Finalizada em: 30/04/2018

Capítulo Único


Havia passado dezessete anos sem esperança alguma de em algum dia ouvir qualquer ruído que fosse. No interior, onde eu vivia, a tecnologia atrasada não era capaz de reverter um quadro tão sério de surdez quanto o meu. Aquele era meu mundo, tudo o que eu conhecia. E no meu conhecimento limitado, não havia um jeito.
Eu nasci dessa forma, sem audição. Falar dessa condição nunca foi um problema pra mim, eu sempre me aceitei bem pelo amor e carinho que meus pais sempre me transmitiam, que me ensinou que eu era tão capaz quanto qualquer outra pessoa. Porém doía ver os lábios das pessoas se movendo e não conseguir ouvir som algum. Doía ver as pessoas tocando instrumentos na minha frente, instrumentos aos quais eu nunca saberia como soavam.
Como era o som de um violino? Eu não sabia, mas minha mãe descreveu pra mim como se fossem os anjos do céu tocando delicadamente em cordas. O de uma guitarra, ela dizia que era algo pesado e cheio de sentimentos fortes, e o piano era uma melodia calma, como estar entre um campo de flores infinito, daquela sua flor favorita.
Eu queria poder ouvi-los.
Foi por isso que, aos meus quinze anos, comecei a pesquisar se havia alguma forma de desenvolver pelo menos um pouco da minha audição. Eu queria ouvir nem que fosse uma vez só. Nem que fosse apenas no fundo da minha mente, apenas para que eu tivesse a lembrança do som para sempre.
Você já imaginou como é um mundo sem sons? Como é não ouvir a voz de sua mãe, do seu pai ou daqueles mais próximos à você? Como é não ouvir a sua própria voz? Como é não ouvir as pessoas pedindo licença quando passam por você na rua, ou alguém dizendo “eu te amo”? Como é não saber o som de uma risada? Ou não ter o prazer de dormir ouvindo os pingos atingindo o chão? Como é não ouvir sua música favorita?
Eu não tenho uma música favorita, porque eu nunca ouvi nenhuma.
Eu tenho letras favoritas, porque são elas que eu entendo quando alguém às diz pra mim em linguagem de sinais. Mas eu demorei muito tempo para encontrar alguém que pudesse fazer isso por mim, não é algo muito comum de se encontrar principalmente em um lugar remoto como Taebaek.
Meus pais mesmo não sabiam e tiveram que aprender ao mesmo tempo que aprendiam a como criar um filho. Eu também me pergunto se um dia eu vou encontrar alguém que me ame plenamente sem se importar com isso, alguém que não se importe de cansar os braços para conversar comigo.
Isso nunca aconteceu, com exceção da minha mãe. As pessoas costumam ficar com preguiça depois de algum tempo ao meu lado. Eu não me importo de fazer leitura labial, mas novamente, ver os lábios movendo-se sem som… É frustrante. Não estou dizendo isso para que alguém sinta pena de mim, porque essa é a minha realidade, que eu aprendi a encarar todos os dias.
Mas essa realidade está prestes a mudar, porque quando eu tinha quinze anos eu descobri sobre os aparelhos auditivos que existiam na cidade grande. Foi difícil, mas meus pais juntaram todo o dinheiro que podiam e agora eu estou segurando a mão da minha mãe com um sorriso enquanto o avião decola para irmos até Seul.
Admito que tanto os meus olhos quanto os dela estão cheio de lágrimas. Eu ainda não consigo acreditar que isso está mesmo acontecendo e que eu tenho chances reais de escutar não apenas uma vez, mas pelo resto da minha vida. Quando eu voltar pra minha cidade, eu vou ouvir o avião decolando e as turbinas potentes movendo o ar.
Não consigo segurar meu sorriso em pensar sobre isso. É meu sonho sendo realizado e eu não consigo expressar minha felicidade em palavras.


Dia 1


balançava os pés ansiosamente sentado na sala de espera do consultório. A parede a sua frente era de vidro e dava pra rua que usara para chegar até lá. O prédio era em uma avenida tão movimentada que era assustador ver tantos carros passando tão rápido, nunca presenciaram aquilo, por isso seus olhos não se desgrudaram do vidro nem por um segundo.
Era sua primeira consulta e sua mãe e a doutora conversavam dentro do consultório sobre o tratamento e tudo o que ele implicava, provavelmente para que a mulher conhecesse melhor suas condições. Estava nervoso e suas mãos suavam, porém se distraía com os automóveis a ponto de não perceber a movimentação dentro da própria clínica.
O primeiro andar era formado por onde estava, um corredor largo que levava até a sala de consultório e antes desse corredor o layout era aberto em uma espaçosa recepção. Era nessa recepção que a garota entrava agora depois de descer do táxi que a deixara na clínica e atravessar a porta giratória.
! ― a recepcionista a cumprimentou animadamente, recebendo de volta um sorriso caloroso. ― Hoje você chegou um pouco cedo, sua mãe ainda está com paciente.
― É mesmo? ― os lábios da adolescente formaram um “o” em surpresa ao pegar seu celular e ver que estava adiantada vinte minutos do horário combinado. ― Acho que minha aula acabou cedo e eu não percebi, mas não tem problema, eu espero. ― balançou os ombros bem humorada.
― Antes que você vá pro piano, por que não dá uma olhadinha no paciente da sua mãe? Sinceramente, se eu tivesse a sua idade… ― a mulher balançou a cabeça negativamente, completamente depressiva.
SuA, a recepcionista que não tinha muito mais que vinte e um anos e trabalhava ali para pagar a faculdade, não costumava falar coisas daquele tipo, então isso acabou fazendo arquear uma das sobrancelhas em dúvida e rapidamente esticar o pescoço na direção do corredor que ficava logo após o balcão, curiosa para entender o porquê ela estava dizendo algo que fugia tanto a normalidade da sua personalidade.
Quando viu o garoto portanto, não foi muito difícil descobrir. Ele tinha o maxilar bem marcado, o queixo em formato quadrado e cobertos por óculos de lentes redondas, armação fina e prateada, estavam os olhos pequenos e bem puxadinhos completamente charmosos, principalmente por conta do eyesmile já que o garoto sorria abobalhadamente para a rua. Ficou tão perdida que até mesmo deixou a mochila escorregar de seu braço e cair até sua mão, batendo no banner da clínica no caminho e o derrubando no chão com um barulho irritantemente estridente.
― A-Ai, droga… ― teve vontade de se esconder atrás do balcão para não ser vista, o que apenas fez a mais velha balançar a cabeça negativamente.
― Ele não pode te ouvir. ― explicou, até mesmo desviando o olhar de vergonha alheia da menina que se abaixava para pegar a mochila e o suporte do cartaz. ― Ele tem surdez completa.
― A-ah, entendi! ― claro, até porque se ele pudesse ouvir não estaria indo em uma otorrinolaringologista. ― Se ele não viu, isso nunca aconteceu então. ― piscou um dos olhos divertida, tentando ignorar o quanto lhe atingiu o fato dele ter aquela deficiência que lhe despertava tantas lembranças. ― Passa as informações, quero saber a ficha todinha.
, tem a sua idade e é do interior, de Taebaek. É filho único e seus pais são agricultores. ― contou, vendo de soslaio jogando a mochila em cima do balcão como costumava fazer todos os dias e então saindo. ― Pelo o que está na ficha, parece que ele já nasceu surdo.
Todos os anos haviam se passado e aquilo ainda era um gatilho para a mente da menina, SuA devia saber que não devia tocar naquele assunto por trazer tantas memórias de um tempo difícil que ela atravessou, mas achou que o coração de estivesse mais leve com relação aquela situação.
Suspirou chateada em ter feito aquilo, observando a garota sentar no piano e iniciar a melodia calma e melancólica que já era conhecida por todos os funcionários da clínica. Apelidaram a música que a filha da dona tanto gostava de Catavento, porque ela sempre disse que a compôs olhando para um pequeno e colorido deles enquanto andava no parque da cidade.
se perdeu completamente no som, não vendo nem mesmo quando entrou na sala de consultório e depois ficou quinze minutos conversando com a sua mãe no fim do corredor, e nem quando ele passou com a mãe dele para ir embora. Apenas recobrou a consciência quando SuA lhe chamou com um sorriso de canto, balançando a cabeça em negação.
― Em qual mundo você está, ?! ― a funcionária questionou, rindo um pouco da falta de concentração da menina.
― D-Desculpa, o que eu perdi…? ― perguntou, parando os dedos ao erguer os olhos para a mulher.
― Bom, o garoto ficou praticamente um ano aqui parado do lado do balcão falando com a sua mãe e você nem viu. ― SuA continuava balançando a cabeça, mas agora pegando a mochila da garota que havia guardado embaixo do balcão e a colocando em cima, voltando a focar na tela do computador. ― E ela disse para você pegar as suas coisas porque só ia buscar a bolsa e anotar algumas informações que já estava saindo.
― E-eu não ouvi! ― respondeu, já se levantando e batendo as mãos na saia do uniforme rapidamente e indo buscar a bolsa. ― E nem vi também, que pena. ― sorriu travessa, arrancando uma risadinha da mulher.
― Não se preocupe, vocês ainda vão se ver mais vezes. Sua mãe já me mandou reservar pelo menos mais dois horários para ele só nessa semana, um pros exames e outro pros resultados.
― Vamos, . ― e em falar nela… A mulher não parou de andar nem por um segundo para olhar a filha, simplesmente seguiu seu caminho até a porta enquanto colocava os óculos escuros e digitava um número no celular para colocá-lo no ouvido logo depois.
― Tchaau, SuA! ― a garota acenou animadamente enquanto seguia a mãe com passos rápidos antes que fosse deixada para trás, desaparecendo pela porta.
Era uma rotina comum, ir almoçar com a sua mãe após sair do colégio, algo que faziam todos os dias porque segundo a mulher, isso as aproximava e então nunca poderia dizer que não era uma mãe presente. O que sua mãe esquecia era que estar de corpo presente era diferente de estar lá com a mente também, porém após tantos anos já estava acostumada.
― Mãe… ― tentou puxar algum assunto depois de fazerem os pedidos, vendo a mulher focada no celular ao murmurar qualquer coisa para dizer que estava ouvindo. ― Quer me falar do seu trabalho?
― Por que esse interesse tão súbito? ― sabia que se se empolgara daquela forma, tentando controlar a risada ao comprimir os lábios, nunca era coisa boa.
― Só estou curiosa, não posso? ― a garota fez um bico com os lábios, encostando as costas na cadeira e cruzando os braços. ― Tipo curiosa pra saber quem era o cliente de hoje… ― tentou a abordagem bem humorada, sorrindo largamente ao citar o garoto.
― Sabia… ― a mãe resmungou entre dentes. Tinha certeza que alguma coisa a filha estava pensando. ― . Vai dizer que SuA já não te passou a ficha toda? ― provavelmente sim, então aquela conversa não tinha finalidade. ― Não se apegue, ele vai embora assim que o tratamento acabar.
― M-...
estava pronta para dizer que segundo suas pesquisas no mapa Taebaek nem era assim tão longe de Seoul, principalmente quando se tinha um garoto lindo daquele do outro lado do caminho esperando, porém foi interrompida quando o celular de tocou, a fazendo erguer um dedo como se pedisse um minuto e então levantando para atender no solário que ficava nos fundos do restaurante.
A menina não fez muito mais do que suspirar desanimada, olhando o pequeno vaso transparente e comprido com uma flor solitária de pétalas rosadas, no meio da mesa. Queria simplesmente ter uma conversa sobre seus sentimentos adolescentes com a mãe, mas aquilo parecia ser impossível. E nem mesmo descobrira nada sobre … Bom, era só mais um dia normal como filha de , não havia nada de novo sob o Sol.


Dia 2


Era o dia da consulta de retorno de e as mãos dele tremiam levemente ao mesmo tempo que suavam, o fazendo ir no banheiro a cada dois minutos para lavá-las. Se passaram três dias desde que fora na clínica pela primeira vez e a médica havia feito os primeiros exames que determinariam qual era o tipo de sua surdez e como fariam para tratá-la.
Ele entrou no consultório após fazer um leve cumprimento de curvar de tronco na direção da mulher que apenas sorriu de canto em resposta, encarando alguns papéis na mesa aos quais observava atentamente. Sentiu um arrepio, sabendo exatamente o que ela olhava tão focada: os resultados.
Travou seus passos antes de se sentar na cadeira do paciente, sentindo como se estivesse concretado no chão e não pudesse sair dali, atraindo a atenção tanto da médica quanto da sua mãe que pousou uma das mãos em seu ombro para lhe incentivar, olhando com olhos com olhos preocupados.
tinha a sensação ruim de que as coisas não haviam dado certo, principalmente porque a expressão de continuou séria enquanto ela deixava os papéis na mesa e movia as mãos de forma suave apesar de com destreza, formando uma pergunta que o assustou ainda mais:

“Você está nervoso, quer esperar um tempo nos jardins para se acalmar enquanto eu falo com a sua mãe?”

Não, na realidade ele não queria. Queria ficar ali e descobrir logo o que estava acontecendo, porém não era o único que havia percebido que tinha alguma coisa errada, então sua mãe apertou discretamente seu ombro, lhe fazendo suspirar e concordar, saindo pela porta logo depois.
Assim que ouviu o clique sinalizando que estava fechada, ergueu o olhar chateado até a mãe de , que se sentou, já se preparando para as más notícias.
― É muito grave? ― perguntou apenas para adiar um pouco mais o momento. Dentro de seu coração, sabia que era.
― Infelizmente, sim. Os exames apontam para uma das piores situações que poderiam acontecer no caso do . Ele tem surdez retrococlear, que acontece quando o nervo auditivo está danificado ou é inexiste. Essa surdez é profunda e permanente, os aparelhos auditivos e os implantes cocleares não têm utilidade porque o nervo coclear não pode transmitir a informação auditiva ao cérebro. ― tentou explicar da forma mais didática que pôde, mantendo sua postura até quando viu a mulher a sua frente desabar em lágrimas, abrindo a sua gaveta e pegando uma caixa de lenços de guardava ali. ― Ou seja, isso quer dizer que não adianta eu colocar um aparelho no seu filho, ele não vai ouvir de qualquer forma.
Aquilo era como um soco no estômago de quem alimentara esperanças durante anos sobre algum dia seu filho ser plenamente feliz. Apesar de saber que se aceitava bem, sabia também a vontade que ele tinha de ouvir alguma vez, qualquer som que fosse. Seu desespero e tristeza se materializaram em forma de lágrimas.
― Doutora… ― se esforçou pra ao menos conseguir controlar os soluços, assim poderia manter um diálogo. ― Não tem nenhum jeito que o faça ouvir?
― Bom, de início vamos colocar um aparelho nele, apenas para um teste rápido e que seja móvel, assim iremos nos certificar de que realmente não pode ouvir com eles. ― aquele processo era doloroso pela esperança que alimentavam, porém necessário. Esperava que o garoto não desenvolvesse nenhum trauma com isso. Os exames raramente erravam, mas se aquele fosse o caso, era melhor sempre se certificar. ― E caso ele não funcione, nós mudamos para o único método que nos resta. A cirurgia.

❥❥❥❥❥


passara inconformado pela corredor de espera, olhando para os lados enquanto esfregava as mãos uma na outra incansavelmente. Encontrando a porta que a levava até o jardim facilmente, atravessou parte da recepção como um raio, sem nem mesmo ver a comoção que sua passagem causou.
estava no piano quando SuA praticamente gritou seu nome, lhe fazendo praticamente dar um pulinho do banco e erguer a cabeça completamente em dúvida e assustada do porquê daquele berro, entendendo rapidamente quando seus olhos se chocarem contra a figura masculina que saia pela porta aberta.
― S-SuA, isso é muito errado! ― bronqueou com uma expressão de quem havia se ofendido, se levantando logo depois.
― Desculpa, eu só não sabia o que fazer pra você olhar pra frente. ― a mulher falou meio desesperada. ― Você chegou mais cedo para vê-lo e não ia ver.
― Tudo bem, só não faz de novo. ― a mais nova murmurou, andando calmamente até a parede de vidro que mostrava os fundos do prédio.
O jardim era de tamanho médio, cercado com algumas árvores e diversos arbustos com flores variadas plantadas tanto neles quanto em toda sua extensão, uma fonte branca com a representação da deusa Venus cercada de ninfas bem ao centro do local, além dos bancos de pedra cinzenta espalhados, dois deles ficavam de frente um para o outro em paralelo, com uma mesa entre eles embaixo de um grande ulmeiro como se fosse um alojamento para acampamento, mas era apenas um local onde as pessoas gostavam de sentar para comer quando a espera era muito grande.
Mas nada daquilo foi capaz de captar a atenção de , jogado em um dos bancos mais afastados da fonte para evitar ao máximo chamar atenção. Ele sabia como o tratamento funcionava, passo a passo. Ele pesquisou por três anos e conversou com diversas pessoas que usavam aparelho auditivo para saber como era a experiência.
Cada pessoa tem um aparelho específico que se adapta a sua deficiência e seu ouvido, muitas precisavam até mesmo testar alguns até achar um que fosse o mais próximo da perfeição. Mas aquilo não era algo sério a ponto da médica lhe pedir para deixar a sós com sua mãe. Aquilo era apenas o procedimento.
Então ele sabia que tinha alguma coisa errada, o que estava acabando consigo aos poucos por dentro. nunca pensara na hipótese de dar errado. Ele sempre achou que essa opção não existia, e encará-la agora que havia levado aquilo tão longe era assustador demais para que conseguisse não desabar.
Nem mesmo a sensação de ser observado lhe fez desviar o olhar do céu, preferia continuar a tê-lo como companhia para se manter impassível. Não queria demonstrar o quão preocupado estava, sabia que aquilo abalaria sua mãe, mas também era difícil demais esconder e o coração de se apertou com aquela expressão que ele fazia.
As paredes que levavam aos locais externos da clínica eram feitas de vidro filmado por dentro, aquele que você pode ver tudo o que está acontecendo do lado de fora, mas o lado de fora não pode ver o que está acontecendo do lado de dentro. Por isso a estudante nem se importava de deixar a mão encostada no vidro bem na direção do rapaz, afinal, ele não veria mesmo.
― Omo, ele parece tão triste, mas é tão bonito no meio do verde. ― ela choramingou chateada, esticando os dois dedos indicadores e polegares e os juntando em um quadrado a frente de seus olhos, fechando um deles como se estivesse vendo por um porta retrato.
― E lá vai ela… ― SuA sussurrou para si mesma, já voltando a se concentrar no trabalho por saber exatamente o que vinha agora.
― Olá, . ― sorria para o garoto, encenando como se estivessem conversando, mas então bateu na sua própria testa. ― Assim é muito formal! ― reclamou. ― Oi, . ― tentou novamente, mas então se bateu de novo. ― Burra, o que ele vai pensar se você já souber o nome dele? Oi! Não, muito animado. Oi. Assim fica muito sério… Olá!
― Que diferença faz seu tom de voz? ― a recepcionista questionou, balançando a cabeça negativamente.
― SuA! ― olhou feio para a mais velha. ― Não trate as pessoas diferente por causa de uma condição sensível. Como você se sentiria se dissessem que tanto faz o jeito que eu falo de você quando você está longe, só por que você não pode me ouvir, e por isso falasse com desdém? É desrespeitoso.
― Tudo bem, tudo bem, você está certa. ― as duas acabaram revirando os olhos, porém por motivos diferentes. ― Só diz a coisa mais sem sentido que vier na sua cabeça. Tem alguns caras que acham isso fofo.
― Lilili yabbay! ― exclamou, batendo uma palma em empolgação em pensar em algo que na sua mente não fazia o mínimo sentido.
― TÁ REPREENDIDO, que tipo de ritual é esse, garota? Tirou da onde? ― SuA até mesmo pausou seus afazeres para olhar para trás com uma expressão horrorizada.
― E eu sei lá, você disse para falar algo sem sentido! ― respondeu despojada, balançando os ombros e rindo antes de voltar a se concentrar em observar o rapaz. ― O que será que aconteceu com ele? Ele parece tão chateado, estou ficando com o coração apertado.
― Bom saber que você vem cedo pra clínica pra ficar perseguindo meus pacientes. ― tocou levemente o ombro da filha para assustá-la ainda mais, fazendo o coração da menina subir até a boca e voltar a seu lugar. ― Volte pro seu piano, , não quero ninguém pensando que eu abrigo um tipo de psicopata no meu local de trabalho.
― S-Sim, mãe, desculpe. ― abaixou a cabeça rapidamente, obedecendo com passos rápidos o que a mãe mandara e se sentando no piano.
Não queria nem mesmo ter erguido o olhar para vê-la conversando com e muito menos quando eles passaram para voltar até a sala do consultório e pôde ver o quão destruído ele estava, porém nem sempre você faz o que quer e facilmente entendera o que ela queria dizer movimentando os dedos daquela forma. Aquelas palavras que se formavam eram tão assustadoras para a menina que ela ficou em estado de choque, somente disfarçando quando a mãe olhou para si em forma de bronca.
Focou seu olhar no piano a sua frente, tentando se convencer que estava tudo bem. Está tudo bem, . Ele está ali para ser tratado. Ele irá superar isso também. É difícil, mas não é impossível. Não é como se precisasse começar a chorar enquanto deslizava seus dedos pelas teclas do piano. Não era como se ele fosse a única pessoa com surdez retrococlear no mundo.
Porque isso ele realmente não era.
E ela sabia bem que não.

❥❥❥❥❥


se alinhou nos braços da mãe assim que a médica abriu a porta e ele entrou na sala, sendo envolvido num abraço caloroso. No fundo da mente dos dois, eles sabiam o que aquele diagnóstico significava, mas nenhum deles tinha coragem de externar isso agora. Não até que a última gota de esperança que tinha dentro deles se dissipar.
Tentou evitar os olhos inchados e vermelhos de sua mãe, sabendo que caso os encarasse os dois começariam a chorar. Por sorte, sentiu um toque leve em seu ombro assim que sua mãe se afastou, a médica perguntando se podiam começar o teste.
― Sim, pode trazer isso. Qualquer que seja o resultado, eu aguento. ― a voz de era como um trovão no meio do silêncio. Grossa, forte e imponente, ele não sabia o efeito que ela causava nas pessoas quando a ouviam, até porque ele nem sabia como ela soava.
pediu para que ele se sentasse no segundo ambiente daquele consultório, um que ele ainda não havia visto até agora e ficava atrás de uma grossa cortina cinza que a mulher puxou. De um lado haviam diversos armários brancos do chão até o teto, que apenas se abriam no meio para servirem como um pequeno balcão.
O lugar que falara para se sentar era em uma espécie de mesa de cirúrgica, e ele fitava o chão concentrado enquanto a médica trazia para perto todos os materiais que precisaria, numa mesinha de inox com rodinhas. pediu para que ele tentasse relaxar o máximo possível e obedeceu, tentando controlar o tremor em todo seu corpo e fechando os olhos quando o processo começou.
Aquele aparelho tinha a função de ampliar os sons, para que pessoas com surdez parcial ou completa por obstrução do canal auditivo pudessem ouvi-los claramente. Era como um auto falante biônico acoplado em seu ouvido, perfeitamente moldado para auxiliá-lo a fazer sua função. Porém aquele não era o seu caso, segundo o que os exames apontavam, o problema estava em seu cérebro não no canal auditivo, e por isso a situação era mais séria.
A instalação do aparelho não demorou muito e lhe chamou para avisar quando ia ligá-lo. agarrou na barra da camisa ao sinalizar que estava pronto, mesmo que em seu interior soubesse que não estava. Fechou os olhos novamente. Aquele fio de esperança que guardava para si lhe fez criar uma expectativa, por mais errada que ela fosse e por mais que ela tenha o machucado quando a médica ligou o aparelho e ele não ouviu nada.
Era apenas o mais pleno silêncio. O mais pleno silêncio que estava acostumado por toda sua vida. Abriu os olhos que já se enchiam d'água, olhando para sua mãe que se desmanchava em lágrimas, enquanto sibilava claramente três palavras que rasgaram seu coração.

Eu sinto muito.


Teria que voltar para Taebaek do mesmo jeito que saiu de lá. Sem ouvir as turbinas dos aviões e sem saber como o mundo era com sons. E uma das piores partes disso tudo era saber o quanto aquilo afetou e machucou as duas pessoas que mais ama em sua vida: seus pais.

❥❥❥❥❥


Era um replay do dia anterior que acontecia para . Na realidade aquilo nem chegava a ser uma novidade, era assim que todos seus dias eram de segunda a sexta há aproximadamente seis anos: depois do colégio ia para a clínica e depois saia para almoçar com sua mãe antes de ir para casa e estudar até anoitecer. Era um replay da maior parte dos dias de sua vida.
Mas naquele dia estava com o coração apertado. Sabia que não era mais que um desconhecido, que não devia nutrir tantos sentimentos assim por ele e que inicialmente se atraiu por ele apenas porque o nível de sua beleza era alarmante, mas agora a situação havia mudado. Mesmo que ele nunca houvesse lhe visto, sentia uma conexão com ele tão forte que vê-lo naquele estado no jardim fora capaz de a desestabilizar por todo o dia.
Isso porque estava trancada no banheiro tentando parar de chorar quando ele foi embora da clínica e SuA nem mesmo quis dizer que o vira chorando, ou estaria ainda pior com toda certeza. Sua mãe por vez, nem mesmo percebera seu baixo astral e olhos inchados, empenhada apenas em conversar com seus sócios e marcar todos os compromissos possíveis naquele espaço de tempo. Mas dessa vez, a menina não se importou de interrompê-la.
― Ele tem surdez retrococlear? ― perguntou com a voz rouca, encarando a flor que ficava no pequeno vaso longo, no mesmo lugar que todos os dias. Ainda tinha um fio de esperança que sua mãe respondesse que não, assim aquela conexão com acabaria e poderia ficar em paz consigo mesma. Mas sabia que não.
― Sim, ele tem. ― nem mesmo desviou o olhar do celular para se dar ao trabalho de olhar a filha enquanto a respondia, esquecendo o quanto aquilo era capaz de machucá-la. ― Eu disse para não se apegar. Ele vai embora hoje a noite e nem sabe que você existe.
― H-Hoje a noite? Mas e a cirurgia?! ― sabia bem como a cirurgia de implante cerebral funcionava e sabia também que a recuperação era no mínimo de duas semanas. Como ele já estava indo embora…? Pensar naquilo fez com que ignorasse qualquer grosseria da mãe em relação a sua não existência para .
― Ele não vai fazer a cirurgia. Os pais dele tinham dinheiro para pagar apenas o tratamento com aparelho, não o implante. ― esperava que aquilo encerrasse o assunto e acabasse de vez com a obsessão que a filha desenvolvera pelo estranho, mas não foi exatamente isso que aconteceu.
Ouviu o barulho de talheres batendo no prato, algo que lhe irritou tão profundamente que fechou sua agenda e bloqueou a tela do celular, erguendo o olhar até a adolescente para encará-la e tentar entender da onde aquilo vinha, arqueando uma das sobrancelhas ao ver o rosto da garota completamente vermelho e ela se esforçando para não começar a chorar.
― Quem é você? ― balbuciou com desprezo, as mãos segurando a quina da mesa com força. ― Você não é minha mãe.
― O que é isso agora, ? ― cruzou os braços autoritária, frisando o cenho. ― Recomponha-se e termine de comer.
― Não, eu não vou te obedecer dessa vez. Eu não sei o que você se tornou, mas essa mulher não é a mãe que eu devo respeito e obediência. ― mesmo que suas mãos estivessem tremendo um pouco, se manteve firme.
― Como você se atreve a falar assim comigo por causa de um garoto que nem mesmo conhece?! ― a mulher se segurou para não virar um tapa na filha ali mesmo e não causar um escândalo no restaurante.
― Não tem nada haver com o ! Nem isso você consegue entender. Você se tornou fútil a ponto de só se importar com dinheiro dessa forma? ― as lágrimas agora começavam a escorrer pelas bochechas pálidas. ― O que aconteceu com a mulher que começou debaixo por causa da filha e se especializou em casos de pessoas surdas para ajudá-las? Você disse que mais do que a mim, amava ajudar o ser humano, que se sentia realizada com as expressões das pessoas ao ouvirem pela primeira vez! Você disse que ia estudar não só por mim, mas por todos os que precisassem!
― Agora já chega, . ― aumentou o tom de voz, erguendo a mão para segurar o pulso da filha e tentar controlá-la. Aquelas horas, parte dos presentes no local já olhavam curiosamente o que estava acontecendo. ― Vamos conversar em casa.
― Não, nós não vamos. Nós nunca conversamos em casa, nós não conversamos nem nessa droga de restaurante que devia aproximar a gente. ― cuspiu as palavras entre dentes, deixando que a mãe apertasse seu pulso o quanto quisesse. Não ia recuar. Não dessa vez. ― Foi pra isso que você me operou? Nós conversávamos mais quando eu era surda! Pelo menos assim você tinha que largar o celular para falar comigo.
arregalou os olhos ao ouvir aquilo, pela primeira vez as palavras da menina conseguiram a afetar profundamente, principalmente ao perceber que enquanto uma de suas mãos segurava o pulso de , a outra estava segurando o aparelho eletrônico mesmo que ele estivesse em cima da mesa com a tela virada para baixo. A filha lhe olhou com um sorriso sarcástico.
― Aproveite o que o seu dinheiro pode comprar, mãe. Eu perdi a fome.
levantou, pegando a mochila que estava repousada na parte detrás da cadeira onde sentava e não esperando nada para sair em passos firmes do estabelecimento. ficou atônita observando a saída a qual a filha havia atravessado e o prato intocado de comida que ela tinha deixado.
Não sabia o que deveria fazer, quando deixou as coisas chegarem àquele nível? Só queria que tivesse uma vida confortável depois de ter sofrido com a deficiência, que ela tivesse tudo sempre à mão, mas esqueceu que ela precisava muito mais da mãe por perto do que qualquer bem material que o dinheiro podia oferecer.
Suspirou, ignorando todos os olhares curiosos em sua direção e fungando apenas uma vez antes de procurar um número de telefone nos contatos, esperando que a mensagem fosse visualizada rapidamente.

❥❥❥❥❥


Sua mãe não queria que ficasse no quarto de hotel arrumando as malas por achar que aquilo seria injusto com o garoto. estava em Seul, onde ele sempre quis estar desde seus quinze anos, então o que seria melhor para animá-lo um pouco senão dar um passeio pela cidade que sempre quis conhecer, mesmo que não fosse nas condições que queria?
Ele sonhava em passear por aquelas ruas ouvindo as buzinas e os motores, por isso passaram todos os dias dentro do hotel desde que chegaram de Taebaek. O dissera que apenas sairiam quando ele pudesse sentir tudo o que a cidade poderia oferecer, todos os sons novos, mas nem tudo acontece como planejamos, no final.
Obedeceu mesmo que a contragosto, resolvendo ir tomar um sorvete no parque que ficava perto do hotel. Queria que a mãe fosse consigo, mas ela apenas sorriu e negou com a cabeça. entendeu o recado, sua mãe adiantaria o vôo e resolveria tudo em relação com a volta deles enquanto estivesse fora, provavelmente não queria que ficasse perto para não ser mais difícil ainda para os dois.
Suas mãos estavam no bolso do casaco bege leve que usava, apesar de fazer um sol fraco, estava acostumado com o tempo abafado de sua cidade então para , aquele vento fraco como o que fazia já era motivo de colocar aquela roupa. Estava na rua detrás da clínica, o que apenas fazia a situação parecer pior. Não tinha mais a chance que queria e nunca voltaria lá, não tinha nem mesmo pra quê olhar para trás.
Tomava cuidado para atravessar a rua mesmo que sua mente estivesse divagando, a dificuldade não era nem mesmo de não ouvir os carros se aproximando, mas sim pelo choque de realidade na quantidade de automóveis que corriam pelo asfalto em pouquíssimos segundos. Era algo que apenas vira em filmes e na televisão, chegava até mesmo a ser um pouco assustador…
Esperou que o visor ficasse verde, contando os segundos para voltar novamente ao vermelho, dando o primeiro passo em direção a rua. Claro que não ouviu a buzina do carro que vinha acima da velocidade, não se importando em passar o sinal vermelho. estava focado na entrada do parque que ficava no outro lado da rua, achava que como em sua cidade, os automóveis respeitavam veementemente o sinal vermelho.
Mas não era bem desse jeito. E o pior só não aconteceu porque sentiu alguém agarrando seu braço fortemente e lhe puxando para trás, fazendo com que caísse por cima do corpo feminino e mais frágil que o seu, arregalando os olhos ao perceber o que estava acontecendo. A garota gemeu pelo impacto de seus ossos batendo contra o chão duro, se amaldiçoando por ter usado força demais.
Não queria que lhe visse, seu rosto ainda estava molhado de lágrimas e completamente vermelho! Apenas iria puxá-lo para trás e então sair correndo para sua casa, mas no calor do momento e no desespero de não deixar que nada de ruim acontecesse com ele acabou colocando toda sua força na ação. Não tinha como esconder seu rosto do , estavam muito perto em um abraço apertado que ela o envolvera quando o virou.
Podia sentir o cheiro do perfume amadeirado que ele exalava, facilmente se tornando a sua fragrância favorita a cada vez que respirava e apesar de sua coluna estar latejando um pouco, havia valido a pena. Ser vista daquela forma acabada também valeria a pena, pensou consigo. Estava tudo bem, porque ele estava bem.
ainda estava em estado de choque, olhando para o chão bem à sua frente. Seu nariz a poucos centímetros do chão e só não batera o rosto nele porque seu queixo se escondia no ombro da desconhecida que estava abaixo de si. após alguns segundos desfez o abraço, virando o rosto para o lado contrário ao qual o rapaz estava e então vendo que o óculos dele havia caído ali.
Esticou os dedos, o pegando, tocando levemente no antebraço de para ver se assim ele despertava finalmente. Assim aconteceu, mas ele ainda estava perdido quando ergueu a face, o que só piorou quando ele viu os olhos inchados e face vermelha da menina.
― N-Não… Não chora! ― se desesperou completamente com a cena, se levantando tão rápido quanto um raio e então oferecendo a mão para ajudá-la a levantar. ― Ficou tudo bem, você me salvou! Não precisa chorar! ― a voz geralmente grave estava pelo menos dois tons mais aguda, demonstrando a aflição que sentia em vê-la daquela forma.
aceitou a mão dele, que lhe puxou para cima, aproveitando para bater com essa na saia do uniforme assim que se pôs em pé e então passar as costas das mangas do suéter creme que ficava por cima de sua camiseta pelo rosto para tentar melhorar um pouco a situação dele, arriscando um sorriso de canto para tentar tranquilizá-lo.
Mesmo que estivessem de frente um para o outro e soubesse que poderia ler seus lábios facilmente, principalmente sibilando “tudo bem”, ela não queria falar. Não queria fazê-lo ficar frustrado em não conseguir ouvi-la. Enquanto as pessoas desviavam deles na rua, simplesmente subiu suas mãos na altura do rosto do menino, pegando cada haste do óculos com cada uma e então o encaixando acima do nariz do rapaz.
Mesmo que quisesse ficar ali, apenas o observando e decorando todas as linhas que se encontravam para formar os traços seu rosto, o tom castanho escuro de seus olhos que combinava com o de seus cabelos lisos cobrindo a testa e o rosado de seus lábios além do formato perfeito do seu nariz, a sua vontade de ir embora era maior. Ainda sentia um peso enorme da discussão com sua mãe, e olhar para a dava vontade de chorar outra vez em lembrar que não podia fazer nada por ele.
Deu as costas para o , já começando a andar para sair. Mas para sua surpresa ele lhe puxou pela mão e fez com que voltasse, fixando os olhos nos seus de uma forma tão intensa que sentiu todos os fios de seu corpo arrepiados.
― Eu não vou te deixar ir tão facilmente. ― a voz profunda do arranhou seus ouvidos de forma prazerosa, fazendo até mesmo suas pernas tremerem levemente.
De onde havia saído?! Ele era capaz de dizimar sua existência apenas respirando. Aquilo não podia estar certo! O que deveria fazer? Não queria falar, não podia começar a usar as mãos ou ele iria estranhar - talvez no mínimo achar que era muda, mas… - e agora não podia ir embora. Seus olhos se perderam, focando em diversas direções rapidamente.
― Obrigado. Se não fosse você eu provavelmente teria me machucado muito feio. ― isso para não dizer que as coisas poderiam ser muito mais trágicas, levando em consideração a velocidade que o carro estava. ― A-ah, se você puder falar devagar, por favor. Eu não estou acostumado a ler lábios de ninguém que não sejam os meus pais, e as pessoas da capital falam muito rápido.
Aquilo a pegou ainda mais de surpresa. Ele era tão diferente até mesmo de si própria… nunca tivera coragem de pedir algo assim ou assumir tão facilmente sua condição há seis ou sete anos atrás, quando não podia ouvir assim como . Ela sempre ficava sem graça e se esforçava muito para conseguir acompanhar as conversas, mesmo quando as pessoas se viravam de costas para si, arrumava alguma desculpa para disfarçar.
Agora, ele com menos de dez minutos junto consigo não tinha problema nenhum em admitir que não ouvia, além de pedir para que falasse devagar. Sorriu largamente, a cada segundo mais impressionada com o . O garoto era bem mais do que só um rosto bonito e estava imensamente grata ao mundo por ter lhe dado a oportunidade de conhecê-lo. Ergueu suas duas mãos, calmamente movendo seus dedos e formando “tudo bem, não precisa agradecer”.
inconscientemente deixou que um sorriso tímido aos poucos tomasse seus lábios quando percebeu que ela sabia a linguagem de sinais, seus olhos focando nos da menina logo depois dela ter continuado a frase com “eu nunca poderia assistir sem fazer nada”. Estava pronto para chamá-la para ir ao parque com ele como forma de agradecimento quando sentiu seu celular vibrando três vezes no bolso do casaco.
O pegou rapidamente, ansioso ao pensar que era uma mensagem de sua mãe. Arregalou os olhos ao ver o conteúdo da mesma e ergueu a cabeça para encontrar a desconhecida novamente, mas então viu que estava sozinho. Ela havia ido embora sem nem mesmo lhe dizer seu nome… Mas o que lera na tela do celular fora capaz de tirar completamente sua atenção, fazendo com que corresse de volta para o hotel.

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já estava usando aquele ridículo chapéu branco de abas enormes que cobriam seu rosto há três semanas, desde o dia em que discutiram. odiava aquele maldito com todas as suas forças, principalmente porque sabia bem o que ele significava: quando a filha ficava irritada ou chateada com algo, ela usava aquele chapéu para esconder sua expressão de infelicidade e muitas vezes, seus olhos inchados de choro, uma tradição da garota.
Quando ela era criança, aquilo queria dizer que ela não podia nem ouvir e nem ver o que quer que quisesse dizer, uma birra que significava que precisava de um tempo longe para superar o acontecimento e deixar a irritação ir embora. nunca ficou com o chapéu por muito mais de algumas horas, mas agora era diferente do que apenas uma pirraça infantil, sabia que ela estava fazendo aquilo para demonstrar o quão magoada estava e que não queria conversar consigo tão cedo.
Mas agora sua filha podia ouvir, então não poderia fugir daquela conversa cedo ou tarde.
. ― chamou ao vê-la abrindo a geladeira e pegando a jarra de suco de laranja em uma das prateleiras enquanto fingia não estar lhe escutando e ignorava seu chamado, fazendo com que suspirasse antes de repetir. ― .
― Eu estou usando um chapéu. ― ela esfregou em sua cara simplesmente como se aquilo fosse o suficiente para lhe fazer desistir.
― Eu não me importo. ― respondeu tão ríspida quanto à menina, se levantando do sofá e parando à frente do balcão que ela usava para colocar o copo e enchê-lo. ― Por quanto tempo você pretende agir dessa forma?
― De que forma? Da mesma forma que você age comigo? ― até mesmo ergueu um pouco o rosto, fazendo seus olhos aparecerem de relance com um brilho tristonho.
O silêncio caiu como sempre acontecia quando estavam juntas, a fazendo se lembrar do porque estava triste e do estopim que as levou àquela briga. Não conseguia parar de pensar em desde o dia em que descobriu sobre sua surdez, condição financeira e para fechar com chave de ouro, o destino ainda fez com que se esbarrassem na rua. Sua mente girava numa velocidade tão alta quanto a de uma montanha russa quando pensava que ele devia estar em sua casa no interior agora, sem a operação que precisava.
― Vá para clínica amanhã depois da aula. ― antes que a adolescente pudesse protestar, continuou. ― Não por mim e nem pra almoçar comigo depois, mas porque a SuA sente sua falta e disse que o dia dela não tem graça sem te ouvir tocar. Bom, você não vai querer ser como eu e não valorizar quem quer sua presença, não é?

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chegou com um desânimo tão grande na clínica que ela podia até mesmo matar os arranjos de flores que estavam nos vasos em dois pedestais da recepção aos quais passou entre quando entrou, só por conta da aura negra que emanava de seu corpo. Era uma situação rara vê-la assim tão pra baixo, mas sinceramente apesar de não estar usando o chapéu, por dentro continuava na mesma situação do que quando estava com ele: não queria ver, ouvir, muito menos falar e interagir com pessoas.
Mas aquele argumento usado fora muito baixo. SuA não tinha culpa disso, nem mesmo de sua mãe ser uma babaca ou de sua crise existencial, por isso se esforçou para criar coragem e ir até a clínica depois do dia letivo. Estava aliviada por ter descarregado todos aqueles sentimentos ruins que guardava em seu coração, mas encarar as consequências de seus atos não era tão fácil quanto parecia ser, principalmente porque deixara as coisas mal resolvidas.
― Quem morreu que não sei? ― a voz da recepcionista encheu seus ouvidos lhe fazendo despertar e sorrir de canto automaticamente com o jeito tão natural da mulher.
― Ninguém por enquanto. ― respondeu, parando na frente do balcão da recepção ao qual deixava a mochila em cima.
― E nem vai tão cedo, não é? ― SuA virou a cadeira levemente para pegar a bolsa da menina. ― Meu Deus, você tá horrível. Se eu soubesse que você ia se apaixonar tanto assim, não tinha falado pra você dele. ― a mulher suspirou desanimada, balançando a cabeça negativamente.
― Eu não me apaixonei, foi só uma situação delicada. ― discordou, revirando os olhos com aquela afirmação. Havia sido só uma conexão, nada de paixão.
― Ahaam, sentá lá, vai. ― SuA revirou os olhos e apontou para o piano, virando a cadeira novamente para a tela do computador.
― Você realmente sentiu falta de mim tocando piano, não é? ― a menina perguntou com um sorriso satisfeito. A amiga sempre reclamava de que ficava o dia inteiro sentada no banco e ficaria com a bunda quadrada, que precisava parar um pouco e ir tomar um ar, mas no fim não detestava tanto sua música quanto demonstrava.
― Você não sabe o quanto. ― a mulher riu baixo. ― Toca alguma mais animada, por favor, eu não aguento mais o clima morto que esse lugar está. Aquela que você chama de Rocket, ou algo assim.
― Tudo bem, mas só porque você está pedindo. ― até porque, de clima morto pra aura morta não tinha muita diferença…
Mas fez o que SuA pediu, juntando toda a animação que restava no fundo de seu ser para começar a pressionar as teclas que formavam um acorde agudo e iniciar a melodia de tempo médio.

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Era hoje, o dia D.
Não conseguia ficar quieto sentado durante aquelas três semanas que tivera de passar com a cabeça enfaixada e os ouvidos bem tampados, mesmo que na primeira tivesse sido obrigado. Nada podia atrapalhar sua recuperação da cirurgia de implante de tronco coclear, nenhum som muito alto deveria ser ouvido para não inflamar o órgão então ainda não sabia se a cirurgia havia dado certo ou não. Aquele tempo foi em como toda a sua vida: silencioso, porém extremamente agonizante.
A recuperação era simples apesar de delicada e entediante, sentia dores na região da cabeça praticamente na primeira semana inteira além de não poder deitar e nem mesmo levantar porque qualquer impacto poderia ser prejudicial, mas depois as coisas melhoraram gradativamente até que tudo parecesse estar normal outra vez.
havia explicado bem como a cirurgia havia sido feita, passo a passo. O eletrodo do implante auditivo de tronco encefálico é introduzido na parte lateral baixa do quarto ventrículo e colocado sobre a superfície dos núcleos cocleares ventral e dorsal. O estímulo elétrico emitido pelo implante auditivo de tronco encefálico possibilita a identificação da frequência, amplitude e características temporais dos sons. Ele sabia o que isso significava? Não exatamente com todos esses termos técnicos, mas basicamente se desse certo, poderia ouvir.
Sinceramente, depois do que acontecera no seu primeiro diagnóstico, estava nervoso. Sentia até mesmo um frio na barriga e tentava não criar nenhuma expectativa para não se decepcionar novamente, ao mesmo tempo em que não queria parecer estar sem fé ou totalmente desiludido. Era uma situação muito delicada e os sentimentos do garoto eram conflitantes, o que se intensificava a cada volta que dava por sua cabeça e tirava as ataduras.
Foram dois minutos torturantes e quando a médica terminou só habitava o mais puro silêncio na sala de consultório, porque ninguém quis falar. A ansiedade corria os poros de todos na sala, até mesmo de , mas nenhum deles parecia ter coragem de abrir a boca para finalmente acabar com aquela expectativa, até que o próprio ia fazê-lo, afinal, o que melhor para se ouvir a primeira vez - se ouvisse - do que a sua voz?
Assim que abriu a boca e tentou emitir algum som, uma melodia que soava tão feliz como sua alma estava. Não sabia de onde vinha ou o que era, mas era como estar no meio de um campo de flores infinito com o seu maior desejo sendo realizado - e realmente estava. Não pensou duas vezes em se levantar e abrir a porta do local, saindo para buscar da onde vinha o som, seus olhos já se enchendo de lágrimas.
Andou calmamente, seguindo a direção da recepção, um sorriso largo tomando seus lábios ao ver o piano de cauda ali. Mas não foi apenas ele que chamou a atenção e também o acompanhamento visual da garota que apenas ergueu os olhos quando ouviu seu nome sendo chamado por uma das mulheres atrás de si. não conseguiu segurar as lágrimas que deslizaram pela sua bochecha com a emoção daquela cena.
A música fora o que inaugurou seu novo mundo, a primeira coisa que se lembraria de ter ouvido durante toda sua vida. E quem lhe proporcionou aquilo foi a mesma garota que não saiu da sua cabeça desde o dia em que haviam se conhecido, e mesmo que parecesse ser loucura, queria estar junto por toda a sua vida também.


Fim.



Nota da autora: Pra quem chegou até aqui, um muito obrigada por ter lido toda a minha short fic! Eu sou completamente apaixonada por essa história e por esses dois pps, ela chegou muito perto de ser a minha favorita entre as quatro que eu escrevi pra esse álbum, mas acho que eu faltei no final. Na minha mente, eu mentalizei com esse sendo o fim, sabe? E meio que eu fiquei com dó de mudar, porque eu me apeguei emotivamente com o ficstape acabando exatamente com essa frase! Mas, eu tenho planos de me aprofundar mais na vida e no relacionamento desses dois, é claro, se vocês quiserem! O que acham?
Mais uma vez, muito obrigada por ter lido até aqui, inclusive, também quero saber se alguém percebeu o jogo de palavras com os títulos de todas as músicas do álbum! USAHUSAHSA Afinal, essa é a intro, o que melhor do que citar todas as coisas que vocês lerão em seguida?! SUHAUSHA Um beijo, espero nos vermos novamente em Lilili Yabbay, Hello e Unfinished! AUHAUHUAHUAH
Se quiser falar comigo, é só me procurar no Twitter!





Outras Fanfics:

LONGS:
Trespass
Kratos
(No) F.U.N

Ficstapes:
01. Intro. New World
06. Lilili Yabbay
11. Hello
11. Hug
13. Outro. Incompletion

Music Video:
MV: A
MV: Callin
MV: Don’t Wanna Cry
MV: Gashina
MV: Hyde
MV: Please Don’t…
MV: Trauma
MV: Heroine
MV: Mysterious
MV: Shangri La
MV: Very Nice


Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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