Capítulo Único
Desde que se mudara para o litoral, o pequeno não tinha sido mais o mesmo. Com apenas nove anos de idade, era de se esperar que ele ficasse contente, animado até, com a mudança, afinal, ele viveria ao lado do mar.
Mas o pequeno não sabia nadar, apesar de sua mãe ter lhe contratado um excelente professor. Ele simplesmente não aprendia, não porque tinha dificuldades, mas porque não queria.
De qualquer forma, isso não o impedia de ir à praia quase todos os dias. Era quase o seu refúgio. Ele não gostava daquele lugar, preferia a cidade em que morava anteriormente, onde tinha seus amiguinhos. Mas ir à praia o afastava da senhora que a mãe pagava para cuidar dele. Ele não gostava daquela senhora. Ela fedia a cachorro molhado.
Num dia, igual a todos os outros, acabou adormecendo numa rocha grande, onde ele costumava ficar quando queria sentir a brisa do mar mais de perto, mas não queria se molhar. Quando acordou, pensou que estivesse chovendo. Triste engano. As gotículas que molhavam seu rosto eram gotas salgadas, vindas das ondas fortes que arrebentavam na pedra em que ele estava deitado.
Quando deu por si, percebeu que a maré já estava alta e cobria a areia envolta da pedra em que estava. Quer dizer, o mar naquela praia não era violento, e, se ele tivesse aprendido a nadar como sua mãe tantas vezes dissera, naquele momento ele só teria que pular, dar um mergulho e algumas braçadas para então chegar à terra firme. Mas ele não sabia nadar.
Pedir ajuda nem lhe passou pela cabeça. Aquela praia era uma das mais desertas da cidade. Pouca gente a conhecia.
Com peito cheio de uma coragem que não tinha, pulou na água. Estava gelada e o salgado da água o fez engasgar. Isso o fez se lembrar do porque não gostava do mar. Bateu os braços com o máximo de força que tinha, mas ele não saia do lugar. Talvez fossem os tênis que estivessem atrapalhando. Não percebeu como ou quando aconteceu, mas em determinado momento, já não tentava mais lutar contra a correnteza.
Quando abriu os olhos já era quase noite. Ele estava todo molhado e sua boca tinha gosto de areia. Ele não sabia como tinha ido parar lá. Não se lembrava de ter conseguido bater braços e pernas com força suficiente para chegar à terra firme.
Quando olhou para o lado, viu que não estava sozinho: ali estava a sua salvadora. Uma garotinha, que teria mais ou menos a mesma idade que ele – se o tempo passasse para sua espécie como passa para os seres humanos – estava sentada do lado dele.
Seu cabelo era longo, maior do que os cabelos das meninas da sua sala de aula. Sua pele também era diferente: parecia ser cheia de sardas, mas, se olhasse bem, veria que eram escamas. No lugar das pernas, havia uma longa cauda de peixe.
Ele deveria se assustar, mas não o fez. Em lugar disso, perguntou:
- Qual o seu nome?
- . E o seu?
- Meu nome é .
Depois desse dia a mãe de passou a ter um gasto mensal a mais, pois ele finalmente aceitara ter as aulas para aprender a nadar. Quer dizer, ele precisaria saber nadar se quisesse continuar a brincar com , certo?
Todos os dias ia para a praia procurar por sua mais nova amiguinha, mas ela simplesmente não apareceu mais. Depois de várias semanas sem mais notícias dela, passou a querer acreditar na versão da mãe: que ele tinha imaginado o ocorrido, afinal, não existem meninas com caudas de peixe.
Mas ele se recusava a acreditar nisso. Com o tempo, ele parou de falar de perto da mãe. Resolveu que seria mais seguro parar de falar sobre ela perto de qualquer pessoa, pois todos o olhavam como se fosse louco ou como se fosse um coitadinho por acreditar em coisas que não existem.
Os anos passaram, e cresceu. Tornou-se um menino bom, estudioso e esforçado – sempre era o primeiro da turma. Ele também passou a ter amor pelo mar: nadava ou surfava todos os dias.
Já com a faculdade quase no fim – biologia – e com um emprego bem remunerado, comprou uma pequena lancha que usava para fazer suas pesquisas e trabalhos no mar. Ele tinha um amigo, Marcus, que sempre o acompanhava em suas aventuras.
Marcus foi percebendo que, a cada fim de excursão que faziam, o amigo voltava para casa parecendo chateado, apesar de sempre encontrar os espécimes que procurava para seus trabalhos acadêmicos.
Depois de muitos questionamentos e muita insistência, disse para o amigo sobre o ocorrido com ele quando mais novo. Contou que quase se afogara, mas que tinha sido salvo por uma menininha diferente, uma menininha que tinha uma cauda de peixe no lugar das pernas e que ele nunca mais a vira.
Diferentemente da mãe, Marcus não pensava que tinha imaginado coisas. Na verdade, acreditava que, pelo susto que ele passara, apenas ficou confuso e pensou ter visto uma coisa quando na realidade viu outra. decidiu não prolongar o assunto. Ele nunca conseguiria convencer ninguém sobre a sua versão da história.
Ele se formou e começou a fazer uma pós-graduação. Suas pesquisas se estendiam para o mar, o que o levava a ficar mais tempo dentro de sua lancha do que na casa que ainda dividia com a mãe.
Com o passar dos anos sua obsessão passou a perder o sentido. Ele era apenas um garotinho de nove anos que quase morrera afogado. Podia muito bem ter delirado ou imaginado coisas. Talvez até tivesse conseguido voltar para a areia sozinho. Talvez tudo não tivesse passado de um sonho! Essa era uma grande possibilidade.
Num dia em que as nuvens cobriam o sol, sentado em sua lancha, olhando seu caderno de anotações, ele sentiu suas pernas molharem. Mas não estava chovendo. Olhou para fora da lancha e viu um movimento suave no mar perto de onde ele estava parado.
A alguns metros de onde ele estava, pôde jurar que viu uma pessoa surgir de dentro da água. Mas aquilo não era possível. A não ser que fosse um mergulhador, ninguém poderia estar tão longe da costa.
não soube de onde veio, nem como decidiu fazê-lo, mas quando se deu por si, estava gritando:
- !
Para o seu espanto, a pessoa ao longe olhou de volta para ele. Mas não durou muito, pois logo em seguida ela sumiu novamente. Ele ficou ali, esperando que ela voltasse, ou que ela subisse para a superfície de novo, mas em volta dele não tinha nenhum barco, nenhuma lancha que desse indício de pertencer a um mergulhador. Então, quem era aquela pessoa?
Mesmo depois de terminado sua pesquisa, continuou parado no mesmo lugar, esperando o que ele não saberia dizer. Foi quando ouviu uma voz atrás de si:
- Se eu fosse você não me demoraria muito. Vai cair uma tempestade.
Ele não podia acreditar. Atrás dele, com o corpo quase todo submerso na água, estava uma garota de cabelos tão longos que ele não conseguia ver o fim, com a pele cheia do que pareciam ser sardas, mas que na verdade eram escamas.
Então ele não tinha imaginado o fato de ter sido salvo aos nove anos. existia de verdade.
- Procurei você por anos – disse. Não era a coisa mais inteligente de se dizer no momento, mas era tudo em que conseguia pensar.
- Eu sei. Sempre o vejo em suas excursões pelo mar – ela sorriu. – Mas ouça o que eu digo agora, , vai cair uma tempestade e o mar ficará violento. Acho que você devia voltar para a terra firme.
Ela estava certa, iria cair uma tempestade logo. Como ele não tinha reparado no céu fechando? Ficara tão entretido em suas pesquisas e na esperança de descobrir quem era a pessoa que ele vira momentos antes, que nem tinha percebido o tempo passar e fechar.
Mas ele não podia simplesmente ir embora agora que a tinha reencontrado. E se eles nunca mais se vissem novamente? Ele não poderia permitir isso.
- Me prometa que você vai vir me ver. – ele disse depressa, já podendo ver os raios à distância. – Prometa! Eu passei muitos anos te procurando para te perder de novo. Por favor, , prometa.
Ela o olhou com receio, sem ter certeza do que responder, mas por fim, após um trovão assustador, ela disse:
- Eu prometo. – ela disse. – Prometo que virei te visitar da próxima vez. Prometo que virei te visitar todas as vezes que você estiver no mar.
E com a certeza de que aquele não seria o último encontro deles, voltou para a terra firme quando as primeiras gotas de chuva começaram a cair. Tudo o que ele podia pensar no momento era que estava ansioso para sua próxima ida ao mar, pois sabia que não estaria mais sozinho. Ele nunca mais estaria.
Mas o pequeno não sabia nadar, apesar de sua mãe ter lhe contratado um excelente professor. Ele simplesmente não aprendia, não porque tinha dificuldades, mas porque não queria.
De qualquer forma, isso não o impedia de ir à praia quase todos os dias. Era quase o seu refúgio. Ele não gostava daquele lugar, preferia a cidade em que morava anteriormente, onde tinha seus amiguinhos. Mas ir à praia o afastava da senhora que a mãe pagava para cuidar dele. Ele não gostava daquela senhora. Ela fedia a cachorro molhado.
Num dia, igual a todos os outros, acabou adormecendo numa rocha grande, onde ele costumava ficar quando queria sentir a brisa do mar mais de perto, mas não queria se molhar. Quando acordou, pensou que estivesse chovendo. Triste engano. As gotículas que molhavam seu rosto eram gotas salgadas, vindas das ondas fortes que arrebentavam na pedra em que ele estava deitado.
Quando deu por si, percebeu que a maré já estava alta e cobria a areia envolta da pedra em que estava. Quer dizer, o mar naquela praia não era violento, e, se ele tivesse aprendido a nadar como sua mãe tantas vezes dissera, naquele momento ele só teria que pular, dar um mergulho e algumas braçadas para então chegar à terra firme. Mas ele não sabia nadar.
Pedir ajuda nem lhe passou pela cabeça. Aquela praia era uma das mais desertas da cidade. Pouca gente a conhecia.
Com peito cheio de uma coragem que não tinha, pulou na água. Estava gelada e o salgado da água o fez engasgar. Isso o fez se lembrar do porque não gostava do mar. Bateu os braços com o máximo de força que tinha, mas ele não saia do lugar. Talvez fossem os tênis que estivessem atrapalhando. Não percebeu como ou quando aconteceu, mas em determinado momento, já não tentava mais lutar contra a correnteza.
Quando abriu os olhos já era quase noite. Ele estava todo molhado e sua boca tinha gosto de areia. Ele não sabia como tinha ido parar lá. Não se lembrava de ter conseguido bater braços e pernas com força suficiente para chegar à terra firme.
Quando olhou para o lado, viu que não estava sozinho: ali estava a sua salvadora. Uma garotinha, que teria mais ou menos a mesma idade que ele – se o tempo passasse para sua espécie como passa para os seres humanos – estava sentada do lado dele.
Seu cabelo era longo, maior do que os cabelos das meninas da sua sala de aula. Sua pele também era diferente: parecia ser cheia de sardas, mas, se olhasse bem, veria que eram escamas. No lugar das pernas, havia uma longa cauda de peixe.
Ele deveria se assustar, mas não o fez. Em lugar disso, perguntou:
- Qual o seu nome?
- . E o seu?
- Meu nome é .
Depois desse dia a mãe de passou a ter um gasto mensal a mais, pois ele finalmente aceitara ter as aulas para aprender a nadar. Quer dizer, ele precisaria saber nadar se quisesse continuar a brincar com , certo?
Todos os dias ia para a praia procurar por sua mais nova amiguinha, mas ela simplesmente não apareceu mais. Depois de várias semanas sem mais notícias dela, passou a querer acreditar na versão da mãe: que ele tinha imaginado o ocorrido, afinal, não existem meninas com caudas de peixe.
Mas ele se recusava a acreditar nisso. Com o tempo, ele parou de falar de perto da mãe. Resolveu que seria mais seguro parar de falar sobre ela perto de qualquer pessoa, pois todos o olhavam como se fosse louco ou como se fosse um coitadinho por acreditar em coisas que não existem.
Os anos passaram, e cresceu. Tornou-se um menino bom, estudioso e esforçado – sempre era o primeiro da turma. Ele também passou a ter amor pelo mar: nadava ou surfava todos os dias.
Já com a faculdade quase no fim – biologia – e com um emprego bem remunerado, comprou uma pequena lancha que usava para fazer suas pesquisas e trabalhos no mar. Ele tinha um amigo, Marcus, que sempre o acompanhava em suas aventuras.
Marcus foi percebendo que, a cada fim de excursão que faziam, o amigo voltava para casa parecendo chateado, apesar de sempre encontrar os espécimes que procurava para seus trabalhos acadêmicos.
Depois de muitos questionamentos e muita insistência, disse para o amigo sobre o ocorrido com ele quando mais novo. Contou que quase se afogara, mas que tinha sido salvo por uma menininha diferente, uma menininha que tinha uma cauda de peixe no lugar das pernas e que ele nunca mais a vira.
Diferentemente da mãe, Marcus não pensava que tinha imaginado coisas. Na verdade, acreditava que, pelo susto que ele passara, apenas ficou confuso e pensou ter visto uma coisa quando na realidade viu outra. decidiu não prolongar o assunto. Ele nunca conseguiria convencer ninguém sobre a sua versão da história.
Ele se formou e começou a fazer uma pós-graduação. Suas pesquisas se estendiam para o mar, o que o levava a ficar mais tempo dentro de sua lancha do que na casa que ainda dividia com a mãe.
Com o passar dos anos sua obsessão passou a perder o sentido. Ele era apenas um garotinho de nove anos que quase morrera afogado. Podia muito bem ter delirado ou imaginado coisas. Talvez até tivesse conseguido voltar para a areia sozinho. Talvez tudo não tivesse passado de um sonho! Essa era uma grande possibilidade.
Num dia em que as nuvens cobriam o sol, sentado em sua lancha, olhando seu caderno de anotações, ele sentiu suas pernas molharem. Mas não estava chovendo. Olhou para fora da lancha e viu um movimento suave no mar perto de onde ele estava parado.
A alguns metros de onde ele estava, pôde jurar que viu uma pessoa surgir de dentro da água. Mas aquilo não era possível. A não ser que fosse um mergulhador, ninguém poderia estar tão longe da costa.
não soube de onde veio, nem como decidiu fazê-lo, mas quando se deu por si, estava gritando:
- !
Para o seu espanto, a pessoa ao longe olhou de volta para ele. Mas não durou muito, pois logo em seguida ela sumiu novamente. Ele ficou ali, esperando que ela voltasse, ou que ela subisse para a superfície de novo, mas em volta dele não tinha nenhum barco, nenhuma lancha que desse indício de pertencer a um mergulhador. Então, quem era aquela pessoa?
Mesmo depois de terminado sua pesquisa, continuou parado no mesmo lugar, esperando o que ele não saberia dizer. Foi quando ouviu uma voz atrás de si:
- Se eu fosse você não me demoraria muito. Vai cair uma tempestade.
Ele não podia acreditar. Atrás dele, com o corpo quase todo submerso na água, estava uma garota de cabelos tão longos que ele não conseguia ver o fim, com a pele cheia do que pareciam ser sardas, mas que na verdade eram escamas.
Então ele não tinha imaginado o fato de ter sido salvo aos nove anos. existia de verdade.
- Procurei você por anos – disse. Não era a coisa mais inteligente de se dizer no momento, mas era tudo em que conseguia pensar.
- Eu sei. Sempre o vejo em suas excursões pelo mar – ela sorriu. – Mas ouça o que eu digo agora, , vai cair uma tempestade e o mar ficará violento. Acho que você devia voltar para a terra firme.
Ela estava certa, iria cair uma tempestade logo. Como ele não tinha reparado no céu fechando? Ficara tão entretido em suas pesquisas e na esperança de descobrir quem era a pessoa que ele vira momentos antes, que nem tinha percebido o tempo passar e fechar.
Mas ele não podia simplesmente ir embora agora que a tinha reencontrado. E se eles nunca mais se vissem novamente? Ele não poderia permitir isso.
- Me prometa que você vai vir me ver. – ele disse depressa, já podendo ver os raios à distância. – Prometa! Eu passei muitos anos te procurando para te perder de novo. Por favor, , prometa.
Ela o olhou com receio, sem ter certeza do que responder, mas por fim, após um trovão assustador, ela disse:
- Eu prometo. – ela disse. – Prometo que virei te visitar da próxima vez. Prometo que virei te visitar todas as vezes que você estiver no mar.
E com a certeza de que aquele não seria o último encontro deles, voltou para a terra firme quando as primeiras gotas de chuva começaram a cair. Tudo o que ele podia pensar no momento era que estava ansioso para sua próxima ida ao mar, pois sabia que não estaria mais sozinho. Ele nunca mais estaria.
Fim.
Nota da autora: Oi, oi, gente! Essa história foi escrita há alguns anos, e então eu encontrei ela perdida no notebook. Fiquei feliz de encontrá-la, para ser sincera. Não pude desenvolver a ideia como gostaria, mas pelo menos pude contar um pouquinho da história dessa sereia. A verdade é que essa história é muito especial pra mim, e eu sempre quis desenvolver algo maior em cima dessa ideia... De qualquer forma, espero que tenham gostado ❤ Deixem um comentário no final e façam uma autora feliz ❤
Beijos de luz
Angel
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Beijos de luz
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