que fervilhava dentro de mim.
— Algum problema, null? — Ele perguntou, sua expressão indicando que ele estava pronto para cooperar, mesmo que não soubesse completamente o que estava acontecendo.
Balancei a cabeça, tentando disfarçar a tensão que me consumia.
— Nada que não consigo lidar. Vamos voltar ao trabalho. Temos um assassino para pegar.


Capítulo 4

null null


Na vida, para algumas pessoas, a melhor coisa que os pais podem fazer é morrer. Parece uma opinião um tanto cruel, mas nem todos têm a sorte de ter pais bons, atenciosos e presentes. A maioria das crianças terá pais que farão falta quando morrerem, enquanto pessoas como eu têm pais melhores depois que morrem. Não sou eu quem diz isso, é a vida.
Quando encontrei meu pai morto, na cama do seu quarto em casa, não consegui chorar. Talvez minha resistência a lágrimas estivesse formada bem antes daí, mas não tive nenhum sentimento exagerado ou desesperador. Eu senti alguma coisa, mas não foi o que esperavam que um adolescente de catorze anos sentisse ao ver o pai morto. A verdade é que eu já esperava a sua morte.
Meu pai era viciado em heroína, e para todo viciado o destino é o mesmo: a morte. Não importa qual vício, não importa em quanto tempo, se não há mudança, também não há melhoria.
No verão em que ele morreu, comecei a morar em um trailer e trabalhar meio período para conseguir pagar o aluguel da lataria em que vivíamos. Isso fez com que eu me esforçasse mais no colégio, principalmente no futebol americano. Aí está um fato sobre mim que ninguém sabe, nem mesmo os milhares de fãs que tenho: eu não sou bom porque nasci assim, eu me tornei bom porque precisava ser.
Viram talento em mim, e, com isso, logo ganhei uma vaga para o time oficial da escola, depois acabei entrando para a Universidade da Flórida. Os treinadores cuidaram para que nada faltasse para mim, desde o fardamento de treino até os equipamentos necessários.
Talento é a palavra mais breve que conseguiram utilizar para resumir todos os dias que passei estudando estratégias, as madrugadas que fui à escola escondido para reconhecer o campo e os treinos que fazia subindo e descendo escadas para aumentar a agilidade e a concentração. Eu trabalhei feito um condenado para mudar a minha vida, e tudo foi mérito meu.
A vitória foi minha, não do meu pai drogado que escolhia usar drogas ao invés de me dar algo para comer. Não da minha mãe que eu sequer havia conhecido. Eu fui a razão de me tornar o que me tornei, e me recusei a permitir que dessem créditos aos meus pais pelo que aconteceu comigo.
Eu não me tornei uma estrela do futebol americano porque a minha história triste de vida me motivou, não foi porque o meu pai se esforçou para que eu tivesse estudos. Eu me tornei quem sou porque eu era tudo que eu tinha durante toda a minha vida. Eu literalmente passei fome até o dia que pude comprar comida com o meu próprio dinheiro.
Se não fosse por mim, eu não estaria aqui.
Talvez seja isso o que me irrita no novo trabalho. null null parece achar que eu sou apenas um rosto bonito e famoso, o que é ultrajante. Talvez, para ela, todos que brilham nos holofotes têm a vida entregue de bandeja. Ela me olha com desconfiança, como se eu fosse um problema em seu mundo controlado. Não é a primeira vez que me deparo com esse tipo de atitude. Sempre há pessoas que subestimam o atleta famoso. Acreditam que estamos aqui apenas pela fama, sem mérito algum. Não percebem o esforço, a dedicação e as adversidades que enfrentamos para chegar onde chegamos. Ser um astro esportivo não é apenas correr em um campo, pegar uma bola e comemorar. Há muito mais por trás disso.
Não foi sorte, não foi escolha, foi necessidade.
O estigma de ser uma celebridade muitas vezes nos coloca em uma posição desfavorável, onde as pessoas presumem que a vida é perfeita e sem obstáculos.
Essa situação apenas comprova o que eu já sei: pessoas como eu são mestres na arte de fingir estar bem.
A verdade é que mudar de rumo não foi fácil. Abandonar a fama e a glória do esporte para seguir uma carreira na aplicação da lei foi uma escolha pessoal, motivada pelo desejo de fazer algo mais significativo. Eu poderia ter continuado a ser admirado pelos fãs, mas senti que havia mais para oferecer à sociedade, além de entretenimento esportivo.
Quero dizer, eu podia ser um exemplo para os meninos que me seguiam, mas o que eu faria na prática para mudar a vida deles? Doações? Isso não era o suficiente quando se vivia numa sociedade doente. Acho que me apeguei à ideia de que, se não houvesse mais traficantes no mundo, pais poderiam ser apenas pais e não viciados. Mudar de carreira para me tornar um agente especial era uma maneira de contribuir para essa mudança, de maneira mais prática e efetiva.
Não estou dizendo que a carreira no esporte não tem valor. Claro que tem. Mas queria fazer algo que fosse além de marcar pontos em um jogo. Queria marcar pontos na vida das pessoas.
null null, eu sabia que era você! Poderia me dar um autógrafo? Meu filho é seu fã número um! — Observei a mulher se aproximar um tanto quanto eufórica, visivelmente empolgada enquanto trazia consigo uma caneta e um bloco de notas na mão.
— Agente null, precisamos manter o foco na investigação. Depois você pode parar para a sessão de autógrafos.
O olhar de null expressava claramente sua irritação, algo que eu já estava ficando habituado, em menos de uma hora. Mesmo sendo uma mulher muito bonita, com seus cabelos em tons castanhos presos, pele levemente bronzeada, um sorriso encantador e olhos expressivos, sua personalidade conseguia ser, no mínimo, desafiadora.
Revirei os olhos, ignorando o tom irritado em sua voz e pego a caneta da mão da mulher, assinando o meu nome no bloco que ela havia entregue.
— Relaxa, null. Às vezes, um pouco de descontração não faz mal. Não tem problema ser humano, sabia? Além disso, não vou ser culpado por deixar uma criança triste.
A expressão de null mudou subitamente quando seu telefone tocou. Ela desviou o olhar por um momento, atendendo a ligação e se afastou, retornando minutos depois.
— Precisamos voltar para a unidade — disse ela, encerrando a ligação. — Temos que resolver algumas questões. E você finalmente vai conhecer a equipe.
Ela não me deixou dirigir, mas não posso dizer que fiquei surpreso com isso. null parecia ter resistência a tudo que me envolvia. Talvez a tudo que envolvia qualquer pessoa, ela parecia ser controladora. Pessoas controladoras sempre tinham muita dificuldade em compartilhar decisões, lição aprendida com minha mãe.
Ao entrarmos na unidade, pude sentir os olhares curiosos de alguns agentes sobre nós. A reputação de null era forte, e minha presença certamente gerava expectativas e especulações. Ela me guiou até uma sala onde uma equipe estava reunida, discutindo algum aspecto do caso.
— Pessoal, tenho uma apresentação a fazer. Este é null null, nosso novo agente. null, esses são os membros da nossa equipe: Agente Williams, Agente Jameson, Perito Rodriguez e o Analista de TI Smith.
Cumprimentei cada um deles com um aceno de cabeça, tentando parecer o mais profissional possível. null me indicou uma mesa vazia.
— Aqui é o seu lugar. Sente-se, null. — Ela parecia relutante ao pronunciar meu nome, como se cada sílaba fosse uma pequena batalha que ela tinha que travar consigo mesma.
Enquanto eu me acomodava, pude notar os olhares variados que recebia. Williams parecia indiferente, Jameson mostrava um leve sorriso, Rodriguez mantinha uma expressão séria e Smith estava mais interessado em seu computador do que em mim.
— Hoje recebemos uma ligação anônima indicando a localização de mais um corpo. Parece ser o mesmo modus operandi do nosso caso atual. — Ela informou, sua expressão ficou mais suave e um pouco mais tímida conforme continuou. — A vítima agora é um homem, mas há algo mais preocupante. Tenho razões para acreditar que a conexão entre as vítimas está diretamente ligada a mim. Acho que... tenho motivos consideráveis para imaginar que ele está mirando em mim.
— Tem certeza? Por que acha isso? — Ouvi a voz do que imaginei ser a agente Jameson perguntando.
null respirou profundamente antes de explicar, sua expressão refletia uma mistura de determinação e desconforto.
— Quando li a poesia deixada no corpo da última vítima, percebi que era um trecho específico de Romeu e Julieta, uma peça que já estudei e contracenei com a vítima que morreu. Isso desencadeou uma série de memórias, lembrando-me também de Amanda e da segunda vítima. — Ela pausou, como se estivesse organizando os pensamentos antes de continuar. — As vítimas fizeram parte da minha vida em épocas diferentes, mas o poema foi específico demais. Ele mencionou a apresentação da peça que participei quando era mais jovem, algo que poucas pessoas sabiam. Poderia ser uma coincidência, mas qual as chances? — O desconforto em sua voz ficou mais evidente, mas eu percebia a forma que ela engolia a seco tentando ignorar a sensação pesada que consumia todos na sala. Como agente, nunca era fácil estarmos no foco de uma mente problemática, nunca era só sobre a própria vida. — Se ele está eliminando pessoas do meu passado, não podemos ignorar a possibilidade de que ele vá mirar nas pessoas do meu presente em breve.
A equipe assimilou a gravidade da constatação, ciente de que o tempo era essencial. Agora, não apenas tínhamos que desvendar o mistério por trás do assassino, mas também antecipar seus próximos movimentos e proteger as potenciais futuras vítimas.
null, você acha que isso pode estar relacionado ao Nicholas?
— Quem é Nicholas? — Pergunto, sentindo uma curiosidade brusca surgir em mim.
null me olhou desconfiada, ponderando como compartilhar uma parte de sua vida com um desconhecido e me senti constrangido pela curiosidade iminente, ainda que a pergunta fosse pelo caso, não havia me dado conta que isso era algo pessoal para null.
— Nicholas é meu ex. Nós tivemos um relacionamento complicado, e ele desenvolveu uma personalidade dissociativa, atacando pessoas ao nosso redor. Há anos, ele foi considerado morto, mas nunca houve um corpo. — Sua voz carregava uma tonalidade de dor, o que me fazia compreender o motivo de sua personalidade reservada e distante.
— Isso... Hm, sinto muito. Como podemos ter certeza de que Nicholas não está envolvido nesses recentes assassinatos?
— Nicholas está morto. Ele não representa mais um perigo. Todas as especulações sobre ele ter sobrevivido ao acidente são apenas fofocas infundadas.
null começou a distribuir tarefas entre os membros da equipe, atribuindo responsabilidades específicas a cada um. Eu observei a dinâmica cuidadosa enquanto cada detetive recebia suas instruções, mas, para minha surpresa, meu nome não foi mencionado.
Quando null se dirigiu para fora da sala, decidido a não ficar à margem, fui atrás dela. Ela notou minha presença e, com uma expressão indagadora, parou os passos que dava, permitindo que eu me aproximasse dela.
— Algum problema, null?
Eu mantive um sorriso leve, apesar da situação.
— Bem, você não me deu exatamente uma tarefa, então acho que vou fazer o que eu quiser.
null, claramente incomodada com a atenção adicional que minha presença trouxe, revirou os olhos e continuou a andar em passos decididos. No entanto, eu não a deixei ir sozinha. Acompanhei-a pelo corredor, mantendo uma distância respeitosa, mas o suficiente para indicar que eu não a deixaria sozinha. Em partes porque era meu trabalho, por mais que ela menosprezasse isso, e em outras, talvez pela síndrome do herói. Não seria sábio de minha parte deixar minha parceira sozinha e na mira de um assassino obcecado.
Seus ombros estavam tensos quando ela se afastou da sala de reuniões, e eu podia sentir a frustração emanando dela. Respeitei o silêncio dela enquanto caminhávamos pelo corredor. Era evidente que ela estava lutando com a revelação de que as vítimas eram pessoas ligadas a ela de alguma forma e, pelas poucas horas que havia passado com null, ela parecia lidar com as coisas internamente. Se afogando nelas.
Ela parou de repente, virando-se para mim com uma expressão mista de irritação e resistência.
— Eu não preciso da sua compaixão ou preocupação, null. Eu posso lidar com isso sozinha.
— Eu não estou oferecendo compaixão. Estou oferecendo parceria. Estamos nisso juntos, como uma equipe. E não é só por causa do trabalho, é porque faz sentido nos protegermos mutuamente. Não sei quando o seu pretendente vai virar a caixinha do passado para o presente e me atacar.
— Ótimo, então por isso você vai se tornar a minha sombra?
— Não, null, vou ser seu parceiro. Uma sombra é algo que segue passivamente. Eu pretendo ser alguém com quem você possa contar, não apenas alguém que te segue. — Respondi, mantendo o tom firme, mesmo que ela ainda demonstrasse resistência. Ela bufou, claramente não satisfeita com a resposta, mas continuou a andar. — Não faça nada que possa atrapalhar meu trabalho. — Ela disse, encarando-me com seriedade.
— Relaxa, null. Eu sei me comportar. — Respondi, tentando suavizar a tensão com um sorriso, mas ela apenas revirou os olhos.
Ao deixar o cenário da NFL para entrar na Unidade de Crimes Especiais, jamais imaginei que minha parceria seria mais desafiadora do que enfrentar meu treinador. null null era uma mulher forte e independente, acostumada a lidar com as coisas do seu jeito. Alguém que não pedia ajuda, apresentava uma hostilidade constante e, de alguma forma, parecia ainda mais tentadora quando estava irritada.
E ela estava irritada o tempo inteiro.




Continua...



Nota da autora: Sem nota.



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