Finalizada em: 24/06/2023

#1 Porto Alegre - Fresno

Empacotar coisas para uma mudança era sempre uma experiência esquisita. Você sempre acaba revirando um monte de sentimentos que pareciam enterrados ou inexistentes. E, comigo, não estava sendo diferente.
Enquanto mexia nas roupas e calçados, tudo estava indo bem. O problema começou quando precisei mexer em caixa com fotos, cartas, bilhetes. Fui soterrada por uma avalanche de lembranças. Desde meus primeiros dentes a cair até o meu melhor amigo de infância.
Se é que ainda podia me referir a ele desta forma.
Na última vez que nos vimos, devíamos ter uns 12 anos, ainda não tínhamos perdido todos os dentes, mas tínhamos jurado que, quando crescessemos, iríamos procurar um ao outro, pois distância alguma seria capaz de nos separar. Depois disso, além de não termos trocado mais nenhuma palavra, também não nos vimos mais.
A memória me fez dar uma risadinha. Como éramos inocentes.
Ainda remexendo naquela caixa em específico, encontrei alguns bilhetes na língua que havíamos inventado para nos comunicarmos durante as aulas sem que os professores compreendessem caso capturassem algum dos pedaços de papel. E eu conseguia ler cada uma daquelas palavras, como se fosse criança.
“Vamos na sorveteria depois da aula?” Pelo desenho de cada símbolo, sabia que aquele bilhete tinha vindo de . Devo ter aceitado, pois fazíamos isso todas as semanas, mesmo quando estávamos sob aviso de sermos castigados por nossas mães.
Embora mais uma caixa de madeira lotada até a borda de coisas fosse ser mais um peso e mais um objeto para ocupar espaço em minha nova e minúscula casa, dentro de mim, algo me impedia de deixar aquele pequeno fragmento da minha vida para trás. Seria como se estivesse retirando anos da minha linha do tempo para jogá-los no lixo e eu era incapaz de fazê-lo.
Fechando a caixa, coloquei-a ao lado do resto da bagagem.
Depois de mais algumas malas fechadas, carreguei o porta-malas do carro e fechei a porta do local que havia sido meu lar nos últimos seis anos pela última vez. Era hora de novamente dizer adeus ao passado mais presente.


#2 About You - The 1975

Dirigir pelo centro da minha cidade natal não era uma experiência nova para mim, mas se parecia com algo que nunca tinha feito, pois tudo estava diferente. O comércio, as pessoas, os locais. Nas minhas lembranças mais remotas, aquele era um lugar aconchegante, com jeitinho de interior, onde todos se conheciam e eram amigáveis. Mas acho que isso era só mais um dos meus delírios de infância, que refletia apenas a minha vizinhança e as pessoas ao redor da minha casa.
Minha mais nova caixa de fósforo, que eu chamava de apartamento, ficava a alguns minutos do caos do centro. Sendo assim, por mais que não estivesse no olho do furacão, estava no pé dele e ainda conseguia ouvir as festas, as buzinas e toda a perturbação urbana da qual não sabia que sentia falta.
Naquela primeira noite, tirei do carro apenas o essencial, como roupas, alguns calçados para ficar em casa e itens de higiene básica. De resto, deixei no porta-malas e torci para que ninguém decidisse roubá-lo.
Na manhã seguinte, ao acordar, demorei quase 40 minutos para conseguir me levantar. Entre mensagens respondidas e a descoberta de que estava sem cigarros, se foram mais dez minutos.
Depois de vestida, dentes escovados e rosto lavado, amarrei os cabelos e saí na rua para buscar o restante da minha mudança.
Era engraçado como, mesmo após anos, minha vida ainda parecia caber inteira em poucas caixas e malas, quase como se estivesse destinada a ser nômade para o resto da vida. Por isso, no auge dos meus 33 anos, tudo que me pertencia, cabia dentro de um carro e eu conseguia carregar sozinha. Nada de filhos, animais de estimação ou um namorado. Sem mobília ou casa própria. Apenas roupas, alguns poucos livros, meia mala de sapatos e muitas memórias.
Decidindo não arrumar nada antes de um cigarro e uma refeição, deixei a casa como estava e saí para dar uma caminhada até a loja de conveniência mais próxima. Não era a melhor opção para um café da manhã decente, mas teria cigarros e, em algumas, era possível se sentar do lado de fora para comer.
Andar pelas ruas era mais interessante do que dirigir, me dava tempo para olhar cada pequeno detalhe ao meu redor, sentir um pouco de ar fresco na cara e sorrir para cada animal que passe por mim, acompanhado de seu dono ou não.
Na terceira quadra após a saída do meu prédio, encontrei uma conveniência com mesas em um deck externo. Entrando, pedi dois maços de cigarro e um copo grande de café puro. Assim que paguei, peguei todos os itens e sentei do lado de fora.
Procurando em meus bolsos, bufei de ódio por ter esquecido meu isqueiro em casa. Antes que pudesse me levantar para pedir uma faísca que fosse para acender meu tabaco, um homem fumando passou na minha frente.
— Com licença? — chamei.
O homem, como se tivesse levado um susto, parou de repente e me encarou.
— Você pode me emprestar seu isqueiro?
— Ah, eu… não tenho também. Um amigo acendeu pra mim. — Riu. — Mas, se quiser, posso acender no meu. — Ri.
— Ok, pode ser. — Aproximando-me dele, deixei que pegasse meu cigarro para unir ponta a ponta com o seu e acendê-lo.
De perto, ele era semelhante a alguém que já vi. Muito parecido. Só não estava ligando o nome a pessoa.
Era alto, cabelos escuros, barba cheia e, apesar da feição madura, tinha um rosto de traços suaves bem marcante. Interessante, hã?
Assim que me devolveu o tabaco, o pus na boca para uma tragada, garantindo que estava mesmo acesso.
— Obrigada. — Levantei a mão como em um brinde, recebendo um sorriso em retorno.
Quando o homem retomou seu caminho, não consegui evitar, continuar o observando até sumir do meu campo de visão. Algo nele me soava extremamente familiar, mesmo que, aparentemente, nunca tivéssemos nos visto na vida.
Voltei a me sentar para tomar meu café antes que esfriasse.
Naquele momento, tive um breve vislumbre da roupa que usava e, a primeira coisa que me veio à cabeça foi, como tive coragem de sair vestida daquela maneira. Um moletom cinza que tinha desde a adolescência, já com os punhos puídos, um macacão jeans com alguns pingos de tinta, cujos rasgos originais nos joelhos estavam três vezes maiores, e uma bota de camurça que um dia foi bege. Espero nunca mais ver esse homem na minha vida!
Em silêncio, bebi meu café até o último gole, intercalando com longas tragadas no cigarro, já que era o único que conseguiria fumar até voltar para casa.

- x x x -


Algumas horas mais tarde, naquele mesmo dia, enquanto desfazia minhas bagagens, recebi mensagem de uma velha amiga, Zaya. Fazia alguns anos que ela havia voltado a morar em nossa cidade natal e, anualmente, em seu aniversário, passou a convidar todos os nossos ex-colegas de escola, do ensino fundamental ao médio.
Eu ainda não tinha ido em nenhuma das festas desde que ela se mudou ou assumiu essa “nova forma” de festejar, por isso, achei que era uma ótima oportunidade para me reconectar com antigas amizades e, quem sabe, me familiarizar mais rápido com meu velho novo lar.
Assim que terminei de tirar minha mudança do meio da sala, consegui escolher uma roupa para sair. Não era nada extravagante ou o que eu realmente gostaria de usar, uma vez que não estava uma temperatura muito adequada do lado de fora. Portanto, escolhi uma calça jeans — a mais apresentável do meu guarda-roupa! —, uma blusa de mangas compridas em uma cor neutra, uma jaqueta e botas.
Ao mesmo tempo que não queria lavar os cabelos devido ao frio, também achava que era uma boa ideia, afinal, a oleosidade já estava começando a aparecer e não era assim que gostaria de ser vista nas fotos de Zaya. Logo, o banho incluiu, meio que a contragosto, a lavagem dos fios.
Quando terminei de me vestir, sequei os cabelos e passei apenas o básico de uma maquiagem para não parecer muito desleixada.
Com a bolsa sobre o ombro, entrei no carro e parti para o destino que conhecia tão bem.
Na minha cabeça, o caminho para a casa de Zaya era como o da minha própria casa. Nossas mães eram amigas de longa data e, consequentemente, fomos criadas juntas. Diferente de , Zaya era como uma irmã, afinal, fazíamos quase tudo juntas desde que nascemos, portanto, nunca perdemos contato, apenas reduzimos quando minha amiga conseguiu uma bolsa de estudos em um internato chique na Suécia. Desta forma, só voltamos a nos falar por outros meios que não fossem cartas ou e-mails quando fomos para a faculdade.
Depois de atravessar a cidade com o pior trânsito que uma quinta-feira à noite poderia me oferecer, ainda tive que rodar algumas vezes pelos quarteirões ao redor da casa de Zaya em busca de uma vaga para estacionar. Aparentemente, sua festa estava mais movimentada do que o esperado.
Ao conseguir encontrar um espaço, não pensei duas vezes antes de estacionar do jeito que dava e sair do veículo.
Com a bolsa sobre o ombro, caminhei até a porta onde havia um sem número de pessoas com a combinação copo + cigarro nas mãos, alguns distribuídos pelo gramado em frente a casa e, outros, próximos à entrada.
Adentrando, olhei em todas as direções em busca da figura de Zaya. Considerando sua estatura física, sabia que seria difícil encontrá-la olhando da entrada por cima da cabeça de pessoas bem mais altas que ela, por isso, comecei a caminhar cômodos a dentro. Aliás, além de procurar minha amiga, também procurava onde estavam as bebidas.
Ainda sem encontrar a aniversariante, achei as garrafas de cerveja sobre a mesa. Ao abrir uma, aproveitei para procurar pelo meu maço de cigarros dentro da bolsa. E foi enquanto acendia o tabaco que Zaya se aproximou sorridente de mim.
— Achei que você não viria mais. — Abraçou-me.
— Tá cedo ainda, não? — Assoprei a fumaça.
— Já encontrou com alguém? — questionou de um jeito sugestivo.
— Hã, não? Tem alguém que eu deveria encontrar?
— Sei lá, todo mundo! Até seus ex-namorados do primeiro ano estão aqui. — Ri.
— Credo! Tem coisas que a gente pode deixar no passado, né? — Aos 16 anos, namorei um cara da equipe de lacrosse. Em quatro meses, descobri todas as traições e, então, sem terminar com ele, comecei a sair com seu melhor amigo, o que durou mais uns dois meses.
— Mas eu ainda tenho outra surpresa pra você.
— Surpresa pra mim? Espera, mas esse não é o seu aniversário? — Franzi as sobrancelhas, levando o cigarro mais uma vez à boca.
— Vem cá. — Pegou-me pela mão, guiando-me para fora da cozinha.
Naquele instante, com o cigarro pendendo dos lábios, consegui lamentar pela garrafa de cerveja que havia aberto e não tinha dado nenhuma golada.
Parando na entrada da sala de estar, Zaya pôs-se à minha frente e fez um gesto com a cabeça para que eu olhasse algo.
— O quê? — cochichei.
— Olha lá — balbuciou sem abrir muito os lábios.
Quase como se tentasse escanear o cômodo com os olhos, procurei pelo objeto que deveria se sobressair no meu campo de visão. Nada. Absolutamente nada.
— O quê?
— Meu Deus, como você não está vendo? — De repente, algo chamou minha atenção.
O homem de mais cedo.
— Quem eu deveria ver? — perguntei sem tirar os olhos do estranho caridoso acendedor de cigarros.
! Seu melhor amigo, ! — Ao mesmo tempo que fazia força para não falar alto demais, sua voz era um sussurro esganiçado e eu quase ri.
— O quê?! Onde? — Olhei em todas as direções, nervosa.
— Bem ali. — Segui a trajetória que seu indicador traçou e um calafrio percorreu meu corpo inteiro, da cabeça aos pés.
Em questão de segundos, foi como se minha pressão arterial tivesse zerado, como se eu precisasse de aparelhos para voltar a respirar normalmente.
Zaya apontava para ninguém menos que… o homem de mais cedo.
— Não, espera! Você tá brincando, né?
— Eu? Claro que não, tá doida? — Riu. — É o , o cara por quem você me trocava sempre. O que te deu?
— É que… meu Deus, como isso aconteceu? — falei mais comigo do que com ela.
— Isso o quê? Tá tudo bem? — Inclinou a cabeça, em busca do meu olhar.
— Não é nada, só pensei em alto.
— E, então, Zaya… — Ouvi a voz grave ao nosso lado e foi quase impossível não sobressaltar. — Espera… você? — Apontou para mim, como se me reconhecesse. Só não sabia se era de hoje de manhã ou… da nossa infância.
— Oi. — Dei um meio sorriso.
— Você lembra dela, né, ? — Zaya interviu.
O homem me encarou por alguns longos e constrangedores segundos até que suas sobrancelhas se arquearam, fazendo com que uma feição de completa surpresa tomasse conta de seu rosto.
? — Confirmei com um movimento de cabeça, ainda incrédula em toda aquela situação.
Antes que pudesse me manifestar verbalmente, fui envolvida em seus braços. De perto, parecia ainda maior, afinal, seu abraço me envolvia como em um casulo.
De início, não sabia o que fazer ou como reagir. Aquela sensação soava nova para mim. Entretanto, à medida que o homem não me soltou rápido como eu esperava, me acostumei com a ideia de reencontrá-lo e, aos poucos, aquele abraço soou como um retorno para casa. Um definitivo retorno.
Quando nos desvencilhamos, aos meus olhos, voltou a ter somente 12 anos e alguns dentes de leite na boca.
Sorri com o pensamento.
— Você está bem? Meu Deus, quanto tempo! Que loucura — começou, fazendo-me rir.
— Acho que, agora que vocês finalmente lembraram da existência um do outro, eu vou curtir minha festa. — Zaya deu tapinhas em nossos ombros e saiu.
— Você sabia que era eu hoje de manhã?
— Não, claro que não! Eu teria sentado para conversar com você. — Sorriu. — Por onde você andou?
— Por aí. — Dei de ombros. — E você?
— Em pausa da turnê.
— Turnê? — Franzi as sobrancelhas, sem entender.
— É. Eu faço parte de uma banda, lembra?
Revirei quase todas as minhas lembranças no início de nossa adolescência juntos, em busca daquela informação. E, bem no fundo meu cérebro, encontrei o detalhe: fazia aulas de baixo e, quando já estava ganhando confiança, montou uma banda com seus outros amigos que eu não conhecia.
Aquele foi um dos momentos em que mais me senti traída da minha vida. Ainda conseguia reviver o sentimento, pois nenhum dos chifres que levei nos anos seguintes doeu mais do que as vezes em que nossos encontros foram cancelados para que ele pudesse encontrar seus novos amigos.
— Ah, é — me limitei a responder.
Por um breve segundo, me senti idiota por estar remoendo algo de mais de 20 anos, mas era inevitável. Os sentimentos, antes adormecidos, começaram a me atropelar como uma frota de motos em alta velocidade, como se muita coisa já não tivesse acontecido de lá para cá.
— Inclusive, se você quiser, vamos fazer um show na cidade no próximo fim de semana. Será nosso retorno aos palcos. Posso te arranjar ingressos.
Não sei como foi a cara que fiz ou se fiz alguma cara, só sei que o homem caiu na risada e não conseguia mais parar de rir.
— Você não gosta de nós ou nunca ouviu?
— Acho que nunca ouvi. Não sei. — Acabei rindo junto.
— Tudo bem. É sua oportunidade, se quiser.
— Ok, já entendi que você quer muito a minha presença — brinquei.
— Quero mesmo. Estou com saudades de você e acho que seria legal se você conhecesse os caras também.
— Ainda quer me apresentar para seus amantes? — Semicerrei os olhos.
— Claro, não gosto de fazer nada escondido. — Deu de ombros, entrando na brincadeira.
No fundo, apesar de o assunto estar prestes a acabar, era ótimo ter finalmente o reencontrado. Mesmo que sua energia ainda fosse igual a do garoto que um deixei para trás em nossa cidade natal, ainda assim, podia ver os novos contornos que sua personalidade adulta ganhou.
A voz grossa, os olhos que passeavam pelo ambiente e não sustentavam o olhar de ninguém, as mãos grandes e inquietas ao redor do copo de sua bebida que já devia estar quente, o corpo robusto cuja sombra praticamente cobria minha figura por inteiro. Todos estes detalhes eram meros ornamentos do homem doce, tímido, mas engraçado, amigável sem deixar de ser reservado que ele havia se tornado.
Embora achasse que o conhecia bem, estava ansiosa para conviver com o novo .


#3 Flaming Hot Cheetos - Clairo

Os dias após a festa foram se passando, mas e eu não havíamos perdido contato. Fosse em casa, no meu ateliê ou fazendo qualquer outra coisa, meu celular agora vivia anunciando a chegada de novas mensagens, todas do meu melhor amigo de infância. Às vezes, eram fotos dos locais por onde havia passado a trabalho, outras vezes, eram apenas vídeos de pinguins, porém ele não se esquecia de mim.
Durante toda aquela semana, inclusive, estive criativamente muito ativa. Terminei dois quadros que estavam parados e havia esboçado outros três. Das coisas que havia planejado para aquele recomeço, certamente reencontrar alguém do passado e, de alguma forma, ser transformada por aquela presença não estava nos meus planos.
Como combinado com ele, quando o domingo chegou, vesti meu melhor vestido, um tênis que não estava manchado definitivamente com tinta, uma meia-calça e uma bolsa simples. Sabendo que suaria, decidi que não exagerar na maquiagem ainda era a minha melhor opção. Já os cabelos, que haviam ficado presos em um coque ao longo do dia, formaram belas ondas quando soltos.
Olhando-me no espelho, fiquei satisfeita com o que vi pela primeira vez em dias. Eu devia me arrumar mais vezes e não andar parecendo uma mendiga por aí.
Com um cigarro aceso na boca, entrei no carro e parti para o meu destino.
já havia me avisado para pegar minha credencial na bilheteria e, ao chegar lá, foi o que fiz. Não só me entregaram o crachá, como um segurança me acompanhou arena adentro, guiando-me por um labirinto em meio às estruturas metálicas erguidas. Já na parte interna dos bastidores, continuei a seguir o segurança por corredores compostos de placas compensadas de madeira e feltro no chão, até que o homem parou em frente à uma porta.
Abrindo-a, gesticulou para que eu entrasse e assim o fiz.
Todos os olhos de repente estavam sobre mim, o que me causou certa insegurança, já que, do nada, o silêncio perdurou por mais tempo do que o suficiente para se tornar constrangedor.
— Você chegou bem na hora. — aproximou-se de mim com um sorriso, depositando um beijo na lateral da minha cabeça.
Por alguma razão desconhecida, meu corpo pareceu se eletrizar e minhas bochechas ruborizam. Sentia a pele do meu rosto, abaixo dos olhos, pegando fogo. Talvez fosse o fato de que havia virado o centro das atenções durante a minha entrada e aquela breve demonstração de afeto.
— Ah, é? Por quê?
— Acabei de falar que você estava vindo e que todos iriam te conhecer. Inclusive, gente, esta é a , minha melhor amiga do colégio. — Encarei-o, curiosa. Ninguém me chama assim há anos.
Parecendo perceber meu olhar sobre ele, virou o rosto para mim e sorriu.
, esses são George, Adam e Matty. — Apontou para cada um de seus companheiros.
— É um prazer. — Acenei para todos, recebendo sorrisos.
— Sua primeira vez no nosso show? — O mais baixo entre eles questionou e eu apenas assenti. — Espero que goste. O espetáculo hoje será totalmente em sua homenagem. — Deu uma piscadela e eu ri.
— Realmente. estava ansioso por isso e é um prazer finalmente conhecer quem o fez chegar atrasado tantas vezes nos nossos primeiros ensaios. — O segundo mais alto entre eles se manifestou.
— É ótimo saber quem são os homens que roubaram meu melhor amigo. — Fingi estar brava, o que não durou muito tempo. — Fico muito feliz que, no fim das contas, tenha dado tudo certo para vocês.
— Até chegarmos aqui, tive que chorar para algumas mães. — Novamente, o mais baixo e, aparentemente, o mais tagarela falou.
— Como assim?
— Nossos pais ficaram preocupados de as coisas darem errado, perdemos nosso tempo e, consequentemente, nem mesmo estudarmos por estarmos comprometidos com algo fadado ao fracasso. — explicou, pondo as mãos dentro dos bolsos da calça.
— No fim, eles estavam errados, como geralmente estão quando o assunto é investir em arte — argumentei.
O tagarela concordou silenciosamente.
— Você também é artista? — O segundo mais alto questionou. Acho que ele devia ser o George.
— Pintora. Passei pelos mesmos traumas que vocês. — Riram. — Mas deu tudo certo.
— Quero ver seus quadros um dia desses. — e eu trocamos um sorriso cúmplice.
— Podemos marcar no meu ateliê. Aliás, vocês se importam se eu fumar um cigarro? — Automaticamente, todos começaram a gargalhar e fiquei sem entender.
— Você pode fumar quantos cigarros quiser, ok? — O loirinho (Adam, talvez?) respondeu.
Ainda perdida na piada como uma criança que ouve uma conversa de adultos escondida, procurei pelo meu maço de cigarros, acendendo um em seguida. Não demorou até que quase todos eles acenderam cigarros também. Só aí entendi o porquê das risadinhas.
Embora quisesse me enturmar e conversar com todos, percebi que talvez não fosse o melhor momento. Estavam se preparando para entrar no palco e eu, como artista, sabia o quanto os instantes antes de uma performance ou de precisar se concentrar para fazer seu trabalho eram importantes. Portanto, me contive e fiz poucas intervenções na conversa.
Apenas observei como se davam bem, como pareciam a vontade um na presença do outro. Era quase como se fossem uma banda de adolescentes prestes a se apresentar numa festa na casa de alguém, não uma banda famosa, com uma plateia pagante e coisas do gênero.
Quando a hora chegou, saímos do camarim, rumo ao backstage, onde eu ficaria e eles seguiram para o palco.
Ao longo da semana, havia ouvido alguns álbuns enquanto trabalhava e, apesar de não ser meu estilo preferido, era inegável que eram muito bons no que faziam. Não era à toa que o show daquela noite estava esgotado há mais de uma semana.
Ao vivo, eles conseguiam ser ainda melhores. Eram animados, comunicativos e calorosos com os próprios fãs. A definição perfeita para a relação que estava vendo diante dos meus olhos era a de que aquele era um grande grupinho de amigos de escola.
Mesmo não conhecendo nenhuma música, era impossível ficar apática durante todo o show, por isso, dancei todas as músicas animadas, balancei o corpo mais lentamente durante as baladas e vibrei ao final de cada uma. Aquele era definitivamente o tipo de show para o qual eu pagaria para ir sem sombra de dúvidas.
Ao final, após se despedirem do público, todos se encaminharam para onde eu estava, já tirando os retornos e entregando para os roadies.
— E então? O que achou? — questionou mais próximo do meu ouvido para que conseguisse ouvi-lo.
— Incrível. Confesso que esperava que fosse bom, mas não tanto. — Trocamos um sorriso.
— Sem clubismo?
— Zero clubismo. Vocês são bons mesmo.
— Você vai fazer algo depois daqui?
— Algo me diz que, depois que você falar, vou fazer algo sim. — Riu.
— O que acha de sairmos para beber algo?
— É, eu gosto da ideia.
— Tá. Eu vou trocar de roupa e podemos ir, ok? — Assenti.
Caminhamos em direção ao camarim outra vez e, diferente de como achei que seria, ninguém ficou fazendo muita cerimônia para arrumar suas coisas para ir para casa. Aos poucos, cada um trocou de roupa, guardou seus pertences dentro de bolsas ou mochilas e foram se despedindo dos demais.
Assim que apareceu de novo, me aproximei.
— A vida de rockstar não é tão empolgante?
— Por quê?
— Todo mundo já foi praticamente embora.
— Amanhã é dia de ensaio, mas alguns precisam chegar mais cedo que outros por causa de outros trabalhos. — Com um “ah” mudo, gesticulei que compreendia. — Tá pronta? — Assenti.
— Você está de carro?
— Estava de van. — Riu.
— Ah, tudo bem. Eu estou de carro, posso te deixar em casa depois.
Andando lado a lado, tentamos ser o mais discretos possível para que não fosse capturado pelos não tão poucos fãs que ainda estavam do lado de fora, conversando animadamente. Por sorte, deu tudo certo. A passos largos, chegamos rápido ao meu carro, o local mais seguro no perímetro.
Sem ideia de onde ir, apenas dirigi de volta para o centro, onde a maioria dos bares fecharia somente quando o sol estivesse nascendo novamente.
Só estacionei quando encontrei o estabelecimento mais vazio e com iluminação mais baixa, assim corríamos menos riscos de ser reconhecido por algum fã que tivesse escolhido esticar a noite como nós.
Do lado de dentro do bar, sentamos mais ao fundo e pedimos duas garrafas de cerveja para o garçom que nos atendeu. Em menos de dois minutos, retornou com nossas bebidas, deixando-as sobre a mesa.
— Me fala mais de você. O que você tem feito desde que não nos vimos mais? Eu sei que conversamos durante a semana sobre algumas coisas, mas sinto que foi tudo supérfluo. — Sorri.
— Como eu disse, eu sou pintora. Desisti da faculdade de design no segundo período. Não era pra mim. Minha mãe surtou de leve, mas, depois que comecei a trabalhar numa galeria de arte e saí de casa, acho que ela compreendeu que dá sim pra viver sendo artista. — Riu. — Agora, aluguei um ateliê próximo do meu apartamento e estou preparando as obras pra minha primeira exposição na cidade.
— Quando vai ser?
— Daqui dois meses.
— Eu estou convidado?
— Meu convidado de honra. — Trocamos um sorriso caloroso, brindando em seguida.
Dando o primeiro gole na minha bebida, havia um assunto em específico ao qual eu queria abordar, mas não sabia como fazê-lo sem parecer invasiva ou estar em busca de algo a mais — sendo que talvez, só talvez, eu realmente estivesse interessada em algo a mais…
— Por que você mudou de cidade?
— Eu já queria voltar aqui há algum tempo, mas a proposta de parceria com uma galeria para fazer minhas próximas exposições foi o pontapé que faltava para decidir fazer as malas. Senti muitas saudades daqui, confesso.
— Essa cidade nunca mais foi a mesma sem você.
— Eu imagino. — Ri. — Mas você está muito melhor agora, viajando o mundo, conhecendo várias pessoas… — deixei no ar.
— A vida na estrada não é tão boa quanto se imagina. Pelo menos, não sempre. Você não tem tempo para conhecer os lugares por onde passa, menos tempo ainda para conhecer pessoas. No fim do dia, você só quer fazer o que o resto da banda fez hoje: ir para casa e tentar dormir o mais cedo possível. — Bebericou sua cerveja, voltando a encarar o gargalo assim que depositou a garrafa sobre a mesa novamente.
— Parece… triste.
— E é mesmo. Por isso é tão reconfortante encontrar alguém como você depois de tanto tempo. — Sem pensar muito sobre como aquela ação soaria, deslizei meu braço sobre a mesa até alcançar a sua mão e poder segurá-la.
Surpreendentemente, o ato não foi embaraçoso para nenhum de nós. Aliás, o homem até ajeitou a mão para segurar a minha propriamente. O gesto automaticamente fez com que nós dois trocássemos um sorriso, porém, diferente dele, conseguia sentir meu rosto queimar e nem era o efeito do álcool.
— Mas e você? Se mudou para cá… deixou algo ou alguém para trás? — Encarava nossas mãos juntas.
— Não. Apesar de sempre ter imaginado que a essa altura eu estaria casada, com uma casa no campo, pintando na varanda com meus animais de estimação, nada disso aconteceu. Nem a casa, os animais ou o casamento. — Rimos.
— Acho que se tornar adulto, no fim, é sempre enterrar os planos que fizemos quando crianças, né? É como se sempre estivéssemos de luto pelos sonhos das crianças que jamais vamos realizar.
— É uma forma de ver. Mas acredito que a criança só sonhava com essas coisas porque não tinha ideia de como o mundo era grande. Eu estou bem com as escolhas que fiz até agora. E você?
— É, estou também.
Lentamente, nossas mãos foram se afastando e, consequentemente, acabamos nos ocupando com nossas garrafas de cerveja de novo, cada um ao seu próprio ritmo.
Parecia que o assunto havia acabado, pelo menos por um tempo. Entretanto, o silêncio que se estabeleceu não foi desagradável. Foi até aconchegante. e eu passamos quase duas décadas sem nos vermos, mas era como se continuássemos frequentando a mesma escola, a casa um do outros todos os dias, como se nunca tivéssemos nos afastado.
— Você ainda vai ficar mais um tempo pela cidade?
— Quatro dias. Depois eu saio em turnê pela Europa.
— Ah. — Não consegui evitar o tom de frustração na minha voz.
— Se você quiser, podemos nos ver ainda nesses dias.
— Se você quiser…
— É, eu quero, sim. — Sorrimos um para o outro.
— O que você acha de irmos pra casa?
— Eu estava só esperando você dizer.
— Imagino que esteja cansado. — Ri. — Vamos.
Com nossas comandas em mãos, fomos até o caixa pagar pelas nossas contas e, por fim, voltamos para o meu carro.
Durante todo o trajeto até sua casa, com um cigarro aceso e um braço para fora da janela devido às cinzas, me guiou.
Diferente de como achei que seria, meu amigo morava em uma casa comum, não tão afastada do centro, porém que tinha exatamente a cara de um homem solteiro de sua idade. Enquanto estacionava, fiquei me questionando como era do lado de dentro, como eram seus móveis, a disposição deles nos espaços, se era organizado ou não. Eram tantas perguntas que, brevemente, tive a sensação de estar ao lado de um desconhecido.
— Você quer entrar um pouco? Quem sabe tomar um chá… — Desafivelar seu cinto.
— Eu adoraria…
— Mas?
— Mas tá tarde. — Sorri. — Amanhã, eu preciso ir cedo para o ateliê buscar algumas das obras prontas para levar para a galeria. Algumas vão ser expostas para venda e outras vão ser guardadas até a minha exposição.
— Onde fica o seu ateliê?
— Por quê?
— Seria legal se… eu pudesse conhecer, não? — sugeriu despretensiosamente. Refleti a respeito por um instante.
Abrindo meu porta luvas, peguei uma caderneta e um lápis que sempre deixava ali para “emergências criativas”. Anotei o endereço, arranquei a folha e lhe entreguei.
— Estarei lá às sete e meia.
— Bom, eu também, então. — Sorriu, parecendo animado.
Por alguns segundos, ficamos nos encarando. Mesmo no escuro, seu olhar parecia brilhar com a baixa iluminação proporcionada pelos postes do lado de fora. havia se tornado um homem tão bonito…
— Eu acho que… é melhor eu ir, né?
— Te vejo amanhã?
— Com certeza. — Trocamos o milésimo sorriso da noite.
O homem fez menção de sair do carro, no entanto, voltou-se novamente pra mim e deu um beijo rápido na minha testa.
— Foi muito bom te ver de novo. Boa noite. — E saiu sem nem me dar tempo para me recuperar ou lhe responder.
Fitando a janela do carona e, consequentemente, sua figura caminhando em direção à sua porta. Quando desapareceu, depois de ter entrado em casa, ainda continuei encarando sua porta fechada, sem saber o que fazer.

- x x x -


Na manhã seguinte, acordei atrasada e não tive tempo nem de tomar meu café da manhã. Portanto, pulei da cama o mais rápido possível, troquei de roupa, amarrei o cabelo de qualquer jeito, escovei os dentes e saí.
Meu ateliê não era longe e ainda estava em tempo de ir caminhando, todavia, andei a passos largos e apressados, o que me fez ficar de bochechas rosadas e suada ao chegar no meu destino final.
estava sentado nos degraus, mexendo no celular distraído. Entretanto, ao erguer os olhos e me ver, abriu um sorriso que pareceu me contagiar. Os cantos da minha boca automaticamente se contraíram, correspondendo-o.
— Te fiz esperar muito? — Meneou a cabeça negativamente.
— Faz uns minutos que cheguei.
— Que bom. Logo hoje, acordei atrasada. — Subi as escadas, procurando a chave correta para colocar na fechadura.
Ao abrir a porta, entramos e acendi as luzes, deixando o espaço visível ao seu olhar.
Andando pelo espaço, indo de obra em obra e até mexendo em algumas que estavam amontoadas nos cantos, soou maravilhado com o que via, como se tivesse entrado no paraíso.
— Então você é a ?
— Sim, gostou do meu nome artístico? — brinquei.
— Por que ninguém sabe quem você é? — Franzi as sobrancelhas.
— Como assim?
— Bom, eu acabei de descobrir que tenho uma obra sua na minha sala. — Arregalei os olhos. — Mas nunca soube que você era… você.
— A fama não é para mim. Gosto de ter meu trabalho reconhecido e quero que ele fale por mim.
— E tenha certeza que seu trabalho diz muito sobre você, sobre seus sentimentos, sobre o mundo ao seu redor. Você tem um olhar muito bonito sobre as coisas, .
Desconcertada, fiquei encarando-o, procurando por um único indício de que estivesse brincando ou debochando de mim. No entanto, nunca encontrei. falava extremamente sério. Ele gosta do meu trabalho… Só de pensar, um arrepio corria pela minha espinha de nervoso. Conseguia até sentir minhas glândulas formando gotículas de suor que, em breve, escorreriam pelo meu rosto de nervoso.
— Você faz pinturas sob encomenda?
— Ah, claro. Basta me dizer o que quer.
— Nada em específico. Quero que você faça algo pra mim. Uma obra exclusiva.
— Presente?
— Talvez. Vamos ver.
— Você está de carro?
— Sim. Por quê?
— Eu esqueci que precisava vir de carro para levar os quadros. Você se importa?
— Não, com certeza não. O que você precisa que eu coloque lá?
— Esses dois. — Desencostei duas obras da parede. — Vou levar os outros dois.
E assim, um atrás do outro, seguimos até seu carro, onde abriu o porta-malas e, cuidadosamente, acomodou cada um dos meus quadros, quase como se estivesse guardando tesouros delicados.
Após trancar o ateliê, entramos no veículo e partimos.
O silêncio foi uma terceira pessoa no ambiente. Vez ou outra, nos olhávamos, mas não trocávamos palavras. Era como se tivéssemos feito um pacto. apenas seguia a voz mecânica do GPS, onde havia colocado o endereço do nosso destino.
Em tais momentos, haviam muitas coisas que gostaria de dizer. Como estava feliz por estar com ele, como era bom termos nos reencontrado, como gostei da forma como falou do meu trabalho ou como o tratou tão bem — melhor do que eu em muitas ocasiões, inclusive. Mas nenhuma palavra saía da minha boca. Era como se tivesse esquecido como me comunicar com qualquer outro ser humano, principalmente, se o outro ser humano fosse .
Ao chegarmos, descemos as obras do carro e entramos na galeria, cada um carregando duas. Todos por ali me conheciam, mesmo que de vista, por isso, não era preciso parar e pedir permissão para entrar ou explicar quem eu era. O espaço dedicado a armazenagem ficava nos fundos, relativamente distante da entrada, então, caminhamos o mais rápido possível para deixarmos os quadros logo em algum lugar.
Quando finalmente depositamos todos no chão, encostados em uma parede, quase agradeci. A madeira da qual a tela era feita estava começando a machucar a minha mão.
Distraindo-se, começou a andar pelo espaço, olhando obra por obra, parecendo maravilhado.
— Não sabia que você gostava tanto de coisas assim.
— É, eu gosto. Muito estranho?
— Na verdade, não. Acho que não tenho nenhum amigo próximo que entenda de artes plásticas. — Sorriu, observando um autorretrato de outra pintora mais de perto.
— Agora você tem. — Olhou para mim de um jeito terno, sorrindo.
Novamente, estávamos em um ambiente mal iluminado, onde sua silhueta era o que puxava o meu olhar. Não estava mais sorrindo, mas conseguia ver que seus olhos não desgrudavam do meu rosto, assim como os meus.
Geralmente, aquela sala costumava ter uma temperatura ambiente um pouco mais baixa, para a preservação dos materiais, entretanto, naquela manhã, parecia bem mais quente que o normal. De repente, até senti uma gota de suor escorrer pelas minhas costas e minhas mãos começando a ficar úmidas.
Atrapalhando aquele momento, um estrondo chamou nossa atenção. A porta!
— Puta que pariu — resmunguei, caminhando até a saída para ter certeza de que o que eu temia não tivesse acontecido.
Tentando forçar algumas vezes, senti o sangue escorrer da minha cabeça e chegar aos meus pés ao constatar que não havia jeito.
— Que foi?
— Estamos trancados.
— Quê? — Colocou as mãos na porta, tentando forçá-la como eu.
— Ela só abre pelo lado de fora, para evitar furtos — respondi, frustrada.
— Não, deve ter um jeito, né?
— Tem… eu vou só… — As palavras sumiram quando constatei algo terrível. — A minha bolsa. Onde está minha bolsa?
— Você deixou no carro, não?
— Porra!
— Me diga para quem ligar.
— Eu não sei os números de cor. Estão todos na minha agenda telefônica.
— Eu posso pesquisar na internet. — Sacou o celular do bolso.
— Não adianta, não tem sinal de internet aqui dentro. — Encostei na porta e deixei meu corpo deslizar até chegar no chão.
Sentada, apoiei os cotovelos sobre os joelhos e pus as mãos no rosto. Tentei racionalizar soluções, mas todas passavam pela necessidade de chamar outras pessoas para abrir a porta pelo lado de fora. E, em todos os cenários, precisávamos de sinal de telefone.
Sentando-se ao meu lado, parecia menos nervoso que eu.
— Isso acontece muito?
— Não estava acontecendo com tanta frequência, mas acho que eu parecia a vítima ideal. — Dei uma risada sem humor algum.
— Poderia ser pior.
— Como? Apenas me explique como isso poderia ficar pior. — Inacreditável!
— Você poderia estar sozinha.
— Uau, você realmente conseguiu conceber um cenário onde essa situação seria infinitamente pior. — Ri.
— Desculpa.
— Pelo que exatamente?
— Eu não devia ter me distraído com os quadros. Se tivéssemos saído assim que deixamos tudo aqui, não teríamos ficado presos.
— Com a sorte que eu tenho, mesmo que só um de nós tivesse entrado e o outro ficasse segurando a porta, ainda assim, algo aconteceria e acabaríamos presos aqui. Eu tenho certeza disso.
— Você é muito pessimista, sabia?
— Não, não. Eu trabalho com a realidade. Odeio me iludir.
— Às vezes é bom ter uma mente fértil. Evita que a gente gaste muito tempo sofrendo.
— Mesmo se eu tivesse uma mente fértil, eu provavelmente sofreria muito.
— Por quê? — Dei de ombros. — Tem algum motivo em específico pra você ter sofrido tanto ou achar que isso aconteceria?
Um nó se formou na minha garganta tão apertado que era como se eu tivesse comido areia quente diretamente do sol de meio dia do deserto. O que estava antes parecia cicatrizado em mim, de repente, se tornou uma ferida aberta tão profunda que ainda me fazia sangrar. A qualquer instante, sentia que iria cair no chão com uma hemorragia que me mataria.
Há quase 10 anos eu estava noiva. Casa comprada e mobiliada, vestido em confecção, data do casamento marcada e, mais importante, apaixonada. Estávamos em um relacionamento há quase quatro anos e as coisas caminharam naturalmente para as decisões que estávamos tomando juntos.
Tom era comissário de bordo em início de carreira e, como é de costume nesta profissão, passava boa parte do tempo viajando de um lado para o outro. Obviamente, seu trabalho nunca soou como um risco ou algo que poderia prejudicá-lo e este é justamente o problema em coisas que parecem seguras demais.
Em uma viagem que teria que fazer para os Estados Unidos, uma falha mecânica fez seu avião cair em meio ao oceano. Nenhum sobrevivente. Nenhum corpo para velar ou para dizer adeus. Só a certeza de que ele jamais retornaria.
Depois de Tom, não houve mais ninguém. Apenas um caso ou outro para suprir necessidades meramente físicas, nada demais. Ninguém que me fizesse repensar minha vida, ninguém que bagunçasse minha rotina, que ficasse preso nos meus pensamentos ou que prendesse meu olhar. Algumas vezes até sentia saudades de me apaixonar, de amar, de ser amada, de ser cuidada, de ter alguém que se importasse.
— A gente pode não falar sobre isso?
— Sem problemas. — Pegou uma das minhas mãos, acomodando-a entre as dele. — Mas saiba que eu estou aqui para o que precisar, ok?
Abracei-o forte.
Não havia mais lágrimas para chorar a respeito daquilo, porém meu coração parecia mais com um compartimento onde eu me permitia armazenar minhas dores, como recordações da vida que estava vivendo.
Quando nos desvencilhamos, seu olhar magnetizou o meu de um jeito que não consegui fugir. E, em um milésimo de segundo, foi como se o mundo ao nosso redor não existisse mais. Só e eu, naquele ambiente abafado.
Por mais que estivéssemos cercados por obras de arte, naquele instante, ele parecia a única digna de ser admirada.
Sem entender como ou por quê, meu rosto se aproximou do seu de maneira hesitante. Eu já conseguia sentir o cheiro de sua pele e a brisa ligeira de seu hálito quando passei a olhar para seus lábios.
Seus olhos alternavam entre os meus e minha boca, quase como se estivesse decidindo. Tal movimento durou mais alguns segundos, até que optasse por acabar com a distância que havia entre nós, me dando um selinho.
Ao se afastar, fitou-me, como se quisesse ler minha reação antes de tentar algo mais brusco. Todavia, não lhe dei tanta chance para pensar, puxando-o pela gola da blusa para um beijo.
Lentamente, movia minha boca sobre a sua e, ao ser correspondida, me permiti aproveitar, seguindo-o em cada ação, sentindo-o próximo como nunca, conhecendo-o de uma forma que jamais imaginei ser possível.
Em minhas fantasias de criança, me peguei pensando uma ou duas vezes sobre a possibilidade de ser meu primeiro beijo. Tal pensamento nunca chegou a se concretizar, mesmo que, durante anos, tenha alimentado essa ilusão no mais íntimo do meu ser. Não à toa, meu primeiro beijo só aconteceu quando já estava com quase 17 anos.
A sensação de seus lábios sobre os meus me lembrava a de retornar para casa após um dia longo e cansativo. Era aconchegante, como um cobertor felpudo e uma caneca de chocolate quente no mais rigoroso dos invernos, ao mesmo tempo em que era provocante e me fazia ter vontade de me despir ali mesmo.
Com os músculos faciais já cansados, encerrei o beijo, afastando-me alguns centímetros, somente o suficiente para vê-lo disfarçar um sorriso que queria se formar em seu rosto.
Contagiando-me, acabei sorrindo abertamente, quase convidando-o a fazer o mesmo e, ali, em silêncio, dividimos mais um dos nossos muitos segredos.
Aquele momento só foi interrompido quando outro artista abriu a porta onde estávamos encostados, quase nos fazendo cair de costas no chão.
Explodimos em gargalhadas. Muito mais pelo beijo do que pela situação em si.


#4 In My Sleep - Inhaler

Após nos beijarmos, desapareci por dois dias inteiros. Na hora do tesão, tudo parecia uma boa ideia, mas, quando você parava para analisar a situação, tudo soava péssimo. Uma sequência de escolhas horríveis que culmina em algo que facilmente poderia destruir a frágil relação que estávamos retomando.
bem que tentou se comunicar depois do acontecido através de um singelo “oi” por mensagem. Já eu, me limitei a não responder. A ausência de novas tentativas serviu apenas para me mostrar que talvez ele tivesse entendido que não queria conversar. Ou talvez fosse ele concluindo que eu nem era isso tudo, logo, não valia o esforço.
Fosse como fosse, me sentia um lixo, pois não estava minimamente agindo como uma adulta madura. Estava me tornando o que sempre critiquei: uma adulta que se comporta como uma adolescente.
Na intenção de me sentir um pouco melhor, peguei o celular em mãos. Por alguns segundos, ponderei se deveria mandar mensagem ou ligar. Ambas as alternativas me pareciam péssimas, porém, além de eu não saber por onde o homem andava às 22h59 daquela quarta-feira, também não sabia se teria coragem de lhe olhar nos olhos para falar sobre meus medos pós-beijo.
Tentando ignorar as pernas trêmulas ou o arrepio que me corria a espinha toda as vezes que ouvia sua voz grave, enviei um “oi”, seguido de “queria conversar com você”.

“Estou no estúdio, terminando de ensaiar. Daqui a pouco, todos vão embora, então se você quiser passar por aqui, podemos ir jantar ou beber algo”

Mordiscando o lábio, fiquei em dúvida se deveria ir e, antes que pudesse chegar a qualquer conclusão, meus dedos me traíram, digitando um “me passa o endereço”.
Indo até o quarto buscar minha bolsa, passei em frente ao espelho e percebi o quão feia estava a minha roupa. Macacão e top manchados, pantufas velhas e sujas. “Eu preciso criar vergonha na cara”, foi tudo o que pensei antes de abrir o guarda-roupa em busca de roupas mais apresentáveis.
Vesti a primeira calça de malha e blusa de mangas compridas pretas que vi pela frente, coloquei uma jaqueta jeans por cima, peguei minha bolsa e saí.
Cadastrando o endereço no GPS do carro, percebi que era uma viagem curta o suficiente para não me dar o tempo esperado para elaborar o que iria dizer a quando o visse. “Seremos só amigos”, “vamos tentar”, “eu gostei, mas foi estranho” ou “por favor, vamos manter uma distância segura” eram apenas algumas das frases que passavam a mil por hora pela minha cabeça. Haviam muitas coisas que gostaria de dizer, porém não conseguia escolher quais eram as mais apropriadas, uma vez que nem eu sabia exatamente como estava me sentindo.
Talvez o medidor exato que eu precisava para entender o que se passava dentro de mim seria olhar em seus olhos e descobrir o que estava rolando do lado de lá.
Respirando o mais fundo que conseguia, acendi um cigarro e tentei me concentrar somente no trânsito, sem refletir muito sobre meu destino final ou quem estaria me esperando nele.
Ao estacionar em frente ao local, apaguei o resto do cigarro e suspirei. Será que é uma boa ideia mesmo?
Novamente, no piloto automático, peguei minha bolsa, saí do carro e fui bater na campainha, esperando que uma boa alma surgisse para me tirar daquela brisa gélida da rua.
— Acho que você veio com menos roupa do que o clima exige. — riu ao abrir a porta e me ver encolhida com os braços cruzados em frente ao peito. — Entra. — Deu espaço entre ele a porta para que eu passasse.
— Acabou seu ensaio?
— Agora a pouco. Como tá frio, pensei em ficarmos por aqui mesmo, depois irmos para casa. O que acha? — Assenti, ainda distraída com o ambiente ao meu redor.
O local onde estávamos se parecia com uma casa. Simples, mas, ainda assim, uma casa. Na minha frente, havia um sofá de três lugares, à minha esquerda, uma mesa de jantar com seis lugares, sendo que algumas cadeiras estavam desalinhadas do resto, à minha direita, uma TV presa à parede. Não era nada exagerado, entretanto, era aconchegante. A calefação do lugar deveria estar trabalhando há algum tempo, visto que o ar estava quente a ponto de me fazer voltar a postura normal e sentir as mãos formigando com a mudança de temperatura repentina. Além disso, estava começando a sentir vontade de tirar a jaqueta.
— Vem, quero te mostrar uma coisa. — Segui em seu encalço, casa adentro.
Olhando em todas as direções, me perguntei se eles costumavam passar muito tempo ali, dormir juntos, fazer refeições ou se cada um seguia para sua casa após o término do “expediente”. Aliás, o que determinava o final do expediente? Alguém anunciava que iria embora? Havia um horário limite?
Por fim, chegamos a um quarto nos fundos que, já da porta, conseguia ver que era muito maior que aparentava. Na verdade, não era um quarto e, sim, um estúdio.
— Você me mostrou seu ateliê aquele dia, acho que é justo te mostrar onde eu trabalho também, né? — Sorriu, parecendo orgulhoso.
— Eu nunca entrei em um lugar assim.
— Sério?
— Sério. Não ando com músicos. — Ri.
— Você sabe tocar algum instrumento?
— Lembra que minha mãe tentou me ensinar piano?
— E você aprendeu algo?
— Algumas notas, mas acho que não lembro de nada.
— Vem. — Pegou-me pela minha mão, levando-me para dentro da cabine de isolamento.
Por mais que não tenha sido um longo contato, o toque de sua mão quente na minha fez meu rosto esquentar quase que instantaneamente, como se eu realmente fosse adolescente de novo. A sensação era muito parecida com quando dei meu primeiro beijo ou tirei a roupa pela primeira vez na frente de um namorado.
Do lado de dentro, os instrumentos estavam espalhados, em seus devidos suportes, na posição que cada um dos integrantes costumava ficar no palco.
Sentando-se em frente ao piano, com um meio sorriso travesso, bateu no espaço ao seu lado para que me sentasse também. Obedecendo, ficamos muito próximos um dos outro. Seu joelho, coxa e quadril tocavam os meus, o que fez meu corpo ficar ainda mais quente. Provavelmente, se ainda estivesse de pé, pisaria em falso, devido ao tremor de nervoso.
— Vamos ver se você ainda se lembra. Sabe como faz dó? — Pensei um pouco a respeito.
Lembrava-me da forma como os dedos deveriam ser posicionados em várias notas, no entanto, não me lembrava de seus nomes, tampouco seus tons, quais eram graves ou agudas. Na dúvida, escolhi uma nota que achei que poderia ser a que pediu e a executei sobre as teclas.
— Isso é um mi. — Riu. — É um pouquinho longe da dó.
— Bom, eu não lembro, então.
— Lembrar, você até lembra. Aposto que até consegue tocar uma música inteira.
Frére Jacques conta? — Riu.
— É uma música, né? Então, sim.
Entrando na brincadeira, toquei as primeiras notas e, sem nem pedir, começou a me acompanhar em uma escala mais grave. Rapidamente, me lembrei que havíamos feito aquele dueto algumas vezes durante nossa infância. Meu amigo vivia me provocando. Era sua forma de me incentivar a praticar.
Com a voz grave, cantou alguns versos da música, fazendo-me sorrir. Harmonizei um pouco mais baixo, dando a base que costumava fazer durante nossos duetos.
— Ainda somos um boa dupla. — Sorriu, parando de tocar.
Virou-se para mim, fitando-me tão profundamente que parecia ver minha alma.
— É, somos. — Desviei os olhos para as minhas mãos, agora, sobre meu colo.
Pigarreou.
— Você me disse que queria conversar comigo.
— Sobre aquele dia. Fiquei… confusa sobre o que fazer ou o que falar, porque nunca imaginei que um dia nós dois… — hesitei. — O que eu quero dizer é que não quero que a gente perca isso. Na verdade, não quero perder você de novo.
— E não vai. Assim como eu também não vou te perder. Nunca mais. — Deu um meio sorriso. — Eu também estava confuso. Não sabia se queríamos a mesma coisa. Agora, eu tenho um pouco mais de certeza, mas não sei se é exatamente o que estou pensando. — Voltou-se para a frente outra vez, dedilhando suavemente algumas teclas do piano. — Você sabia que até me formar no ensino médio não assumi nenhuma namorada? — Riu. — Eu tinha esperança que nos encontraríamos de novo e, aí, eu não poderia complicar as coisas, né? — Contive uma risada.
Descansando as mãos sobre o colo, me encarou em silêncio por alguns minutos, como se analisasse minhas feições por inteiro.
— Se você acha que não vai ser bom, não gostou ou qualquer coisa do tipo, me diga e vai ser como se esse beijo nunca tivesse acontecido. Mas, se, assim como eu, você está disposta a tentar algo… — não continuou a falar. Parecia esperar por uma reação minha, uma resposta, uma ação, qualquer coisa.
Os últimos dias haviam sido de pensamentos constantes a todo momento sobre o que fazer com a situação que havíamos criado. Sim, eu também tinha passado parte da minha adolescência sonhando com nosso reencontro, com meu primeiro beijo, quem sabe, um relacionamento com ele.
A minha vida inteira tinha sido bem diferente do que meu eu criança e adolescente tinha imaginado. Então, será que não era hora de realizar os desejos destas versões mortas de mim?
Temendo me arrepender amargamente, aproximei meu rosto do seu e o beijei, como quem busca respostas para muitas perguntas. E, ao invés de encontrá-las, parecia que cada movimento da sua língua com a minha ou de seus lábios nos meus me produziam ainda mais dúvidas.
Afinal, o que era aquele turbilhão dentro de mim? Eram tantas sensações que mal conseguia diferenciá-las. Não sabia nem dizer se tudo aquilo sempre esteve ali, esperando o momento certo de se revelar ou surgiu com seu retorno à minha vida.
Mentalmente me convencendo de que não era hora para ter uma DR mental comigo mesma, tentei girar o botão que desligava os meus pensamentos para focar somente no presente.
Meu corpo não parecia se satisfazer somente daquele beijo, implorando por mais. Calafrios percorriam minha espinha, minhas mãos formigavam, ansiavam por tocar sua pele e minhas pernas estavam inquietas, como se, a qualquer momento, fosse fazer algo inesperado involuntariamente.
Tomando as rédeas da situação, separou sua boca da minha para pegar minhas mãos, guiando-me meio desajeitado para seu colo.
Com uma perna de cada lado das suas, acomodei-me sobre ele, olhando em seus olhos.
— Você sabe que, se fizermos isso, não tem mais volta, né? — Segurei seu rosto entre minhas mãos.
— E quem disse que eu quero que tenha volta? — Deu um sorriso provocador, acariciando meu rosto.
aproximou-se outra vez de mim, mas, ao invés de beijar meus lábios, direcionou a boca para o meu pescoço e colo coberto pela blusa. O tecido de forma alguma parecia um impedimento para ele. Suas mãos firmes, antes em minha cintura, deslizavam em algumas direções distintas, ora para minhas costelas, ora para minha barriga, até chegarem aos meus ombros, deslizando pelos meus braços, tirando minha jaqueta.
Tombando a cabeça para trás, deixei-o à vontade para fazer o que quisesse com a pele do meu pescoço. E, quando esta não lhe parecia mais suficiente, com a mão entre meus seios, empurrou meu tronco um pouco para trás, silenciosamente pedindo para que me inclinasse. Consequentemente, meus braços acabaram se apoiando sobre algumas teclas do piano, fazendo-as soarem altas e desarmônicas, porém nem isso foi capaz de nos parar.
Os lábios descendo pelo meu tronco, trilhando um caminho de beijos por cima da minha blusa. As mãos, quentes como fogo, se ocupavam por todo o meu corpo, estacionando-se por um pouco mais de tempo sobre meus seios, que pareciam pequenos dentro de suas palmas grandiosas.
Lentamente, seus dedos se agarraram a minha blusa bem próximo ao cós da minha calça, puxando-a para cima. Como se eu fosse um prêmio que ele revela aos poucos, ergueu o tecido devagar, arrastando-o carinhosamente, passando a beijar a pele desnuda da minha barriga.
O breve contato de sua boca com minha barriga fez o meu corpo se arrepiar e uma vontade súbita de rasgar minhas roupas percorrer minha mente na velocidade da luz. Era como se eu fosse uma criança que se acostuma a correr pelada pela casa e os adultos forçam a vestir algo.
Cansada de ser passiva, decidi mostrar a ele que não estava disposta somente a receber suas investidas, bem como fazer as minhas próprias. Ajeitando-me sobre seu corpo, nossas intimidades estavam uma sobre a outra, aproximando-nos ainda mais. Voltei a beijar sua boca com as mãos deslizando para seus cabelos amarrados.
Em nenhuma das vezes que havíamos nos encontrado o vi com os cabelos soltos ou levemente desalinhados. Sempre limpos, amarrados, perfeitos. Hoje não.
Com um pouco mais de força, puxei o amarrador que prendia os fios, deixando-os livres e, enfim, envolvendo as madeixas sedosas e bem cuidadas entre meus dedos. Com cuidado, usei seus cabelos para inclinar sua cabeça e ter livre acesso ao seu pescoço.
Menos discreta que ele, não queria somente usar os lábios, queria sentir que gosto tinha sua pele e guardá-lo como uma lembrança daquele momento. Logo, só passar a língua e distribuir beijos não era suficiente, então, fiz uma leve pressão, como se estivesse sugando, quase deixando um chupão no local.
Afastando-me apenas o suficiente para ver seu rosto, comecei a rebolar sobre o seu colo. Seus olhos se fecharam, pressionando as pálpebras pesadamente uma sobre a outra. Vendo-o morder o lábio inferior, me questionei se ele era o tipo de homem que não gemia, não importava quanta força tivesse que dispor para tal. Não importa, hoje vai ser o dia que ele não vai conseguir segurar.
Alternando a velocidade em que meu quadril ia e voltava contra o seu, observei sua boca se entreabrir algumas vezes e certamente aquela foi uma das visões mais satisfatórias que tive em toda a minha vida. Por alguns longos segundos, me senti a mulher mais poderosa do mundo.
Entretanto, a sensação de poder não durou muito. Antes do que eu esperava que fosse acontecer, senti uma de suas mãos entrando na minha calça e buscando passagem para o meio das minhas pernas. Sobre o tecido da minha calcinha, seus dedos começaram a trabalhar. Cerrando as pálpebras, me permiti sentir aquelas primeiras carícias.
— Mais para cima — pedi baixinho, sendo atendida imediatamente.
Seus movimentos eram precisos e leves ao mesmo tempo. Tinham tudo o que eu poderia querer para me excitar e soltar o primeiro gemido dos muitos que vieram depois.
Sem muito controle do meu próprio corpo, voltei a me apoiar nas teclas do instrumento atrás de mim. Se antes havia alguma preocupação com a afinação ou com a integridade do piano, foi completamente perdida na neblina que foi se formando na minha cabeça. De pouco em pouco, não conseguia mais pensar em nada. Haviam apenas nuvens e névoa onde há alguns minutos havia uma série de pensamentos.
Seus dedos iam e vinham sobre a minha calcinha enquanto eu, aparentemente, me derretia sobre eles.
Tirando a mão de dentro das minhas calças, beijou meus lábios suavemente e, por um segundo, temi que aquilo fosse tudo.
— Você se importa se formos para o chão? — sugeriu, soando meio envergonhado. — Acho que esse banco não é feito para aguentar muito impacto.
— Vou achar ótimo que você tenha que explicar como esse banco acidentalmente quebrou amanhã.
Levantando, observei-o fazer o mesmo.
Posto de pé, tomou a iniciativa de tirar o suéter que usava, permitindo que finalmente eu tivesse a visão completa de seu tronco. Os músculos torneados de quem não gastava todo o tempo disponível na academia, somente o suficiente para lhe garantir o vigor físico que agora me enchiam os olhos.
Ao ver o sorriso em seus lábios, entendi que talvez estivesse encarando mais do que o normal. Ou talvez estivesse com alguma expressão facial engraçada.
— Gosta do que vê? — Deu alguns passos na minha direção.
Com uma mão na minha cintura, colou nossos corpos um ao outro. A mão livre se emaranhou em meio aos meus cabelos de um jeito gostoso, que fez meu couro cabeludo formigar por inteiro.
Nem fiz força para responder sua pergunta, uma vez que a resposta devia estar estampada com letreiro neon na minha testa. Seria negativar o resto de dignidade que ainda tinha. Portanto, só juntei nossos lábios em um novo beijo.
Sem muita cerimônia, afastou-se alguns centímetros de mim para me virar de costas. Colocando meu cabelo a frente de um dos meus ombros, depositou alguns beijos sobre a minha nuca, enquanto que suas mãos, agora mais ágeis, deslizaram pelas minhas costas, chegando a bainha da minha blusa. Com o próprio corpo, inclinou o meu para frente, somente o bastante para me encostar na lateral livre do piano. Quando o fiz, senti as pontas de seus dedos quentes arrastando minha blusa para cima. E, de repente, seus lábios passavam suavemente pela pele das minhas costas, quase como se fosse uma recompensa por ser uma boa garota e lhe obedecer.
Normalmente, eu odiaria todo esse suspense, no qual não sabia qual seria o próximo movimento, o que iríamos fazer, se tirava ou não a roupa. Mas com ele, tudo era diferente.
A maioria dos caras só gosta desses joguinhos para fazerem as mulheres acreditarem que eles são bons de cama. E, geralmente, não são. Já com , eu conseguia sentir que ele estava ali, sendo ele, fazendo o que gostava e, consequentemente, me deixando envolver.
Ao sentir o amontoado de tecido próximo aos meus ombros, terminei o serviço, arrancando a peça do corpo, jogando-a no chão. Novamente, com a mão posicionada sobre a minha cervical, empurrou meu tronco gentilmente para a frente, para que voltasse à posição inicial na qual havia me posto.
Sua boca voltou às minhas costas, beijando, lambendo, traçando uma rota pela minha pele com suas carícias. Ao chegar próximo ao cós da minha calça, lentamente, puxou-a para baixo junto com a minha calcinha.
Diferente do momento em que colocou seus dedos sobre minha roupa íntima, desta vez, nem mesmo se aproximou da minha boceta, limitando-se a cobrir outras partes do meu corpo com sua boca. Parecia que eu ia entrar combustão espontânea conforme sentia seus lábios se arrastando sobre mim.
Deslizando as mãos pelas minhas pernas, subindo pelas minhas costas, colou nossos corpos outra vez. Beijando minhas omoplatas, um dos meus ombros e parte do meu pescoço, fiz nossos lábios se encontraram assim que virei o rosto em sua direção, iniciando um beijo desajeitado.
Vagarosamente, chocava e esfregava seu quadril no meu, fazendo minha sanidade mental se esvair um pouquinho mais a cada novo movimento. Não precisava nem colocar a mão para saber o quão molhada estava e o quanto estava implorando por qualquer investida sua, qualquer que fosse.
Abrindo meu sutiã, ajudou-me a deslizar as alças pelos meus braços e, antes que fizesse qualquer outro movimento, virei-me brevemente de lado para, por fim, terminar de despi-lo.
Assim que abaixei suas calças acompanhadas de sua cueca, me permiti explorar cada pedaço de seu corpo, fosse com as mãos ou com a boca. E, por um segundo, me peguei desejando ter seis mãos — ou quantas mais fossem necessárias — para lhe alcançar por todos os cantos, para lhe cobrir por inteiro de mim.
Quando minha boca chegou a sua virilha, diferente dele, não me contive. Ser misteriosa e fazer joguinhos não eram a minha vibe. Até porque eu estava mais que ansiosa para ver suas reações, para saber se era do tipo que gemia ou do tipo que se contorcia só para não demonstrar que estava totalmente entregue.
Fitando-o nos olhos, envolvi seu membro em uma das mãos, começando a fazer movimentos para cima e para baixo. Foi assim que captei o exato instante que cerrou as pálpebras com um pouco mais de força, deixando um suspiro escapar. E aquela foi sem dúvida foram alguns dos frames de vida mais bonitos que já tive a honra de presenciar.
Em busca de um pouco mais daquilo, decidi que era hora de, além das mãos, usar a boca. Com lambidas curtas, que iam da base até a glande, comecei a intercalar os movimentos de masturbação com um oral. Devagar, com carinho, suavemente, permitindo que ele desfrutasse de algo na velocidade que ele havia me mostrado que gostava.
Brevemente, desviei o olhar para seu rosto. Suas feições estavam tomadas pelo mais profundo deleite e, vez ou outra, um som baixinho semelhante a um gemido preenchia os meus ouvidos, fazendo-me não só sorrir discretamente, como ficar ainda mais excitada e entusiasmada com o que fazia.
Por mais que seu rosto me demonstrasse que estava gostando e seus gemidos estivessem ficando mais e mais frequentes, pôs as mãos sobre meus ombros. Compreendendo aquilo como um sinal para parar, assim o fiz.
— Você provavelmente vai rir agora, mas… eu sei que tem camisinha em algum lugar aqui… só não sei onde. — Como previsto, acabei rindo.
— Não se preocupe, eu tenho aqui. — Abaixei-me para revirar minha bolsa até achar a embalagem que buscava.
Ao encontrar, sem a menor delicadeza, larguei a bolsa no chão de novo. Selando nossos lábios, tomou o pacote da minha mão, abrindo-o e deslizando o preservativo sobre o próprio pênis. Mesmo ansiosa, tentei não encarar demais, pois sabia que, rapidamente, aqueles tinham muito potencial para se tornarem os segundos mais constrangedores de toda a noite.
Tão logo terminou, me beijou. As mãos postas sobre o meu rosto, acariciando meu maxilar, o ajudaram a me guiar até a parede mais próxima. Sentindo a superfície gélida às minhas costas, entendi que estávamos exatamente onde metade da parede era composta de vidro, para que quem estivesse do lado de fora da cabine de isolamento, visse a banda do lado de dentro.
Virando-me de frente para o vidro, novamente, me fez inclinar o tronco, mas, desta vez, com as mãos apoiadas no vidro.
Sentindo-o entrar em mim, devagar, mordi o lábio inferior.
Nesse mesmo ritmo, o homem continuou entrando e saindo, como se não houvesse motivos para ter pressa.
Minha sanidade parecia escorrer pelos meus poros a cada nova estocada. Queria gritar com ele, implorar para ir mais rápido, com mais força, mas imaginei que talvez fosse um pouco cedo demais, pois, se o fizesse, provavelmente, pareceria um homem com ejaculação precoce, o que não era a melhor impressão a ser passada em uma primeira vez, certo?
Passando um dos braços pela minha cintura e segurando parte dos cabelos da minha nuca sem puxá-los, começou a movimentar-se um pouco mais rápido, com um pouco mais de ritmo, fazendo-me deixar alguns suspiros mais altos saírem involuntariamente.
O ar parecia pesar para sair ou entrar no meu corpo, sem contar que estava tão quente que podia jurar que estávamos no auge do verão.
Não demorou para que o vidro à minha frente começasse a embaçar com minha expiração e, por mais que eu não quisesse, foi impossível com o passar do tempo não encostar a cabeça nele.
A cada segundo, meu corpo aparentava ficar mais e mais pesado. Meus joelhos estavam prestes a falhar e sentia meus membros formigando por inteiro, quase como se uma colônia de insetos vivesse sob a minha pele.
Quando passou a segurar meu quadril com ambas as mãos, quase agradeci a Deus por reduzir minhas chances de cair no chão. Sentindo a pressão dos seus dedos, tive certeza que as marcas de cada um estariam ali no dia seguinte, mas nem me importei com isso.
Naquele instante só o que me importava era entrando e saindo de mim, cada vez com mais força, mais velocidade, o barulho dos nossos corpos se chocando, da sua respiração alta…
Meus dedos das mãos, pouco a pouco, estavam se contraindo, assim como precisava lutar para manter o quadril apontado em sua direção, já que, vez ou outra, os espasmos faziam com que me encolhesse.
Saindo uma última vez de dentro de mim, delicadamente virou-me de frente para ele. Voltando a beijar meu colo, foi descendo pelo meu corpo sem desgrudar os lábios da minha pele nem por um segundo. Agachado, depositou uma mão sobre a minha barriga, empurrando meu tronco para trás enquanto segurava uma das minhas pernas.
Encostando as costas no vidro, deixei-o me ajeitar na posição que queria como se fosse uma boneca de pano. Logo, estava com uma das pernas sobre seu ombro e sentindo o primeiro toque de sua boca na minha boceta. Em um movimento involuntário bati com a cabeça no vidro ao jogá-la para trás.
Assustado com o barulho, me encarou e eu apenas lhe disse para continuar. A verdade é que estava com tanto tesão que quase não senti o impacto.
Vagarosamente, sentia sua língua quente cobrindo e se arrastando pela minha intimidade. Se autocontrole já era algo difícil antes, naquele momento, deixou de existir por completo. Meu abdômen tremia e os gemidos, que antes pareciam suspiros profundos, agora eram altos e saíam da minha garganta sem eu nem perceber.
Agarrando seus cabelos, com força, pressionei-o ainda mais contra mim. Com a mão livre, comecei a acariciar um dos meus seios.
Por mais que quisesse acompanhar visualmente cada segundo de entre minhas pernas, me chupando, mal conseguia manter os olhos abertos. Meu corpo parecia prestes a colapsar e a sensação só aumentou assim que senti um de seus dedos escorregando para dentro da minha vagina. Alguns segundos após, o senti colocando um segundo dedo.
Em sincronia, sua língua e seus dedos trabalhavam incessantemente, entrando, saindo, lambendo e sugando. Meus pulmões queimavam devido ao calor e a dificuldade de respirar. Era como se, de repente, meu corpo tivesse desaprendido a realizar tarefas básicas. Naquele ritmo não demoraria muito mais até eu ter um orgasmo e não aparentava querer retardar mais esse momento.
Na verdade, embora eu estivesse prestes a gozar não é como se estivesse completamente saciada. Muito menos ele parecia. Para ser mais exata, era como se não houvesse uma previsão para terminarmos.
O calor que eu estava sentindo estava tão extremo que algumas manchas avermelhadas estavam se formando na minha pele. Eu suava tanto que minhas costas estavam grudadas no vidro e meu cabelo estava colando no meu pescoço, pinicando.
Segundos antes de ter um orgasmo, meus músculos se retesaram por inteiro. precisou até usar um pouco mais de força para conseguir se manter onde estava sem ser sufocado pelas minhas pernas. E, quando aconteceu, foi como se uma onda forte me buscasse à beira-mar e me carregasse para longe da costa.
O fato de que , em nenhum instante, se afastou ou parou de me chupar só fez o meu corpo ficar ainda mais enrijecido, com os membros trêmulos e com quase nenhuma firmeza nas pernas. Isso sem contar o gemido que ficou preso na minha garganta, pois tudo o que consegui fazer foi, inconscientemente, trancar a respiração e tentar a todo custo me segurar na parede atrás de mim.
Puxando sua cabeça pelos cabelos para longe da minha boceta, com o pé, empurrei-o devagar para que caísse sentado e pudesse me sentar em seu colo.
Segurando seu pau pela base, deslizei-o para dentro de mim outra vez. Antes de começar a me movimentar, beijei-o tranquilamente, sentindo cada pequena parte, cada detalhe de sua boca contra a minha. Era como se estivéssemos nos beijando pela primeira vez.
Suas mãos em minha cintura, arrastaram-se pelas minhas costas até a minha nuca e, por fim, meu rosto, para acariciá-lo enquanto me beijava.
Carinhosamente, pôs meus cabelos atrás dos meus ombros, afastando seu rosto do meu.
Também com as mãos em seu rosto, olhando em seus olhos, comecei a rebolar em seu colo devagar. Queria ver cada uma de suas reações. Queria guardá-las no meu cérebro como se fossem as mais valiosas memórias de toda minha vida.
Assim que suas mãos foram parar na minha cintura mais uma vez, passei a me movimentar um pouco mais rápido e seu olhar ligeiramente fugiu do meu quando cerrou as pálpebras. A boca se entreabriu, mas de lá nada saiu. Em seguida, o vi morder o lábio como quem deseja reprimir algo.
— Você pode gemer se quiser — sussurrei, beijando seu maxilar. —, só tem nós dois aqui.
Decidida a voltar ter meus ouvidos preenchidos por seus gemidos roucos, senti que era hora de ser um pouco mais “incisiva” em meus movimentos. Cavalgando em seu colo mais rápido, ouvi brevemente sua respiração ficando mais alta, mais ofegante, mais forte.
Agarrando-me bem próxima a ele, sem parar de mexer, sussurrei de novo, desta vez, próxima ao seu ouvido:
— Geme pra mim. Estou esperando por isso há muito tempo.
E, então, segurou meu rosto pelo queixo, beijando-me com um pouco mais de urgência, algo que pareceu beirar a voracidade. Achei que você não tinha essa faceta…
Inclinando-me para traz, estiquei as pernas e apoiei as mãos no chão para conseguir continuar me movendo sobre seu pau sem esfolar os joelhos. Aquela posição dava a uma boa visão do meu corpo, assim como me permitia admirá-lo.
Uma de suas mãos apertava minha coxa enquanto que a outra prendeu-se a um dos meus seios, apertando-o entre os dedos. Se não fosse o tesão e a euforia, talvez eu sentiria um pouco de dor, mas não era o caso.
Estávamos em um estágio que poderia fazer o que quisesse comigo, estava completamente rendida. E, naquele momento, lhe dar prazer era como quase como se eu o estivesse agradecendo por ter me permitido compartilhar de algo assim com ele.
Nem nos meus sonhos menos lúcidos poderia imaginar ouvi-lo gemendo, agarrado ao meu corpo, quase gozando por minha causa. Só de pensar nisso, sentia ainda mais vontade de me dedicar a ele, de vê-lo se contorcendo, a respiração entrecortada, o suor escorrendo, o rosto vermelho, descabelado.
E, embora estivesse quase lá, isso não o impediu e largar o peito que segurava para arrastar a mão até meu clitóris novamente para desenhar pequenos círculos imaginários.
Perdendo a cabeça e a coordenação motora, continuei a me mexer descoordenadamente, mas, em nenhum momento, isso pareceu nos atrapalhar. Muito pelo contrário. Em segundos, nossos gemidos estavam se misturando e, aos poucos, já não sabia mais dizer o que era eu ou o que era ele. Acho que era isso que significava ser um só, certo?
Com uma diferença de milésimos de segundos, chegou ao orgasmo antes de mim. Sentindo minha boceta se contrair, deitei-me por completo sobre suas pernas e me permiti relaxar.
Ofegante, acabei rindo baixinho.
— Que foi? — Gentilmente, puxou meu corpo para mais perto do seu pelas pernas. Estávamos parecendo duas peças de lego.
— E pensar que eu só vim aqui porque queria falar sobre estar confusa com um beijo.
— Se você ainda estiver confusa, podemos tentar… clarear seus pensamentos um pouco mais. — Riu, beijando a palma de uma das minhas mãos.
— É uma pena que você já vá embora amanhã.
— Você está falando como se nunca mais fossemos nos ver.
E pode ser que não, não é? Afinal, eu não sabia o que aquilo era. Se fosse só sexo…
— Antes de ir, quero te dizer uma coisa. — Pus um dos braços embaixo da cabeça, para que conseguisse vê-lo melhor. — Acho que o que aconteceu aqui me disse tudo que eu precisava saber e… não quero partir de novo sem ter para onde voltar.
— O que… o que quer dizer? — Franzi as sobrancelhas.
— Que isso aqui só vai ser apenas sexo se você quiser. — De repente, foi como se estivesse engolindo minhas palavras acompanhadas de bolas de algodão.
Sem saber como reagir ou se deveria reagir de algum modo, fiquei em silêncio digerindo o que havia dito. Por mais que fosse algo que quisesse muito, há muito tempo, tinham muitos fatores que precisavam ser considerados.
passava boa parte do tempo fora e só isso já era angustiante o suficiente para mim. Além do mais, quase não nos veríamos e também tinha o meu trabalho, o qual não era uma opção negligenciar.
— Você não precisa me dar uma resposta agora, mas, por favor, pense a respeito.
— Por que está me sugerindo isso? Quer dizer, você é um cara livre, maneiro, que toca numa banda, vive cercado de garotas bonitas. Pode ter uma em cada canto do mundo se quiser.
— E durante algum tempo foi isso mesmo que eu fiz. Eu me diverti muito já, , e acho que não é algo que quero continuar fazendo. É ótimo conhecer pessoas, se envolver com elas sem compromisso algum, mas também é ótimo saber que, ao meu lado, tenho alguém que me conhece, que me entende…
— Você acha que isso funcionaria mesmo?
— Nós vamos descobrir como fazer funcionar. — Acariciou uma das minhas coxas. — Tenho certeza de que, durante algum tempo, você achou que nunca mais fossemos nos ver. Aposto que até esqueceu de mim. — Sorri. — E cá estamos nós, não estamos?
— Você é bem otimista, sabia?
— É o que dizem. — Trocamos um sorriso.
— Eu vou pensar, contanto que ainda hoje eu possa deitar em uma cama.
— Na minha ou na sua? — Estendi a mão para que me ajudasse a me sentar.
— Uau, a sua já é uma opção?
— Desde o dia um. — Ri. — Contanto que eu possa dormir com você, sentindo seu cheiro, para mim, toda opção é válida.
— Você não precisa usar essa pose de galanteador comigo, você já me comeu! — Riu.
Levantei-me do chão, indo atrás das minhas roupas.
— Qual casa é mais perto?
— A minha.
— Então, é pra lá que vamos.
Minhas pernas ainda estavam moles e um pouco doloridas, por isso, ficar de pé, vestir minhas roupas ou tentar firmar os pés no chão estavam se mostrando tarefas mais difíceis do que imaginei, mas isso não impediu que, na medida do possível, me ajudasse como uma espécie de suporte enquanto disfarçava risadinhas. É, eu sou uma piada mesmo.


#5 400 Lux - Lorde

Quando chegamos em sua casa, minha atenção foi capturada quase que de imediato pelo quadro que ele havia me dito que havia ganhado. Nem me lembrava quando o havia pintado, mas sabia que tinha sido uma das minhas primeiras obras. O pensamento me fez sorrir, pois uma das minhas crias estava em boas mãos.
Nossa "promessa" de dormir foi uma das últimas coisas conseguimos realizar. Discutimos por quase uma hora o que iríamos comer, por mais dez minutos o que iríamos beber e só aí compramos algo em um restaurante próximo para ser entregue. À espera, demos mais uns amassos que, se não fosse pela campainha, teriam acabado em sexo de novo.
Durante o jantar, os olhos de deixaram bem explícito que eu seria a sobremesa. Por um breve instante, achei que teria que lhe dizer que estava cansada e que não aguentaria mais um round, porém foi só nos encaminharmos para o banho e ele começar a me beijar que percebi que aguentaria tudo o que ele quisesse me dar sem pestanejar.
Em seguida, já deitados, descobri que não era tão adepto da conchinha, mas, na primeira oportunidade, me puxou para deitar sobre seu peito, abraçando-me. Conversamos aleatoriedades sobre suas viagens, sobre como seria a turnê, suas expectativas, se em algum momento nossas agendas batiam e se seria possível visitá-lo em algum país pelo mundo.
Era tão gostoso conversar com ele. No fundo, era como se estivesse conversando com uma versão mais madura do meu melhor amigo de infância. tinha brilho nos olhos quando falava, sorria muito e falava dos amigos, do trabalho, da vida com uma paixão que era indescritível. Desse jeito, entendia completamente por que meu peito se aquecia quando ele estava por perto ou por que me sentia como uma adolescente de novo.
Depois que ele pegou no sono, rolei na cama mais um pouco antes de finalmente decidir me levantar. Não era bom continuar brigando com o travesseiro quando sabia que não iria adormecer tão cedo.
Portanto, revirei minha bolsa em busca dos meus cigarros e do meu sketchbook, sentando, logo após, no parapeito da janela aberta. Acendendo um tabaco, observei-o dormindo sob a luz do luar e imaginei que seria um dos meus desenhos mais bonitos sem que precisasse fazer muitos retoques.
Pela manhã, quando acordou, entreguei a ele uma xícara de café.
— Você já está acordada?
— Demorei a dormir e, quando aconteceu, dormi pouco. — Ri. — Espero que goste do café.
— Eu diria que é o típico café de fumante — soltou ao bebericar pela primeira vez.
— O que isso significa?
— Forte e delicioso. — Ri, dando um selinho nele. — Uma pena que só dá tempo de eu tomar esse e me arrumar.
— Você pode me dar uma carona para o estúdio? Preciso pegar meu carro. — Assentiu. — Vou me arrumar, então.
Deixando-o a sós com sua xícara de café, fui para o banheiro, lavar o rosto, me vestir, improvisar uma escovada de dentes com o dedo, pentear os cabelos. Nesse meio tempo, apareceu para tomar banho e, novamente, o deixei à sós assim que possível.
Esperando-o terminar, finalizei o desenho e o guardei na minha bolsa. Quando anunciou que estava pronto, ajudei-o a colocar suas malas no carro e partimos na viagem que durou apenas alguns minutos.
Estacionados em frente ao estúdio, parecia haver uma relutância mútua em descer do veículo e se despedir.
— Acho que é isso, né?
— O tempo vai passar rápido, você vai ver. — Deu um meio sorriso.
Pela primeira vez na vida, senti que era hora de me desfazer de uma das minhas obras íntimas. Por isso, revirei minha bolsa em busca do caderninho.
— Tem algo que quero te dar. — Destaquei a folha, entregando-a a ele.
— O que é isso?
— Pra você lembrar da sua pintora preferida. — Trocamos um sorriso.
Abraçando-me forte, me manteve perto de si o máximo que conseguiu. Por fim, desvencilhando-se brevemente, me beijou com um jeito agridoce. Não como em uma despedida, mas como em um “até logo”.
— Agora, sempre vou estar a um desenho de distância de você. — Acariciei seu rosto uma última vez e saí, antes que fosse difícil demais deixá-lo partir.
Encaminhei-me para o meu carro e, ao entrar, uma notificação soou em meu celular. Tirando-o de dentro da bolsa, sorri ao ver a mensagem na tela de bloqueio:

“Espero que goste de chamadas de vídeo, porque todos os dias o seu celular vai tocar :)”

“Um conselho: não abra minhas mensagens perto de ninguém, são apenas pra você, ok?”


Com um sorriso, dirigi para casa ansiosa para a nossa primeira ligação.




FIM.



Nota da autora: Essa aqui aconteceu sem precedentes e já tô até pensando em uma long. Será que vem aí????????




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