Finalizada em ou Última atualização: 10/12/2022

Torneio Internacional

Londres, outono de 2015

Eu não tinha licença para participar do Campeonato Mundial de Xadrez na categoria Absoluto. Mas diante de um convite da Federação Brasileira para ser uma das representantes do time feminino, seguiria com mais duas jogadoras para um circuito de jogos em quatro cidades: Londres, Lisboa, Madri e Berlim. Enfim, sendo a melhor enxadrista feminina brasileira, jamais negaria uma oportunidade de jogar em solo britânico mesmo que na modalidade em que não ambicionava e correndo o risco de passar o natal longe de casa pela primeira vez.

Uma curiosidade? 
Meu rival favorito estava lá, Koblova, o atual melhor jogador do Brasil, segundo o campeonato passado, juntamente com o irmão perdedor. Infelizmente, mesmo saindo a vencedora, não acumulei pontos suficientes para me tornar uma Grande Mestre, ficando apenas com 2150 pontos. Minha entrada tardia no torneio frustrou meus planos, além de perder uma partida para um veterano de Guarulhos. Mas o que importa é que ganhei minha aposta, derrotei Daniel e seus amigos escrotos, e de brinde estabeleci meu nome na lista de enxadristas em potencial do Absoluto.

— Você vai ficar aí? — perguntou Nicole Garcia, ao ajustar sua bolsa no ombro sendo aguardada por Bruna Campos na porta do nosso quarto.

Outra injustiça, os jogadores masculinos tinham cada um seu próprio quarto, quanto a nós do time feminino, tivemos de dividir o mesmo quarto, por corte de verba. Já que o xadrez feminino pagava mesmo e os prêmios eram em sua maioria de valores mais baixos. De revirar os olhos, tamanha desigualdade.

— Vou, não ando animada para sair do quarto. — disse soltando um suspiro fraco e cansado, me mantendo deitada na minha cama.
— Logo você que não deixa de assistir a nenhuma partida dos homens? — Bruna pareceu surpresa com a resposta.
— Minha frustração não me permite, hoje não. — abaixei um pouco minha voz, estava mesmo revoltada — É injusto eu ter ganhado do Daniel e ainda assim ele está competindo no Absoluto e não eu.
— A pontuação dele foi maior que a sua, mesmo perdendo para você. — comentou Nicole, parecendo soar com sarcasmo — É questão de lógica.
— Não acho que a se interesse pela lógica agora. — Bruna riu de leve, fechando mais a jaqueta — Bem, se caso você animar, estaremos vendo os meninos jogando.

Eu assenti com a cabeça e me virei para o canto, olhando a parede com a cara emburrada. Jamais aceitaria aquela lógica, jamais. Segurei minhas emoções e fechei os olhos, precisava descansar minha mente, pois minha primeira partida seria no próximo dia pela manhã. Porém, quanto mais eu tentava não pensar, mais a imagem de persistia em se manter em minha mente.

— Droga... — sussurrei raivosa, erguendo meu corpo de repente, sentindo a cabeça rodar pelo impulso — Eu não vou ficar aqui pensando no quanto ele deve estar se divertindo enquanto joga.

Levantei da cama e olhei dentro da minha mala, algo que pudesse vestir. Por mais que o clima de final de outono estivesse dando espaço para o frio do inverno europeu, peguei meu inseparável jeans e minha blusa de moletom de Hogwarts de estimação. Me olhei no espelho pouco antes de sair do quarto, um coque frouxo e a bolsa transversal ajeitada no ombro, pronta para meu passeio improvisado. Tinha que admitir que minhas mudanças de humor me levavam a picos de entusiasmo e mau-humor em segundo, contudo, estava na cidade do Harry, então não deixaria passar minhas fotos aleatórias pela cidade como uma boa turista. Assim, pelo menos com minha mente ocupada, evitaria pensar em quem não devia.

— Digo, oi Londres! — disse em voz alta, ao posicionar a câmera frontal do celular e bater a foto, bem em frente a fachada estação King's Cross — Agora só falta chegar na Plataforma 9¾.

Logo adentrei a construção, admirada com o lugar. Em um giro de 360, tirei mais algumas fotos e fiquei por um momento olhando para um cartaz falando sobre o campeonato de xadrez que estava sendo disputado na cidade naquela semana. A imagem de Joseph Littlewood, um dos melhores enxadristas britânico, um prodígio que nasceu com o talento do pai John Littlewood, outro ícone do xadrez britânico. Foi quando senti uma movimentação mais à frente e barulhos intrigantes vindo daquela direção. 

Minha curiosidade levou-me a uma mina de ouro, pois, no centro da multidão havia algumas mesas com tabuleiros de xadrez e alguns senhores de cabelos brancos ou grisalhos jogando. Por ironia, meu olhar foi direto a um jovem rapaz no meio deles, de moletom e capuz na cabeça escondendo parte do rosto, parecia mais do que concentrado em sua próxima jogada. Uma vantagem do xadrez de rua? Nada de cronômetro, ou seja, mais tempo para pensar e planejar as jogadas.

— Ele é incrível. — sussurrei, após um tempo observando a partida.

Em quatro lances, o rapaz já havia deixado o rei adversário em xeque, com um bispo e uma torre pronto para a jogada final. De todas as partidas que acompanhei do meu tio, , e outros grandes enxadristas que vi pelo Youtube, eu nunca tinha visto alguém tão ousado assim em suas jogadas. Lembrava um pouco eu.

— Esta é a décima vitória consecutiva. — ouvi um homem comentando com o amigo, tinha um sotaque estranho.

Meu inglês não era cem por cento impecável, e tive que aprender na força do ódio, quando notei que as melhores revistas de xadrez profissional eram no idioma universal. Eu me perdi em meus pensamentos por um momento, ao refazer o jogo dele em minha mente, tentando encontrar uma forma de vencê-lo com as variantes da defesa siciliana que eu tinha criado. Foi quando me atentei que ele havia se levantado e retirado discretamente. Voltei meu olhar para os lados e o avistei seguindo pouco mais à frente, apressei o passo para alcançá-lo.

— Ei?! — gritei para chamá-lo — Cara do xadrez!

Após insistir mais um pouco, ele finalmente parou e se virando, me olhou com atenção.

— Está falando comigo? — indagou ele.
— O único jovem que estava jogando xadrez ali atrás era você. — retruquei — Então sim.
— O que quer?! — perguntou, confuso.

Certamente pelo meu sotaque.

— Jogue comigo. — pedi.
— O que? — ele segurou o riso, parecendo desacreditado.
— Isso mesmo, jogue comigo. — insisti.
— Desculpe, mas não posso. — disse ele, ajeitando mais o capuz — Estou atrasado.
— Para que? — indaguei.
— Para o trabalho. — ele se virou e continuou seu caminho.

Por alguns instantes me vi sem argumentos, pois me identificava com ele. Mesmo sendo uma estudante do ensino médio, não significava que minha vida era fácil e com o programa jovem aprendiz, meus pais descobriram que poderiam cortar minha mesada aos 14 anos e me mandar para o mercado de trabalho. E não é como se eu me atrasasse de propósito, mas o relógio sempre estava contra mim. No mais, eu não me dei por vencida, então o segui discretamente para saber onde ele trabalhava.

Purple Line Coffee. — sussurrei ao ler o letreiro da fachada.

Uma arquitetura mais limpa remetendo ao estilo colonial britânico, com as paredes azuis claro e as esquadrias brancas. Olhando de fora, parecia um lugar bem aconchegante de se estar. Dei impulso e entrei no lugar já identificando o fundo sonoro, Phill Collins. E como eu sabia? Quando se passa sua infância assistindo clássicos da Disney como Tarzan, não tem como você esquecer a trilha sonora. Dei alguns passos até a mesa mais próxima vazia, coincidentemente era uma ao lado da vidraça, apenas me sentei e fiquei esperando um pouco.

— Você me seguiu. — disse ele, ao se aproximar da mesa, em tom de afirmação.
— Não acreditaria se eu dissesse que não. — comentei rindo baixo.
— O que vai querer? — perguntou ele.
— Jogar contra você está no cardápio? — insisti.
— Você não desiste, não é? — ele sorriu de canto, admirado.
— Não. — assegurei a ele.
— Só vendemos café. — disse ele — Para amantes de café.
— Sou brasileira, o café está no meu DNA. — retruquei o fazendo rir — Pode ser um…

Eu olhei para o cardápio.

— Expresso com chantilly. — pedi educadamente.

Ele assentiu com um sorriso mais aberto e se retirou. Por alguns instantes eu fiquei viajando naquele sorriso, ele tinha seu charme. Mas logo recobrei minha sanidade mental e me recompus. Chocante o fato de eu sempre ter uma quedinha por enxadristas bonitos e charmosos, e o olhar desse cara era bem atraente. Enquanto esperava o meu pedido, retirei da bolsa meu mini tabuleiro e refiz a partida dele, do momento em que cheguei. Passei alguns minutos encarando-o, movendo os meus olhos entre as casas formando possíveis jogadas na cabeça.

— Aqui está. — disse ele, ao servir minha xícara — Deseja alguma coisa para comer?
— Você sabe o que eu desejo. — voltei meu olhar para ele e apontei para o tabuleiro.
— Bem que me disseram que brasileiros são persistentes. — comentou ele, voltando o olhar para meu objeto — O que está fazendo? Tentando entender como eu venci?
— Tentando encontrar uma maneira de te vencer. — expliquei a ele.

Ele riu baixo e se afastou indo atender outra mesa. Fiquei mais algum tempo ali, até que recebi uma mensagem do representante da Federação, era hora de ir para o hotel e enfrentar uma reunião pré partida. 

No dia seguinte, após minha sequência de partidas, todas bem sucedidas e com vitórias após nove jogadas, retornei a cafeteria na esperança do garoto misterioso me dar uma abertura.

— Olha só a garota do xadrez. — comentou ele, vindo me atender, agora de forma mais despojada.
— Meu nome é , a propósito, mas pode me chamar de . — disse a ele.
. — disse seu nome.
— Vamos jogar hoje? — perguntei.
— Expresso com chantilly? — retrucou ele.
— Dessa vez, vou querer um cappuccino de chocolate. — disse a ele, confiante.

Ele piscou de leve com um sorriso de canto disfarçado e se retirou. Senti meu coração acelerar por segundos até que me forcei a voltar para realidade. Novamente coloquei meu mini tabuleiro na mesa e organizei as peças como no dia anterior.

— Vai continuar insistindo por quanto tempo? — perguntou ele, ao retornar e me servir.
— Somente até hoje. — afirmei a ele, fazendo um olhar frustrado — Amanhã seguirei para Berlim.
— Está no campeonato mundial. — ele novamente em tom de afirmação.
— Como sabe? — questionei impressionada.
— É bem óbvio, você parece ser obcecada por xadrez. — ele posicionou a mão no encosto da cadeira e arredou para se sentar.

Em um movimento rápido e imprevisível, moveu seu bispo para f4. Me deixando sem reação, pois esse não tinha sido o movimento que usou contra o senhor.

— O que? Está surpresa? — perguntou ele, mantendo o olhar fixo em mim.
— Para ser sincera, sim. — reconheci — Se você tivesse parado na f5, eu colocaria o meu peão na f4, daria abertura para minha torre e…
— Duas jogadas à frente, você colocaria meu rei em xeque com a sua rainha que agora está na c4. — completou ele, como se lesse a minha mente.
— Sim. — assenti — Como?

Estava sem palavras.

— Eu te observei enquanto jogava sozinha ontem, refazendo o jogo. — explicou ele, mantendo a serenidade no olhar — Sua vez.

Eu voltei meu olhar para o tabuleiro. Foram os minutos de maior adrenalina para mim e no final, perdi para ele. Mas não tive tempo para ficar em choque, pois iniciamos uma conversa muito interessante sobre suas técnicas de jogo.

— E você joga desde os nove anos, mas nunca competiu?! — eu estava impressionada — Como pode, você é incrível jogando.
— Jogo por diversão, não quero me igualar a esses enxadristas arrogantes. — explicou ele.
— Confesso que a maioria são, mas tem alguns simpáticos. — assegurei, pois meu tio era um deles — E como você consegue pensar tão rápido para fazer um movimento.
— Eu aprendi jogando xadrez rápido. — respondeu.
— Eu já ouvi falar, mas nunca conheci ninguém que jogasse. — disse.
— Quer tentar? Você pode se viciar ainda mais nisso. — brincou ele, ao reorganizar as peças no tabuleiro.
— Vou adorar. — assentiu, me ajeitando mais na cadeira, e prendendo meu cabelo com um coque frouxo.
— Pronta?! — perguntou ele, ao terminar, voltando o olhar para mim com certa intensidade.

Aquele olhar parecia me hipnotizar tanto quanto o xadrez. 

Smooth like butter
Like a criminal undercover
Gon' pop like Trouble
Breakin' into your heart like that.
- Butter / BTS

Coragem: A única forma de vencer é nunca desistindo.” - Pâms



FIM?!



Nota da autora:
Bom dia gente. E vamos de mais um pouquinho de xadrez, porque a maratona de TQG na Netflix vai demorar pra sair. Espero que tenham gostado, em breve mais.
Bjinhos...
By: Pâms!!!!
Jesus bless you!!!




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*as outras fics vocês encontram na minha página da autora!!

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