1. Joquebede
E foi um homem da casa de Levi e casou com uma filha de Levi.
E a mulher concebeu e deu à luz um filho;
e, vendo que ele era formoso, escondeu-o por três meses.
Não podendo, porém, mais escondê-lo,
tomou uma arca de juncos,
e a revestiu com barro e betume;
e, pondo nela o menino,
a pôs nos juncos à margem do rio.
- Êxodo 2:1-3
Nem sempre conseguimos entender os propósitos de Deus. Mas sabemos que um dia ele sempre se cumpre, ainda que haja obstáculos na vida, perseguições, quedas e tropeços. Uma certeza sempre teremos, Ele jamais desiste de nós, mesmo quando nos desviamos do caminho e esquecemos do Seu Amor. Como um filho pródigo, a sede por intimidade que Jesus tem, nos conduz ao arrependimento para termos um relacionamento com Ele.
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Dizem que nem toda casa é um lar, mas todo lar é uma casa...
Havia um lar, que se encontrava em um barraco velho, no morro da Figueira em Santo André, São Paulo. Uma moradia que acolhia uma mulher chamada Célia e sua filha de 9 anos. Externamente, o lugar de gente humilde também era alvo de violência e exposição ao tráfico de drogas. O controlador de tudo? Um traficante chamado Neguinho, alguém que fazia dos moradores seus “inquilinos”, ao cobrar uma taxa de moradia que caso não fosse paga, acarretava na maioria das vezes a morte daqueles que lhe devia.
Neguinho tinha muitos capangas, que levavam a sério seu trabalho de cobrador. Seguindo diariamente de casinha em casinha cobrando a tal taxa mensal. E mesmo sabendo do quão difícil era a situação financeira das pessoas, no qual algumas não tinham condições de pagar, o chefe do morro se deixava enfurecer quando não recebia. Com isso, os cobradores sentiam o prazer de contar até duas vezes para fazer a cobrança e se não houvesse pagamento... Neguinho se encarregava de ir pessoalmente acertar ou fechar a conta, para “dar exemplo” à comunidade. Seu controle deixava a todos com medo, mas havia aqueles que não se deixavam amedrontar e nem controlar.
No meio de tudo isso, Célia seguia seus dias trabalhando como diarista em casas da Zona Sul da cidade. Por ser honesta e ter princípios, não aceitava aquela situação em que o morro se encontrava. Entretanto, pela segurança e bem estar de sua incompleta família, se desdobrava em dois para pagar as contas da casa e também as taxas que Neguinho cobrava. Apesar de tanta luta e sofrimento, Célia tinha seu consolo nos braços do Senhor. Conhecida pelas redondezas como uma mulher de fé, quem a conhecia sempre via o grande exemplo que dava de gentileza e acolhimento. Não era à toa que sempre se colocava à disposição para ajudar o pastor Jonas e sua esposa, na pequena igreja instalada na entrada do morro. Mesmo com toda a dificuldade que passava.
Sua vida nunca fora fácil, principalmente por vir de uma família muito pobre no interior da Bahia, na qual perdera o contato há anos. Deixada pelo marido, que sumiu no mundo, com sua filha ainda de colo nos braços, contou com os poucos amigos que fez ao longo dos anos no beco em que o seu barraco se localizava.
— Te agradecemos Senhor Deus, por tudo que nos tem dado, por cada proteção e por seu amor. Amém! — disse a pequena , de joelhos com a mãe na beirada da cama, encerrando sua oração da noite.
— Amém! — concordou Célia ao olhar com carinho para filha e sorri de leve.
Ela se sentia grata a Deus pela vida de sua filha. Principalmente pela pequena não ter se desviado para os maus e tentadores caminhos, que o morro oferecia para as inocentes crianças. As trocas de seus préstimos como mulas para o traficante Neguinho, em troca de pequenos agrados como um tênis de marca, eram presenciados por todos da comunidade. Não que Célia fosse uma mãe superprotetora, mas aprendendo com as escrituras a ser sábia, se agarrava sempre ao versículo 6 do capítulo 22 de Provérbios: Ensina a criança no Caminho em que deve andar, e mesmo quando for idoso não se desviará dele!
Por isso, começou a instruir desde muito pequena, ensinando a menina os princípios bíblicos e mostrando a ela que coisas que vem fácil, pode ir fácil e geralmente há um preço alto a ser pago depois.
— Mamãe, ainda tenho fome. — disse a pequena ao se levantar e se sentar na estreita cama que dividia com a mãe.
— Minha querida, não temos nada na geladeira. — disse a mãe com sinceridade.
Uma das maiores virtudes de Célia como mãe, era de não esconder da filha as necessidades e reais situações de ambas. Há pouco mais de dois meses que Célia vinha sofrendo algumas baixas em seu trabalho como diarista. Principalmente após ser acusada injustamente por ter desaparecido um objeto de afeto de uma das clientes. Infelizmente as calúnias sempre possuem mais repercussão que a verdade, e mesmo a tal cliente tendo encontrado o objeto de posse de seu filho travesso e desfazendo suas palavras de acusação. A semente da desconfiança já havia sido implantada no condomínio para qual prestava serviço, fazendo-a perder a faxina em três casas que considerava importantes.
Com a redução da entrada de dinheiro e coincidentemente o aumento da taxa de Neguinho, Célia se via obrigada a colocar algumas coisas como prioridade. O que levou a cortar as refeições noturnas. Por ter tantas famílias em situações piores dependendo da ajuda da igreja na qual congregava, ela não se sentia bem em pedir ajuda, afinal ainda tinha a benção de ter saúde para trabalhar e o pão de cada dia não lhe faltava, apesar de ser escasso.
— Vamos dormir querida, amanhã bem cedo lhe preparo o café da manhã. — prometeu a mãe com o coração apertado pelo olhar triste da filha.
— Tudo bem. — a menina se deitou ao lado da mãe e fechou os olhos — Boa noite, mamãe.
— Boa noite, querida. — disse Célia ao aninhar a filha em seus braços, segurando as lágrimas.
— Boa noite, Papai. — sussurrou a pequena, para Deus.
Em minutos, elas começaram a ouvir ao longe barulhos de tiros. Era rotineiro esses eventos, dos quais gangues rivais tentavam destronar Neguinho. Na manhã seguinte, como prometido, Célia preparou o café da manhã da filha e a levou para a escola. Seguiu para seu trabalho. Um trajeto desgastante que percorria entre ônibus, metrô e mais alguns metros a pé até a entrada do condomínio e ao longo dele também. Suas alegrias e motivações sempre estavam em saber que por mais que aquele período de sua vida fosse pesado, o amor de Deus por ela a sustentava de pé.
Domingo à noite, pontualmente ela adentrava na igreja, segurando a mão de . A menina trajava um vestido godê usado que a mãe ganhara de uma cliente. A maioria de suas roupas eram assim, ou usadas ganhadas das clientes de sua mãe, ou compradas em bazares pelo morro. Com uma presilha no cabelo e o sorriso singelo, a criança soltou as mãos de sua mãe e correu na frente indo em direção a porta de acesso à igreja Kids. Seu momento mais especial da semana era aquele em que podia estar com seus amigos da igreja, aprendendo mais sobre seu Papai que jamais a abandonaria.
— Olha só, essa menina está crescendo muito e ficando mais linda ainda. — elogiou a pastora Layla, esposa de Jonas, ao se aproximar delas no final do culto.
— Sim, e ficou sabendo que nossa pequena descobriu seu chamado? — a mãe concordou com um olhar orgulhoso.
— É mesmo? E qual é? — perguntou Layla se surpreendendo.
— Sou uma levita do louvor. — disse abrindo um largo sorriso.
— Foi a irmã Rosa que me disse isso, depois que essa mocinha pediu para levar um louvor na célula kids. — explicou Célia.
— Olha só, glória a Deus por sua vida, seu chamado é muito grande mocinha, que Deus possa te proteger e direcionar sempre. — disse a pastora — Nossa mini levita!
— Amém! — disseram mãe e filha em coral.
— No próximo mês para nossa festa, vamos receber a visita de um missionário de fora, que está fazendo alguns trabalhos aqui no Brasil com seu grupo. — anunciou a pastora para Célia — Queria tanto que nos ajudasse a organizar tudo, eu sempre me admiro com tanto capricho aos detalhes que você tem.
— Será uma honra para mim, pastora. — a mulher sorriu.
— E quem sabe essa mocinha participe da apresentação que o kids está planejando fazer. — a pastora olhou para a criança.
— Você quer ? — perguntou a mãe.
— Quero! — disse a menina se empolgando.
Elas passaram mais algum tempo ali, com Célia conversando com algumas pessoas sobre as festividades do aniversário da igreja no próximo mês. Ela estava com o coração grato em poder ajudar e contribuir com a obra do Senhor, mesmo com todo o cansaço de sua rotina semanal de trabalho.
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Noite chuvosa de sexta-feira.
Célia tinha perdido mais um ônibus após ter feito horas extras a pedido da senhora Souza. Ela precisava desesperadamente de dinheiro para pagar a taxa mensal de Neguinho, e já tinha sofrido dois avisos naquela semana. Suas orações pela madrugada, levantaram essa cliente de última hora para lhe abençoar. Ao chegar em casa, altas horas da noite, seguiu até o barraco de dona Jandira que ficava com a pequena até sua chegada. Seu coração parou ao receber a notícia que a filha estava em casa à sua espera.
Nunca fora tão desesperador para ela percorrer a distância entre os barracos. Ao abrir a porta, se deparou com a filha sentada no sofá com o olhar fixo na sua direção e um dos cobradores de Neguinho encostado na parede de braços cruzados, deixando sua arma aparente na cintura. A única coisa que conseguia fazer era pedir a Deus internamente para proteger sua filha.
— Boa noite, dona Célia. — disse o homem.
— Boa noite, Zé. — disse ela, mantendo o olhar na filha — Em que posso ajudar?
— A senhora sabe o meu motivo de tá aqui, já que é dia 20 e o chefe tá preocupado com o seu atraso. — explicou ele, mantendo a firmeza na voz — Fica tranquila dona Célia, eu não encostei um dedo na sua criança.
— Eu sei o quanto são respeitadores comigo e com a minha filha. — disse ela voltando o olhar para ele.
— Por isso que estou aqui dona Célia, o chefe cortou os atrasos do morro e não tá deixando ninguém dever mais de cinco dias. — retrucou ele — Mas pra senhora abrimos exceção, o chefe te considera muito e te admira também, sempre foi muito gentil e educada com todo mundo que trabalha no morro.
Isso era mesmo um diferencial em Célia. Sempre que olhava para Neguinho e sua turma, não era com olhar de medo ou condenação, mas sim de compaixão.
— Agradeço por isso, sempre me lembro de vocês em minhas orações. — assegurou ela, agradecida a Deus pelas palavras do rapaz.
— Mas, negócios à parte, né. — reforçou o homem.
— Não se preocupe, eu estou com o dinheiro dele aqui. — disse ela, retirando a bolsa do ombro e abrindo — Ia entregar amanhã pela manhã, antes do trabalho.
— Pode me passar agora. — ele se afastou da parede.
Sabe-se que as coisas boas ou ruins que acontecem na vida das pessoas, sempre possuem um propósito final de aprendizado. E muitas são como base para sermos mais fortes no futuro e nas adversidades da vida. Foi como um piscar de olhos que poderia ter acontecido em câmera lenta. Assim que Célia entregou o dinheiro para o rapaz e o levou até a porta, um motoqueiro desgovernado passou pelo estreito beco com a arma engatilhada na mão. As balas não encontraram somente o cobrador, como também a inocente Célia, que no frio interno de seu corpo, só conseguia orar ao Senhor pedindo proteção a filha que se jogara no chão pelo medo.
— Mamãe?! — foi a única palavra que a pequena conseguiu dizer, com lágrimas se formando no canto dos seus olhos, em meio aos barulhos de trovões em meio a chuva.
Perder uma pessoa nunca foi fácil para o ser humano, principalmente quando esta pessoa representa toda a sua família. Como esperado, houve uma comoção por parte dos moradores. Todos preocupados com a pequena e o que seria dela após a perda da mãe. Apática a tudo que acontecia ao seu redor, seus pensamentos só conseguia manter estático a imagem da mãe caía diante dela.
Nos primeiros dias posteriores, ela passou sendo amparada na casa do pastor Jonas. Sua esposa Layla se esforçou ao máximo para cuidar da menina e acalmá-la nas noites que acordava gritando no quarto ao lado, após um pesadelo recorrente.
— Calma querida! — dizia a pastora, ao abraçá-la com carinho e ternura — Eu estou aqui!
Como cicatrizar a ferida no coração de uma criança? Havia apenas uma pessoa que pudesse fazer isso: o Espírito Santo. E esta foi a oração de Layla naquela noite, que tudo coopere para o bem de , e que seu coração fosse confortado sempre. Não demorou até que o Conselho Tutelar recolhesse a criança e a levasse para um orfanato. Por ser uma criança acima de três anos, certamente seria mais difícil ser adotada, pois a busca maior sempre se concentrava em crianças menores de colo. Quanto mais os dias se passavam com ela naquele lugar, mais o coração do casal de pastores ardia a vontade de ajudá-la.
A direção de Deus, se deu nas festividades da igreja, que ocorreram de forma singela e mais simples possível, em memória a perda da irmã Célia. A visita do casal missionário foi mais do que somente isso, ao ouvirem a história de , se comoveram e em seus corações uma grande compaixão pela criança de formou de forma inexplicável. Resultando na certeza e entrada do pedido de adoção por parte deles. Uma intensa busca e orações de todos para que o governo brasileiro visse com bons olhos o pedido do casal australiano. O que de fato aconteceu, com uma ajudinha de Jesus, fazendo sair os documentos da Vara de Infância e Juventude com a autorização da adoção após alguns meses, com o reforço de não encontrarem os parentes de sangue da criança.
Mesmo com toda a turbulência interna.
Medos do desconhecido e saudades da mãe, se assegurava na certeza de que Papai ainda estava com ela. E isso foi o ponto central para que a pequena criança aceitasse diante do juiz ser adotada pelo casal que em dias, conquistaram sua confiança de forma surpreendente.
— Pode entrar minha querida, esta é sua nova casa. — disse Annia, ao abrir a porta e deixá-la entrar na frente.
— Esperamos que se sinta confortável aqui. — disse Dimitri ao entrar atrás delas, com as malas de todos.
Como tinha poucas coisas, preferiu se limitar a apenas levar sua mochila cor de rosa que Célia havia comprado com tanto esforço para ela no natal, com alguns objetos de afeto e duas mudas de roupa. A garota permaneceu em silêncio, olhando ao seu redor. Nunca imaginou entrar ou até mesmo morar em uma casa de verdade, bonita e bem decorada, principalmente em outro país e sem sua mãe. Mas agora, esta era sua realidade, a que seguia estampada nas informações do seu passaporte que ficou pronto em tempo recorde por se tratar do caso de adoção por estrangeiros.
Annia lhe apresentou cada cômodo da casa e depois a levou até o quarto de hóspedes que agora pertenceria a ela. O casal que saíra de seu país para fazer um trabalho missionário em uma aldeia indígena no Brasil, jamais imaginaram que regressariam desta forma. O que de fato foi uma surpresa e ao mesmo tempo euforia para Dimitri, que sendo estéril devido a uma doença na infância, já havia desistido do sonho de ser pai. Sua relutância e preconceitos para considerar a adoção foram totalmente quebrados ao ouvir a história de .
E agora, a criança que pediu para manter o sobrenome da mãe em sua certidão de adoção, assinaria como da Cruz Miller.
— Este é seu novo quarto, querida. — disse Annia ao entrarem — Se precisar de algo, qualquer coisa, basta apenas me pedir, não precisa ficar com vergonha, essa casa agora também é sua.
— Obrigado. — sussurrou ela, ainda acanhada e tímida.
Annia lhe deu um beijo na testa e a deixou sozinha para se sentir mais à vontade. a passos lentos e pesados até a enorme cama de casal que seria somente dela, se sentou na beirada. Retirando da mochila branca de poá rosa o retrato de Célia, sentiu as lágrimas começarem a descer em seu rosto.
Mesmo depois de alguns meses, a dor da perda ainda continuava internamente.
Your grace abounds in deepest waters
Tua graça é exuberante nas mais profundas águas
Your sovereign hand
Tua mão soberana
Will be my guide
Será minha guia
Where feet may fail and fear surrounds me
Onde meus pés podem falhar e o medo me cerca
You've never failed and You won't start now
Tu nunca falhaste e não o farás agora.
- Oceans (Where Feet May Fail) / Hillsong United
Ensinamento: Proteger aqueles que amamos.
2. Dorcas
E havia em Jope uma discípula chamada Tabita,
que traduzido se diz Dorcas.
Esta estava cheia de boas obras
e esmolas que fazia.
- Atos 9:36
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11 anos depois...
Com o passar dos anos, muitas coisas foram mudando na vida de . Não somente por estar em um ambiente novo, uma cultura nova, um idioma novo... Mas também por ter que viver com as lembranças do dia mais doloroso de sua vida, a mudança mais drástica aconteceu internamente. A criança que sempre sorria e tinha um brilho no olhar, se transformou em uma garota fechada e silenciosa. Agora como uma jovem adulta, não era diferente e se relacionar com as pessoas ao seu redor exigia um certo esforço de sua parte.
— Boa tarde, ! — disse a simpática senhora, ao entrar no estoque de sua loja e ver sua funcionária desempacotando a nova coleção de inverno que chegara.
— Boa tarde, senhora Moore. — disse a jovem quase em sussurro.
Judith Moore tinha anos de experiência como lojista no ramo da moda. Sua paixão pela área a levou a fazer alguns cursos de costura e desenho de croqui. Entretanto, o sonho de fazer um curso de estilista na Parsons, a melhor universidade de moda do país, fora interrompido após a descoberta de uma doença crônica que levaria parte de seus recursos financeiros.
— Estou empolgada para esta estação. — comentou a senhora, se aproximando um pouco mais dela e observando-a trabalhar.
— A senhora deseja algo? — parou o que fazia e voltou sua atenção para ela.
— Sim, desejo um sorriso seu, nem parece que hoje é seu aniversário. — retrucou ela, com o olhar mais preocupado.
Em todos os sete meses que trabalhava em sua loja, a senhora Moore jamais a tinha visto sorrir, nem mesmo após receber qualquer tipo de elogio ou parabenização. Mas o dia em questão era um tanto quanto complexo para . Assim como ela completava 20 anos, também completava onze anos sem a sua mãe. O fatídico dia que ainda lhe causava pesadelos, seguia vivo em sua memória.
— Hoje não é um dia tão importante assim. — manteve o tom baixo em sua voz e voltou a atenção para a sua tarefa.
Externamente ela se mantinha firme e inexpressiva, porém internamente seu coração sentia a tristeza dobrada. Viver o dia do seu aniversário não significava felicidade e um fechamento de ciclo, mas sim, reviver em sua mente a perda de sua mãe pela violência causada pelo tráfico. Por isso, a jovem deixou de comemorar seu aniversário dois anos após ser adotada pelo casal Miller.
Como já mencionado, as coisas mudaram na vida de , que ao completar a maioridade, obteve dos pais adotivos o apoio para se mudar para a cidade movimentada de New York nos Estados Unidos para estudar. A garota também possuía o mesmo sonho da senhora Judith, em ser uma estilista de sucesso. E receber uma bolsa de estudos em Parsons foi resultado de muito esforço, noites em claro estudando e também as constantes orações de sua agora mãe, Annia Miller.
Na cidade americana, sua rotina diária girava em torno das aulas no turno da manhã. O trabalho de meio período na loja da senhora Moore à tarde e outro trabalho noturno aos finais de semana como cantora amadora em um bar. O custo de vida era bem alto para ela, que não queria incomodar o casal Miller com assuntos financeiros. havia aprendido com sua mãe a ser responsável com seus sonhos e lutar para alcançá-los sem depender de outras pessoas, e era isso que ela tentava seguir.
— Assim que terminar de conferir, quero que troque a vitrine pelos looks novos que chegaram da coleção de inverno. — pediu a senhora Moore.
— Sim, senhora. — assentiu, mantendo a atenção no que fazia.
Assim que a senhora Moore se afastou retornando ao interior da loja, Louise, outra funcionária, se aproximou dela. Um pouco afobada por estar atrasada.
— , você não vai acreditar no que aconteceu… — começou Louise a contar, sem se importar se seria mesmo ouvida pela jovem — Estava vindo para a loja, quando fui parada na saída do prédio da universidade pelo coordenador Brown… Fiquei totalmente chocada com sua abordagem, ele começou a me elogiar pelo bom trabalho que eu apresentei, dizendo que meu futuro no ramo da moda era muito promissor…
A garota disparou a contar sobre o ocorrido com ela, até que parou de falar e percebeu a indiferença da amiga com o caso. Talvez pela necessidade patológica de falar constantemente e pela amiga estar sempre em silêncio, a amizade de Louise com a jovem havia se construído de uma forma inesperada e surpreendente para ambas. E mesmo na maioria das vezes não prestando atenção nos diversos assuntos abordados pela amiga, já havia se acostumado com seu jeito extravagante de ser.
— Está tudo bem? — perguntou Louise, ao olhar para ela.
— Sim, porque não estaria? — terminou sua conferência e olhou de volta para ela.
— É que por um momento achei que não estivesse me ouvindo. — disse ela.
— Você contava sobre o coordenador e os inúmeros elogios que ele fez a sua apresentação. — soltou um suspiro fraco e cansado — Parabéns.
— Parabéns a você, nós duas sabemos que não foi eu quem desenhou aqueles croquis. — Louise foi honesta diante dos fatos reais dos bastidores — Se ele descobrisse, eu estaria ferrada de vez.
— Você me pagou pelos desenhos, então são seus. — pegou os looks separados e se moveu para a porta de acesso à loja — Vou fazer a troca da vitrine.
— Já?! — a garota se mostrou surpresa.
— Ordens da senhora Moore. — explicou ela.
continuou sua tarefa ao longo da tarde até o final do seu expediente. Não imaginava que seria tão cansativo ter que organizar a vitrine e recolher todas as roupas da estação passada, com a ajuda de Louise. Pouco antes de ir para casa, a senhora Moore se aproximou dela.
— Está tudo separado? — perguntou Moore.
— Sim, masculinas, femininas e infantil separadas, todas as caixas com etiquetas de identificação. — respondeu .
— Muito bem. — Moore deixou transparecer um brilho diferente no olhar.
— O que vai fazer com as roupas? — perguntou a jovem, curiosa.
— Algumas irei doar ao bazar da igreja, outras já têm destino ao orfanato da cidade. — respondeu ela — Ainda que não tenham sido vendidas, há uma boa utilidade para elas, com pessoas que precisam.
— Curioso, muitos lojistas devolvem as roupas às fábricas para ter descontos na compra da próxima estação e outros reduzem o preço para obter o mínimo de lucro. — comentou ela, a realidade capitalista.
— Ah minha jovem, eu aprendi com a minha mãe que é melhor dar do que receber, se as roupas que sobraram não foram vendidas, é porque existe um propósito para elas na vida de pessoas que precisam mas não possuem condições. — explicou a senhora, com firmeza de seus princípios — Desde o dia em que comecei a agir assim, não me tem faltado clientes nesta loja e nem roupas para serem doadas.
— Hum… — se retraiu um pouco, era como se ouvisse sua mãe Célia dizendo aquelas palavras.
— O bem que fazemos ao próximo, sempre volta para nós. — concluiu Moore.
A senhora sorriu de leve para ela e se afastou para voltar à loja. se pegou pensativa por um instante. A frase que Judith Moore acabara de falar era conhecida pela jovem, pois sua falecida mãe Célia, sempre lhe ensinava a ser caridosa com as pessoas ao seu redor, principalmente aquelas que ainda não conheciam o amor de Deus.
recolheu suas coisas, pegou sua mochila e foi para casa. Ela morava em um apartamento pequeno, que dividia com Louise. Próximo ao prédio havia uma plataforma por onde passava o trilho do metrô. Um fato que prejudicava bastante suas perturbadas noites de sono, por ter que conviver com o barulho dos trilhos.
— Finalmente em casa. — sussurrou ela, ao jogar a mochila no sofá e perceber que sua amiga não tinha chegado.
Nas poucas horas que tinha silêncio naquele lugar, eram as que Louise não estava presente. Ela seguiu para o banheiro e tomou uma ducha quente para relaxar o corpo, colocando o pijama em seguida. Passando pela sala, pegou sua mochila e se trancou no seu minúsculo quarto. De segunda a quinta à noite, a jovem tinha um compromisso com seus trabalhos da faculdade que lhe consumiam parte da criatividade que tinha.
— Como não queria fazer isso. — sussurrou ela, ao olhar para o rabisco em sua frente.
Como dizem por aí, a necessidade faz a ocasião. E a necessidade de por dinheiro a fez vender seu dom de desenhar croquis de moda para algumas alunas da Parsons. Mas o trabalho de decifrar os rabiscos que recebia de algumas delas, e converter em croquis maravilhosos e bem detalhados, conseguiam ser mais cansativos que as inúmeras exigências de seus professores.
— Mas não tenho escolha. — ela soltou um suspiro cansado voltando seu olhar para cama, que se mostrava convidativa.
Seu olhar encontrou um objeto conhecido embaixo de seu travesseiro, objeto esse que a muito tempo ela se mantinha distante dele. se levantou da cadeira e dando alguns passos, sentou-se na cama pegando-o. O objeto em questão era a Bíblia de sua mãe Célia, o maior referencial de lembrança que tinha dela, além da foto que permanecia na mesa de cabeceira.
— Por que a levou?! — sussurrou ela, sentindo as lágrimas se formarem no canto dos olhos.
O que menos queria era se render a saudade que lhe consumia diariamente. Após a morte de Célia, até mesmo seu relacionamento com Papai mudou. A dor que ainda sentia pela perda, fora o motivo principal para o afastamento. Ela sabia que Deus sempre estaria ao seu lado, mas seu coração ainda machucado não lhe permitia mais se aproximar como fazia antes da tragédia. As lágrimas continuaram descendo, e logo surgiram os soluços causados pelo choro silencioso.
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— Eu estou bem, não precisavam ter ligado. — disse , mais uma vez ao telefone.
A jovem havia recebido uma ligação de seus pais adotivos, que do outro lado do globo, se preocupavam com ela. Principalmente no dia que se finaliza.
— Querida, hoje é seu aniversário, claro que ligaríamos. — disse Annia com seu tom suave de sempre.
— E estamos com saudades. — completou Dimitri — Tem certeza de que não precisa de dinheiro?
— Eu tenho dois empregos de meio período e recebo por trabalhos extras, está tudo bem com minhas economias aqui. — assegurou ela, para ambos — Agradeço a preocupação.
se sentia grata por tê-los em sua vida. Ao longo dos anos, um amor singelo nasceu em seu coração pelo casal Miller, o que a ajudou a se sentir de fato filha deles.
— Não se exija demais, querida. — pediu Annia com preocupação — Seu corpo não é uma máquina.
— E não hesite em nos pedir ajuda se precisar. — Dimitri tomou a fala novamente — Sabe que estamos aqui por você.
— Eu sei e agradeço muito, estou bem sim e agora tenho que desligar, preciso terminar alguns desenhos para amanhã. — disse ela, se preparando para encerrar a ligação.
— Não se esqueça que nós te amamos, querida. — disse Annia — E Jesus também!
Um leve e disfarçado sorriso surgiu no rosto da jovem, ao desligar. Das poucas vezes que sorriu em todos aqueles anos, era por sentir seu coração aquecido pelo gesto de carinho das pessoas que amava.
— Ok, preciso terminar vocês. — sussurrou ao voltar o olhar para os croquis inacabados em cima da bancada de estudos.
No dia seguinte, após a aula, seguiu com sua rotina na loja de roupas da senhora Moore. Entretanto, suas tarefas teriam uma leve mudança, pois ela havia ficado encarregada de levar as roupas de doação para o orfanato local. Ela teve a ajuda de Niall, outro funcionário que ajudava com os serviços externos da loja. O orfanato Light For Orphans era um pouco distante, do centro da cidade, levando mais de meia hora de carro para chegar. Sendo recebidos pelo novo diretor, senhor Dawson, aproveitou o momento para conhecer o lugar.
Ela sabia bem como era viver em um orfanato. Mesmo que por um curto espaço de tempo tenha passado por um. De repente, algo lhe chamou a atenção, uma garotinha estava sentada no chão desenhando um vestido de princesa. Afastada das outras que brincavam entre si no grande jardim do quintal dos fundos. se aproximou dela e se ajoelhou ao lado.
— Olá. — disse a jovem — O que está desenhando?!
— Um vestido de princesa para minha boneca. — respondeu a criança, concentrada em seu desenho.
— É muito bonito. — elogiou — Posso te ajudar?
— Você sabe desenhar? — a garotinha a olhou com surpresa.
— Sei sim. — respondeu ela, mantendo o rosto mais suave — Eu posso?
A criança assentiu e lhe deu um papel em branco. pegou um lápis verde e começou a desenhar um rápido croqui de um vestido. Deixando o desenho em tons monocromáticos.
— Você desenha tão bonito. — elogiou a pequena garota.
— Obrigada. — olhou com carinho para ela — Se quiser, posso te ensinar.
— Sério? — a menina arregalou os olhos, com esperança.
— Sim. — assentiu.
— Eu quero. — a pequena sorriu mais abertamente para ela.
voltou ao desenho e começou a explicar coisas básicas para que a garotinha entendesse de forma clara. A criança ficou observando-a desenhar, com atenção e admiração. Até que o breve momento silencioso entre ambas, fora interrompido por uma terceira pessoa.
— ?! — uma voz conhecida por ela, soou da porta.
Tinha traços de surpresa e espanto. O olhar de se levantou. Seu corpo estremeceu um pouco ao reconhecer aquele olhar que permanecia fixo nela.
— . — seu coração acelerou um pouco pela presença dele.
A pessoa que ela jamais esperava ver naquela cidade, estava diante dela. deixou o lápis no chão e entregou o desenho à criança, que agradecida saiu correndo para o jardim. Então se levantou, vendo-o se aproximar dela.
— Que surpresa encontrá-la aqui. — disse ele, mantendo um sorriso afetuoso no rosto.
— Digo o mesmo. — ela se encolheu um pouco, tentando voltar ao equilíbrio interno e não se lembrar do dia em que pediu para que ele se afastasse dela.
Baker poderia ser considerado seu melhor amigo, o único verdadeiro que conseguiu fazer de forma espontânea e inexplicável, nos anos que morou na Austrália com seus pais adotivos. Entretanto, após uma crise interna, se afastou dele, o medo de perder outra pessoa que amava lhe trouxe mais solidão ainda.
— , já descarreguei as caixas. — disse Niall ao se aproximar deles.
— Caixas? — se mostrou confuso.
— Viemos trazer roupas de doação de uma loja onde trabalhamos. — explicou a ele.
— Que legal. — ficou impressionado.
— Niall, pode ir na frente, já estou indo. — disse ela.
Niall bateu continência em um ato de brincadeira e seguiu pelo corredor. manteve seu olhar abaixado, para não encarar .
— Eu… Liguei para seus pais ontem. — iniciou ele, antes que ela pudesse sair — Sua mãe me disse que estava morando aqui agora. Louco que eu não sabia disso quando vim para New York.
— Eu consegui uma bolsa de estudos. — explicou ela.
— Eu também. — disse ele, com um tom empolgado — Estou estudando produção musical na NY University.
— Hum… Fico feliz por você. — ela finalmente levantou o olhar — Eu preciso voltar ao trabalho agora.
se moveu para ir embora, porém ele segurou sua mão, parando-a.
— Todos esses anos, eu pedi a Deus para poder vê-la novamente. — disse ele, deixando a voz mais suave — Estou grato por Ele ter deixado.
— … — ela se impulsionou para falar, mas não conseguiu terminar a frase.
— Eu sei… Ainda me lembro de suas palavras. — o olhar dele ficou um pouco mais triste — Mas, não vou desistir de você, nem o Papai.
Por mais que segurasse suas emoções, a primeira lágrima caiu de seus olhos. Ver depois de quatro anos de rompimento de sua amizade, havia causado um considerável impacto interno.
E suas palavras mais ainda.
"내 백성이 나를 떠나 돌아섰지만
Meu povo Me abandonou, viraram as costas para Mim
내 사랑이 내 백성을 포기 못하니
No entando, Meu amor por eles não pode desistir deles
모든 것 내어주고 나 그들을 얻으리라
Então, Eu vou dar a eles tudo de Mim e terei Meu povo de volta aos Meus braços.
여호와께 돌아가자, 우린 돌아서도 그는 변치 않네
Vamos voltar para o Senhor, apesar de o trairmos, Deus nunca vai nos dar as costas
여호와께 돌아가자, 우린 넘어져도 그 사랑 영원하네!
Vamos voltar para o Senhor, apesar de falharmos com Ele, oh, Seu amor nunca falhará!"
- Love Never Fails / J-US Ministry
Ensinamento: Ser caridosa.
3. Ana
E sucedeu que,
perseverando ela em orar perante o Senhor,
Eli observou a sua boca.
Porquanto Ana no seu coração falava;
só se moviam os seus lábios,
porém não se ouvia a sua voz;
pelo que Eli a teve por embriagada.
- 1 Samuel 1:12-13
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9 anos antes...
Naquele dia se contava pouco mais de 2 anos após a noite fatídica. aos poucos começou a se adaptar à nova realidade em que vivia na Austrália. Até ali, sua educação estava sendo feita em casa, principalmente para se familiarizar com o novo idioma que aprendia diariamente. Bem diferente do português materno, ela obteve a ajuda de Annia e sua enorme paciência, para finalmente dominar o inglês.
— querida. — Annia deu dois toques na porta do quarto e abriu.
A menina, que se mantinha sentada na cadeira em frente à escrivaninha, voltou o olhar para a mãe adotiva, encontrando um sorriso gentil.
— Está pronta? — perguntou a mãe.
Ela assentiu com a cabeça.
— Vamos então?! — perguntou novamente.
se levantou da cadeira e pegou sua mochila de tear que havia ganhado de presente do casal de pastores do Brasil, seguindo para a porta. Seria seu primeiro dia de aula na Escola Primária Collin. Uma decisão que foi sendo desenvolvida aos poucos por seus pais após finalmente ela conseguir chegar ao nível avançado de fluência no idioma oficial do país. Internamente, o coração da criança estava ansioso e com medo do desconhecido, mas sabia que tinha duas maravilhosas pessoas para se apoiar agora.
Assim que mãe e filha seguiram pelo corredor dos quartos, Dimitri abriu um largo sorriso, parecia ainda mais empolgado para cumprir seu papel de pai e levar pessoalmente sua filha, no primeiro dia de aula. Annia se aproximou do marido com um sorriso e lhe deu um selinho rápido, então caminhou até a cozinha. ficou confusa pelo brilho no olhar de Dimitri, que se aproximou dela e pegou sua mochila.
— Eu levo para você, querida. — disse ele.
— Eu poderia levar. — disse a menina — Não está tão pesada.
— É seu primeiro dia, me deixe fazer isso, por favor, só hoje. — seu lançou um olhar choroso para ela.
— Tudo bem. — assentiu.
— Tudo bem??! — ele tombou a cabeça como se esperasse ouvir uma palavrinha mágica.
— Tudo bem, pai. — ela riu baixo, se encolhendo de vergonha.
Foram sim, longos dois anos em que Annia e Dimitri trabalharam duro para conquistar a confiança, afeto, carinho e o amor de . Além de tudo, fora muito difícil para a criança chamá-los de pai e mãe pela primeira vez, algo que ocorreu somente há três meses atrás. E depois disso, Dimitri com seu jeitinho de pai coruja e babão, sempre a estimulava a dizer essas palavras para que o afeto e o sentimento entre eles crescessem ainda mais. sabia que Célia jamais deixaria de ser sua mãe, e que pela bênção de Deus ela havia ganhado outra e com um pai acompanhando.
Além de tudo que ela havia aprendido sobre Deus com Célia, e todas as orações e devocionais que fazia sozinha após aprender com a falecida mãe. nunca havia tido a oportunidade de conviver com uma figura paterna física em sua vida. E estava grata por isso. Porém, mesmo assim, ainda havia um vazio dentro dela, na qual somente Papai poderia preencher, mas ela ainda não sabia disso, pois a cicatriz provocada pela morte de Célia, ainda estava aberta.
— Agora sim, nossa garotinha pode ir. — disse Annia, ao retornar para sala com um pacote nas mãos — Seu lanche.
— Lanche?! — se assustou um pouco, seria a primeira vez que levaria um lanche para a escola.
Afinal, em sua realidade no Brasil, felizmente a própria escola fornecia a merenda, e isso era um alívio para Célia que não tinha condições de comprar para a filha. Foi inevitável para a criança não se lembrar de sua antiga vida, e de todas as vezes que passou necessidade. Das noites que dormia com fome, para não faltar alimento para o café da manhã, tido como a refeição principal do dia.
— Sim. — assentiu Annia, esticando o pacote para ela.
— Tudo bem. — pegou o pacote e colocou dentro da mochila, deixando o objeto com o pai.
— Vamos antes que se atrase. — disse Dimitri, retirando do bolso da calça, as chaves do carro.
— Tenham um bom dia, espero vocês no final da tarde. — disse Annia.
— A senhora não vem? — perguntou , estranhando mais ainda.
— Não, hoje não. — respondeu ela — Vou deixar seu pai desfrutar desse momento sozinho.
— Sonhei com isso a minha vida toda. — alegou Dimitri.
— Com o que?! — o olhou, confusa.
— Com o dia em que levaria minha princesa à escola, e mostraria a todos os garotos que ela tem um pai. — ele cruzou os braços, fazendo a pose de pai protetor.
O que arrancou algumas risadas das duas. Era raro rir ou sorrir. Mas sim, seus pais faziam de tudo para manter o clima do lar deles suave e propício a brincadeiras e risadas de todos. Assim, eles seguiram até o carro e Dimitri deu a partida, seguindo para o endereço da escola. O lugar não ficava tão longe da casa deles. Se comparar com a antiga escola de , nesta nova ela poderia ir a pé e gastaria apenas vinte minutos de caminhada.
Mas ali estava Dimitri com todo o seu zelo de pai, levando-a com todo o carinho para seu primeiro dia de aula. aproveitou o caminho para observar as flores da primavera, afinal a nova estação estava dando as caras e mostrando a beleza das cores que proporciona à cidade. Ela não saía muito de casa, talvez por costumes passados. Mas estava aprendendo a se divertir com os pais, em piqueniques no parque aos domingos, depois do culto da igreja. Que por sinal, oferecia almoço aos membros sempre no encerramento, o que estimulava a se aproximar das outras crianças.
— Aqui estamos. — Dimitri estacionou o carro do outro lado da rua e retirou o cinto de segurança — Vamos lá?!
— E se eu não gostar?! — perguntou ela.
— Se não gostar, procuramos outra, até você gostar. — disse ele.
— Mas e se for longe?! — continuou ela.
— Não importa, te levarei com a mesma empolgação. — Dimitri piscou de leve para ela e sorriu — Vamos, vai dar tudo certo, Deus está no controle.
Ela assentiu e saiu do carro junto com ele.
— Ah… Antes que eu me esqueça. — ele retirou dez dólares do bolso e deu a ela.
— O que é isso?! — perguntou a garota intrigada.
— Sua mãe não pode saber disso, é segredo nosso. — ele piscou de leve para ela — Caso queira comprar chocolate.
— Ok. — ela pegou a nota e guardou no bolso da calça, segurando o riso dele.
Ambos atravessaram a rua e seguiram para a edificação da escola. segurou no braço dele, ao sentir que os olhares dos alunos se direcionaram para ela. Dimitri deixou sua mão escorregar um pouco e segurou a da filha, guiando-a até a secretaria.
Após alguns minutos esperando, foram atendidos pela diretora Flint. Que analisou com o olhar a garota, assim que ambos entraram em sua sala.
— Muito obrigado por nos receber. — disse Dimitri, ao apertar a mão da senhora a sua frente — Esta é minha filha, .
— Já avaliei os documentos da criança. — disse a mulher, sentando-se novamente em sua cadeira — Confesso que a história dela me sensibilizou um pouco, e estou feliz pela preferência por nossa escola, daremos todo o apoio para que ela se adapte da melhor forma possível. Quanto ao nível do ensino…
— Como pode ver, suas notas foram satisfatórias em todas as provas de nivelamento e ela não precisará repetir nenhum ano. — Dimitri se pronunciou rapidamente quanto às burocracias — A nota do exame de proficiência em inglês também foi alta, o que a qualifica a estudar em uma escola pública do nosso país.
— Sim. — a diretora deu um sorriso forçado — Só tenho a dizer, seja bem-vinda a Escola Primária Collin, a secretária passará os horários para a aluna e os livros podem ser pegos na biblioteca, mediante ao crachá do aluno que ficará pronto até o final da aula.
— Agradeço, diretora. — Dimitri que permanecera de pé, olhou a filha — Vamos querida?!
assentiu e se retirou da sala com o pai. Assim que pegaram o horário de aula e a garota retirou a foto para fazerem seu crachá. Dimitri se ofereceu para ir até a biblioteca com a filha pegar os livros, porém ela recusou a companhia, pois sabia que o pai tinha horários a cumprir no seu emprego. Por mais que fosse dono do próprio negócio, ele tinha suas responsabilidades com sua loja de materiais de construção.
seguiu com seu primeiro dia de aula, se dirigindo para a sala de aula onde no primeiro horário teria aula de geografia. Dois toques na porta foram o suficiente, para a professora Linda Taboni abrir a porta e deixá-la entrar. Após uma apresentação tímida a turma, ela se sentou na terceira carteira que ficava na segunda fileira perto da janela. A única vazia naquela turma. Do seu lado esquerdo havia um garoto que curiosamente passou a aula inteira observando-a com atenção. O que deixou ainda mais nervosa, quando acidentalmente derrubou seu lápis no chão.
O susto da garota fora tão grande, que seu coração acelerou um pouco como se tivesse derrubado um vaso de vidro. Com gentileza, o garoto da carteira à esquerda pegou o lápis e esticou para ela pegar, dando-lhe um sorriso. Ela pegou em silêncio e voltou a olhar para frente, o que deixou o menino um pouco chateado, por não receber nem um mísero “obrigado”.
Enfim, no intervalo para o almoço. Todo o refeitório já estava lotado pelos alunos e se sentiu mais deslocada ainda. Ela deu meia volta e seguiu para a escadaria de acesso ao terraço da escola, o lugar mais isolado e silencioso do prédio. Foi ali que finalmente pode descobrir o que sua mãe havia preparado para seu almoço. Dois sanduíches de frango com queijo e espinafre, e uma caixa de achocolatado. Ela sorriu de leve, era grata por todo o esforço de Annia com ela. Em um suspiro fraco, deu a primeira mordida e saboreou o tempero que sua mãe.
— Não deveria agradecer pelo alimento? — uma voz soou a sua frente.
De imediato ela reconheceu e levantou o olhar. Era o garoto da carteira à esquerda, que mantinha seu olhar observador para ela.
— O que está fazendo aqui? — perguntou ela, no impulso da surpresa.
— Olha, ela fala. — brincou ele, segurando o riso — Pensei que não tivesse voz.
— Hum?! — ela ficou confusa, e baixando um pouco mais sua voz — Porque?
— Você não me agradeceu, pensei que fosse muda, ou tivesse dificuldade em falar. — explicou ele, de forma tranquila.
— Desculpa. — abaixou o olhar.
— Tudo bem. — ele riu — Pelo menos agora eu sei que sua voz é bonita.
Ela o olhou novamente, meio estática.
— Não vai falar nada? — perguntou ele — Eu acabei de te elogiar.
— Minha mãe sempre me disse para não falar com estranhos. — respondeu ela.
— Ah… Mas eu não sou um estranho, eu já até peguei seu lápis do chão. — seu argumento tentou ser convincente.
O que fez ela rir. Mesmo sem entender se tinha alguma graça naquilo.
— Olha, ela ri também. — seu olhar ficou mais curioso ainda para ela.
— Pare de falar com terceira pessoa para mim. — pediu .
— Desculpa, foi engraçado. — ele riu baixo — Meu nome é , e você é a .
— Sim, sou. — assentiu ela.
— Você falou que sua mãe sempre te disse para não falar com estranhos. — comentou ele.
— Sim.
— Disse e não diz, está no passado, o que aconteceu com ela? — perguntou ele, se sentando dois degraus abaixo dela.
O olhar de ficou mais triste que o habitual. Pois a mãe que ela mencionava era Célia.
— Minha mãe faleceu. — respondeu ela, quase em sussurro.
— Que estranho, eu conheço o missionário Dimitri, e não ouvi que a esposa dele morreu. — retrucou ele.
— Como conhece meu pai?! — perguntou surpresa novamente.
— Meu pai é amigo do seu. — respondeu ele — Mas você não me explicou…
— Eles são meus pais adotivos. — explicou — Minha mãe biológica, era dela que eu falava.
Sua voz falhou um pouco, e o olhar voltou para o sanduíche em sua mão. ficou sem reação do que fazer. Saber daquilo foi inesperado para ele.
— Ah… Que fome… Pena que não trouxe nada para o almoço… — disse ele, tentando mudar de assunto.
ficou um pouco pensativa, até que esticou o pacote para ele com o outro sanduíche.
— Pode comer. — disse ela.
— Sério?! — arregalou os olhos e pegou o pacote.
— Sim. — afirmou.
Se tinha uma coisa que ela havia aprendido com Célia, era dividir com o próximo aquilo que tinha, quando necessário. Um ensinamento que ainda estava bastante vivo dentro da garota. ficou observando o garoto comer como se fosse a refeição mais gostosa que ele tinha comido na vida. Ela segurou o riso e comeu o restante do sanduíche em sua mão.
Passado as horas, Dimitri a pegou pontualmente no final da tarde, em frente a escola. O entusiasmo do pai não esperou até chegar em casa para perguntar como tinha ido o primeiro dia da filha. havia deixado a maioria dos livros que pegara da biblioteca em seu armário, levando para casa somente o de álgebra para fazer a lição de casa.
— Olá querida. — Annia abraçou a filha ao recebê-la novamente, e se aproximando de Dimitri, lhe deu um selinho demorado — Como foi o dia de vocês?
— Cansativo. — respondeu Dimitri — E o seu querida.
— Mais ainda, trabalhar home office consegue ser mais estressante que pegar o trânsito. — respondeu ela, e olhou para a filha com carinho — E você ?
— Acredita que ela não quis me responder no carro?! — Dimitri se mostrou ainda chateado.
— Não combinamos que ela contaria a nós dois? — Annia colocou a mão direita na cintura com o olhar atravessado para ele.
O que arrancou risos da filha.
— Foi normal, eu acho. — respondeu a menina, matando a curiosidade deles.
— Só normal?! — indagou Dimitri.
— Sim, eu vou para o quarto, tenho lição de álgebra. — ela se afastou deles, seguindo para o corredor.
— Tudo bem, daqui a pouco eu te chamo para o jantar. — avisou Annia, segurando de leve no braço do marido para que ele não insistisse mais.
Assim que a menina sumiu no campo de visão deles, Annia sorriu para o marido com um olhar compreensivo.
— Vamos dar espaço a ela, a escola é uma novidade, com tempo ela se abre para nós sobre isso também. — disse Annia.
— Queria poder fazer mais por ela, nossa menina ainda mantém um olhar triste no rosto. — confessou Dimitri, num tom frustrado.
— Já estamos fazendo, estamos orando por ela todos os dias. — Annia segurou em sua mão e entrelaçou seus dedos — Vamos fazer a nossa parte, a Célia plantou, nós regamos, mas quem dá o crescimento é Deus. — disse ela, com referência ao versículo 6 do livro de I Coríntios 3.
Em seu quarto, colocou a mochila na cama e abriu, retirando o caderno e os livros. Ela se sentou na cadeira em frente a escrivaninha e começou a fazer sua lição. Concentrada em seus estudos, nem mesmo sentiu as horas passarem. No fundo, ela sentia que aquilo seria mais uma distração para que ela não pensasse em seu passado de dores.
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Meses foram passando com se adaptando bem à rotina escolar. Isso graças ao amigo que Papai colocou em sua vida para lhe ajudar. Por mais que ela não percebesse, em nenhum momento ela estava sozinha.
Em um dia nublado, acordou com uma sensação estranha. Após ser deixada na escola pelo pai, seguiu com as atividades planejadas. Era sexta, por tanto aula de educação física. A quadra coberta ficava atrás da escola e havia uma passarela de acesso entre o prédio principal e ela. A aula de esportes terminou ao som do sinal e todos foram embora. por um infortúnio esquecimento, deixou sua blusa de moletom no vestuário.
Ao voltar para buscar, a chuva iniciou do lado de fora, e estava tão forte que até mesmo trovões tinha. Isso causou na garota uma volta involuntária às memórias do passado, quando viu o corpo de Célia ao chão, sendo molhado pela chuva. O corpo de travou de repente, fazendo-a mais uma vez se sentir vulnerável. Ela tinha contraído alguns traumas por sua perda, um deles foi o medo de barulho de trovão misturado a chuva.
A única coisa que conseguira fazer, diante de tantos barulhos que a congelava por dentro, foi esconder-se debaixo da arquibancada de estrutura de metal.
— ?! — a voz de ecoou na porta do ginásio — Você está aqui?!
A menina queria responder ao chamado dele, mas sua voz não saiu. O menino, vendo a mochila dela no último degrau da arquibancada, se aproximou mais e ouvi sons de choro. Logo, ele a encontrou encolhida no chão, abraçada às suas pernas, em lágrimas.
— Te achei. — disse ele, ajoelhando de frente para ela — O que aconteceu?
Assim que ele falou, o som de outro trovão soou alto e forte, fazendo ela se encolher ainda mais. Assim que ele entendeu que ela estava com medo, a abraçou com carinho, para que ela se sentisse segura.
— Vai ficar tudo bem, Jesus está aqui conosco e essa chuva vai passar. — disse ele, num tom baixo.
— E se não passar? — ela levantou o olhar marejado de lágrimas para ele.
— Que tal pedirmos ao dono da chuva?! — sugeriu ele.
abaixou o olhar, ela sabia que já tinha um tempo que não falava diretamente com Deus. As lembranças ruins sempre vinham em sua mente quando tentava, então ela simplesmente não o fazia. Mas naquele momento, quando começou a orar, ela sentiu uma paz inexplicável em seu coração, a mesma paz que ela sentia quando ouvia Célia orando pelas madrugadas.
levantou o olhar e observou o menino em sua frente de olhos fechados e orando com todo fervor. Logo, ela sentiu seu coração pulsar um pouco mais forte, e notou que pela primeira vez ao se colocar diante de Papai, as memórias ruins não tinham aparecido em sua mente.
Meu Deus é
Deus de milagres, Deus de promessas
Caminho no deserto, luz na escuridão
Meu Deus, este é quem Tu és.
- Caminho No Deserto / Soraya Moraes
Ensinamento: A oração de um justo pode muito em seus efeitos (Ore).
Débora
Já tinham desistido os camponeses de Israel,
já tinham desistido, até que eu, Débora, me levantei;
levantou-se uma mãe em Israel.
- Juízes 5:7
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Atualmente...
Poderia dizer que era perturbador para estar frente a frente com seu amigo do passado. O dia em que ela decidiu se afastar dele ainda estava fresco em sua mente, assim como a saudade que em silêncio sentia em seu coração. de imediato espantou as lembranças tristes de seus pensamentos, o que importava para o rapaz era aquela oportunidade única de tê-la encontrado.
E não a perderia por nada.
— Me desculpe , mas eu realmente tenho que ir. — ela se afastou dele, um pouco sem graça e seguiu para a entrada do orfanato.
Ao chegar do lado de fora, ficou um tanto perdida por não ver mais o carro da loja. Ela olhou para o senhor que trabalhava no local limpando os vidros da fachada.
— Senhor, sabe me dizer se o rapaz que chegou comigo já foi embora? — perguntou ela.
— Ah… Sim, parece que ele recebeu uma ligação e saiu correndo com o carro. — respondeu o homem.
soltou um suspiro cansado, pensando em esganar Niall quando chegasse na loja e deu o primeiro passo para seguir em direção a estação de metrô.
— Eu levo você. — a voz de surgiu atrás dela.
se assustou um pouco.
— Não precisa. — disse ela, ajeitando a bolsa transversal no corpo — O metrô deve ser aqui perto.
— Ele é um pouco longe, moça. — disse o funcionário, invadindo o diálogo deles.
— Eu insisto, só me diz o endereço. — manteve o olhar confiante.
E era exatamente isso que ela não queria, que ele conseguisse mais qualquer tipo de proximidade com ela naquela cidade.
— Tudo bem. — sem argumentos, só lhe restava aceitar a gentileza.
deu um sorriso disfarçado e a guiou até seu carro. Na primeira parte do caminho, ambos permaneceram em silêncio. O rapaz tinha muitas perguntas para lhe fazer, curiosidades sobre os anos que ficaram longe um do outro. Mas manteve sua atenção na rodovia. Ela também sentiu uma leve curiosidade momentânea. Foi então que ele quebrou o vazio entre eles ao ligar o som do carro, que propositalmente começou a tocar Oceans.
— Spirit lead me where my trust is without borders… Let me walk upon the waters… Wherever You would call me… — começou a cantar a canção juntamente com a voz que saía do som do carro, de forma espontânea — Take me deeper than my feet could ever wander… And my faith will be made stronger… In the presence of my Savior…
Quando finalmente percebeu o som saindo de sua voz, seu olhar foi de encontro ao retrovisor da frente, fazendo-a ver um sorriso singelo no rosto de . Aquilo a fez ficar em silêncio de imediato, se encolhendo com vergonha.
— Sua voz continua a mesma, doce e suave. — comentou ele, deixando ela ainda mais envergonhada.
— Desculpa, comecei a cantar e nem reparei o que estava fazendo. — ela se explicou, desviando o olhar para a janela ao lado.
— Por que se desculpa? — ele riu baixo — Sua voz ao cantar sempre transmitiu paz.
Paz. Era algo que não sentia a muito tempo. Mas se surpreendia sempre que alguma pessoa comentava que se sentia bem ao ouví-la cantar. Aquele era seu dom mais visível e o que ela menos usava. Afinal, sempre que abria seus lábios para cantar algum louvor, a tristeza pela perda da sua mãe era imediata e inevitável.
— Posso te fazer uma pergunta? — pediu ela, mudando rapidamente o assunto.
— Sim. — disse ele.
— O que fazia no orfanato? — perguntou curiosa.
Ele já imaginava que em algum momento ela pudesse lhe fazer aquela pergunta. Talvez, fosse a brecha que ele precisava para poder desenvolver alguma conversa com ela.
— Ah… Eu ajudo em uma ong, agora estamos com um projeto de ensinar um pouco de arte para as crianças carentes e de orfanatos. — explicou ele — Somente fui ao orfanato hoje para entregar os papéis de autorização ao diretor, pois algumas crianças de lá querem participar.
— Ah… — ela manteve o olhar para o lado de fora do carro.
— Inicialmente vamos começar com música ensinando instrumentos, até conseguir mais voluntários para outras vertentes como teatro e dança. — continuou ele com naturalidade, demonstrando todo o seu entusiasmo com o projeto — Temos três professores de violão, dois de teclado e piano, um de saxofone, um de guitarra e dois de bateria.
— É uma quantidade boa para iniciar. — comentou ela.
Este era visivelmente um dom de . Seu lado espontâneo e natural sempre lhe permitia puxar conversa com as pessoas e fazê-las se sentir à vontade para passar horas falando sobre assuntos aleatórios sem perceber. E se sentia mais do que à vontade perto dele. O primeiro amigo que fez na Escola Primária Collin, tinha a facilidade de lhe fazer rir e conversar mesmo quando não queria.
— Sim, mas ainda precisamos de pessoas para outras partes da música, como a manutenção dos instrumentos e precisamos de doações também. A ong é bem pequena, mas tem muita pessoa legal que ajuda lá. — continuou ele.
— Hum…
— Você bem que poderia se juntar a nós. — sugeriu ele.
— Eu?! — ela o olhou confusa.
— Sim, poderia ser nossa professora de canto. — continuou ele.
— Ah, não, eu não sei ensinar. — ela voltou o olhar para frente — Sabe que não consigo me comunicar muito bem com as pessoas.
Um ponto fraco que a dor do passado formou dentro dela.
— Bem, você me pareceu bem comunicativa com aquela garotinha do orfanato. — comentou ele — Aliás, o que estava desenhando para ela?
— Estava ensinando ela a desenhar um vestido para sua boneca. — respondeu.
— Então está decidido, você vai ser nossa professora de canto e de desenho. — sua voz saiu com mais entusiasmo.
soltou uma risada baixa. realmente tinha um jeito único de ser que a deixava admirada.
— Você não pode sair decidindo as coisas pelas pessoas. — ela o repreendeu, deixando a voz mais séria.
— Muito bem. — ele parou o carro no acostamento e olhou para ela — Me diga que não quer ajudar e não te incomodo mais.
Olhar nos olhos dele com toda aquela profundidade que o rapaz emitia, a deixava mais insegura e retraída ainda. Ela não sabia se queria ou não, mas em sua mente só imaginava que se aceitasse, seria mais uma forma de aproximação da parte dele.
— Digo que vou pensar, e depois te dou a resposta. — se pronunciou — Satisfeito?
— Não, mas tudo bem. — ele abriu um largo sorriso para ela — Aceita tomar café comigo? Estou com fome.
— Eu ainda estou no meu horário de trabalho. — alegou tentando fugir dele.
E você sempre está com fome! Pensou ela.
— Bem, se você voltasse de metrô, que é a lógica real, teria que andar uns vinte minutos até a estação, esperar mais uns 15, ficar dentro de um vagão cheio de pessoas suadas e mau humoradas por uns 30 minutos talvez, contando as paradas e mais a distância do metrô até sua loja, você deve ir caminhando também…
— Ok, eu já entendi, . — disse ela.
Ele tinha bons argumentos, era bem convincente e queria muito passar mais tempo com ela. assentiu e ele deu a partida no carro, com o destino traçado em sua mente. Uma pequena e mimosa cafeteria ao leste do Queens, que dividia o espaço com uma livraria também. nunca tinha entrado naquele lugar, e nem imaginava que existia um assim na cidade, entretanto sentiu uma sensação boa no ambiente.
a conduziu até uma mesa aos fundos onde sentaram. Após serem atendidos pelo funcionário. O olhar do rapaz se fixou na amiga que sentara de frente para ele. Seu coração acelerou um pouco, talvez por na sua mente criar uma breve ilusão de que um simples café pudesse ser considerado um encontro. Mas o fato é que gostava de desde o momento em que a conheceu, desde a primeira vez que a viu entrar na sala de forma acanhada e tímida. E ter se afastado dela deixou seu coração praticamente em pedaços, que com muita oração foi cicatrizado por Deus.
— O lugar é bem bonito. — comentou ela, olhando em volta.
— Sim, sempre que venho aqui, não consigo deixar de pensar em você. — revelou ele, após fazer sua oração de agradecimento pelo alimento — E do dia em que nos tornamos amigos quando te achei na quadra da escola.
— Eu me lembro daquele dia. — ela moveu seu olhar para a xícara de chocolate quente à sua frente — Você conseguiu uma amiga bem problemática.
Ela brincou, mas ele continuou sério.
— A melhor amiga que eu poderia ter. — a sinceridade soou em sua voz.
— O que estamos fazendo aqui ? — ela voltou o olhar para ele — Não sinto que seja somente pelo café.
— É por você. — disse ele, de forma enigmática — Eu já falei que não vou desistir de você, e Deus também não, por mais que queira nos afastar da sua vida.
— Eu só não quero passar por tudo aquilo de novo. — confessou ela, mencionando seu passado subjetivamente.
conhecia muito bem a história de . A forma trágica em que ela perdeu a mãe e a causa do seu trauma de chuva. Não fora fácil para o menino conquistar a confiança dela e ao mesmo tempo fazê-la se abrir com ele. Entretanto, sua amizade era um conforto para a garota.
— Não é se isolando que as coisas vão ficar bem. — ele a confrontou.
— Podemos mudar de assunto? — ela desviou o olhar para o lado, observando um casal se sentar na mesa à frente.
— Está mesmo fazendo moda na Parsons? — indagou ele, fazendo o que ela pediu.
— Sim. — assentiu ao dar a primeira garfada na torta de maçã que havia pedido.
— Não vai me perguntar por que eu mudei minha opção de curso? — instigou ele.
— Hum… Diga. — ela o olhou, estava mesmo curiosa.
— Eu gosto de música e se Deus me deu o dom para isso, não quero perder meu tempo com algo que não vai me fazer feliz e nem ajudar no meu chamado. — revelou ele.
— Eu sempre pensei que você queria mesmo fazer engenharia. — comentou ela.
— Esse era o sonho do meu pai. — e explicou — E produção musical é maravilhoso, tudo que eu sempre imaginei… Você sabe que nosso chamado é pro louvor, não dá pra fugir.
Ela sentiu a indireta.
— Já faz tempo que não faço isso. — confessou ela — Me deixa desconfortável.
— Fico triste por isso. — ele abaixou o olhar.
— Podemos mudar de assunto? — pediu novamente.
Essa era a estratégia de para fugir dos problemas e não tocar em suas feridas. Mas era paciente e esperaria pelo momento mais propício pra encorajá-la a enfrentar suas dores e deixar o Espírito Santo cicatrizar suas feridas ainda abertas.
— Como se descobriu na moda? — perguntou ele, ao tomar um gole do seu Ice Latte — Se me lembro bem, você queria fazer medicina.
— Era o sonho da minha mãe Célia, que eu me tornasse médica. — respondeu , se lembrando da mãe — Eu consegui bolsa na Monash University, mas depois que visitei os laboratórios e assisti a aula inaugural, senti que realmente não era pra mim.
Foi uma das mais difíceis decisões que ela havia tomado. Inicialmente se sentiu traindo sua mãe Célia e destruindo o sonho dela. Mas após muita conversa e aconselhamento dos seus pais adotivos, a jovem entendeu que a melhor forma de honrar a memória da mãe, não seria fazendo medicina, mas sim, vivendo de acordo com os ensinamentos dela, sendo uma mulher de caráter honesto. Além de não abandonar a fé em Deus.
Está última parte, seria ainda mais importante. Pois Célia era uma mulher de fé, sendo um grande exemplo para sua filha até o fim.
— Imagino que não tenha sido fácil. — comentou ele — Mas o que importa é que está fazendo o que gosta.
— Sim. Me divirto muito, quando não estou estressada por desenhar demais e com o pulso doendo. — ela deu outra garfada na torta.
— Combina com você, sempre desenhou tão bem. — elogiou ele.
— Obrigado. — ela sorriu de leve, espontânea.
Fazendo-o sorrir também.
Ambos continuaram conversando por mais algum tempo até que recebeu uma ligação preocupada da senhora Moore. a deixou na porta da loja de roupas como prometido e seguiu seu caminho. A jovem sentiu seu coração aquecido por um momento, ao observar o carro se distanciando da loja, o que a fez ficar parada por alguns minutos apenas repassando em sua mente tudo o que tinha vivenciado naquelas poucas horas com ele.
— Hummm… — Louise se aproximou dela, com os olhos arregalados de curiosidade, despertando sua atenção — Quem é ele?
— Um velho amigo, dos tempos da escola. — respondeu, não dando tanta importância a amiga.
Ela entrou na loja e se reportou à senhora Moore, contando sobre o repentino desaparecimento de Niall. Após organizar mais algumas coisas no estoque e deixar as caixas para o bazar da igreja separadas em uma pilha única com um bilhete para Niall.
— Nossa que dor na coluna. — reclamou Louise ao se espreguiçar indo em direção ao banheiro.
— Compartilho do mesmo sentimento. — disse , retirando o celular do bolso e olhando as horas.
— Eu ainda não sei como você consegue dormir naquela cama. — comentou a amiga — Eu já troquei de colchão umas três vezes em menos de um mês.
— Não posso me dar ao luxo de gastar dinheiro com isso, além do mais, já estive em situações piores. — disse , se lembrando da velha cama que rangia a madrugada toda, em que dormia no Brasil.
Ela se moveu pelo minúsculo espaço da sala e entrou em seu quarto. Deixando a bolsa em cima da cama, trocou de roupa e se sentou na cadeira, para mais uma noite em claro estudando. Tinha uma prova teórica de história da arte e da indumentária, muito importante no dia seguinte. Para continuar mantendo sua bolsa de estudos, ela não podia se dar ao luxo de relaxar como a amiga ou as outras garotas da sua turma. Ela precisava manter seu nível de qualidade de melhor aluna.
A forma que encontrou para honrar seus pais adotivos que lhes deram todo apoio.
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A semana passou e sentiu algo estranho, ao longo dos dias. O motivo? O inesperado silêncio e afastamento de . Após o dia em que o encontrou no orfanato, a garota já esperava por alguma visita surpresa do amigo na loja. Entretanto, não ocorreu. O que a deixou intrigada e um pouco ansiosa também. Ela sabia que seu amigo persistente nunca desiste das coisas. E quando o assunto era a amizade de ambos, sua dedicação parecia ser dobrada.
Sábado à noite, se dirigiu para o bar onde trabalhava aos finais de semana. De nome Vitrola, o ambiente era bem harmônico em sua arquitetura. A mistura industrial com o rústico transmitia uma sensação agradável aos clientes, que permaneciam horas no lugar desfrutando do momento.
entrou pela porta de acesso dos funcionários, nos fundos do prédio. Ficou alguns minutos no banheiro fazendo um breve aquecimento vocal. Por um acaso, o dono do lugar havia entrado dentro da loja de roupa no exato momento em que ela cantava uma música que tocava no rádio. Foi a deixa para ele a convidar a cantar aos sábados em seu bar. Era um dinheiro extra que utilizava na compra de tecidos para as roupas que desenhava em seus trabalhos do curso.
— You call me out upon the waters… The great unknown where feet may… — não se atentou ao que fazia, mas após assentar na banqueta e começar a dedilhar as cordas do violão, automaticamente sua voz começou a soar a canção Oceans — There I find You in the mystery… In oceans deep, my faith will stand...
Somente quando iniciou o refrão que ela percebeu todo o seu corpo trêmulo e seus olhos marejados de lágrimas. A canção estava falando internamente com ela, de forma inesperada e intensa. Não era de costume cantar uma canção gospel, justamente pelo fato de lembrar sua mãe. Mas ali estava ela inexplicavelmente conduzindo com maestria a canção que mais falava ao seu coração.
No final. Ela olhou para as pessoas que estavam no lugar, e notou os olhares impressionados e emocionados para ela. Havia até mesmo uma senhora enxugando disfarçadamente uma lágrima que caía. Foi neste momento de um olhar específico lhe chamou atenção. O rosto sereno de lhe transmitiu uma sensação de aconchego inesperada. O som dos aplausos a despertaram para cantar a próxima música.
— Agradeço a todos por estarem aqui, nesta noite. — disse ela, voltando a dedilhar o violão novamente.
Após quatro canções consecutivas, deu uma pausa e se dirigiu para o balcão de atendimento do bar.
— Hoje você está incrível. — comentou Jack, o Batman da noite — Não sabia que cantava músicas gospel, sua voz fica tão mais suave com esse estilo.
— É, fazer isso hoje tem sido novidade pra mim também. — uma novidade que a deixava temerosa.
— A primeira música que cantou me fez lembrar o coral da igreja da minha mãe. — comentou ele — Que nostalgia da minha época de infância.
— Hum. — ela voltou seu rosto para o lado e percebeu a atenção de em sua direção.
— Vai querer água de côco desta vez? — perguntou Jack.
— Mineral, por favor. — respondeu ela.
Assim que foi servida, ela tomou o primeiro gole. Em instantes, sentiu uma presença do seu lado direito e ao mover seu rosto. Seus olhos encontraram os de .
— Então você ainda louva. — disse ele convicto de suas palavras.
— O que faz aqui? — perguntou ela, desviando do seu comentário.
— Acreditaria se eu dissesse que Deus me trouxe até aqui? Só para te ver? — ele deu um sorriso de canto meio bobo.
Porém, deixou seu olhar mais sério. Demonstrando não estar para brincadeiras.
— É sério. — disse ele, rindo um pouco — Eu não sabia que trabalhava aqui também, vim com uns amigos da universidade, é aniversário do Scott.
Explicou ele, apontando para a mesa dos amigos.
— Hum. — ela voltou o olhar para o copo.
— Quando me pediu para me afastar de você, me fez prometer que iria cumprir. — continuou ele — E tenho feito isso todo esse tempo, por isso não voltei naquela loja. Amigos cumprem promessas, por mais que lhes doa.
— Então porque está aqui? — ela se sentiu confusa internamente — Por que agora nos encontramos de novo?
Após quatro anos de distância.
— Porque em todo esse tempo, oro todos os dias a Deus para que você me deixe voltar pra sua vida. — ele sorriu de leve, bem espontâneo — E seus olhos me confirmam que o Senhor está começando a responder às minhas orações.
estava mesmo confiante. E de alguma forma poderia estar. Pois internamente a barreira que criara em sua vida estava começando a ser abalada.
Afinal, Deus jamais desistiria dela.
Meu Deus é
Deus de milagres, Deus de promessas
Caminho no deserto, luz na escuridão
Meu Deus, este é quem Tu és.
- Caminho No Deserto / Soraya Moraes
Ensinamento: Não desistir.
5. Priscila
Saúdem Priscila e Áquila,
meus colaboradores em Cristo Jesus.
Arriscaram a vida por mim.
Sou grato a eles; não apenas eu,
mas todas as igrejas dos gentios.
- Romanos 16:3-4
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Atualmente...
não conseguiu voltar ao espaço do palco novamente para continuar sua apresentação da noite. Assim como não conseguiu voltar para mesa dos seus amigos da NY University, que ao longe ficaram observando-o curiosos. Os olhares dele para a garota a deixava um pouco constrangida e ainda mais inquieta internamente. Sua mente um pouco cansada pelos dias corridos e desgastantes, apenas desejava um momento de descanso, porém os bombardeios das memórias do passado iniciaram a partir do momento em que ele disse o motivo de estar ali.
— Acho que preciso ir. — disse ela ao se levantar da banqueta e pegar sua mochila.
— Posso te levar? — perguntou ele, se levantando também.
pensou naquela pergunta por três segundos, e antes que pudesse recusar…
— Sim. — as palavras saíram com suavidade de sua boca, deixando-a confusa consigo mesma.
Ela queria recusar, mas espontaneamente acabou aceitando. Respirando fundo, a garota sentiu segurar sua mão, o que fez seu corpo paralisar a primeiro momento, então deixou-se ser guiada por ele até a saída. O carro do rapaz estava estacionado no quarteirão da frente, naqueles pequenos passos até o automóvel o coração de se manteve em constante aceleração. Assim que entraram, deu a partida e perguntou o endereço dela.
— Se não quiser falar, eu posso te deixar próximo. — disse ele, para que ela se sentisse mais confortável.
— Ah, não, eu posso dizer. — ela deu um sorriso fechado.
Voltando seu olhar para a janela ao lado, num tom mais baixo informou o endereço dela, curiosamente conhecido por ele. Minutos de silêncio entre os dois, apenas apreciando o fundo musical proporcionado pela playlist do carro.
— So I shout out Your name… From the rooftops I proclaim… That I am Yours… I am yours… — começou a cantarolar a música Rooftops do grupo Jesus Culture, de forma espontânea e muito empolgada — All that I am, I place into Your loving hands… And I am Yours, I am yours…
começou a rir de leve do amigo, que continuou sem se importar. Aquilo os fizeram lembrar de vários momentos do passado, quando se juntavam para ouvir músicas e se fazia o astro da música com seus gestos engraçados. Ela parou de rir e voltou a olhar para frente, ficando um pouco mais séria.
— Você também se lembrou, não foi? — ele olhou para ela, através do retrovisor da frente.
O silêncio da garota foi uma confirmação para ele.
— Nem sempre podemos fugir do passado. — comentou ele — E não existem apenas memórias ruins.
— Poderia não começar esse assunto? — pediu ela, mantendo o olhar baixo.
— Chegamos. — ele estacionou o carro em frente ao prédio em que ela morava — Quando você quiser falar sobre isso, sabe que estarei aqui.
— Eu sei, você é um bom amigo, mesmo eu não merecendo. — ela o olhou.
conseguiu sentir a tristeza vinda da garota e pensou rapidamente numa forma de aliviar isso.
— Olha só, ela disse amigo. — ele abriu um largo sorriso, mantendo o olhar como de uma criança que acabara de receber uma boa notícia.
A reação dele, fez ela sorrir junto.
— Você é muito bobo. — ela destravou o cinto de segurança e abriu a porta para sair.
— Posso te ver de novo amanhã? — perguntou ele, mantendo a esperança interna.
— Amanhã é domingo. — alegou ela, achando ser um argumento.
— E o que tem? — seu olhar ficou confuso.
— Tenho trabalhos para fazer. — explicou com mais relevância.
— Que tipo de trabalho? — insistiu ele.
soltou um suspiro cansado, era complicado lidar com o lado insistente dele, mas depois de cinco anos ela sentia falta daquilo.
— Tenho vários croquis para desenhar. — detalhou melhor.
— E não pode fazer isso ao ar livre em um piquenique no Central Park? — perguntou em forma de convite e sugestão.
— Você quer me levar ao Central Park?! — aquilo a deixou levemente desnorteada.
— Sim… E eu acho que a natureza pode ser um bom estimulante para seus desenhos. — ele manteve o olhar sereno para ela, com um sorriso no canto do rosto — Ou vai me dizer que ficar trancada no quarto é melhor?
— Não… — saiu quase um sussurro.
— Que horas te pego? — o olhar dele atento a ela, era um choque de sentimentos para a garota.
— Pode ser às 9? — devolveu a pergunta.
— Fechado. — assentiu.
Ela finalmente desceu do carro e seguiu para a porta. No caminho, encontrou sua amiga um pouco bêbada e bem tagarela. Ela ajudou Louise a chegar ao apartamento e assim que entraram, assentiu a amiga no sofá do que chamavam de sala. E deixando a mochila no chão ao lado, seguiu para a área da cozinha.
— Onde estava que voltou nesse estado? — perguntou , pegando a velha chaleira e indo para a pia.
Para a garota, nada como um café bem forte para fazer o ser humano voltar aos eixos e é isso que ela faria para a amiga.
— Ai, acho que exagerei um pouco. — resmungou Louise, se despojando mais um pouco no sofá e voltando o olhar para observar a amiga — Fui convidada a uma festa na fraternidade Beta Delta da Columbia University.
— Uau, está tentando entrar para a elite? — perguntou , ao acender a trempe do fogão com o fósforo e se voltar para o armário.
— Se nada der certo, preciso me casar com alguém rico. — brincou ela, sentindo uma pontada em sua cabeça — Socorro, nem amanheceu e eu já estou com ressaca.
— Isso que dá beber demais. — ela riu da amiga, ao abrir a geladeira e procurar algo para fazer um lanche para as duas — O que acha de um sanduíche de queijo quente? Eu estou com fome e aposto que a única coisa que fez nessa tal festa foi beber.
— Adoro seus queijos quentes e sim, eu não consegui comer e olha que tinha uma mesa repleta de petiscos. — Louise se remexeu mais no sofá, se deitando um pouco — E você? Voltou meio cedo do Vitrola.
— A noite terminou mais cedo. — se manteve concentrada nos sanduíches.
— E isso se deve ao garoto do carro que te trouxe? — perguntou ela, deixando soar um tom malicioso — Posso estar bêbada, mas ainda tenho olhos.
Louise soltou uma gargalhada maldosa, que deixou constrangida. A jovem parou o que fazia e olhou para a amiga jogada no sofá.
— Não quero falar sobre esse assunto. — disse ela, voltando ao preparo dos sanduíches.
— Você nunca quer falar sobre nada. — reclamou Louise, erguendo a cabeça e olhando-a com mais clareza — Nem sei como somos amigas.
— Você gosta de falar e eu tenho paciência para te ouvir. — seu argumento resumiu toda a explicação.
— Verdade. — ela riu novamente, mais baixo — Só me responde uma curiosidade, por favor?!
Louise fez o olhar de cachorro sem dono.
— Só uma. — a olhou novamente.
— Esse amigo, é o mesmo da foto na cabeceira da sua cama? — os olhos brilhantes de curiosidade de Louise, deixava a garota abismada.
abaixou o olhar, algo que fez sua amiga ver como uma confirmação. Logo ela deu um pulo do sofá, estranhamente empolgada.
— Eu sabia! — Louise soltou um grito e depois cambaleou — Ai, o álcool subiu aqui.
— Nem comento. — a garota não se importou com o estado dela.
— Mas, me conta, como foi voltar a ver ele? — os olhos curiosos de Louise retornaram para ela.
— Você disse uma curiosidade. — alegou a garota.
— Mas é a continuação da curiosidade. — argumentou a amiga.
— Não vou contar mais nada. — disse com firmeza.
— Nem precisa. — ela deu de ombros e sentou no braço do sofá — Seus olhos já dizem tudo.
— Como assim? — a jovem a olhou confusa.
— Você está com um olhar diferente, desde que esse amigo reapareceu. — explicou ela.
finalmente terminou de preparar o lanche de ambas e após passar o café, chamando a amiga para comerem, continuou em silêncio pensando nas palavras reveladoras de Louise. Assim que lavou a louça suja, seguiu para seu quarto e deixando a mochila em cima da bancada de estudos, abriu o guarda-roupa. Colocando o pijama, se deitou na cama e pegou a Bíblia embaixo do travesseiro. Se contava sete dias desde que reapareceu, sete dias em que algo dentro dela estava sendo trabalhado.
Mas sua resistência em voltar a falar com Papai ainda permanecia.
Em um respirou fundo, ela voltou o objeto para debaixo do travesseiro e finalmente se deitou com mais conforto. Foi o fechar de seus olhos que caiu em sono profundo. Parecia que seria uma noite tranquila, afinal o dia havia sido proveitoso e surpreendente no final. Porém, na alta madrugada ela começou a ter um pesadelo referente a acontecimentos do passado. O detalhe é que justo nesta hora, em seu quarto, estava de joelhos diante de Deus, orando por sua amiga.
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— Você está com um olhar triste. — comentou , assim que se encontrou com a amiga na porta do seu prédio, na manhã seguinte — Aconteceu alguma coisa?
— Apenas não dormi bem. — alegou , desviando o olhar para uma criança que passava com seu cachorro.
— . — segurou em sua mão — Eu te conheço.
— Só não tive uma boa noite. — explicou ela — Podemos ir?
— Claro. — ele sabia que tinha algo errado, mas não iria insistir.
Quando se trancava internamente, somente Deus para fazê-la se expressar e compartilhar suas dores. tinha esse conhecimento e estava otimista que até o final daquele dia, ela iria se abrir para ele. De carro tudo é sempre mais rápido e não demoraram para chegar ao Central Park. O jovem aspirante a produtor escolheu um lugar pouco sombreado para sentarem na grama. E tinha preparado tudo para aquela ocasião, desde a toalha de mesa de apoio até o lanche que comeriam ao longo do dia.
— Me diz se não é bem melhor esse clima refrescante do que seu quarto apertado e desconfortável?! — indagou ele.
— Como sabe que meu quarto é apertado e desconfortável? — ela o olhou desconfiada.
— Sabendo, não é difícil imaginar. — ele riu — Você não aceita dinheiro dos seus pais, trabalha em dois lugares e desenha em troca de dinheiro, com certeza onde mora é o sinônimo da falta de espaço.
— Hum. — ela fez uma careta — Não precisa ser tão detalhista assim.
— Mas então?! — seu olhar ficou fixo nela.
— Ok, eu concordo, é bem melhor estar aqui do que no meu quarto. — ela ajeitou a mochila ao lado, que estava em cima da grama — Não costumo sair muito.
— Desde quando não faz algo assim?! — perguntou ele, já abrindo a cesta de lanches.
— Desde que… — ela pausou.
Então entendeu. Desde o dia em que se distanciaram.
— Não tem muita graça sem a companhia certa. — alegou ela.
— A companhia certa sempre é a companhia do Espírito Santo. — afirmou ele.
— Não sei se Ele me acompanharia, já que não estamos muito próximos. — não gostava de tocar em tal assunto, mas a forma em que seu amigo lhe puxava as respostas era espontâneas.
— Ele assegurou que estaria conosco até a consumação do século. — usou a referência Bíblica de Mateus 28:20 para ela, algo que mantinha na ponta da língua — Tenho certeza que Ele sente sua falta.
abraçou suas pernas e olhou para frente, observando as pessoas que transitavam pelo lugar. Sentiu um frio passar pelo corpo com as palavras dele. Ela havia se apegado tanto a sua dor que se esqueceu daquele que era a sua cura: Jesus. Mas ali estava , perseverante em mostrá-la que o Amor sempre se importaria com ela.
— Você vem todos os domingos aqui? — perguntou ela, mudando o assunto.
— Sim, continuei nossa tradição. — respondeu ele, abertamente — A natureza também é uma parte do Senhor, além de bela é motivadora.
— Hum…
— E como ficou sua amiga, ela não parecia nada bem?! — abriu o pacote de ruffles e jogou a primeira batata na boca.
— Eu fiz um café forte pra ela, e a forcei a comer também. — respondeu desviando o olhar para o pacote na mão dele — Quando saí de casa, ela ainda estava jogada na cama dormindo.
— Aceita?! — ofereceu ele, o lanche inicial.
— É de salsa e cebola? — perguntou.
— Seu favorito. — afirmou.
sorriu de leve e pegou uma, levando a boca. Porém, parou no caminho.
— Espera… Você não agradeceu. — disse ela.
— Olha só Jesus, ela notou. — abriu um largo sorriso, com os olhos brilhando — Já que reparou, você pode fazer a oração.
— Eu… , por favor… — ela começou.
— Senhor Jesus, agradecemos ao Senhor por este dia, pela oportunidade e pelo alimento, agradecemos também por sua presença aqui, porque tenho certeza que está sentado ao nosso lado. — ele a interrompeu fazendo a oração de olhos fechados e concentrado — Amém!
— Amém. — sussurrou ela.
— Você acabou de orar. — ele abriu os olhos e manteve o brilho — E a confirmação foi quando disse Amém.
sentiu uma brisa gostosa passar por seu corpo, um sentimento de alívio intrigante, mas bom. Não tinha pensado por esse ângulo, mas se sentiu feliz pelo ponto de vista do amigo, que lhe fez refletir um pouco.
— Você trouxe comida suficiente? — perguntou ela, pegando outra batata — Porque você sempre está com fome.
— Trouxe o suficiente para a manhã, vamos almoçar em algum lugar de tarde, e tenho outros planos para nós. — respondeu ele, empolgado.
— Planos? Devo ficar com medo? — seu olhar ficou temeroso.
— Desde quando meus planos são ruins? — se fez indignado — Todos vem de Deus, minha querida.
— Tudo bem. — ela fez um gesto de rendição — Não está mais aqui quem falou.
Eles riram de leve e voltaram a comer. Minutos depois ela lavou as mãos com um pouco da água de sua garrafinha e começou a desenhar. O momento era propício e sua saída com o amigo ainda tinha seu propósito, estudos ao ar livre. se manteve ao lado, observando-a com atenção. Não no desenho, mas no rosto dela que o deixava fascinado. Era raro os momentos em que mesmo séria, a face de reluzia serenidade e brilho, mas ali estava.
— Vai mesmo passar o dia todo me olhando? — ela finalizou seu vigésimo croqui e o olhou — Não é tedioso? Se quiser caminhar um pouco.
— Não quero caminhar, só quero ficar te olhando. — respondeu ele — Para mim, não é nenhum pouco tedioso, pelo contrário, é fascinante ainda mais depois de quatro anos.
— Você me faz ficar envergonhada assim. — retrucou ela — Pare de dizer essas coisas com tanta sinceridade.
— Me desculpe se não consigo ser menos direto em minhas palavras. — ele ergueu a mão e passou no cabelo dela, colocando-o atrás de sua orelha.
— … — ela se encolheu um pouco com o coração acelerado.
— Volte a desenhar, parecia estar se divertindo. — aconselhou ele.
— Não está com fome? — perguntou ela, segurando o riso.
— Não… Acho que ainda podemos ficar mais um pouco aqui, além do mais, trouxe maçãs para ajudar. — assegurou ele.
— Maçãs te dão mais fome ainda. — alegou ela.
— Essa é a ideia. — brincou ele, fazendo-a rir.
o olhou por alguns instantes, não conseguindo encará-lo por muito tempo, voltou a atenção para as folhas em seu colo.
— Como consegue desenhar de tantas formas diferentes? — perguntou ele, intrigado — Os dez primeiros desenhos tem o traço diferente dos outros dez que fez.
— Como você sabe, eu vendo meus desenhos para pagar as contas, e não posso entregar croquis com traços semelhantes, por isso tive que me forçar a variar meu traço, assim não fica igual. — explicou ela sua lógica — Os dez primeiros são os meus, os outros é de uma veterana amiga da Louise e ainda faltam mais dez.
— Bem que eu gostei mais dos primeiros, combinam mais com você, principalmente o estilo da roupa. — sua análise era superficial, mas tinha coerência.
— Achei que estivesse olhando somente para mim. — seu olhar ficou surpreso.
— O conjunto da obra. — brincou ele, fazendo-a rir de leve.
voltou a desenhar. As horas passaram e após o almoço na La Abuelita, um restaurante de comida mexicana, propôs uma caminhada sem direção pela cidade. A maior parte do tempo foi em silêncio, mas só por estar na companhia de , a jovem já se sentia bem e ansiosa, pois ele sempre a deixava surpresa de alguma forma.
No final da tarde, a levou em um estúdio de música onde trabalhava como estagiário. O olhar curioso dela percorreu discretamente o lugar, atenta às movimentações dele, então o rapaz pegou em sua mão e a levou para dentro da cabine de gravação.
— O que está fazendo? — perguntou ela, confusa.
— Quero cantar com você. — disse ele, ao pegar o fone e encaixar na cabeça dela — Vamos testar seu retorno primeiro, ok?!
— Achei que me levaria para outro lugar. — comentou ela — Uma lanchonete.
Sua brincadeira o fez fazer uma careta.
— Sua boba, eu não passo a vida comendo. — resmungou ele.
— Eu nem sei como você consegue ser magro, sempre está com fome. — ela riu.
Ele se posicionou em frente a mesa de comando e começou seus testes. Então voltou à cabine para ajudar o seu.
— O que vamos cantar? — perguntou ela.
Naquela altura do dia, já havia se rendido às vontades do amigo e não estava mais questionando nada. Apenas vivendo o dia como se fosse o melhor em muitos anos.
— I surrender. — disse ele, se preparando — Você pode começar.
A voz de não era um talento nato como a de , mas ele tinha uma técnica boa e orava a Deus para ter a unção também. Quando a garota iniciou a canção, ele sentiu seu corpo se arrepiar de imediato, seguido de um aconchego no coração. Ali estava o dom que Jesus deu a ela, intocado e totalmente ativo. Mesmo com o coração ainda fechado e ferido, as palavras soavam com a brisa do mar que envolvia as pessoas. Tanto que seu amigo até mesmo esqueceu-se de entrar na canção, permanecendo apenas sentindo a doce presença do Espírito Santo naquele pequeno espaço.
— I surrender… I surrender… I wanna know You more… I wanna know You more… — ela continuou a canção, como se estivesse apenas ela ali, ou melhor, começou a sentir como se estivesse frente a pessoa na qual a canção retratava — Like a rushing wind… Jesus breathe within… Lord have Your way… Lord have Your way in me… Like a mighty storm… Stir within my soul… Lord have Your way… Lord have Your way in me.
— Foi lindo. — disse , assim que ela terminou.
— Você disse que cantaria comigo. — ela que estava de olhos fechados, os abriu olhando para o amigo confusa.
— Me desculpa, foi mais forte que eu. — ele sorriu de canto.
— Porque me trouxe aqui? — perguntou ela, diretamente.
— Quer mesmo iniciar este assunto?! — indagou ele.
— Porque o fato de ter aparecido me faz seguir para isso. — respondeu ela subjetivamente — Eu não quero.
— Se lembrar do passado não significa que precise passar pela dor de novo. — segurou a mão dela — , se abre comigo.
— Tenho tido pesadelos… — ela sentiu seus olhos encherem de lágrimas — A uma semana eu tenho tido pesadelos com aquele dia…
percebeu que desta vez ela não se referia a morte de sua mãe Célia, mas sim no dia em que seu melhor amigo sofreu um acidente e quase morreu. Ele a puxou para perto e lhe abraçou de forma reconfortante lhe transmitindo segurança.
— Eu não quero passar pela dor da perda novamente. — sussurrou ela, sentindo o perfume dele mais de perto, se aninhando em seus braços.
— Tudo na vida possui um propósito, às vezes perder também significa ganhar. — ele manteve o tom sereno, acariciando os cabelos dela com carinho — Você não perdeu a sua mãe, só está temporariamente distante dela, mas um dia vão se encontrar na glória… Assim como também não me perdeu, mesmo com a distância.
— Mas por que ainda dói?! — perguntou ela, sentindo a voz falhar um pouco.
— Você sabe a resposta. — ele continuou a aninhá-la, em sussurro — Mas saiba que não está sozinha… Estou aqui por você.
sentiu a primeira lágrima cair de seus olhos. Pela primeira vez os muros da resistência que criara começaram a ser abalados, deixando uma pequena brecha para Jesus entrar.
To share this love across the earth
Compartilhar esse Amor com toda a Terra,
The beauty of Your holy worth
A beleza do Teu Santo valor
So I Kneel before you, God
Então eu me ajoelho diante de Ti, Deus
I lift my hands cause You set me free.
Eu levanto minhas mãos pois me libertou.
- Rooftops / Jesus Culture
Ensinamento: Amizade verdadeira.
6. Mulher Samaritana
Mas a hora vem, e agora é,
em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai
em espírito e em verdade;
porque o Pai procura a tais que assim o adorem.
- João 4:23
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7 anos atrás...
Um ano havia se passado após conhecer o garoto mais faminto de toda a escola. Agora todos os dias no intervalo das aulas, ela dividia seu lanche com ele nas mesmas escadas em que se conheceram. Uma amizade inesperada que se fortaleceu através das orações de , que não desistia em sua curiosidade para conhecer mais a garota do olhar triste. Claro que os pais da menina ajudavam com incentivos a ela ter mais amigos em sua nova vida. E mesmo com seu jeito retraído, se aproximou de mais algumas crianças através da espontaneidade do seu amigo comunicativo e popular.
— … — a voz de Annia soou do lado de fora do quarto, em seguida dos dois toques — Já está acordada querida?
— Não. — resmungou a criança, cobrindo mais a cabeça e encolhendo entre as cobertas.
— Se não acordou vai acordar agora. — a voz de surgiu de repente, fazendo-a dar um de susto em sua cama.
Logo a porta se abriu e o olhar animado do garoto pode ser visto por ela. Um sorriso radiante no rosto de a deixou intrigada, principalmente por saber que ele sempre acordava de mau humor, por ter que levantar muito cedo para chegar na escola. Afinal, morava um pouco longe. E somente após uma barra de cereal que voltava a ser o de sempre.
— Eu vou deixá-los à vontade, juízo ein?! — disse Annia com um sorriso meigo — Vai tomar café conosco ?
— Eu nunca recuso, senhora Miller. — aceitou ele, sorrindo também.
— Vou deixar a porta aberta. — disse a mãe ao se retirar.
permaneceu em sua cama, com o corpo erguido, porém sentada. Observando seu amigo entrar no quarto lentamente e puxar a cadeira para assentar bem próximo a ela. Um leve brilho seguia no olhar animado dele, o que chamava a atenção da garota que só desejou dormir até mais tarde em seu primeiro dia de férias de verão.
— O que faz aqui? — perguntou ela, deixando a expressão de emburrada refletida em seu rosto.
— Que pergunta é essa? Estou aqui para aproveitarmos nossas férias. — explicou ele.
— , hoje é o primeiro dia das nossas férias, você odeia acordar cedo, não era nem para estar aqui. — argumentou ela.
— Eu vou ser sincero, passei quase a noite em claro pensando em tantas coisas que podemos fazer ao longo desses três meses de férias que acabei não tendo sono. — ele riu de leve.
Porém, ela se manteve séria.
— Ah, por favor, não me olhe assim. — ele cruzou os braços, ficando chateado pela reação dela — Eu só queria me certificar que você não ficaria trancada no quarto as férias inteiras.
— Por que eu faria isso?! — perguntou ela, confusa.
— Eu te conheço. — foi sua única explicação — Porque não foi a igreja ontem?
— Não estava muito bem. — respondeu ela, voltando o olhar para baixo.
— Voltou a ter pesadelos? — indagou ele, se preocupando.
assentiu com a cabeça.
— Por que não ligou para minha casa? Eu podia ter vindo, não é bom ficar sozinha quando isso acontece. — questionou ele.
— Eu não estava sozinha. — retrucou — Meus pais estavam comigo, eu fiquei bem.
— Hum… — ele voltou o olhar para a janela, o sol estava radiante do lado de fora — Que tal uma volta de bicicleta pelo quarteirão após o café?
— Você não vai mesmo me deixar dormir, não é?! — perguntou ela, em sussurro.
— Não. — ele se levantou da cadeira e seguiu para a porta — Não demore para trocar de roupa, estou te esperando na mesa do café.
soltou um suspiro cansado. Não iria gastar suas forças resistindo as energias de uma criança saudável que seu amigo emanava. Apenas assentiu após a saída dele e se levantou. A passos lentos ela foi até a porta deixada aberta pelo amigo e a fechou. Então aproximando do guarda-roupas, trocou o pijama em seu corpo por roupas leves para aproveitar o frescor do dia. Ao chegar na cozinha, se deparou com seu amigo sentado em uma das cadeiras, já saboreando o café.
— Você não deveria ter me esperado ? — perguntou , indo se sentar na cadeira ao lado dele.
— Eu juro que tentei, mas não resisti ao cheiro das panquecas, elas estavam sussurrando meu nome. — ele manteve um olhar sereno e despreocupado para ela.
A menina riu um pouco. Já era da natureza de não resistir à comida. Não sabia como ele conseguia ser magro mesmo comendo tanto. Talvez por sua hiperatividade, pelo metabolismo rápido, sendo uma criança brincalhona e aventureira, era raro os momentos em que ele se sentia desanimado.
Após o café da manhã, sugeriu um banho de sol matinal. Ele realmente estava decidido a não deixar sua amiga as férias todas dentro do quarto. Como de fato era o que ela planejava fazer, ficar em seu cantinho lendo livros e mais livros para distrair a mente. Não que ler fosse errado, mas a garota precisava ter uma rotina mais movimentada e com a presença de outras crianças da sua idade.
— Eu não acredito que você me tirou cedo da cama para ficar no sol. — reclamou ela, ao observá-lo se sentando na grama do jardim da frente de sua casa.
— Vitamina D, , faz bem à saúde, pessoas da nossa idade precisam para o bom desenvolvimento. — argumentou ele — Estamos em fase de crescimento e precisamos do sol.
— Falando assim até parece que é um adulto. — comentou ela.
Ele piscou de leve e sorriu. Então voltou o olhar para frente.
— Vai ficar parada de pé me olhando? — perguntou ele.
— Não. — ela fez uma careta e sentou-se ao seu lado — Como estão seus pais?
— Na mesma, acho que não tem mais solução para o casamento deles. — a voz do amigo ficou mais baixa.
não tinha a vida perfeita como imaginou desde o início. Há pouco mais de um ano, o pequeno garoto vinha acompanhando o casamento de seus pais desabar. Ele tentava se manter otimista, mas diante das brigas constantes, se agarrava a Deus para não ficar ainda mais triste. E sabia que tinha em sua amiga, momentos divertidos. Para ele, ter conhecido fora um presente de Deus. A luz que precisava em meio a tanta escuridão causada pelas brigas dos pais.
— ? — ela tocou na testa dele conferindo sua temperatura — Você está doente?
— Porque? — o menino olhou confuso.
— Você é sempre otimista e confiante, como pode falar assim do casamento dos seus pais?
— Não adianta eu ter fé para algo dar certo se as pessoas envolvidas não quiserem. — explicou ele, voltando a olhar para frente — Meus pais desistiram de se amar, desistiram da nossa família.
Ele soltou um suspiro cansado e jogando o corpo para trás deitou sobre a grama. permaneceu em silêncio e pensativa. Admirava o amigo por estar passando por problemas e ainda assim se esforçar ao máximo para ajudá-la com os seus internos. também era um presente de Deus em sua vida.
Eles ficaram algum tempo no jardim, brincando de jogo de adivinhação. Na hora do almoço, voltou para casa e acabou indo almoçar fora com sua mãe que precisava encontrar com um cliente. Ao final do dia, após um banho quente, a garota aproveitou o silêncio de sua casa para desenhar um pouco. Era o momento em que se sentia mais leve e vislumbrava a felicidade. Seus desenhos eram sua forma de expressar o que sentia, e a maioria se referiam a sua falecida mãe, Célia.
As semanas se passaram.
Ao longo das férias, continuava fazendo com que sua amiga aproveitasse ao máximo aquele tempo se divertindo e longe do silêncio do seu quarto. Na manhã de sábado, os dois amigos combinaram de se encontrar pela manhã próximo à escola. queria apresentar um lugar secreto para a garota. Que seria o refúgio dos dois em dias nebulosos. Entretanto, após uma hora de espera, ficou intrigada pela ausência do amigo e seguiu em direção a casa dele.
Quando chegou, se deparou com a porta da frente entreaberta. Ela ficou com medo de chamar e os pais do garoto brigarem com ela. Porém, sua curiosidade sendo maior que o medo, a fez entrar na casa e seguiu até o quarto do amigo. A porta, também entreaberta a deixou observar o que o garoto fazia do lado de dentro. estava ajoelhado em frente a cama, de olhos fechados e muito concentrado. Aparentemente orando.
— Senhor Deus, eu sei que tenho sido egoísta nos últimos dias, pedindo para que não deixe meus pais se divorciarem... Mas hoje, estou aqui para fazer um pedido especial, não é para mim, mas para minha amiga que tanto conhece mais do que eu. — sua voz era nítida para , que permaneceu em silêncio apenas ouvindo — Nossas férias estão acabando, e em breve ela fará aniversário, foi o mesmo dia em que sua mãe voltou para o céu... Eu queria te pedir Senhor Papai, que protegesse o coração da minha amiga, ela tem o olhar mais triste que conheço, mas em alguns momentos eu consigo ver o brilho do Senhor sobre ela, principalmente quando canta. Sei que minha listinha de pedidos está cheia, mas pode passar minha amiga na frente, ela é preferencial... E para não ter dúvidas, o nome dela é . Amém!
Assim que terminou sua oração, levantou-se do chão e virando para a porta, viu a amiga parada de forma estática o olhando.
— . — ele se mostrou surpreso — O que faz aqui?
— Você não apareceu. — respondeu ela, se encolhendo um pouco.
— Ah... Desculpa, eu acabei me esquecendo do horário. — seu olhar ficou triste.
— Tudo bem. — ela ainda dá porta, percorreu o olhar pelo quarto dele.
Era um tanto bagunçado, como imaginou ser. O garoto abriu mais a porta e a deixou entrar, de forma tímida a menina manteve a curiosidade e deu alguns passos até uma prateleira com uma câmera polaroid.
— Você tem uma dessas. — comentou ela.
— Sim, eu gosto de fotos. — assentiu ele — As vezes é bom ter alguns momentos registrados.
— Eu queria ter alguns do meu passado, mas só tenho um. — ela reprimiu um pouco seus sentimentos.
— Hummm... Mas podemos registrar os nossos agora. — ele sorriu, e pegando sua máquina pousou seu braço no ombro da menina, a envolvendo um pouco, para que ficassem mais próximos.
— Diga, Jesus é bom! — disse ele, já batendo a foto.
mal teve tempo para reagir quando se deu conta que a polaroid já estava sendo processada. Minutos com os dois conversando e se divertindo com as histórias de sobre cada um dos seus carros em miniatura, barulho de vozes alteradas surgiram da sala. O garoto sabia o que significava e não deixaria sua amiga presenciar algo assim. Pegando-a pela mão, pularam a janela do quarto dele e finalmente seguiram para seu esconderijo.
O lugar era uma casa da árvore, em um terreno abandonado na região próxima a escola secundária da cidade. Diferente do quarto de , ela se impressionou o quanto estava limpo e organizado o lugar. Que realmente transmitia a sensação de aconchego e refúgio.
— Aqui é tão bonito. — disse ela, olhando ao seu redor.
— E temos uma vista privilegiada. — brincou ele, abrindo a janela da lateral e mostrando a vista para o lago.
— Sim. — concordou ela, ao se aproximar e ver.
Ambos se debruçaram na larga janela e permaneceram com o olhar na paisagem. Conseguiam até mesmo ver os pássaros cantando, quebrando o silêncio momentâneo. O garoto soltou um longo suspiro, parecia pensativo demais.
— Amanhã é o dia dos namorados. — comentou de forma aleatória.
— E o que tem? — perguntou ela, voltando o olhar surpreso para ele — Que comentário mais aleatório.
— Não é aleatório, é proposital. — explicou ele.
— Porque? — ela manteve o olhar sob o amigo.
— Porque me peguei confuso sobre o que te dar de presente amanhã — explicou ele com tranquilidade, um olhar sereno voltado para ela — É tão difícil saber os seus pensamentos.
— Nós não somos namorados. — disse , confusa com as reflexões dele — Não entendo o motivo de estar tão preocupado com isso.
— Mas seremos no futuro. — argumentou ele, com confiança — Preciso começar a me atentar a essas datas.
riu de leve, não dando credibilidade às suas palavras.
— Você é muito bobo. — comentou ela.
— Não sou bobo, só quero ser romântico. — explicou ele.
— O que te faz pensar que seremos namorados no futuro? — o olhou curiosa.
— Nossa amizade. — respondeu tranquilamente.
— Hum. — ela ficou pensativa por um tempo, então se afastou dele aproximando das almofadas ao canto em cima do tapete e se sentou em cima de uma delas — Era seus pais brigando, quando saímos do seu quarto?
— Sim. — respondeu ele.
— Eu não quero namorar no futuro se for para ser como eles. — comentou ela, se lembrando das vozes.
— É por isso que tenho certeza que vou me casar com você! — garantiu ele — Somos melhores amigos, gosto dos seus defeitos e das qualidades, acredito que você também, já que nunca me mandou calar a boca.
Ele soltou uma gargalhada engraçada, fazendo-a rir junto.
— Só tem um ano que me conhece , como pode saber meus defeitos. — ela o questionou.
— Você é tímida, sempre que está envergonhada olha para suas mãos, quando está triste se tranca no quarto e é a pessoa mais difícil do mundo pra se expressar, mas faz isso através dos seus desenhos. — ele foi enumerando nos dedos — Tem medo de perder as pessoas que ama, por causa do que aconteceu com sua mãe Célia.
Eles ficaram um tempo em silêncio se olhando. Quando sorriu para ela de forma singela. não se conteve em devolver o sorriso e olhar envergonhada para baixo, exatamente na direção que ele disse. Ela estava envergonhada, mas se sentia aquecida por dentro.
— Promete pra mim que nunca vamos deixar de ser amigos? — pediu ela.
— Prometo. — assegurou ele, cruzando seu dedo mindinho com o dela — Seremos para sempre amigos, até o dia em que formos amigos e um casal.
— Pare de dizer essas coisas , só temos 12 anos, somos novos demais para pensar nisso. — ela riu da careta que ele fez — Tenho certeza que quando formos adultos você vai conhecer uma garota menos problemática que eu, e continuarei sendo apenas sua amiga.
— Engano seu. — ele se aproximou e sentou na almofada ao lado dela — Meu coração sempre vai gostar apenas de você.
sentiu seu coração pulsar mais forte. Eles passaram todo o dia naquela casa da árvore. Detalhista como todos os dias naquelas férias de verão, tinha levado bastante comida para aquele lugar, assim poderiam passar um bom tempo ali. No final da tarde, ele pegou o violão que estava no canto perto da janela e começou a dedilhar. De forma espontânea, começou a cantar algumas canções da igreja que tinha aprendido com Annia. Aos poucos, começou a falar em sussurros como se estivesse orando, mas a garota podia ouvir. Porém não conseguia entender nada do que ele dizia e sabia que não era inglês. Logo se lembrou das muitas vezes que Célia também orava assim. Então, ela entendeu que seu amigo estava orando em línguas. O olhar de para ele foi de admiração e levemente estático.
Era mais um traço em seu amigo que a fazia se lembrar de sua mãe sem se sentir triste. Mas apenas com uma saudade carregada de aconchego.
Holy Spirit you are welcome here
Espírito Santo és bem-vindo aqui
Come flood this place and fill the atmosphere
Vem inundar este lugar e encher a atmosfera
Your glory God is what our hearts long for
Sua glória, Deus, é o que nossos corações anseiam
To be overcome by Your presence Lord.
Sermos dominados pela sua presença, Senhor.
- Holy Spirit / Jesus Culture
Ensinamento: Adorador em espírito e em verdade (Ore em línguas).
7. Maria Madalena
Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos:
"Eu vi o Senhor!"
- João 20:18
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Atualmente...
Estar abraçada a era como abraçar o próprio Deus. Algo que lhe transmitia a sensação de conforto e aconchego. Era nítido a forma carinhosa com a qual seu amigo se mantinha a tratá-la, nada mudou mesmo em anos distantes um do outro. Ao se afastar um pouco dele, enxugou suas lágrimas e olhou para a mesa de som tentando se recompor. Afinal a jovem não estava preparada para passar por toda aquela turbulência de emoções.
— Está tudo bem, ? — perguntou ele, olhando atento.
— Sim, estou bem, pelo menos pretendo ficar. — assegurou ela, voltando a olhar para ele — Você é realmente detalhista em seus planos.
— Para ser honesto, eu só tinha na cabeça até a parte de te trazer para cá, a escolha da música foi com Papai. — explicou ele sorrindo de leve.
ainda admirava-se por manter a mesma forma de tratamento com Deus, que ela lhe contara que sua mãe Célia tinha. Chamar o Senhor de Papai era a forma mais íntima que poderia ter e que a aquecia por dentro.
— Então sem mais ideias para o dia de hoje? — indagou ela, o olhando desconfiada.
— Hum, que tal improvisamos com pizza? — sugeriu ele, arrancando uma gargalhada espontânea dela — Olha só isso, ela ainda tem essa gargalhada, nem tudo está perdido Senhor Jesus.
— Só você pra sempre terminar algo envolvendo comida. — explicou ela, o motivo de seu riso — Gostei da ideia da pizza.
— Vamos terminar bem o dia, você fez seus 30 desenhos, tivemos um contemplativo momento de comunhão no Central Park, louvamos ao Senhor e agora vamos comer. — disse ele, resumindo as atividades do dia.
— Sim, foi um bom domingo. — concordou ela.
— Confesse, foi o melhor domingo que você teve nos últimos quatro anos. — ele manteve o olhar bobo para ela.
apenas assentiu com um sorriso singelo e se voltou para a porta da cabine. deu mais algumas risadas dela e a seguiu até chegarem no hall do prédio. Com o celular, o amigo pediu as pizzas pelo aplicativo que tanto usava nos momentos de fome. Não demorou muito até que o entregador aparecesse de moto com as duas caixas que ele pediu. O que deixou a jovem impressionada e confusa.
— Tem certeza que você pediu para duas pessoas apenas? — indagou ela.
— Claro que não pedi somente para nós dois. — ele riu — Estou faminto, mas não é pra tanto.
— Então a outra caixa é para quem? — perguntou ela.
— Para os vigias noturnos, eles passam a noite aqui trabalhando, vai que estão com fome. — explicou .
Assim o rapaz se afastou dela e seguiu até a sala de segurança para deixar uma das caixas. Quando retornou, ele fez subir as escadas novamente para chegar ao terraço. Segundo , para fechar o dia com chave de ouro, somente uma bela vista da cidade sob o céu curiosamente estrelado.
— Obrigada. — disse após saborearem a pizza .
— Pelo que? — ele a olhou.
— Eu te agradeço e você me pergunta pelo que? — ela ficou confusa.
— Sim, tenho que saber o motivo, se foi pelo dia, ou pela pizza, ou por minha companhia, ou por ter se aproximando do Papai hoje. — o olho dele tinha traços de curiosidade.
— Pacote fechado, obrigada por ser o melhor amigo do mundo. — explicou ela, de forma objetiva, se levantando da mureta em que sentaram para lanchar.
— Eu que agradeço por nunca ter deixado de me considerar seu amigo. — ele sorriu de leve, se levantando junto — Ah, tenho uma coisa pra você.
— O que? — perguntou ela, virando-se para ele.
— Isso. — ele retirou do bolso uma caixinha e entregou a ela.
— O que é? — ela pegou o objeto.
— Abra e veja. — instigou ele.
— Hum... — ela abriu a caixinha e viu dentro o cordão com um pingente em formato de nota musical.
Ela se lembrava daquele cordão, com o nome de ambos serigrafado na lateral e uma referência de versículo escrito: João 14:1. havia lhe dado no primeiro dia dos namorados após se tornarem amigos, aos 12 anos de idade o rapaz já sabia que sua melhor amiga seria sempre a única garota com quem ele desejaria viver por toda a sua vida. Não foi difícil para se apaixonar por ela, amar seus defeitos e suas qualidades. Sua luta mesmo era contra a tristeza que a rodeava fazendo-a se distanciar de todos que queria seu bem. Mas ele tinha esperanças, se renderia à felicidade que somente Jesus poderia lhe dar.
E seu amigo continuava perseverante em oração pela vida dela.
— Sempre foi seu, então achei que deveria voltar para sua dona. — explicou ele, pegando o cordão da mão dela e já indo para colocar no pescoço da amiga.
— Você não existe, sabia. — assentiu o deixando colocar o cordão em seu pescoço, segurando suas emoções assim como as lágrimas no canto dos olhos — Estou desconfiada que você tirou o dia para me fazer chorar.
— Engano seu, eu tirei o dia para te mostrar que nunca deixei de te amar, e Deus também. — assim que ele terminou de encaixar o cordão nela, a olhou com carinho.
Eles se olharam por um momento, até que elevou sua mão direita ao rosto dela, acariciando de leve. O toque suave a fez fechar os olhos involuntariamente. Não demorou segundos até que sentiu os lábios de encontrar os seus. Um misto de doçura e sutileza que acelerava seu coração e a deixava aquecida. Nem mesmo o passado amargo que tentava atrapalhar aquele momento teve forças contra tal acontecimento. A mão do rapaz percorreu levemente por seu ombro até chegar às costas e trazê-la para perto, aninhando a garota em seus braços para que se sentisse segura e amada.
— ... — ela sussurrou, porém sua voz falhou.
— Você não imagina o quanto tenho sonhado com esse momento. — afirmou ele, em sussurro — Por favor, se permita vivê-lo.
Uma ponta de esperança reluzia em seu olhar que brilhava. Por dentro o rapaz pedia perseverante a Deus para que ela apenas resistisse a tristeza que lhe tentava sufocar. Logo um sorriso surgiu no rosto dela, algo tão natural e espontâneo que até mesmo não esperava esta reação. Apenas deixou seu corpo se aproximar mais uma vez de , aninhando-se em seus braços.
— Obrigada, por não desistir de mim. — sussurrou ela.
— Este obrigado foi para quem? Papai ou eu? — instigou ele com a pergunta.
— Pacote completo. — brincou ela, ao responder.
Um sorriso cativante surgiu no rosto de , que sentiu seu coração acelerar ainda mais. Ali estava mais uma resposta de Deus para suas orações, ainda que ocultamente sua amiga estivesse começando a lutar contra a escuridão que havia tomado sua felicidade...
Era sim uma resposta.
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A manhã seguinte chegou com um singelo frio para lembrar a todos que mesmo na primavera nem tudo eram flores. Entretanto, havia uma pessoa em especial que acordara com o coração aquecido. enfrentou suas aulas de manhã com os pensamentos voltados para o dia anterior. Seu domingo parecia como um divisor de águas em sua vida, e um fator que contribuiu para isso foi o olhar carinhoso de na despedida em frente ao prédio onde morava.
Segunda à tarde, a jovem se concentrou apenas em finalmente terminar a contagem do estoque da loja da senhora Moore. Sabia que não poderia contar muito com sua amiga Louise, pois a mesma sempre se perdia nas mensagens do whatsapp ou postagens do Instagram e anotava errado a quantidade das peças.
— Não acredito que já estou em casa. — comentou Louise ao entrar, já retirando os sapatos.
— Eu que não acredito que você veio direto para casa. — brincou , rindo da careta que a amiga fez.
— Nem só de festas vive uma universitária. — retrucou ela em provocação a amiga, com uma referência bíblica — Mas de todo descanso na segunda-feira para recarregar as energias.
— Desculpa, mas essa versão não existe em nenhuma Bíblia. — a olhou seria — Não brinque com a Palavra do Senhor.
— Desculpa, foi só um comentário engraçado. — Louise mostrou a língua rapidamente e seguiu em risos para o banheiro.
balançou a cabeça negativamente rindo dela, entretanto não se conteve em refletir sobre o versículo que mencionara a amiga:
"Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus." - Mateus 4:4
Era um dos versículos que sua mãe Célia mais recitava para ela. E sim, por mais que a jovem relutasse para abrir a Bíblia de sua mãe que se encontrava embaixo do travesseiro, a Palavra se mantinha em seu coração e de tempos em tempos a cada oportunidade construída, o Espírito Santo trazia em sua mente para que ela pudesse refletir.
— O Senhor realmente não desiste, não é? — ela olhou para a janela da sala que estava aberta, direcionando seu olhar para o céu — O que viu em mim para insistir tanto?
Logo sentiu uma brisa suave passando por seu corpo, fazendo-a sentir uma alegria incomum e inesperada. Sim, internamente Jesus já estava trabalhando em seu coração para que ela pudesse enfim sentir o amor que ele tinha por sua vida.
Ela apenas respirou fundo e voltou-se para a cozinha. Um jantar deveria ser feito e não seria pelas mãos de Louise. Assim que terminou o preparo do espaguete com almôndegas, ela e a amiga se reuniram à mesa.
Louise ficou intrigada e confusa quando se atentou que encarava o prato como se estivesse numa luta interna. E de fato a jovem estava, era um fato que a imagem de agradecendo pela comida no piquenique lhe trouxe um sentido de: Está faltando algo. E o confronto interno se iniciou com a pergunta: Devo ou não agradecer? Estou pronta para voltar a falar com Ele diretamente?
— O que foi? — perguntou Louise.
— Hum?! — a olhou, despertando de sua concentração interna.
— Você estava encarando a comida. — disse.
— Me desculpe. — a jovem se encolheu um pouco.
— Fica tranquila amiga, você só se perdeu por seus pensamentos. — disse ela, tentando descontrair o momento — E o cheiro está gostoso.
— Que bom, espero que goste também. — disse .
— Tenho certeza que está, e minha mãe sempre diz que quando o cheiro está bom, devemos agradecer a Deus, assim o gosto também fica bom se caso não estiver. — ela soltou uma gargalhada boba — Agradecemos Deus por esse alimento, amém.
— Amém. — sussurrou , surpresa com aquilo.
Em todos os anos que conhecia Louise, a amiga jamais tinha feito algo do tipo, menos ainda mencionado um costume de sua mãe. Em resumo Louise não falava muito dos pais por ter saído de casa brigada com eles, mas em raros momentos comentava sobre os costumes de sua família que era bem tradicional na concepção dela.
Mas o fato é que o gesto de sua amiga, trouxe uma ligeira sensação de paz ao coração de . Principalmente ao se lembrar do comentário de sobre dizer "Amém" após a oração de alguém.
— Hummm, está mesmo gostosa. — elogiou Louise — Que bom que agradecemos.
sorriu de leve e começou a comer também. E realmente a garota tinha se superado no tempero mais do que saboroso das almôndegas. Lhe trazendo um leve pensamento: certamente iria gostar dessas almôndegas. E depois de pensar, ela notou e começou a rir espontaneamente despertando curiosidades na amiga.
— Hummm... Você tem rido muito sozinha ultimamente, será que tem a ver com seu amigo da Austrália? — Louise manteve seu olhar nela.
— Deixe de ser curiosa, Louise. — voltou a comer, mantendo seus pensamentos para si.
A semana foi se arrastando com a jovem sendo bombardeada por trabalhos de seu curso de moda. Final do semestre, a próxima semana seria praticamente vivendo na biblioteca por causa das provas. Até a senhora Moore da loja tinha a solidariedade de dar dias de folga alternados na semana para as amigas poderem estudar com dedicação.
— Está tudo bem sim, mãe. — disse ela, ao tentar se despedir pela milésima vez dos pais ao telefone.
— Tem certeza que você tem se alimentado bem, ?! Nós falamos com o , ele disse que você está tão magrinha. — insistiu a mãe.
— Aquele linguarudo, eu estou me alimentando sim, inclusive tem alguns dias que fiz aquele espaguete com almôndegas.
— Ai que delícia. — disse Annia com água na boca.
— Hum, estou com saudades de suas almôndegas, sei que vou apanhar, mas são melhores que as da sua mãe. — comentou Dimitri — Ai!
riu ao ver pela videochamada sua mãe bater no braço do pai. Estava com saudades deles e já pensava seriamente em visitá-los nas férias de verão, assim não teria que esperar até o natal para estar com eles. finalmente conseguiu encerrar a ligação e ao sentar em sua cama, retirou a velha Bíblia de sua mãe Célia debaixo do travesseiro e ficou encarando-a por um tempo.
Fim de semestre significava o fechamento de mais um ciclo para iniciar outro. Entretanto havia inúmeros sentimentos e ciclos mal resolvidos na vida de , que contribuía para que sua dor permanecesse em sua vida.
Contudo, mesmo que a passos lentos as coisas estavam começando a mudar.
Luto contra vozes que me dizem que eu não sou capaz
Contra enganos que me dizem que eu não vou chegar lá
Meus altos e baixos nunca vão medir o meu valor
A Tua voz me lembra e me diz quem realmente sou, oh
- DIZ (YOU SAY) / GABRIELA ROCHA
Ensinamento: Deus jamais desiste de nós.
8. Mulher Virtuosa
Mulher virtuosa quem a achará?
O seu valor muito excede ao de rubis.
É esforçada, forte e trabalhadora.
Conhece o valor de tudo o que faz e trabalha até tarde da noite.
- Provérbios 31:10/17-18
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Atualmente...
— Diga olá para a oficialmente aprendiz do Atelier Matteo! — disse Louise, ao entrar no estoque da loja.
Com um largo sorriso no rosto e algumas sacolas de roupas de marca nas mãos. Parecia uma típica jovem socialite da elite de Manhattan saída da série Gossip Girl, após uma sessão de compras na 5ª Avenida.
— Meus parabéns, Louise, conheço um pouco do trabalho desse estilista. — disse Judith, ao olhar para ela com alegria por sua conquista — Você terá um longo desafio pela frente, ele parece ser muito exigente com seus funcionários.
— Isso é um caso à parte, senhora Moore, o que importa é que agora estou a um passo mais perto do meu sonho de ser a próxima Channel. — ela deu de ombros disfarçadamente.
— Channel sabia desenhar. — resmungou Niall, baixinho.
— O que você disse? — Louise o olhou atravessado, pareceu ter ouvido o comentário dele.
— Eu disse que nem sei como conseguiu isso, você só fica no Instagram o dia todo, vai trabalhar com mídias sociais por acaso? — comentou Niall incrédulo.
— Pare de provocar ela. — disse , segurando o riso.
— Mas é verdade. — Niall continuou.
— Olha aqui seu invejoso, para iniciar eu sou uma excelente digital influencer, e o Instagram é uma ferramenta de imagem poderosíssima, além do mais, eu consegui esse estágio por mérito próprio, ok? — Louise fez uma careta para ele e cruzou os braços indignada com suas insinuações.
— Mérito próprio? Pelo que eu sei, quem faz a maioria senão todos os seus desenhos é a . — retrucou ele, continuando a provocação.
— Isso é um mero detalhe, a ideia das roupas são originalmente minhas, eu não tenho culpa se não nasci com o talento para desenhar como ela, entretanto com a criatividade do tamanho do mundo. — Louise colocou a mão na cintura, então desmanchou sua pose e olhou para a amiga — E por falar em desenho, me salva, por favor.
— Ah não, Louise, não me olhe com essa cara. — que estava com quatro cabides de roupas nas mãos para colocar na arara da loja, se afastou indo em direção a saída do estoque — Eu não tenho tempo para pegar mais nenhum desenho.
— Mas amiga… — Louise foi seguindo ela, quase choramingando pelo caminho para amolecer seu coração — Eu realmente estarei perdida e sem estágio se não levar esses desenhos até amanhã.
— E você me deixa para me pedir isso hoje? — parou no meio do caminho com um olhar sério e repreensivo — Eu não sou uma máquina, sou um ser humano que pode chegar ao limite do esgotamento físico e mental.
— Eu sei, mas é que a doida da minha supervisora pediu esses croquis para a plebe do estágio, no caso eu e mais duas meninas, de hoje para entregar amanhã. — explicou ela, em sua defesa — Acho que ela está fazendo um teste para saber quem aguenta a pressão, oh mulher insuportável.
— Eu sou sua amiga e vou te dar um conselho, você não pode continuar dependendo dos meus desenhos, você realmente precisa praticar seu próprio traço. — aconselhou , chamando-a para a realidade — Você não me terá para sempre.
— Eu juro que já tentei várias vezes imitar seus desenhos, mas eu simplesmente não tenho nenhum talento. — Louise lançou um olhar choroso para ela — Por favor, eu juro que vou me esforçar mais no futuro, mas por agora eu preciso da sua ajuda, não quero perder essa oportunidade.
— Nada que começa com mentira termina bem. — disse , se lembrando dos ensinamentos de suas duas mães — Você fez eles acreditarem que os desenhos são seus, vai ter que se esforçar o dobro no futuro.
— Eu vou, tem minha palavra. — assegurou ela — Você é meu exemplo de vida, sabia?!
— Não adianta me bajular. — disse a jovem se afastando um pouco dela.
soltou um suspiro cansado, já tinha ouvido tantas vezes aquela promessa da amiga que mais parecia de um político em campanha. Ela assentiu com a cabeça para a amiga, afirmando ajudá-la e voltou a sua tarefa de reorganizar as araras de roupas infantojuvenis. Em silêncio e totalmente concentrada, as horas foram passando sem que ela percebesse, quando se deu conta, já estava de noite e seu celular tocando com duas mensagens de .
Bom dia!
Como está sua semana?
Um sorriso espontâneo surgiu no rosto de . Ela pensou por um instante se deveria ou não responder a mensagem de imediato, porém Louise lhe chamou a atenção para que fossem logo para casa. Além do cansaço físico do dia de trabalho, afinal sendo agora a única funcionária as tarefas dobraram, a jovem enfrentaria uma madrugada em claro para ajudar a amiga. Assim que chegaram no apartamento, Louise foi direto para a cozinha preparar um lanche para as duas, ambas estavam famintas.
— Ai amiga, tenho tanta coisa pra te contar… — iniciou ela, seus momentos de monólogos — O prédio do Atelier é imenso, nunca vi um lugar tão espaçoso como aquele e tem quatro andares, claro que o quarto andar é destinado a elite dos funcionários, a plebe como eu fica no segundo andar com a equipe de costureiras e modelistas e a arquitetura é toda moderna, num luxo que brilhar os olhos, mas né o Matteo é o queridinho das atrizes de Hollywood agora…
apenas sentou-se na banqueta e assentiu, ouvindo a amiga com certo desinteresse, mas se forçando a manter a atenção nela. Por alguns minutos até mesmo ela fechou os olhos e se pegou em curtos cochilos sentada, de tão cansada que se encontrava. A jovem tinha criado o hábito de sempre manter sua mente ocupada com trabalhos e afazeres, assim não teria tempo para pensar em suas tristezas. Entretanto, agora quanto mais ela tentava entulhar sua mente de pensamentos aleatórios, de alguma forma inesperada todos se voltavam a apenas um: e Papai.
— … E quanto mais ela gritava com a gente, mais eu ficava estressada. — finalmente Louise se calou e percebeu que a amiga estava debruçada sobre a bancada cochilando — ! Você está dormindo? ?!
— Não. — sussurrou ela — Só estou descansando minhas vistas.
— Então o que foi que eu disse?! — Louise parou com sua pose indignada, com as mãos na cintura.
— Você estava falando da supervisora das estagiárias, que ela gritou com vocês. — respondeu , erguendo seu corpo e se espreguiçando de leve — Já posso comer?
— Pode. — Louise ficou meio chateada pelo desinteresse da amiga, mas compreendia seu cansaço diário.
No fundo, Louise admirava muito a amiga, por sua história de vida e por sempre se mostrar solícita às pessoas em sua volta. Uma pessoa que se dispõem a ajudar os outros mesmo com tantos problemas pessoais para resolver. Dedicação e esforço foram as primeiras qualidades que ela havia conseguido identificar em , alguém que não tinha medo de trabalhar para conquistar seus objetivos. Depois a paciência por sempre escutá-la nas horas boas e más, finalizando com o perfeccionismo que ainda tinha dúvidas se era ou não uma qualidade da amiga.
Enquanto Louise ajeitou a bandeja de lanches na bancada, se levantou para lavar as mãos na pia e retornando a baqueta, sentou-se novamente e começou a comer. Os simples sanduíches de queijo quente acompanhados de leite puro, foram suficientes para deixar a jovem ainda mais amolecida e tentada a deitar em sua cama e dormir. Contudo, ela tinha um compromisso com os tais desenhos da amiga, que seriam pagos com o primeiro salário da mesma.
Assim, após a refeição, seguiu para seu quarto, trocou de roupa e se sentou na cadeira para iniciar os desenhos. Felizmente todos os trabalhos da semana já tinham sido entregues, faltava apenas o complexo artigo sobre os efeitos do dandismo na moda atual e como pode ser utilizado em uma coleção primavera-verão. Não que não gostasse da parte teórica de seu curso, como uma aluna aplicada, todos os seus textos eram sempre elogiados pelos professores, assim como suas notas as mais altas de sua classe.
— O que seria isso? Um babado? — sussurrou ao analisar o que parecia ser um esboço rabiscado por Louise — Ela tem mesmo que fazer aulas particulares, isso aqui está muito estranho…
Ela continuou a analisar o rabisco tentando entender como sua amiga sobreviveria naquele estágio sem saber fazer o mais importante na profissão. Não saber desenhar uma peça em si não era exatamente o problema, o segredo estava em saber explicar a roupa através do seu traço e lhe dar vida por meio do papel. Um dos fatores que contribuíram para que seus desenhos sempre fossem elogiados, mesmo quando não sabiam que eram dela. Sendo por um propósito divino ou não, ela apenas não recebia tanto destaque como sua amiga Louise e as outras colegas de curso, devido sua característica tímida e silenciosa.
Surpreendentemente, sempre se alegrava à sua maneira pelas conquistas da amiga, mesmo a maioria delas sendo através dos muitos croquis que ela fazia nas altas horas da madrugada. E ali estava ela mais uma vez passando a noite em claro para salvar a pele de Louise.
— ?! — disse ela, assim que viu o visor do celular acender, mostrando uma chamava de vídeo — Porque ele está me ligando? — se perguntou.
Ela pegou o aparelho e apertou o botão para iniciar a chamada. Seu olhar curioso encontrou o do amigo que parecia entusiasmado. Ela achou estranho a primeiro momento, afinal o que estaria fazendo acordado uma hora daquela e ainda mais com tanta serenidade no rosto. Será que o amigo tinha dito um dia repleto de boas notícias?
— Posso entender essa ligação? — perguntou ela, tomando a cabeça de leve e observando alguns objetos em miniatura no painel da cabeceira da cama dele.
— Estava com saudade. — alegou ele, se remexendo um pouco na cama, não estava completamente deitado, mas suas costas seguiam apoiadas em algumas almofadas pequenas — Como foi seu dia? Você não me respondeu a mensagem…
— E aí, você resolveu me ligar às uma da manhã? — indagou ela, em choque.
— Sorte a minha que não estava dormindo, não é? — brincou ele, rindo de leve.
— ?! — ela soltou o lápis em sua mão e ficou mais séria — Porque ligou?
— Já disse, estava com saudades, já tem o que? Uns quatro dias que não nos falamos? — ele se mostrou pensativo.
— Quase isso. — concordou ela, ainda desconfiada — Mas não é motivo para me ligar a essa hora, pessoas normais estão dormindo a essa hora.
— E por acaso somos normais? — ele piscou de leve, arrancando uma risada boba dela.
— Não, não somos. — concordou.
Era um fato que sempre funcionou melhor à noite. Ela ainda não entendia muito bem o motivo, mas seus maiores picos de criatividade para desenhar ou estudar sempre eram de madrugada. Talvez pelo costume de quando criança sempre acordar de madrugada com a mãe Célia para orar, ou apenas porque neste horário era tudo sempre mais silencioso e relaxante para executar seus trabalhos. Mesmo não sabendo o motivo ao certo, tinha o conhecimento sobre isso e não havia sido coincidência ele ligar com ela estando acordada.
— Eu vou ser sincero, não estava conseguindo dormir, então comecei a orar e senti uma grande vontade de te ver. — explicou ele com tranquilidade — Foi por isso que te liguei.
sorriu de forma tímida e voltou o olhar para as folhas desenhadas.
— O que está fazendo aí? — perguntou ele.
— Dez croquis para a Louise. — respondeu ela.
— De novo? — achou estranho — Ela não cansa de te dever, não?
— Bem, ela conseguiu ser contratada naquele estágio que te falei, mas agora pediram mais desenhos. — respondeu a garota — Então... Estou quase terminando.
— Sua amiga não sabe mesmo desenhar? — ficou observando atentamente, enquanto ela voltava a desenhar.
Aquela já se contava a terceira vez que o rapaz fazia uma videochamada com a amiga em seus momentos de desenhos para terceiros. já possuía uma boa cartela de clientes em Parsons que a procurava por suas técnicas diversas de desenho. Bom por ter mais uma grana extra e ruim por sempre estar cansada pelo desgaste mental, era cada roupa que ela tinha que desenhar que a deixava perplexa em como conseguia no final da noite. Para era divertido observá-la enquanto desenha e tenta prestar atenção em suas conversas.
— Não, mas ela terá que aprender a desenvolver pelo menos o básico, senão sua carreira na moda não será na área de estilismo. — revelou ela.
— Isso é verdade, eu acho que já vi os rabiscos dela e não entendi nada, é um fato que até seus rascunhos são melhores que aquilo. — ele soltou uma gargalhada maldosa.
— Não fale assim, ela está no quarto ao lado. — disse tentando não rir junto.
— Só estou sendo sincero. — ele soltou um suspiro desviando o olhar para a janela de seu quarto que estava entreaberta — Como tem sido lá na loja?
— O trabalho dobrou com a saída da Louise, mas nada além do que eu não fazia antes com ela lá. — se espreguiçou um pouco, após um leve bocejo — Eu conversei com a senhora Moore hoje quando cheguei, ela vai precisar encontrar outras pessoas para ficarem na loja.
— Você também vai sair? — ele ergueu mais seu corpo, ajeitando as almofadas atrás dele.
— Preciso de um estágio mais específico e prático referente ao meu curso, o coordenador Brown veio conversar comigo sobre isso, ele me deu um mês para organizar meu portfólio. — contou ela — Não sei o que pretende com isso, mas tenho que entregar alguma coisa para ele.
— E isso não é bom?! — ficou confuso pela falta de animação dela — Você é a melhor aluna dele, já era hora desse professor fazer alguma coisa.
— Para ser honesta não queria ter tanta atenção assim dele, eu não sei que caminho seguir na moda, tem tantas opções. — comentou ela, estava mesmo indecisa em suas escolhas.
— O que você mais gosta de fazer? — indagou ele, começando a refletir sobre o assunto para ajudá-la.
— Não sei, eu gosto de desenhar, mas não me vejo passando a vida como uma estilista sob a pressão de desenvolver coleções sazonais para uma marca. — desabafou ela, se mantendo concentrada nos croquis da amiga — Eu gosto de acompanhar o processo, de ver o resultado final e destacá-lo de alguma forma.
— Bem, te conhecendo como eu conheço, já descarto a parte de figurinista, stylist e colunista de revista de moda, sei que seus textos são muito bons, mas não te vejo na carreira de jornalismo. — iniciou ele suas conclusões — Mas acho que você se sairia muito bem como produtora de moda.
— Nossa, desde quando você sabe tanto do assunto? — brincou ela.
— Tenho amigos que tem amigas. — brincou de volta.
— Bom, falando honestamente eu nunca pensei nessa parte de produção de moda, eu fiz alguns freelancers como camareira em backstage de desfiles, até que foram bem legais. — ela começou a considerar a ideia em sua mente, parando de desenhar um pouco — Acho interessante a produção de moda, principalmente a parte da cenografia, é bem desafiador para um profissional expressar a essência de uma coleção em um ambiente.
— Tem certeza que seu curso é mesmo moda e não arquitetura? — brincou ele, olhando-a atentamente.
— Tenho, não quero cálculos na minha vida, a não ser de quanto tecido gastaria para fazer alguma peça de roupa, ou quantos pespontos de borda cabem em um metro de bainha de uma saia godê. — respondeu ela, prontamente num tom de brincadeira.
— Hum, arquitetura não tem só cálculo, tenho um amigo que cursa na Columbia e até que não é tão complexo assim. — defendeu ele.
— E porque você não vai? — ela o olhou.
— Não é minha vocação. — ele riu, fazendo-a rir junto — Além do mais, estou muito bem no meu curso de produção musical.
— Sei.
Ela voltou a olhar seu desenho, passando mais algum tempo fazendo-os com a companhia do amigo do outro lado da videochamada. Parecia que o tempo rendia quando ambos estavam “juntos”. Quanto mais assunto conversavam, mais assunto aparecia para comentar.
— Finalmente terminei. — ela se espreguiçou novamente — Já posso desistir agora?
— Aguenta firme, você não está nem na metade do seu curso. — ele a encorajou.
— Para ser honesta, estou sim na metade. — alegou ela.
— E quanto ao seu portfólio?
— Terei que fazer em algum momento. — respondeu.
— Posso te ajudar, tenho algumas noções de gráfico, podemos montar um digital bem legal. — se ofereceu ele.
— Não sei se ele quer digital, mas a ideia é legal. — ela bocejou novamente, depois alongou os ombros sentindo dores nas costas.
— É visível o quanto está cansada. — comentou ele, olhando-a fixamente — Já terminou.
— Só mais dois desenhos. — colocando as mãos atrás do pescoço olhou para o teto — E você não vai dormir?
— E te deixar sozinha com essa tortura? — replicou ele.
— Desenhar não é uma tortura para mim. — retrucou ela.
— Nessas circunstâncias está bem claro que é sim. — mantendo-se firme nas palavras, ele ergueu novamente o corpo se ajeitando mais nas almofadas — Vou ficar aqui até terminar.
— Fala assim como se não tivesse uma vida acadêmica também. — ela voltou o olhar para a tela do celular, que havia encostado na bolsinha de lápis — O que vai fazer amanhã?
— Amanhã estou livre, minha semana de provas terminou e já estou me preparando para a chegada do verão. — respondeu ele com serenidade.
— Quem pode fala assim.
Ele riu de leve e continuou a observar desenhando. Por mais que estivesse cansada, sempre tinha em sua mente honrar com sua palavra. Então finalizou os dois croquis faltantes e juntou aos outros os colocando em um envelope ao lado da bolsa da amiga no sofá da sala. Quando retornou para seu quarto, ainda se mantinha na vídeo chamada, a esperando.
— Agora você pode dormir. — disse ela.
— Agora eu estou com fome. — alegou ele se levantando da cama — E você vai me esperar comer primeiro para depois ir dormir.
— , eu tenho que acordar daqui a pouco. — reclamou ela.
— Vai me deixar comer sozinho depois de ter ficado com você a noite toda? — ele fez uma cara de abandonado.
segurou o riso.
— Eu não mandei você me fazer companhia. — alegou ela.
— Nossa que amiga ingrata. — ele fez bico, o que a fez soltar uma gargalhada boba.
— Olha só, ela está rindo com mais frequência. — brincou ele, sorrindo de leve.
— A culpa é sua, o que vai comer? — perguntou ela.
— Estava pensando em macarrão instantâneo, o mais rápido. — respondeu ele, enquanto caminhava pelo apartamento até a cozinha.
— Tudo bem, eu vou te acompanhar nesse lanche, acho que ainda sobrou alguns sanduíches na geladeira. — disse ela, pegando o celular e voltando para a porta.
De alguma forma sabia o motivo de ter ficado todo aquele momento com ela, e se resumia a uma palavra: cuidado. Se ele não estivesse naquela ligação, ela simplesmente dormiria ali mesmo na cadeira debruçada sobre os papeis, e mesmo estando com fome nem ligaria de dormir sem comer.
Dizer eu te amo pode ser relativamente fácil para uma pessoa, contudo, para era um pouco mais complicado devido ao passado do relacionamento falido de seus pais. Felizmente o divórcio de ambos mesmo lhe causado alguns danos internos, fora curado e superado pelo rapaz, que em sua vida cresceu sem ouvir muito aquela frase dos pais e menos ainda viu neles as ações que pudessem testificar este sentimento.
Todavia, em sua mente, mais do que apenas palavras uma pessoa tinha que mostrar seu amor nos pequenos detalhes.
There’s a space in every beating heart
Há um espaço em cada coração batendo
There’s a longing that reaches past the stars
Há uma saudade que ultrapassa as estrelas
There’s an answer to every question mark
Há uma resposta para todos os pontos de interrogação
There’s a name
Tem um nome
Love has a name
O amor tem um nome
Jesus!
Jesus.
- Love Has a Name / Jesus Culture
Ensinamento: Inspirar outras pessoas.
9. Lia
Então disse Lia:
Para minha ventura;
porque as filhas me terão por bem-aventurada;
e chamou-lhe Aser.
- Gênesis 30:13
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7 anos atrás...
Manhã de primavera, acordou com o cheiro suave das flores que vinham do jardim de sua mãe. Mesmo sonolenta, ela se espreguiçou na cama bocejando um pouco e levantou em seguida. Era a semana de provas na escola e a garota havia passado a noite estudando álgebra e um pouco de revolução industrial. Não demorou muito até que do corredor, alguns passos soaram até uma sombra parar diante de sua porta.
— ?! — dois toques soaram — Já acordou querida?
Era a voz de seu pai, seguido de um tossido. Era estranho pela estação, mas o mesmo estava resfriado por ter pegado uma inesperada chuva há dois dias na volta para casa. O que acarretou febre alta nos dias seguintes e um atestado de uma semana em casa para se recuperar. Entretanto, o lado bom de se ter seu próprio negócio também era preocupante, pois sua loja dependia de suas decisões diretas para certos assuntos. Para não se ausentar parcialmente, Dimitri decidiu trabalhar em sistema home office assim como sua esposa.
— Sim, acabei de me levantar. — respondeu , seguindo até seu guarda-roupa.
— O café está pronto, estamos te esperando. — disse ele.
— Obrigada, estou indo. — assentiu ela, ao olhar para as peças no cabide, sem saber o que vestiria naquela manhã.
O dia estava fresco, então uma camiseta acompanhada por sua jardineira inseparável foi a escolha mais óbvia. Ela havia ganhado aquela roupa de natal, do pastor Jonas e sua esposa Layla, um presente direto do Brasil com direito a várias cartas recheadas de novidades de alguns membros da sua antiga igreja. Foi um dia cheio de emoção e lágrimas para ela, que ao mesmo tempo que se sentiu amada, também sentiu fortemente a ausência de sua mãe Célia.
— Te conhecer e prosseguir em Te conhecer… Este é o alvo da minha vida Senhor… — sem perceber, começou a cantarolar uma canção que Célia sempre cantava quando arrumava casa — Te conhecer e prosseguir em Te conhecer… É tudo o que eu quero pra minha vida… Senhor.
Mais uma espreguiçada para alongar os músculos após amarrar o cadarço do tênis, então seguiu para a cozinha. O cheiro do café se misturava ao do bolo de cenoura recém tirado do forno. se encolheu um pouco na ponta das escadas, ao olhar para a direção da cozinha e ver seus pais em risos enquanto Annia partia o bolo e Dimitri roubava o primeiro pedaço que teoricamente era da filha do casal.
— Ei, não faça isso, não é seu. — reclamou Annia, tentando pegar o pedaço de volta — O primeiro é sempre da nossa princesa.
— Não sabia que toda realeza precisa de um provador para ver se a comida está boa?! — argumentou ele, em tom de brincadeira.
— Você não precisa provar antes. — Annia o olhou atravessado colocando a mão na cintura em repreensão — Seu espertinho.
— Que você ama! — ele se aproximou mais uma vez dela e assim que lhe distraiu com um selinho rápido, pegou outro pedaço da forma.
— Ei! — Annia soltou o grito, fazendo-o rir.
— Você quer?! — ele esticou o pedaço para ela.
— Devolve Dimitri Miller. — ordenou ela.
— Vem pegar. — ele riu de leve dando a volta na bancada.
Annia correu atrás dele aos risos. Após darem algumas voltas pela bancada, Dimitri parou de repente e virou seu corpo em direção a esposa, então a pegou pela cintura, abraçando-a forte.
— Seu bolo está delicioso. — comentou ele, com um olhar carinhoso — Sou grato a Deus por nossa família.
— Eu também. — concordou ela — Mas está na minha lista negra por roubar meu bolo.
— Nosso bolo! — ele deu um sorriso bobo e a beijou de leve novamente.
Algumas risadas de soaram, atraindo a atenção deles.
— Olha só quem chegou para o café! — comentou Annia, um pouco envergonhada pela cena romântica com seu marido — Bom dia, minha princesa.
— Bom dia, mãe. — suavizou mais seu rosto e deu mais alguns passos em direção a bancada de refeições.
Seu pai manteve um sorriso bobo no rosto e piscando de leve para ela, lhe arrancou mais alguns risos.
— Está uma gatinha com esse look. — brincou ele, sentando na banqueta ao lado dela — Tem algo especial na sua escola além da prova de história?
— Sim, tenho prova de álgebra também. — respondeu ela, controlando seu riso.
O que mais gostava em Dimitri era seu jeito bobo de pai coruja que sempre a fazia rir e sorrir todas as manhãs no café, e dentro do carro no caminho para a escola. A doçura de Annia e o cuidado dele, haviam sido pontos chave para conquistar o coração da filha, que agora em sua fase adolescente tímida e duplamente reservada, exigia ainda mais a compreensão e paciência deles.
— Você se arrumou muito para quem tem apenas duas provas. — ele lançou um olhar desconfiado e engraçado, com a sobrancelha direita arqueada.
— Não tem nada demais, pai. — ela riu de novo, quando ele começou a fazer graça movimentando as sobrancelhas alternadamente — Mas…
— Mas?! — Annia olhou para a filha, também curiosa.
— Eu posso ir à sorveteria com o depois da escola? — perguntou ela, sabendo que pontualmente um dos dois certamente iria buscá-la na saída.
— Bingo! — gritou Dimitri — Eu sabia que aquele pirralho estava interessado na nossa princesinha!
— é um bom garoto, eu aprovo. — disse Annia num tom de brincadeira.
— O que?! — segurou o riso — Pai, mãe, eu só tenho 12 anos e é somente meu amigo.
— Sei, espero que continue assim por muito tempo. — Dimitri fez um sinal de vigilância com a mão — Estarei de olho em vocês dois.
Annia soltou uma gargalhada boba, servindo um pedaço de bolo para a filha.
— Se você é assim com um amigo enquanto nossa filha é uma adolescente, imagino quando ela for para faculdade. — instigou a mãe, esperando pela reação dele.
— Eu vou para a faculdade com ela. — assegurou ele.
— Pai, que mico. — fez uma careta.
Ele lançou um olhar ofendido para ela, que após segundos de silêncio, a cozinha se encheu de risos e gargalhadas dos três. O momento família da manhã estava completo, regado a carinho, brincadeiras, uma refeição abençoada e saborosa, além de muita gratidão a Deus.
— Antes de comermos, primeiro o agradecimento. — Annia se sentou na banqueta do outro lado da filha e a olhou com ternura — Hoje é seu dia de agradecer querida.
sentiu um frio na espinha. Ela tinha tinha dificuldades quando era sua vez, e seus pais sabiam disso, entretanto mantinham o encorajamento para que ela não perdesse os valores e ensinamentos que não somente Célia lhe ensinou, como também eles. Mesmo em constante caos interno, a menina assentiu com um sorriso meigo e fechou os olhos.
— Obrigada pelo alimento e por nossa família, Papai. — sua voz saiu tão baixa que mais parecia um sussurro, entretanto audível o suficiente para seus pais.
— Amém, Deus. — disseram o casal em concordância.
A menina respirou fundo e abriu os olhos. Aquelas palavras eram o máximo que conseguia dizer sempre que a oração era dela. Mas mesmo com toda a dificuldade, o que importava era seu interior, que mesmo com o lado escuro causado pela perda e a saudade, ela se mantinha grata a Deus pela família que ele a presenteou. só não sabia expressar isso em voz alta, ou melhor, ela ainda não conseguia.
--
As horas foram passando e após o estresse de enfrentar duas provas seguidas, finalmente o horário do final da aula havia chegado. Para a felicidade de que não aguentava mais sua ansiedade em levar a amiga ao que ele projetava ser mais um encontro oficial dos dois.
— Calma , a sorveteria não vai sair do lugar. — disse ela, rindo da pressa dele em sair da sala.
— Eu sei, mas é que não aguentava mais esperar. — disse ele, ao ajudá-la a guardar seus livros no armário e pegar sua mochila para carregar também.
— Eu mesma posso levar minha mochila, . — reclamou ela, do gesto inesperado dele.
— Mas eu quero levar para você. — ele segurou em sua mão, deixando-a envergonhada, então sorriu de leve para a amiga.
— Você realmente vai continuar agindo assim? — ela riu de forma descontraída.
ainda se impressionava com a facilidade em que seu amigo tinha de agir como se ambos realmente namorassem. Eles só tinham pouco mais de um ano de amizade, mas parecia que haviam se conhecido na maternidade. Realmente a conhecia melhor que ela mesmo, suas mudanças de humor, suas qualidades, defeitos, inseguranças, tristezas e alegrias. E a explicação que ele sempre dava era: O Espírito Santo me contou tudo sobre você. O que a deixava ainda mais surpresa.
— Assim como? Estou agindo completamente normal. — retrucou ele, com um olhar inocente.
— ? — ela parou de andar e o olhou séria, então ergueu a mão que ele segurava.
— O que tem?! — seu olhar se manteve inocente — Pare de argumentar o óbvio , agora vamos antes que a sorveteria fique cheia.
Ele a puxou de leve e voltou a andar, não se importando com a timidez da amiga que desejava se esconder dos olhares dos outros alunos. Três quarteirões de caminhada e finalmente chegaram na mais prestigiada sorveteria entre os adolescentes da sua idade. A Ice Cream Cake tinha uma ambientação descontraída em sua paleta de cores rosa, azul, cinza e branco, com diversos desenhos serigrafados nas paredes que sempre deixavam fascinada.
— Uau. — sussurrou ela, ao parar em frente ao desenho de uma árvore de cerejeira — Que lindo.
— Não é?! — concordou ao se colocar ao seu lado com brilho nos olhos — Por isso eu estava ansioso para virmos, sabia que iria gostar.
— Você já sabia o que eles iriam desenhar para o próximo mês? — ela o olhou.
Essa era a parte divertida da sorveteria, todo mês os desenhos das paredes mudam de acordo com a sugestão dos clientes.
— Claro que sim, eu mesmo deixei mil sugestões pedindo para desenharem um jardim asiático com flores de cerejeira. — ele a olhou com um sorriso no rosto — Meu presente de natal antecipado para você.
— Seu bobo, duvido que tenham sido mil sugestões. — ela sorriu junto e olhou novamente para o desenho — Mas ficou realmente lindo , flor de cerejeira é a minha…
— Favorita. — completou ele, interrompendo-a — Eu sei, por isso quis te fazer essa surpresa. Como não podemos ir a um jardim japonês, eu trouxe ele até você.
— Obrigada. — ela manteve um brilho nos olhos, sentindo seu coração aquecido.
— Nós vamos sentar bem aqui, nessa mesma. — disse ele, puxando a cadeira para ela.
— Que cavalheiro. — comentou a dona da sorveteria ao se aproximar deles — Estou feliz que tenham gostado.
— Olá senhora Thompson. — disseram eles em coral, e o menino continuou — Nós gostamos muito, obrigado por considerar minha sugestão.
— Claro, depois de ler mil papeis pedindo por esse tema, não iria negar ao meu cliente especial. — assegurou ela — O que vão querer hoje? O mesmo de sempre?
— Hoje vamos variar, o que acha ? — perguntou ele.
— Por mim, tudo bem. — assentiu a garota.
— Hum… Então queremos o especial do mês.
— Ohhh, sabia que iria querer experimentar, saindo dois especiais de Sakura para vocês. — ela sorriu para eles e se retirou.
— Viu, eu disse que tinha sido mil. — olhou para a amiga de forma serena e satisfatória.
— Ok, não vou duvidar da próxima vez. — assentiu ela, rindo de leve.
Eles esperaram por um tempo até que a senhora Thompson trouxe as duas taças de sorvete. Assim que o menino fez a oração de agradecimento pelo alimento, eles começaram a saborear o doce, tendo como distração as músicas que soavam pelas caixas de som espalhadas pelo lugar. estava animado pela tarde em que passaria com a amiga sem a supervisão de seus pais, tudo milimetricamente calculado até que o impensável aconteceu.
— Olha só quem está aqui! — uma voz conhecida veio da direção da porta.
— , ! — outra voz soou chamando a atenção deles.
apenas sorriu de leve e acenou.
— Essa não, o que eles fazem aqui?! — escondeu de leve o rosto — Não acene , eles podem atrapalhar nosso encontro.
— Não estamos em um encontro . — retrucou a menina.
— Que legal encontrar vocês aqui. — disse Loren ao se aproximar com os outros amigos.
— Por que não disseram que viriam aqui hoje? — perguntou Jack, o mais travesso do grupo de amigos e também primo de .
— Aposto que foi ideia do . — comentou Kimberly, já se sentando na cadeira ao lado de .
— Quem disse que você pode se sentar aí? — perguntou , chateado com a aparição deles.
— Ninguém precisa me dizer nada, eu sento e pronto. — Kimberly mostrou a língua para ele e voltou o olhar para — O que está comendo aí?
— O especial do mês. — respondeu a garota, segurando o riso da cara do amigo.
— Não responda ela. — reclamou — Vocês não vão sentar em outra mesa não? Nós queremos privacidade.
— Desde quando existe privacidade entre amigos ? — Jack riu e puxou uma cadeira vaga da mesa ao lado para ele e sentou — Além do mais, a sorveteria está cheia hoje.
— Isso é verdade. — concordou Loren, se sentando ao lado de — Não faça essa cara de emburrado.
apenas bufou de leve e olhou para que abertamente estava achando tudo aqui engraçado. O grupo de amigos passou algum tempo na sorveteria até que e saíram primeiro com a desculpa de ter que passar na escola para pegar um livro na biblioteca. Mas claro que ele só queria ter um tempo sozinho com a amiga.
— Finalmente nos livramos deles. — comentou ele, respirando fundo o ar puro que passava por eles.
— Foi engraçado ver sua cara quando eles chegaram. — comentou — E Loren parecia bem animada do seu lado.
— Eca. — ele fez uma cara de novo e virou o rosto para o lado.
— Eu já percebi que ela gosta de você, . — comentou a garota, continuando o assunto — Vocês se conhecem desde sempre, como ela vive dizendo.
— E daí?! — ele parou de andar e olhou para ela — O que tem?
— Não sei… — o olhar de ficou meio triste — Às vezes eu fico pensando, ela te conhece a mais tempo que eu e…
— Ah, deixa de pensar nessas coisas. — ele pegou na mão — Quantas vezes vou ter que dizer, você é minha melhor amiga e não me importo com as outras garotas, um dia, vamos nos casar.
— Se o meu pai deixar. — brincou ela, rindo dele.
Mas por dentro, sentindo seu coração acelerar, mesmo diante do seu disfarçado ciúme.
— O Papai já deixou, é o que importa! — retrucou , com certeza de suas palavras.
Ela assentiu com um sorriso e voltou a caminhar na frente. riu de forma boba e a seguiu, também sentindo seu coração acelerar. Para ele não importava a pouca idade de ambos, pois já tinha a mais pura certeza que seu presente de Deus tinha um nome: .
Por mais que fosse acompanhado de várias inseguranças e uma pitada de timidez.
Os meus olhos estão em Ti
A minha alma deseja te adorar
Em tua presença sou como criança
Procurando os teus braços
Pra me entregar
Quero encostar-me em teu peito
Só para ouvir as batidas do teu coração
E transbordando do teu amor
Declarar que te amo Senhor
Santo, Santo, Santo és Senhor Jesus.
- Meu Amado / Ministério Apascentar de Louvor (Toque No Altar)
Ensinamento: Gratidão (Diga que ame Jesus).
10. Mulher Cananéia
E ela disse: Sim, Senhor,
mas também os cachorrinhos comem das migalhas
que caem da mesa dos seus senhores.
- Mateus 15:27
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Atualmente...
Amanheceu com um piscar de olhos.
adormecida estava tão rendida ao sono e ao cansaço que nem mesmo o despertador conseguia ouvir. Quando finalmente seu corpo despertou e os olhos se abriram, a jovem deu um pulo da cama ao olhar as horas e se lembrar que o primeiro horário seria de uma prova de desenho técnico. Uma corrida até o banheiro para lavar o rosto e usar a privada, não demorou tanto quanto se trocar e jogar suas coisas dentro da mochila. Na escrivaninha de estudos ela percebeu um bilhete deixado pela amiga, com o valor em dinheiro combinado pelos desenhos feitos presos com um clipe de papel.
estranhou a primeiro momento, a se tratar da situação financeira de sua amiga que não estava nada boa e repleta de boletos de cartão de crédito para pagar.
— Ué, Louise disse que não tinha dinheiro por agora? Como será que ela conseguiu? — perguntou ela em sussurro ao guardar o dinheiro em seu cofre privado no guarda-roupa.
Colocando o bilhete no bolso para ler mais tarde, jogou a mochila nas costas e saiu correndo em direção à estação de metrô. Cada minuto que se passava na espera seu coração se apertava ainda mais por não ter ouvido o despertador do celular. Logo seu aparelho vibrou no bolso da calça fazendo-a pegar, era uma mensagem de .
Bom dia, flor do dia.
Dormiu bem?
Ela sorriu de leve pelas figurinhas de flores de cerejeira, que haviam juntamente com a mensagem, suas preferidas. olhou para frente ao perceber a chegada do metrô, e após embarcar no vagão do meio, se encostou em uma das paredes e escreveu a resposta ao amigo.
Acordei atrasada e estou a caminho da Parsons.
Nem mesmo deu um minuto para que ele enviasse outra mensagem.
O que?
da Cruz Miller atrasada?
você é a pessoa mais pontual que eu conheço.
kkkkkkkkkkk
a que você conhece é um ser humano no ápice do seu cansaço.
você precisa de férias
também acho
mas não tenho grana para férias
e nem tempo
esse curso está me matando
nem fale isso,
você não pode me deixar viúvo
deixa de besteiras
não estou falando besteira
acaso se esqueceu que somos prometidos um ao outro
de onde tirou isso, seu bobo?
foi Deus quem me disse!
Ela soltou uma gargalhada espontânea, então se retraiu ao sentir olhares em sua direção. Em seguida ela guardou o celular novamente no bolso e voltou sua atenção para a janela do vagão. Algum tempo depois e mais uma quadra de caminhada, finalmente seu corpo parou em frente ao prédio da Parsons. Uma pausa para recuperar o fôlego, se espreguiçar um pouco e subir uma pequena escadaria até a porta de entrada. Como de costume, ela cumprimentou os seguranças da porta ao entrar e se dirigiu para o elevador. Já estava atrasada e correndo o risco de não poder fazer a prova. Um pouco chateada por sua amiga não tê-la chamado antes de sair e envergonhada por aquele ser seu primeiro atraso desde o início do curso.
— Professor!? — disse ao dar dois toques na porta da sala, interrompendo a atenção de todos que faziam a prova.
— , achei que tivesse desistido de fazer a prova. — comentou o professor ao se afastar do quadro e seguir até ela — Como suas notas nos últimos trabalhos foram altas e já alcançou a média para passar...
— Me perdoe pelo atraso, senhor Gail. — disse ela, interrompendo a dedução do professor — Tive um imprevisto.
Imprevisto = junção de sono + cansaço.
— Eu gostaria de saber se ainda posso fazer a prova. — perguntou ela, num tom de humildade suavizando mais seu rosto.
— Mas é claro que sim, não precisava pois já está aprovada em desenho técnico, mas pode sim. — o professor controlou internamente sua euforia, com o pedido humilde da moça.
Sua admiração pela melhor aluna da classe era demonstrada de forma sutil de tempos em tempos.
— Agradeço senhor Gail, eu quero sim. — afirmou ela.
— Pegue um croqui e pode iniciar em seu lugar. — disse ele, apontando para as folhas soltas que estavam em cima da mesa.
assentiu e se aproximou da mesa, ela olhou atentamente para os quatro modelos de croqui realista de roupas disponíveis. Uma era uma jardineira de jeans acompanhada de uma t-shirt básica branca com uma jaqueta de couro. No outro tinha um vestido longo plissado verde musgo, com um cinto de acessório e um sobretudo camurça bege. O terceiro era um pouco formal moderno com uma camisa social branca acompanhada de uma calça social de alfaiataria, um cinto de acessório e casaco cinza escuro de veludo. Por último, um look básico de calça sarja com regata com suspensório de acessório e jaqueta de couro.
— Hum... — ela se manteve focada nos detalhes dos desenhos.
Cada um tinha sua peculiaridade. Por fim, ela escolheu a jardineira e logo assentou em sua cadeira.
— Por onde começo?! — sussurrou ela, analisando os traços do croqui — Vamos pelo mais fácil, t-shirt.
A prova tinha um tempo limite de quarenta e cinco minutos. Para por ter chegado quinze minutos atrasada, o professor havia lhe concedido mais cinco minutos além do tempo restante. Entretanto, não precisou, pois mesmo com seu atraso, também tinha facilidade em interpretar o croqui e transcrevê-lo para desenho técnico.
— Aqui está senhor Gail. — disse ela, ao entregar suas folhas todas nomeadas e detalhadas para o professor.
Todas as outras pessoas que ali estavam, pararam e mais uma vez olharam espantados. Mesmo sendo a melhor, e mesmo podendo ter o maior destaque, a jovem sempre mantinha o mesmo jeito simples e tímido de ser, controlando suas manias de perfeccionismo que em alguns casos mais lhe atrapalhava que ajudava. Contudo, o principal ela sabia, todo o talento e criatividade que possuía não vinha dela, mas de Deus.
E se fosse para alguém ser exaltado por isso, certamente seria Papai.
Assim que saiu da sala, se direcionou para o ateliê de moulage. A próxima aula seria com a professora mais exigente do seu curso, Miss Peter. Uma senhora de cabelos grisalhos, óculos de grau, echarpe de linho egípcio e scarpin Chanel, que conseguia extrair medo em todos os alunos daquela instituição. se aproximou da última bancada bem ao lado da janela e sentou na banqueta. Como faltavam quinze minutos para o início da aula, apenas colocou fones no ouvido e abriu o aplicativo do Spotify para ouvir a playlist que seu amigo havia enviado. Pegou seu bloco de bolso para desenhar um pouco.
— Poderia até ficar desconfiada, mas eu sei que você tem bom gosto. — sussurrou ela, com um sorriso descontraído e espontâneo no rosto.
Os minutos foram passando, e o restante da turma foi chegando. Assim que Louise adentrou a sala com outra amiga, conversando sobre seu estágio, acenou para ela que não se atentou a princípio.
— , amiga que bom que chegou a tempo. — disse Louise ao se aproximar dela, ajeitando sua bolsa no ombro e algumas sacolas na outra mão — Eu saí correndo de casa porque precisei levar os croquis pra supervisora antes da aula, por isso não te chamei.
— Sem problema. — disse ela, mantendo o olhar sereno e a atenção bem distante dali.
Seu cansaço físico e mental ainda se mantinha presente.
— Bom dia a todos. — disse Miss Peter ao colocar sua bolsa Prada em cima da bancada de trabalho e ajustar o óculos no rosto — Hoje faremos uma moulagem diferente do que costumamos, usaremos os manequins plus size com o propósito de executar peças piloto de roupas para festas.
— Seremos avaliados como na última atividade? — perguntou Louise ao ir rapidamente para seu lugar.
— Essa pergunta, a essa hora da manhã? Nem parece que estão no segundo ano da graduação. — a professora revirou os olhos sem paciência — Já deveria saber que em tudo vocês são avaliados.
apenas reduziu o volume da música, mantendo um fone no ouvido esquerdo, para voltar a atenção à professora. Assim que Miss Peter deu o restante das explicações e assentiu para iniciarem, a jovem Miller começou a esboçar no papel um croqui rápido para ter uma base do que ela poderia propor. Aquele era um dos pontos que contribuíam para suas chances de acerto. Todas as ideias que tinha em mente, ela sempre desenhava primeiro, visualizava no corpo do manequim em sua mente, para depois modelar no manequim com o tecido.
— Clair, sua dobra ficou estranha, desmanche e refaça. — disse a professora, após alguns minutos rodando entre as bancadas de trabalho, observando eles trabalharem — Dylan, não acho que este babado está alinhado ao estilo que está propondo, aconselho rever seu desenho, se é que eu posso chamar isso de desenho… Joy, você não deveria se esquecer que o godê é cortado enviesado, o que pensa que está fazendo com esse tecido? E não se esqueça de verificar o cálculo da medida da cintura, da última vez houve muitos equívocos de sua parte.
Não teve uma só pessoa que não engoliu seco, com todos os defeitos que ela apontava em cada modelagem. Até que a mesma parou em frente a bancada de , e se manteve em silêncio atenta às movimentações precisas e objetivas da aluna. É claro que a senhora Peter a considerava sua aluna favorita, apenas não dizia em voz alta por ser uma profissional bastante orgulhosa.
Em um dado momento, assim que a senhora Peter se moveu para apontar um pequeno defeito na dobra que a jovem modelava, a própria percebeu o erro e desfez. Ela parou por um momento e ficou olhando para o seu desenho, pensando numa forma de deixar a dobra mais sutil e menos marcada como imaginou.
— Uma dica importante. — disse a professora ao terminar seu movimento, tocando no tecido com suavidade — Você precisa de leveza nas pontas e segurança na dobra, então deve fazer assim...
Era raro os momentos em que a senhora Peter interferia ativamente na moulagem de algum aluno ou aluna. Seu argumento estava no fato de: é errando que se aprende. Por isso, sempre que momentos como aquele aconteciam, todos paravam para aprender mais com ela.
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— Eu não acredito que a megera finalmente nos ensinou algo legal. — comentou Louise ao se aproximar da amiga, que estava tomando um cappuccino na cafeteria do prédio.
— Tudo que ela nos ensina é legal. — comentou , ao assoprar o líquido observando a amiga se sentar na cadeira.
— Eu não acho. — Dominic, outro colega de turma puxou outra cadeira e sentou-se também — Aquela velha um dia ainda vai matar a gente, escreve o que eu estou dizendo.
— Socorro, eu não aguento mais essas aulas de moulagem, eu nem sei costurar direito, tenho que ficar modelando no manequim. — Barbie puxou outra cadeira para ela, sentando em plena frustração — Prefiro mil vezes escrever três artigos sobre a moda na Grécia antiga do que isso.
Era visível as preferências da garota pelos editoriais de moda, afinal seu estágio estava sendo executado na revista W.
— Vocês estão fazendo uma tempestade em um copo de água. — comentou , enquanto saboreava seu cappuccino — A aula de hoje até foi bem produtiva e diferente.
— Fale por você. — Dominic a olhou — Além de que suas considerações nem valem né.
— Por que? — se mostrou confusa pelas palavras dele.
— Verdade. — concordou Barbie — Você é a melhor da turma em tudo, está em um nível bem superior a gente, para você todos os professores são bons.
— É porque todos a tratam bem. — explicou Dominic demonstrando sutis insatisfações — Diferente de nós os mortais que somos sempre xingados por não atender as exigências deles.
— Me desculpem gente, mas eu nunca percebi esse tratamento diferente não, eles me tratam com a mesma educação que eu os trato. — pegou sua mochila tranquilamente, para se retirar.
— Está falando que nós não somos educados com eles? — Dominic a olhou se sentindo ofendido.
— Me desculpe se soou assim. — ela apenas se levantou e seguiu até a lixeira para jogar fora o copo descartável do cappuccino.
Mas o que plantamos nós colhemos! Pensou ela, ao se lembrar do versículo de Gálatas 6:7, que sua mãe Célia sempre mencionava para ela. estava cansada demais para levar em consideração as palavras amargas de Dimitri, e menos ainda se sentia confortável de permanecer ali mediante a tantas reclamações do rapaz. Assim que ela chegou no hall de entrada do prédio, seu corpo paralisou ao se deparar com o coordenador Brown a sua espera na recepção.
— Bom dia, . — disse o homem, com um tom sério, entretanto mantendo o olhar sereno.
— Bom dia, senhor Brown. — ela o olhou um pouco temerosa — Algum problema?
— Todos, mas gostaria que me acompanhasse até a minha sala. — disse ele, estendendo a mão em direção ao corredor principal.
— Sim, senhor. — ela assentiu o seguindo.
A cada passo se encolhia mais e sentia o coração disparado com medo de que o assunto pudesse ser preocupante. Assim que chegaram, o coordenador se sentou em sua cadeira de diretor e estendeu a mão para que ela sentasse na cadeira a sua frente, e o mesmo ela o fez.
— O que o senhor deseja falar comigo? — perguntou ela, controlando sua aflição interna.
— Primeiro, quero lhe perguntar se a senhorita já preparou seu portfólio? — iniciou ele.
— Bem… Eu ainda não encontrei tempo para dar atenção a isso, e como o senhor disse que eu poderia entregar no final deste mês… — ela respirou fundo, sabia que estava em falta com sua própria vida profissional.
— Imaginei. — disse ele, ele soltou um suspiro tentando manter o olhar de compreensão — Pois a partir de agora, quero que sua atenção esteja toda concentrada no meu pedido, e nada de trabalhos extras fazendo desenhos para outros alunos.
— Senhor?! — seu corpo gelou e o coração quase parou com a revelação.
— Não se preocupe senhorita Miller, não será punida por fazer croquis para seus colegas de turma em troca de dinheiro, tenho conhecimentos de sua situação financeira neste país.
— Como o senhor sabe sobre isso? — perguntou ela, de forma inocente.
— Pela forma mais óbvia, você não pode fazer a prova para todos eles, apenas a sua. — explicou o coordenador, ao retirar alguns papéis dos muitos croquis que a jovem havia desenhado para outros alunos — Sejamos honestos, é bem visível a mudança de traço entre os trabalhos e as provas, e somente a sua permanece igual, não precisamos ser do CSI para saber que você já desenhou pelo menos uma vez para a maioria dos alunos daqui.
Por essa não esperava.
— Só me entristeço em saber que muitos conseguiram destaques com algo que você fez. — continuou ele, ao se levantar de sua cadeira — Eu prezo muito pela meritocracia, você é uma aluna dedicada que poderia se destacar com facilidade, se não vendesse seu talento para os outros.
— Me desculpe por desapontá-lo, senhor. — também manteve a suavidade no olhar, por mais que seu coração estivesse acelerado — Mas não acho que esteja vendendo o meu talento, apenas estou ajudando algumas pessoas, enquanto isso, tenho a oportunidade de aperfeiçoar o meu traço.
— Admiro a forma com a qual enxerga as coisas. — ele soltou um suspiro fraco — Mas o que importa é que a partir de agora, está terminantemente proibida de vender suas habilidades e saberemos se você fizer…
— Mas… — ela tentou argumentar, porém desistiu no meio do caminho, assentindo.
— Que bom que entendeu, você está entrando em um nível do seu curso que deve se preocupar com seu futuro e em qual direção da moda irá seguir. — completou o coordenador — Preciso da minha melhor aluna focada em ter o portfólio mais impecável que eu verei na minha vida. Estamos entendidos?
— Sim, senhor Brown. — assentiu ela, se levantando da cadeira também.
— E não se preocupe com a parte financeira, sei que desenhar para os outros para se manter neste curso, então a partir de agora sua bolsa de estudos na Parsons irá cobrir também as despesas com deslocamentos, alimentação e alojamento. — anunciou ele — Não é certo que a melhor aluna não tenha uma base sólida para se dedicar aos estudos e trazer mais orgulho a esta instituição.
— Obrigada, senhor Brown. — a voz de abaixou mais, em quase sussurro.
Ela estava estática pelo anúncio dele, pois nunca imaginaria ser agraciada com algo assim em sua trajetória acadêmica. O diretor lhe deu mais algumas instruções sobre o que ele queria ver no portfólio e então a liberou para se retirar. seguiu a passos lentos pelos corredores, totalmente em choque com o que havia acontecido naquela sala. Seu corpo se moveu sozinho até a saída, onde levou outro susto ao se deparar com seu amigo , encostado em uma moto com mãos nos bolsos da calça e uma pose de modelo vip em capa da revista Vogue.
— O que você faz aqui?! — perguntou ela, ainda surpresa.
— Vim te roubar pra mim. — brincou ele, se afastando da moto com um sorriso bobo no rosto.
— Que loucura é essa ? — ela riu de leve — Me roubar?
— Você precisa de um dia de paz e sua chefe já sabe sobre esse sequestro. — continuou ele, no tom de brincadeira ao esticar um dos capacetes para ela.
— E desde quando você tem uma moto? — perguntou ela, ao pegar o capacete.
— É de um amigo, de um amigo. — ele riu e piscou para ela.
— Bem, contanto que eu não termine em uma delegacia no final do dia, está tudo bem. — disse ela, colocando o capacete.
soltou uma gargalhada engraçada, que a fez rir junto.
Ele deu a partida, assim que a jovem se agarrou em sua jaqueta. Com um brilho nos olhos, estava com seu coração acelerado, pois havia preparado uma surpresa para sua amiga. No fundo, ele só queria lhe proporcionar mais um dia cheio de alegrias, sorrisos e oportunidades para se aproximar ainda mais de Papai.
Tu és o autor
Aquele que pintou com perfeição a vida
Tu és o senhor, aquele que me amou
E és o meu Deus, meu senhor
Minha vida é pra teu louvor.
- Mais Que Uma Voz / Kleber Lucas
Ensinamento: Humildade.
11. Sunamita
Certo dia, Eliseu foi a Suném,
onde uma mulher rica insistiu que
ele fosse tomar uma refeição em sua casa.
Depois disso, sempre que passava por ali,
ele parava para uma refeição.
- 2 Reis 4:8
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Atualmente...
era ótimo em planejamentos, ainda que a fama de bagunceiro persistisse em sua vida, um de seus defeitos que menos conseguia lidar, afinal ela era tida como o poço da organização e perfeccionismo. Mas ali estava a garota agarrada à jaqueta do amigo, um pouco trêmula pela adrenalina proporcionada pela moto e em plena curiosidade em saber qual a surpresa da vez.
Seguindo pela via principal, em um piscar de olhos a moto desequilibrou um pouco devido a uma ultrapassagem equivocada do carro ao lado. Aquilo foi um gatilho para que as más lembranças do acidente do amigo fizessem com que a jovem se sentisse angustiada e em pânico.
— , para a moto. — pediu ela, tentando forçar a voz — !
— O que? Não te ouvi… O que disse? — perguntou ele, esquinando a cabeça de forma automática, porém voltando a atenção para o trânsito.
— Para a moto! — gritou ela, com mais força.
O que fez o rapaz jogar o veículo para o canto e entrar numa rua menos movimentada para estacionar ao lado da calçada. Mesmo parando, ele manteve o motor ligado, entretanto, já em sua crise de desespero desceu de imediato retirando o capacete, tentando respirar. A princípio não havia entendido o que estava acontecendo com ela, até que sua memória também recordou o passado, foi então que ele desligou o motor e desceu da moto.
— … — ele se aproximou dela, e apoiando sua mão direita em suas costas, com a outras segurou a mão da garota — Olha para mim, está tudo bem.
— Não, eu não consigo… — ela continuou de cabeça baixa, puxando o ar para seus pulmões, sentindo um aperto no coração.
— , olhe para mim. — insistiu , com a voz suave, agora tocando com suavidade no rosto dela, atraindo sua atenção total — Eu estou aqui, está tudo bem, não vou a lugar nenhum.
— … — o olhar dela estava marejado.
— Respira com calma. — pediu ele, entendendo o que ela queria dizer.
O mesmo ela fez, mantendo seu olhar fixo nele.
— Me desculpe, eu deveria ter vindo de carro. — disse ele, com o olhar compreensivo para ela, acariciando seu rosto — Não imaginei que pudesse te fazer lembrar daquele dia.
— Eu achei que estivesse tudo bem, mas… Não dá, eu não consigo… — as lágrimas caíram com facilidade de seus olhos — Eu não quero passar por aquela dor novamente e as lembranças não ajudam.
Ele apenas a abraçou.
Onde falta palavra, o silêncio e um abraço apertado garante o sentimento de segurança e conforto. Internamente lutava contra o turbilhão de pensamentos tristes e negativos que surgiram com a brecha encontrada. Era como se estivesse revivendo toda a dor que sentiu quando viu o amigo ligado a aparelhos a um passo da morte, tido como o segundo pior dia de sua vida.
— Eu poderia até te perguntar se quer ir para casa. — sussurrou , num tom brincalhão — Mas como sei que a resposta vai ser sim e que vai preferir passar horas chorando no quarto, não vamos sacrificar este dia.
— … — ela se afastou um pouco o olhando — Não sei se estou…
— . — ele a interrompeu — Os planos de Deus não são frustrados, e foi Ele quem planejou nossa tarde de hoje.
Ela permaneceu séria, cruzando os braços voltando o olhar para a moto.
— Não vamos nela. — assegurou ele, piscando de leve.
— E como vamos? — perguntou.
— Hum… — ele retirou um lenço de um dos bolsos da jaqueta e limpou as lágrimas do rosto dela, e lhe deu um beijo na bochecha em seguida — Caminhando, estamos quase perto do nosso destino.
— Mas e a moto? — indagou — Não é perigoso deixá-la aqui? Podem roubar.
— Ah… Verdade. — ele riu e pegando o celular mandou algumas mensagens — Logo o dono vem buscar.
Ele abriu um singelo sorriso para ela e segurando em sua mão, a guiou para a direção que seguiriam. Alguns quarteirões de caminhada em silêncio, percebeu que ainda não havia se recuperado do susto, e mesmo não sabendo o que poderia fazer para que ela vencesse as dores do passado e curasse seu coração. A única certeza que o rapaz mantinha era que Papai já estava trabalhando bem no íntimo de sua amiga, e a cada dia que ele investia passando ao lado dela, era uma conquista.
— … — sussurrou ele, despertando a atenção dela.
— Sim. — disse a jovem.
— No que está pensando, enquanto estamos caminhando?! — indagou ele, ao puxá-la para caminhar debaixo das sombras das árvores.
— Para ser honesta, estou tentando não pensar. — respondeu ela, soltando um suspiro desanimado depois.
— Eu realmente não queria ter causado isso. — disse ele.
— . — ela parou um momento, o fazendo parar também — Sei que não foi intencional, eu só… Como sempre nunca estou pronta para encarar as mesmas dores.
— Não precisa fazer isso sozinha, você sabe disso. — assegurou ele, com confiança — E não falo apenas de mim.
sabia que em tudo o seu amigo sempre se referia a Papai também.
— Eu sei… — ela olhou para o céu, tentando segurar as emoções — Podemos continuar essa conversa depois?
Um largo sorriso surgiu no rosto do rapaz, deixando-a surpresa e confusa.
— Por que está sorrindo?! — perguntou a jovem.
— Esse sorriso não é meu, é do Papai. — também se sentiu emocionado.
— Por que? — ela continuou sem entender.
— Porque você não disse que não quer falar sobre. — explicou ele — Desta vez pediu para adiarmos a conversa.
Só então ela percebeu com clareza as suas palavras e começou a rir de forma espontânea. Afinal, o que mais queria era ajudá-la a superar seus traumas amontoados ao longo dos anos, aquela pequena frase poderia significar muita coisa para ele e apenas uma para Deus: estava se abrindo para a cura.
— A culpa é sua. — disse ela, batendo no ombro dele.
— Eu te amo, e Papai também. — ele sorriu de canto e piscou, fazendo-a rir um pouco mais — Vamos continuar?
— Não chegamos ainda? — ela lançou um olhar cansado — Você disse que era perto e já estamos a tempos caminhando.
— Para ser honesto, já chegamos. — confessou ele — Eu que achei melhor darmos algumas voltas pelo quarteirão.
— Seu mercenário. — ela bateu nele novamente — Bem que eu percebi que passamos pela mesma loja três vezes.
— Ai. — desta vez reclamou fazendo uma careta engraçada — Que carrasca.
— Você que é, me fazendo andar à toa. — ela soltou de sua mão e cruzou os braços.
— Não foi à toa. — ele segurou em sua mão novamente e entrelaçou seus dedos — Deixe de me olhar assim, e vamos aproveitar nosso dia.
Ela não teve outra escolha a não ser assentir com a cabeça e seguir com ele até o prédio do outro lado da rua. Mais uma edificação ao estilo tradicional americano com tijolinhos na fachada frontal e pintado de branco nas laterais. Assim que tocaram a campainha, a porta se abriu revelando a anfitriã com seu olhar curioso e gestos empolgados.
— ! — a mulher que aparentava seus quarenta anos foi logo abraçando o rapaz, sem cerimônias e nenhum receio — Achei que não fossem mais chegar.
— Se eu disse que a traria. — explicou o rapaz, ao retribuir o abraço e brincando — Sua ansiedade é que está elevada.
— E você, seja muito bem vinda, ! — antes mesmo de serem apresentadas, a anfitriã abraçou a jovem, deixando-a surpresa a primeiro momento.
Tanto pelo abraço quanto por ela saber seu nome.
— Esta é a dona Cristina. — disse o rapaz ainda se impressionando, com o jeito despreocupado e espontâneo da mulher — Ela é brasileira também.
Em segundos, sentindo aquele abraço forte e confortável, que imediatamente lhe remeteu ao abraço de sua mãe Célia, se desmanchou nos braços da mulher e começou a chorar novamente. O que deixou num misto de preocupação e choque, confuso com o que acontecia.
— Me desculpe. — sussurrou , ao se recompor depois de ter ficado longos minutos abraçada a ela.
— Eu posso entender o que aconteceu aqui? — olhou a mulher, boquiaberto.
— Sim, alguns têm o dom de cantar, outros de pregar, o meu é de abraçar. — explicou Cristina, rindo dele — E você minha jovem, não precisa se desculpar, esse abraço está a sua espera há muito tempo.
Agora foi a vez de ficar surpresa.
— Agora, deixe-me me apresentar direito. — a mulher riu com carisma — Meu nome é Cristina da Silva, e você é a famosa .
A jovem assentiu com a face, dando um sorriso singelo.
— Não vou nem comentar a parte do famosa. — riu de leve, enquanto terminava de enxugar suas lágrimas e voltou o olhar para o amigo.
— fala de você desde quando eu o conheci. — confessou Cristina, soltando uma gargalhada boba — Ainda me lembro da primeira vez que o vi, estava tão chateado e deprimido, que quase fiquei pra baixo junto.
— Não precisa contar em detalhes. — disse , se sentindo envergonhado.
— Mas eu não detalhei nada. — a mulher riu dele.
— deprimido? — o olhou surpresa.
— Foi naquela época. — explicou ele, baixando mais o tom de voz, se referindo há quatro anos quando eles deixaram de ser amigos.
abaixou o olhar, dando espaço para a tristeza, entretanto não durou nem dois segundos pois Cristina com sua animação a pegou pela mão e a puxou para a cozinha.
— Passado é passado e vamos deixá-lo lá, não quero ver ninguém triste hoje. — argumentou a anfitriã, no caminho — E esta é a minha cozinha, o melhor lugar da casa.
— Pelo olhar brilhando do , imagino que sim. — brincou , dando uma risada rápida.
— Você não tem ideia de quanta comigo maravilhosa que ela faz. — olhou sorridente para a dona da casa — Tem certeza que seu dom é abraçar?!
Ela soltou uma gargalhada boba.
— Tenho muitos, meu filho. — afirmou ela, se afastando de e seguindo até a geladeira — Eu resolvi não preparar nada até vocês chegarem… já sabe das tradições, um brasileiro que se preze recebe as visitas é na cozinha fazendo algo pra comer.
— Estou ansioso para saber o que vai fazer hoje. — disse o rapaz, puxando duas cadeiras para ele e a amiga se sentarem.
— Eu conheço muito bem essas tradições brasileiras. — concordou , se lembrando das muitas vezes que almoçou na casa dos pastores brasileiros com a mãe — A cozinha é sempre o coração da casa.
— Não há nada melhor do que comer. — comentou , piscando de leve para a amiga.
— Dormi é mais interessante. — argumentou , refletindo um pouco sobre o assunto.
— Amar é mais… — dona Cristina suspirou um pouco, com o olhar apaixonado.
— Estou começando a considerar isso. — voltou seu olhar profundo para a amiga, que fez a jovem se encolher na cadeira, envergonhada por tamanha sinceridade.
— Eu disse. — Cristina parou por um momento e manteve sua atenção no casal em sua cozinha.
Ela sabia parcialmente a história deles, das muitas noites que passou conversando e aconselhando em muitos dos seus momentos tristes e saudosos em ver . A doce anfitriã brasileira o havia acolhido há três anos e sete meses em sua casa, o jovem que naquela época morava com o pai na américa, havia saído de casa após uma discussão. Debaixo da chuva, sem ter para onde ir e dinheiro para se sustentar, ele avistou Cristina lutando com o guarda-chuva enquanto carregava algumas sacolas pesadas do supermercado e se ofereceu para ajudá-la com o peso.
Bastou dois minutos de conversa, para que a anfitriã percebesse que era um bom garoto que precisava de apoio e bons conselhos, além de um espaço para dormir. A maior virtude de Cristina é ser hospitaleira, abrir as portas da sua casa para receber jovens como e , que precisam de um ombro amigo e um aconchegante abraço acolhedor. Não foi à toa que fez da casa do seu falecido marido um hostel à sua própria moda, e seu pequeno negócio foi a cada ano com os marketings boca a boca de crescendo e ficando famoso entre os estudantes da cidade.
— E como se conheceram? — perguntou curiosa.
— Ah, essa eu conto. — começou a rir ao se lembrar — Ela estava perdendo de dois rounds para o guarda-chuva enquanto carregava algumas sacolas.
— Ah, eu estava quase dominando ele. — reclamou Cristina, em sua defesa — Mas o senhor cavalheiro ai, me ajudou a trazer as compras pra casa e eu percebi que ele precisava de um teto para ficar.
— O que aconteceu?! — olhou para ele.
— Lembra que eu vim morar com meu pai? — perguntou ele, com ela assentindo — Então, não deu muito certo, bom que Deus me enviou um anjo da guarda para me dar comida e abrigo.
Ele voltou seu olhar para Cristina e piscou de forma travessa.
— Só não me casei com ela, porque já sou prometido a você. — segurou a mão de sua amiga entrelaçando os dedos, novamente deixando ela envergonhada.
— Ata. — Cristina riu de leve e voltou sua atenção na geladeira que ainda estava aberta, então continuou a retirar os ingredientes que listava na cabeça — Sabe muito bem que você não faz o meu tipo.
Ela brincou em descontração, percebendo a intensidade do olhar dele para .
— E vocês? Quando serei a madrinha?! — continuou ela, brincando.
— Não, não brinque com isso. — se encolheu um pouco — é um bobo, com tantas garotas menos complicadas e ele continua insistindo em mim.
— Você não é complicada. — retrucou ele, seguro de suas palavras — E tenho certeza que até a nossa formatura, já terei te desposado.
— Desposado?! — pareceu confusa com o dialeto utilizado por ele.
— Tem gente vendo muito Bridgerton aqui. — comentou Cristina — Vira e mexe esse menino cisma de falar como se estivesse no século XIX.
— É porque minha futura esposa gosta de romances de época. — olhou para a amiga — E falando nisso, te devo uma maratona de filmes da Jane Austen.
— Não tenho tido tempo para isso, sabe que ainda estou devendo um portfólio ao diretor. — explicou ela, sua falta de tempo.
— Hum… — ele fez bico, demonstrando chateação.
— Dona Cristina. — voltou o olhar para ela, atenta aos seus manuseios dos ingredientes.
— Sim?! — Cristina manteve sua atenção onde estava.
— Você disse que o amor é melhor. — afirmou a garota — Você é casada?
— Já fui, duas vezes. — contou a mulher, soltando um suspiro saudoso.
— Uau, e o que aconteceu? — a garota se viu um pouco mais curiosa pela história.
— Bem… Meu primeiro marido foi quando eu tinha 17 anos, eu me casei grávida por uma inconsequência de minha parte e falta de conhecimento da palavra, mas eu o amei muito mais muito mesmo… — Cristina foi contando com o tom suave e tranquilo, que se podia notar seus sentimentos ao detalhar sua história — Mas infelizmente, ele faleceu no mesmo dia em que eu perdi nosso bebê…
— Eu lamento. — forçou a voz, pois quase sussurrou.
— Está tudo bem, é passado aprendi com os erros e acertos daquele relacionamento, Samuel era um rapaz maravilhoso e muito divertido, eu segui com a minha vida e foquei nos estudos, foi quando eu ganhei uma bolsa de estudos na federal de Minas Gerais. — continuou ela, parecendo se empolgar um pouco — Foram os anos mais badalados da minha vida, nunca imaginei que ser universitária pudesse ser tão extraordinário e cansativo ao mesmo tempo, mas estava eu afundada em todas as atividades que me ofereciam até mesmo as que não gostava.
— E por que? — perguntou .
— Porque naquela época eu achava que quanto mais eu me ocupasse, menos eu teria espaço para pensar na minha perda e não sofrer de novo. — respondeu ela, ao parar e olhar diretamente para — Até que eu conheci o Joseph, um intercambista despojado e totalmente aventureiro que se tornou meu segundo marido, nos tornamos amigos primeiro e como eu não queria relacionamentos para não perder novamente, ele suor literalmente a camisa para me conquistar.
— Eu entendo muito bem o que é não querer perder alguém outra vez. — sussurrou .
— Mas sabe de uma coisa, foi com o Joseph que eu aprendi que perder faz parte da vida, e sempre que perdemos algo, Deus nos dá a oportunidade de ganhar uma coisa nova… Através do Joe eu descobri o amor de Deus que não sabia que tinha, e me livrei do pensamento de ser desafortunada… Fui uma mulher muito feliz nos meus quinze anos de casada com ele, e me rendeu dois filhos gêmeos. — continuou Cristina, segura em suas palavras abrindo um singelo sorriso para ela — Mas então, eu o perdi para uma doença, acredita?
— Não consigo imaginar quanta dor você teve que aguentar. — comentou , sensibilizada com suas palavras.
— Bem, por algum tempo sim, eu chorei muito… — admitiu ela — Mas eu já havia aprendido que a perda é uma ferida que deve doer apenas no momento em que acontece, depois devemos curá-la e seguir em frente, assim toda vez que lembramos da pessoa não será com dor e sim com saudade.
— Eu não sei se teria forças para enfrentar a dor. — retrucou , internamente cansada de tanto sofrimento ao longo dos anos.
— Acredite você é mais forte do que imagina. — Cristina sorriu novamente para ela — Basta apenas querer não se lembrar mais com dor e sim com saudade.
A anfitriã voltou o olhar para seus ingredientes satisfeita por ter contado sua história para ela.
— Quem quer aprender a fazer bolinho de chuva?! — perguntou Cristina, mudando de assunto para deixar a reflexão para a jovem.
— Eu quero! — disse , se levantando da cadeira e indo até ela — Você sempre me diz que vai me ensinar, mas nunca faz isso… Preciso aprender para quando eu me casar.
— Ah sim… — Cristina soltou uma gargalhada boba — Só fico com medo de você causar um caos na cozinha, do jeito que é tão organizado.
fez uma careta engraçada, sabendo do sarcasmo no comentário dela. Ele sabia que sua amiga precisava de alguns minutos digerindo o que tinha ouvido e refletindo sobre, então aproveitou o momento para atormentar a anfitriã e de forma atenta aprender a tal receita.
Os minutos foram passando, e em seu silêncio apenas observava as peripécias de seu amigo em seu momento aprendiz de confeiteiro. Rindo das suas perguntas sem sentido sobre o motivo de colocar uma pitada de sal em algo que é doce, e se a receita também daria certo se não colocasse o ovo. Cristina seguia tirando todas as dúvidas de forma tranquila e paciente, dando algumas gargalhadas pelo caminho.
— E então? — indagou Cristina, assim que a jovem mordeu o primeiro bolinho que pegou — Cuidado que está quente.
— Gostoso, está muito gostoso. — sorriu de leve, realmente estava bom e com gostinho de saudade — Era exatamente assim que a minha mãe fazia.
Aquela era a primeira vez que ela se lembrava de Célia sem se sentir mal, sem lágrimas ou aperto no coração. apenas começou a rir ao se lembrar de quando sua falecida mãe lhe ensinou a fazer bolinho de chuva, de como ela deixou a cozinha toda branca após uma inesperada guerra de farinha. Os olhos da garota brilharam um pouco com a lembrança, cheios de lágrimas de emoção no canto, deixando-a surpresa consigo mesma.
— Me desculpem, acho que fiquei emocionada. — explicou ela.
— Se lembrou da sua mãe com saudade, não foi?! — constatou Cristina, já entendendo o brilho no olhar dela, recebendo a confirmação com o balançar de sua cabeça — Você acabou de conseguir, isso é se lembrar com saudade e sem a dor… E só conseguimos isso através do amor, e Ele não é um sentimento apenas é uma pessoa com nome e sobrenome.
Ela olhou para , que se mantinha atento a amiga com um sorriso de canto no rosto. Ela sabia quem era essa pessoa que a mulher mencionava: Jesus Cristo. Eles saborearam mais alguns bolinhos, que foram banhados na mistura de açúcar mascavo e canela, tido como o ingrediente secreto de Cristina. Assim que se ofereceu para ajudar a anfitriã a lavar a louça suja, a mulher expulsou os amigos da cozinha e pediu para que mostrasse seu jardim nos fundos da casa.
O rapaz, porém, segurou na mão da amiga e a levou para o segundo andar, lhe apresentando o quarto onde dormia. Para a surpresa de , o lugar estava surpreendentemente organizado e perfumado, a garota pode até notar uma fileira de pequenos vasos de suculentas na bancada de estudos embaixo da janela.
— Eu reconheço essa cortina, de nossas videos chamadas. — comentou ela, impressionada — Sempre achei que você morasse em uma república ou no dormitório da faculdade.
— Bem, eu considero aqui meu dormitório, só que com mais benefícios. — explicou ele, num tom brincalhão — Até ganhei uma segunda mãe e essa cama maravilhosa.
riu baixo ao observá-lo apontar.
— A dona Cristina é realmente uma pessoa muito legal, e… — ela parou e suspirou fraco.
— Ela sempre me deu ótimos conselhos. — contou ele, puxando a cadeira frente a bancada para se sentar — Principalmente quando eu pensei em desistir no começo.
— Desistir? De que? — deu alguns passos e se sentou na cama dele — E quem dorme na outra cama?
— Um amigo que ela adotou também, ele é do México, veio de travessia com coyote, foi difícil conseguirmos o visto dele, mas agora deu tudo certo e ele ganhou uma bolsa de estudos na NY University. — contou ele, mantendo a atenção nela, com um olhar carinhoso.
— Você não me respondeu… — insistiu , ela sabia que tinha algo mais profundo que não queria dizer.
— Você quer falar sobre isso agora? — perguntou.
— Não sei… — ela respirou fundo — Você queria desistir de mim?
— Não… Eu queria desistir de mim… — ele manteve a segurança na voz — E ela me ajudou a lembrar que Papai jamais vai desistir de nós, então eu fiz uma promessa.
— Qual? — ela permanecia curiosa.
— Que jamais desistiria de nós, também. — ele se levantou e deu dois passos até ela, ficando de pé em sua frente — Quando você disse que não queria mais ser minha amiga, eu não vi motivos para continuar morando com a minha mãe, então pedi para ficar com o meu pai aqui na América… Foi o pior momento da minha vida, que eu parei de olhar para Aquele que é dono do meu olhar, então fui me sentindo cada vez mais sozinho e…
— … — ela se levantou com os olhos cheios de lágrimas — Me desculpa…
— A culpa não foi sua. — ele manteve o olhar de carinho e a abraçou forte e apertado — Sabe, quando o tio Paulo diz em Romanos 8:28 que tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus?
Ela balançou a cabeça positivamente, tentando controlar suas emoções.
— Eu aprendi que minha felicidade não vem das pessoas que eu amo, ela vem do Papai, é Ele quem me completa… — explicou , com serenidade — Eu tinha que aprender isso primeiro para depois voltar pra sua vida, assim eu jamais te colocaria acima dEle… No fim, era uma lição da qual eu tinha que passar e aprender.
— Perder a minha mãe foi uma lição? Eu não queria. — suas palavras soaram em forma de desabafo.
— Eu não tenho essa resposta… — confessou ele, aninhando-a em seus braços — Mas, não precisa ser uma dor, deixe Papai fazer disso apenas uma linda saudade.
— Foi para isso que você me trouxe, não é? — perguntou , em reflexão de todos os sentimentos que teve em um único dia.
— Não exatamente… Eu realmente não sabia o que iria acontecer aqui, mas permaneço agradecido por cada detalhe. — ele se afastou um pouco.
A distância foi o suficiente para olhá-la nos olhos por um tempo, até tomar impulso para lhe dar outro beijo doce e sutil.
— Obrigado. — sussurrou ela.
— Pelo abraço ou pela nossa tarde? — indagou.
— Pacote completo. — respondeu ela, rindo.
— Foi obrigado para mim, ou para o Papai?! — perguntou ele, novamente arrancando mais risos dela.
— Pacote completo. — repetiu, sorrindo de forma graciosa e delicada.
contou mais algumas histórias de outros hóspedes do hostel, e dos muitos que já passaram naqueles três anos e sete meses que morava ali. ainda seguia curiosa para saber como estava sendo a relação do amigo com os pais, ela que tinha acompanhado a fase mais conturbada do divórcio, se sentia levemente chateada consigo mesma por tê-lo deixado no momento em que mais precisava. Sua dor na época havia sido tão grande que nem mesmo pensou que pudesse também machucar os sentimentos do amigo.
Algo que agora descobriu.
Rei de imensurável valor
Ninguém pode expressar
O quanto és digno
Embora eu seja pobre e fraco
Tudo que tenho é Teu
Cada fôlego meu.
- Essência da Adoração / David Quinlan
Ensinamento: Ser hospitaleira.
12. A viúva de Sarepta
E Elias lhe disse: Não temas; vai e faze conforme a tua palavra;
porém faze disso primeiro para mim um bolo pequeno
e traze-mo para fora; depois, farás para ti e para teu filho.
- 1 Reis 17:13
--
5 anos atrás…
— !!! — os gritos de do lado de fora do quarto, enquanto batia em sua porta, despertou-a.
Mal o amigo sabia que ela também havia passado uma parte da noite acordada imaginando como seria um acampamento de verão.
— Não precisa gritar, eu estou acordada. — disse ela, em risos ao se aproximar da porta e abri-la, e olhando-o de cima a baixo — Eu ainda me pergunto como você consegue ser tão pontual para essas coisas, mas chega atrasado todos os dias nas aulas.
— É simples, minha querida , tudo na vida é uma questão de prioridade e interesse. — respondeu ele, adentrando o guardo com singeleza e tranquilidade.
— Prioridade e interesse. — repetiu ela, em reflexão — Então quer dizer que a escola não é prioridade?
— Vamos deixar isso de lado. — ele lançou um sorriso bobo e puxou a cadeira para se sentar — Já arrumou suas malas?
— Malas? , vamos ficar apenas quinze dias, quantas malas está levando? — perguntou ela, curiosa, conhecendo as extravagâncias do amigo.
— Hum… Eu pensei em levar três, além da minha mochila de acampar. — respondeu ele, ao dar um suspiro leve — Mas minha mãe disse que seria muita coisa para carregar.
— E você ouviu os conselhos sábios dela? — indagou a menina, impressionada.
— Sim, reduzi para minha mochila e uma mala. — seu tom de voz demonstrou confiança em sua escolha, algo que fez a menina segurar o riso e voltar sua atenção para a mochila.
— Não ria de mim, você também está levando uma mala e uma mochila. — argumentou ele, em sua defesa.
— Eu queria levar apenas a mochila, mas minha mãe não deixou. — informou ela, já se adiantando ao olhar dele.
— Nunca devemos ignorar os conselhos sábios de uma mãe. — brincou ele, rindo com leveza.
riu juntamente assentindo com a cabeça, então manteve sua atenção na mochila para finalmente conferir se não tinha esquecido nada. Minutos depois, Annia deu dois toques na porta, atraindo a atenção dos adolescentes, para informar que já estava na hora de levá-los. O ponto de encontro era em frente ao portão de entrada da escola, no qual muitos alunos até mesmo de outras escolas já aguardavam.
— Finalmente vamos acampar! — exclamou , com entusiasmo ao voltar seu olhar animado para a amiga.
— Você tem se comportado como se fosse sua primeira vez. — comentou a garota, rindo dele.
— Mas claro que é… É minha primeira vez com você. — assentiu ele, dando ênfase ao ponto central da sua visível empolgação.
As bochechas de coraram com o olhar dele, e principalmente pela presença da sua mãe ao lado. Foram longos minutos de espera para que os organizadores finalmente fizessem a chamada e todos pudessem entrar no ônibus. Annia nunca havia experimentado o sentimento de distância, e para a mãe a breve despedida foi bem mais dolorosa que para Dimitri, porém, menos dramática que a do pai. Para , havia sido uma experiência estranha e engraçada, contudo, extremamente reconfortante sentir-se amada por seus pais e saber o quão cuidadosos com ela eles são.
— Achei que sua mãe não fosse te soltar nunca. — comentou , assim que ambos se acomodaram na cadeira.
— Eu nunca a vi tão emotiva como hoje. — concordou , rindo baixo — Acho que foi um choque para eles quando eu disse que queria ir com você.
— Estou imaginando como eles vão reagir quando você for para faculdade. — observou o amigo, imaginando a situação, então se voltando para ela — Pior, quando nos casarmos.
O olhar curioso dele a deixou confusa e sem reação por sua convicção relacionada à palavra: casamento.
— , uma coisa de cada vez. — ela escondeu um sorriso tímido e voltou seu olhar para a janela, a fim de admirar a paisagem do caminho.
— Hum… Então você está de pleno acordo com o nosso futuro, isso quer dizer um sim ao meu pedido de casamento?! — indagou ele, confirmando o que havia entendido.
— Do que está falando?! — ela o olhou confusa.
— Você disse uma coisa de cada vez. — explicou ela.
— Vamos observar a natureza, . — pediu ela, segurando o riso.
A paisagem era mesmo encantadora para todos que a admiravam. Assim que chegaram à região de The Rock Lookout, o organizador geral, senhor Bingle, reuniu todos em volta da demarcação onde ficaria a fogueira para dar as devidas orientações de segurança, sendo entregue também um mapa com informações necessárias para sobrevivência, caso algum imprevisto ou acidente acontecesse.
— , ! — a voz de Loren surgiu no meio da agitação dos alunos em suas buscas pelo melhor lugar para barraca dentro do perímetro demarcado — Vocês vieram também.
— Você não sabia?! — Jack, soltou uma gargalhada maldosa, lançando um olhar para o primo — passou os últimos dias apenas falando do acampamento.
— Vocês não estão pensando em montar aqui, não é? — perguntou o garoto, já sentindo seus planos levemente ameaçados.
Naquele ano, o senhor Bingle, professor de geografia da escola Northon em comum acordo com a vice-organizadora professora Linda, da escola Collin, haviam acordado que ao invés de separar meninas de meninos, os alunos iriam escolher onde e próximo de quem seriam suas barracas, para assim estreitar os laços de amizade ou dar oportunidade de criar novos.
— É claro que vamos, e obrigada por ter escolhido um lugar com vista privilegiada do rio. — assentiu Kimberly, enquanto terminava de puxar suas malas, se aproximando de — Posso deixar minha barraca ao lado da sua?
— Pode. — disse a garota, segurando o riso da cara do amigo, boquiaberta demonstrando estar desacreditado daquilo.
— Eu quero deixar a minha ao lado da sua ! — disse Loren, ao se aproximar dele.
— Minha barraca vai ficar ao lado da , não vai sobrar espaço para sua. — alegou ele, criança um argumento rápido para escapar dela.
— Ah. — o olhar de Loren logo demonstrou desapontamento.
— Que tal a Loren ficar do meu lado e você fica do outro lado com o Jack. — sugeriu , tentando contornar a situação.
— Gostei da ideia, meninas para um lado e meninos para o outro. — concordou Kimberly, animada com a sugestão — Posso chamar o Mike, assim fechamos o grupo.
— O Mike é bem divertido. — comentou Jack, olhando discretamente as reações do primo — O que acha ?
O garoto respirou fundo ao olhar para sua amiga, e vendo um brilho especial em seu olhar, deu-se por vencido diante da mudança nos seus planos. Talvez fosse os planos de Papai e ele não sabia o propósito final de tudo aquilo, mas assentiu com a cabeça.
— Pode ser que seja divertido. — suspirou fraco e voltou sua atenção para sua mochila — É melhor montarmos logo as barracas, daqui a pouco o senhor Bingle vai nos chamar para a fogueira.
— Já começou as ordens do escoteiro Baker. — brincou Jack, ao se aproximar de — Vai se acostumando, que o é meio mandão quando o assunto é acampamento de férias.
— Eu não sou mandão, apenas tenho mais experiência que vocês. — explicou ele, ao se defender.
apenas riu de leve, bateu continência de forma engraçada e descontraída, fazendo todos rirem. Aquele momento estava se tornando um marco na vida da garota, abrindo-lhe possibilidades para que seu círculo social pudesse enfim aumentar. Uma experiência única que ela viveria ao lado do melhor amigo, sendo coberta pelas orações dos seus pais que intercederam de casa.
Ao final da tarde, o professor Bingle reuniu todos em volta da fogueira para iniciar suas histórias de aventuras. Por um instante, se afastou de todos para observar o pôr-do-sol, contemplando o horizonte sentindo o perfume da natureza à sua volta. Foi quando sentiu a presença de alguém ao seu lado.
— O que está achando?! — perguntou o garoto, quebrando o silêncio.
voltou seu olhar para o lado, vendo que era Mike.
— Para mim, tudo é novidade. — confessou ela, ainda retraída pela aproximação de alguém não tão próximo a ela.
— Você é mesmo muito tímida. — comentou ele, com uma risada boba, ao olhá-la.
— Por que acha isso?! — indagou curiosa.
— Porque foi a única novata que não quis se apresentar na fogueira. — observou ele, ao relembrar a dinâmica feita horas atrás.
— Não gosto de falar em público. — explicou ela, suas limitações.
— Está tudo bem, grandes gênios são assim. — disse ele, com um toque de elogio.
— Eu não sou um gênio. — ela riu de leve, tentando entender de onde ele havia imaginado aquilo sobre ela.
— Não é o que eu acho. — ele manteve sua atenção fixa nela, deixando um sorriso de canto no rosto — Principalmente sobre seus desenhos.
— Como sabe sobre meus desenhos? — indagou ela, mais surpresa ainda.
— Você ganhou o concurso de desenhos da livraria Sweet Dream, acha mesmo que eu não saberia o nome da garota que me venceu?! — ele arqueou a sobrancelha direita, mantendo o sorriso.
— O segundo lugar. — sussurrou ela, admirada por sua revelação.
Há cinco meses por um incentivo de , a garota havia participado de um concurso de desenhos, onde o prêmio seria a coleção de obras do seu autor favorito. Para , só havia um autor que tinha curiosidades para ler seus livros, C. S. lewis, o autor favorito de sua mãe Célia, que em uma de suas limpezas, encontrou o livro As Crônicas de Nárnia, no qual, por um período de tempo, lia todos os dias na hora do almoço para enfim contar a história para sua filha na chegada do trabalho. A garota nunca havia descoberto o final do livro, pois sua mãe a deixou precocemente.
— Qual foi o autor que você escolheu? Sempre tive curiosidade. — perguntou ele.
— C. S. Lewis. — respondeu ela, ao atravessá-lo com o olhar e ver que o amigo se aproximava — Você ganhou um livro também.
— Não é nada comparado a uma coleção completa. — explicou Mike, rindo de leve de seu prêmio de consolação — Mas, porque escolheu este autor?
Logo, o olhar de se entristeceu ao lembrar de Célia, então, sem maiores explicações, ela se afastou do menino e seguiu em direção ao lado que estava suas barracas.
— . — disse o amigo, ao pará-la no meio do caminho — Está tudo bem?
— Sim, só quero ficar sozinha. — pediu a garota, continuando seu caminho.
não tinha entendido, porém, ao tirar satisfações acabou entendendo o que sua amiga estava sentindo. Sua preocupação foi curta, pois Kimberly havia tido a brilhante ideia de juntar todas as três garotas em sua barraca, para terem sua própria festa do pijama. Então, silêncio e solidão era o que menos teria nas noites que seguiria.
Quatro dias depois, logo ao sair do sol, o professor Bingle e a professora Linda propuseram a todos uma pequena caçada ao tesouro. Com os mapas em suas mãos, eles pegaram a sequência de pistas e coordenadas para iniciarem a atividade.
— Agora, quero que todos escolham sua dupla. — anunciou a professora Linda.
Um pequeno caos se instaurou, com a formação das duplas, grupos de amigos em dúvidas sobre com quem fariam.
— Podemos fazer juntos . — disse Loren, ao se aproximar dele.
— Não acho que sou a pessoa certa para fazer com você. — disse ele, de forma fria e seca com ela.
O olhar do garoto se voltou para a amiga, esperando uma reação dela.
v — Nós vamos fazer juntos, não é? — indagou Mike, num tom empolgado ao se aproximar de — Afinal, temos muitas coisas em comum.
— Hum… — ela se encolheu um pouco, não sabia como rejeitaria sua oferta.
— A não ser que… Prefira o sargento . — brincou ele, deixando o ambiente mais descontraído.
— Ficarei melhor com o . — assentiu , voltando seu olhar para o amigo.
Uma ponta de brilho surgiu no olhar dele.
— Eu não sou um sargento. — disse ele, em tom de repreensão.
Então, ao se aproximar da amiga, segurou em sua mão e a guiou para o ponto de partida. Deixando o grupo de amigos para trás.
— Acho melhor você nem pensar em tentar. — disse Jack, ao se aproximar do amigo — Aquele casal já está formado há tempos, e não há nada que possa separá-los.
— É o que eu vivo dizendo para Loren. — Kimberly não perdeu a oportunidade de jogar seu comentário — Mas ela nunca me ouve.
— Os dois estão namorando?! — indagou Mike, admirado.
— Esse é o problema. — reclamou Loren, com o olhar chateado — só tem olhos para ela, mas não é recíproco.
— É ciúmes ou inveja?! — incitou Kimberly.
— Se ambos tivessem namorando seria ciúmes, mas como não estão… — Jack soltou a reflexão no ar, e saiu rindo após pegar na mão de Kimberly para seguirem como uma dupla.
--
Na teoria, os campistas teriam cinco horas para finalizar suas buscas do primeiro dia, e se recolherem para utilizar os vestiários improvisados e irem para as barracas depois do jantar. Na prática, e passaram mais que este tempo rodando em círculos, enquanto desenvolviam conversas aleatórias em meio de suas buscar.
— Então… Sobre o que conversavam?! — indagou ele, de forma espontânea.
— Sobre o que? — indagou ela, não entendendo.
— Você e o Mike. — explicou ele.
— Ah… — riu de imediato, sem saber como parar.
No fundo ela sabia que em algum momento ele faria essa indagação.
— Por que quer saber? — perguntou ela.
— Curiosidade. — ele se encolheu ficando sem graça.
Mas gostando de como sua amiga reagiu sendo espontânea na risada.
— Curiosidade. — sussurrou ela, mantendo o olhar para frente.
— Se não quiser, não precisa falar. — disse ele.
— Se eu não contar, vai passar o ano inteiro imaginando a conversa com diversos assuntos. — contou ela, conhecendo bem o amigo — Eu te conheço, .
— Hum… — ele tentou disfarçar seu olhar.
— , olha para mim. — pediu ela.
— O que?! — ele parou de andar e a olhou.
ficou em silêncio por alguns minutos o encarando com o olhar suave e tombando a cabeça, constatou o que presumia.
— Você está com ciúmes de mim?! — disse ela, impressionada.
— Ciúmes? Eu? — ele tossiu um pouco, tentando se recompor — Por que acha isso?
— . — ela sorriu com graça e segurou na mão dele — Você é o meu melhor amigo… E um dia, será meu melhor amigo e meu marido, se o Papai assim quiser.
Um brilho surgiu nos olhos dele, ao ouvir aquelas palavras dela. Sentindo-se aquecido por dentro, ao admirar aquele sorriso meigo e tímido, que o encantou desde o início.
— , você ouviu o que disse? — indagou ele, com medo de ter imaginado coisas.
— Sim. — assentiu ela.
— Me belisca?! Preciso saber se não é um sonho. — pediu ele.
riu de leve e no rompante, ela ergueu seu corpo e lhe deu um selinho no rosto, o surpreendendo. Logo que o rosto de se voltou para ela, com o olhar de ternura e um sorriso espontâneo, o garoto se inclinou para mais perto dela, deixando seus lábios se encontrarem de forma suave e doce. Um misto de choque e frescor havia tomado conta dos dois, deixando seus corações acelerado.
— … — ela se encolheu um pouco.
— Desculpa. — sussurrou ele, também envergonhado — Eu não consegui evitar.
— Acho melhor voltarmos para o acampamento. — aconselhou ela, voltando o olhar para o céu — Já está escurecendo.
— Ah, verdade, temos que voltar. — olhou para o mapa em sua mão tentando entender onde estavam e para onde teriam que ir — Vamos por aqui.
Sua voz soou com confiança, enquanto apontava para a direção. Foram algumas voltas até que sentiu algo estranho.
— . — ela o chamou.
— Sim?! — o garoto parou por um momento e a olhou.
— Acho que já passamos por aquela árvore umas quatro vezes. — comentou ela, com o olhar preocupado.
— Não, estamos no caminho certo. — assegurou ele.
— … Você sabe que eu tenho boa memória fotográfica, tenho certeza que vi aquela árvore quatro vezes. — insistiu ela.
— Então… — ele olhou novamente para o mapa — Acho que estamos…
Sim, o casal de adolescentes estava perdido em meio à floresta.
— Não estamos nem uma semana aqui e já nos perdemos. — comentou , um pouco apreensiva.
— Calma… Vai dar tudo certo. — segurou em sua mão, com o olhar seguro que a confortou por dentro — O Papai vai nos guiar, só precisamos confiar na direção que Ele nos der.
assentiu. fez uma breve oração pedindo para que fossem direcionados para o lugar certo, então, voltou a olhar o mapa para entender o que tinha deixado passar.
Ele confiava que Papai não os deixaria desamparados.
Só me resta Te Adorar, Te Adorar
Eu só quero Te Adorar, Te Adorar
Eu nasci pra Te Adorar, Te Adorar
Eu nasci pra te Adorar, Te Adorar
E dizer que Te amo, Te amo, Te amo!
- Te Adorar / Fernandinho
13. Lídia
Tendo sido batizada, bem como os de sua casa,
ela nos convidou, dizendo:
"Se os senhores me consideram uma crente no Senhor,
venham ficar em minha casa". E nos convenceu.
- Atos 16:15
— Foi um prazer recebê-la, . — afirmou Cristina, ao abraçá-la novamente em sua despedida — Está intimada a voltar mais vezes.
— Sem problema. — assentiu ela.
— Talvez ela não precise nem ir embora. — disse , pensativo em seus planos improvisados.
— Como assim?! — disseram as duas como em coral, tentando entender o que se passava na mente calculista do rapaz.
— me disse que seu contrato de aluguel estava para acabar, e a senhora está com um dos quartos femininos vagos. — explicou ele, com um tom sereno a lógica do óbvio — Este hostel fica mais próximo de onde mora, do que aquele cubículo onde mora.
— Interessante. — Cristina voltou seu olhar para a garota, esperando uma reação dela.
— Eu não sei, não posso deixar a Louise na mão, ela também precisa de um teto para dormir. — respondeu , ainda insegura.
— Nada é mesmo por acaso e tudo é uma direção de Deus. — continuou Cristina, ao analisar a situação — quarto que está vago é duplo, e sua amiga também poderá dormir nele.
— Então está decidido, vamos trazer suas coisas para cá. — disse num tom animado, fazendo-as rir de leve — E mais uma coisa, a mensalidade daqui é bem mais barato do que aquele lugar que não vale o preço que te cobram.
já não tinha mais forças para lutar contra as ideias e perseverança do amigo, apenas assentiu à sua nova realidade de agora morar no mesmo lugar que ele, sendo amparada por alguém tão acolhedora quanto Cristina. Assim, os amigos se retiraram do lugar com a missão de buscar as coisas da garota e contar a novidade a Louise.
A tarde estava refrescante e ainda faltavam horas para o final do expediente no Atelier Matteo, então colocou seu lado improviso em ação, e levou para contemplar uma exposição que estava acontecendo na galeria de arte de um amigo. O lugar nomeado de Mural das Artes, abrigava uma pequena sessão de fotos da fauna e flora brasileira, registrada pelo fotógrafo Joan Grimaldi, um francês que se encantou com a rica diversidade do país.
— É tão lindo… — comentou , após minutos parada, encarando a fotografia de um beija-flor, enquanto se alimentava no néctar de uma flor.
— A natureza? — indagou , tentando entender as palavras da amiga.
— Tudo, toda a criação… Papai fez tudo isso com tanta perfeição, e nós destruímos grande parte da sua criação. — continuou ela, sua linha de raciocínio — Nos preocupamos tanto com nós mesmos e nossas dores que não paramos para observar a beleza de se estar vivo.
— Verdade. — com um sorriso no rosto, segurou na mão da garota, trazendo-a para mais perto — Que tal apenas nos concentrar nisso? Em estar grato por estarmos vivos e contemplar a beleza do Senhor?! O que acha?!
Mesmo permanecendo em silêncio, ele percebeu o olhar da garota assentindo a sua sugestão. estava mesmo cansada de tantas dores, cansada das lágrimas de tristeza e de lutar para afastar todos que amava, com medo de sofrer mais uma vez. Conhecer dona Cristina foi mesmo uma estratégia de Deus, para que a jovem pudesse aprender com o testemunho de outra pessoa que sua vida ainda tinha muitas alegrias reservadas para ela. E que apenas precisava se desapegar da dor e deixá-Lo entrar mais uma vez em seu coração.
— Que tal um lanche antes de retornarmos ao apartamento? — sugeriu , passando a mão na barriga, como se estivesse sentindo fome.
— Você comeu tanto no hostel, realmente está com fome? — indagou ela, segurando o riso, incrédula das palavras do amigo.
— Eu sempre estou com fome, , esse sou eu. — afirmou ele, num tom brincalhão, puxando-a para saírem do local — E você me ama desse jeitinho que eu sou.
— Como você tem tanta certeza?! — indagou ela, rindo baixo das expressões bobas dele.
— Primeiro, seu olhos brilham quando fala comigo, segundo, Deus Papai me confirmou isso. — suas palavras soaram com leveza — Você me ama, assim como eu te amo.
apenas permaneceu em silêncio, sentindo seu coração se aquecer com o olhar do amigo para ela. Não precisava admitir, ela realmente o amava, e seus olhos brilhavam quando o olhava, da mesma forma em que brilhavam quando ela louvava a Deus. Era a forma mais visível que ela tinha de demonstrar seus sentimentos, não era apenas um, mas como um pacote completo, ela amava ambos: e Jesus Cristo!
As horas foram passando e após o lanche reforçado que pareceu mais um banquete, os amigos foram até o apartamento para finalmente juntar as coisas para a mudança. , com sua lista de contatos, pediu ajuda a uns conhecidos da ong, pois tinha bastante coisa guardada no alto do guarda-roupa e em caixas embaixo da cama, o que muito o surpreendeu. Assim que Louise chegou do trabalho, se espantou com a presença de desconhecidos no lugar, entretanto, bastou algumas palavras de explicando o que acontecia, para a aprendiz de estilista se animar com a ideia de morar mais próximo da faculdade.
— Voltamos dona Cristina! — elevou um pouco mais o tom de sua voz, ao notar o hostel silencioso.
— Ah… — Cristina que descia as escadas olhou com surpresa as caixas e bagagens das meninas sendo levadas para dentro pelo rapaz e seus companheiros
— Vocês demoraram tanto, que achei que não fariam isso hoje.
— Ah, é que fizemos uns desvios necessários pelo caminho. — piscou de leve para ela, e depois olhou para a amiga.
— Desvios? Sei! — Cristina cruzou os braços, segurando o riso — Que bom que eu não perdi a viagem organizando o quarto para vocês.
— Dona Cristina, obrigada por nos acolher. — disse Louise, ao se aproximar da escada e se apresentar — Eu sou a Louise, amiga da e colega de quarto.
— me contou sobre você, seja bem vinda ao meu hostel. — disse a anfitriã, ao cumprimentá-la inicialmente, dando-lhe um abraço em seguida — Espero que ambas sintam-se em casa.
— Agradecemos. — disse , deixando transparecer um sorriso meigo em seu rosto.
— Bem, já preciso adiantar que o hostel tem regras assim como toda casa, e vai encontrar atrás da porta do quarto de vocês. — anunciou Cristina, deixando seu tom mais sério — O que precisarem, podem falar comigo.
Ambas assentiram e foram ajudadas por todos, a levarem suas coisas para o quarto. Não era tão grande quanto o apartamento que moravam por tempos, porém, mais confortável e aconchegante. Como ainda tinham mais uma semana do vencimento do contrato, deu a ideia para que elas deixassem o lugar organizado para a entrega da chave, assim não precisariam se preocupar nos próximos dias. Aquele era o início de mais um ciclo na vida das meninas.
— O que está fazendo aqui?! — a voz de soou na cozinha, despertando a atenção de .
— . — ela respirou fundo e voltou o olhar para ele — Não consegui dormir, talvez por meu corpo não estar acostumado com um colchão tão macio e quentinho.
Ela brincou de leve, mas ele sabia que não era aquilo.
— Algum problema? — insistiu ele.
— Não, apenas estou desenhando um pouco, faço isso quando não consigo dormir. — explicou ela, com serenidade, para que ele não ficasse muito preocupado, voltando sua atenção para o desenho na folha branca — Preciso terminar meu portfólio e acho que aquelas fotos da galeria me deram uma ideia.
— Hum… Que bom que pude te ajudar de alguma forma. — ele sorriu de leve, ao puxar uma cadeira e se sentar ao lado dela.
— Vai mesmo ficar aqui?! — ela o olhou novamente — Me observando?! Não tem aula amanhã?
— Tenho, mas quero ficar aqui com você. — explicou ele, mantendo seu rosto sereno.
Ao pequeno e meio sorriso tímido de , não resistiu ao seu desejo de beijá-la, e inclinando-se com suavidade, tocou seus lábios aos dela, com ternura e carinho, fazendo-a estremecer um pouco. Ele manteve seus rostos bem próximos, após o beijo, sentindo a respiração da amiga.
— Devemos nos lembrar das regras. — sussurrou ela, fazendo-o voltar à sanidade.
— Eu sei, não vou me esquecer. — assentiu ele, afastando-se lentamente, mantendo o olhar para ela — Vou apenas de observar desenhando.
riu baixo e finalmente pode retornar sua atenção ao desenho, pegando o lápis e iniciando os traços de detalhe que faltavam na roupa que construía. Mesmo tendo talento para qualquer área que escolhesse de seu curso, a jovem estava começando a se interessar pelo campo de Produção de Moda. Uma vertente que estava disposta a focar a construção do seu portfolio, e com uma pequena ajuda de que conhecia pessoas do curso de Arquitetura, ela obteve algumas aulas extras de montagem de passarelas, dentre outros.
--
— ?! — Cristina, que seguia preparando o almoço na cozinha, viu-se surpresa pela presença da jovem em casa, aquela hora do dia — O que faz aqui?
— A semana de provas acabou e eu estou dispensada do meu trabalho, por ordens acadêmicas. — explicou ela, ao se aproximar da mesa e colocar seu material de desenho em cima — Agora, estou numa missão de finalizar este portfolio para entregar ao diretor da faculdade.
— Entendo, e como está indo a construção?! — indagou Cristina, curiosa para entender como era o processo do curso de moda.
— Achei que pudesse ser mais rápido, mas acho que eu mesmo estou dificultando as coisas para mim. — confessou , ao se lembrar das muitas ideias que teve, e não conseguiu se manter focada em nenhuma — Foi tão fácil fazer para os outros, mas sempre quando é para mim, eu dificulto tudo.
— Talvez, pela necessidade de não querer tudo tão rápido. — disse Cristina, ao desligar a trempe do fogão e puxar uma cadeira para se sentar de frente para ela — Sabe, infelizmente o ser humano possui uma ansiedade dentro de si, que o força a querer tudo imediato… Nos esquecemos que é Deus, que está no controle de tudo.
assentiu com a cabeça, permanecendo em silêncio com seu olhar voltado para a pasta de desenhos.
— Sabe, Eclesiastes 3:1 diz que há tempo para todo o propósito debaixo do céu. — continuou Cristina, com suas palavras de sabedoria — Apenas se esqueça que é um dever entregar isso, e se divirta com o processo, vejo nos seus olhos que gosta de desenhar e que isso é uma forma de se expressar, então se permita se divertir e deixe o resultado final nas mão de Deus.
— Como você sempre tem uma palavra de apoio? — perguntou , lembrando-se de suas duas mães e do quanto aprendeu com elas, e ainda aprende com Annia.
— Porque, é o Espírito Santo quem me concede tais palavras de sabedoria. — assegurou Cristina, ao se levantar novamente e retornar ao fogão — Eu te aconselho a fazer isso no jardim, está um dia lindo lá fora, refrescante e inspirador.
havia aprendido que bons conselhos devem ser ouvidos, e assim ela o fez. Pegou seus materiais e saiu para o jardim, assentando-se no degrau da escada para iniciar sua tarde de desenhos. O tempo estava mesmo refrescante e convidativo, naquele momento, ela decidiu se esvaziar de tudo e apenas se divertir fazendo algo que gostava com o dom que lhe fora dado.
Lá no fundo, ela queria apenas sentir Deus ao seu lado, lhe fazendo companhia naquele momento.
You call me out upon the waters
The great unknown where feet may fail
And there I find You in the mystery
In oceans deep, my faith will stand.
- Oceans (Where Feet May Fail) / Hillsong United
Ensinamento: Ser acolhedora.
Continua...
Bom dia! Minha segunda longfic cristã, baseada em grandes mulheres da Bíblia e seus ensinamentos sobre fé, coragem, ousadia e confiança. Além de agora ser de outro grupo gospel que amo, o Hillsong United! Espero que gostem e sejem ministrados por mais essa história.
Bjinhos...
By: Pâms!!!!
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