Enviada em: 09/04/2018

Prólogo

“Uma residência cirúrgica é sobre treinar para o pior. Mas, por mais preparados que estejamos, não vemos realmente o desastre chegar. Tentamos imaginar o pior cenário para prever a catástrofe. Mas quando o verdadeiro desastre chega, ele vem do nada. E quando o pior realmente acontece… Nos encontramos completamente perdidos. Por que coisas ruins acontecem com pessoas boas? Nos perguntamos essa questão tantas vezes que se tornou um clichê. Mas isso é porque coisas ruins acontecem com boas pessoas. Constantemente. Você só precisa esperar que quando seja sua vez, você saiba o que fazer. Como lidar. Como perseverar. Mas a verdade é… Você não sabe como vai reagir ao seu pior cenário… Não até acontecer.”
Grey’s Anatomy



Sabe o tipo de coisa que você pensa que nunca vai acontecer com você? Situações que talvez possam acontecer com seus vizinhos ou até com amigos? São acontecimentos incomuns ou não tão regulares no dia a dia. Enfim, sabe? Então, estou bem no meio de uma delas. Presa na ala de internamento do hospital infantil Angel’s Memorial, com mais de dez crianças, outro médico atendente, um interno, meu ex namorado e seus dois estagiários de enfermagem. Oh, não, nossa equipe não é tão pequena assim, mas, por conta do furacão que está previsto para acontecer hoje, o hospital foi evacuado e mantiveram só a equipe essencial. Dos essenciais, alguns preferiram ir para casa, já que o hospital fica em um local de grande risco. Então, sobramos apenas nós. Temos crianças em estado grave que estão sendo monitoradas por aparelhos, e nós somos os únicos que ficamos para cuidar delas.
Não sabemos quando o furacão vai chegar. Não sabemos se permaneceremos com energia elétrica por tempo suficiente e se o gerador reserva do hospital irá funcionar caso seja necessário. Não temos como sair, por dois motivos: o primeiro, como eu disse antes, é porque não podemos tirar as crianças do local; e o segundo, é que estamos presos. Sim, presos! A porta da ala de internamento não abre de maneira alguma, e com o temporal lá fora, eu duvido seriamente que ela vá abrir em algum momento.
Eu suspeito não haver mais nenhum profissional no hospital inteiro, já que as cirurgias marcadas foram canceladas e todos foram mandados para casa, restando somente nós, de uma equipe com mais de dez médicos e quase trinta enfermeiros. Não os julgo, muitos deles tem família em casa. Mas eu não. Meu compromisso é com meus pacientes. Minha vida se resume a esse hospital, já que ajudei a fundá-lo. E, de qualquer maneira, a única pessoa que eu amo está presa junto comigo, então, não, eu não vou a lugar algum.
Minhas orações vão para as famílias das crianças que estão conosco. Onde quer que elas estejam, eu torço apenas para que consigam se proteger e permanecer vivos, para que vejam seus filhos depois que o furacão passar. Não está sendo fácil e estamos só no início. Nós teremos que fazer o impossível com o que temos ao nosso alcance. Se depender de mim, criança nenhuma morrerá hoje. E eu estou determinada a cumprir minha promessa.


Parte 1

“É impossível descrever o pânico que toma conta quando você é um cirurgião e recebe uma chamada no meio da noite. Seu coração começa a acelerar. Sua mente congela. Seus dedos ficam dormentes. Você levanta determinado. Afinal, trata-se da mãe, do pai ou do filho de alguém. E agora é com você. A vida de alguém está agora nas suas mãos. Cirurgiões, investimos tudo em nossos pacientes. Mas quando o paciente é uma criança, você não apenas investe tudo. Você é o responsável. Se a criança irá sobreviver ou não, se terá um futuro. E isso basta para aterrorizar qualquer um.”
Grey’s Anatomy



- ! ! – me chamou e eu quase esqueci de que havíamos terminado. Suspirei baixinho e desviei a atenção das fichas dos pacientes que eu tinha em mãos, olhando em direção a sua voz, encontrando-o na porta de um quarto. – Preciso da sua ajuda aqui!
Soltei as pastas rapidamente, correndo em sua direção enquanto dobrava as mangas de meu jaleco. Passei pela porta e entrei no quarto, aproximando-me de . No mesmo instante, seu perfume entrou por meu nariz e eu tive que respirar fundo e conter a vontade de abraça-lo. Deus, que saudade...
- O que temos aqui? Ei, pequeno Adam! – Falei assim que parei em frente a cama do paciente.
- Eu quero mamãe. – Adam choramingou, soluçando em meio as palavras. – Tá quente, dotôla .
Pressionei meus lábios um contra o outro e levei minha mão até a cabeça dele, acariciando seu cabelo devagar.
- A temperatura dele está um pouco elevada, precisamos administrar algo para febre. – explicou-me, mantendo seu tom profissional.
- Sim, vamos controlar a febre. Se persistir, a gente investiga. Administre uma ampola de Dipirona, por favor. – Pedi a , que prontamente assentiu e se virou, andando em direção ao posto de enfermagem para pegar o medicamento. – Adam...
- Minha mamãe! – Adam pediu e esfregou os olhos, limpando as lágrimas que escorriam por seu rosto.
Suspirei pesadamente e me abaixei para falar com ele.
- Eu sei, querido, eu sei. Mas agora sua mamãe não consegue vir aqui, então eu, e os outros enfermeiros vamos ficar com você! Pode ser? – Perguntei, ainda fazendo carinho em seu cabelo. – Eu sei que não é a mesma coisa, pequeno, mas você precisa ser forte por enquanto, tudo bem?
Ele balançou a cabeça em confirmação e se aconchegou na cama, esfregando os olhos novamente e bocejando. Depois, abriu os olhos com certo esforço e levou sua mão até o bolso superior de meu jaleco, onde o urso que eu sempre levava comigo estava.
- Posso ficar com Sr. Fofo? Por favorzinho! – Ele pediu, juntando as mãozinhas em frente ao rosto.
Sorri para ele e concordei com a cabeça, retirando o pequeno urso de pelúcia de meu bolso e entregando-o para ele.
- Durma um pouquinho, sim? Cuide do Sr. Fofo. Depois venho ficar um pouco com você. – Avisei e pisquei para ele, me afastando assim que o vi fechar os olhos.
Quando saí do quarto, por pouco não fui atropelada por meu interno que passou correndo por mim.
- Scott! – Gritei, pronta para chamar sua atenção.
- Dra. , desculpa! – Exclamou, continuando a correr sem parar e só então percebi que ele empurrava um carrinho de reanimação. – Dr. Chadwick precisa de mim! Lily teve uma parada cardíaca!
Não pensei duas vezes e comecei a correr, acelerando o passo para alcança-lo. Em poucos segundos, entramos no quarto da paciente e encontramos Mike Chadwick tentando reanima-la com massagem cardíaca. Assim que nos viu, ele abriu espaço para que Scott posicionasse o carrinho perto da cama. Aproximei-me e retirei a blusa do pijama de Lily, deixando seu pequeno peitoral exposto. Dr. Chadwick ajustou a voltagem das pás e aproximou-se de Lily.
- Afastem-se. – Pediu, posicionando as pás em Lily e, um segundo depois, seu corpo se curvou para cima em um espasmo.
O monitor cardíaco continuava emitindo um bip contínuo.
- Aumente para 200 joules. Mais uma vez, Scott. – Mike ordenou, e Scott obedeceu no mesmo instante. – Afastem-se! – Pediu, posicionando as pás novamente.
Nada.
- Mas que merda! – Dr. Chadwick exclamou, soltando as pás e colocando as mãos uma sob a outra no peito de Lily, começando a massagem cardíaca novamente, tentando reanima-la.
Cruzei meus braços e mordi os lábios nervosamente enquanto observava a cena. Não podemos perder uma criança hoje.
- Vamos, Lily... – Falei baixinho, olhando para o rostinho desacordado da menina. Mais alguns segundos e finalmente ouvimos um barulho que nos tranquilizou.
Bip. Bip. Bip.
- Oh, Lily! – Soltei o ar pela boca, bufando em alívio, aproximando-me da garotinha.
Dr. Chadwick pegou sua lanterna e abriu os olhos da menina, verificando a resposta pupilar. Checou suas funções neurológicas e suspirou de maneira aliviada ao constatar que estava tudo bem.
- O que aconteceu? – Lily quebrou o silêncio, sua voz saindo com bastante dificuldade e Dr. Chadwick a tranquilizou, mantendo-a deitada.
- Calma, Lily. – Ele falou, fazendo-a se deitar novamente. – Tá tudo bem agora. Você tá bem.
- Ei, Lily. O que você acha de mudar de quarto por um tempinho? – Perguntei, aproximando-me da cama. – Conheço um garotinho que ficaria muito feliz em ter sua companhia!
Mike sorriu para mim e voltou sua atenção para Lily, que abriu um sorriso pequeno, concordando.
- Ótimo, então. – Sorri para os dois e me afastei, indo até a porta. - Vou chamar pra te ajudar a levar Lily para o quarto do Adam, pode ser, Scott?
- Sim, Dra. . – Scott assentiu para mim e eu me virei, saindo do quarto em seguida.
Continuei meu caminho e segui de volta até onde estava antes, encontrando conversando com seus dois estagiários, Anne e Louis, provavelmente instruindo-os a fazer algo. Encostei-me em um balcão próximo, cruzando os braços, e fiquei observando os três por alguns segundos, até que os dois se afastaram e ele finalmente notou minha presença ali, levantando as sobrancelhas levemente em surpresa.
- Precisa de algo, ? – Perguntou, passando reto por mim e dando a volta no balcão, abrindo algumas gavetas em seguida.
Conhecendo-o como eu conhecia, eu sabia que ele não estava procurando nada em específico, e aquilo era só um disfarce para não ter que olhar em meus olhos. Isso doía. E eu não podia nem reclamar, pois a culpa era minha.
- Na verdade, preciso sim. – Confirmei e ele continuou sua busca por nada em específico, fazendo me bufar baixinho. – Preciso que ajude a trazer Lily, a paciente do Dr. Chadwick, para o quarto do Adam. Vamos colocar os dois juntos. – Expliquei, batucando as unhas em cima do balcão.
fechou a gaveta em que estava mexendo e ergueu seu olhar para mim, fazendo me morder o lábio por dentro, nervosa. Por que um simples olhar dele me faz sentir nua? Como um simples olhar faz parecer que ele sabe de tudo que se passa em minha cabeça? “Porque ele é o homem que você ama, , sua burra”, pensei. Será que ele sabe que eu estou arrependida por deixa-lo ir? Eu suspeito que não. Mas e se eu falar para ele? “Oh, , eu te amo, me desculpe, vamos ser felizes junt...”
- ? – Ouvi sua voz me chamar e pisquei algumas vezes, focando meu olhar nele novamente. – Você ouviu o que eu disse?
- Desculpa, eu... Sim, claro que ouvi. – Menti, passando as mãos pelo cabelo nervosamente, ajeitando-o.
- Então você topa? – perguntou e eu franzi o cenho, confusa.
Se eu topava o que?
- S... Sim. – Confirmei insegura, tombando a cabeça levemente para o lado em confusão.
balançou a cabeça para os lados, negando. Deu alguns passos em minha direção e parou ao meu lado, seu ombro encostando no meu. Virei meu rosto levemente para o lado, prestando atenção em cada detalhe de seu rosto.
- Nos quase dois anos que ficamos juntos você não aprendeu que não me engana? – Questionou divertido, fazendo-me engolir em seco. – Fica tranquila, você não topou nada. Eu só disse que fico feliz por ser você a médica que está aqui a trabalho comigo, mesmo sabendo que você não se importa. – Finalizou e saiu andando em direção ao quarto de Lily, deixando-me desnorteada.
Ouch. Se o objetivo dele era me atingir, ele conseguiu. Bom, parabéns para mim. Eu consegui fazer me odiar e não odiava ninguém. Ok, talvez odiar seja uma palavra muito forte, mas, nada disso estaria acontecendo se eu tivesse dado uma resposta e assumido o nosso relacionamento há dois meses atrás. Novamente, tudo por causa de minha mania de colocar meu emprego acima de tudo e todos – até de mim mesma, na maioria das vezes.
Minha carreira é tudo para mim. Estudei muito para chegar até aqui. Me formei, fiz meu internato e depois passei em um dos melhores programas de residência pediátrica do país, concluindo-a com honras. Juntamente com Dr. Chadwick - que conheci durante a residência - e um investidor, o Angel’s Memorial foi fundado. Vivo e respiro para esse hospital, indo para casa somente para dormir. Minha família? Bom, é complicado. Meus pais se separaram quando eu era pequena, e sou filha única. Minha mãe teve um caso, traiu meu pai e deixou-me sozinha com ele. Nunca mais a vi, desde então. Meu pai encontrou outra mulher e se casou novamente quando eu tinha quinze anos, mas eles não tiveram filhos.
Tive um namorado na época da escola, outro na faculdade, e só. Meu último relacionamento foi com e eu nunca assumi o que tínhamos em público, por medo de interferir em nossas carreiras – mais na minha do que na dele. Conseguimos levar isso por dois anos, até que ele jogou duas bombas em mim, de uma vez só: disse que me amava e depois me convidou para morar com ele. Vejam bem, eu também o amo. E muito. Provavelmente é o primeiro e único homem que eu amarei em minha vida inteira. Mas eu não estava pronta para admitir isso a mim mesma e nem para deixar que ele adentrasse tão profundamente em minha vida. Eu precisava do meu espaço e, como eu não soube como lhe dizer isso, eu fui embora. Simplesmente virei as costas e saí. Sem dizer que também lhe amava, sem lhe explicar a situação. Muito corajosa, não é? Eu sei. Me arrependo por isso. E agora, a cada oportunidade que ele tem de me atingir, ele o faz. Não o julgo por isso, ele está muito magoado. Quem sabe seja disso que eu preciso para criar coragem e finalmente dizer que também o amo? E assim, talvez - mas só talvez - eu consiga fazer com que ele ouça o que tenho para dizer.
- Dra. ? – Dr. Chadwick me chamou, despertando-me de meus pensamentos. – Tá tudo bem?
Abri um sorriso de canto e deslizei minhas mãos por meu jaleco, colocando-as em meus bolsos.
- Sim. – Afirmei a ele, recebendo um olhar desconfiado como resposta.
- Tem certeza? – Questionou. – Porque se não estiver, você pode conversar comigo...
- Obrigada, Mike. Mas tá tudo bem. – Assegurei-o e ele deu de ombros. – E Lily?
- Scott e estão trazendo ela. Seus pacientes estão bem? – Mike questionou, apoiando-se no balcão onde antes eu estava.
- Por hora, sim. – Aproximei-me do balcão e peguei as pastas de alguns dos meus pacientes. – Adam tá com um pouco de febre, mas já controlamos. Alice e Mary estão estáveis. Tô preocupada com Brian, não acho que ele vá aguentar muito tempo sem o transplante. Tô monitorando de perto, mas...
- . – Mike me interrompeu. – Você tá fazendo aquilo de falar sem parar.
- Desculpa. Eu tô um pouco nervosa com essa situação toda. – Expliquei e ele assentiu, compreendendo.
Desviamos nosso olhar para o corredor, a tempo de ver e Scott empurrando a cama de Lily em direção ao quarto de Adam. O olhar de passou por nós rapidamente, demorando um pouco em mim e depois se desviou. Suspirei baixinho por isso e Mike me encarou.
- Tá nervosa com os pacientes ou com ? – Perguntou-me e eu me virei para ele com as sobrancelhas arqueadas.
- Por que eu ficaria nervosa com ? – Rebati e ele riu, balançando a cabeça em negação.
- Qual é, , você acha mesmo que nunca notei? Ou melhor, que nunca vi? – Mike falou, fazendo-me arregalar os olhos. – Eu sou um dos donos desse hospital. Tenho acesso as câmeras, lembra?
Puta. Que. Pariu.
- A gente não... Você não... – Me enrolei com as palavras. – O que você viu? – Perguntei baixinho, quase sussurrando.
Mike Chadwick gargalhou de minha reação e eu rolei os olhos para ele.
- Nunca vi nada. Eu estava apenas te testando, e deu certo. – Explicou, abrindo um sorriso convencido e dando de ombros. – Agora me conta, por que não estão mais juntos?
Estreitei os olhos em sua direção e cruzei os braços.
- Você é um babaca, Chadwick. – Xinguei-o, fazendo-o rir. – Eu e não temos nada.
- Ah, para com isso, ! Você sabe que pode contar comigo. – Ele disse e eu mordi o lábio, insegura.
- Eu sei que posso, não é como se você tivesse pra quem fofocar já que seu namorado terminou com você. – Falei a ele e abri um sorriso presunçoso.
- Jogo baixo, , jogo baixo. – Declarou, apontando o dedo para mim, fazendo-me rir.
- Qual a piada? – nos interrompeu, e nós dois nos viramos para ele. – Lily já está em seu quarto novo, Dra. . – Ele disse e eu revirei os olhos ao ouvi-lo me chamar de doutora.
- Obrigada, . – Agradeci.
- Bom, vou ver como estão meus outros pacientes. – Dr. Chadwick informou, dando alguns passos para longe de nós, mas parou de repente. – Ah! Estava pensando em colocar todas as crianças juntas, já que não tem nenhuma em isolamento. Acho que ajudará a mantê-las calmas.
- É uma ótima ideia, mas onde colocaremos dez camas e todos os aparelhos de monitoramento? – Questionei.
- Tem a sala do Pronto Socorro (PS) que ainda não foi inaugurada. É mais afastada, longe de janelas, podemos ficar por lá. – disse e eu e Mike nos entreolhamos, concordando em seguida.
- Perfeito. Vamos começar a movê-las assim que possível, antes que comece a...
Um barulho alto interrompeu a fala de Mike, fazendo com que todos nós olhássemos em direção ao som, encontrando uma janela quebrada por conta de uma árvore que caiu. A chuva estava muito forte e podíamos ouvir o barulho do vento – algo que nunca tinha me dado medo antes, e agora estava me deixando apavorada.
- Eu vou atrás de algo pra fechar essa janela. – disse, fazendo sinal para que Anne e Louis, que estavam um pouco afastados de nós, fossem atrás dele.
- Precisamos levar as crianças agora para a sala do PS. Scott, ajude a Dra. a levar as camas. Eu vou separar os medicamentos, suplementos, cobertores, comidas e tudo que achar necessário. – Mike disse, afastando-se em seguida.
- É melhor a gente se apressar, Scott. – Eu falei e o garoto assentiu, entrando junto comigo em um dos quartos.
Alguns minutos depois, estávamos todos dentro da sala que seria utilizada como PS no futuro. Organizamos as camas e aparelhos todos perto da parede interna do ambiente. Na lateral da sala, colocamos os cobertores, os medicamentos e as comidas. No outro canto, colocamos um carrinho de parada, alguns aparatos médicos que podiam vir a ser necessários e outras coisas que Mike havia trazido. Haviam duas portas no cômodo: uma de entrada, que era no corredor já dentro do hospital e uma de saída de emergência, que dava para o estacionamento do hospital, mas como era uma porta corta-fogo, não haveria problema – ou pelo menos esperávamos que não. Em outra situação, teríamos ido para uma sala cirúrgica, mas como a porta da ala de internamento está trancada, não temos como ir para lá. Então essa é nossa melhor opção.
Eu estava sozinha com na sala, já que ele havia mandado seus estagiários buscarem tudo que pudesse vir a ser útil na estação de enfermagem, e Mike havia saído com Scott para tentar abrir a porta da ala de internamento. checava o estado de alguns pacientes enquanto eu lia e relia a ficha de todos eles, verificando se podíamos vir a precisar de algo que ainda não estava na sala conosco. Quando terminei, soltei as fichas em cima de uma cadeira que havia ali e me virei, dando de cara com .
- Desculpe. – Pedi, dando alguns passos para trás.
- Pelo quê? Por esbarrar em mim ou por fugir? – rebateu e eu arqueei as sobrancelhas, surpresa com sua hostilidade.
- Eu... – Comecei e bufei em seguida, cruzando os braços.
- Esquece, . – Ele disse, passando por mim e esbarrando em meu ombro propositalmente.
Me virei para ele, indignada.
- Eu tô cansada! Você tá agindo como um completo imbecil! – Xinguei-o e ele se virou no mesmo instante, aproximando-se de mim.
- Ah, você jura? Eu que sou imbecil? Eu? – perguntou ironicamente.
- Está insinuando que eu sou? – Perguntei, colocando as mãos na cintura.
- Não, você só é covarde, mesmo. – Cuspiu as palavras contra mim e eu mordi o lábio interiormente, segurando a vontade de chorar que se apossou de mim.
Olhei para cima, tentando evitar que ele visse as lágrimas que haviam se formado em meus olhos.
– Esquece isso, está bem? Tenho coisas mais importantes pra fazer.
Não fui capaz nem de balançar a cabeça em confirmação e ele se virou, afastando-se e indo até a cama de Brian. começou a conversar com o garotinho, fazendo-o rir. Não pude deixar de ouvir quando Brian perguntou:
- Vocês são casados?
Quase me engasguei e vi dar alguns passos para trás em defensiva, ao mesmo tempo que eu me aproximei dos dois.
- O quê?! – Perguntei, chocada.
- Claro que não! – respondeu ao mesmo tempo que eu.
- De onde você tirou essa ideia, querido? – Perguntei a Brian, como se fosse algo absurdo – e, bom, talvez fosse.
Tive que ignorar a encarada ofendida que dirigiu a mim e respirei fundo, cruzando os braços.
- Bem, eu aprendi na TV que sempre que duas pessoas são casadas elas discutem muuuito! Que nem vocês dois! – Brian explicou.
- Ah é? - Encorajou , divertindo-se com o garoto. - E o que mais você aprendeu, tampinha? – Continuou, bagunçando o cabelo da criança em seguida.
- Aprendi que depois da briga os casais costumam fazer alguma coisa estranha. – Brian respondeu com uma careta pensativa. - Acho que tem algo a ver sobre como nascem os bebês!
Arregalei meus olhos e gargalhou ao meu lado, o que me fez dar um tapa em seu ombro por impulso. Ele me olhou, ainda rindo, mas imediatamente seu rosto se fechou em uma expressão séria. Suspirei profundamente e balancei a cabeça em negação, como se me desculpasse.
- Bom, Brian, eu não sei que tipo de programa estão te deixando assistir, mas não somos um casal. – Assegurei ao menino, que cruzou os braços, chateado por ter sua teoria desmanchada.
- Sim, com certeza não somos um casal. – confirmou, frisando o “com certeza” e eu senti uma pontada em meu estômago, fazendo-o revirar. Aquilo me atingiu em cheio.
- Eu vou... Eu vou checar Adam e Lily. Com licença. – Sorri forçadamente para os dois e me virei, afastando-me dali o mais rápido possível.
Ao invés de checar os outros pacientes, saí da sala em que estávamos e andei rapidamente pelo corredor, passando por várias portas até finalmente encontrar um lixo. Abri-o rapidamente e quase não tive tempo de segurar meu cabelo, pois o vômito já saía por minha boca.
Merda.
Quando terminei, peguei um lencinho em meu bolso e limpei a boca. Sequei as lágrimas de meus olhos e ajeitei meu cabelo, respirando fundo em seguida. Dei de ombros e decidi entrar em um dos quartos. Fui até o banheiro e abri a torneira da pia, passando uma água em meu rosto. Sequei-o com um papel toalha, apoiei as mãos na pia e encarei meu reflexo no espelho.
Que bela bagunça me tornei. Em meus plenos 31 anos sofrendo por homem. Ok, dessa vez a culpa é minha, já que a vadia sem coração sou eu, e não ele. Cada palavra que sai da boca de faz com que eu me arrependa mais por tê-lo deixado sem resposta. Eu o amo, Deus, como eu o amo! E preciso dizer isso a ele. Mas como, se todas as vezes que conversamos, farpas foram trocadas?
Suspirei derrotada e baixei meu olhar para a pia, enxergando em meu punho o bracelete que havia me dado há alguns meses, com um pingente de uma criança. Levei meus dedos até ele e abri um sorriso de canto, relembrando o momento em que recebi o presente. Eu havia passado mais de 16h em uma cirurgia, tentando salvar a vida de um paciente, sem sucesso. me encontrou no estacionamento do hospital, com um bolo triplo de chocolate e um embrulho pequenininho, contendo o bracelete. Chorei horrores em seus braços enquanto comíamos o bolo juntos. Foi uma das melhores noites que tivemos.
- Quem tá aí? – A voz de Mike interrompeu meus pensamentos e respirei aliviada por ser ele, e não outra pessoa.
Saí do banheiro ao mesmo tempo em que ele entrava no quarto. Me joguei em seus braços sem pensar duas vezes, abraçando-o com certa pressa. Comecei a chorar no mesmo instante.
- . – Ele me chamou ao mesmo tempo que passou seus braços por meu corpo, retribuindo o abraço. – , o que foi que aconteceu?
Mike colocou as mãos em meus ombros e afastou-me, segurando meu rosto.
- Se acalma. Respira fundo. – Pediu e eu o fiz, inspirando o ar pelo nariz e expirando-o pela boca algumas vezes. – Isso. Calma. Me conta o que aconteceu?
Eu ia começar a falar, mas assim que abri a boca, recomecei a chorar. Acredite ou não, essa era a primeira vez que eu chorava dessa maneira depois que minha relação com terminou. Mike suspirou e passou os braços por meu corpo novamente, puxando-me para si.
- Tudo bem, pode chorar o quanto precisar. – Ele falou, deslizando sua mão por meu cabelo, acariciando-o. – Eu tô aqui, você sabe que pode contar comigo.
Não sei quanto tempo levei para me acalmar, mas quando o fiz, Mike me puxou rapidamente para o sofá que havia no quarto, sentando-se junto comigo.
- Se você não quiser falar, tudo bem. – Ele disse a mim enquanto eu ajeitava meu cabelo e limpava meus olhos devido as lágrimas.
- Não, eu quero. – Afirmei e suspirei baixinho. – Eu preciso, na verdade. Mas acho que agora não é uma boa hora, com tudo que tá acontecendo e com por aqui...
- Ah, então tem mesmo a ver com ? – Ele perguntou e eu balancei a cabeça, concordando. – Sabia!
Ri baixinho de sua comemoração e sorri de lado.
- Acho melhor voltarmos. Obrigada por me acalmar, Mike. – Agradeci a ele, dando-lhe um beijo na bochecha.
- Que tipo de amigo eu seria se não fizesse isso? – Questionou divertido, levantando-se e estendendo a mão para que eu a pegasse e eu o fiz.
Fomos andando lado a lado pelo corredor até chegarmos a sala onde estavam as crianças. , Scott, Louis e Anne estavam cada um em um canto, dividindo as tarefas. Mike se afastou de mim e dirigiu-se a cama de Lily, verificando o estado da menina. Eu fiz o mesmo, me afastando para chegar Adam, mas antes mesmo que eu pudesse chegar em sua cama, senti uma mão puxar meu jaleco.
- Dotôla . - Disse uma voz, tentando chamar minha atenção.
Me virei e dei de cara com Alice, a expressão de seu rosto demonstrando confusão.
- Ah, olá princesinha! O que tá fazendo fora da sua cama, hein? – Me abaixei para ficar de sua altura, ignorando a estranha sensação de queimação em meu ventre.
- O que tá acontecendo? – Ela perguntou, cruzando os bracinhos.
Imediatamente compreendi sua aflição. Apesar de estarmos em um ambiente fechado, podíamos ouvir a ventania forte fazer barulhos assustadores, provavelmente golpeando o que estivesse em seu caminho. É como se o mundo estivesse se acabando do lado de fora. As luzes falhavam esporadicamente, diversas vezes podemos ouvir algo bater contra a porta-corta fogo, e através das grandes janelas nos no corredor do hospital é possível ver um verdadeiro vendaval. Olhei ao redor, encontrando todas as crianças encolhidas em suas camas. Suspirei, um pouco frustrada por não poder protege-las do jeito que gostaria. O medo nos olhos de cada uma era de partir o coração.
- Querida... – Levantei-me, estendendo a mão para ela. – Vem comigo, vou ficar um pouco com você, tudo bem? – Disse e ela balançou a cabeça em confirmação.
Antes que pudéssemos voltar para a cama de Alice, porém, o ambiente foi tomado por uma escuridão.


Parte 2

“Eu sempre disse que seria mais feliz sozinha, que eu teria meu trabalho, meus amigos mas, alguém na minha vida o tempo todo? Dá mais trabalho do que vale a pena! Mas parece que eu superei isso. Existe uma razão para eu dizer que seria mais feliz sozinha. Não que eu pensasse que seria mais feliz sozinha, é que eu pensava que se eu amasse alguém e desse errado... eu não conseguiria aguentar. É mais fácil ficar sozinha. Porque e se você aprender a amar e depois não tiver a quem amar? E se você gostar de amar e ficar dependente? E se você mudar a sua vida à volta do amor e então ele acabar? A gente consegue sobreviver a esse tipo de dor? Perder um amor é como perder um órgão, é como morrer. A única diferença, é que a morte é o fim e isso, isso pode durar para sempre.”
Grey’s Anatomy



Antes de conhecer , eu costumava achar que minha força estava na solidão. Não cresci ao redor de muitas pessoas, fomos somente meu pai e eu. Tive algumas amizades, mas nenhuma extremamente duradoura. Então, me acostumei a ser uma pessoa sozinha. Era sozinha que eu tinha minhas melhores ideias. Era sozinha que eu chegava a soluções para meus problemas. Era sozinha que eu trabalhava melhor, vivia melhor, dormia melhor. Era sozinha que eu era feliz. Eu não tinha medo de chuvas, tempestades, nem das grandes ventanias, pois eu me considerava escuridão. Mas agora, longe das metáforas, a chuva, a tempestade, as grandes ventanias e sobretudo a escuridão, estão me apavorando. E eu relacionava isso ao fato de que eu era boa sozinha, sim, no passado, como o verbo diz. Sempre me bastei. Mas depois de experimentar o amor, cheguei a conclusão de que sou muito melhor com .
Aos poucos, minha visão começou a se adaptar a escuridão e fui capaz de reconhecer as silhuetas de meus colegas; alguns próximos as camas, tentando manter as crianças calmas, como se isso fosse possível no momento. Gritos infantis preenchiam o ambiente. Alice agarrou-se em minhas pernas e começou a chorar. Todos falavam ao mesmo tempo, deixando-me desnorteada. Eu só conseguia pensar em duas coisas: graças a Deus que não temos criança nenhuma sendo mantida viva por aparelhos e por que diabos o gerador de energia não está funcionando?
- Eu quero minha mãe! - Cadê o meu papai, cadê? - Dôtola ! - Eu tô com medo!
- Crianças, preciso que mantenham a calma. Estamos todos juntos. Não precisam se preocupar que tudo vai ficar... – começou a falar, mas foi interrompido por um barulho.
Nesse momento, um estouro enorme pôde ser ouvido, fazendo o choro das crianças aumentar. Mike – ou pelo menos eu achava que era ele – se dirigiu a saída da sala e eu fiz menção de ir atrás, mas Alice puxou meu jaleco, mantendo-me no local. Suspirei baixinho e me abaixei, pegando a garotinha no colo.
- Mike? O que foi que aconteceu? – Gritei para que ele ouvisse, cobrindo os ouvidos de Alice. – Mike?
- As janelas estouraram. Todas! – Anunciou, voltando para dentro da sala. – Eu preciso ir até lá embaixo, ver porque o gerador não tá funcionando.
- Eu vou com você. – anunciou, mas Mike negou no mesmo instante.
- Não, eu vou sozinho. Vocês precisam ficar aqui pra cuidar das crianças. – Dr. Chadwick disse. – Eu volto o mais rápido possível.
E saiu pela porta, deixando-nos sozinhos com dez crianças amedrontadas.
“Ok, muita calma. Pense, , pense...”
- , quantas crianças estão ao seu alcance? – Perguntei, estreitando meus olhos para encontrá-lo no escuro. Assim que o fiz, me virei para ele.
- Tenho 3 comigo e tem mais 3 com Anne e Louis, Dra. . – Respondeu apenas.
- Scott? – Chamei-o.
- Tenho 3 também! – O interno respondeu e eu balancei a cabeça em concordância, ajeitando Alice em meu colo.
- Eu estou com Alice. Fechamos as dez, então. – Suspirei, aliviada. – Alice, preciso te colocar de volta em sua cama, tudo bem?
- Não! – Alice pediu, passando seus bracinhos ao redor de meu pescoço. – Tenho medo de escuro, dotôla . Por favor! – Implorou, agarrando-se mais a mim e eu bufei um pouco frustrada, mas abracei a garotinha.
- Crianças, por favor! – gritou, chamando a atenção de todos. – Estamos no escuro, sei que vocês tem medo, mas preciso que fiquem calmos! Eu, , Scott, Anne e Louis estamos aqui e vamos cuidar de vocês, como sempre fizemos.
- A gente sabe que vocês queriam estar com os pais de vocês, mas agora vocês só tem a gente. E sempre cuidamos de vocês, não cuidamos? – Scott perguntou, recebendo alguns ‘’sim’’ como resposta em meio as fungadas por conta do choro.
- Então, vamos ficar juntos até que a tempestade passe. Se algum de vocês sentir dor ou alguma coisa estranha, chame a mim ou . – Eu disse enquanto andava, no escuro, procurando a cama de Alice.
- O doutor Mike vai voltar? – Lily perguntou de sua cama, sua voz saindo baixinha.
- Vai, sim! Ele foi acender a luz para deixar todos nós confortáveis de novo. – Expliquei a ela e sentei Alice em sua cama, sentando-me ao seu lado.
- Dotôla . – Uma voz chamou, reconheci-a como sendo de Adam. – Eu tô muito quente!
Suspirei pesadamente e me voltei para Alice.
- Alice. – Chamei a menininha, fazendo carinho em seu cabelo. – Eu preciso ir. Anne vem ficar com você. Tudo bem?
- Você volta depois, não volta? – Ela pediu, segurando em minha mão. - Deixa o Sr. Fofo comigo?
Procurei-o em meu bolso, lembrando em seguida que o deixei com Adam mais cedo.
- Sim. Vou pedir pra Anne trazer ele pra você! – Disse a ela e sorri, levantando-me da cama, olhando para os lados, tentando encontrar a cama de Adam. – ?
- Aqui, Dra. . – Chamou, fazendo movimentos com os braços para que eu pudesse encontra-lo no escuro.
Andei rapidamente até ele.
- Querido, você empresta o Sr. Fofo para Alice por alguns minutos? – Pedi a Adam enquanto passava a mão por sua testa.
O menino balançou a cabeça em confirmação e me entregou o ursinho, que entreguei para Anne dar para Alice.
- Provavelmente a febre subiu pelos últimos acontecimentos, e como ele já estava com infecção antes... Mesmo assim, tô um pouco preocupada. Vamos ficar de olho. – Eu disse ao enfermeiro. – Não adianta eu colocar termômetro, não vou conseguir ver a temperatura no escuro.
- Mantemos o antibiótico e entramos com mais uma ampola de dipirona, então? – me perguntou e eu balancei a cabeça em confirmação. – Dra. ?
- Sim? – Perguntei.
- Mantemos o antibiótico e entramos com mais uma ampola de dipirona? – Ele repetiu a pergunta e só então me dei conta de que ele não conseguia me ver com clareza no escuro.
- Oh, sim. Desculpa, esqueci que estamos no escuro. – Esclareci. – Só administre a dipirona, dê a ele outra dose do antibiótico quando estiver no horário e fique de olho, por favor.
- Sim, senhora. – disse e eu torci a boca em uma careta.
- Senhora? – Perguntei, incomodada.
- Tanto faz. – Respondeu somente e passou por mim, provavelmente indo pegar o medicamento de Adam.
Suspirei baixinho e cruzei meus braços, mordendo o lábio em seguida. Eu não aguento mais essa situação toda com , preciso mudar isso. Tenho que esclarecer as coisas com ele, lhe contar os meus motivos por ter virado as costas e ido embora há dois meses. Mesmo que ele não entenda, eu preciso fazer isso. Por que não agora? Estreitei meus olhos, tentando encontra-lo no escuro. Assim que enxerguei sua silhueta, dei alguns passos até ele, decidida a acabar com aquilo.
estava abaixado mexendo nos medicamentos, provavelmente separando a ampola de dipirona para Adam. Aguardei enquanto ele andava novamente até a cama de Adam e administrava o medicamento. Alguns segundos depois, comecei a ouvir sussurros dele e de Scott. Não saberia dizer onde ao certo, mas pude distinguir principalmente a voz de , de forma bem clara, apesar dos sussurros. Não muito tempo atrás eu já fora vítima de sua voz sedutora em meu ouvido. Lembrar disso fez um arrepio percorrer por meu corpo, principalmente porque agora tudo o que eu tenho conseguido arrancar dele são conversas estritamente profissionais ou um "tanto faz, ", "estou ocupado, senhora”. Esse tratamento frio me colocava mais e mais no meio de uma espiral emocional muito complexa, mas não confusa, porque agora eu já sei o que sinto por ele. Sim, eu o amo, e é exatamente por isso que preciso conversar com ele o quanto antes.
Quando a conversa entre ele e Scott cessou, começou a caminhar de volta para perto de mim. Em uma atitude completamente planejada, dei alguns passos na direção dele e esbarrei propositalmente em seu ombro.
- Mas o que...? – questionou, interrompendo-se quando percebeu que era eu. – Ah, é você.
- Desculpa. Podemos conversar? – Pedi a ele e pude notar que ele deu alguns passos para trás.
- Você tá falando sério? Quer conversar? – Respondeu com sarcasmo em sua voz. – Agora? Depois de dois meses e no meio desse caos?
Cruzei minhas mãos atrás de meu corpo e mordi o lábio.
- Sim. – Respondi baixinho. – Por favor.
ficou em silêncio por alguns segundos e, quando finalmente concordou, passou diretamente por mim, andando até a porta da sala. O segui.
- Scott, Anne e Louis, eu e Dra. vamos atrás de mais alguns medicamentos. Vocês dão conta das coisas por aqui? – perguntou.
- Sim, qualquer coisa chamamos. – Scott respondeu, tranquilizando-nos.
Nós dois assentimos e saímos um atrás do outro da sala. continuou a andar e eu o segui, desviando de alguns cacos de vidro no meio do caminho. O corredor estava gelado por conta do vento que entrava pelas janelas quebradas. Parei de andar somente quando ele o fez, assim que chegamos no que, mesmo no escuro, eu reconheci ser a estação de enfermagem.
- Fala. – Ele disse, visivelmente incomodado por estar ali comigo.
Mordi meu lábio por dentro, nervosa. Entrelacei meus dedos um nos outros, brincando com eles, enquanto pensava em como começar a por para fora tudo que eu tinha para falar.
- Você me chamou pra ficar em silêncio? – questionou, fazendo com que eu me sobressaltasse. - Não. Desculpa. – Pedi, suspirando brevemente. – Digo, eu quero realmente te pedir desculpas e me explicar.
- Um pouco tarde pra isso, não? – Ele respondeu rapidamente e eu suspirei, frustrada.
- Odeio essas frases prontas, mas, antes tarde do que nunca, né? – Respondi, dando um passo na direção dele. – Me desculpa por ter te deixado sem resposta e por ter ido embora. Eu consigo imaginar o que você...
deu uma risada irônica, interrompendo-me.
- Desculpa, , mas você consegue imaginar? – Perguntou de maneira retórica. – Você não sabe como foi guardar pra mim o que eu sentia por você durante meses de relacionamento, se é que posso chamar assim o que tivemos. Demorei pra encontrar o momento certo pra te falar como eu te amava e como eu queria que você fizesse parte da minha vida todos os dias.
“Eu sempre soube, sim, que você não era a pessoa mais fácil do mundo pra se relacionar, tão apaixonada e envolvida com o seu trabalho que você é, e não, isso nunca me atrapalhou. Te disse diversas vezes o quanto sua paixão pela sua profissão e pelas crianças me faziam gostar de você. Te disse que entendia isso, sua preferência pelo trabalho, e que isso não me incomodava, nunca me incomodou, até porque trabalho na mesma área e local que você e temos horários semelhantes. Eu estava cansado de ter que esconder o que eu sentia por você, cansado de ter que fingir que não éramos nada mais que colegas de trabalho aqui dentro desse hospital. Eu queria poder dormir e acordar todos os dias ao lado da mulher que eu amo. Queria poder fazer coisas simples como ir ao cinema ou jantar fora, simplesmente porque deu vontade. Queria chegar no hospital com você e no fim do turno também ir embora com você. Queria poder dividir minha casa e meu dia a dia contigo. Foi por isso que decidi te dizer que te amava. Foi por isso que te convidei a morar comigo. Então, por favor, não diga que consegue imaginar o que eu passei quando falei que te amava e você virou as costas e foi embora, porque você não consegue.”
Pisquei várias vezes, assimilando a enxurrada de palavras que despejou em mim. Rapidamente limpei as lágrimas que escorreram por meu rosto sem que eu percebesse. Ele estava certo. Eu não tinha como imaginar tudo que ele sentiu. Porém, apesar de eu ser a culpada por essa situação, ele também não sabe como me sinto de verdade. Porque apesar de ter demorado um pouco mais que ele para perceber, eu também quero as mesmas coisas que ele. Pela primeira vez na vida, eu não quero mais ser escuridão e não quero encontrar força na solidão. Eu quero ser cor e quero encontrar força na companhia de . Eu quero viver o amor.
- Você... – Minha voz falhou e tive que pigarrear para continuar. – Você ama ou amava?
- O quê? – perguntou, impaciente.
- Você disse que amava e depois disse que ama. – Expliquei, dando um passo ousado em sua direção. – Eu quero saber em qual tempo verbal o seu sentimento por mim realmente está.
Um silêncio se instalou, provavelmente por conta de minha fala.
- Que diferença faz? – Ele questionou, relutante em me responder.
- Toda a diferença do mundo. – Respondi calmamente e dei mais um passo em sua direção, quase grudando nossos corpos.
Estar tão perto dele depois de tanto tempo – ok, dois meses não eram tanto tempo assim – me arrepiou dos pés a cabeça. Claro que o ambiente escuro está me auxiliando muito, porque se estivéssemos com luz, eu não estaria fazendo o que estou fazendo.
- ... – chamou, repreendendo-me.
- Por favor, . Sei que não tô em posição de pedir muita coisa, mas, por favor. Só quero saber isso.
Ele suspirou pesadamente, sua respiração quente batendo contra meu rosto, deixando-me ainda mais ansiosa.
- Eu não vou falar de novo, .
Suspirei, contrariada. Ele estava resistindo a me falar, mas eu não desistiria.
- Eu não tô pedindo pra você falar de novo. Tô pedindo pra me dizer em que tempo verbal tá o seu sentimento por mim. – Expliquei, me esforçando ao máximo para falar de maneira firme, tentando não deixar a proximidade de nossos corpos me afetar mais do que já estava afetando.
- Se eu disser que tá no passado, vou estar mentindo. – respondeu simplesmente, soprando as palavras contra minha boca.
Foi o suficiente. Abri um sorriso de canto, mesmo ele não podendo ver. Arrisquei aproximar mais ainda meu rosto do dele, roçando nossos lábios lentamente. Para minha surpresa, ele não recuou, então levei uma de minhas mãos foi até seu rosto, passando a ponta dos dedos por sua pele lentamente. Deus, que saudade senti... Antes que eu pudesse tomar a iniciativa de beija-lo, colocou as duas mãos em minha cintura e me virou rapidamente, encostando meu corpo na parede com certa pressa. Uma de suas pernas encaixou entre as minhas e sua mão entrelaçou em meus cabelos, puxando meu rosto para si e tomando meus lábios nos seus em um beijo cheio de desejo e saudade.
Entrelacei meus braços em seu pescoço, deslizando minha mão por sua nuca lentamente. Ele pressionou seu corpo contra o meu, consequentemente sua perna friccionou contra o meio de minhas pernas, fazendo-me sentir uma gostosa sensação, que há tempos não sentia. Seus lábios quebraram o beijo rapidamente, só para mordiscar meus lábios antes de eu voltar a sentir sua língua brincar com a minha.
Rapidamente abri os olhos, para guardar essa cena para sempre em minha mente e em meu coração, mas estranhei a claridade quando o fiz, estreitando os olhos em seguida. A luz voltou? , percebendo meus movimentos, quebrou o beijo e afastou-se de mim, abrindo os olhos e me encarando por alguns segundos com uma expressão que não fui capaz de decifrar. Levou suas duas mãos até as minhas, segurando meus punhos e afastando-se de mim rapidamente. Antes que eu pudesse questionar, ele virou as costas e foi embora, me deixando sozinha.
Mal tive tempo de assimilar a situação com e enxerguei Mike olhando para mim com um sorriso sugestivo. Oh, não. Será que ele viu? Ou só está orgulhoso por ter conseguido arrumar o gerador? De qualquer maneira, desviei o olhar do seu rapidamente e olhei para meu corpo, encontrando meu jaleco completamente amassado. Preferi não pensar no tom de vermelho que devia estar minha boca e em como meu cabelo devia estar bagunçado. Pelo canto do olho, percebi Mike se aproximando e ignorei, deslizando minhas mãos por meu corpo, ajeitando minhas vestes.
- Eu vi! – Mike acusou, aproximando-se de mim. – Eu vi, eu vi, eu vi!
Passei a mão por meu cabelo, tentando organizar a bagunça. Inspirei ar pelo nariz e expirei-o pela boca, respirando fundo antes de levantar meu rosto e dar de cara com meu amigo em minha frente, me encarando.
- Não sei do que você tá falando. – Fingi indiferença, dando alguns passos e começando a andar. Ele me acompanhou.
- Uhum, ok. E eu sou heterossexual. – Mike zombou e eu rolei os olhos, virando-me de frente para ele.
- Digamos que eu tentei explicar algumas coisas pra ele, mas acabou que ele falou mais que eu, depois nos beijamos e no fim eu não consegui falar nada. - Expliquei e ele arregalou os olhos, surpreso por eu ter contado.
- Ok... E o que exatamente você tentou explicar? – Perguntou com cuidado, com medo de que eu não falasse mais nada - e, bom ele estava certo em sentir medo, porque eu realmente não falaria.
- Não é assunto pra agora. – Afirmei e recomecei a andar. – Que bom que você conseguiu ligar o gerador!
Mike fez uma careta por conta de minha mudança brusca de assunto, mas não reclamou.
Entramos juntos na sala, encontrando , seus estagiários e Scott lidando com as crianças. Alguns estavam apenas sendo checados ou monitorados, outros dormiam tranquilos – por mais estranho que isso soe. Apesar de não ter conseguido falar tudo o que queria para , o beijo que demos serviu para renovar minhas esperanças, me deixando um pouco mais confiante, então foi uma questão de segundos até que Mike e eu voltássemos a nossas tarefas.
Depois de checar todos, aproveitei que a maioria das crianças está dormindo e que, momentaneamente, tudo está sob controle, resolvi me sentar em um canto da sala, perto dos medicamentos. Peguei um travesseiro extra que alguém trouxe e apoiei minha cabeça na parede, fechando os olhos por alguns segundos, me permitindo relaxar – ou tentar.
Acabei cochilando e só percebi quando senti uma movimentação próxima a mim. Abri meus olhos devagar, virando a cabeça somente para encontrar sentado ao meu lado, exatamente na mesma posição que eu. Ele estava de olhos fechados, sua expressão serena. Mordi meu lábio internamente ao observa-lo. Não pude deixar de me perguntar o porque de ele ter sentado ao meu lado, sendo que a sala é enorme e ele poderia ter escolhido outro lugar. Acabei me permitindo sorrir levemente e, dando uma última olhada em seu rosto, voltei meu olhar para frente, pensando se deveria ou não falar algo. Acabei por fechar os olhos novamente e voltei a encostar a cabeça na parede.
Após alguns segundos em silêncio, resolvi quebra-lo.
- Agora eu tenho mais um motivo pra te pedir desculpa. – Comecei, minha voz saindo em um sussurro. - Eu realmente não tinha como imaginar, . Me expressei mal, então, desculpa por isso.
Mesmo de olhos fechados, consegui sentir seu olhar em mim. Não deixei que isso me atrapalhasse, e continuei:
- Foi muito difícil pra mim, sabe? Quando eu percebi que cometi um erro enorme ao ir embora. Não sei se já te contei, mas minha mãe traiu meu pai e foi embora quando eu tinha apenas três anos. Meu pai teve que se virar sozinho comigo e, quando fiz quinze anos, ele se casou de novo, então eu não era mais a única pessoa importante na vida dele. – Dei um sorriso de lado, um pouco melancólica.
“Alguns anos depois, entrei na faculdade e fui embora. Sozinha, sem amigos, sem ninguém. Eu era costumada a ficar sozinha e, sinceramente, isso nunca havia me incomodado. Até o você entrar em minha vida e me mostrar como é bom ter a companhia de alguém. Foi quando percebi o erro que havia cometido.”
Fiz uma pausa, limpando uma lágrima solitária que escorreu por meu rosto.
- E eu demorei pra entender, . Deus, como demorei pra entender que o que eu tô sentindo é amor, que toda a dor que eu sinto é porque o que eu mais quero é te tocar todos os dias e agora eu não posso mais fazer isso. – Abri os olhos mas não ousei olhar para ele, mantendo meu olhar fixo em um ponto qualquer a minha frente.
“Eu comecei a ficar irritada com a solidão que me cercava. Depois de um dia cansativo cheio de cirurgias, tudo que eu queria e ainda quero é estar com você. Eu sei que te machuquei, eu sei que fui uma verdadeira vaca ao simplesmente ir embora e ao me manter afastada de você por dois meses, acredite, eu sei, e eu aprendi isso da pior maneira. Estar sozinha não tem sentido depois de ter passado quase dois anos com você. Abrir mão do meu conforto na solidão é exatamente o que eu preciso. Não por você, mas por mim. Eu quero me permitir viver tudo que tô sentindo e quando penso que você pode não me perdoar, meu coração dói. Dói porque eu não quero mais ficar sozinha. Pela primeira vez na vida, , a solidão não tem mais graça pra mim. É por tudo isso, por ter ido embora, por ter demorado a perceber, por ter te afastado de mim, que eu te peço desculpas. E eu espero, sinceramente, que você entenda que, sim, eu quero você, , porque eu te amo.”
Soltei uma lufada de ar pela boca assim que terminei de falar, aliviada por finalmente colocar tudo para fora. Mordi meu lábio internamente, um pouco insegura por permanecer sem reação alguma. Deus, eu consegui. Consegui dizer tudo que ensaiei durante os últimos dias. Uma súbita ânsia de vômito surgiu em minha boca, provavelmente pelo nervosismo em que eu me encontro. Apoiei minhas mãos no chão, levantando-me em seguida, sem ousar olhar para trás. Ajeitei meu jaleco e passei as mãos pelo rosto, tentando disfarçar a vontade imensa de chorar. Respirei fundo e olhei para frente, encontrando Mike me olhando com uma feição preocupada. Sorri de canto para ele, tentando mostrar, falsamente, que estava tudo bem. Contudo, no momento que fiz isso, um pequeno soluço escapou por meus lábios, fazendo-me levar as mãos a boca, com medo de que eu pudesse começar a chorar ou simplesmente vomitar no meio de todos. Dei alguns passos apressados para sair da sala e assim que coloquei os pés fora do cômodo, bati de frente com Scott.
- Temos um proble... – Ele disse, mas se interrompeu quando viu minha situação. – Dra. , tá tudo bem?
Balancei a cabeça em confirmação e pressionei os lábios um contra o outro para evitar que qualquer coisa escapasse.
- Sim. – Menti, sorrindo forçadamente. – O que você ia falar?
Scott franziu o cenho, mas deu de ombros.
- Temos um problema. Eu levei Brian e Adam ao banheiro fazem alguns minutos. – Ele coçou a cabeça, nervoso. – Quando estávamos voltando, me dei conta de que só Adam estava comigo. Voltei pro banheiro, mas não o encontrei. Brian sumiu.
- Brian o quê? – Praticamente gritei, arregalando os olhos. – Scott, você... – Eu ia xingá-lo, o rapaz até fez uma careta, mas inspirei o ar pelo nariz e expirei-o pela boca, me acalmando. – Eu vou procurar ele. Avisa o Mike e, por favor, não saia mais dessa sala! – Ordenei e nem esperei que ele respondesse para sair correndo a procura do garotinho.
Naquele momento, esqueci de qualquer coisa que ocupava em minha cabeça segundos atrás. Esqueci de . Esqueci de minha ânsia de vômito e da vontade de chorar. Esqueci do temporal lá fora. Em minha mente, só consigo pensar em Brian perdido no hospital e em como eu preciso encontra-lo para manter minha promessa de que todas as crianças estarão bem quando tudo isso acabar. Eu preciso encontrá-lo. Custe o que custar.
Abri quarto por quarto, procurando por ele em todos. Olhei nos banheiros, em baixo das camas, atrás dos sofás. Fui também na estação de enfermagem, não o encontrando em lugar algum. Não arrisquei chegar perto das janelas, pois o vento está muito forte para que Brian tenha conseguido se aproximar delas. Quando cheguei no fim do corredor, dei de cara com a porta do internamento, ainda trancada. Bufei de maneira impaciente e nervosa. Foi quando vi a porta da escada, único local que eu ainda não procurei. Sem pensar duas vezes, andei até ela, abrindo-a com certa pressa.
- Brian? – Chamei pelo garoto, esperançosa. – Brian, querido, você tá por aí? – Perguntei, aproximando-me dos degraus.
Decidi por descer, já que não haviam mais andares para cima. Pisei no primeiro degrau e, assim que mexi meu pé para pisar no segundo, me desequilibrei, caindo praticamente de cara nos degraus; só não bati o rosto pois coloquei meus braços em minha frente para evitar que isso acontecesse. Porém, ao fazer isso, acabei fazendo meu corpo pesar para baixo e comecei a rolar pela escada. Instintivamente abracei meu corpo o máximo que consegui, protegendo meu peito e meu ventre. O impacto de cada degrau em minha pele e meus ossos me faziam gemer de dor. Parei poucos segundos depois, provavelmente coberta de hematomas e escoriações, pois eu chegara ao térreo.


Parte 3

“Como doutores, como amigos, como seres humanos, todos tentamos fazer o melhor possível. Mas o mundo é cheio de reviravoltas inesperadas. E bem quando você acha que sabe onde está pisando, o chão sob você muda. Se você for sortudo, você vai terminar com nada mais do que um machucadinho superficial, algo que um band-aid dá conta. Mas algumas feridas são mais profundas do que aparentam e precisam mais do que um conserto rápido. Com algumas feridas, você tem que arrancar o band-aid, deixá-las respirarem e dar tempo para que elas sarem.”
Grey’s Anatomy



Não gosto de não saber o que fazer ou não poder fazer nada. Quando é difícil de diagnosticar um paciente, eu pesquiso, reviro livros, contato colegas; enfim, faço o impossível para conseguir descobrir o que ele tem. É por isso que gosto de ser médica: sempre tem algo a ser feito, seja uma cura ou somente tratamento com medidas paliativas.
Na situação em que eu me encontro, caída no chão com o corpo inteiro doendo e uma sensação quente no meio de minhas pernas, eu não tenho o que fazer. Com meu conhecimento médico, eu sei que devo evitar me mover excessivamente. Não sei a extensão dos danos e só consigo torcer para que alguém não demore a vir me procurar.
Tentei mover uma de minhas mãos, sentindo uma dor lancinante assim que o fiz. Oh, não. Será que eu a quebrei na queda? Respirei fundo e ignorando a situação, tentei mover a outra mão em seguida, dessa vez com sucesso. Lentamente e com um pouco de dificuldade, levei minha mão até o meio de minhas pernas, tentando identificar a sensação de quentura, o que não demorou a acontecer.
Era sangue.
- Mas o que...? – Sussurrei baixinho em questionamento.
Em um flash, todas as vezes em que me senti enjoada, todas os vômitos e as diversas vezes em que senti azia nas últimas semanas passaram por meus olhos. Eu estou grávida. Quer dizer, provavelmente estava. Um soluço doloroso escapou por meus lábios e eu comecei a chorar copiosamente. Mal tive tempo de assimilar a recente descoberta quando ouvi a porta da escada abrir em supetão.
- ? – Ouvi gritar por mim.
- Aqui! – Chamei entre as lágrimas, falando alto o suficiente para que ele me ouvisse.
- Puta que pariu. – Exclamou assim que me viu e consegui ouvi-lo descendo as escadas com certa pressa. – O que aconteceu? Você caiu? , você está...
- Sangrando, sim, eu sei. – Respondi baixinho, passando minha mão por meu rosto, só depois me dando conta de que o sujei com o vermelho de meu sangue.
- Você se cortou? – perguntou, ajudando-me a sentar com as costas encostadas na parede.
Solucei baixo e quando abri a boca para responder, ele virou as costas para mim, subindo as escadas correndo e gritando por Mike. Quando retornou, se abaixou em minha frente e levantou meu rosto.
– Você se cortou? Onde?
Balancei a cabeça negativamente e fechei os olhos, permitindo-me chorar alto. Não consigo acreditar que isso está acontecendo. Perdi um bebê que não sabia que estava esperando e acabei de me dar conta do quanto eu o queria.
- ? Por favor, fala comigo! – pediu, o desespero evidente em sua voz. – De onde veio esse sangue, ?
Solucei ao ouvi-lo perguntar e abri a boca para falar algo, mas nenhum som saiu. Ouvi passos apressados e abri os olhos assim que Mike apareceu ao lado de , abaixando-se para falar comigo.
- Ela caiu? – Mike perguntou, checando cada local de meu corpo. – Por que tem sangue no meio das pernas dela?
- O quê? – praticamente gritou e eu solucei novamente, encolhendo meu corpo.
- , não faz isso. – Mike pediu, levando suas mãos até meus punhos e eu gritei quando ele tocou o que estava machucado. – Tudo bem, tudo bem. Não vou tocar. Acho que quebrou.
- Por que tem sangue no meio das suas pernas, ? – repetiu a pergunta de Mike, incrédulo.
Apesar da situação em que eu me encontro, quase revirei os olhos por sua lentidão. “Qual é, você é enfermeiro, . Ligue os pontos”, pensei.
- Você tá grávida? – Ele perguntou, dando alguns passos para trás, provavelmente em choque. – Puta que pariu, puta que pariu...
Fechei os olhos novamente e mordi o lábio interiormente com certa força. Desejei silenciosamente que essa situação acabe ou que eu simplesmente desmaie para não ter que passar por isso.
- , eu vou te levantar, tá legal? Vou te levar lá pra cima. – Mike avisou, passando um de seus braços por baixo de minhas pernas e o outro pelas minhas costas. – ! – Chamou, sem receber resposta. – , caralho!
- Hã? – perguntou, desnorteado. – Foi mal, eu não tô conseguindo pensar direito, Mike...
- Eu entendo, mas preciso da sua ajuda, cara. – Mike disse ao mesmo tempo que me levantou, equilibrando-me em seus braços. Me permiti esconder o rosto em seu peito enquanto chorava. - Sobe e arruma uma cama pra . Diz pro Scott tentar ligar pra emergência pelo telefone do hospital, porque precisamos de ajuda, não temos mais como ficar aqui. – Ordenou, dando alguns passos comigo em seu colo. - Anda, ! – Gritou novamente e ouvi passos, provavelmente subindo as escadas. – Vai ficar tudo bem, ... – Meu amigo tentou me tranquilizar.
Ele começou a falar mais alguma coisa, mas não consegui ouvir; a dor era tanta que eu não estava conseguindo lidar com mais nada ao meu redor. Deixei-me sucumbir a ela e a fraqueza que tomou conta de meu corpo, apagando em seguida.

”A dor. Você só tem que sobreviver a ela, esperar que ela vá embora sozinha, esperar que a ferida que a causou, sare. Não há soluções, respostas fáceis. Você só respira fundo e espera que ela vá diminuindo. Na maior parte do tempo, a dor pode ser administrada, mas às vezes ela te pega quando você menos espera, te acerta abaixo da cintura e não te deixa levantar. Você tem que lutar através da dor, porque a verdade é que você não consegue escapar dela e a vida sempre te causa mais.”
Grey’s Anatomy


Quando abri os olhos, demorei um pouco a me acostumar com a claridade. A princípio, não reconheci o local, mas depois de piscar algumas vezes e olhar para os lados, identifiquei um quarto de hospital. Mas não era igual aos quartos que eu estava acostumada, era diferente. Eu não estou no Angel’s Memorial?
- Hm... – Resmunguei baixinho, movendo a cabeça devagar. Tentei levantar uma das mãos, mas senti ela extremamente pesada. Olhei para baixo e vi que estava engessada até o punho. – Oi? – Chamei um pouco mais alto e tentei levantar meu tronco, mas fui impedida por duas mãos que me seguraram com cuidado.
- Sh, não faz esforço, . – falou, mantendo-me deitada.
Franzi o cenho, um pouco confusa. ?
- O que aconte... – Comecei a perguntar, mas me interrompi porque no momento seguinte tudo veio à minha mente.
Meus olhos se encheram de lágrimas e eu deixei um soluço escapar por entre meus lábios, levando minha mão livre até minha boca, cobrindo-a. sentou na beirada da cama e passou seus braços por meus ombros, puxando meu corpo para si. A rapidez com que os últimos acontecimentos me atingiram fez com que eu me encolhesse. Com a mão livre, agarrei a blusa que vestia, tentando aliviar um pouco da dor que sentia.
- Vai ficar tudo bem. – Ele disse, enquanto fazia carinho em meu cabelo. – Vai ficar tudo bem. – Repetiu, provavelmente consolando também a si mesmo.
- As crianças, , elas... – Questionei, mas ele me interrompeu.
- Já estão todas sendo atendidas, aqui no hospital. Conseguimos contato com os pais de algumas, tá tudo bem. – Garantiu-me e eu respirei aliviada apenas por esse motivo, porque ainda haviam mais coisas...
- Minha mão? – Perguntei e ele suspirou, puxando-me mais contra o seu corpo.
- Você quebrou quando caiu. Mas foi uma fratura simples, não precisou de cirurgia. – Respondeu e eu assenti, fungando baixinho e me preparando para fazer a próxima pergunta.
- E o meu... – Interrompi a mim mesa, estreitando meus olhos enquanto algumas lágrimas escorriam por meu rosto. – E o nosso bebê?
não me respondeu imediatamente. Alguns segundos de silêncio se seguiram, nos quais eu precisei respirar fundo algumas vezes para não apressa-lo. Entendi que ele também estava sofrendo e respeitei isso.
- Não sobreviveu. - Respondeu apenas.
- Aw. – Gemi um pouco alto e escondi meu rosto em seu peito, deixando que o barulho de meu choro tomasse o quarto.
No fim das contas, então, eu não consegui manter minha promessa. Não consegui manter todos vivos durante a noite. Nem todas as crianças sobreviveram. O meu bebê morreu.
- Eu não sabia, , eu não sabia! – Expliquei entre as lágrimas. – Esse bebê era nosso, e eu não sabia que ele tava dentro de mim! Eu não sabia... Deus do céu, eu queria esse bebê... – Continuei a me justificar e senti-o se afastar de mim.
Ele segurou meu rosto com cuidado entre suas mãos e, pela primeira vez desde que acordei, olhei em seus olhos, encontrando-os tão envolvidos pela dor quanto os meus provavelmente estavam.
- Não foi sua culpa. – Assegurou-me, olhando em meus olhos. Seus dedos passaram por minha pele, secando algumas lágrimas.
- Mas se eu soubesse, eu não...
- Você teria feito exatamente a mesma coisa que fez, . Você não deixaria de procurar Brian. – disse e eu fiquei em silêncio, pois sabia que era verdade.
- Eu queria esse bebê, . Se eu soubesse... – Suspirei baixinho, abaixando meu olhar. - Não ia ter problema se você não quisesse, eu ia dar muito amor e...
- O quê? – Questionou indignado. – Você acha que eu não gostaria de ter um filho com você? Você realmente acha isso?
Encolhi os ombros, um pouco sem jeito. Eu não acho que me deixaria criar um filho sozinha, mas na situação em que estávamos, não sei se ele aceitaria bem ter um filho com a mulher que levou dois meses pra dizer que o ama de volta.
- Eu não... – Comecei, mas ele me interrompeu novamente.
- Deus, você é inacreditável! – Ele exclamou exaltado, levantando-se da cama e me deixando sem apoio algum. Esfreguei meus olhos com a mão livre e olhei para baixo. – Eu te amo, . Achei que você tivesse entendido isso!
- Eu entendi... Dá pra deixar eu me explicar, por favor? – Perguntei, exaltando-me também e ele parou de se movimentar, prestando atenção em mim. – Não ia ter problema se você não quisesse porque você não me perdoou. Perdemos um filho – suspirei alto ao falar isso, meu coração doendo –, mas não estamos mais juntos graças a mim, então eu...
- Você pode, por favor, calar a boca? – Ele pediu e eu arregalei os olhos em surpresa, vendo-o se aproximar novamente. – Você por acaso me ouviu dizer que não te perdoo? – Questionou, voltando a sentar na cama. Eu balancei a cabeça em negação. Ele pegou minha mão livre e entrelaçou nossos dedos, levantando meu rosto e fazendo-me olhar em seus olhos. – Eu te perdoei no momento que você desatou a falar ao meu lado no hospital, te perdoei quando descobri que você estava grávida, te perdoei quando você disse que me ama. Mas, se você precisa tanto ouvir, eu digo com todas as letras: eu te perdoo, .
Eu não sabia se ria ou se chorava. Preferi então jogar meus braços ao redor do pescoço dele para abraça-lo, sentindo um pouco de dificuldade por conta do peso do gesso que envolvia uma de minhas mãos. Algumas lágrimas de felicidade e até alívio escorreram por meu rosto, misturando-se as de tristeza derrubadas anteriormente. passou seus braços por minha cintura, retribuindo meu abraço. É indescritível a sensação de tê-lo por perto novamente, dessa vez com a certeza de que tudo está bem e de que nós dois passaremos por isso juntos.
- Eu te amo, . – Eu disse assim que quebramos o abraço, levando minha mão livre até seu rosto. – Deus, como eu te amo... – Passei a ponta de meus dedos por sua barba rala que tanto gosto.
- Eu também te amo, . – Ele respondeu, aproximando seu rosto do meu e encostando nossas testas, grudando nossos narizes um no outro. – E nós vamos superar isso juntos.
Sorrimos um para o outro e, ao mesmo tempo, encostamos nossas bocas, iniciando um beijo calmo e rápido. Minha mão livre deslizou até a nuca de e acariciei o local lentamente. Ele puxou meu lábio entre seus dentes e finalizou o beijo me dando alguns selinhos.
- Hã-hãm. – Um pigarro se fez ouvir e nós dois nos afastamos, olhando em direção a porta.
- Mike! – Cumprimentei e ele entrou no quarto fechando a porta atrás de si, com um sorriso pequeno nos lábios.
- Tudo bem por aqui, né? – Perguntou, aproximando-se de nós.
- Na medida do possível... – Respondi, sorrindo tristemente.
- Sinto muito, . – Mike disse, sentando-se na poltrona em frente a cama. – te contou detalhes? – Balancei a cabeça em negação.
- Estávamos ajeitando as coisas... – se justificou e eu levei minha mão até a dele, entrelaçando nossos dedos.
- Você perdeu muito sangue por conta do aborto instantâneo e não foi preciso fazer curetagem... – Mike explicou e, apesar de seu tom de voz estar firme, eu consegui ver a tristeza em seus olhos. – O feto era...
- O bebê. – Corrigi-o, mordendo o lábio em seguida.
- O bebê – ele repetiu – era muito pequeno, suspeitamos que você estava de oito semanas, no máximo.
Suspirei lentamente e abaixei a cabeça, sendo abraçada lateralmente por .
- A notícia boa é que todas as crianças estão bem, e tem algumas que querem falar com você, junto com os pais que conseguiram vir até aqui... – Mike disse e eu levantei a cabeça, franzindo o cenho.
- Comigo? – Perguntei, confusa. – Mas não fui só eu que ajudei a cuidar delas...
- Sabemos disso e eles também. – Disse e se levantou, aproximando-se de mim. – Mas eles sabem também que você se machucou. Adam, Alice, Lily e Brian não param de perguntar por você.
- Eu tive que segurar Adam mais cedo, porque ele já tá em pé e quase entrou aqui no quarto pra te acordar. – disse, rindo baixinho. – Eles estão preocupados, .
- Posso abrir a porta? – Mike perguntou, dando alguns passos em direção a mesma.
Balancei a cabeça em confirmação e ele se virou, abrindo a porta por completo. Um segundo depois, quatro crianças adentraram o cômodo desajeitadamente, o que fez meus lábios se curvarem em um sorriso instantâneo.
- Dotôla ! – Os quatro disseram ao mesmo tempo, vindo em direção a minha cama.
Adam, o menor de todos, estendeu os braços para , que o colocou sentado na cama, fazendo o mesmo com Alice em seguida. Lily e Brian, que eram os maiores, permanecerem em pé, um em cada lado da cama.
- Ei, pequeninhos. – Disse, levando minha mão livre até a cabeça de Adam, bagunçando seu cabelo. – Sem febre? – Perguntei.
Ele balançou a cabeça freneticamente e abriu um sorriso enorme. Depois, colocou as mãos em baixo de sua camiseta e tirou Sr. Fofo, estendendo-o para mim.
- Tó. – Ele disse e eu peguei o urso. – Alice devolveu pra mim e eu quis dar pra você, porque você que tá dodói agora.
- A gente quer cuidar de você igual você cuida da gente! – Alice disse, dando um sorriso animado.
- Você quebrou a mão? – Lily perguntou, apontando para meu gesso.
Balancei a cabeça em confirmação.
- Foi quando eu caí da escada. – Expliquei.
- Eu quero pedir desculpa. – Brian falou, envergonhado. – Eu me perdi do Scott e do Adam porque fui tomar água, e não sabia mais voltar pro quarto. Você foi me procurar e se machucou. – Ele abaixou o rosto, tristonho. – Me desculpa?
- Oh, querido. – Falei, estendo minha mão livre para ele pegar e ele o fez. – Tá tudo bem. Não foi sua culpa. – Assegurei-o e ele sorriu para mim. – Vocês estão todos bem, né? Já fora das camas!
- Sim! – Os quatro falaram em uníssono, sorrindo logo depois.
- Meus pais tão aqui, Dotôla ! – Lily disse, abrindo um sorriso enorme.
- Os meus também! – Adam falou.
- E os meus! – Brian e Alice disseram ao mesmo tempo.
- E cadê eles? – Perguntei e desviei meu olhar para , que sorria para mim.
Retribui seu sorriso e olhei para a porta, a tempo de ver os pais das crianças entrando no quarto.
Como permitiram tanta gente em meu quarto ao mesmo tempo? Não sei. E não me importo. Eu não quero pensar em nada além do que está acontecendo no momento, porque iria chorar. Em meio a palavras de agradecimento dos pais das crianças, me permiti suspirar, mais uma vez, aliviada.
Acabou. Não consegui manter minha promessa de manter todos a salvo, mas, apesar de ter perdido um bebê que eu nem sabia que estava esperando, as coisas foram melhores do que eu imaginei. Eu imaginei que teríamos muito mais danos e que algumas das crianças, principalmente as em estado mais grave, nos fariam correr em círculos naquele hospital, mas isso não aconteceu. Felizmente os danos no Angel’s Memorial não foram irreparáveis. Porém, levaria um tempo até que recuperássemos nossa infraestrutura e equipamentos perdidos. Milhões de dólares perdidos só em instrumentos, mas, por incrível que pareça, eu não me importava nem um pouco. Todos estavam bem!
Contudo, eu sei que as maiores cicatrizes serão as psicológicas. As mais difíceis de serem superadas. Essas pobres crianças passaram por algo que muitos adultos nunca tiveram de passar - e se passaram, provavelmente não tiveram tanta coragem na mesma situação. Vê-las bem, por mais tranquilizante que fosse - já que elas terão um melhor tratamento nesse hospital que foi menos atingido pelo furacão - também me entristecia. Eu sentiria saudade de cada rostinho que passou por essa experiência comigo, principalmente de meus pacientes.
Apesar de ter perdido meu bebê, tudo está bem. Tudo está como deveria estar. Eu estou feliz, apesar das cicatrizes. E o mais importante: eu não estou mais sozinha. está colorindo minha vida novamente.

“Algum apoio, um pouco de paz, um pouco de encerramento, algo bom, um pequeno pedaço de beleza no meio de algum lugar escuro. Um presente inesperado exatamente quando ele é mais necessário."
Grey’s Anatomy




FIM



Nota da autora: Mais um drama, sim, porque eu não consigo me conter! Simplesmente apaixonada por esse casal e por essa história. Me contem aqui nos comentários se vocês gostaram, meninas! Obrigada por lerem!


 
   

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Above It All [Atores - Finalizadas]
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Ficstapes:
01. On The Loose [Ficstape Niall Horan - Flicker - Restrita]
02. Halo [Ficstape Beyonce - I Am… Sasha Fierce]
02. Tell Me You Love Me [Ficstape Demi Lovato - Tell Me You Love Me]
02. Revenge [Ficstape Pink - Beautiful Trauma]
07. Hot as Ice [Ficstape Britney Spears - The Essential - Restrita]
08. Stay [Ficstape Miley Cyrus - Can’t Be Tamed]
12. Keep Holding On [Ficstape Avril Lavigne - The Best Damn Thing]
15. Outrageous [Ficstape Britney Spears - The Essential - Restrita]

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