Postada em: 26/01/2019

Capítulo 1


A perdida voltou.
Era essa a fala horrorizada das donas de casa da pequena vila de pouco mais de quatrocentos habitantes, que cochichavam umas para as outras enquanto fechavam suas janelas ao entardecer. Esse ato, diferentemente das fofocas que insistiam em chamar de transmitir informações, não era nada comum em um local tão tranquilo quanto aquele, mas justificável pelo medo que sentiam de que a presença dela trouxesse maus agouros para a região, fazendo todos resolverem se prevenir.
Tudo parecia ter parado apenas pela presença de uma simples mulher de vinte e cinco anos. Era como se a harmonia da população houvesse sido colocada em cheque ao vê-la carregando uma mala enquanto atravessava a entrada do vilarejo, ao mesmo tempo que fumava um cigarro qualquer que estava preso entre os lábios coloridos de batom vermelho vivo, atravessando toda a rua principal, na visão de todos, não porque a estalagem ficava no fim desta, e sim quase que para anunciar a todo mundo que estava ali, e o que havia se tornado.
Chamar o vilarejo Venia de conservador, era na verdade, algo leve demais e quase uma ofensa para eles. Era praticamente um pedaço do século passado que ficara preso no meio do país, ali, pequeno e esquecido como gostava de ser para que ninguém mexesse em seu equilíbrio. A política era o clero, e as regras eram as doutrinas da igreja católica. Todos seguiam, e aqueles que questionavam eram convidados a se retirar.
Não é muito difícil imaginar o por que e o tamanho do choque quando a viram jogando a bituca da droga lícita no chão e pisado em cima com a bota de salto fino e longo que subia até suas coxas. Algumas senhoras até mesmo passaram mal, e a situação apenas piorou quando se perguntaram se ela realmente estava ali para ficar ou iria embora logo - o que era, obviamente, a vontade de todos.
Mas a pergunta foi esquecida rapidamente quando viram que a desviada não se direcionou a estalagem, e sim, a casa que ficava entre a loja de doces e a do sapateiro, quase no fim da rua principal. A casa que estava vazia há anos, desde que o dono, um padre renomado e diretor do orfanato que fazia a vila famosa falecera, há oito dez atrás.
Como ela tinha a chave? Como tinha coragem de entrar daquela forma em um local tão sagrado? As perguntas não paravam de surgir, e não teriam resposta alguma, simplesmente porque a garota bateu a porta atrás de si e a trancou, sem nem mesmo olhar uma vez para o lado durante todo o seu percurso até a casa.
Não se daria ao trabalho, afinal, não era por nenhum deles que estava ali. Era por ela mesma e nada nem ninguém, seria capaz de lhe desviar de seu foco.

❥❥❥❥❥

Alguém bateu na porta de seu dormitório durante suas rezas, e se obrigou a pará-las por um segundo por saber que ninguém o faria se a situação não fosse, realmente, importante. Pigarreou duas vezes para retirar a rouquidão de sua voz e então abriu a porta sem se importar de perguntar quem era.
Em Venia ninguém nunca se preocupava, porque, no fim, nunca seria perigoso.
Porém, daquela vez, as coisas não pareciam certas. Não quando a freira parecia prestes a ter um colapso nervoso ali mesmo e cair dura no chão, com o rosto totalmente pálido e olhos tão esbugalhados como o de um peixe recém pescado. Naquele momento, na mente do rapaz, um aviso soou. Talvez algo de outro plano, mas sabia que, o que sairia da boca da companheira de missão iria lhe afetar de forma devastadora.
― Padre , o senhor… ― ela respirou fundo uma, duas, três vezes, tentando não só recuperar o fôlego da corrida, mas também para ajudar a organizar seus pensamentos e suas palavras que pareciam entalar na garganta. ― Algo sério aconteceu.
― Eu imagino que sim, irmã. ― ele respondeu inquieto com todo aquele mistério sobre a novidade, sentindo-se incomumente desconfortável e com vontade de nem mesmo descobrir sobre o que era. ― O que aconteceu?
― Ela retornou. Sabia que não devia, mas o fez. O Supremo Clero¹ a baniu, não baniu? Isso não pode estar acontecendo! ― a mulher despejou, colocando uma das mãos em cada lado da cabeça pelo nervosismo.
sabia exatamente de quem a freira falava. Exatamente, perfeitamente. A lembrança lhe atingiu estrondosamente e precisou de muito controle mental para também não entrar em um colapso naquele exato momento. Seu coração pulsava apenas em pensar em vê-la, mas diferente de todos, não era por desespero ou medo.
Era de alegria, felicidade e saudade, porque ela havia sido sua melhor amiga durante toda a sua infância, e até hoje não entendia o porquê havia sido banida de Venin. Talvez, agora que ela estava de volta, tivesse a oportunidade de perguntar para a própria, já que aquele assunto era proibido e secreto no clero.
― Não precisa se preocupar tanto, irmã, fique em paz. Se ela voltou é porque existe um propósito. Vamos deixar tudo seguir seu curso natural, e eu cuidarei pessoalmente do caso dela. ― juntou ambas as mãos a frente do corpo, curvando as costas levemente logo depois e sinalizando que fecharia a porta.
― M-Mas, Padre…
― Onde está sua confiança? ― ele crispou levemente a testa com aquele questionamento, fazendo a mulher perder o próprio equilíbrio ao estremecer dos pés a cabeça. ― Não há ninguém tão ruim que não possa ser salvo.
Recitou calmamente, ouvindo a concordância da freira e então fechou a porta. Mas ao trancá-la, magicamente a continuação da frase veio em sua mente, fazendo arrepios subirem por sua espinha.
Não há ninguém tão ruim que não possa ser salvo. E ninguém tão bom que não possa ser corrompido.


¹Supremo Clero: é como é chamada a casta mais pura da igreja, aquela que comanda toda a cidade, os padres e também o Presbiterado.

❥❥❥❥❥

Documentos, provas. Era apenas isso que queria enquanto jogava todo o conteúdo daquele baú para o alto. Queria conhecer as profundezas de seu passado, que sabia que iria revelar muito mais podridão daquele lugar que qualquer um estava disposto - ou preparado - para lidar.
Era domingo de manhã, mais especificamente, sete e trinta e cinco. Não esqueceu, nem por um momento, de vestir-se para a missa. Na verdade, já estava pronta desde a madrugada, mas não cansava de revirar qualquer lugar daquela casa para tentar encontrar qualquer coisa que fosse.
Quando o clero queria esconder algo, ele escondia bem. E era isso que mais intrigava e despertava a fúria de , a mulher sem sobrenome foi deixada pra trás e quando teve a mão triscando na verdade, foi expulsa de perto dela e banida de tentar se aproximar outra vez.
Mas não de novo. Não tinham o direito de lhe esconder sua própria história, e voltara para deixar muito claro que por mais que o clero fosse poderoso, ele não era nada, literalmente nada, comparado a determinação de uma mulher. Pisaria em todos aqueles que lhe deixaram em um internato qualquer na capital quando foi capaz de ouvir o primeiro nome de seu pai.
E mostraria, para todos, o quanto a confiança deles em homens era a pior arma para cegá-los.
Ouviu o sino tocando, próximo o suficiente da casa onde estava para lhe dar dor de cabeça. Sinalizava que faltavam apenas alguns minutos para a missa, mas não se importava. Já estava pronta, porém, planejava chegar atrasada. Mentalizara completamente sua entrada triunfal, e guardaria a cena para si com um sorriso orgulhoso de si mesma. Se velhas com lavagens cerebrais desmaiassem no caminho, era lucro.
Retocou a maquiagem para se certificar que estava perfeita para a performance que faria, e então, por último, olhou para a Matriz que ficava em um ângulo perfeito da janela daquele quarto. Podia observar a cidade inteira entrando nela, literalmente. Todas as malditinhas quatrocentas e tantas pessoas que teriam o prazer de assistir o seu retorno oficial de camarote.
Quando saiu de casa o relógio já batia mais de nove horas, e as portas da igreja, por costume, já estavam fechadas, o que era apenas mais uma das coisas que ela estava contando que acontecessem. Desceu as escadas do andar, abriu a porta apenas com o barulho do vento cortando o ar, dando um passo de cada vez até dar de cara com a porta.
O barulho estrondoso que a entrada de folha dupla fez quando a empurrou quase a fez sorrir, lhe dando um prazer indescritível, porque fez com que todos, sem exceção alguma, virassem a cabeça para trás, mesmo já imaginando quem encontrariam.
jogou os cabelos para o lado em um drama, fingindo que precisara usar força demais para abrir a porta e agora precisava ajeitar as madeixas longas e a curta saia do vestido justo que abraçava suas curvas, principalmente a cintura fina que depois de abria em um quadril largo. Não tinha nenhum decote e tinha até mesmo manguinhas curtas, feito da mais pura cor escarlate, combinada com o preto da bota que subia até seus joelhos - adorava aquelas, podia fazer o que? - e do colar pesado que adornava seu pescoço.
Sorriu satisfeita com os lábios vermelhos quando confirmou sua teoria: nem precisava estar muito provocante - em sua cabeça, havia pego levíssimo só com a saia batendo na metade da coxa - na verdade, só precisava estar lá. Sua mera existência já era uma afronta e motivos para escandalização, nem precisava se esforçar. Mas ah, ela se esforçou mesmo assim quando guiou seu olhar para a primeira fileira sentada mais perto da porta, dando o primeiro passo para dentro do local enquanto seu quadril se movia de uma forma tão sensual que parecia câmera lenta.
Com o segundo passo fez o mesmo, mas então encarou a plateia que estava ao outro lado. E da terceira vez, seus olhos foram para frente, para quem comandava aquela missa. Mas foi aí que as coisas fugiram do seu controle, ao ver quem era o homem de batina, a última pessoa que queria ou podia imaginar que estaria lhe encarando de olhos arregalados.
Aquilo não planejou, nem mesmo esperava ou era parte de seus planos ou do que mentalizara. Por um segundo vacilou em sua postura, mas tão rápido a recuperou e andou até o primeiro banco com passos mais rápidos do que pretendia, sentando de pernas cruzadas. Tentou não deixar transparecer o quão havia se afetado com a presença do rapaz ali, principalmente naquela situação, mas quando seus olhares se chocaram outra vez foi difícil.
, seu amigo de infância, a única pessoa capaz de lhe despertar sentimentos bons e humanitários.
Josua , a mesma pessoa que lhe abraçava quando chorava por causa dos trovões, mas também lhe assustava saindo por detrás das árvores para pegá-la de surpresa quando estavam brincando nos jardins.
, a única pessoa que amou em toda a sua vida, agora era um deles, e não fazia a mínima ideia e como reagir àquela realidade onde a única coisa que não podia acontecer, havia acontecido.
A comoção que começou atrás de si fora estrondosa, tanto que até mesmo lhe assustou um pouco, tamanho o barulho que tomou conta de todo aquele espaço. Um sorriso satisfeito escapou por seus lábios e cruzou os braços e as pernas, deixando a saia curta subir mais ainda, o suficiente para deixar parte de sua coxa exposta. A primeira velha, ao seu lado, simulou uma crise de falta de ar exagerada, e teve que segurar para não rir ou sua pose toda iria por água abaixo.
As palavras proferidas em sua direção não lhe incomodavam nem por um segundo, mas havia algo ali que fazia seu âmago se tornar amargo. O fato de continuar a missa normalmente após ter sentado, ignorando todos os gritos, exclamações e desmaios. Ele simplesmente continuou, com os olhos castanhos grudados nos seus de uma forma que lhe fazia sufocar.
Praguejou mentalmente, a expressão superior em seu rosto, mas naqueles momentos aos quais ele lhe encarava, não era muito mais do que uma criança assustada. A mesma que ele conheceu, quando nasceram juntos e foram abandonados juntos.
Quando a missa terminou, a controvérsia maior se iniciou. Alguns foram embora o mais rápido possível, enquanto os outros ficavam e começaram os gritos em relação a presença da mulher em sua cidade, e pior ainda, dentro da igreja. não conseguia fazer o sorriso largar seu rosto ou ser mais discreto, mordendo o lábio incansavelmente para auxiliar no autocontrole e percebeu que se a deixasse ali por mais um minuto, ela começaria a ter uma crise de risos, o que sinceramente apenas pioraria as coisas.
, você se importaria de conversar comigo alguns momentos para resolvermos isso? ― o questionou, ainda de cima do pequeno púlpito, fazendo todos pararem para olhá-lo. Estava claramente cansado de tanta polêmica por causa da garota.

― Na realidade, sim. ― ela respondeu com um sorriso de canto, tentando disfarçar como ouvi-lo pronunciar seu nome naquela voz suave e melódica lhe deixou transtornada. ― No momento não posso, eu já estou de saída. ― e então se levantou, arqueando a coluna levemente para aliviar a tensão do tempo sentada. ― Quem sabe mais tarde, né? ― ela sorriu de canto e então piscou um dos olhos na direção de , dando as costas e saindo logo depois.
O não teve muito o que fazer senão assisti-la, agradecendo por sua tão natural calma lhe acompanhar desde sua infância. Balançou a cabeça negativamente ao observar todos que restaram na igreja com feições de horror, se preparando para o que viria. iria lhe dar muita dor de cabeça a partir daquele minuto. Era melhor estar preparado.

❥❥❥❥❥

Sua concentração todinha tinha ido pra puta que pariu. O que sinceramente, era o esperado depois da situação de mais cedo. A voz de chamando seu nome, o olhar intenso em sua direção, tudo isso mexia completamente com a sua cabeça. Seu dia, que por sorte não tinha muitos planejamentos após a missa, se tornou completamente improdutivo e quando viu o relógio já batia as nove e nem mesmo havia almoçado.
Mas aquele era um ótimo horário para fazer o que veio como ideia em seu cérebro. Todos na cidade aquelas horas já deviam estar dormindo, com exceção de claro, o padre, que estaria na paróquia até a meia noite para atender qualquer situação urgente. Sorriu de canto e pegou um casaco todo preto com capuz, que cobria o seu rosto e o fato de ainda estar usando o mesmo vestido de mais cedo.
Trocou os saltos por sapatos baixos, que não fariam barulho quando pisasse. Queria se certificar de que ninguém a veria saindo e nem chegando na igreja, queria usar aquele casaco para se misturar com a escuridão da noite e passar como uma sombra, e foi isso que fez. Que bom que todos trancaram a janela, pensou e quase riu, empurrando levemente a porta para abrir a fresta que estava ali, a contornando e entrando na igreja.
A iluminação era apenas de velas, e agradeceu por isso auxiliar em sua discrição. Andou calmamente até o corredor lateral, e entrou na porta ao lado do púlpito que se abria em uma pequena sala, onde se sentou na cadeira de madeira e olhou para frente. Conformou-se de que ele merecia saber, pelo menos um pouco, do que estava acontecendo. Na realidade, se havia alguém naquele mundo que deveria se justificar caso precisasse, esse alguém era unicamente .
O silêncio era tamanho que a cada vez que ouvia a sua própria respiração, se arrepiava. E tudo se tornava ainda mais assustador porque também ouvia a respiração calma e contida dele, lhe esperando começar a falar. estava ali, tão perto, separado de si apenas por um maldito pedaço de madeira. E sua vontade de tocá-lo, em qualquer lugar que fosse, estava sendo a cada segundo mais jogada no lixo para tentar controlar sua sanidade.
― Você continua tão inteligente quanto antes. ― ele sussurrou calmo, sabendo exatamente quem estava sentada do outro lado. Sabia que voltaria, cedo ou tarde e teriam aquela conversa. Mas ela usara uma estratégia ótima ao ir até o confessionário.
Não correriam riscos. Em vários sentidos da palavra. Ninguém estaria perto para ouvi-los, o sigilo seria absoluto e não precisariam olhar nos olhos um do outro, o que, querendo ou não, deixava as coisas infinitamente mais fáceis. Ela sorriu de canto satisfeita ao ouvir as palavras do , cruzando as pernas.
― Perdoe-me, Padre, porque eu pequei. ― fez questão de iniciar com a frase clichê que tanto repetira em sua própria mente quando era criança, ou quando foi expulsa.
― O que te aflige? ― se queria utilizar daquilo, bem, ele apenas a seguiria.
― São muitas coisas. Eu tenho pecado muito desde que fui embora. E até mesmo antes. ― e até mesmo neste minuto, quando pensava no rapaz. Passou uma das mãos nos cabelos de forma nervosa, confirmando outra vez que aquela era a melhor forma de conseguir falar com ele: contanto que não se vissem, e ele não notasse as reações que instintivamente tinha sempre que o ouvia ou pensava nele. ― Não sei nem mesmo por onde começar.
― Então vá pelo começo, quando… Você era uma criança. ― tentou ignorar que era exatamente a época a qual estavam juntos. Quando os dois eram crianças. ― De quais deles você se lembra?
Ela não resistiu ao sorriso de canto que com a pergunta.
― Eu odiava a igreja. Eu sempre odiei. Me ensinaram que ódio era um dos piores pecados, mas céus, como eu odiava! Eles me escondiam coisas, e não me falavam nada sobre a minha história. Eu sei que não era a única que passava por isso onde nós… Eu, onde eu cresci. Mas isso não me fazia odiá-los menos. ― contou calmamente, fazendo arregalar um pouco os olhos com a notícia. sempre fingiu muito bem que estava satisfeita com tudo o que o clero fazia, pelo menos até aquele dia. ― Então, comecei a mentir, manipular, e fazer as coisas por conta própria. Eu queria descobrir de qualquer forma, mas dei um passo em falso. Com esse passo, eu descobri, mas também fui descoberta.
― Você está querendo dizer quando…? ― deixou a indagação morrer no ar, mas ele sabia que ela sabia e entenderia o que queria dizer. Estava nervoso e suas mãos começaram a suar quando aquele assunto entrou em pauta. Finalmente iria descobrir o que realmente acontecera naquela noite, da boca da maior afetada com aquilo tudo. E o que ela falasse, ele acreditaria. Porque ela nunca, nunca havia precisado mentir para si, e confiava cegamente na garota.
― Sim, quando eu fui “banida”. ― soltou um riso alto e amargo ao citar isso, fazendo aspas com os dedos das mãos, mesmo que não pudesse vê-los. ― Você deve lembrar, afinal, acho que todo mundo dessa cidade lembra. ― suspirou desanimada, encostando ainda mais a coluna no assento de madeira para torná-lo mais confortável. Sabia que aquilo iria demorar.

Doze anos atrás.

Era uma madrugada de sábado, e chovia intensamente em um dos primeiros dias da primavera, com ventos assustadores. Na realidade, qualquer evento natural naquela cidade parecia sempre ser dez mil vezes pior, provavelmente porque, na opinião de , no cu do mundo tudo era sempre exagerado e em maior escala do que deveria ser nas cidades normais.
Odiava aquele lugar com todas as suas forças. Todos os poros de seu corpo exalavam sua raiva naquele momento, mas não importava mais. Nada importava quando estava tão perto de descobrir aquilo que queria.
Eles não podiam esconder mais de si, eles não podiam lhe privar de descobrir sobre sua história. Tinha aquele direito, todos tinham o direito de saber suas origens, por que ela era diferente? Por que havia sido abandonada, se tornou um ser humano menor que os outros que sabiam ao menos o nome de seus progenitores? Bufou irritada, levantando da cama ao pensar nisso.
Não estava pedindo muito. Tudo o que queria eram dois nomes, e um porquê. Apenas isso.
Colocou os chinelos de algodão nos pés e então devagarzinho foi até a porta do quarto, a abrindo no maior silêncio que conseguia fazer, vendo o corredor vazio. Não haviam muitas pessoas ali, principalmente porque já passava das duas da manhã, e além disso a maioria das crianças da sua idade haviam sido adotadas nos últimos meses, o que lhe dava a oportunidade de não ter que dividir o quarto com ninguém, apesar das outras três camas no lugar que se tornavam surpreendentemente assustadoras quando vazias.
O primeiro passo para fora, foi como quebrar uma primeira barreira invisível que lhe impedia de sair. Uma barreira que representava o impedimento de ser quem era de verdade, de ser ela mesma. De ser livre.
O segundo passo lhe trouxe um alívio descomunal. Como se estivesse deixando tudo aquilo para trás, todo aquele pesar e dúvidas.
Do terceiro passo em diante, não pensou mais. Em nenhum momento o ódio tomou conta de si, ou a insegurança. Ela simplesmente concentrou-se no caminho que deveria seguir. Apenas aquela enorme necessidade de descobrir aquilo que ansiava tanto.
Os corredores estavam vazios, todos. Ela sabia aonde deveria ir, havia procurado o suficiente para saber onde acharia suas respostas. Abaixo da igreja, em uma espécie de cripta que servia como depósito, lá estavam os documentos do seu abandono. Não se importou de sair de pijamas curtos e leves no meio da garoa fina que tomou o lugar da chuva, e ignorou o vento forte que batia contra seus ossos e fazia-os tremerem.
Mais poucos passos e chegaria ao alçapão. Seria mais discreto do que arriscar encontrar ao padre dentro do templo. Abaixou para abri-lo e saltar para dentro, o calor das tochas acesas auxiliando para que aos poucos a temperatura de seu corpo se estabilizasse.
Haviam mais alguns lances de escada, aos quais desceu tranquilamente, sem pressa alguma. Cuidadosamente abria uma ou outra porta com alguma placa com o nome desgastado, confirmando que não era ali.
Foi quando encontrou a única porta sem identificação alguma, que a fez prender sua respiração por alguns segundos, tentando manter a calma enquanto torcia para que, assim como as outras, ela tivesse aberta. Girou a maçaneta com cuidado e seu coração acelerou quando a porta abriu. Entrou de forma sorrateira, os olhos passando por todo o ambiente e encontrando um baú ao fundo, escondido na penumbra.
Seus passos foram rápidos para alcançar o objeto e se ajoelhou, não se importando se caso quebrasse alguma coisa, começariam a investigar a situação. Levantou e tentou fazer o mesmo com o baú, mas apenas o peso da madeira era suficiente para não deixá-la conseguir.
Olhou para os lados, começando a se desesperar em o que faria para abri-lo. Passou as mãos pelos cabelos, nervosa, no processo esbarrando as pontas dos dedos nas pérolas que estavam em suas orelhas.
Não pensou duas vezes em tirar uma delas, rapidamente voltando a cair sob o chão e tentando de alguma forma abrir o cadeado com a parte metálica do único par de brincos que tinha.
― P-Porra… ― xingou quando ouviu o crack dentro do cadeado, a pérola ficando em sua mão enquanto o metal caia no chão.

Grunhiu, tirando o brinco que restava na outra orelha e tentando outra vez, porém com mais cuidado. Demorou, muitos e muitos minutos, e estava prestes a desistir quando ouviu um singelo barulho baixinho que sinalizou a abertura. Seus olhos se arregalaram ao girar o cadeado e então o arrancou rapidamente, jogando-o para trás.
Era agora. O momento da verdade. Puxou a tampa para cima, iluminada apenas pela tocha que queimava no canto da sala, e pode ver de relance o seu nome escrito no primeiro papel, com uma foto de um homem que não reconheceu ao lado.
E antes que pudesse pegá-las, a porta da sala foi destrancada outra vez, por uma pessoa que não parecia nada feliz em vê-la ali.

❥❥❥❥❥

― A cidade inteira ouviu os gritos. Inclusive o orfanato.
― E no dia seguinte, ninguém sabia onde você estava. ― todos os poros do corpo de estavam arrepiados e respondiam aquela história, a euforia sendo controlada com maestria para mantê-lo impenetrável. ― Todos disseram que você quebrou regras gravíssimas e por isso, havia sido levada para um convento em uma cidade maior, onde te ensinaram boas maneiras.
― Não foi mentira. Me levaram para um internato na capital e sinceramente, foi a melhor coisa que fizeram por mim durante todo o tempo que eu vivi aqui. ― o tom de voz rancoroso da garota sinalizava que talvez não fosse assim que ela pensasse realmente, mas na verdade, com tudo o que havia acontecido desde que chegara ao internato, não podia negar. ― Foi lá que eu descobri sobre as leis e descobri que esse lugar não está acima delas, . Eu estudei, estudei e estudei, me agarrei as chances que eu tinha, e foi lá que eu descobri que eu tenho todo o direito de descobrir da onde eu vim e a minha história, e não é nenhum clero que vai me impedir.
… O que você vai fazer? ― ele indagou, sentindo a saliva rasgar sua garganta em uma descida dolorosa.
― Eu vou descobrir tudo o que eu quero descobrir. Principalmente a minha relação com aquele homem na foto. ― ela explicou calmamente, mesmo que por dentro a sua ansiedade corroesse todo seu raciocínio. ― Eu vim até aqui pra te explicar em respeito ao nosso passado e amizade que tínhamos, você merecia ouvir de mim e saber a real história, se vai acreditar ou não, é sua decisão. ― suspirou, descruzando as pernas para se preparar para levantar. ― Mas também vim dizer pra você não ficar no meu caminho. Porque eu não vou parar, . Dessa vez eu não vou parar por nada.

❥❥❥❥❥

Assim que o dia amanheceu, o sabia bem aonde deveria ir. Os pássaros estavam cantando em cima das árvores quando atravessou o portão que separava a igreja da entrada do local e mesmo que o dia fosse nublado e cinzento, as crianças que correram para lhe encontrar na entrada fizeram com que ele se iluminasse.
deixou-se ficar ali, na companhia delas, contando histórias e respondendo perguntas curiosas, sem ver o tempo passar. Podia identificar-se facilmente com aquelas crianças, lembrando-se de si mesmo. Lembrando-se dela.

Quatorze anos atrás.

sempre a via parada no mesmo lugar, durante toda a manhã ou até chamá-la. Era assim há anos. olhava para o horizonte e sonhava com o que havia além das limitações do vilarejo, pela sacada do quarto que costumava chamar de seu, mesmo que não tivesse exatamente um dono.
Três anos mais velho, ele tinha alguns flashes de memória que o recordavam da história dela, e entendia o porquê a garota desenvolvera aquela necessidade de reclusão. Mas não era como se não fosse fazer nada para auxiliá-la com isso, porque no final, os dois praticamente cresceram juntos.
! ― ele gritou dos jardins, colocando ambas as mãos aos lados dos lábios para que o som saísse mais nítido.
Ela pareceu acordar de seu universo alternativo, os olhos perdidos olhando para o lado e tentando encontrar o dono da voz simpática que sabia quem era, apenas não sabia onde estava, até olhar para baixo e vê-lo acenando animadamente para si. Sorriu de canto, acenando em retribuição e fazendo um sinal para que a esperasse por ali.
Não demorou muito para que ela aparecesse correndo na porta da casa de vários andares pintada de azul, com um sorriso brilhante que apenas conhecia e tinha a oportunidade de admirar. Ela segurava a barra do vestido verde leve para baixo, para ter mais mobilidade e chegar mais rápido até o amigo.
― Está calor, não corra tanto. ― ele sorriu para a mais nova quando ela parou a sua frente, aproveitando para erguer a mão, buscando a dela, e para entrelaçar os seus dedos antes de iniciarem a caminhada juntos.
― Nós podíamos ir até o rio. Eu não estou aguentando esse sol! ― reclamou, retribuindo o leve aperto entre as mãos e levando a outra para apertar a própria bochecha vermelha que pegava fogo, dando passos preguiçosos em direção ao jardim ao ver que ele estava todo repleto da luz do sol, sem sombra alguma.
, você sabe que não temos permissão para ir até lá. ― retrucou em tom de bronca, cerrando os olhos na direção da mais nova.
, o que pode acontecer de errado? Eu só quero colocar os pés na água. ― ela olhou para cima, encarando o amigo com um bico nos lábios cheios e rosados.
respirou fundo algumas vezes, ponderando o nível de quão errado aquilo era e olhando para os lados para ver se eram observados por alguém. Os adultos não estavam presentes, provavelmente preparando as atividades do dia ou cuidando dos mais novos, e os outros adolescentes haviam se dispersado nos pequenos ambientes que formavam o pátio do lugar.
― Vamos voltar rápido. ― ele sussurrou, a puxando para a trilha entre as árvores e fazendo com que desaparecessem da visão de qualquer pessoa.
abriu um largo sorriso e as duas crianças, entre risos, logo iniciaram uma aposta muda de quem chegaria mais rápido no destino. conseguiu o fazer pelas pernas mais compridas, e apesar do desgosto por perder, o humor da menina melhorou assim que ela tirou as sapatilhas brancas na grama e sentou na beira do rio, submergindo até os seus joelhos.
O fez o mesmo com o tênis, e sentou-se ao lado da amiga, observando o céu azul celeste e as nuvens brancas que se mexiam lentamente conforme o vento as levava para longe.
… ― a voz de soou distante, quase que vindo de outra dimensão, mas antes que ele respondesse, ela mesma continuou seu raciocínio. ― Como você acha que vai ser o futuro? Será que vamos ficar aqui pra sempre?
Aquela pergunta o pegou desprevenido, e os olhos escuros se arregalaram pela surpresa de ouvi-la. A verdade é que não sabia, ou evitava demais pensar naquele assunto. Semanalmente, desde quando nasceram, eles viam crianças indo embora nos bancos de trás de carros, acenando pela janela. Mas depois de tantos anos, perdera a esperança de, um dia, ser uma dessas crianças.
Ele apenas havia se conformado de viver sua vida da melhor forma ali mesmo. Um dia seria um adulto, e com o direito de cuidar de si mesmo, descobriria o que poderia fazer.
― É claro que não. ― o respondeu, abaixando o olhar até a água transparente e observando os próprios pés em maior proporção pelo efeito do rio. ― Um dia você vai poder fazer o que você quiser, inclusive sair daqui. ― ele deu um sorriso plácido que ela apenas pode ver de soslaio. ― Mas eu acho que isso realmente não importa, contanto que você esteja feliz. Se você estiver feliz, qualquer lugar ao qual você estiver, vai ser um bom lugar.
olhou para o mais velho, sem reação e sem resposta para aquilo. Mas na verdade, em seu coração, ela sabia. Viu a mão de encostada ao seu lado, na pedra ao qual estavam sentados, e levou a sua para cima dela, a segurando delicadamente e sorrindo largamente.
― Eu estou feliz agora, .
Mas não era pelo lugar, e nem porque estavam ali. Era apenas porque estava com ele, porque estavam juntos. era a única pessoa que havia se apegado em toda a sua vida, a única que não havia ido embora ou lhe abandonado. E apenas a presença dele era capaz de lhe fazer tão feliz, simplesmente.
― Eu também estou, .

❥❥❥❥❥

parou sua fala ao perceber quem atravessava rapidamente o caminho de pedras entre a grama, levando até a pequena casa que servia como administração para o orfanato. Ele manteve a calma e a discrição, porém, aparentemente não foi o único a perceber a presença da mulher, pois as crianças olhavam-se assustadas.
― É ela! ― uma tentou sussurrar no ouvido de outra, mas acabara tão eufórica que as duas palavras saíram altíssimas.
― Padre, ela pode andar aqui?! ― um outro garotinho questionou praticamente horrorizado, e precisou respirar fundo para manter a neutralidade.
― Claro que sim. Ela também cresceu aqui, sabiam? ― respondeu calmamente, sorrindo de canto e acariciando os cabelos do garotinho. ― Crianças, vocês não podem julgar as pessoas pelo que ouvem. Nem sempre as histórias são como vocês escutam.
― Então a cidade inteira mentiu…?
― Não exatamente. ― o tratou de mudar o discurso, não querendo que entendessem errado e falassem algo que pudesse ser mal interpretado para outros adultos depois. ― Às vezes, acontecem mal entendidos e então as pessoas precisam conversar para esclarecê-los, e foi isso que ela veio fazer aqui. Conversar para fazer tudo ficar bem de novo. ― as crianças pareceram refletir para tentar entender o que ele queria dizer. ― Mas está muito frio para vocês ficarem aqui fora! Entrem e tenham certeza de ficar perto da lareira, certo?
O coro de concordância se ergueu após suas palavras, e observou cada uma das crianças entrar na casa antes de levantar seu corpo e respirar fundo algumas vezes, se impedindo de fazer o que queria por alguns minutos antes de desistir e iniciar sua caminhada em direção no local onde a administração ficava.
Sabia que deveria respeitar o pedido de e ficar de fora de seus assuntos, mas por mais que ela quisesse fingir que a partir da conversa do dia anterior eles haviam se tornado dois desconhecidos, ele não conseguia acalmar seu coração e agir normalmente em relação aquilo.
Ele e eram amigos, e não foram os anos que passaram que acabaram com esse laço entre eles. Além disso, tudo o que ela lhe contara apenas confirmou o quanto se importava com a garota para simplesmente ignorar sua presença e fingir que nada estava acontecendo. Ele não conseguia e não o faria. Seu senso de justiça não lhe dava a opção de omissão.
― Você não está entendendo a situação. ― foi a primeira coisa que ouviu ao entrar na administração, quando deu de cara com as costas de . ― Esse lugar não é acima da lei. Segundo a constituição, todo o ser humano tem o direito de conhecer seus pais, saber suas identidades e onde eles estão. Vocês não vão passar por cima disso.
parecia crescer vinte centímetros falando daquela forma confiante e com aquele tom de voz grave. A freira que cuidava daquela área no momento não devia passar dos vinte anos e com as feições jovens e chocadas de ver a causadora de tanta discórdia bem na sua frente, ela se encolhia mais a cada respiração da visitante.
― E-eu… Me ordenaram a não falar nada, também não posso chamar a madre. ― a garota murmurou assustada e suspirou, revirando os olhos e o bolso do casaco curto que cobria até suas coxas.
― Você sabe o que isso significa? ― questionou quando pegou um documento e o colocou em cima do balcão, arrastando-o na madeira para aproximá-lo dos olhos da garota, logo após cruzando os braços impaciente e arqueando uma das sobrancelhas, olhando para a coitada de cima. ― É uma certificação de que eu sou uma advogada. ― arregalou os olhos ao ouvir isso, seu coração acelerando em um misto de orgulho e surpresa. ― O que implica que eu sei os meus direitos e posso acabar com essa organização de bosta de vocês. Agora chama logo a porra da responsável.
A menina completamente congelou com a postura intimidadora de , ficando alguns minutos sem nem mesmo piscar. A mais velha podia imaginar que ela nem mesmo sabia o significado da palavra que usara.
― D-Desculpe…
― Tudo bem. ― essas duas palavras fizeram a coitada voltar a respirar, e a mulher pegou de volta o cartão, sorrindo de canto de uma forma não muito simpática. ― Foram vocês que pediram o que vai acontecer nos próximos dias. Diga para o clero se preparar, porque eu vou destruí-los.
girou os calcanhares, jogando os cabelos para trás com o movimento e dando o primeiro passo em direção a saída com a cabeça erguida. Ela então o viu, escorado na parede como se esperasse em uma fila para tratar de seus assuntos logo que chegasse a sua vez, e seus olhares se encontraram só por uma fração de segundos até que o olhos da mulher se desviaram para a porta e ela o ignorou completamente.
reprimiu um suspiro que denunciaria sua frustração com aquilo. Ela o trataria como um desconhecido, e havia avisado, nem podia falar que não entendia os motivos. Entretanto, por que era tão difícil de lidar com isso e aceitar a situação, mesmo após terem passado doze anos sem a presença um do outro em suas vidas?
Imitou a ação da mais nova e seguiu seu caminho até encontrá-la falando no celular perto do pequeno playground, encostada em uma árvore. sabia bem que era errado escutar e que era pecado, mas não era como se estivesse fazendo de propósito. Queria na verdade falar com , e estava apenas esperando-a terminar para isso.
― Eu te disse que os desgraçados não iam ceder só pela minha presença. ― ela rosnou irritada no telefone, brigando com quem quer que fosse do outro lado da linha. ― Eu não mandei vocês não quererem me dar o mandado quando eu pedi. Agora me tragam essa desgraça até aqui, quem fez merda foi você. Como assim, duas semanas? Eu não vou aguentar viver duas semanas nesse buraco. Dê um jeito, o problema é de vocês, eu não quero saber de desculpas.
Ela desligou sem esperar pela resposta, bufando de raiva com as cagadas que os outros faziam e tinha que enfrentar as consequências. Era sempre assim na sua vida, sempre estava sofrendo os efeitos das decisões de outras pessoas. Grunhiu frustrada, guardando o celular no bolso e dando um passo para a saída.
― Espera. ― a voz melódica de soou perigosamente próxima, principalmente porque quando viu que ela não ia parar seus passos, ele correu para alcançá-la e segurou em seu pulso, fazendo girar o corpo na sua direção.
― O que você quer? ― o tom rude da mulher sinalizava o quanto aquele contato a incomodava, e ela puxou o braço rapidamente, sentindo sua pele formigar onde fora tocada por ele. Não, não…
, nós precisamos conversar, não podemos deixar as coisas desse jeito. ― ele tentou argumentar, mas no fundo sabia que não havia jeito algum de convencê-la. A garota sempre tivera aquela personalidade difícil, teimosa.
― Tudo o que nós tínhamos pra falar, nós já falamos. Não há mais nada que eu quero te dizer. ― se esforçou para manter o contato visual, mesmo sabendo que isso denunciaria facilmente sua mentira.
, olhando em seus olhos, saberia como ninguém mais que haviam muitas coisas presas em sua garganta que a faziam sufocar e lhe deixavam precisando de diversos copos d’água para fazê-la desengasgar. Suas mãos começaram a tremer com a intensidade daquele olhar entre eles, e foi por isso que não pensou duas vezes antes de agilmente sair correndo, escapando pelos dedos do e sumindo pelo breve horizonte.

❥❥❥❥❥

Ele não tinha aquele direito de arruinar sua sanidade daquela forma.
, simplesmente, não podia fazer aquilo consigo.
Com apenas um toque e um olhar ele acabara totalmente com o seu dia e com toda a sua maturidade. Ela não sabia mais o que estava fazendo quando espreitava pela porta da igreja às dez e quarenta e cinco da noite, só sabia que havia perdido o controle e quando caiu em si já era tarde demais e fechava a porta do confessionário ao lado de seu corpo sentado.
Queria uma explicação, queria uma discussão, mas não havia um motivo específico para isso. A verdade era que queria, mais uma vez, ouvir aquela voz chamando por seu nome daquela forma que apenas poderia soar quando ele o pronunciava. Queria poder olhá-lo nos olhos, mas não tinha coragem para isso e, no fundo, sabia que esse era o motivo que a levava a querer falar com ele apenas no confessionário, assim não poderiam se ver
Por minutos, nenhum dos dois decidiu falar, sabia exatamente quem estava do outro lado sem nem mesmo precisar olhar, aquele cheiro era inconfundível, e naquele momento ele só queria ouvir o tom de voz sarcástico admitindo seus pecados se isso quisesse dizer que ela pararia de agir daquela forma consigo.
sabia que teria de partir dela. Afinal, fora ela que o mandara pastar e agora voltara outra vez, sendo praticamente capaz de matar alguém apenas para ouvi-lo. Mordeu seu lábio tão forte que pode sentir o gosto de ferrugem do sangue, e cravou as unhas compridas em seu próprio braço, como uma auto punição infligida por ter ido até ali. Por ser fraca o suficiente para não suportar nem mesmo um simples toque que partisse dele.
― O que mais precisa ser dito essa noite? ― a voz feminina não era muito mais alta do que um soprar de vento.
― Você veio até aqui sem saber? ― reprimiu sua vontade de sorrir ao finalmente poder escutá-la, principalmente falando aquelas palavras que podiam ser interpretadas de diversas formas.
― Eu sei, mas não tenho certeza se devo. ― xingou a si mesma ao pegar suas mãos tremendo, e fechou os olhos, tentando manter-se calma mesmo sabendo que era impossível.
― Não estou aqui para te julgar, e sim para ouvir qualquer coisa que tenha a dizer.
― Qualquer uma? ― a confirmação veio baixinho, e ela se encolheu ainda mais. Já estava lá, no final. O que poderia perder? ― Por que você se tornou um deles, ? Você era a única pessoa no mundo que eu me importava, e se tornou tudo aquilo que eu mais odiava. Eu não achei que eu fosse te encontrar aqui de novo, e muito menos vestindo uma batina. Eu não consigo achar isso certo.
… ― ele arregalou os olhos. Esperava que ela falasse muitas coisas, mas aquilo, com certeza, não estava em sua lista. Engoliu em seco, passando uma das mãos pela testa e respirando fundo. ― Eu nunca tive muitas perspectivas de ir embora. Eu sempre amei a doutrina e ajudar as pessoas, foram apenas coisas que puxaram outras coisas.
― Você merecia algo melhor,
― Eu entendo sua revolta contra a igreja, , mas isso não tira a nobreza da abdicação para viver para a missão. É algo lindo, você sabe disso.
― Não, eu não sei. ― o tom dela se tornou mais grave e um pouco embargado por um segundo, e isso o desestabilizou completamente.
Não, por favor, não desabe agora, os dois pediram em pensamento ao mesmo tempo. Ele não iria aguentar se ela desabasse existindo uma madeira entre eles que impedia-o de vê-la.
― Você é diferente deles. Você é bom, de verdade. Eles me tiraram tudo, . Eles me tiraram minha identidade, minhas raízes… E quando me jogaram naquele internato, eles me tiraram você! ― bateu de leve contra a divisória, engolindo em seco. ― Eles roubaram o futuro que eu sonhei com um nós. Eu passei noites e noites pensando em como você estava aqui, se você havia ido embora, se você estava feliz onde quer que fosse, sonhando com o dia que eu iria te ver de novo, com o dia que eu conseguiria encontrá-lo, o dia que eu voltaria aqui, investigaria sobre o meu passado e perguntaria onde você estava, apenas para descobrir que alguém foi cruel o suficiente para me deixar te ver de novo usando a merda de um anel de castidade eterna.

― Não! Eu não quero saber. Agora você entende o porquê eu não quero, e nem suporto olhar para sua cara? Apenas alimenta ainda mais a minha raiva. Apenas me faz odiá-los mais. Me faz te odiar, porque você é tudo que eu sempre quis na minha vida, mesmo sem saber se eu era tudo o que você queria. E agora eu vejo que não. Então, por favor, me deixe em paz. Eu não quero te ver, nunca mais.

❥❥❥❥❥

Se revirava na cama há exatas duas horas quando não aguentou mais e resolveu levantar para caminhar. As palavras de ainda rodavam incansavelmente em sua mente, e algo nelas incomodava o profundo de sua alma. Como se ela estivesse certa, como se a confirmação dos sentimentos da garota houvesse destrancado o cadeado de algo em seu coração.
Não se importava mais sobre o que ela faria contra o clero para descobrir aquilo que queria. Quando ela desabafou sobre não querer vê-lo nunca mais, sentiu uma necessidade enorme de tocá-la. Desejou que aquela madeira não existisse e então poderia aconchegá-la em seu abraço até que ela se sentisse feliz, amada e protegida outra vez.
Não.
Refreou qualquer pensamento que pudesse entrar em sua cabeça e ir contra seus princípios e abriu a porta do quarto sentindo o vento gélido contra sua pele pálida. Andou nos corredores vazios que levavam até a saída de seu dormitório e aos fundos da igreja. Viu de relance o alçapão que havia citado ao contar para ele aquela história, e uma curiosidade cresceu dentro de si.
Seria possível, mesmo depois de tantos anos, ainda guardarem aquilo no mesmo lugar de antes…? Seria demais ir até lá? Se achasse, sabia que não conseguiria guardar para si mesmo e seria traição caso contasse para . Pressionou seus lábios por alguns momentos, ponderando o que, no momento, era mais importante para si.
deu o primeiro passo, sentindo-se louco e pensando que ainda tinha tempo de voltar atrás. Mas quando deu o segundo passo, tudo o que pensou era em sua determinação e o quanto aquilo deveria ser feito. Era esse o certo, e mais do que trair o clero, ele não podia trair a si próprio.

❥❥❥❥❥

Não conseguia lembrar quando exatamente havia caído no sono, mas ao acordar com batidas frenéticas em sua porta, percebeu que dormira debruçada sob a janela, observando a Matriz banhada com a luz da lua. Apesar de estar olhando para a igreja, seu pensamento estava, até mesmo durante seus sonhos, na pessoa que residia atrás de tal.
Lutou contra a vontade de pensar nele outra vez depois de tudo o que havia acontecido e tudo o que havia falado. Nao tinha esse direito após expulsá-lo da sua vida como havia feito mais cedo. Agora, de uma vez por todas, tinha que apagar a existência de de sua vida e memória.
Outra batida na porta fez com que recobrasse a memória do porquê havia acordado, e por isso levantou rapidamente, descendo as escadas para abri-la. Não teve medo e nem perguntou-se quem poderia ser, apenas a abriu e deu e cara com um ofegante e com os cabelos úmidos pelo sereno das duas da madrugada.
Sua primeira reação foi tentar fechar a porta rapidamente, o sono todo indo embora com um baque, mas o punho fechado do homem bateu contra a madeira, mantendo-a aberta e fazendo se encolher ao vê-lo tão determinado.
― Preciso entrar. ― ele sussurrou, ainda olhando vez ou outra para trás e para os lados, querendo ter certeza que ninguém havia o visto.
― Por que? Você não entendeu o que eu falei?! ― seu tom raivoso havia tornado-se um baixo, como se ela se agarrasse ao seu restante de sanidade para manter-se no controle de seus próprios sentimentos e vontades.
― Deixe-me entrar, e então nós conversamos.
Não teve opção ao não ser ceder, porque uma parte de si gritava o quanto queria saber o que estava fazendo ali.
Não havia mais volta para os dois quando tirou a mão da madeira da porta para deixar de segurá-la. entrou finalmente e a trancou atrás de si, ofegante pela corrida. A mulher estava de costas, segurando ambas as mãos a frente do corpo para disfarçar o quanto elas tremiam com a presença do homem naquela casa.
― Como você conseguiu a chave dessa casa? ― ele questionou com um olhar inquisitivo ao parar no meio da sala de estar, e podia sentir suas costas queimarem com aquela intensidade mesmo se não pudesse ver que ele lhe encarava daquela forma.
― A diretora do internato me entregou quando eu terminei o Ensino Médio, e me disse que se um dia eu voltasse pra cá, era aqui que eu devia ficar. ― não hesitou em explicar, esperando que falar sobre aquilo lhe distraísse.
apenas ouviu o barulho de algo batendo contra a mesa de centro, parecendo um pouco pesado. Respirou fundo antes de juntar coragem de virar o corpo, tomando cuidado para guiar seu olhar pelo chão e não cruzá-lo com o do , mas isso parou de ser uma preocupação quando ela encontrou a pasta de capa preta com o seu nome em um papel branco colado na parte inferior.
Engoliu em seco, e seus olhos tremeram nas órbitas ao subirem lentamente até encarar .
― Era isso o que você queria, não era? ― o indagou sem desviar o olhar nem mesmo minimamente da figura feminina a sua frente.
― S-sim… Como você…
― Abra. ― e então ele se sentou no sofá que ficava ao lado direito, sentindo-se com adrenalina tão alta quanto a de .
Ela agarrou o arquivo com as mãos trêmulas, sentando no sofá do lado esquerdo. Não soube por quanto tempo ficou apenas olhando para o nome estampado, conhecendo a grafia de seu sobrenome que até então lhe era desconhecido. Passou tanto tempo o admirando que as peças do quebra cabeça se espalharam ainda mais em sua mente, ao invés de se juntarem.
Abriu-a apenas para encontrar um único documento. Algumas páginas antes dela pareciam ter sido arrancadas e alguns resquícios de papel continuavam ali, mas o que a chamou a atenção foi a folha envelhecida com a marca d'água da Prefeitura em toda a extensão. Era uma certidão de nascimento. A sua certidão de nascimento.
E, no início do papel, haviam dois nomes. Os dois malditos nomes que procurou durante toda a sua vida. levou uma das mãos até os lábios ao lê-los, se esforçando para manter toda a exclamação dentro da garganta.
― Eu sempre achei Guiselini um sobrenome bonito, desde quando éramos crianças. ― comentou, mantendo o tom baixo e passando uma das mãos pelos cabelos lisos. ― Mas eu nunca imaginei que você dividisse ele com o Padre Diretor do Orfanato. Acho que agora faz sentido você estar nessa casa, afinal, ela é sua.
― Eu… ― tentou, mas sua mente estava completamente em branco e não conseguia pensar em palavra alguma capaz de externar seus sentimentos.
― Agora você sabe que a culpa nunca foi sua de ter sido deixada no orfanato, . ― suspirou, vendo-a concordar com a cabeça freneticamente, ainda absorvendo tudo o que estava acontecendo. ― Eles abafaram o seu nascimento para que não fosse um escândalo e não fossem excomungado pelo clero.
― Onde… Quer dizer, a minha mãe, pelo menos, você sabe quem é e se está viva? ― teve um fio de esperança que ela não fosse o que estava pensando, mas tentou não alimentá-la.
― O seu pai… Bom, você percebeu, ele não está mais entre nós. ― suspirou, e ela assentiu mais uma vez. ― E a sua mãe sumiu alguns dias após você nascer, ninguém sabe para onde ela foi. Ela era uma freira iniciante. Você tinha razão, … O clero tirou tudo de você, desde o seu nascimento.
Aquela situação toda era ainda pior do que havia pensado, e tudo começou a girar ao seu redor. Era filha de um padre com uma freira. Nascera de tudo o que mais odiava em toda a sua vida, em uma situação abominada por todos os religiosos. Não era para menos a sua fama, era por isso que lhe odiavam tanto.
― Quem mais sabe disso? ― perguntou em um murmúrio, voltando a jogar a pasta na mesa e então escondendo o rosto entre as palmas das mãos, não querendo mostrar que as lágrimas começavam a escapar de seus olhos.
― Eu, você e provavelmente alguns superiores ou freiras antigas que ajudaram a acobertá-los. ― respondeu no mesmo tom, tentando se controlar ao vê-la daquela forma. Seus punhos fecharam automaticamente em cima de seus joelhos.
Ele queria tocá-la, queria tanto abraçá-la… Ela estava outra vez a sua vista, aquilo não era como no confessionário. era bonita demais para ficar apenas olhando.
Mas ao mesmo tempo, havia jurado há três anos atrás e não podia quebrar seu juramento. Ao admitir aquele desejo, mesmo que para si próprio, sabia que estava em pecado, e não havia mais como retornar, porque por mais que quisesse resistir e fingir que não, estava em pecado desde a primeira vez que a vira naquela missa.
― Isso é loucura. Completamente.
― Essa é a verdade. A que você sempre quis saber, … ― levantou, deixando-se completamente levar por seus instintos. Estava sedento, sedento demais para ficar tão distante… Mas sabia que não podia ter nem um pouco.
― Você traiu a igreja me contando isso. ― ela sussurrou ao ouvir os passos dele ecoando e de aproximando mais a cada segundo. ― Por quê?
― Porque havia algo na minha vida que era mais importante que a igreja antes de eu fazer meus juramentos, e eu não o considerei na hora de tomar minhas decisões, então não fui honesto. ― respondeu calmamente, sentando-se ao lado de que ainda escondia o rosto, o obrigando a erguer suas mãos para encontrar as dela, segurando ambas firmemente e as puxando para baixo para poder olhá-la nos olhos. ― Talvez eu nunca devesse ter seguido esse caminho, talvez essa não seja minha vocação, mas eu sucumbi ao medo. Medo de uma vida sem você, e medo de uma vida fora daqui. Principalmente quando pensei que o mundo lá fora era grande demais… Grande demais para conseguir te encontrar.
, não… Eu nunca vou me perdoar por ter estragado a sua vida, não precisa ser assim. Eu não te mereço. ― puxou as mãos de volta, passando as costas de ambas pelo rosto para limpá-lo das lágrimas. ― Você ainda tem tempo de voltar. Eu vou embora e você pode viver como se nada disso tivesse acontecido, ninguém precisa saber.
― Não é assim, . ― ele quis rir com aquele desespero dela, mas apenas deixou um sorriso de canto sair em seu rosto. Aquilo não era simples, mas tinha certeza que não era como se ela odiasse a ideia. ― O meu compromisso maior é com aquele ao qual eu não posso esconder nada, e infelizmente eu falhei como sacerdote quando tive uma mulher em meu coração, mas não preciso falhar como ser humano. Você merecia saber a verdade.
― Isso não acaba com o seu posto ou a sua missão, . Você não pode…
― Eu posso sim. E eu vou.
Ele não esperou mais para interrompê-la, e com uma vontade que nunca imaginou ter dentro de si buscou os lábios de de forma feroz, enquanto em sua mente pedia perdão mais uma vez. Perdão por como havia ansiado por aquele momento desde quando ainda eram adolescentes, por como imaginara como seria aquela sensação sempre que ela invadia sua mente durante os anos que haviam estado separados.
E era ainda mais doce do que sempre pensou. Era como um oásis em meio ao deserto onde não há água, e apenas senti-la contra si, somente aquele beijo eram capazes de matar sua sede.
arfou pela surpresa, mas seus olhos se fecharam automaticamente ao sentir o toque desesperado de suas línguas, que precisaram de um tempo para ajustarem os movimentos em um sincronismo improvisado, tamanha a ansiedade de seus corpos em sentir um ao outro.
Ela sabia, ele sabia, os dois sabiam que haviam esperado por aquilo tempo demais.
E essa necessidade se materializava nos toques brutos que sentiu em suas coxas para puxar seu corpo para baixo do corpo de no sofá, a fazendo encaixá-lo entre as suas pernas que prensaram levemente as coxas do rapaz contra a parte interna das suas.
O inclinou o tronco para continuarem com aquela intensidade no toque de seus lábios, e enquanto arrancava o crucifixo de seu pescoço, o jogando pela sala em um lugar qualquer, e desabotoava os primeiros botões de sua batina, ele ocupava-se em explorar o desconhecido pela primeira vez, tateando o corpo feminino e suas curvas acentuadas.
Ele ficava sedento diante daquela mulher, e dedilhar o formato de sua cintura por cima do tecido da regata colada fez com que os dois tivessem arrepios, pegando fogo por dentro. Mas mesmo aquele toque não parecia o bastante, ele queria mais, estava completamente desesperado.
Seus lábios se separaram quando terminou de arrancar a sua primeira peça de roupa, e sua respiração rouca se aproximou do ouvido dela de forma provocante quando os beijos da mulher foram descendo por seu queixo e pescoço, ao mesmo tempo que sentia as unhas se arrastando vagarosamente pela lateral de seu abdômen coberto por apenas uma camisa preta.
Se ela continuasse descendo, provavelmente seria capaz de sentir como seu coração pulsava aceleradamente dentro do peito por conta dos formigamentos prazerosos que tomavam conta de sua pele conforme os lugares que encostava. Tudo isso era resultado das novas sensações que toda aquela situação causava em si, descobrir aquilo estava sendo tão excitante que nada era capaz de matar sua sede, apenas deixá-la mais profunda.
Na verdade, ela era capaz. Mas não daquela forma onde o provocava infinitamente.
― Chame o meu nome naquela voz soprada… ― ele sussurrou o pedido, encostando a boca na entrada do ouvido de que sentiu todos os pêlos do seu corpo se eriçarem com aquela voz.
Ela obedeceu e subiu os lábios outra vez, agora os arrastando torturosamente pelo caminho da clavícula até o pescoço e então o ouvido do , mordiscando o lóbulo de sua orelha levemente.
. ― sibilou de forma praticamente inaudível, em um sussurro particular ao qual apenas ele poderia guardar na memória. ― … ― sentiu um aperto mais forte em seu quadril que lhe fez inclinar o corpo para cima pelo reflexo, chocando suas intimidades uma contra a outra. ― … ― em um gemido não proposital ao senti-lo contra si, fazendo seu rosto queimar em surpresa.
― Eu estou tão sedento só de olhar pra você. ― comprimiu os lábios e fechou os olhos em uma tentativa falha de manter-se são, o que julgou impossível após ouvir aquele gemido. ― Por favor…
― Eu esperei tanto por isso. ― subiu uma das mãos para arranhar a nuca do rapaz, sorrindo para si mesma ao senti-lo arrepiar com esse gesto.
― Olhe pra mim, queimando em chamas por sua culpa. ― suspirou de forma pesada, afastando os rostos para poder ter a visão do rosto de , com os olhos brilhosos de desejo em sua direção e as bochechas vermelhas.
Ergueu uma das mãos que tateavam a barriga da garota para acariciar sua bochecha, enquanto a outra escorregou até sua coxa, passando pela bunda no processo.
, você fez chover no meu coração que era como um deserto. ― ela respondeu, subindo a mão da nuca para ajeitar algumas mechas de cabelo do rapaz que cobriam os belos traços, mechas essas completamente molhadas pelo suor. ― Agora, nós somos um do outro.
Os dois estavam perfeitos daquela forma, naquela linda noite que havia apenas começado, onde só eles existiam, um perfeitamente moldado para o outro. Como aquilo poderia ser errado quando o sentimento deles emanava daquela forma tão intensa?
Apesar disso, ele estava perdendo a paciência, o controle e a cabeça, se tornando completamente louco por aquele calor. suava como se estivesse sendo caçado. E estava, na verdade. Estava sendo caçado por sua própria consciência. Ele sabia que era errado de diversas formas diferentes quando em contraposto a tudo o que havia aprendido e acreditado em toda a sua vida.
parou por alguns segundos, sentindo aquele conflito interno lhe atingir como um vagão de metrô em alta velocidade. Sua respiração ofegante se tornou ainda mais ofegante, e seu corpo ficou mole com aquela situação, pressionando-se contra o da mulher ainda mais e fazendo os seios dela roçarem contra sua pele, lhe deixando ainda mais transtornado.
Já havia quebrado tudo aquilo que considerava seus limites, mas ainda faltava alguns e tudo estava ficando tão branco em sua mente…
― Você não pode fazer isso. ― sussurrou com o peitoral subindo e descendo de forma descompassada, passando a mão pelos cabelos do rapaz de forma carinhosa. Não ainda. ― E não precisa, . Nós não precisamos ter pressa.
Respirou fundo, acalmando-se lentamente, e então usou suas duas mãos de apoio para erguer novamente o corpo, encostando suas costas no braço do sofá e então puxando o para si em um abraço carinhoso. deixou-se ir, deitado em cima de e com a cabeça encostada próximo ao seu queixo, ela lhe acariciava como se fosse um bebê, alguém que ela precisava cuidar.
― O que nós vamos fazer agora, ? ― sussurrou entre os braços daquela a quem sempre esperou, deixando-se aproveitar a sensação de ser amado e deixando toda a sua vulnerabilidade transparecer naquele momento.
― Eu não sei… Você quer ir embora comigo? ― ela questionou a primeira coisa que veio em sua mente, porque imaginava que continuar vivendo em Venia agora estava completamente fora de cogitação.
― Eu quero, contanto que seja com você. ― segurou a mão de que acariciava seu ombro, entrelaçando seus dedos uns nos outros e observando a cena como se fosse a mais pura obra de arte que já pudera ver em toda a sua vida. ― Eu não me sinto com tanto medo do mundo quando sei que você vai estar ao meu lado.
― E qualquer lugar do mundo vai me fazer feliz, , contanto que você esteja ao meu lado. Porque é você quem faz a minha felicidade. Estou feliz até aqui, agora. ― admitiu o que havia ficado preso na sua garganta desde quartoze anos atrás, deixando um sorriso aparecer em seu rosto ao finalmente livrar-se daquele peso.
― Eu também estou, . ― ele respondeu a exata mesma frase que havia respondido quando eram adolescentes. Mas como a menina, não podia deixar de acrescentar algo que sempre quis dizer. ― Estou feliz porque eu amo você, e porque nós nunca mais vamos nos separar outra vez, não importa o que aconteça.


Fim.



Nota da autora: Olá meninas, como estamos, tudo certo?!
Estamos aqui com mais um ficstape no FFOBS, provavelmente o mais difícil de fazer até hoje pra mim por causa da temática delicada, mas ao mesmo tempo um dos que mais fluiu, porque essa é a minha música favorita não só do álbum, mas da discografia toda do Taemin, então realmente me esforcei pra fazer algo legal e honrar o hino. SUAHSUAHSA Eu escrevi beeem aos poucos que foi pra ter tempo pra respirar e juntar coragem pra última cena.
Na verdade, depois de terminar, eu percebi que eu estava “overreacting” com a minha própria história porque ela não é nem um pouco no nível de uma restrita e nada pesada, então deixei a fic como 16+. Isso só me fez perceber mais como eu NÃO NASCI PRA ISSO, porque uma cena dessas que vocês provavelmente vão me matar porque não é restrita, pra mim foi a própria guilhotina, sério! Sofri demais USHAUSHAUHSUAH
Enfim, de qualquer forma quero agradecer cada um que leu até aqui. Como eu disse, essa fic foi um experimento e por isso, sua opinião, dica, crítica construtiva ou elogio é ainda mais importante e vai me deixar muito muito feliz se você me dizer nos comentários o que achou, porque eu realmente me esforcei pra fazer algo legal! Um beijo enorme ♥





Outras Fanfics:
❥ LONGS ❥
»Trespass [K-POP ― Em Andamento ― MONSTA X]
»Kratos [K-POP ― Em Andamento ― VIXX]
»(No) F.U.N [K-POP ― Em Andamento ― SEVENTEEN]

❥ SHORTFICS ❥
»01. Into You [Ficstape #114: YOU & ME ― K.A.R.D.]
»01. Intro. New World [Ficstape #120: TEEN, AGE ― SEVENTEEN]
03. Love Me Right [Ficstape #123: Countdown ― EXO]
»04. Ride [Ficstape #119: White Night ― Taeyang]
»05. 다이아몬드 Diamond [Ficstape #111: THE WAR ― EXO]
»06. Lilili Yabbay [Ficstape #120: TEEN, AGE ― SEVENTEEN]
10. Cosmic Railway [Ficstape #123: Countdown ― EXO]
»11. Hello [Ficstape #120: TEEN, AGE ― SEVENTEEN]
»11. Hug [Ficstape #108: REPLAY ― Super Junior]
»13. Outro. Incompletion [Ficstape #120: TEEN, AGE ― SEVENTEEN]
»Incomparável [Especial Dia dos Namorados 2018 ― K-POP ― SEVENTEEN]
»MV: A [Music Video ― K-POP ― GOT7]
»MV: Callin [Music Video ― K-POP ― A.C.E]
»MV: Don’t Wanna Cry [Music Video ― K-POP ― SEVENTEEN]
»MV: Excuse Me [Music Video ― K-POP ― AOA]
»MV: Gashina [Music Video ― K-POP ― SunMi]
»MV: Hyde [Music Video ― K-POP ― VIXX]
»MV: Please Don’t… [Music Video ― K-POP ― K.Will]
»MV: Trauma [Music Video ― K-POP ― SEVENTEEN]
»MV: Heroine [Music Video ― K-POP ― SunMi]
»MV: Mysterious [Music Video ― K-POP ― Hello Venus]
»MV: Shangri La [Music Video ― K-POP ― VIXX]
»MV: Very Nice [Music Video ― K-POP ― SEVENTEEN]

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


comments powered by Disqus