Última atualização: 30/06/2018

Capítulo Único

Abriu os olhos, sentindo o peito subir e descer de forma acelerada, culpa de seu coração que estava batendo em um ritmo disforme.
Aquela imagem que seu cérebro dentro de sua cabeça montava toda vez que se permitia piscar, aqueles sentimentos como um frenesi descompensado que faziam sua mente entrar em colapso. Aquela mulher que invadiu a sua mente, mas também sua visão ao retomar o que fazia.
O céu da noite cedeu à escuridão completa conforme o seu trabalho entrava madrugada a fora, observando o rosto sereno toda vez que precisava de inspiração para pincelar mais uma vez na tela que ainda estava chegando na metade. Mais que qualquer outra estrela, mais que a Via Láctea ou algum tesouro, a existência da garota brilhava, meio que estivessem a meia luz. Ele nem mesmo precisava de esforço algum para se encher de inspiração sempre que a via.
Ela tinha uma silhueta brilhante, graciosa, que astutamente lhe conduzia para caminhos belos, porém, sem volta. E se deixava ir, não pensando nas consequências do que estava fazendo ou de como estava se colocando em perigo, extasiado apenas de observar, bêbado com aquela beleza ressonante.
O preço de um retrato perfeito como o que almejava fazer era o tempo, mas pelo menos, isso a garota parecia saber e melhor ainda, não se importar. Ela lhe deixava à vontade para fazer tudo o que quisesse, mas vez ou outra acabava caindo no sono pelo cansaço. Ela tentava não dizer, porém, o artista sabia de uma coisa: eles não tinham tempo. Não o suficiente, e por isso já era a quarta noite em claro que passaria para adiantar tudo ao máximo que era capaz.
? ― ele chamou suavemente quando o relógio bateu quatro em ponto da manhã, cessando as pinceladas naquele momento para deixar seus instrumentos em cima da poltrona a qual acabara de se levantar, com exceção do pincel que foi colocado no copo d'água.
Ele calmamente observou sua expressão serena adormecida, sem suas pálpebras nem mesmo se moverem, mesmo que ele a houvesse chamado. O ar deixou os pulmões de de forma pesada quando ele se agachou ao lado do sofá tão luxuoso que ela estava deitada em cima confortavelmente.
O vestido em tom claro de rosa era jovial e esvoaçante, perfeitamente arrumado com sua saia caindo e tomando quase todo o espaço do sofá, enquanto na parte de cima era um simples corselete trançado na parte de trás e delicadamente bordado na frente. Os cabelos longos em tom claro já começavam a ficar levemente desarrumados, caindo a frente do rosto bonito.
Outra vez a respiração do ficou descompassada, quando observou os traços de boneca da garota. Tentou se concentrar, mentalizando que parara na cintura e que seria dali que continuaria quando voltasse mais tarde. Queria chamá-la, para que a garota saísse do ateliê improvisado em um dos quartos vazios e então pudesse dormir em sua cama de lençóis de seda, mas a fraqueza e fragilidade dela evidenciavam que aquele sono era pesado demais para ser despertado tão suavemente.
Naquele momento, entrou em conflito sobre o que devia fazer, tentando acalmar seus pensamentos ao mesmo tempo em que pensava sobre a pele incomunmente pálida da nobre. Ela estava doente, a cada dia mais doente, e sempre que dormia, mais ficava doente. Mas não, não fazia a mínima ideia do porquê. Ainda agachado ao lado do móvel, aos poucos sua mente vagou até a semana anterior, quando chegou na cidade e a encontrou pela primeira vez. A garota parecia mais forte, cheia de vigor e com uma resposta na ponta da língua para o que quer que falasse. Mas agora…
A maçaneta da porta girando lhe despertou, fazendo com que levantasse rapidamente e voltasse a seu posto, fingindo comparar a obra e a realidade e ver se havia alguma discrepância em sua tela já praticamente metade preenchida.
― Senhor, não quero atrapalhar seu trabalho, mas receio que a senhorita Guiselini precise de um descanso devido. ― o mordomo falava em tom baixíssimo, tentando não incomodar a menina. ― E o senhor também.
― S-Sim, claro. Está certíssimo. ― respondeu, curvando as costas na direção do homem de forma rápida, tentando disfarçar o nervosismo de quase ter sido pego em uma situação que seria constrangedora.
Dito isso, o homem a pegou nos braços delicadamente e então ergueu. não fez nenhum som e nem se mexeu em momento nenhum, apenas sendo levada até seu quarto de forma serena. Ao ser deixado sozinho, puxou o ar e então sentou na cama a qual dormiria, mesmo que por poucas horas, em um dos cantos do quarto.
Suas mãos se embrenharam entre a raiz de seus cabelos e ele puxou os fios um pouco irritado consigo mesmo. Havia sido ele, o mordomo, quem lhe dissera que tinham pouco tempo e pediu para que se esforçasse o máximo que pudesse para terminar o quadro o mais rápido que conseguisse.
O homem nunca disse que estava doente, mas não precisava.
A cada dia a via entrar naquele quarto com o mesmo vestido, mesmo cabelo e mesma maquiagem nos lábios e olhos. A cada dia ele via o vestido mais largo, os cabelos menos brilhosos e os olhos mais fundos, mesmo que essa última fosse apenas por estar observando demais - afinal, seu trabalho era reproduzi-la e para ser fiel, deveria decorar cada detalhe da menina.
Desde as bochechas altas e levemente gordinhas, que sempre ficavam rosadas quando ela tinha que se deitar ali, até como seus dedos das mãos eram longos e finos. Mas talvez tivesse ido longe demais, quando observar aqueles detalhes deixara de ser apenas uma parte do processo e se tornou a parte que mais fazia e ansiava fazer quando se tratava de .
Ele tinha ido demais quando se viu viciado nas formas brilhantes e finas, quando viu que ela já estava dentro dele mesmo, dentro de sua mente, mesmo que nunca tivesse consentido com isso. Mas também ele nunca, nunca discordou.
Quando repousou sua cabeça no travesseiro, sonhou com a primeira vez que a viu, quando ela pediu para pintá-la ao se encontrarem na casa da baronesa quando foi ir entregar uma de suas obras a mulher, que havia feito a encomenda por seu pai. Aparentemente, seu trabalho estava começando a ficar famoso aos arredores de sua cidade e a nobre ouviu falar dele e quis certificar-se de seu talento.
Foi pessoalmente entregar o quadro da paisagem do píer durante o pôr do sol para a mulher, demonstrando seu respeito e sua gratidão pelo interesse em sua arte. estava lá tomando um chá, e não havia sido por acaso. A filha de um prestigiado diplomata correu para lhe encontrar quando soube da presença de um pintor na cidade.
Ela sorriu docemente, oferecendo o trabalho e dizendo que ele poderia passar os dias a mais da viagem em sua casa, além de que também seria muito bem pago. não tinha nada a perder e aceitou rapidamente, mas agora que sabia que havia perdido sua sanidade e que cada fragmento dela ia embora um pouco mais sempre que a via.
E a parte que mais lhe fazia enlouquecer era saber que mesmo dessa forma, ele não se arrependia nem por um segundo de ter falado sim para a proposta da Guiselini.

❥❥❥❥❥


Naquele dia em especial iria acordar mais tarde, ou pelo menos era isso que o seu mordomo avisara para ele. Dissera que podia se considerar liberado durante aquela parte do dia, e que a garota ficaria feliz se fosse apenas passear e conhecer melhor os encantos da cidade, então realmente o fez, decidindo tomar café em um pequeno estabelecimento que ficava a algumas ruas da casa da garota.
Foi recebido com um sorriso fraternal de uma senhora robusta e de maçãs do rosto coradas, que lhe ofereceu um assento no balcão. Aceitou com um sorriso tímido, sentando-se e fazendo o pedido que a mulher gritou para outra pessoa, sentando no banco do outro lado do ambiente e lhe deixando sem graça com o contato visual intenso.
― É o senhor que está ficando na casa da nossa pequena , não é? ― os olhos da senhora brilhavam esperançosos, ao mesmo tempo que ela lhe olhava cheia de preocupação. ― Se não for incomodar, pode me dizer como a pobre criança está?
arqueou uma das sobrancelhas com aquilo, confuso sobre quem estavam falando. era uma pobre criança? Para ele, parecia uma mulher formada e muito rica, mas com algumas ressalvas que a tornavam muito mais importantes do que aqueles dois adjetivos.
― Ela… Está sim. ― não soube bem se deveria falar algo além disso. Não era íntimo de para expor sua vida daquela forma, e também não sabia quem a mulher era, mesmo que parecesse ser uma boa pessoa. ― É uma moça muito gentil e educada, totalmente admirável. ― tentou sorrir amigável, mas acabou saindo um pouco nervoso pela sua timidez.
― Ah, é um alívio saber disso! ― um peso pareceu sair das costas da mulher com aquela notícia e sua expressão se tornou mais suave, como se estivessem falando de sua própria filha. se sentiu péssimo por enganá-la, afinal, sabia que não estava nada bem, muito pelo contrário. Estava fraca, morrendo de algo que ele não fazia ideia do que era. ― Ninguém mais a viu desde aquela tragédia, estávamos preocupados que algo pudesse ter acontecido a ela também…
― Tragédia? ― questionou confuso com o rumo que aquela conversa estava tomando, arqueando uma das sobrancelhas enquanto passava um os dedos das mãos pelos longos cabelos pretos lisos, os jogando para trás.
― Oh, você não soube?! Achamos que a história era séria o suficiente para atravessar as barreiras da cidade. ― a mulher comentou, como se não fosse da intenção dela fazer alguma fofoca. ― O Duque e a Duquesa foram em uma viagem de interesses políticos para o reino que estamos com relações estremecidas, além das montanhas, e nesse domingo irá fazer seis meses que não retornam, em um prazo que deveria ser de dois. Além disso, não mandaram nenhuma mensagem avisando sobre seu estado ou localização, nós estamos todos preocupados, mas imaginamos que não há nada a ser feito…
― Eu… Realmente não sabia de nada disso… ― murmurou em choque com a revelação repentina, a qual não esperava nem um pouco descobrir quando simplesmente saiu para tomar café.
Aos poucos, as coisas iam fazendo sentido em sua cabeça. O porquê da doença de e a melancolia que pairava na mansão. Apenas uma coisa ainda não havia conseguido entender.
― É uma história muito triste, eles não mereciam um fim terrível desses, e muito menos a menina. Ela sempre foi muito querida e gentil com e por todos, estamos preocupados com seu sumiço. ― a senhora brincou com a barra do avental, suspirando desanimada.
― Eu vou dizê-la para sair e também avisarei que vocês se preocupam, caso tenha a oportunidade. ― prometeu. Naquele momento tudo o que queria era sair dali e voltar para a mansão, mas exatamente quando pensou em se levantar, seu pedido foi colocado em sua frente.
― Obrigada, menino, é bom saber que ela está com pessoas boas ao redor dela. Por favor, cuide de nossa enquanto ela não se recuperar totalmente do choque.
O ficou em dúvida do porquê estava ouvindo aquelas palavras e o que elas significavam. Mas, sinceramente, depois de tudo que havia acabado de descobrir somado com a personalidade tão amável que conhecera durante aqueles dias, ele queria apenas abraçá-la e protegê-la de todo mundo. Talvez por isso não houvesse pensado direito quando simplesmente sorriu e assentiu com a cabeça, confirmando.
― Eu irei fazer o meu melhor.
Voltou para a casa com a sua mente girando em diversas direções diferentes. Parou, por alguns segundos, na frente da floricultura que ficava no caminho, pensando se seria suspeito, desrespeitoso ou exagerado levar um buquê para a garota. Naquele momento, tudo que queria era vê-la sorrir e tentar descobrir se o sorriso de felicidade dela que até então desconhecia, iluminaria a face pálida pela doença.
Entretanto, tinha medo de acabar sendo muito invasivo. Não eram amigos, nem mesmo trocavam muitas palavras durante a sessão de pintura já que ela dormia quase sempre depois de alguns minutos após iniciá-la e mesmo que já se sentisse emocionalmente ligado a ela, ainda mais após a explicação, tinha que ser realista e manter em sua mente o fato de que não eram nada um do outro.
A situação se tornara delicada agora que sabia o que tinha acontecido com e, aos poucos, entendia o que estava debilitando tanto a saúde da garota. Ela estava morrendo, de tristeza e de saudade. E queria, de alguma forma, parar aquilo. Mas como…?
Quando ouviu as batidas delicadas na porta, interrompeu seus pensamentos e seus dedos que deslizavam o pincel em uma tela simples que pincelava, observando as flores que comprou, mas acabou deixando em um dos cantos do próprio quarto onde estava, para sua própria inspiração. Se levantou, indo até a entrada do lugar e encontrando parada, já preparada para a sessão que teriam.
, você se importaria de começarmos mais cedo hoje? ― ela tinha um sorriso polido nos lábios, os mantendo fechados enquanto seus olhos foscos encaravam os brilhantes do .
― Claro que não. ― ele respondeu, sentindo o nervosismo tomar conta de si de uma forma até mesmo chocante. Quando percebeu ao dar alguns passos para trás para que a garota entrasse, suas mãos tremiam levemente e começavam a suar. A verdade é que, apenas de pensar nela, já começava a ficar nervoso e internamente animado, mesmo que se preocupasse demais para reparar nesse segundo sentimento.
― Obrigada, espero não estar atrapalhando. ― os passos de eram completamente calculados, como se ela apenas colocasse a força necessária para erguer seu pé alguns centímetros, mas não o suficiente para gastar energia demais.
― Não, você nunca atrapalharia. ― estranhou, porém, o fato dos passos dela se dirigirem até a mesa que ficava em frente a janela aberta que tinha o pôr do sol estampando sua lacuna, mas quis sorrir ao ver admirando o arranjo de flores diversas exposto no vaso bem trabalhado. A feição dela pareceu se iluminar em um nuance tão suave que apenas alguém com olhos tão sensíveis a tonalidades notaria. Para seu próprio prazer, era uma dessas pessoas.
― É um lindo arranjo. ― o sorriso que se abriu nos lábios de quando ela comentou isso foi o suficiente para que ele sorrisse também, olhando de soslaio para sua tela e pensando em como ela ficaria mais bonita se adicionasse a garota ao lado das flores.
― Obrigado. Eu… ― queria dá-lo para você ― achei muito bonito também.
― As duas flores representam o amor, sabia? As orquídeas são o amor em sua forma pura, antes de se consolidar. E as margaridas são a dúvida sobre o bem me quer ou o mal me quer. ― a garota parecia empolgada em conversar enquanto observava cada detalhe das orquídeas misturadas com algumas margaridas brancas. ― Elas te deixam inspirado, por isso as trouxe?
― Eu… Não sabia. ― respondeu, um tanto chocado com os significados atribuídos aquelas flores, e, mais ainda, por sua escolha por elas fazer tanto sentido assim em sua mente agora que sabia disso.
As palavras sumiram de sua mente por alguns segundos em relação à segunda pergunta que direcionara a si, quando seus olhos se ergueram para observar o rosto da garota que refletia o mais puro brilho dourado por conta do sol do crepúsculo que a iluminava pela fresta da janela. Mordeu seu próprio lábio, tentando, de alguma forma, controlar suas palavras e impulsos.
Mas quando os olhos de se chocaram contra os seus, perdeu completamente o auto controle. As iris dela refletiam a galáxia, e quando os olhava por muito tempo, tinha a impressão de que todo aquele mundo pertencia a ela, e estava apenas em seu palácio. Linda era um termo discreto, uma palavra melhor para descrevê-la é celestial e seu cérebro girava em direções diferentes, fazendo seus lábios se moverem sem permissão.
― Não tanto quanto você me inspira, .

❥❥❥❥❥


Aquela noite passou como todas as outras, mas nada era longo quando tinha a companhia de em suas horas, que tornava tudo mais prazeroso apenas pela sua existência. Porém, o seu corpo ainda sentia o cansaço de noites mal dormidas e por isso se tornava difícil levantar de manhã, tornando as primeiras horas do dia torturantes.
E enquanto se esforçava para juntar caquinhos de ânimo que lhe auxiliariam a erguer seu corpo dos lençóis. O barulho da cavalaria se aproximando não parecia ser tão paciente para deixá-lo utilizar seu tempo daquela forma vagarosa e os cavalos relinchando quando eram amarrados nas árvores da frente da propriedade não eram o melhor dos presságios para o início de um dia.
rapidamente se levantou ao perceber a situação séria e tratou de se arrumar o mais rápido possível para chegar ao andar térreo, mas quando o fez, não teve a melhor das visões. tremia e suas mãos estavam descontroladas em cima das pernas, prestes a ter um ataque de pânico a qualquer segundo, e os soldados que entraram na sala de estar não pareciam trazer boas notícias.
se reteu a ficar atrás da pilastra, sabendo que aquilo por si só já era algo que não deveria estar fazendo, principalmente porque também sabia exatamente o que estava acontecendo ali e não sabia se conseguiria se manter são caso ouvisse da boca daqueles homens o que achava que eles falariam.
A notícia veio como um baque. Tão seco quanto a batida do corpo de caindo contra a poltrona, sem forças para manter-se em pé. Ela ameaçou perder os sentidos por alguns milésimos, mas quando tentaram lhe acudir, ela negou com a cabeça e retomou a postura como podia.
― O Reino sente profundamente sua perda, seus pais eram homens honrados que não mereciam tal final. O Rei irá apoiar a senhorita em qualquer situação, e nós iremos vingá-los, com certeza. ― o discurso do homem, porém, não auxiliava em nada o desespero crescente no fundo da alma dela.
― E-eu agradeço imensamente o apoio… ― os olhos estavam perdidos pelo chão, tentando encontrar qualquer coisa que pudessem lhe dar um foco ou segurança. Mas não havia, naquele momento, nada que fizesse se sentir segura. Porque quem era capaz disso havia partido para sempre. ― Os senhores se importariam de ir? Eu realmente preciso de alguns momentos a sós para digerir…
― Entendemos completamente, e, outra vez, sentimos muito. ― com reverências profundas em direção a menina, um a um, cada soldado se retirou.
Ela repetiu as ordens ao mordomo que tentava consolá-la e também ao jardineiro, e, quando viu-se sozinha, sem barulho algum se não o de sua própria respiração acelerada e descompassada pelo choque e pela dor, deixou que os sentimentos angustiantes saíssem por seus olhos em formas de lágrimas, assim como gemidos do mais puro sofrimento.
Tudo o que queria, naquele momento, era poder ir até ela e consolá-la em um abraço caloroso que a faria sentir-se segura, mas sabia que não podia, que o relacionamento que eles tinham não era profundo o suficiente. E ele nunca quis mudar aquilo como naquele momento, onde pegou-se obrigado a engolir suas próprias vontades para prezar pela educação que tivera.
O dia na mansão passara tão silencioso que não notaria que era um trabalho se não fosse esse momento. Sozinho com suas próprias criações, observava as flores que comprou no dia anterior, agora já murchas e sem vida, lembrando-se como vira a mulher mais cedo. Doía para ele, mas estava tornando-se como aquelas flores.
Ela estava murchando aos poucos, e não aguentava mais presenciar aquele processo doloroso de camarote.
? ― ouviu a voz doce e fraca chamando-o do lado de fora da porta, assim como duas batidas leves em sequência.
Se levantou instantaneamente, passando uma das mãos no cabelo e a outra na camisa para ajeitá-los antes de puxar a maçaneta em menos de um minuto para encontrá-la ali. não estava com o vestido longo e nem mesmo com os cabelos penteados daquela forma que sempre estavam.
Sabia o que aquilo queria dizer, mas não era como se quisesse aceitar. Quase entrou em desespero ao vê-la ali, tão pálida, se olhos tão inchados e vermelhos e com um curvar de lábios que praticamente não saiu pela falta de força.
… ― chamou também, mas então percebeu que estava a encarando muito mais tempo do que era socialmente aceitável e saiu da frente da porta para ceder a entrada para a menina. ― Boa noite.
Teve vontade de segurá-la quando a Guiselini deu o primeiro passo em frente e necessitou segurar-se no batente da porta. Mordeu o próprio lábio de forma nervosa quando ela virou de costas para fechar a entrada. Seus movimentos eram lentos e agoniantes, estava vendo a hora que ela não aguentaria mais manter-se em pé.
… Me desculpe te deixar esperando. ― ela pediu em tom baixo, segurando em um pequeno móvel em seu caminho para poder manter-se em pé e mais perto do rapaz.
― Você precisa sentar. ― ele não suportou mais, se aproximando de antes que ela protestasse e a tomando pela mão para guiá-la até o sofá ao qual ela costumava ficar deitada. ― Está tudo bem? ― questionou, mesmo sabendo a resposta.
― N-Na verdade… ― ela deixou seu corpo recostar no conforto do móvel, respirando com dificuldade para manter aquele diálogo. ― Não. Eu estou doente, , eu devo… Devo partir logo. ― ela despejou seu maior medo de uma vez e o arregalou os olhos ao ouvi-la falando aquilo de forma tão conformada.

― Eu te contratei porque sabia que isso estava acontecendo. Eu definhei de saudades e preocupação… ― apesar da vontade de chorar, não achava que haviam mais lágrimas sendo produzidas pelo seu corpo para que derramasse, uma ideia que foi erradicada conforme sentia o molhado em suas bochechas. ― Mas agora nada mais faz sentido. Eu queria que meus pais tivessem uma lembrança minha, quando eles voltassem… Que eles encontrassem algo a se apegar. ― a voz da garota falhava de palavra a outra, e tinha as mãos tremendo sempre que ela pronunciava algo. ― Mas eles… Eles não vão mais voltar.
Não suportou mais aguentar assisti-la sem fazer nada e, sentando ao seu lado no sofá, envolveu em um abraço delicado e confortador. Não colocou aperto algum ali, apenas uma das mãos ao redor do ombro da garota e um afago aconchegante em seus cabelos, com medo de que qualquer movimento brusco pudesse quebrá-la.
― Eu sinto tanto… ― sussurrou entre o carinho, não pensando naquele momento o quão dos limites estava passando, principalmente quando sentiu-a se aninhando em seus braços.
― A culpa não é sua. ― respondeu, reprimindo um soluço pelo choro copioso. ― Não é de ninguém…
― Você não pode partir. ― confessou sua vontade, encostando o queixo em cima do topo da cabeça da menina e aproveitando o cheiro doce de flores que emanava de seus cabelos. ― Eu nunca deixei de terminar um quadro antes. Preciso da sua ajuda para continuar dessa forma, certo? Você pode me ajudar nisso, ? Por favor… Não deixe isso acontecer.
Ao ouvir isso, ela se afastou levemente do rapaz para olhá-lo nos olhos, encontrando-os brilhando como a luz do sol da manhã. E antes de ceder a sua fraqueza física e cair no sono entre os braços de , ela sorriu de forma serena, balançando a cabeça positivamente.
― Eu vou me esforçar.

❥❥❥❥❥


Duas semanas depois, faltava menos de um quarto do quadro para que ele fosse finalizado, mas enquanto não chegava naquela sala, andava de um lado para o outro de forma ansiosa pela sua presença. Estava pintando o mais lentamente que conseguia. Para ele, isso não era nenhum problema, queria passar a maior quantidade de tempo possível naquele lugar.
Naquele ritmo que era manipulado por ele para ser demorado, não demoraria muito mais de uma semana para finalizar o trabalho. Ele tentava adiar ao máximo aquele momento, mas não podia-se evitar que um dia ele chegaria e seu coração doía por isso. Ele queria continuar ali, observando a melhora diária de .
Ela havia voltado a comer melhor, sua pele não estava mais tão fria e pálida e as maçãs de seu rosto haviam voltado a ter um vermelho natural e adorável. Aos olhos de , ela nunca esteve tão linda, e isso se materializava na sua obra que parecia ficar mais brilhante a cada pincelada. O problema, entretanto, ainda persistia…
― Olá! ― ouviu a voz animada vindo da porta que deixara aberta e se levantou rapidamente para receber com um sorriso, esquecendo de cobrir a obra que observava para não deixá-la ver o progresso da pintura.
― Bom dia. ― por sorte, o corpo de cobria toda a extensão da tela pintada, impedindo de vê-la. ― Vejo que está melhor.
A garota parecia estar muito mais bonita do que lembrava-se de já ter visto, mesmo que usasse apenas um longo vestido branco com volume básico formando a famosa silhueta da época. Uma faixa vermelha passando por sua cintura a deixava excepcionalmente bem marcada, deixando um charme especial naquele conjunto. Mas a verdade era que, a cada dia que a via, achava-a ainda mais estonteante.
Ela, porém, sabia ter dedicado um tempo a mais colocando volume na saia apenas porque estava ficando ansiosa para vê-lo. Não sabia o por que disso, tudo o que sabia era que queria impressioná-lo, e por isso arrumou os cabelos de uma forma diferente e colocou um de seus vestidos de dia favoritos.
― A cada dia. Devo isso à você, muito obrigada por ter me dado um motivo para me apegar a vida. ― aproximou-se de com um sorriso, que arregalou os olhos ao ouvir aquelas palavras.
― N-Não, eu não fiz nada demais… ― ele tentou evitar aquele mérito, sem graça, passando uma das mãos pelos longos cabelos pretos. ― Essa força é apenas sua, era você quem queria continuar vivendo, mesmo que isso estivesse escondido pela dor.
― Mesmo assim se não fosse por você abrindo meus olhos, eu não enxergaria isso, então quero te agradecer mesmo assim. ― ela pegou na mão de , entrelaçando seus dedos com um sorriso, e ele sentiu suas bochechas queimarem com o contato que não havia acontecido desde aquele abraço. ― Venha comigo.
― Onde nós vamos? ― ele questionou curioso, deixando-se ser puxado pela menina e esquecendo completamente de todo o resto que não fosse o seu rosto, não percebendo o olhar de relance e o vacilo na expressão de que logo foi disfarçado com um largo sorriso.
― Mostrar pra essa cidade que eu ainda estou viva. Quer vir comigo? ― ela convidou empolgada, parando de andar para olhá-lo nos olhos, ansiosa pela resposta.
― Claro que sim, vamos!

❥❥❥❥❥


Não tinha mais como evitar.
Faziam dois dias que o quadro estava pronto, por mais que disfarçasse e procurasse detalhes inexistentes para acrescentar durante as sessões, seu trabalho estava finalizado. Porém, naqueles dias aos quais voltara a parecer melancólica apesar de esforçar-se para não manter isso óbvio, torcia para que o resultado de todas aquelas noites sem dormir a deixasse feliz.
Esperava ver aquele belo sorriso empolgado no rosto da garota, e havia chamado-a mais cedo naquele dia apenas pela esperança de conseguir cumprir seu objetivo. Ouviu o primeiro barulho de salto no corredor e sua coluna se tencionou automaticamente ao saber que ela estava chegando. Deixara a porta aberta propositalmente e agora a encontrava junto com a imagem de sua figura sentada ao lado da obra.
O silêncio da Guiselini era uma tortura, enquanto ela entrava e observava o quadro atentamente, com os olhos brilhosos concentrados em cada detalhe ali representado.
― Eu estou vendo uma obra de arte comigo representada, mas por que não consigo ficar feliz de vê-la terminada? ― sussurrou, tocando delicadamente nos relevos da tela e sentindo as pinceladas dadas para formar o seu vestido na ponta de seus dedos.
… ― arqueou uma das sobrancelhas, não entendendo onde a garota queria chegar com isso.
― Talvez porque terminada, as mãos que a pintaram não precisarão mais estar próximas e o artista que a fez irá ser livre. ― ela terminou o raciocínio com um pequeno sorriso nos lábios, virando o rosto levemente para poder encarar ao que estava ao lado do cavalete. ― E eu não quero isso. Se eu mentir e disser que não gostei, você pintaria outro e ficaria aqui mais tempo? ― riu da espécie de pedido, sentindo as bochechas ficarem avermelhadas com a própria idiotice e se obrigou a desviar o olhar para o lado, longe das iris do homem.
― Você não precisa disso para que eu fique. ― ele sorriu de volta, dando um passo em frente para se aproximar da burguesa que arregalou um pouco os olhos, surpresa com aquela aproximação.
abriu os dois braços, convidando a abraçá-lo calorosamente caso ela quisesse, caso ela se sentisse da mesma forma que ele. Os olhos perdidos da garota focaram-se ao encontrarem-se com os seus e, aos poucos, ela também abriu um sorriso envergonhado, dando dois passos até que jogou-se contra o corpo maior e enlaçou o abdômen do rapaz com os seus braços. O concentrou-se apenas em olhá-la de cima, depositando um beijo carinhoso em sua testa e a apertando contra si delicadamente ao abraçá-la ombros. Deixou um suspiro sair por seus lábios, bagunçando levemente algumas mechas do cabelo longo.
― Eu já estou em você. E não tenho intenção alguma de te deixar.




FIM



Nota da autora: MEU DEUS, eu achei que eu não fosse conseguir, sinceramente UHSAUHSAUSHA Eu estava tão, mas tão travada com essa música, não fazia a mínima ideia do que fazer no plot, agora que me deu um alívio intergaláctico agora que eu acabei! Apesar disso, eu fui pegando um amor imenso por essa história conforme ela saia, e espero que vocês tenham gostado de lê-la. Não se esqueçam de deixar suas opiniões na caixinha de comentários aqui embaixo, elas são muito importantes pra mim! E muito obrigada por ter chegado até aqui! ♥





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Very NICE


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