Enviada em: 12/08/2018

Capítulo Único

Quando decidi fazer medicina, sabia que não seria fácil. Eu precisaria estar preparada para os diversos casos que atenderia na emergência. Saber o que fazer e quais medicamentos ministrar rapidamente, para poder salvar a vida de um paciente, era essencial. Como médica, eu deveria estar a par das diversas técnicas cirúrgicas que surgiam dia após dia, sempre me atualizando para melhorar meu desempenho.
Na faculdade, somos ensinados a lidar com os pacientes e suas famílias. Não devemos nos apegar, não devemos criar um vínculo, tudo deve sempre ser tratado com profissionalismo, por mais difícil que seja. Contudo, às vezes é impossível não criar um carinho, principalmente quando os pacientes em questão são crianças, já que minha especialização é a pediatria.
Sim, tratar crianças é difícil e sim, apesar de nem sempre conseguir salva-los, eu amo o que faço. Perder um paciente sempre é desesperador, mas a sensação de salvar uma vida é inexplicável. Ver, aos poucos, a vida voltando ao paciente é extremamente gratificante; devolver a alegria para uma família que já não tem mais esperanças é mais ainda.
Claro que eu não atendia só casos extremos, também haviam os resfriados, as obstruções intestinais, as intoxicações alimentares, as fraturas... E sim, elas eram mais corriqueiras, mas, com sorte, eu não veria nenhum desses casos essa noite, já que estava pronta para ir para casa e afundar-me em minha tão amada solidão.
Vejam bem, eu nem sempre fui uma pessoa muito solitária, mas certos acontecimentos ao longo de minha vida me levaram a gostar da sensação de estar sozinha. Então, voltar para casa e para meus gatos, me reconfortava.
Retirei as luvas, jogando-as na lixeira. Me aproximei do lavatório e higienizei minhas mãos, com um sorriso aliviado em meu rosto. Havia conseguido salvar mais um paciente complicado, graças a uma técnica que eu mesma desenvolvi com o auxílio de Kathleen. Ouvi a porta se abrir e encontrei minha residente encarando-me com um sorriso satisfeito.
- Sabia que conseguiria. - Disse, parando ao meu lado para também lavar suas mãos.
- Eu estava preocupada. - Confessei enquanto secava minhas mãos com o papel toalha. - Era um caso difícil, você sabe. Mas não teria conseguido sem sua ajuda.
- Sim, sei. Mas você sempre consegue. - Afirmou, sorrindo para mim antes de se virar para pegar o papel toalha para si.
- Nem sempre, Kat, nem sempre... - Abri um sorriso triste. - De qualquer maneira, faz algum tempo desde que perdemos um paciente. Espero que continuemos assim. Você está muito bem. Em breve poderá fazer um procedimento solo.
Pisquei para a ruiva e ela sorriu animada para mim e nós duas seguimos para fora do Centro Cirúrgico, caminhando lado a lado até o posto central da ala pediátrica.
- Kat, por favor, me avise quando Henry acordar. - Pedi, apoiando meus braços no balcão.
- Aviso. Te chamo para falarmos com os pais dele. - Sorriu antes de se afastar.
- Estou livre de cirurgias por hoje, certo? Vou para casa. - Disse para a enfermeira chefe, apoiando-me no balcão.
- Sim, Dra. , mas você está escalada para o plantão da madrugada. - Mary respondeu, apontando para o quadro do outro lado do corredor.
- O quê?! Desde quando? - Questionei, um pouco surpresa. - Chequei hoje cedo!
- Dr. McCain pediu para mudar, emergência familiar. Ele disse que tinha te avisado... - Mary contou, erguendo as sobrancelhas.
- Avisou porcaria nenhuma, Mary! - Revirei os olhos, contendo minha irritação. - Semana que vem, escala ele no meu lugar, por favor. E não o avise também.
A enfermeira riu, mas concordou e fez o que pedi. Sorri para ela antes de me afastar e andar até a sala de descanso dos médicos atendentes. Fui até a geladeira e peguei o sanduíche que eu colocara ali mais cedo, jogando-me em um dos sofás para comer em paz. Eu estava errada, afinal de contas. Passaria a noite atendendo crianças e, com sorte, seriam casos simples. Mal tinha dado a primeira mordida quando meu pager começou a apitar, indicando que precisavam de mim na emergência. Larguei o sanduíche de qualquer jeito e me levantei, prendendo meu cabelo em um rabo de cavalo enquanto corria até o pronto socorro. Avistei Kat assim que cheguei e corri até ela.
- O que temos aqui? - Questionei ao me aproximar da maca, encontrando uma menina que não devia ter mais que quatro ou cinco anos idade.
- Ela tá vomitando sem parar... - O homem que a acompanhava contou, a preocupação estampada em seu rosto. - Isso nunca aconteceu... Tô preocupado. - Coçou a cabeça nervosamente.
Assenti, aproximando-me da garotinha e examinando seu rosto e corpo. Kat tinha a ficha dela em mãos e anotava todos os dados que o homem passava.
- O senhor é o pai dela? Julie, certo? - Kathleen questionou e ele balançou a cabeça em confirmação.
- Ela teve outro sintoma, qualquer outra coisa que não seja comum? Desde cansaço anormal até febre ou dores? - Perguntei a ele, aproximando meu estetoscópio do peitoral dela para checar as batidas de seu coração.
- Não, nada. Busquei ela na escola e assim que chegamos em casa ela começou a vomitar. Achei que seria uma vez só, mas já foram várias... E ela não tem dormido direito, mas acho que é porque estamos em julho. Ela sempre fica assim quando é aniversário da morte da mãe.
Ergui as sobrancelhas e olhei diretamente para ele pela primeira vez, percebendo quando seus olhos claros perderam o restante do brilho que tinham. Estranho, mas eu tinha a sensação de conhece-lo de algum lugar...
- São só vocês dois? Tem quanto tempo que a mãe faleceu? - Perguntei quando voltei minha atenção para a garotinha, que agora me encarava de olhos abertos.
- Só nós dois. - Contou, cruzando seus braços. - Três anos... Ela tinha só dois quando aconteceu.
- Eu sinto muito. - Eu e Kat falamos ao mesmo tempo.
- Obrigado. - Agradeceu, aproximando-se da filha.
- Papai? De novo... - Ela resmungou e eu rapidamente entendi, alcançando na mesa ao lado uma vasilha para que ela pudesse vomitar.
O homem aproximou-se da filha, suspirando enquanto segurava os cabelos dela para trás, passando-lhe conforto.
- Notou se ela perdeu peso ultimamente? - Perguntei.
- Não, tá tudo normal. - Contou, cruzando os braços nervosamente. - O que acha que ela tem?
- O que ela comeu durante o dia? - Perguntei, fazendo algumas anotações na prancheta.
- O que teve de almoço hoje na escola, filha? - Virou-se para Julie, que encarava o pai com lágrimas nos olhos.
- Peixe, arroz e salada. - Respondeu, sua voz saindo baixinha.
- E o peixe estava gostoso? - Aproximei-me dela, erguendo as sobrancelhas.
- Não muito... Eu e minha amiga achamos bem blé. - Fez uma careta, olhando para o pai.
Não pude deixar de sorrir ao ouvir a expressão da garotinha, e imediatamente já sabia o diagnóstico.
- Certo, Sr. , acredito que sua filha esteja apresentando um quadro de intoxicação alimentar, provavelmente por algo que comeu...
- Papai? Eu não tô...
A fala de Julie foi interrompida quando ela desmaiou, seu corpo perdendo a força e seus braços caindo ao lado de seu corpo.
- Julie! - O homem gritou, abaixando-se para tentar acordar a filha. - Dra. , o que aconteceu?
- Fique calmo. - Levei minha mão até o ombro dele, tentando acalma-lo mesmo sabendo que era impossível. - Ela provavelmente desmaiou por conta da fraqueza. Julie vomitou várias vezes, não é? Iremos cuidar dela. - Ele sorriu em agradecimento e eu me virei para minha residente. - Certo, Kat, quero exame de sangue completo apenas para descartar qualquer coisa. Solicite o internamento da paciente, por favor, e inicie imediatamente soro para hidratação.
- Certo. Volto já para leva-la para um quarto. - Kathleen disse antes de afastar-se de nós.
- Ela terá que passar a noite aqui para se recuperar bem, ok? - Avisei, guardando minha caneta no bolso de meu jaleco.
- Tudo bem...
- Papai? - A voz baixa da garotinha soou, fazendo com que voltássemos a atenção para ela.
- Ei, Jubs. - Aproximou-se dela, se escorando na cama para acariciar seu cabelo.
- O que aconteceu? - A menina perguntou, seus olhos atentos grudados nos de seu pai.
- Você desmaiou, joaninha. Mas vai ficar tudo bem. A Dra. ...
- . - Corrigi, sorrindo para os dois.
- A Dra. vai cuidar bem de você. - Afirmou sob o olhar da filha. - Vamos ter que passar a noite aqui pra você melhorar, ok?
Julie balançou a cabeça em confirmação e voltou seu olhar para mim, analisando-me curiosamente. Eu sorri para a garotinha, piscando para ela a fim de tranquiliza-la.
- Só uma noite, certo? - A voz preocupada do homem chamou minha atenção novamente.
- Provável que sim, Sr...
- . .
Minha mente imediatamente voou para o ensino médio. É claro! . Meu colega de classe que costumava ser sempre simpático comigo, quando a maioria não era. Pelo visto eu sou a única que se lembra disso.
- Dra. ? - Ouvi sua voz me chamar, trazendo-me de volta a realidade.
- Sim? - Perguntei, piscando algumas vezes. - Ah, claro. Eu vou pedir para que internem Julie pra poder investigar melhor, espere aqui que logo alguém vem lhe chamar.
- Certo. Obrigado, Dra. .
- Ah, Sr. ? - Chamei antes de me virar. - Você poderia ligar para a escola de Julie e verificar se mais alguma criança passou mal?
- A escola provavelmente já fechou, mas consigo falar com a professora dela.
- Ótimo, já ajuda. Obrigada. Até depois, Julie.
Sorri novamente para os dois antes de me afastar e voltar para a sala dos atendentes para terminar de comer meu sanduíche. Poucos minutos depois, antes de retornar ao trabalho, prendi o cabelo, passei uma água no rosto e higienizei as mãos para, finalmente, voltar ao batente. Caminhei até a ala central da pediatria e apoiei-me no balcão, para pegar as fichas dos pacientes. Separei algumas para checar mais tarde e continuei a procurar pela ficha de Julie, mas, sem sucesso.
- Mary, Julie já foi internada? - Questionei, erguendo meu olhar para a mulher.
- Já, Dra. . Quarto 302. - Respondeu a enfermeira chefe, sem desviar o olhar de seu computador.
- E cadê a ficha dela? - Arqueei a sobrancelha.
- Kathleen estava com ela. - Finalmente ela me olhou, abrindo um pequeno sorriso.
- Certo, obrigada.
Dei meia volta e segui caminho pelo corredor até o internamento. Não demorei a chegar no quarto 302, encontrando Julie já deitada na cama e seu pai em pé ao seu lado, enquanto Kathleen se preparava para chamar a enfermeira.
- Julie, que camisola mais linda! - Aproximei-me da cama e Kat me estendeu a ficha dela, a qual prontamente comecei a ler.
- Tem ursinhos! - Exclamou, sorrindo ao ver a estampa da camisola.
- Sim, tem. Você gosta?
- Sim, mas meu animal preferido são os coalas. - Respondeu, seus olhos brilhando. - Papai disse que vai me levar pra conhecer um!
- Tenho certeza que vai, Julie. - Sorri para ela e devolvi sua ficha para Kat. - Já chamou uma das enfermeiras?
- Sim, já devem estar vindo. - Kathleen respondeu, cruzando os braços.
- Sr. , Julie tem alergia a algum medicamento? - Perguntei, voltando minha atenção para o homem.
- Não que eu saiba... - Ele respondeu, um pouco inseguro.
- Papai, to ficando enjoada de novo... - Julie resmungou, levando as mãos a barriga.
- Dra. ? - Sr. me chamou.
- Vou pedir para a enfermeira administrar plasil junto com o soro, um medicamento para cessar o enjoo, tudo bem? - Expliquei aos dois, levando minha mão até o ombro de Julie. - E se você precisar vomitar, querida, pode vomitar.
- Mas é muito ruim! - Ela disse, levando as mãos a boca.
- Eu sei, pequena, mas você comeu algo que não te fez bem, então esse alimento vai ter que sair. Você já vai melhorar, ok? Prometo. - Pisquei para ela e sorri para seu pai antes de me afastar.
No mesmo momento, a enfermeira Taty entrou no quarto com uma bandeja contendo os medicamentos. Ela se aproximou da cama e sorriu para Julie, que se encolheu.
- Oi, lindinha. Vim medicar você. - Taty disse, levando sua mão até a pequena mão de Julie, verificando as veias mais visíveis.
- Dói? - Ouvi a menina perguntar para ela.
- É só uma picadinha. - Taty a tranquilizou. - Você é uma menina corajosa, né?
- Papai diz que sim. - Julie respondeu e eu sorri ao ouvi-la.
Seu pai também sorriu e eu percebi porque ele olhava para mim enquanto o fazia. Pigarreei baixo e dei um último sorriso antes de me virar para sair do quarto.
- Dra. ! - Ouvi-o me chamar e me virei, colocando minhas mãos nos bolsos de meu jaleco.
Era muito estranho ouvir meu colega do ensino médio me chamar de doutora, mas como eu tinha certeza que ele não se lembra de mim, a sensação logo passou.
- Falei com a professora de Julie. - Ele disse, cruzando os braços. - Parece que mais algumas crianças também passaram mal.
- Então foi realmente algo que ela comeu na escola. - Respondi, erguendo os ombros. - Sugiro que vá até a escola quando ela melhorar para relatar o acontecido a direção.
- Farei isso. - confirmou com a cabeça e passou a mão pelo cabelo nervosamente.
- Está tudo bem?
- Eu estou um pouco nervoso. - Confessou, coçando a cabeça. - Depois que a mãe dela morreu, tive que me virar sozinho. Achei que não ia conseguir, mas até que tô me virando bem. Mas é a primeira vez que preciso traze-la ao hospital, e eu não soube nem te responder se ela é alérgica a algum medicamento...
- Sr. ... - Aproximei-me dele.
- . - Corrigiu-me, abrindo um sorriso de canto.
- Certo, ... - Repeti, custando a acreditar que o homem em minha frente não se lembrava de mim. - Tenho certeza que você tem feito um ótimo trabalho e que sua esposa estaria orgulhosa de você.
- Nós não éramos casados. - Interrompeu-me. - Nunca chegamos a casar, na verdade, éramos mais amigos do que namorados ou qualquer coisa do tipo.
- Me desculpe. - Mordi o lábio, cruzando os braços. - De qualquer maneira, tenho certeza de que ela estaria muito orgulhosa de você. É normal não saber se as crianças têm alguma alergia, principalmente quando ainda não utilizaram o medicamento. É normal, fique tranquilo. É algo simples e logo vocês dois estarão em...
- Dra. ! - Kat me chamou de dentro do quarto, sua voz um pouco alta. - Julie está reagindo ao medicamento!
Imediatamente os olhos de se arregalaram em preocupação e nós dois corremos para dentro do quarto, encontrando Kathleen segurando Julie enquanto ela convulsionava.
- Meu Deus, Julie! - praticamente gritou ao se aproximar da cama.
- Sr. , se afaste, por favor. - Pedi, dobrando as mangas de meu jaleco e aproximando-me da cama. - Kat, chame Taty para...
- Já estou aqui! - Taty apareceu com o soro em mãos e andou até o suporte, trocando o que estava ali e colocando o novo para correr rapidamente e limpar o organismo de Julie.
Julie aos poucos parou de se contorcer e todos nós respiramos aliviados. bufou e bagunçou seus cabelos, provavelmente frustrado.
- ... - Dei dois passos em sua direção. - Está tudo bem. Julie está bem. Já passou.
- Mas a culpa foi minha! Que tipo de pai não sabe a qual medicamento sua filha tem alergia?
- O tipo de pai que nunca havia precisado leva-la ao hospital para ser medicada. - Respondi, cruzando os braços. - Não se culpe, isso só vai te fazer mal. Você está fazendo um ótimo trabalho, Julie está bem e em breve vocês estarão em casa...
respirou fundo e abaixou os ombros, sentando-se no sofá que havia no quarto. Permaneci em pé, observando o homem a minha frente.
- Obrigado. - Ele disse, fixando seu olhar em meu rosto. - A gente realmente não nasce sabendo fazer isso, né? Ser pai.
- Nem a mulher nasce sabendo ser mãe. - Respondi, cruzando os braços ao sentar no sofá ao lado dele. - É algo da nossa natureza, mas só aprendemos com a experiência. E algumas pessoas realmente não dão para a coisa, o que não é o seu caso.
- Você é mãe? - perguntou, desviando seu olhar para a cama, observando sua filha adormecida.
- Não. - Encolhi os ombros e mordi o lábio, olhando para a frente.
- Tem namorado? É casada? - Perguntou novamente e eu virei meu rosto para ele, arqueando as sobrancelhas. - Nossa, me desculpe. Isso foi péssimo. - Coçou a cabeça nervosamente.
- Tudo bem. A resposta é não para ambas as perguntas.
- Você tem uma marca de anel no dedo. - Pontuou e eu imediatamente entrelacei os dedos, escondendo a marca. - Desculpe. De novo.
- Eu preciso ir trabalhar.
- Dra. , desculpe se...
- Está tudo bem. - Respondi, me levantando e passando as mãos por meu jaleco.
- Dra. . - Kat apareceu, chamando-me. - Vou passar checando os pacientes, caso eu preciso de algo, te chamarei.
- Não, Kat, eu...
- Eu faço, . - Piscou para mim antes de se virar e sair do quarto.
Revirei os olhos e encontrei me olhando divertido.
- Acho que podemos continuar conversando? - Perguntou, indicando o local onde eu antes estava sentada.
- Sr. , eu não deveria...
- Certo, tudo bem. - encostou as costas no sofá, ajeitando seu corpo. - Mas nada me impede de te chamar para um café quando tudo isso acabar.
Nem me liguei ao fato de que odiava café e acabei abrindo um sorriso sem perceber. Não saberia responder se foi por seu convite inesperado ou por não acreditar que um dos garotos mais populares na época da escola não se lembrava de mim.
- Você realmente não lembra de mim, certo?
A expressão de se alterou e ele franziu o cenho, passando a observar-me com mais atenção.
- Desculpe, eu deveria?
- A ruiva que sentava no fundo da sala? Que você sempre cumprimentava, mesmo seus amigos me chamando de estranha?
- Scar? - Ele perguntou, arregalando-os olhos.
- Esse apelido não, por favor...
Virei as costas para ele e me aproximei da cama de Julie apenas para checar seus sinais vitais e ver se estava tudo bem.
- Você não se parece nada com antigamente, desculpe não ter te reconhecido...
- Nah, tá tudo bem. O tempo foi gentil comigo. - Me sentei ao seu lado novamente, cruzando meus braços ao ver a expressão divertida e incrédula em seu rosto.
- Assumo que você decidiu que a nossa conversa pode continuar? - questionou, abrindo um sorriso convencido.
- Somente por alguns minutos. Eu ainda sou a médica de sua filha.
- Sei disso. Mas você também é minha amiga de infância e... - Olhei para ele com as sobrancelhas arqueadas. - Certo, minha colega... Então eu quero te fazer algumas perguntas.
- ...
- Qual é, Scar?
Encarei-o e revirei os olhos antes de finalmente me dar por vencida.
- Você tem direito a 3 perguntas, então pense bem nelas.
Ele sorriu convencido e virou-se de frente para mim.
- Por que você não me disse quem era desde o início? - Questionou.
- Você sabia meu nome, não tenho culpa por não ter lembrado de mim. - Dei de ombros, cruzando as pernas.
- E você quer me contar sobre a marca de aliança em seu dedo?
Suspirei e entrelacei meus dedos novamente, pousando minhas mãos sobre minhas pernas.
- Fui casada durante dois anos. Engravidei, e quando contei pra ele, ele surtou, me agrediu e eu perdi o bebê. Me separei e ele está preso desde então. - Despejei tudo de uma vez e permaneci olhando para frente.
- Eu sinto muito... - disse, o pesar presente em sua voz. - Me desculpe, se eu soubesse, não tinha perguntado...
- Está tudo bem. - Assegurei-o, voltando a olhar para ele. Podia sentir meus olhos enchendo de lágrimas, mas respirei fundo e dei de ombros. - Não posso mais ter filhos.
- ... Eu sinto muito, muito mesmo.
Balancei a cabeça em confirmação e sorri fraco, limpando uma lágrima que escorreu de meus olhos.
- Realmente está tudo bem. Precisamos continuar sendo fortes, certo? - Comentei, abaixando meus ombros.
- Precisamos. Você, por si mesma, e eu, por Julie.
sorriu e desviou seu olhar para sua filha adormecida na cama.
- Ela é linda. - Elogiei, abrindo um sorriso ao observa-la dormir serenamente.
- Ela é a cara da mãe. - Respondeu, voltando a olhar para mim.
- Como ela morreu? - Perguntei, não contendo a curiosidade.
- Já é sua vez de perguntar? - questionou divertido e eu dei de ombros. - Ela sofreu um acidente de carro com uma amiga. As duas morreram na hora. Julie estava no banco de trás e só sofreu arranhões. Foi um milagre.
- Sinto muito, . - Eu comentei e ele sorriu para mim.
- Eu também. Julie devia ter sua mãe por perto, mas, acho que ela está feliz comigo... Pelo menos é o que parece.
- Com certeza ela está, é visível. - Sorri para ele. - Você faz um ótimo trabalho.
- Papai? - A voz de Julie soou e nós dois nos levantamos, aproximando-nos da cama. - O que aconteceu?
- Oi, Jubs! - disse, aproximando a mão do rosto de sua filha. - Você reagiu ao medicamento, mas já tá tudo bem.
- Como está se sentindo, querida? - Perguntei, verificando seu soro e o andamento do mesmo.
- Tô bem. Não tenho mais vontade de vomitar. - Respondeu, sorrindo pequeno. - Já podemos ir pra casa?
- Só quando a Dra. disser que podemos. - respondeu, olhando para mim em questionamento.
- Ainda está muito cedo, é melhor que passem a noite aqui pra garantir que está realmente tudo bem. - Expliquei e Julie fez uma careta, fazendo o pai rir.
- Já que vamos passar a noite aqui, eu preciso de um café. - disse logo após bocejar.
- Eu busco pra você, fique com sua filha... - Apressei-me em me oferecer.
- Não precisa. Você pode ficar com ela? Eu já volto. - Ele piscou para mim antes de sair pela porta do quarto.
Suspirei e dei de ombros, voltando meu olhar para a garotinha deitada na cama.
- Você e papai podiam ser namorados. - Ela disse naturalmente, fazendo-me arregalar os olhos. - Vocês combinam. E papai não me diz, mas sei que ele tem muita vontade de ter uma namorada!
- Querida... - A repreendi, balançando a cabeça em negação. - Não alimente sua cabeça com essas ideias…
- Mas você é legal e é bonita! Por que não? - Ela cruzou os bracinhos e eu quase ri de sua expressão contrariada.
- Porque... As coisas não funcionam assim, querida. Seu pai e eu nem nos conhecemos direito, e...
- Mas é só conhecer! - Julie retrucou, ainda de braços cruzados, fazendo-me suspirar.
- Tenho certeza que ele vai te dizer a mesma coisa que eu.
- Responder o que? - questionou ao entrar no quarto e eu fiz sinal para Julie não falar nada.
- Nada. - Sorri rapidamente. - Preciso ir. O dever me chama.
- Trouxe um café pra você. - Ele estendeu o copo em minha direção e eu sorri sem jeito.
- Eu não tomo café. - Respondi um pouco sem jeito. - Mas muito obrigada.
- E o que eu faço com isso? - perguntou, erguendo os ombros e eu apenas sorri antes de me afastar.
- Volto em algumas horas pra ver se está tudo bem e liberar vocês dois.
Pisquei para os dois antes de finalmente sair do quarto e dar continuidade ao meu trabalho. Segui até o posto central da pediatria, encontrando Kathleen preenchendo algumas fichas.
- Tudo certo? - Perguntei, fazendo-a se sobressaltar. Acabei rindo e ela revirou os olhos. - Desculpe.
- Tudo certo, todos os pacientes estão estáveis e não chegou mais nenhum paciente pediátrico na emergência.
- Percebi, se não você teria me chamado. - Revirei os olhos, constatando o óbvio.
- Alguém está toda engraçadinha... A conversa com Sr. foi boa? - Kat perguntou divertida e eu fechei a cara, recompondo-me.
- Kathleen! - A repreendi, cruzando os braços.
- Por favor, Dra. , eu reconheço um clima de longe! - Ela disse, abrindo um sorriso.
- Você está errada, Kat... - Mordi o lábio interiormente. - Além disso, ele é pai de uma paciente. Você sabe que n...
- Ah, que baboseira. - Kathleen revirou os olhos.
- Ei! - Repreendi-a novamente. - Você não tem mais fichas pra preencher, não?
Kat riu e concordou com a cabeça, voltando sua atenção para as fichas em sua frente.
- Estarei na sala dos atendentes caso precise, vou dormir um pouco.
- Tudo bem. Bom descanso, .
Sorri para minha interna antes de me virar e me afastar para descansar por alguns minutos.

- Dra. . - Ouvi uma voz distante me chamar e abri os olhos devagar, piscando algumas vezes até focalizar a voz de Kat em minha frente. - Já são oito horas.
- O quê? Como assim? Por que você não me acordou? - Desatei a perguntar assim que levantei, ajeitando minha roupa.
- Porque não houve necessidade, foi uma noite extremamente tranquila. Só estou te acordando agora para que você dê alta para Julie .
- Certo, eu vou lavar o rosto e já vou até o quarto dela. Busque um suco para mim, por favor?
Minha interna prontamente assentiu com a cabeça antes de sair da sala. Me dirigi até o banheiro e passei uma água no rosto. Peguei meu kit de higiene e rapidamente escovei os dentes. Ajeitei meu cabelo e recoloquei meu jaleco, saindo da sala em seguida. Comecei a caminhar em direção aos quartos, encontrando Kat com meu suco no meio do caminho. Tomei um longo gole assim que peguei o copo e devolvi-o para Kat antes de entrar no quarto de Julie.
- Bom dia! - Desejei e ambos voltaram seus olhares para mim. - Como passaram a noite?
- Com dor nas costas. - gemeu.
- Não vomitei nenhuma vez! - Julie comemorou.
Sorri para os dois e me aproximei da cama de Julie, verificando se estava tudo certo.
- Você parece muito bem. Está com fome?
- Muita! Como um leão! - Respondeu, me fazendo rir.
- Dieta leve durante o dia, ok? - Me dirigi a . - Mingau, sopa, vitaminas... Nada pesado. Evite carne vermelhas.
- Só isso? Nenhum medicamento? - Ele perguntou.
- Não precisa. Somente se ela tiver dor de estômago, mas acho difícil. De qualquer maneira, aqui está meu cartão, qualquer coisa é só me ligar.
- Você sabe que agora é a pediatra oficial dela, certo? - disse, guardando meu cartão em seu bolso, fazendo-me sorrir.
- Fico muito honrada. Obrigada. - Respondi, sorrindo para ele. - Kathleen vai preencher a papelada e em alguns minutos vocês já poderão ir pra casa.
- Muito obrigado, Dra. .
- está bom. Ou . - Pisquei para ele. - Se cuide, ok, querida?
- Pode deixar, dotôla.
Sorri para Julie e fixei meu olhar em por alguns momentos. Não sabia porque, mas esperava que aquele realmente não fosse nosso último encontro. Pigarreei baixo quando percebi que estava o encarando por alguns segundos e coloquei as mãos nos bolsos.
- Certo, então, tchau.
Dei um último sorriso para os dois antes de começar a andar em direção a porta. Escutei alguns cochichos e franzi o cenho, mas não me virei. Continuei meu caminho e foi só quando já estava no corredor que escutei a voz de me chamar novamente, fazendo-me sorrir instantaneamente.
- Ei, ! - Sua voz soou e eu me virei para olha-lo. - Você disse que eu podia fazer três perguntas e eu só usei duas. Eu ainda tenho direito a uma!
- Ah, sério? - Quase revirei os olhos, mas acabei sorrindo divertida. - E você quer fazê-la agora?
- Sim, ele quer! - Julie respondeu e revirou os olhos, mas acabou rindo.
Os dois se aproximaram de mim e eu mordi o lábio, um pouco ansiosa e curiosa. Coloquei minhas mãos nos bolsos de meu jaleco enquanto esperava abrir o bico.
- Você aceita tomar um suco comigo? - perguntou.
- Papai quer saber se você aceita ser a namorada dele! - Julie disse ao mesmo tempo, sem conter sua animação.
- Julie! - Ele a repreendeu e a garota riu sapeca.
Eu não tive outra atitude a não ser gargalhar.
- Um suco? Sério? Isso é o melhor que você tem a me oferecer? - Perguntei, aproximando-me ainda mais dos dois.
coçou a cabeça sem jeito e ergueu os ombros.
- Quem sabe uma cerveja?
- Eu... - Comecei a falar, mas ele me interrompeu, parecendo frustrado.
- Vai me dizer que você também não gosta de cerveja?
- Eu ia dizer que estava brincando e aceitava o suco, mas uma cerveja faz mais o meu estilo.


FIM



Nota da autora: Eu tinha outra ideia pra essa fic, mas conforme fui escrevendo, fiz algumas alterações. Espero que tenham gostado. <3


   

   

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Above It All [Atores - Finalizadas]
A Place to Call Home [Restritas - Outros – Finalizadas]

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02. Halo [Ficstape Beyonce - I Am… Sasha Fierce]
02. Tell Me You Love Me [Ficstape Demi Lovato - Tell Me You Love Me]
02. Revenge [Ficstape Pink - Beautiful Trauma]
07. Hot as Ice [Ficstape Britney Spears - The Essential - Restrita]
08. Stay [Ficstape Miley Cyrus - Can’t Be Tamed]
12. Only The Strong Survive [Ficstape McFLY - Radio:ACTIVE]
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