Última atualização: Fanfic finalizada.

Baseado em uma história de amor real


Prólogo

Fechei meus olhos para evitar que a luz continuasse a me cegar, já que as palavras que me foram ditas chegaram a abater todo e qualquer sentido de proteção natural que meu corpo possuía. Repentinamente meu coração parecia esmagado, minha vista estava turva e eu não conseguia mais enxergar a médica em minha frente tão nitidamente. Era como se os termos médicos, os sinônimos mais comuns e até mesmo a frase "vamos aguardar evolução", tivessem agido sobre mim como facas sendo espetadas em meu corpo. Não me lembrava naquele momento de uma dor tão pesada quanto a que estava sentindo, um clima tão obscuro e a falta de esperança que me rodeava e amparava em seu colo.
estava em um estado de espera por milagre, segundo o que o doutor Gillies me afirmou com pesar - mas ainda não com essas palavras, isso foi o que Abigail jogou pra ele.
Eu já sabia que não havia ido para o centro de tratamento intensivo do hospital por nada, ele estava mal, não o reconhecia há uns dias deitado naquela cama depois da sequência de quimioterapias que fez. Entretanto, a fé de que ele ficaria bem ainda me abraçava e se recusava a me soltar. Estar naquele estado, assustadoramente sofredor, por conta do tratamento pesado de sua leucemia, já era uma coisa conhecida - e dolorosa. Estávamos alcançando a metade do segundo semestre de seu tratamento e ele já tinha passado por um tudo, em inúmeros momentos e dores que lhe fizeram querer desistir.
Mas a força interior e vontade de continuar sendo vida o fizeram lutar por todos os caminhos, descidas ou subidas em barrancos que o levariam para um destino certo de cansaço.
era, de longe, o homem mais guerreiro e vencedor que eu conhecia e tive o prazer de compartilhar minha vida. Meu marido e pai dos meus filhos era, com toda certeza, uma fortaleza e eu sabia que mesmo por baixo de toda aquela prova, ele conseguiria sair daquele coma, daquela infecção generalizada e de todos os outros adendos que teimavam em querer colocá-lo abaixo. Não era e não seria fácil abater ele, mesmo que naquele momento após a conversa com os médicos de seu caso eu não conseguisse fundar minha fé.
Que Deus pudesse me perdoar, que pudesse entender e que meus filhos não enxergassem através de mim, ou encontrariam mentiras, mas não poderia ser hipócrita e debater uma fé que estava sendo testada. Pelo menos naquele instante eu precisava sentir e chorar pra fora meus medos e receios. Precisava tirar aquele negativismo depois de viver ele para que o laço positivo pudesse e fizesse efeito.
E eu só estava cansada, também, cansada e decepcionada. Mesmo que não pudesee culpá-lo, havia me prometido que voltaria pra casa mais uma vez depois de sua sequência.
Ele olhou em meus olhos, segurou minhas mãos e, depois de beijar o dorso de cada uma, como sempre fazia, me prometeu que voltaria como sempre fez. Como sempre faria.
Então, ao ouvir que somente um milagre o faria cumprir essa promessa, eu me vi sim perdida. E estar perdida também não significava algo ruim, eu só precisava de tempo para me restabelecer.
Porque no fundo, bem dentro de todo meu ser, eu sabia que voltaria para mim, para nossa família, e bateria o pé fielmente à isso.


Capítulo Único

– Mamãe, hoje nós vamos poder ver o papai?
Hannah me perguntou manhosa, coçando os olhinhos enquanto sentava na cama, com seus cabelos dourados iguais aos do pai, completamente bagunçados, me alertando que daria um certo trabalho para arrumar. A voz da minha filha do meio de quatro anos era sonolenta, mas ainda assim exigente, eu a conheço perfeitamente para saber que aquela pergunta deveria ter uma resposta verdadeira, pois nada que eu dissesse em tom de hesitação iria a convencer. Hannah tinha o cabelo e o sorriso de , mas a expertise, como ele mesmo dizia, era algo que ela aprendia diariamente comigo. Não era fácil passar por cima das dúvidas dela sem um jogo de cintura para um campo olímpico, mas eu tentava meu melhor.
Entretanto, como eu poderia ter coragem o suficiente para dizer a uma criança de apenas quatro anos que seu pai ainda estava no mesmo estado de quando deu entrada numa UTI? Com que força eu olharia para a minha pequena flor e diria a ela que seu pai não era motivo de tantas expectativas para os médicos?
Meu dever como mãe e esposa era o contrário de plantar a decepção.
Então respirei fundo, puxando o cobertor de seu colo e a trazendo para mais perto, deixando um beijo em sua testa, apenas para receber seu sorriso brilhante que me enchia sempre de esperanças. Mesmo que odiasse acordar cedo, Hannah era sempre simpática e não fazia do tipo cheia de birras, acordava sorrindo e, por mais sonolenta que estivesse, ainda era feliz. Afaguei seus fios bagunçados e macios, bolando em minha mente o que seria coerente e correto a dizer para ela, então quando tive um breve acesso de sabedoria, a afastei com cuidado. Olhei em seus olhinhos, que ainda encontravam dificuldades para abrir, e disse:
– O papai ainda está precisando do tempinho dele, meu bem – tentei sorrir de forma casta, ainda que genuinamente. – Mas logo, e digo logo mesmo, você e seus irmãos poderão vê-lo. Ela me olhou de baixo, os olhos murchando, me entregando como não estava convencida e me fazendo tremer. Mais um dia passava e agora somavam oito dias de que eu tentava encontrar respostas para meus filhos do porquê o papai não tinha voltado ainda da visita ao médico que, supostamente, estava ajudando ele a ficar melhor. Em mais um dia eu passaria olhando para o céu e pedindo por respostas para mim mesma, ainda sem compreender todas elas, e me sentindo a pior mãe do mundo por não saber pegar meus filhos no colo e suprir para eles aquela ausência. Eu muito menos sabia convencê-los de que o medo não deveria existir
Eu estava tão receosa quanto eles, me sentindo perdida e sem forças.
– Promete? – Seu pedido me fez levar mais do que três longos segundos para digerir o que eu deveria dizer ou não. Mas seus olhos ainda me faziam responder o que era bom para seus ouvidos e que me fazia sentir bem.
– Prometo! – sorri a vendo estender a mão e me oferecer o mindinho.
– É uma promessa rosa, mamãe. Promessas rosas nunca falham.
Seus braços, depois de entrelaçar nossos dedos mindinhos, rodeiam meu pescoço, puxando-me para um abraço apertado. Inspirei seu perfume infantil, que por mais que tivesse passado algumas horas antes do banho que tomara na noite anterior, ainda mantinha a fragrância no lugar e nítida. Era um dos meus cheiros favoritos e nos últimos tempos significava mais do que um simples perfume de criança de uma cartela com cheiros de bebês, me fazia sentir o frescor de casa, do amor e de ser amada.
Como um porto seguro.
– E essa não vai falhar. – Hannah completou, quando nos afastamos. Coloquei uma mecha de seu cabelo atrás de sua orelha e quando abri meus lábios para dizer algo, vi seu sorriso se abrir para alguém que ela viu na porta, consequentemente atrás de mim. Só poderia ser tia Abigail, sua tia favorita e minha irmã tão companheira.
– Titia, Abby! – exclamou já pulando na cama, ficando em pé e dando o seu melhor para tirar o cabelo dos olhos.
– Nem vem, pequena Tasmânia, não vou desembaraçar esse cabelo hoje. – Abby tentou seu comentário mais sério.
– Mas a gente passa creme de pentear no banho, tia Abby! – Hannah exibiu seu bico e eu logo me levantei, indo em direção a janela.
– Você sabe que nessa briga sempre perde – lancei uma piscadela para minha irmã, recebendo seu rolar de olhos.
– Ótimo jeito de receber um bom dia nessa casa.
Em cima da cama, pulando com seu coelhinho que sempre usava para dormir, Hannah cantarolava animada e Abigail estava indo em sua direção.
– Quer ajuda? – ofereci, abrindo a janela por fim, me deparando com mais um dia lindo e extremamente ensolarado. Bom seria que não pegaria chuva na estrada para Nova York.
Suspirei, pensando em minha rotina diária.
– Não, pode deixar que eu já sei cuidar dessa garotinha dos cabelos mais bagunçados que existe nesse mundo!
A gargalhada de Hannah me serviu como um combustível para sair da janela, parando de admirar o alento para aproveitar o que tinha ali dentro, embaixo do meu teto. Abigail a pegou no colo, levando-a direto para o banheiro do quarto nos ombros, em meio a gritos histéricos de alegria e eu me vi parada ali, com as mãos na cintura e completamente absorta no que eu mesma não sabia estar pensando.
Havia se tornado rotineiro as manhãs sempre com o mesmo protocolo, incluindo o momento de confusão. O medo de dirigir por quase duas horas e meia de minha casa ao Hospital Presbeteriano de Nova York e chegar lá apenas para me deparar com mais notícias ruins, realmente me tirava toda e qualquer consciência local.
– Mãe?
Dei um salto no lugar ao ouvir a voz de Brooke, o meu filho mais velho de nove anos. Ele apareceu quieto no batente da porta e estava ali, escorado, sabe-se lá por quanto tempo, me encarando. Do contrário de Hannah, Brooke era de humor um pouco menos fácil pela manhã e se pudesse ficaria na cama por todo um dia, sem muitas simpatias com os outros. Manhoso também era um modo de definir a personalidade do meu menino.
– Oi, meu amor. Bom dia? – Me virei para ele, soltando os ombros.
– Dia. – Ele me respondeu simples, caminhando até mim com um bocejo, direto para meu abraço.
– Gosto quando você acorda sem que eu precise chamar. – O beijei na altura do topo da cabeça e sorri, afastando-o para encarar seu rosto.
– Posso faltar hoje? – Sua pergunta foi direta, sem rodeios ou manhas. Eu suspirei, outra vez.
– Não pode, Brooke. Ainda é quarta-feira e não tem com quem deixar vocês. Você sabe que se eu te deixo faltar, Hannah também vai querer… – expliquei esperando que compreendesse.
Brooke me encarou cético, decepcionado e desanimado. Eu preferi acreditar que fosse apenas pela negativa ao seu pedido do que qualquer outra coisa, minha cabeça não saberia lidar com mais nenhum outro conflito, logo eu poderia entrar em síncope nervosa. Mas, assim que ele abaixou a cabeça, olhando para seus pés com as mãos cruzadas atrás do corpo, erguendo apenas os olhos para me encarar, meu interior me avisou o que viria a seguir.
Além dos protocolos de toda manhã que incluíam acordar as crianças, dar o café da manhã, designar o que Abigail poderia fazer por mim, também tinha o meu rotineiro caminho até Nova York, para o hospital. Infelizmente, em Nova Jersey o tratamento de não teria o mesmo respaldo que a capital, então tivemos que optar por onde o seguro cobria e traria o resultado esperado. O que nos levou à logística um pouco dolorida de todos os dias ter que dirigir para vê-lo.
Mas, em contrapartida, não poderia reclamar, já que meses antes de todo o atual cenário, não contávamos com as complicações que o levariam a ficar na unidade de terapia intensiva; nosso planejamento era baseado em seu cronograma de quimioterapias que seguiam uma agenda, então quando ele ia receber, ficava um tempo corrido internado, voltando para casa um tempo e depois repetindo o mesmo. E eu podia ficar com ele, como acompanhante, o que já se faz completamente o oposto com na UTI.
Cansativo, claro, mas eu não poderia reclamar, era o melhor que podíamos ter no momento e já se fazia de bom tamanho!
Tive alguns segundos para refletir como fazer com que Brooke não se sentisse mal por ter um pedido negado; nunca tive problemas com seu comportamento e isso inclui a frequência na escola, somando suas notas altas. Mas eu sabia que se estava me pedindo por aquilo, sabendo o quão fiel eu e seu pai éramos em prezar por sua frequência letiva, significava que tinha algo errado. Porém, difícil seria tirar dele a justificativa, mesmo que eu tentasse ou desse meu melhor para que ele pudesse enxergar em mim o tom amigo também.
– Escuta… – Me agachei com as mãos em seus ombros, buscando por seus olhos. – Estamos no meio da semana ainda, filho, falta pouco para o sábado e domingo chegarem e eu prometo que faremos alguma coisa bem legal com seus irmãos no final de semana! Brooke ergueu apenas o olhar para mim, totalmente decepcionado. O que figurativamente poderia ser dado como facas atravessando meu corpo todo.
– Tudo bem. – Sua resposta teve o mesmo tom do olhar.
Depositei um beijo na testa de Brooke e sorri com todo o meu lado legítimo para ele. Meu filho apenas suspirou e saiu do quarto, não se fazendo necessário que eu lhe dissesse o que deveria fazer, pois já sabia que dali a pouco tempo iríamos sair e ele iria para escola. Era a rotina, um pouco diferente nos últimos dias, mas ainda com a mesma base organizada para que tudo não se atrasasse e meus filhos, minha casa e meu marido tivessem a atenção e cuidados necessários.
Me desdobrar era o ponto chave e eu fazia isso sem me importar ou com alguma premissa.
Me vendo sozinha ali no quarto de Hannah, sai do devaneio ouvindo a gargalhada alta dela em mistura com a de Abby vindo do banheiro, o que me arrancou um sorriso frouxo, capaz de aliviar a tensão de meu corpo completamente responsável por me deixar no mais puro estado de confusão existente. Eu vivia pelo automático, tentando não deixar que uma única preocupação sobressaísse as outras, partindo para o princípio de equilíbrio, principalmente pela situação envolver três crianças que estão alheias à realidade crua e fria da única certeza da vida.
Respirei fundo pela incontável vez somente naquele curto espaço de tempo e comecei a arrumar o quarto, começando pela cama de Hannah. Quando deixei tudo o devido lugar e a roupa que ela usaria para a escola em cima da cama, fui para a cozinha preparar o café da manhã.
O silêncio durou pouco tempo, que foi o período até eu receber a presença de Abby e as crianças, incluindo Gus, o bebê em seu colo.
– Me desculpa, eu tentei não dar a chupeta, mas ele começou a chorar…
Suspirei ao ouvi-la atrás de mim, virando para sua direção e estendendo os braços diretamente para alcançar Gus. Não me frustrei pelo fato contado, mesmo que fosse de extrema importância manter a concordância sobre o uso de chupetas – não gostava da ideia de que isso prejudicava a saúde bucal a longo prazo e eu concordava, então sempre evitamos o uso do objeto, por maior efeito calmante que pudesse ter quando se tratava de cessar choros momentâneos. Entretanto, suspirei automaticamente por se tornar rotineiro a saudade pela ausência dele, em um momento como esse seria meu marido a fazer o café da manhã para as crianças enquanto eu estaria me preparando para trabalhar.
Apenas assenti e peguei meu filho no colo, deixando beijos em suas bochechas gordinhas e avermelhadas, como o costume de toda manhã. E enquanto isso, Abby servia as tigelas de sucrilhos para os outros dois mais velhos.
– Você quer que eu leve eles para a escola hoje de novo? – A ouvi dizer, me trazendo de volta para o ambiente, tirando a atenção que tinha se reduzido ao bebê em meu colo.
Me virei chacoalhando Gus para o deixar animado e sorri genuinamente. Ela sabia que era uma pergunta que dispensava respostas, uma vez que se eu fosse levá-los para a escola antes de seguir o meu rumo para Nova York gastaria um tempo a mais, atrasando minha chegada no hospital. O que resultava menos tempo com .
– Eu agradecerei se você puder! – respondi, mantendo o sorriso.
– Então não demorem, crianças. Tia Abby precisa ser pontual no trabalho hoje. Se eu atrasar, também perco algumas coisas…
A princípio eu ignorei o tom dela, um pouco diferente do sempre gentil e solícito. Parecia que Abby estava tentando me dizer algo na entrelinha do que disse aos meus filhos, duas crianças que a encaravam com o cenho franzido e sem noção exata do que aquele tom desconhecido significava. A encarei, um pouco mais cética, acompanhando seus movimentos e parando os meus.
Me recusei a acreditar que Abigail usaria de seu tom megera comigo naquele momento.
– O que foi? – Sua pergunta carregava a expressão sinuosa. Ri nasalado, era sua atitude típica de quando dizia as coisas sem filtro e não notava, mesmo que fosse de forma intencional..
– Se for te atrapalhar, não precisa se preocupar, eu os levo. – Meu suspiro acompanhou a fala. – Afinal são meus filhos. – E completei com um tom mais baixo, indo para a pia pegar a mamadeira de Gus.
– Ah, qual foi, ? – Sua pergunta soava mais como uma exclamação incômoda.
– Você está claramente cansada e eu estou atrapalhando sua rotina.
Coloquei Gus em sua cadeirinha, quando fiz o caminho de volta para o outro lado da ilha que nos separava ali na cozinha. Coloquei as mãos na cintura e a encarei, talvez fosse mesmo o mais racional que eu tomasse todas as rédeas da situação a qual estava vivendo, ninguém deveria ser responsabilizado pelas tarefas em minha rotina. Afinal, meus filhos, meu casamento.
Meus problemas.
, não! – Abby passou as mãos no rosto, esfregando forte. – Eu não quis dizer que é um peso te ajudar e você não atrapalha. São meus sobrinhos!
– Mas são meus filhos, minha obrigação e responsabilidade – argumentei.
Ela abaixou os ombros, soltando um longo suspiro. Se levantou e veio até mais perto, passando a mão na cabeça de Gus.
– Rox, são meus sobrinhos. Minha família também. Me desculpa o tom, eu não quis soar assim e você sabe que eu não faço essas coisas, não tenho te ajudado, como tom de obrigação.
– Mas foi o que pareceu…
Trocamos um olhar intenso, minha irmã podia ler através de mim e ela me conhecia tão bem para saber que se formou um bolo em minha garganta. Eu nunca gostei da ideia de incomodar as pessoas para que elas fizessem coisas por mim e para minha família, não por orgulho, mas porque sei que todos possuem vida pessoal e que às vezes não sobra tempo nem para tomar conta de tal, quiçá de dar suporte ao outro – e sei bem que muitas pessoas que me estenderam a mão durante esse período o fizeram por intenções puras, mas chega uma hora que é preciso recorrer a outros meios.
E eu também estava cansada, exausta e negativa demais para aceitar qualquer coisa sem o tom sensível me fazendo ter uma vontade absurda de querer chorar e achar que tornei minha vida um peso para os outros. O que eu estava de fato fazendo pelos meus filhos os abandonando durante horas num dia para estar com o pai deles, que estava em uma cama de hospital, desenganado?
Precisava ser mais, mas como? De onde eu tiraria forças?
– Só que não é o que parece. – Abby sorriu minimamente, me abraçando. – Entretanto, eu ainda acho que preciso te falar uma coisa… – disse baixo, olhando para as crianças, alheias ao nosso assunto enquanto prestavam atenção em um desenho qualquer na pequena televisão da cozinha, terminando sua alimentação matinal.
– Meus amores – chamei, tendo atenção deles. – Já terminaram? – Eles assentiram. – Então peguem suas coisas e esperem a tia Abby na sala, por favor.
Eles acataram ao meu pedido e saíram em sincronia, apostando uma corrida com algum argumento qualquer que minha mente divagou longe sem chegar a ouvir, por estar concentrada demais na ansiedade pra saber o que minha irmã tinha para me falar.
Uma vez sozinhas, apenas na companhia de Gus, que balbuciava suas sílabas confusas para a mamadeira vazia, encarei Abby esperando por sua boca proferir o que ela disse que precisava me dizer.
– Então?
– Rox, eu… Eu não sei se existe um jeito de dizer isso, me desculpe, mas… – Ela hesitou, dando uma pausa sob meus olhos bem incisivos em sua direção. Relaxou os ombros, derrotada, e continuou: – Você não acha que está sofrendo demais? Que está sofrendo demais?
Não entendi o que ela quis dizer imediatamente, e não foi porque meu cérebro não trabalhou a absorção de suas palavras, mas porque eu realmente me neguei a acreditar que ela estava arrumando um jeito de me indicar um caminho de fuga como aquele. Não existia um mundo em que eu fosse desistir do meu marido, do pai dos meus filhos, se era isso que Abigail queria levar como ponto.
Senti meu corpo estremecer e meus olhos marejaram, como se um botão em mim tivesse sido tocado e aberto as comportas de uma represa de choro. Pensar no sofrimento de era o que eu fazia todos os dias a fio. Eu me colocava em seu lugar, tentando assimilar a dor que ele sentia, a fraqueza que lhe acometera e os diversos momentos em que tentou ser forte o suficiente para além de si. Claro que eu pensava sobre isso, muitas vezes quis que aquilo se transferisse para mim, porque pensar em alguém que amamos sofrendo do jeito que estava sendo, me fazia automaticamente querer varrer isso para qualquer outro lugar, incluindo a mim.
Suportaria qualquer coisa para que ele não sofresse.
– O que você quer dizer com isso? – perguntei, limpando a garganta.
– Rox, são oito dias que não corresponde, não tem atividade cerebral e… São oito dias sem vida naquele leito. Me perdoa, por favor, mas eu não consigo olhar para você e as crianças e achar que está tudo bem nesse cenário! É muito sofrimento, até mesmo para ele.
Suas palavras me cortaram como facas afiadas, me tirando uma estrutura que eu tanto queria proteger. Apenas pressionei os olhos e mordisquei minha bochecha por dentro, me prendendo ao mantra de que minha irmã não diria aquilo para me destruir ou por apatia. Mas era difícil, quando ela estava falando do pai dos meus filhos, meu companheiro, meu marido.
Era sobre o meu amor.
– Eu não quero que você sofra mais, que as crianças sofram….
– Abby, não tem como. – A cortei, sendo realista. – Não tem como você fazer uma ferida no corpo e achar que não vai doer.
– Mas não significa que-
– Não significa nada, porque não tem como controlar. Acredite, se eu pudesse fazer com que tudo isso acabasse, já teria feito! Acha que eu gosto de ver a decepção estampada no olhar dos meus filhos quando eu digo que o pai deles não irá vir para casa mais um dia? – Ela não disse, era uma pergunta retórica, claro. – Eu sei que é sôfrego duas crianças vivendo nessa realidade absurda… – suspirei. – Você não imagina o que se passa na minha cabeça todos os dias quando eu penso na possibilidade disso tudo tomar um rumo mais… – pressionei os lábios, me recusando a completar. – Eu sei de muitas coisas, Abby. E uma delas é de que eu não vou desistir de trazer vida para aquele corpo.
Finalizei um pouco ofegante, sufocada pelas minhas próprias palavras. Minha vista ficou turva e eu só consegui saber que Abigail me puxou para um abraço, porque ela me apertou fortemente contra seu corpo, me dando seu ombro para desabar.


Respirei fundo entrando no quarto, estava um pouco escuro pela cortina fechada, por eu ter pedido à enfermeira que só abrisse quando o sol virasse para outro lado, já que a janela ficava ao lado esquerdo da cama de . Ele gostava da vitamina D pela manhã, mas odiava que os raios solares fossem responsáveis por acordá-lo. Meu marido era um amante de acontecimentos naturais e seu relógio biológico já era perfeitamente configurado para acordar sozinho na hora certa.
Coloquei o pequeno vaso com um girassol na mesinha ao lado de sua cama, tirando o outro que já estava começando a secar, o levaria para casa, cuidaria dele e depois o traria de volta. Essa sendo a rotina com a flor que eu estava mantendo nos últimos dias
– Bom dia, meu amor – falei parando ao lado de , analisando seu corpo coberto por uma manta térmica. Presumi que mais uma vez ele estava com a temperatura abaixo do recomendado. – Desculpa o atraso, mas é que eu acabei perdendo a entrada certa e tive que dar aquela volta… – justifiquei, buscando sua mão por baixo da manta.
Analisei o redor dele, a máquina que levava oxigênio para seu corpo pelo tubo colocado por sua garganta, a de hemodiálise parada, me lembrando que mais uma vez ele teria aquele tratamento devido à “falência” iminente de seus rins. Tudo, todos os detalhes. Incluindo o carrinho em que suas medicações ficavam colocadas; dei a volta na cama para ler o que ele ainda estava recebendo por aqueles tubos ligados em seu corpo, me decepcionando por ainda encontrar a presença do medicamento responsável por manter seu coração batendo.
Até isso ainda existia ali.
Evitei voltar ao pensamento no que Abby havia jogado sobre mim ainda naquela manhã, eu não poderia cair na pilha e começar a olhar para daquela forma, sendo somente um corpo sem vida e adoecido em cima de um leito de terapia intensiva como ela havia acentuado. Para mim ele continuava sendo o mesmo homem pelo qual me apaixonei há anos atrás e que dava para minha vida um símbolo certeiro de companheirismo.
Respirei fundo varrendo esse devaneio e voltei para a lateral da cama, olhando-o e tentando não sucumbir à decepção por seus olhos fechados que tinham apenas um risco aberto, por suas pálpebras não se fecharem por completo devido ao estado biológico que deixava seus globos oculares inchados. O bolo em minha garganta era tão grande, se não maior, que aquilo e o restante do seu corpo completamente inchado. A tortura por vê-lo tão exposto para aquela doença e sendo sugado pelas consequências dela chega ao nível inenarrável, eu poderia dizer que a sensação era de como se meu coração estivesse sendo desfiado com um garfo em uma mesa cirurgica comigo acordada.
O que me dava confiança, porém, era o amor.
Muitos trazem inúmeras teorias sobre o que é o amor, o que ele representa e o tamanho de sua força. O que o torna real e o que faz ele ser apenas parte de uma utopia inexistente e inalcançável. E eu tenho a minha, criada a partir de uma vivência de mais de quinze anos com , da qual eu não abriria mão.
Quando o olho, principalmente no momento em que ele estava em um leito hospitalar, eu sinto que meu coração é responsável por acender todas as extremidades do meu corpo. Eu sinto a vida, a vontade, o calor, o frio, o universo de constelações em meu estômago, um grupo de borboletas incansáveis, assim como também sinto a imperfeição. Porque o amor é construção, o meu amor é. O que eu vivi com se fazia assim, construído diariamente e fielmente na base de nossos votos: na alegria, na tristeza, na saúde, na doença, riqueza ou pobreza.
O amor se faz daquilo que somos, humanamente possível e palpável, assim como imperfeito. Porque ele também dói, ele também fere e é capaz de causar decepções, porque sua grandiosidade gera expectativas e quanto mais esperamos, mais queremos aquilo conforme desejamos, não esperando pela realidade do que pode ser.
Também é contraditório, porque o amor consegue ser a maior perfeição que um ser vivo pode viver, ainda que seja algo que não possua teorias e possa ser um objeto de estudo que gere dúvidas e dificuldade de compreensão. O amor é o que é e ninguém pode contra ele, de forma positiva ou negativa. – … – senti meus olhos pesados pela lágrimas que começaram a sair e minha voz saiu por um fio. – Eu não… – solucei, alcançado mais seu ouvido, pelo medo dele não estar ouvindo minha voz tão baixa. – Eu sei que você está sofrendo. Me perdoa se estou sendo egoísta de querer sua melhora e de ansiar por seus olhos se abrindo pra mim.
O seu silêncio estava sendo ensurdecedor. Mais uma vez, como nos últimos oito dias.
… Por favor… – pedi, suplicando, na verdade. – Por favor, abre os olhos para mim. Eu não vou a lugar nenhum. Eu não quero ir a lugar nenhum.
Não consegui segurar por muito tempo, sentindo o bolo na garganta que era crescente, aumentar mais, me fazendo debruçar para chorar ali em cima de seu corpo que, como Abby havia me dito, estava sem vida.

Mais uma manhã que eu fazia meu cadastro para subir como visita no quarto de . Mais um dia com cinco horas ao lado dele antes de ouvir do médico a mesma coisa: é só um milagre, .
Estávamos no décimo primeiro dia, em uma segunda-feira chuvosa e muito entediante para quem estivesse vivendo um dia comum, o que não era meu caso. O tédio não se fazia presente há muito tempo e eu sentia falta, já que eu passei a encarar uma realidade de expectativas e anseios. Uma vida pacata e sem acontecimentos consideráveis fazia falta; gostaria de poder voltar para os dias em que eu deitava na cama ao fim da noite, com as crianças devidamente em suas camas, sem ter exatamente o que falar para e somente viver de seu amor e aleatoriedades.
Essa saudade, a falta de um horizonte mais límpido em meu ponto de vista, chegava até mesmo a abalar minha fé.
Pouco antes de sair de casa, tive um encontro repentino em meu jardim com o padre da igreja que sempre frequentei com , a qual nos casamos e fora ele quem realizou a cerimônia. Padre Dickens me questionou muitas coisas, incluindo a razão pela qual eu não apareci mais nas missas e encontros. Já que na visão comum religiosa, devemos nos apegar ao divino para o conforto de nossos corações e acreditar que tudo será conforme a vontade Dele. Existia alguma explicação do porquê, em um momento que eu tanto precisava me manter firme, acabei me afastando da fé que poderia me ajudar a continuar, mas eu não saberia dizer e não tentaria justificar. Até porque eu estava sendo testada e o nível de prova a qual enfrentava, não me dava nenhum lapso de sobriedade para ser coerente em minhas próprias justificativas. Então o olhar do padre para quando eu abaixei os ombros e pedi perdão, dizendo que tentaria o meu melhor para voltar no caminho certo, me guiou para a autorreflexão.
Enquanto fazia meu caminho da recepção aos elevadores, fui acompanhada pela coincidência de uma senhora com um terço entre os dedos da mão direita, levada próximo ao seus lábios. Ela murmurava uma oração baixa, finalmente dizendo todas as palavras que lhe fora ensinado e não gaguejava, ou sequer parecia hesitar na própria fé. Ela estava sendo movida pelo o que acreditava e eu tomei a liberdade em me comparar com aquilo durante o tempo juntas dentro do mesmo elevador.
Refleti o olhar de Dickens sobre mim, olhando sutilmente para como aquela senhora estava agarrada em algo, em uma coisa que lhe acalmava e a fazia estar ali, em pé e pronta para cruzar a porta da ala de terapia intensiva. Era o conforto que ela tinha encontrado.
E eu, qual seria o meu? Desde que havia sido diagnosticado com leucemia há quase um ano, nossa vida deu um giro completo de 360 graus e nossos dias passaram a ser todos de muita vontade e fé. Antes de seu diagnóstico, éramos um casal com três filhos, profissão, uma casa e rotina bem estruturada, dentro dos nossos princípios seguindo um caminho religioso que nos tocou o coração e o espírito. A partir do resultado de um exame de medula, tudo pareceu entrar numa descida, sendo ladeira abaixo.
O que me mostrou como a fé é subjetiva.
Digamos que para a senhora com o terço entre o dedos isso seja a base para que ela esteja fiel ao pensamento positivo e consiga continuar a caminhada incerta das cinco horas de visitas, que terminam com o retorno médico e depois seguem horas de um dia para outro na escuridão da ansiedade para o próximo dia. E digamos que para mim, no caso, isso esteja presente na minha força, mas que não seja excepcionalmente o que me move unicamente.
O que me tira todos os dias da cama e me faz dirigir por mais de duas horas até uma cidade vizinha, deixando meus filhos para trás sob os cuidados de minha irmã, é justamente a fé em que tudo dará certo. Posso ser chamada de egoísta por acreditar que o sofrimento de será passageiro e que ele irá abrir os olhos para me ver novamente, para ver e brilhar de admiração quando olhar para Hannah e Bradley contado sobre mais um dia de aula e os novos aprendizados, assim como Gus e suas mudanças diárias. Eu não me importo.
Eu não me importo de que o caminho que eu faça todos os dias para seu quarto seja observado com olhares de diversas opiniões, porque eu não faço essa caminha para que seja visto pelos outros com algum simbolismo. Eu faço isso pela minha família, por , ele merece meu apoio para querer ser vida, para não perder nada sobre seus filhos e nenhuma das coisas especiais que nossa família teve e ainda terá.
merece que meu amor não o decepcione.
E eu não desistiria até que os aparelhos não fossem mais o suficiente e nada no mundo suprisse essa fé.
Me senti menos pesada, talvez pela primeira vez em dias, quando entrei no quarto dele. Desta vez não trouxe um novo girassol, não precisava; então coloquei minha bolsa direto na cadeira ao canto do quarto e segui para a minha análise. Os mesmos medicamentos, a mesma quantidade de oxigênio sendo levada para seu corpo, o mesmo inchaço, porém a manta térmica já ia para o segundo dia sem ser necessária. Motivo de vitória, de sorrisos e alívios
Todas as pequenas coisas contam.
Fiquei ao seu lado, olhando-o, em silêncio. Podia sentir meu coração trepidar e eu diria que era sim sobre ansiedade e também por todo aquele sentimento que estava sempre envolto do mais puro orgulho de dizer que eu era amada e amava um homem corajoso, que estava ali brigando para continuar, porque eu sabia que não desistiria. Mesmo que não fosse somente de sua vontade.
– Eu aceito ser chamada de egoísta se for preciso… – iniciei, sem dizer a ele que havia chego, como sempre fazia. Meus olhos corriam por seu corpo coberto pelo lençol e eu fiz uma pausa mesmo sabendo que não viria resposta alguma. – Mas eu continuo me recusando a acreditar que é isso que você quer, que desistir é o seu objetivo. Então eu vou estar aqui, lutando para esses olhos abrirem, esperando por eles brilhantes em minha direção. Porque eu quero ouvir sua voz me perguntando sobre como as crianças estão e confuso… Confuso porque pra você isso tudo vai ter sido apenas um cochilo.
Parei o olhar em seu rosto, tentando avaliar como uma forma serena dele estar, mesmo com aquele tubo, sondas e os demais equipamentos que eram ligados em si. Se tratava da perspectiva e do que eu criaria para minha realidade com isso, com a minha fé. E a minha fé estava no amor, confortada pelo ar celestial.
– Você nunca quebrou uma promessa, .
A princípio eu tentei deixar passar, achando que fosse um espasmo ou algo do tipo. Mas meu cérebro gritou, principalmente com o pulo que meu coração deu no lugar. Quando eu terminei minha fala, o peito dele subiu fortemente e desceu, como se estivesse dando uma lufada de ar pesado. Como se estivesse tentando respirar por si.
Levei a mão à boca, incrédula e ofegante, e ele fez de novo. Eu não poderia estar ficando louca e criando situações para aquecer minha própria vontade, então sai em disparada para a enfermaria.

O olhar direcionado a mim quando entrei do hall de espera para o corredor que dava aos quartos, foi intenso, parecia que só existia minha presença passando por ali. E quando meu olhar bateu na porta, notando o quarto de fechado, meu coração pareceu ser esmagado pelas milhares de ideias que vieram meu pensamento.
– Senhora , eles estão apenas terminando de verificar o paciente e logo liberam para a senhora entrar, ok? – virei o rosto para a enfermeira que apareceu ao meu lado, afirmando positivamente. – Pedimos desculpas, os médicos irão autorizar que a senhora fique por mais tempo por conta desse atraso.
– Está… – tentei iniciar, sendo travada pelo bolo em minha garganta. – Está tudo bem? – conclui quando limpei ele.
– Está sim, o médico irá falar com a senhora.
Segurei em meu interior que gritava coisas boas e palavras de encorajamento. Me perdi no tempo esperando naquele corredor, olhando coisas aleatórias no celular ao mesmo tempo que não me concentrava.
Eu estava com medo daquele tipo de mal súbito em que o paciente melhora apenas para vir se despedir de quem fica. E estava tendo uma certa melhora, já havia passado três dias desde que seu coração batia sem a necessidade de um remédio o auxiliando. No dia anterior o médico me disse que poderia ser que ainda fosse necessário uma traqueostomia porque ele já estava há muito tempo entubado, além de que a notícia boa ficou por conta de não estar mais inchado e seus rins voltando a funcionar.
Ele estava finalmente correspondendo ao tratamento. E isso coincidentemente após eu ter soltado o controle de me preocupar com o alheio e seguir pela minha própria perspectiva. Diria que são apenas respostas àquilo que sabemos sobre o subjetivo.
A vida é subjetiva.
– Senhora ?
Ergui a cabeça quando ouvi ser chamada e olhei para a frente, encontrando o sorriso reto do primeiro médico a sair do quarto.
Doutor Watson tinha em sua mão uma prancheta e fechava a porta atrás de si. Ele era sempre muito educado e sutil quando ia me dar as informações sobre o estado neurológico de , sendo ele o médico responsável por esse quadro. De certa forma, sua aura me fez sentir uma coisa inexplicável, como se tivesse algo bom a vir. Algo acolhedor.
– Pode me seguir por gentileza?
Apenas assenti e fui. Entramos em sua sala e eu me sentei na cadeira que ele apontou, esperando que desse a volta na mesa e se sentasse do outro lado.
– Senhora , primeiro de tudo eu gostaria de dizer que – suspirou, não conseguindo conter o sorriso. – Em todos os meus anos de medicina, chefiando todo um setor de neurologia, eu nunca achei que me surpreenderia como me surpreendi com você… Com sua… garra?
– Doutor… Ele não me deixou completar, apenas soltou de uma vez só: – não precisará da traqueostomia, .
Levei minha mão direto à boca, tentando evitar o grito que queria sair. Meu cérebro trabalhou tão rápido que aquela informação já trazia todo o restante, mas eu não conseguiria de fato formular o que dizer. – A melhora dele tem se tornado gradual e nós não temos receios, o milagre que você tanto formulou pelas nossas palavras finalmente está acontecendo. A infecção começou a baixar, ele não tem mais sangrado e a medula está começando a trabalhar novamente…
Minhas lágrimas saíram, meu corpo estava mole e eu queria sair logo dali. E ele pareceu entender, me levando de volta para o corredor. Eu estava tão flutuante que mal me toquei do caminho feito pelos meus próprios pés. Quando paramos na frente da porta fechada, meu coração parou, meu corpo pareceu derreter e a mão foi para a maçaneta.
– Fique à vontade. Sem saber o que eu encontraria, puxei a porta para o lado, já que era de correr, e a abri de uma vez só. Meu corpo trepidou pela quantidade de gente em volta de , mas eu continuei caminhando para dentro do quarto, tendo todo um filme em minha cabeça, principalmente de meses atrás, na primeira vez que ele foi para casa depois de meses internado, logo no início do tratamento. Eu já conseguia sentir a alegria das crianças em uma cena como essa novamente, mesmo que fosse demorar, meu interior dizia que aquilo aconteceria.
Quando dei os últimos passos restantes em direção a cama, as duas enfermeiras que estavam na minha frente saíram e eu tive a visão completa de seu corpo. Faltavam fios, mesmo que o tubo estivesse ali ainda, mas ele não tinha mais a sonda de alimentação e nem a que era responsável por alguma limpeza que eu não entendia muito bem. Entretanto, o que estava me chamando atenção era sua cor, o tom corado em seu rosto que me fez prestar bem atenção em seus olhos completamente fechados, sem aquele risco meio aberto por conta do inchaço.
Ele parecia menos… Menos distante!
? – disse, virando o rosto para o médico atrás de mim e ele maneou a cabeça positivamente.
Ao retornar meu olhar novamente para meu marido, tive que segurar na grade da cama para não cair, já que seus olhos estavam abertos. Seus olhos estavam abertos e, mesmo que suas íris estivessem centradas na direção do teto pela posição de sua cabeça, eu consegui ver um brilho. – Ele está voltando, senhora , é questão de tempo. Meus olhos transbordaram e eu tive que me livrar de minha bolsa, apressadamente, voltando para a lateral oposta da cama, não me esquecendo de passar o alcool para higiene antes de colocar a palma no topo de sua cabeça. – Seja bem-vindo de volta meu amor, nós estamos aqui! – disse com a voz embargada, usando a mão livre para segurar meu colar que tinha em seu pingente a imagem estampada de nossos três filhos. – Eu e as crianças. Nós não fomos a lugar nenhum.
Me curvei para beijar sua testa, sob o olhar dos profissionais ali. Ao me afastar e erguer um pouco o rosto, vi na porta, parada e com um sorriso simples nos lábios, a senhora que sempre usava o terço entre os dedos. Ela e sua fé, eu e a minha, e isso seria o suficiente.


FIM



Nota da autora: Eu queria começar essa nota dizendo que só o universo sabe quantas vezes eu escrevi essa história. Hoje é dia 17/06/2021, uma da manhã, e eu estou finalmente enviando, sem olhar para trás porque sei que vou apagar tudo de novo e começar do 0 mais uma vez. Mas eu não tenho mais tempo para tanta autocrítica e vai o que meu coração colocou aqui mesmo.

Sim, essa história tem um fundo real. O amor.
A fé é subjetiva, totalmente pessoal, o que te move é aquilo que tu acredita e está tudo certo!
Meu pai viveu esse amor e foi por fruto dele, de algo que muitos chamam de egoísmo, que ele, hoje, anda, fala e voltou a ser vida! Então eu dedico a ele e sua esposa essa história baseada em um amor real.

Muito obrigada a você que leu! Aqui embaixo seguem os links de onde podem me encontrar, seguir, ler mais, etc.



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