Capítulo Único
As gotas de chuva embaçavam as janelas do Impala 67 preto naquela noite. A iluminação fraca no beco onde estava estacionado disfarçava as marcas de mãos e pés nos vidros, embora o balanço do carro denunciasse o que acontecia lá dentro. Em alguns momentos, a respiração quente e arfante de formava nuvens de vapor que só colaboravam para tornar o interior do veículo ainda mais abafado. Se alguém conseguisse enxergar a cena com clareza, poderia até pensar que estava se divertindo sozinha, mas a verdade era que Dean estava lá, ocupado demais entre as pernas da mulher para se fazer visível.
As unhas da mulher, que já tinham marcado os vidros e o couro dos bancos, agora deixavam um rastro avermelhado pelos ombros e braços do Winchester mais velho, quando não estavam embrenhadas nos fios curtos de cabelo do rapaz. A boca dele, brilhante e molhada, reproduzia no corpo da mulher os desenhos que criava em suas costas, subindo em direção aos lábios dela e se demorando particularmente nos ombros, clavícula e pescoço da namorada.
Tentando não romper o beijo desajeitado, Dean puxou pela cintura, colocando-a deitada por completo no banco traseiro. A moça, ágil, enfiou as mãos na calça desabotoada do namorado, e com um pouco de esforço, tirou do caminho as últimas peças de roupa entre os dois. Agora podiam sentir por completo o contato das peles e o calor dos corpos. Apressados, suspirou pesadamente ao envolver a cintura de Dean com as pernas e aumentar a fricção quase alucinante sob seu ventre. O rapaz soltou um rosnado baixo, tentando disfarçar o gemido de satisfação quando se colocou dentro da mulher e começou a se movimentar. Nem mesmo a luz baixa da rua era capaz de ocultar o passatempo do casal.
Alguns minutos, entretanto, foram todo o tempo que eles tiveram para aproveitar. Qualquer um na situação de Dean teria os ouvidos aguçados e viveria num constante estado de alerta. não podia culpá-lo, mas não escondeu a frustração quando o namorado ouviu o som de um carro passando na rua perpendicular à que eles estavam e interrompeu o ato, assustado.
— Dean, pelo amor de Deus, se fosse a polícia, nós teríamos ouvido as sirenes faz tempo.
— Não é com a polícia que eu me preocupo...
— Como assim?
perguntou, confusa, e Dean percebeu que havia falado mais do que devia.
— Ah, ... é tarde, e nós estamos transando no carro no meio de um beco escuro. Nunca se sabe quem pode aparecer e o que pode acontecer.
A mulher revirou os olhos, mas no fundo concordava com o namorado.
— Quer saber? Vamos embora daqui. Eu preciso acordar cedo amanhã, e você já me negou um orgasmo, mesmo.
Dean deu uma última analisada através do vidro e acenou afirmativamente para , que já estava se vestindo. Sentiu um aperto no coração ao vê-la ali, completamente exposta e alheia aos riscos que o rapaz trazia. Em algum momento ele precisaria contar que a polícia era o menor dos seus problemas, ao contrário do que ela pensava.
Com a roupa meio mal colocada, dirigiu até o prédio onde morava. Durante todo o trajeto, sentiu a namorada inquieta, como se ponderasse se devia ou não dizer o que estava pensando. Quando estacionaram, ela decidiu que devia.
— Dean, olha, eu sei que você não vai gostar de ouvir isso, mas não acha que está na hora de falar com Sam?
O Winchester apertou as mãos em torno do volante ao ponto de os dedos ficarem brancos. Sabia que não fazia por mal, mas era inevitável se irritar ao ouvir o nome do irmão.
— Eu já disse que não quero meus irmãos envolvidos nisso, , principalmente o Sam.
A mulher suspirou, começando a se irritar, também.
— Você não pode mais viver como um criminoso por conta de uma dívida hospitalar, Dean! Sam é advogado, tem dinheiro, e já ofereceu ajuda incontáveis vezes. Adam também. Qual o problema em aceitar?
— O problema é que não é da conta deles.
fechou os olhos e respirou fundo. Algum dos dois tinha que ser o adulto da relação, e se Dean se recusava, ela seria.
— Tudo bem, vamos deixar esse assunto de lado. Obrigada pelo dia incrível. Eu amei cada minuto, exceto os últimos dez.
O rapaz deu uma risada fraca, sem muito humor. apoiou a mão no rosto do namorado e puxou-o para um beijo delicado de despedida.
— Vejo você amanhã.
Desceu do carro, fechando a porta com cuidado. Dean esperou até que ela estivesse dentro do prédio para dar a partida no carro, mas foi surpreendido por uma batida no vidro quando ia girar a chave no contato. Olhou para fora e sentiu as extremidades amortecidas. Aquele era o último lugar onde gostaria de encontrar a dupla.
— Acho que você esqueceu de pegar um guarda-chuva, Mike. Não tem feito um tempo muito bom, por esses dias — Dean abriu uma pequena fresta na janela, tentando manter a maior distância possível de Michael, mas o guarda-costas era irredutível.
— Ele quer falar com você — indicou o jipe preto do outro lado da rua e o Winchester entendeu que aquele não era bem um convite.
— Quanta educação... — resmungou baixo, descendo do carro. Michael respondeu com um grunhido, estalando todos os dedos das mãos. — Calma, calma, é brincadeira. Tá precisando de um diazinho em um spa, hein?
— Meu passatempo é cuidar de devedores arrogantes.
Dean engoliu em seco. Decidindo deixar Michael de lado, apressou o passo em direção ao carro, e foi recebido pelos cumprimentos dramáticos de Chuck, que abriu a porta com força.
— Olá, Dean! Há quanto tempo não nos vemos — o homem baixinho sorriu, simpático, encarando o rapaz. — Venha. Entre, não seja tímido. Como tem passado?
Empurrado para dentro do carro, o Winchester se sentou de frente para Chuck, espremido entre Michael e outro cara que poderia ter interpretado um trasgo nos filmes do Harry Potter. Dean teria achado graça se não estivesse correndo um risco real de ser espancado até a morte.
— Ele te fez uma pergunta! — Michael deu um empurrão em Dean com o ombro.
— Eu, ahn, bem... estou bem. E você, Chuck?
Sorriu com falsidade, e Chuck riu, satisfeito.
— Imagino que esteja bem, mesmo. Era a sua garota no carro? — Perguntou, parecendo curioso e orgulhoso ao mesmo tempo. Dean travou o maxilar, nervoso. — Você nunca me disse que tinha uma garota, Dean. Estou magoado, pensei que nós éramos amigos.
Chuck ficou alguns segundos em silêncio, como se esperasse uma reação do rapaz, que não veio.
— Ok, vamos direto ao ponto— o agiota se ajeitou, brincando com o grande anel dourado que usava na mão direita, onde se lia “AA”. — A Aliança está perdendo bons e fiéis apostadores por culpa do seu péssimo desempenho nas últimas corridas, e isso representa uma grana alta na sua conta. Acredito que você se lembre da oferta generosa que eu te fiz, certo?
Arqueou as sobrancelhas, inquisidor. Dean limpou a garganta.
— Eu corro em nome da Apocalipse Alliance, e todo o lucro das apostas feitas em mim vão para abater a dívida que eu tenho com você.
— Isso, bom garoto! Agora, se você não faz a sua parte, eu não consigo fazer a minha. E foi pensando nisso que eu resolvi te fazer uma proposta, Dean. Uma única corrida, contra Dick, meu corredor principal. Se você ganhar, sua dívida está perdoada, mas se perder, — apontou para o prédio, sorrindo com malícia — bom, acredito que existam outras formas de pagar o que me deve.
— Mas é um bandido, mesmo...
Dean estava encostado na lateral do carro em que Bobby mexia. Havia contado sobre a noite anterior e já esperava esse tipo de reação do mecânico.
— É lógico que ele é um bandido, Bobby. É um agiota que gerencia uma aliança de corridas de carro ilegais.
— Ele sabe que a lata velha em que você corre não é suficiente para ganhar do Eclipse daquele engomadinho mimado do Dick.
— Foi você que construiu a lata velha, seu velho maluco.
— E é por isso mesmo que eu estou dizendo que o carro é uma porcaria — Bobby entrou na casa e aceitou uma cerveja trazida por Castiel. Dean aceitou a outra. — Escuta, Dean, aquela coisa foi montada a partir de peças de carros abandonados aqui no ferro velho, não é um carro de corrida. Mal da para chamar aquilo de carro.
— Seria melhor se você tunasse e corresse com o Impala.
Castiel recebeu olhares de desaprovação dos dois homens, e levantou as mãos em rendição.
— Você já contou para a ?
— Ainda não é a hora certa.
Bobby colocou a garrafa de cerveja na mesa, com força. Esse era sempre um assunto delicado entre eles.
— Você não entende que quanto menos ela sabe, mais risco ela corre? Você acha que está protegendo a garota, mas na verdade só está tentando se proteger. Ela não é o Sam, Dean.
— E é exatamente esse o problema. Sam é um babaca que não pensa em mais ninguém além dele mesmo. merece mais do que isso... do que eu.
Revirando os olhos, Bobby voltou para o carro que precisava ser consertado.
— DEIXE O CARRO AQUI. VOU VER O QUE EU CONSIGO FAZER — gritou para Dean, encerrando a conversa.
Castiel se aproximou do amigo e, meio sem jeito, colocou uma mão no ombro do Winchester mais velho.
— Você pensa muito pouco de si mesmo, Dean. é uma mulher forte, corajosa e que te ama. Não abra mão disso tão facilmente.
Com dois tapinhas, se afastou, voltando para o balcão onde o telefone da oficina tocava. Dean nunca entendeu exatamente quando o melhor amigo havia começado a trabalhar com o seu padrinho, mas achava incrivelmente prático encontrar os dois no mesmo lugar quando precisava. Deixou as chaves do carro de corrida em cima da mesa, saindo da casa. Havia recebido uma mensagem de pedindo que ele fosse até o apartamento dela quando saísse da oficina, e foi o que ele fez.
O rapaz estacionou o Impala na frente do prédio de três andares e estranhou o Porsche parado ali. Aquela não era uma região nobre da cidade, e nos quatro anos de relacionamento, nunca tinha visto algo parecido naquele bairro. Subiu as escadas até o segundo andar e encontrou a porta do apartamento 24 destrancada. Sentindo o arrepio frio percorrendo-lhe a espinha, girou a maçaneta, imaginando o que poderia ter acontecido com a namorada.
Passou pela sala vazia e procurou nos quartos, mas não encontrava em lugar nenhum. A bolsa da mulher estava no aparador perto da porta, onde ela sempre deixava, e o celular estava no carregador, na mesa de cabeceira ao lado da cama. Quando a preocupação tomou conta de si e Dean sentiu a respiração começar a falhar, ouviu um burburinho na cozinha, e um chiado de vapor da chaleira. Seguiu com passos apressados até o cômodo, se surpreendendo com o que encontrou.
— Que palhaçada é essa? — Esbravejou, terminando de abrir a porta com raiva.
— Dean! — deu um pulo, assustada, e quase derrubou a água quente no próprio corpo. A xícara de vidro que caiu de sua mão foi agilmente recuperada pelo homem alto sentado à mesa, de costas para Dean (não que Dean precisasse ver o rosto para saber de quem se tratava: os cabelos longos e sedosos com cor de avelã eram o suficiente).
— Olá, Dean.
Sam se levantou, alinhando o terno claro que vestia. A pasta de couro sintético escuro, combinando com os sapatos e a pulseira do relógio, estava aberta na cadeira ao lado, e a mesa só não tinha papeis espalhados no pequeno espaço reservado para o chá e os biscoitos.
— O que você está fazendo aqui?
— Continua muito educado — Sam suspirou, olhando para Dean como se o irmão fosse um caso perdido. — me chamou aqui. Está preocupada com você e me pediu a ajuda que você recusou, anos atrás.
— Ah, que ótimo. O filho pródigo veio nos salvar. Agradecemos a sua vinda, doutor. Pode passar no balcão e pegar o cheque dos honorários com a secretária — Dean sorriu irônico para o irmão antes de se dirigir à namorada. — Nós precisamos conversar.
— Precisamos, sim — cruzou os braços, brava, e parou na frente do mais velho dos irmãos, impedindo que ele saísse da cozinha. — Você tem sido um irresponsável arrogante que se recusa a pedir ajuda, quando claramente precisa. Eu cansei disso, e chamei o Sam para nos orientar no processo contra o hospital, então você faça o favor de se sentar e ouvir, ou pode sair por aquela porta e nunca mais pisar aqui de novo.
Dean estava encurralado. Detestava ficar nessa posição, e nunca imaginou que seria a colocá-lo ali, algum dia. Fez uma nota mental para se lembrar de convidar esse lado mandão da mulher para a cama, e ocupou a cadeira do outro lado da mesa, de frente para o Winchester engomadinho.
— Não sei de onde você tirou essa ideia de processar o hospital, , mas eu nã—
— A ideia foi minha, Dean — Sam encarrou o irmão, apontando para os papeis que analisava com a mulher antes de serem interrompidos. — Com as informações que me passou, vocês estão mais do que no direito de pedir as medidas judiciais.
— É, acontece que não estamos. Não estou! não tem nada a ver com essa história, e eu já falei para ela não se meter. O problema é meu, e eu vou resolver.
Ouviram os passos firmes da moça pelo apartamento, e a porta do quarto se fechando num estrondo. O mais velho dos homens suspirou pesadamente, passando as mãos pelo rosto, desconfortável com tudo aquilo.
— Dean, o que está acontecendo?
Ao contrário do que imaginava, Sam não soava condescendente. Parecia até mesmo preocupado com o irmão, como há muito tempo não demonstrava estar.
— Ela não sabe de muita coisa, Sammy — respondeu, a voz ainda abafada pelas mãos. — Preciso que você diga a ela que não é possível processar o hospital, e que nós estamos de mãos atadas.
Percebendo que aquela era uma conversa para o “Sam irmão” e não para o “Sam advogado”, o mais novo guardou os papéis de volta na pasta, e pegou duas cervejas na geladeira. Tinha a pretensão de fazer as pazes com Dean, e achou que aquele seria um bom jeito de começar.
— O que você está escondendo, Dean? Me deixa te ajudar.
Depois de pensar um pouco, Dean decidiu abrir o jogo. Manter longe dessa história era mais importante do que continuar guardando rancor de Sam.
— Não tem nenhuma conta de hospital para pagar. Não tem polícia nem processo judicial atrás de mim por ser um devedor.
— Mas, então, por que ela acha qu—
— Quando o pai ficou doente, a grana que eu ganhava não era suficiente para bancar as despesas.
— Eu ofereci a minha casa e o meu plano de saúde mais de uma vez, Dean. Existem médicos excelentes na Califórnia que podiam ter dado uma segunda opinião sobre o caso.
— Ele estava esquizofrênico, Sam! Estava alucinando coisas como a mãe sendo queimada no teto do seu quarto, e você queria tirar ele da casa onde ele morou a vida inteira. O único lugar que ele reconhecia, mesmo que nas memórias distorcidas dele.
Sam abaixou os olhos e engoliu em seco. Por melhores que fossem suas intenções, não podia negar que o irmão estava certo. Dean recuperou o fôlego, e prosseguiu.
— As contas já estavam maiores do que eu podia segurar. Adam até chegou a passar um tempo morando com a gente. Trabalhou com o Bobby na oficina e pagou alguns exames, mas quando o pai começou a não reconhecer mais o garoto, ficou perigoso ter ele por perto. Eu precisei me virar como deu, e emprestei um dinheiro para pagar o hospital.
— Dean, não... não me diga que você...
— Eu peguei dinheiro com um agiota, sim. Nenhum banco queria me liberar a droga do crédito, e eu estava desesperado. Você não tem ideia de como era estar com ele aqui, ver cada crise, cada delírio, cada surto dele reforçando a mesma história maluca que ele inventou sobre a mãe e acreditava que era verdade.
— Eu podia ter vindo ajudar.
— Você fugiu para Stanford quando a mãe morreu, Sam. Como eu ia contar com você?
O advogado fechou os olhos, ferido com o que ouviu. Mais uma vez, não podia acusar o irmão: tudo o que Dean havia dito era verdade, e Sam se cobrava todos os dias, arrependido pelas decisões que tomou no passado. Hoje sabia que estar perto da família teria facilitado o processo de cura do luto, diferente do que ele imaginava na época.
— Então é desse agiota que você vive se escondendo? — Dean concordou com a cabeça. — E como você pretende pagar esse cara?
— Você já ouviu falar das Alianças, não é? As equipes do submundo da “Fórmula 1” ilegal — Sam assentiu, em silêncio, dando espaço para Dean continuar. — Ele coordena a Apocalipse, uma das maiores da região. Me viu disputando um racha com uns caras na rua, uma vez, e me convidou para correr em nome da Aliança como pagamento. Todo o lucro que ele tira em cima de mim, todas as apostas feitas no meu nome, vão para pagar a dívida.
Foi a vez de Sam passar as mãos pelo rosto, inquieto. A luz refletida na grande aliança dourada no anelar esquerdo pesou no coração de Dean: quantas coisas haviam perdido da vida um do outro?
— Que droga, Dean! Não tem nada que eu possa fazer sem gerar algum tipo de exposição e retaliação para você.
— Sei que não tem. Eu estou resolvendo a situação.
— Como? Como você pretende pagar uma dívida dessas, Dean? A oficina não paga tão bem assim.
— Correndo! Ele me fez uma proposta, e eu aceitei. Se ganhar do cachorrinho dele, minha dívida está zerada.
— Dean... — Sam balançou a cabeça de um lado para o outro, apertando os olhos com as mãos. — Você sabe que isso é uma cilada, não sabe? O que acontece se você perder?
Dean se levantou, chegando ao limite da paciência.
— Eu não sou idiota, Samuel. E desde quando você começou a falar como o Bobby? Você não é meu pai.
— Bobby também não é.
— Mas ele está aqui! — Gritou, desferindo um soco forte na mesa. — Ele sempre esteve aqui.
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O jantar elaborado enfeitava a mesa onde as duas famílias se reuniam. As luzes da cidade abrilhantavam o horizonte, visível através da grande parede de vidro da cobertura elegante e luxuosa. Para olhos leigos, aquela poderia ser somente uma reunião de amigos, um happy hour qualquer, porém o buraco era um pouco mais embaixo.
— Obrigado, Ruby. Pode se retirar, agora, essa é uma conversa particular.
— Sim, senhor — a moça de cabelos loiros longos fez uma curta reverência ao patrão e se retirou com as outras criadas.
— Excelente serviço você tem aqui, Nicholas. É raro encontrar trabalhadores competentes nesse país.
— Eu não podia oferecer nada menos do que o melhor para você, Rowena, minha querida.
A ruiva sorriu, charmosa, encarando o homem sentado na ponta da mesa. O homem baixinho e atarracado sentado ao seu lado, incomodado, limpou a garganta, e os outros dois voltaram a atenção para ele.
— Realmente, Nick, o jantar está muito bem servido, mas acredito que não tenha sido para isso que nós fomos convidados aqui, hoje.
— Ora, Fergus, não seja rude. Nicholas foi extremamente gentil de nos convidar.
— Você devia ouvir a sua mãe, Crowley. Uma pessoa que chega na idade dela com essa aparência deve saber uma coisa ou outra sobre a vida para ensinar — Nick piscou, galante, para a senhora. O garoto sentado ao seu lado, com os cabelos loiros no mesmo tom dos seus, não se deu o trabalho de desviar os olhos do console portátil onde jogava para soltar um suspiro audível, impaciente como os flertes infundados do pai. — Mas você está certo, Fergus. Eu tenho um assunto importante para discutir com você. Um assunto que pode ser de interesse de toda a família MacLeod.
Servindo um pedaço moderado de carne para a mãe, Crowley encarou Nick, desconfiado. Serviu outro pedaço no próprio prato, observando o anfitrião, então levou outro pedaço menor à boca, mastigou com calma e tomou um gole de vinho. Nick permanecia tranquilo, ou, ao menos, se esforçava para parecer tranquilo. Crowley imaginava que o assunto devia ser delicado, visto que a paciência do loiro não costumava ser muito extensa. Limpou os cantos da boca com o guardanapo de algodão puro, e indicou que Nick prosseguisse.
— Como você sabe, Chuck não está sendo muito... profissional, ultimamente. A divisão dos lucros da Aliança não é justa, e muitos dos acionistas menores têm reclamado da obsessão de Chuck com aquele cara novo, o Winchester.
— Tenho ouvido algo a respeito, mas não dei importância. Você sabe como são esses pobres coitados, acham que vão enriquecer comprando migalhas de ações de uma Aliança, e se desesperam quando não veem o lucro.
Crowley colocou mais um pedaço de carne na boca, notando que Nick não havia tocado na própria comida. Começou a repassar na mente tudo o que poderia ter feito para desagradar o mafioso, imaginando se ele e a mãe corriam algum risco de vida.
— Sim, são uns pobres coitados. Mas se, com menos de 1% das ações eles conseguem perceber que a divisão está comprometida, imagino que, com 15% dos títulos em seu nome, você tenha sentido o peso no bolso, também — Crowley parou de mastigar, e colocou os talheres calmamente de volta no prato. Nick se inclinou na mesa, o olhar furioso, encarando o político escocês. — Agora faça as contas e pense no prejuízo que eu tenho tido, com 25% das ações da Apocalipse.
Então era isso. Nick finalmente havia se cansado de Chuck. Crowley trocou olhares pensativos com Rowena, que encarnava a personagem da “perua avoada”, soava inofensiva e ingênua, mas era a grande estrategista da família, e encabeçava todos os esquemas sujos de Crowley na política desde antes do início da carreira. A ruiva desviou o olhar para o prato, abaixando a cabeça num movimento ensaiado.
— Ainda não entendo qual seria, exatamente, o motivo para essa reunião, Nick. Se você está insinuando que eu estou aliado àquele agiota de quinta, saiba que essa é uma inverdade sobre a minha pesso—
Crowley se calou com o chute não muito delicado que Rowena lhe deu por baixo da mesa. Não foi o mais discreto dos movimentos; o garoto, mesmo entretido em seu videogame, fez questão de revirar os olhos. Por pouco não os chamou de patéticos em alto e bom som.
— Não, Crowley, eu conheço a sua espécie. Vocês não se aliariam com o lado mais fraco da corda, e o mais forte, claramente, sou eu. Não é, Rowena?
A mulher encarou Nick com o canto dos olhos, não ousando olhar diretamente para o anfitrião. O mafioso se encostou na cadeira, relaxou, e tomou o primeiro gole de vinho. Soltou uma risadinha debochada, sua marca registrada. O maldito era um sádico.
— Não, eu não me aliaria a ele — Crowley se ajeitou no lugar, tentando recuperar a compostura. — Mas o que você espera de mim, então? Eu não posso me envolver muito, preciso preservar meu nome. É ele que garante algumas regalias governamentais para a Aliança, você sabe.
— Eu já tomei as minhas providências, MacLeod, não se preocupe. O que eu quero realmente saber é se posso contar com você ou não.
O rosto de Nick se escondeu nas sombras do ambiente à meia luz. A luz da torre de comunicações próxima ao prédio refletia em seus olhos, que assumiram um tom avermelhado que ficaria gravado na memória de Crowley. Rowena levantou a cabeça, majestosa, mantendo o olhar fixo na paisagem à frente. Crowley assistiu à decisão da mãe, e reportou a Nick.
— Sim, pode contar comigo.
— Ótimo! Agora podemos ir aos detalhes...
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sorriu ao sentir os braços fortes de Dean envolvendo-a por trás. Mantinha os cotovelos apoiados no parapeito da janela, segurando a xícara quente de chá. O suéter de lã cinza grossa e a pele morena contrastavam com a palidez desnuda do rapaz. Soltou um suspiro de satisfação quando os lábios carnudos do namorado encontraram a pele descoberta do seu ombro, fazendo o caminho até perto da orelha. As pernas em contato direto, sem nenhum tecido interferindo, ainda estavam quentes pela noite passada embaixo do edredom pesado. Aproveitavam o facho de luz do sol que escapava por uma fresta entre as nuvens, dando os primeiros sinais de que o inverno ia chegando ao fim.
Depois da briga na tarde anterior, quando Sam se despediu e deixou o casal a sós, Dean não viu alternativa senão abrir o jogo com a namorada. Diferente do que imaginava, ela não quis começar uma briga ainda maior, não quis colocar Dean para fora do apartamento nem fez nada do que uma pessoa normal teria feito, afinal, não era uma pessoa normal. Não podia ser se quisesse estar com Dean-mental-e-emocionalmente-ferrado-Winchester. Ao entender a gravidade da situação, a mulher abraçou o namorado, e sussurrou: “a gente vai sair dessa”.
Entendia a devoção de Dean pelo pai, e acompanhou quase todo o período entre a morte de Mary, o adoecimento de John e a fatídica noite em que ele se entregou o “demônio do olho amarelo”, o causador da morte da esposa, segundo a história fantasiosa que a mente perturbada criou para lidar com o luto; o pesadelo que assombrava o homem em todas as crises. Não se surpreendeu ao descobrir que Dean havia cruzado todos os limites para tentar salvar o pai.
colocou a xícara onde antes estava apoiada, e girou nos calcanhares, virando de frente para o rapaz. Passou os braços pelo pescoço dele, e se permitiu admirar, por alguns minutos, os olhos verdes cristalinos, brilhantes e iluminados com a luz suave do sol. Sorriu e esperou uma resposta que não veio.
— Uma moeda por seus pensamentos.
— Eu estou valendo tão pouco assim?
riu.
— Você, não — analisou o rapaz de cima a baixo, fazendo uma careta engraçada de aprovação. — Agora, essa sua cabeça de vento...
— Uau, onde assina para pedir demissão do cargo de seu namorado, mesmo?
— O cargo é vitalício, lamento. Demissão apenas por justa causa.
— Se, depois de tudo o que aconteceu ontem, eu não fui dispensado, então, acho que vou ter que aguentar você para o resto da vida.
— Dean, nós já conversamos sobre aquilo — respondeu, calma, levando uma das mãos ao rosto do namorado e acariciando, sentindo os dedos passando por cima da barba curta.
Dean desviou o olhar, e com uma delicadeza pouco comum, tirou os braços da mulher de si e puxou-a para sentar-se com ele à beirada da cama. Envolveu as mãos dela nas dele, mas não conseguiu manter contato visual.
— Como está a sua tia, ?
— A minha... ?
— Acho que seria bom fazer uma visita a ela, sabe, ficar alguns dias. Não é bom uma senhora daquela idade ficar sozinha por tanto tempo.
— Dean, você... — se remexeu no colchão, ficando de frente para o Winchester — você está sugerindo que eu saia do país?
O rapaz respirou fundo, medindo bem as próximas palavras. Queria que entendesse o risco que estava correndo, mas se ela soubesse o risco que ele corria, jamais sairia do seu lado.
— Confia em mim, , por favor. Eu já te falei tudo o que você precisava sobre o que está acontecendo, agora eu preciso que você confie em mim.
A angústia no olhar de Dean era algo que a mulher só havia visto na sala de espera do hospital, enquanto eles aguardavam o médico declarar o diagnóstico de John. Sabia que Dean não conseguiria se concentrar no que quer que fosse enquanto precisasse pensar na segurança dela, então, com cuidado, passou a mão pelos cabelos curtos do rapaz, repousando na nuca, onde começou um carinho suave.
— Tudo bem, meu amor. Eu confio em você — puxou o namorado para depositar um beijo na lateral de seu rosto. — Agora, me ajuda a fazer as malas? Elas estão guardadas em cima do armário, eu não alcanço.
Dean sorriu, aliviado, a gratidão estampada em seu semblante.
— O que seria de você sem mim?
— Provavelmente uma pessoa alguns pontos mais inteligente na escala WAIS.
— Eu desisto de você, — o rapaz se levantou, balançando a cabeça para os lados, em negação, e riu, acompanhado da moça que usava somente o seu suéter cinza e meias brancas, esparramada na cama. Observou aquela cena, registrando o máximo de detalhes que podia. Se existia algum Deus no céu, Dean pedia que ele lhe permitisse viver aquilo todas as manhãs.
— Dean, vem logo.
Castiel apressou o amigo, que terminava de estacionar na oficina. Estava voltando do aeroporto da cidade de Kansas, de onde pegaria o avião para Toronto, onde a tia morava, quando recebeu a ligação afobada do amigo.
— Calma, Castiel. Se eu for mais rápido, começo a voar. Tenho cara de quem tem asa?
O moço de olhos azuis vibrantes riu. Estava estranhamente empolgado, mas Dean podia estar enganado: muitas vezes, Castiel só era estranho, mesmo. Foram até os fundos do terreno, onde Bobby os esperava ao lado de um carro coberto com uma lona desbotada. Segurava uma garrafa de cerveja, e parecia otimista.
— Que diabo vocês aprontaram? — o rapaz perguntou, desconfiado.
— Conheça seu novo carro de corrida, idiota — Bobby respondeu, enquanto Castiel levantava a lona e revelava um Subaru WRX preto, reluzente.
Droga, Sam!
— Como vocês conseguiram isso?
Bobby deu de ombros, e tomou um gole da cerveja.
— Um cara engraçado o deixou aqui hoje, mais cedo. Disse que queria uma manutenção geral, e que vinha buscá-lo só na semana que vem. Se não fosse o vício dele em chocolate e pirulitos, eu diria que foi um milagre do Senhor. Até nome de arcanjo ele tinha. Santo Gabriel!
Castiel riu, jogando as mãos ao alto, extasiado.
Dean franziu o rosto. Não conhecia ninguém com aquela descrição, nem se lembrava de algum amigo antigo de Sam que pudesse se encaixar. Rodeou o carro algumas vezes, enquanto Bobby cantava as especificações da máquina.
— Se eu entendo alguma coisa sobre carros, essa belezinha aí te coloca lado a lado com a cadelinha do Chuck.
— E se eu entendo alguma coisa sobre corredores, com carros equivalentes, dependendo só de habilidade, você ganha do Dick, Dean — Castiel completou o raciocínio do mecânico.
Dean não entendia muito de carros modernos, sua paixão eram os antigos, mas confiava na avaliação de Bobby (na de Castiel, nem tanto).
Sentou-se ao lado do mecânico, pegando uma cerveja na geladeira, no caminho. Algo ainda lhe parecia muito estranho.
— Garoto?
— Huh?
— Esse carro precisa estar inteiro na próxima quarta-feira, o que significa que a corrida precisa ser, pelo menos, dois dias antes disso.
Sem responder, o rapaz sacou o celular do bolso, apertou algumas teclas e acionou o viva-voz. Alguns toques depois, e uma voz animada atendeu do outro lado.
— Dean! Que surpresa boa. O que conta de novo? Como vai a garota?
— Corta a conversa fiada, Chuck. Quero falar da corrida.
— O tato dos Winchester... Tenho um colega advogado que enfrentou o Sam, seu irmão mais alto, mais bonito, mais bem sucedido, com um casamento feliz com uma mulher gostosa, filhos e uma casa bonita na Califórnia. Ouvi falar que é tão gentil quanto você. Deve ter sido a educação exemplar que o louco do seu pai deu a vocês — Chuck suspirou, dramático. — Enfim, o que você queria falar sobre a corrida?
Dean apertou o celular, se concentrando em não mandar Chuck para o inferno. Os nós dos dedos estavam brancos e os dentes, trincados.
— Você não me disse quando vai ser.
— Ah, sim. Como eu fui esquecer? Erro meu, o que é raro, modéstia à parte — Dean, Castiel e Bobby reviraram os olhos ao mesmo tempo. — Você tem três dias para se preparar.
O trio trocou alguns olhares rapidamente e Bobby assentiu.
— E quais as condições do acordo?
— Como você é desconfiado, Dean! Você tem que ganhar, é isso. E, olha só, como eu estou generoso, hoje, vou até te deixar escolher a pista. Nós podemos liberar o Heartland Park Topeka ou mesmo o Kansas Speedway, você escolh—
— Eu quero correr na rua. Da Universidade de Kansas, contornando o Jayhawk Club e de volta ao Brook Creek Park.
Chuck ficou mudo. Por um instante, Dean imaginou que tivesse estragado tudo, mas logo ouviu a voz irritante do agiota, novamente.
— Domingo, às 2h, então. Vou mandar preparar o trajeto. Até lá, Dean.
Ouviram o clique da ligação se encerrando.
Era isso. Três dias separavam Dean da chance de se livrar daquele inferno.
Domingo, 00h45 e as apostas estavam para se encerrar.
Era tradicional no submundo das corridas ilegais que os espectadores fizessem suas apostas até uma hora antes da corrida: divulgar o valor acumulado antes de dar a largada era parte da emoção. A diferença, naquela noite, era que havia apenas dois competidores, e os nervos estavam à flor da pele.
— Tenso, Chuck?
O agiota deu um guincho assustado. Estava concentrado nos últimos ajustes que Dick fazia no Eclipse vermelho que ele dirigia, e não reparou quando Nick se aproximou com Crowley, Rowena e dois garotos que ele não conhecia.
— Eu? Não! Por que estaria?
— O Winchester tem uma dívida alta em jogo. Você não tem nenhum medo de que ele ganhe?
— Nick, você assistiu às últimas corridas dele? O governo devia cassar a carteira de motorista dele. Ouviu, Crowley?
— Ah, sim, claro. Providencie isso, Kevin — o escocês respondeu sem ânimo, num tom que indicava que nada daquilo seria feito.
Chuck finalmente olhou para o grupo, intrigado. Mandou que Michael fosse conferir como Dick estava, e se dirigiu a Crowley mais uma vez.
— Fergus, eu imagino que você se lembre que essa é uma área reservada, certo? — Perguntou indicado a pequena estrutura privativa montada para abrigar o alto escalão da Aliança. — Eu nunca ouvi falar em nenhum Kevin. Quem é Kevin, Crowley?
Se forçando a não revirar os olhos, sem um pingo de paciência, Crowley indicou o garoto sino-americano com um aceno de cabeça.
— Kevin Tran. É um intrometido de QI elevado e mãe impertinente que tentou invadir um sistema secreto do governo e, de alguma forma, veio parar na minha equipe de corredores — encarou Rowena, acusador, e recebeu um sorriso inocente em retorno.
— Certo... — Chuck analisou o garoto, sem muita fé na história do político. Apontou, então, para o outro garoto. — E aquele ali, quem é?
— Aquele é J—
— Aquele ali está comigo — Nick interrompeu, assumindo a conversa novamente. — Mas acho que você não vai se interessar por dois garotos recém desfraldados quando eu tenho uma proposta muito mais interessante para você, não é, Chuck?
O rosto do agiota se iluminou com a insinuação de Nick. Chuck podia comandar uma das maiores alianças de corridas ilegais do Kansas, mas era, acima de tudo, apaixonado pela adrenalina do jogo.
— Que proposta é essa?
— Uma aposta interna. Só entre eu e você — o mafioso sorria sutilmente, como uma cobra que espreita um belo coelho na mata. — Eu fiquei com pena do rapaz, então resolvi dar um voto de confiança a Dean. Estou apostando nele, mas se ele perder, toda a grana que eu ganhei essa semana é sua.
— E se ele ganhar?
— Se ele ganhar, você me passa 5% das suas ações da Aliança — Chuck parecia ter sido pego de surpresa. Disfarçando o desconforto gerado pela proposta de Nick, ponderou, tentando ganhar tempo. — Ora, não é um risco muito alto, não é mesmo? Você mesmo disse que Dean tem ido mal nas provas. Eu tenho mais chances de sair no prejuízo, aqui, ganhei uma grana preta em apostas, essa semana. E então, o que me diz?
— O que te deu para estar tão generoso assim, Nick?
O mafioso deu de ombros.
— Acordei de bom humor, recebi algumas notícias boas, alguns rivais se ferraram... Qual é, Chuck? Você, melhor do que ninguém, deveria entender que um homem joga pelo prazer de jogar, não é mesmo?
— Hm, bom... Acho que você tem razão. De qualquer jeito, 5% não vão me fazer muita falta.
Chuck acenou para Michael, que carregava uma pasta com contratos de apostas pré-preparados. Usavam esses contratos para apostas mais significativas, como garantia de que ao final da corrida, nenhuma das partes terminaria com um tiro no meio da testa. Preencheram os termos e assinaram nas linhas pontilhadas.
Agora era só ganhar a corrida, mas Nick não parecia ter muito com o que se preocupar. Sorriu discretamente quando Chuck arregalou os olhos, surpreso de ver Dean guiando um Subaru. Lá se ia a vantagem óbvia de Dick. Com um aceno rápido, o mafioso cumprimentou seu irmão mais novo, loiro como ele e o filho, que mordiscava uma barra de chocolate ao lado do telão onde a corrida seria exibida.
01h58
Dean apertou o cinto, respirando fundo. Olhou para o grupo amontoado na entrada da Universidade do Kansas e encontrou Castiel e Bobby. Por um instante, imaginou ter visto Sam ali, também, mas a luz vermelha que se acendeu à sua frente o fez mudar o foco.
— Ei, Winchester? — Dick gritou de dentro do outro carro, à esquerda do Subaru. — Já contou para a garota que agora ela tem outro dono?
Dick riu, a boca escancarada como uma fera sombria pronta para abocanhar um pedaço de carne.
01h59
Ignorou o babaca e tentou se concentrar em vencê-lo.
Agora pensava na namorada, refugiada em Toronto, correndo um risco que ele criou.
Viu a luz ficar amarela.
Pensou no pai, e na promessa que fez a ele de que cuidaria de Sam e construiria com uma família tão bonita quanto a deles, se assim ela quisesse.
Respirou fundo mais uma vez.
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...
02h00
A luz verde brilhou, e a garota de biquíni que tentava ascender na carreira de modelo acenou as bandeiras, dando a largada. Dean deixou que Dick tomasse a dianteira, focado na contagem mental que fazia. Sabia que os semáforos levavam 45 segundos para alternar as luzes, e usaria isso em seu benefício. Na verdade, por mais que os dois carros fossem potentes e equiparassem os corredores nesse aspecto, o Winchester tinha uma vantagem importantíssima sobre o adversário: Dick Roman podia ser excelente em corridas nos circuitos oficiais, disputados nos autódromos ilegalmente reservados para as Alianças, mas Dean se criou correndo nas ruas, e a habilidade com o volante não era suficiente ali.
Emparelhados, viraram a primeira esquina, à esquerda, onde Dean conseguiu uma certa vantagem. Estavam circulando a universidade, sem preocupação com sinais vermelhos, por enquanto. O trajeto total durava em torno de vinte minutos no trânsito normal, e o Winchester esperava concluir o circuito em dez ou menos.
Contornaram o Jayhawk Club, seguindo em direção à universidade novamente. De lá, seria basicamente uma única reta até o Brook Creek Park, e Dean ansiava por esse momento.
No canto da área reservada, os dois garotos lamentavam estar ali. O rapaz loiro mantinha os olhos no console que apitava a cada botão apertado, tentando aniquilar a maior quantidade de aliens que fosse possível sem perder vidas.
— Droga, jogo idiota! — Esbravejou quando não conseguiu desviar de um ataque a tempo.
— Calma aí, Mike TV, não adianta brigar com o jogo. Estatisticamente falando, é mais provável que a culpa seja sua, mesmo.
— Antes Mike TV do que Neo.
Kevin franziu as sobrancelhas, levemente surpreso com o comentário.
— Olha só, o neném conhece Matrix.
— O neném, que é só dois anos mais novo que você, nunca correu o risco de ser preso por ser viciado em jogos. Você, por outro lado...
Jack deu um sorrisinho irônico a Kevin e voltou a se concentrar na partida. O mais velho decidiu que não valia a pena continuar a discussão com, nas palavras dele, uma criança. Não passou muito tempo até que Jack se irritasse com o videogame novamente.
— Qual é, Samus? Qual a dificuldade em virar uma bola?
— Samus? Você está jogando Metroid? — O hacker se intrometeu, curioso.
O caçula levantou os olhos do console e encarou o garoto de olhos puxados.
— Você conhece Metroid?
— Tá brincando? Esse jogo é um clássico! Qual você está jogando?
Jack estendeu o aparelho para Kevin, mostrando a tela pausada.
— Metroid, mesmo, o primeiro. Eu consegui um emulador para os mais antigos, mas já joguei todos, e nenhum bate o...
— ...Super Metroid! — Os garotos responderam ao mesmo tempo, e explodiram em risada, como bons adolescentes.
— Eu sou Kevin — o hacker esticou a mão aberta ao gamer, que retribuiu apertando-a com leveza, mas entusiasmo.
— Jack!
À distância, a dupla escocesa assistia à interação dos jovens.
— É seguro deixar aquele filhote de cão se aproximar do garoto?
Rowena encarou Crowley, inexpressiva.
— E quem é quem? Honestamente, Fergus, não sei quem é mais perigoso ao outro.
Crowley revirou os olhos.
— Francamente, mulher, você e essa sua devoção pelo próprio Lúcifer encarnado e a prole... — o político bufou, irritado.
— Ora, Fergus, o que você chama de devoção, eu chamo de politicagem. Você devia saber.
Com os olhos quase cerrados, Crowley fitou a mãe. Aquela era só mais uma alfinetada que a mulher dava à sua vida política.
— Eu estou tentando me livrar daquela família há anos, Rowena, e você continua mantendo as boas relações com Nick. E agora ainda tenho que aguentar meu melhor corredor virando melhor amigo de infância da cria dele.
— A cria dele é a melhor forma de manter conexões favoráveis com Nicholas, Fergus. Mantenha Kevin por perto, seja a figura paterna dele, e deixe que ele e Jack façam o resto. Nicholas, como todo pai e mãe, moveria montanhas pela felicidade do garoto, e essa é a sua maior vantagem sobre ele, mas eu não espero que você entenda, é claro. Você precisaria ser pai para entender.
Crowley jogou as mãos para o alto, desistindo de conversar com a mãe. Voltou a atenção para a corrida, que se aproximava da reta final.
Passando pelo segundo semáforo verde naquela avenida, Dean começou a diminuir a pressão no acelerador. Mentalmente, fazia a contagem dos segundos, e já estava em 30s. Passaram pelo terceiro semáforo, e Dick seguia à toda velocidade, rindo, empolgado por estar à frente.
Quando passam o quarto, a luz ficou amarela.
No sexto, entretanto, a luz já estava vermelha, e Dean desacelerou. Dick, por outro lado, seguiu, e foi surpreendido no meio da travessia pela ambulância que vinha da avenida paralela em alta velocidade. Com um drift, desviou a direção do volante e virou à esquerda, saindo do circuito. Dean sorriu, aliviado. Aquela fora uma manobra arriscada: podia ter dado preciosos segundos de vantagem ao adversário a troco de nada. Acelerou novamente, aproveitando o tempo que tinha até que Dick se recolocasse na corrida.
Virou à esquerda, começando a subir em direção ao Brook Creek Park. Conferiu rapidamente o relógio no painel do carro, contando sete minutos de prova. Logo estavam emparelhados novamente, a um quarteirão da linha de chegada, e se Dean havia calculado bem o trajeto, aquele trecho seria sua cartada final.
Concentrado, desviou levemente para a esquerda, quase encostando o carro no Eclipse de Dick. Tentando recuperar uma distância confortável, o adversário de sorriso maníaco recuou, aproximando o carro ainda mais da calçada, encurralado. Dean apertou as mãos no volante, observou a que altura da rua estavam, e se preparou. Em menos de vinte metros, virou quase totalmente o volante, voltando para a pista da direita; estava desviando de um cano mal instalado sob o asfalto, que criou uma protuberância semelhante à uma lombada. Dick, pego de surpresa, freou bruscamente para não capotar o carro, dando os segundos finais do circuito de vantagem a Dean. O Winchester cruzou a linha de chegada, extasiado, e mandou um gesto bastante deselegante a Chuck pelas câmeras que registravam o resultado da corrida.
Estava, finalmente, livre daquele pesadelo.
De volta ao campus da universidade, o corredor encarava o agiota nos olhos.
— Essa foi a última vez, Chuck. Minha última corrida. Eu estou saindo dessa sua fantasia de carrinhos de criança, e espero que você cumpra a sua parte do acordo.
Chuck soltou um muxoxo de frustração e estalou a língua. Desviou o olhar, mas foi obrigado a responder quando Bobby, posicionado com Castiel atrás de Dean, como dois guarda-costas, balançou uma grande barra de ferro nas mãos. Michael se adiantou, mas foi barrado pelo chefe.
— Deixa, deixa, Michael. Eles estão certos. Você venceu, Dean, e eu te dei a minha palavra, está liberado da dívida — acenou com a mão, como se os estivesse dispensando, mas continuou a falar: — O que você fez hoje... eu nunca teria imaginado que venceria Dick desse jeito. Considere um milagre divino.
— Eu não acredito em milagres.
Sem dar a chance de resposta, o trio se afastou, indo em direção ao carro que Dean usou para competir. Estavam prestes a entrar no veículo quando foram abordados.
— Foi uma boa corrida — o homem parabenizou, segurando o pirulito já pela metade na mão.
Bobby e Castiel perderam a cor e o fôlego ao mesmo tempo. Dean analisou o indivíduo, e concordou rapidamente com a cabeça, abrindo a porta do carro.
— É, foi.
Levou uma cotovelada de Castiel, sem entender o que estava acontecendo, mas o estranho apenas riu, e sinalizou que estava tudo bem.
— Sabe, quando o meu irmão pediu que eu levasse o carro para uma revisão, ele me disse que tinha um pressentimento de que ele seria muito melhor aproveitado depois disso. E não é que ele estava certo? — O rapaz riu, colocando o pirulito na boca novamente. — Ora, não façam essas caras. Ou façam, são hilárias e parece que alguém me contou uma boa piada.
Dean, finalmente entendendo o desespero dos outros dois, tentou falar algo, sem sucesso. Entre balbucios e grunhidos que não podiam sequer ser chamados assim, estendeu as chaves do carro de volta para o dono, que fechou a cara, fingindo estar ofendido.
— Você não acha que eu vou aceitar esse carro de novo, sabendo que nem eu, e nem meu irmão, jamais vamos conseguir pilotar desse jeito, não é? Meu sobrinho, talvez, mas ele é mais chegado nos conversíveis, quando sai daquele videogame — balançou a cabeça, repreendendo as atitudes do garoto. — Não, não. Você fica com isso. Garanto que a garota vai gostar.
Com uma piscadela, o loiro (e possivelmente diabético) se despediu, deixando o trio em choque para trás. Voltando a si, Dean jogou as chaves no colo de Castiel, e abriu a porta do lado do passageiro.
— Me deixa em casa, — disse ao amigo — e fica com o carro.
O dono dos olhos azuis brilhantes riu e comemorou com Bobby, que ria também. Se ajeitaram dentro do veículo, e deram a partida.
Chuck estava pensativo. Repensava todas as palavras que tinham saído de sua boca quando fez a proposta da corrida a Dean, procurando alguma brecha que fosse favorável a si. Saiu do transe quando viu Nick se aproximar.
— Que dia!
— Ahn... — o agiota resmungou.
— Perder um corredor é duro, mas perder para um corredor, ah, isso é pior ainda.
Chuck não respondeu. Nick deixou o silêncio se estender por alguns segundos antes de voltar a falar.
— Aliás, você está fora.
— Fora do que?
— Da aliança.
— Que merda você está falando agora, Nick?
— Ah, não é nada demais. É que, agora que eu sou o maior acionista da aliança e o seu maior corredor foi completamente descredibilizado pelo azarão Winchester, você não tem poder e nem dinheiro para se manter na presidência. E, honestamente, Chuck, ninguém te quer mais aqui.
Irritado com o que parecia ser uma brincadeira de muito mal gosto, Chuck cruzou os braços e virou de frente para Nick. A diferença de altura era quase constrangedora, pensou Crowley, sentindo na pele o que Chuck devia estar sentindo naquele momento.
— Eu não sei que matemática de merda você aprendeu, Nicholas, mas eu ainda tenho a maior porcent—
— A minha matemática vai muito bem, Chuck, você é que ficou um pouco por fora dos acontecimentos da última semana — Nick sinalizou para Crowley, que entregou uma pequena pasta com alguns documentos assinados. O mafioso tirou um por um e deu a Chuck. — Nosso amigo escocês e alguns outros sócios minoritários estavam incomodados com o repasse injusto dos lucros e concordaram que euzinho aqui seria um presidente muito melhor do que você, e me cederam alguns títulos. E, agora que eu ganhei a nossa aposta, eu tenho 50% das ações da Apocalipse, e você, só 45. Como novo presidente, a minha primeira ordem é essa: você está fora.
Alguns acionistas que assistiram à corrida agora prestavam total atenção ao que ocorria dentro da área reservada. Com um sorriso cínico estampado no rosto, Rowena entregou um documento em branco e uma caneta a Chuck: assinando, ele passaria todas as suas ações a Nick, e, pressionado, foi o que ele fez. Devolveu o papel e a caneta à ruiva, e encarou Nick com ódio.
— Dick vai comigo, e Dean não vai mais correr. Como você pretende manter a Aliança lucrativa desse jeito?
O mafioso sorriu, como se estivesse esperando por aquela pergunta.
— Jack! — Sem tirar os olhos do game nem por um segundo, o garoto se adiantou, indo até Nick.
— Esse é o seu corredor? — Chuck apontou para Jack, rindo debochado.
— Não, esse é o meu filho — o novo presidente da Aliança lançou um olhar mortal a Chuck, que parou de rir imediatamente. — Jack estava morando com a mãe na Ásia, estava em um curso preparatório para a faculdade, ele é uma espécie de gênio da tecnologia. — Virou-se para Crowley, com uma expressão divertida e apontou para Kevin — Acho que ele vai se dar bem com o seu garoto.
O político sorriu, forçado, e revirou os olhos quando ouviu Rowena rir baixinho. Odiava quando a mãe estava certa. Nick continuou o discurso, ignorando o escocês.
— Jack vai liderar algumas mudanças importantes na Apocalipse. Essa é uma nova era, Chuck, uma era mais moderna. Estamos entrando nos fliperamas em tamanho real, grandes pistas de carrinho de brinquedo do tamanho e preço de uma Ferrari de Fórmula 1, guiados à distância pelos pilotos. Vamos ter circuitos novos, pistas mais elaboras, manobras mais arriscadas... Todo aquele carnaval que os fãs gostam de assistir. Toda a revolução que você se negou a trazer para nós, Chuck, agora está nas minhas mãos — Nick acenou novamente, chamando o irmão, que vinha acompanhado de um grupo de fortões mal encarados. — Gabe, você e os seus amigos podem acompanhar Chuck e Michael até a saída? Sabe como é, essa é uma área reservada.
A ameaça velada foi suficiente par que Chuck se desse por vencido e puxasse Michael para fora dali. Tomaria seu tempo para pensar, mas Nick estava muito enganado se pensava que aquela seria a última conversa dos dois.
A luz fraca do sol ainda nascente iluminava a mulher na varanda da casa. Segurava a familiar xícara de chá quente em uma das mãos, e um livro qualquer aberto na outra, mas estava longe de conseguir se concentrar. Dean não havia respondido nenhuma de suas mensagens desde a tarde anterior, antes da corrida, Bobby e Castiel também não. O único que respondeu foi Sam, que tinha tantas informações quanto ela.
Recostou-se na cadeira de balanço da tia, puxando uma manta felpuda sobre o colo, e fechou os olhos. Estava quase cochilando quando ouviu o som conhecido do motor do Impala, e não soube bem como reagir ao abrir os olhos e ver o carro preto estacionando na frente da casa. Dean estava bem, e estava ali.
O rapaz correu para abraçar , aliviado por estarem ambos em segurança, agora. Depositou um beijo no topo da cabeça da namorada antes de selar os lábios com os dela, cheio de saudade e carinho.
— Está tudo bem, agora — sussurrou, apertando os braços em torno dela. — Nós estamos bem.
Ficaram alguns segundos assim, aproveitando da presença um do outro, até que Dean teve uma ideia.
— ?
— Hm?
— O que você acha do Canadá?
— Tem... canadenses — a mulher responder, torcendo o nariz de brincadeira. Dean rolou os olhos, rindo de leve.
— Estou falando sério. Parece bom aqui, e eu quero sair de Lawrence.
levantou o rosto, encarando o namorado com certo sarcasmo.
— Eu te conheço, Dean Winchester. O Canadá é lindo, mas você seria preso em uma semana por rir da guarda montada — o homem tentou disfarçar, mas caiu na risada só de imaginar os policiais canadenses. se aninhou no peito do rapaz novamente, respirando fundo para absorver cada nota do perfume dele. — Nós podemos ir para o Texas. Você sempre quis morar lá.
Dean suspirou, pensativo.
— Texas! É, acho que nós podemos recomeçar no Texas.
se esticou, e deu um beijo na bochecha do namorado.
— Meu cowboy fora da lei.
— Howdy!
As unhas da mulher, que já tinham marcado os vidros e o couro dos bancos, agora deixavam um rastro avermelhado pelos ombros e braços do Winchester mais velho, quando não estavam embrenhadas nos fios curtos de cabelo do rapaz. A boca dele, brilhante e molhada, reproduzia no corpo da mulher os desenhos que criava em suas costas, subindo em direção aos lábios dela e se demorando particularmente nos ombros, clavícula e pescoço da namorada.
Tentando não romper o beijo desajeitado, Dean puxou pela cintura, colocando-a deitada por completo no banco traseiro. A moça, ágil, enfiou as mãos na calça desabotoada do namorado, e com um pouco de esforço, tirou do caminho as últimas peças de roupa entre os dois. Agora podiam sentir por completo o contato das peles e o calor dos corpos. Apressados, suspirou pesadamente ao envolver a cintura de Dean com as pernas e aumentar a fricção quase alucinante sob seu ventre. O rapaz soltou um rosnado baixo, tentando disfarçar o gemido de satisfação quando se colocou dentro da mulher e começou a se movimentar. Nem mesmo a luz baixa da rua era capaz de ocultar o passatempo do casal.
Alguns minutos, entretanto, foram todo o tempo que eles tiveram para aproveitar. Qualquer um na situação de Dean teria os ouvidos aguçados e viveria num constante estado de alerta. não podia culpá-lo, mas não escondeu a frustração quando o namorado ouviu o som de um carro passando na rua perpendicular à que eles estavam e interrompeu o ato, assustado.
— Dean, pelo amor de Deus, se fosse a polícia, nós teríamos ouvido as sirenes faz tempo.
— Não é com a polícia que eu me preocupo...
— Como assim?
perguntou, confusa, e Dean percebeu que havia falado mais do que devia.
— Ah, ... é tarde, e nós estamos transando no carro no meio de um beco escuro. Nunca se sabe quem pode aparecer e o que pode acontecer.
A mulher revirou os olhos, mas no fundo concordava com o namorado.
— Quer saber? Vamos embora daqui. Eu preciso acordar cedo amanhã, e você já me negou um orgasmo, mesmo.
Dean deu uma última analisada através do vidro e acenou afirmativamente para , que já estava se vestindo. Sentiu um aperto no coração ao vê-la ali, completamente exposta e alheia aos riscos que o rapaz trazia. Em algum momento ele precisaria contar que a polícia era o menor dos seus problemas, ao contrário do que ela pensava.
Com a roupa meio mal colocada, dirigiu até o prédio onde morava. Durante todo o trajeto, sentiu a namorada inquieta, como se ponderasse se devia ou não dizer o que estava pensando. Quando estacionaram, ela decidiu que devia.
— Dean, olha, eu sei que você não vai gostar de ouvir isso, mas não acha que está na hora de falar com Sam?
O Winchester apertou as mãos em torno do volante ao ponto de os dedos ficarem brancos. Sabia que não fazia por mal, mas era inevitável se irritar ao ouvir o nome do irmão.
— Eu já disse que não quero meus irmãos envolvidos nisso, , principalmente o Sam.
A mulher suspirou, começando a se irritar, também.
— Você não pode mais viver como um criminoso por conta de uma dívida hospitalar, Dean! Sam é advogado, tem dinheiro, e já ofereceu ajuda incontáveis vezes. Adam também. Qual o problema em aceitar?
— O problema é que não é da conta deles.
fechou os olhos e respirou fundo. Algum dos dois tinha que ser o adulto da relação, e se Dean se recusava, ela seria.
— Tudo bem, vamos deixar esse assunto de lado. Obrigada pelo dia incrível. Eu amei cada minuto, exceto os últimos dez.
O rapaz deu uma risada fraca, sem muito humor. apoiou a mão no rosto do namorado e puxou-o para um beijo delicado de despedida.
— Vejo você amanhã.
Desceu do carro, fechando a porta com cuidado. Dean esperou até que ela estivesse dentro do prédio para dar a partida no carro, mas foi surpreendido por uma batida no vidro quando ia girar a chave no contato. Olhou para fora e sentiu as extremidades amortecidas. Aquele era o último lugar onde gostaria de encontrar a dupla.
— Acho que você esqueceu de pegar um guarda-chuva, Mike. Não tem feito um tempo muito bom, por esses dias — Dean abriu uma pequena fresta na janela, tentando manter a maior distância possível de Michael, mas o guarda-costas era irredutível.
— Ele quer falar com você — indicou o jipe preto do outro lado da rua e o Winchester entendeu que aquele não era bem um convite.
— Quanta educação... — resmungou baixo, descendo do carro. Michael respondeu com um grunhido, estalando todos os dedos das mãos. — Calma, calma, é brincadeira. Tá precisando de um diazinho em um spa, hein?
— Meu passatempo é cuidar de devedores arrogantes.
Dean engoliu em seco. Decidindo deixar Michael de lado, apressou o passo em direção ao carro, e foi recebido pelos cumprimentos dramáticos de Chuck, que abriu a porta com força.
— Olá, Dean! Há quanto tempo não nos vemos — o homem baixinho sorriu, simpático, encarando o rapaz. — Venha. Entre, não seja tímido. Como tem passado?
Empurrado para dentro do carro, o Winchester se sentou de frente para Chuck, espremido entre Michael e outro cara que poderia ter interpretado um trasgo nos filmes do Harry Potter. Dean teria achado graça se não estivesse correndo um risco real de ser espancado até a morte.
— Ele te fez uma pergunta! — Michael deu um empurrão em Dean com o ombro.
— Eu, ahn, bem... estou bem. E você, Chuck?
Sorriu com falsidade, e Chuck riu, satisfeito.
— Imagino que esteja bem, mesmo. Era a sua garota no carro? — Perguntou, parecendo curioso e orgulhoso ao mesmo tempo. Dean travou o maxilar, nervoso. — Você nunca me disse que tinha uma garota, Dean. Estou magoado, pensei que nós éramos amigos.
Chuck ficou alguns segundos em silêncio, como se esperasse uma reação do rapaz, que não veio.
— Ok, vamos direto ao ponto— o agiota se ajeitou, brincando com o grande anel dourado que usava na mão direita, onde se lia “AA”. — A Aliança está perdendo bons e fiéis apostadores por culpa do seu péssimo desempenho nas últimas corridas, e isso representa uma grana alta na sua conta. Acredito que você se lembre da oferta generosa que eu te fiz, certo?
Arqueou as sobrancelhas, inquisidor. Dean limpou a garganta.
— Eu corro em nome da Apocalipse Alliance, e todo o lucro das apostas feitas em mim vão para abater a dívida que eu tenho com você.
— Isso, bom garoto! Agora, se você não faz a sua parte, eu não consigo fazer a minha. E foi pensando nisso que eu resolvi te fazer uma proposta, Dean. Uma única corrida, contra Dick, meu corredor principal. Se você ganhar, sua dívida está perdoada, mas se perder, — apontou para o prédio, sorrindo com malícia — bom, acredito que existam outras formas de pagar o que me deve.
— Mas é um bandido, mesmo...
Dean estava encostado na lateral do carro em que Bobby mexia. Havia contado sobre a noite anterior e já esperava esse tipo de reação do mecânico.
— É lógico que ele é um bandido, Bobby. É um agiota que gerencia uma aliança de corridas de carro ilegais.
— Ele sabe que a lata velha em que você corre não é suficiente para ganhar do Eclipse daquele engomadinho mimado do Dick.
— Foi você que construiu a lata velha, seu velho maluco.
— E é por isso mesmo que eu estou dizendo que o carro é uma porcaria — Bobby entrou na casa e aceitou uma cerveja trazida por Castiel. Dean aceitou a outra. — Escuta, Dean, aquela coisa foi montada a partir de peças de carros abandonados aqui no ferro velho, não é um carro de corrida. Mal da para chamar aquilo de carro.
— Seria melhor se você tunasse e corresse com o Impala.
Castiel recebeu olhares de desaprovação dos dois homens, e levantou as mãos em rendição.
— Você já contou para a ?
— Ainda não é a hora certa.
Bobby colocou a garrafa de cerveja na mesa, com força. Esse era sempre um assunto delicado entre eles.
— Você não entende que quanto menos ela sabe, mais risco ela corre? Você acha que está protegendo a garota, mas na verdade só está tentando se proteger. Ela não é o Sam, Dean.
— E é exatamente esse o problema. Sam é um babaca que não pensa em mais ninguém além dele mesmo. merece mais do que isso... do que eu.
Revirando os olhos, Bobby voltou para o carro que precisava ser consertado.
— DEIXE O CARRO AQUI. VOU VER O QUE EU CONSIGO FAZER — gritou para Dean, encerrando a conversa.
Castiel se aproximou do amigo e, meio sem jeito, colocou uma mão no ombro do Winchester mais velho.
— Você pensa muito pouco de si mesmo, Dean. é uma mulher forte, corajosa e que te ama. Não abra mão disso tão facilmente.
Com dois tapinhas, se afastou, voltando para o balcão onde o telefone da oficina tocava. Dean nunca entendeu exatamente quando o melhor amigo havia começado a trabalhar com o seu padrinho, mas achava incrivelmente prático encontrar os dois no mesmo lugar quando precisava. Deixou as chaves do carro de corrida em cima da mesa, saindo da casa. Havia recebido uma mensagem de pedindo que ele fosse até o apartamento dela quando saísse da oficina, e foi o que ele fez.
O rapaz estacionou o Impala na frente do prédio de três andares e estranhou o Porsche parado ali. Aquela não era uma região nobre da cidade, e nos quatro anos de relacionamento, nunca tinha visto algo parecido naquele bairro. Subiu as escadas até o segundo andar e encontrou a porta do apartamento 24 destrancada. Sentindo o arrepio frio percorrendo-lhe a espinha, girou a maçaneta, imaginando o que poderia ter acontecido com a namorada.
Passou pela sala vazia e procurou nos quartos, mas não encontrava em lugar nenhum. A bolsa da mulher estava no aparador perto da porta, onde ela sempre deixava, e o celular estava no carregador, na mesa de cabeceira ao lado da cama. Quando a preocupação tomou conta de si e Dean sentiu a respiração começar a falhar, ouviu um burburinho na cozinha, e um chiado de vapor da chaleira. Seguiu com passos apressados até o cômodo, se surpreendendo com o que encontrou.
— Que palhaçada é essa? — Esbravejou, terminando de abrir a porta com raiva.
— Dean! — deu um pulo, assustada, e quase derrubou a água quente no próprio corpo. A xícara de vidro que caiu de sua mão foi agilmente recuperada pelo homem alto sentado à mesa, de costas para Dean (não que Dean precisasse ver o rosto para saber de quem se tratava: os cabelos longos e sedosos com cor de avelã eram o suficiente).
— Olá, Dean.
Sam se levantou, alinhando o terno claro que vestia. A pasta de couro sintético escuro, combinando com os sapatos e a pulseira do relógio, estava aberta na cadeira ao lado, e a mesa só não tinha papeis espalhados no pequeno espaço reservado para o chá e os biscoitos.
— O que você está fazendo aqui?
— Continua muito educado — Sam suspirou, olhando para Dean como se o irmão fosse um caso perdido. — me chamou aqui. Está preocupada com você e me pediu a ajuda que você recusou, anos atrás.
— Ah, que ótimo. O filho pródigo veio nos salvar. Agradecemos a sua vinda, doutor. Pode passar no balcão e pegar o cheque dos honorários com a secretária — Dean sorriu irônico para o irmão antes de se dirigir à namorada. — Nós precisamos conversar.
— Precisamos, sim — cruzou os braços, brava, e parou na frente do mais velho dos irmãos, impedindo que ele saísse da cozinha. — Você tem sido um irresponsável arrogante que se recusa a pedir ajuda, quando claramente precisa. Eu cansei disso, e chamei o Sam para nos orientar no processo contra o hospital, então você faça o favor de se sentar e ouvir, ou pode sair por aquela porta e nunca mais pisar aqui de novo.
Dean estava encurralado. Detestava ficar nessa posição, e nunca imaginou que seria a colocá-lo ali, algum dia. Fez uma nota mental para se lembrar de convidar esse lado mandão da mulher para a cama, e ocupou a cadeira do outro lado da mesa, de frente para o Winchester engomadinho.
— Não sei de onde você tirou essa ideia de processar o hospital, , mas eu nã—
— A ideia foi minha, Dean — Sam encarrou o irmão, apontando para os papeis que analisava com a mulher antes de serem interrompidos. — Com as informações que me passou, vocês estão mais do que no direito de pedir as medidas judiciais.
— É, acontece que não estamos. Não estou! não tem nada a ver com essa história, e eu já falei para ela não se meter. O problema é meu, e eu vou resolver.
Ouviram os passos firmes da moça pelo apartamento, e a porta do quarto se fechando num estrondo. O mais velho dos homens suspirou pesadamente, passando as mãos pelo rosto, desconfortável com tudo aquilo.
— Dean, o que está acontecendo?
Ao contrário do que imaginava, Sam não soava condescendente. Parecia até mesmo preocupado com o irmão, como há muito tempo não demonstrava estar.
— Ela não sabe de muita coisa, Sammy — respondeu, a voz ainda abafada pelas mãos. — Preciso que você diga a ela que não é possível processar o hospital, e que nós estamos de mãos atadas.
Percebendo que aquela era uma conversa para o “Sam irmão” e não para o “Sam advogado”, o mais novo guardou os papéis de volta na pasta, e pegou duas cervejas na geladeira. Tinha a pretensão de fazer as pazes com Dean, e achou que aquele seria um bom jeito de começar.
— O que você está escondendo, Dean? Me deixa te ajudar.
Depois de pensar um pouco, Dean decidiu abrir o jogo. Manter longe dessa história era mais importante do que continuar guardando rancor de Sam.
— Não tem nenhuma conta de hospital para pagar. Não tem polícia nem processo judicial atrás de mim por ser um devedor.
— Mas, então, por que ela acha qu—
— Quando o pai ficou doente, a grana que eu ganhava não era suficiente para bancar as despesas.
— Eu ofereci a minha casa e o meu plano de saúde mais de uma vez, Dean. Existem médicos excelentes na Califórnia que podiam ter dado uma segunda opinião sobre o caso.
— Ele estava esquizofrênico, Sam! Estava alucinando coisas como a mãe sendo queimada no teto do seu quarto, e você queria tirar ele da casa onde ele morou a vida inteira. O único lugar que ele reconhecia, mesmo que nas memórias distorcidas dele.
Sam abaixou os olhos e engoliu em seco. Por melhores que fossem suas intenções, não podia negar que o irmão estava certo. Dean recuperou o fôlego, e prosseguiu.
— As contas já estavam maiores do que eu podia segurar. Adam até chegou a passar um tempo morando com a gente. Trabalhou com o Bobby na oficina e pagou alguns exames, mas quando o pai começou a não reconhecer mais o garoto, ficou perigoso ter ele por perto. Eu precisei me virar como deu, e emprestei um dinheiro para pagar o hospital.
— Dean, não... não me diga que você...
— Eu peguei dinheiro com um agiota, sim. Nenhum banco queria me liberar a droga do crédito, e eu estava desesperado. Você não tem ideia de como era estar com ele aqui, ver cada crise, cada delírio, cada surto dele reforçando a mesma história maluca que ele inventou sobre a mãe e acreditava que era verdade.
— Eu podia ter vindo ajudar.
— Você fugiu para Stanford quando a mãe morreu, Sam. Como eu ia contar com você?
O advogado fechou os olhos, ferido com o que ouviu. Mais uma vez, não podia acusar o irmão: tudo o que Dean havia dito era verdade, e Sam se cobrava todos os dias, arrependido pelas decisões que tomou no passado. Hoje sabia que estar perto da família teria facilitado o processo de cura do luto, diferente do que ele imaginava na época.
— Então é desse agiota que você vive se escondendo? — Dean concordou com a cabeça. — E como você pretende pagar esse cara?
— Você já ouviu falar das Alianças, não é? As equipes do submundo da “Fórmula 1” ilegal — Sam assentiu, em silêncio, dando espaço para Dean continuar. — Ele coordena a Apocalipse, uma das maiores da região. Me viu disputando um racha com uns caras na rua, uma vez, e me convidou para correr em nome da Aliança como pagamento. Todo o lucro que ele tira em cima de mim, todas as apostas feitas no meu nome, vão para pagar a dívida.
Foi a vez de Sam passar as mãos pelo rosto, inquieto. A luz refletida na grande aliança dourada no anelar esquerdo pesou no coração de Dean: quantas coisas haviam perdido da vida um do outro?
— Que droga, Dean! Não tem nada que eu possa fazer sem gerar algum tipo de exposição e retaliação para você.
— Sei que não tem. Eu estou resolvendo a situação.
— Como? Como você pretende pagar uma dívida dessas, Dean? A oficina não paga tão bem assim.
— Correndo! Ele me fez uma proposta, e eu aceitei. Se ganhar do cachorrinho dele, minha dívida está zerada.
— Dean... — Sam balançou a cabeça de um lado para o outro, apertando os olhos com as mãos. — Você sabe que isso é uma cilada, não sabe? O que acontece se você perder?
Dean se levantou, chegando ao limite da paciência.
— Eu não sou idiota, Samuel. E desde quando você começou a falar como o Bobby? Você não é meu pai.
— Bobby também não é.
— Mas ele está aqui! — Gritou, desferindo um soco forte na mesa. — Ele sempre esteve aqui.
O jantar elaborado enfeitava a mesa onde as duas famílias se reuniam. As luzes da cidade abrilhantavam o horizonte, visível através da grande parede de vidro da cobertura elegante e luxuosa. Para olhos leigos, aquela poderia ser somente uma reunião de amigos, um happy hour qualquer, porém o buraco era um pouco mais embaixo.
— Obrigado, Ruby. Pode se retirar, agora, essa é uma conversa particular.
— Sim, senhor — a moça de cabelos loiros longos fez uma curta reverência ao patrão e se retirou com as outras criadas.
— Excelente serviço você tem aqui, Nicholas. É raro encontrar trabalhadores competentes nesse país.
— Eu não podia oferecer nada menos do que o melhor para você, Rowena, minha querida.
A ruiva sorriu, charmosa, encarando o homem sentado na ponta da mesa. O homem baixinho e atarracado sentado ao seu lado, incomodado, limpou a garganta, e os outros dois voltaram a atenção para ele.
— Realmente, Nick, o jantar está muito bem servido, mas acredito que não tenha sido para isso que nós fomos convidados aqui, hoje.
— Ora, Fergus, não seja rude. Nicholas foi extremamente gentil de nos convidar.
— Você devia ouvir a sua mãe, Crowley. Uma pessoa que chega na idade dela com essa aparência deve saber uma coisa ou outra sobre a vida para ensinar — Nick piscou, galante, para a senhora. O garoto sentado ao seu lado, com os cabelos loiros no mesmo tom dos seus, não se deu o trabalho de desviar os olhos do console portátil onde jogava para soltar um suspiro audível, impaciente como os flertes infundados do pai. — Mas você está certo, Fergus. Eu tenho um assunto importante para discutir com você. Um assunto que pode ser de interesse de toda a família MacLeod.
Servindo um pedaço moderado de carne para a mãe, Crowley encarou Nick, desconfiado. Serviu outro pedaço no próprio prato, observando o anfitrião, então levou outro pedaço menor à boca, mastigou com calma e tomou um gole de vinho. Nick permanecia tranquilo, ou, ao menos, se esforçava para parecer tranquilo. Crowley imaginava que o assunto devia ser delicado, visto que a paciência do loiro não costumava ser muito extensa. Limpou os cantos da boca com o guardanapo de algodão puro, e indicou que Nick prosseguisse.
— Como você sabe, Chuck não está sendo muito... profissional, ultimamente. A divisão dos lucros da Aliança não é justa, e muitos dos acionistas menores têm reclamado da obsessão de Chuck com aquele cara novo, o Winchester.
— Tenho ouvido algo a respeito, mas não dei importância. Você sabe como são esses pobres coitados, acham que vão enriquecer comprando migalhas de ações de uma Aliança, e se desesperam quando não veem o lucro.
Crowley colocou mais um pedaço de carne na boca, notando que Nick não havia tocado na própria comida. Começou a repassar na mente tudo o que poderia ter feito para desagradar o mafioso, imaginando se ele e a mãe corriam algum risco de vida.
— Sim, são uns pobres coitados. Mas se, com menos de 1% das ações eles conseguem perceber que a divisão está comprometida, imagino que, com 15% dos títulos em seu nome, você tenha sentido o peso no bolso, também — Crowley parou de mastigar, e colocou os talheres calmamente de volta no prato. Nick se inclinou na mesa, o olhar furioso, encarando o político escocês. — Agora faça as contas e pense no prejuízo que eu tenho tido, com 25% das ações da Apocalipse.
Então era isso. Nick finalmente havia se cansado de Chuck. Crowley trocou olhares pensativos com Rowena, que encarnava a personagem da “perua avoada”, soava inofensiva e ingênua, mas era a grande estrategista da família, e encabeçava todos os esquemas sujos de Crowley na política desde antes do início da carreira. A ruiva desviou o olhar para o prato, abaixando a cabeça num movimento ensaiado.
— Ainda não entendo qual seria, exatamente, o motivo para essa reunião, Nick. Se você está insinuando que eu estou aliado àquele agiota de quinta, saiba que essa é uma inverdade sobre a minha pesso—
Crowley se calou com o chute não muito delicado que Rowena lhe deu por baixo da mesa. Não foi o mais discreto dos movimentos; o garoto, mesmo entretido em seu videogame, fez questão de revirar os olhos. Por pouco não os chamou de patéticos em alto e bom som.
— Não, Crowley, eu conheço a sua espécie. Vocês não se aliariam com o lado mais fraco da corda, e o mais forte, claramente, sou eu. Não é, Rowena?
A mulher encarou Nick com o canto dos olhos, não ousando olhar diretamente para o anfitrião. O mafioso se encostou na cadeira, relaxou, e tomou o primeiro gole de vinho. Soltou uma risadinha debochada, sua marca registrada. O maldito era um sádico.
— Não, eu não me aliaria a ele — Crowley se ajeitou no lugar, tentando recuperar a compostura. — Mas o que você espera de mim, então? Eu não posso me envolver muito, preciso preservar meu nome. É ele que garante algumas regalias governamentais para a Aliança, você sabe.
— Eu já tomei as minhas providências, MacLeod, não se preocupe. O que eu quero realmente saber é se posso contar com você ou não.
O rosto de Nick se escondeu nas sombras do ambiente à meia luz. A luz da torre de comunicações próxima ao prédio refletia em seus olhos, que assumiram um tom avermelhado que ficaria gravado na memória de Crowley. Rowena levantou a cabeça, majestosa, mantendo o olhar fixo na paisagem à frente. Crowley assistiu à decisão da mãe, e reportou a Nick.
— Sim, pode contar comigo.
— Ótimo! Agora podemos ir aos detalhes...
sorriu ao sentir os braços fortes de Dean envolvendo-a por trás. Mantinha os cotovelos apoiados no parapeito da janela, segurando a xícara quente de chá. O suéter de lã cinza grossa e a pele morena contrastavam com a palidez desnuda do rapaz. Soltou um suspiro de satisfação quando os lábios carnudos do namorado encontraram a pele descoberta do seu ombro, fazendo o caminho até perto da orelha. As pernas em contato direto, sem nenhum tecido interferindo, ainda estavam quentes pela noite passada embaixo do edredom pesado. Aproveitavam o facho de luz do sol que escapava por uma fresta entre as nuvens, dando os primeiros sinais de que o inverno ia chegando ao fim.
Depois da briga na tarde anterior, quando Sam se despediu e deixou o casal a sós, Dean não viu alternativa senão abrir o jogo com a namorada. Diferente do que imaginava, ela não quis começar uma briga ainda maior, não quis colocar Dean para fora do apartamento nem fez nada do que uma pessoa normal teria feito, afinal, não era uma pessoa normal. Não podia ser se quisesse estar com Dean-mental-e-emocionalmente-ferrado-Winchester. Ao entender a gravidade da situação, a mulher abraçou o namorado, e sussurrou: “a gente vai sair dessa”.
Entendia a devoção de Dean pelo pai, e acompanhou quase todo o período entre a morte de Mary, o adoecimento de John e a fatídica noite em que ele se entregou o “demônio do olho amarelo”, o causador da morte da esposa, segundo a história fantasiosa que a mente perturbada criou para lidar com o luto; o pesadelo que assombrava o homem em todas as crises. Não se surpreendeu ao descobrir que Dean havia cruzado todos os limites para tentar salvar o pai.
colocou a xícara onde antes estava apoiada, e girou nos calcanhares, virando de frente para o rapaz. Passou os braços pelo pescoço dele, e se permitiu admirar, por alguns minutos, os olhos verdes cristalinos, brilhantes e iluminados com a luz suave do sol. Sorriu e esperou uma resposta que não veio.
— Uma moeda por seus pensamentos.
— Eu estou valendo tão pouco assim?
riu.
— Você, não — analisou o rapaz de cima a baixo, fazendo uma careta engraçada de aprovação. — Agora, essa sua cabeça de vento...
— Uau, onde assina para pedir demissão do cargo de seu namorado, mesmo?
— O cargo é vitalício, lamento. Demissão apenas por justa causa.
— Se, depois de tudo o que aconteceu ontem, eu não fui dispensado, então, acho que vou ter que aguentar você para o resto da vida.
— Dean, nós já conversamos sobre aquilo — respondeu, calma, levando uma das mãos ao rosto do namorado e acariciando, sentindo os dedos passando por cima da barba curta.
Dean desviou o olhar, e com uma delicadeza pouco comum, tirou os braços da mulher de si e puxou-a para sentar-se com ele à beirada da cama. Envolveu as mãos dela nas dele, mas não conseguiu manter contato visual.
— Como está a sua tia, ?
— A minha... ?
— Acho que seria bom fazer uma visita a ela, sabe, ficar alguns dias. Não é bom uma senhora daquela idade ficar sozinha por tanto tempo.
— Dean, você... — se remexeu no colchão, ficando de frente para o Winchester — você está sugerindo que eu saia do país?
O rapaz respirou fundo, medindo bem as próximas palavras. Queria que entendesse o risco que estava correndo, mas se ela soubesse o risco que ele corria, jamais sairia do seu lado.
— Confia em mim, , por favor. Eu já te falei tudo o que você precisava sobre o que está acontecendo, agora eu preciso que você confie em mim.
A angústia no olhar de Dean era algo que a mulher só havia visto na sala de espera do hospital, enquanto eles aguardavam o médico declarar o diagnóstico de John. Sabia que Dean não conseguiria se concentrar no que quer que fosse enquanto precisasse pensar na segurança dela, então, com cuidado, passou a mão pelos cabelos curtos do rapaz, repousando na nuca, onde começou um carinho suave.
— Tudo bem, meu amor. Eu confio em você — puxou o namorado para depositar um beijo na lateral de seu rosto. — Agora, me ajuda a fazer as malas? Elas estão guardadas em cima do armário, eu não alcanço.
Dean sorriu, aliviado, a gratidão estampada em seu semblante.
— O que seria de você sem mim?
— Provavelmente uma pessoa alguns pontos mais inteligente na escala WAIS.
— Eu desisto de você, — o rapaz se levantou, balançando a cabeça para os lados, em negação, e riu, acompanhado da moça que usava somente o seu suéter cinza e meias brancas, esparramada na cama. Observou aquela cena, registrando o máximo de detalhes que podia. Se existia algum Deus no céu, Dean pedia que ele lhe permitisse viver aquilo todas as manhãs.
— Dean, vem logo.
Castiel apressou o amigo, que terminava de estacionar na oficina. Estava voltando do aeroporto da cidade de Kansas, de onde pegaria o avião para Toronto, onde a tia morava, quando recebeu a ligação afobada do amigo.
— Calma, Castiel. Se eu for mais rápido, começo a voar. Tenho cara de quem tem asa?
O moço de olhos azuis vibrantes riu. Estava estranhamente empolgado, mas Dean podia estar enganado: muitas vezes, Castiel só era estranho, mesmo. Foram até os fundos do terreno, onde Bobby os esperava ao lado de um carro coberto com uma lona desbotada. Segurava uma garrafa de cerveja, e parecia otimista.
— Que diabo vocês aprontaram? — o rapaz perguntou, desconfiado.
— Conheça seu novo carro de corrida, idiota — Bobby respondeu, enquanto Castiel levantava a lona e revelava um Subaru WRX preto, reluzente.
Droga, Sam!
— Como vocês conseguiram isso?
Bobby deu de ombros, e tomou um gole da cerveja.
— Um cara engraçado o deixou aqui hoje, mais cedo. Disse que queria uma manutenção geral, e que vinha buscá-lo só na semana que vem. Se não fosse o vício dele em chocolate e pirulitos, eu diria que foi um milagre do Senhor. Até nome de arcanjo ele tinha. Santo Gabriel!
Castiel riu, jogando as mãos ao alto, extasiado.
Dean franziu o rosto. Não conhecia ninguém com aquela descrição, nem se lembrava de algum amigo antigo de Sam que pudesse se encaixar. Rodeou o carro algumas vezes, enquanto Bobby cantava as especificações da máquina.
— Se eu entendo alguma coisa sobre carros, essa belezinha aí te coloca lado a lado com a cadelinha do Chuck.
— E se eu entendo alguma coisa sobre corredores, com carros equivalentes, dependendo só de habilidade, você ganha do Dick, Dean — Castiel completou o raciocínio do mecânico.
Dean não entendia muito de carros modernos, sua paixão eram os antigos, mas confiava na avaliação de Bobby (na de Castiel, nem tanto).
Sentou-se ao lado do mecânico, pegando uma cerveja na geladeira, no caminho. Algo ainda lhe parecia muito estranho.
— Garoto?
— Huh?
— Esse carro precisa estar inteiro na próxima quarta-feira, o que significa que a corrida precisa ser, pelo menos, dois dias antes disso.
Sem responder, o rapaz sacou o celular do bolso, apertou algumas teclas e acionou o viva-voz. Alguns toques depois, e uma voz animada atendeu do outro lado.
— Dean! Que surpresa boa. O que conta de novo? Como vai a garota?
— Corta a conversa fiada, Chuck. Quero falar da corrida.
— O tato dos Winchester... Tenho um colega advogado que enfrentou o Sam, seu irmão mais alto, mais bonito, mais bem sucedido, com um casamento feliz com uma mulher gostosa, filhos e uma casa bonita na Califórnia. Ouvi falar que é tão gentil quanto você. Deve ter sido a educação exemplar que o louco do seu pai deu a vocês — Chuck suspirou, dramático. — Enfim, o que você queria falar sobre a corrida?
Dean apertou o celular, se concentrando em não mandar Chuck para o inferno. Os nós dos dedos estavam brancos e os dentes, trincados.
— Você não me disse quando vai ser.
— Ah, sim. Como eu fui esquecer? Erro meu, o que é raro, modéstia à parte — Dean, Castiel e Bobby reviraram os olhos ao mesmo tempo. — Você tem três dias para se preparar.
O trio trocou alguns olhares rapidamente e Bobby assentiu.
— E quais as condições do acordo?
— Como você é desconfiado, Dean! Você tem que ganhar, é isso. E, olha só, como eu estou generoso, hoje, vou até te deixar escolher a pista. Nós podemos liberar o Heartland Park Topeka ou mesmo o Kansas Speedway, você escolh—
— Eu quero correr na rua. Da Universidade de Kansas, contornando o Jayhawk Club e de volta ao Brook Creek Park.
Chuck ficou mudo. Por um instante, Dean imaginou que tivesse estragado tudo, mas logo ouviu a voz irritante do agiota, novamente.
— Domingo, às 2h, então. Vou mandar preparar o trajeto. Até lá, Dean.
Ouviram o clique da ligação se encerrando.
Era isso. Três dias separavam Dean da chance de se livrar daquele inferno.
Domingo, 00h45 e as apostas estavam para se encerrar.
Era tradicional no submundo das corridas ilegais que os espectadores fizessem suas apostas até uma hora antes da corrida: divulgar o valor acumulado antes de dar a largada era parte da emoção. A diferença, naquela noite, era que havia apenas dois competidores, e os nervos estavam à flor da pele.
— Tenso, Chuck?
O agiota deu um guincho assustado. Estava concentrado nos últimos ajustes que Dick fazia no Eclipse vermelho que ele dirigia, e não reparou quando Nick se aproximou com Crowley, Rowena e dois garotos que ele não conhecia.
— Eu? Não! Por que estaria?
— O Winchester tem uma dívida alta em jogo. Você não tem nenhum medo de que ele ganhe?
— Nick, você assistiu às últimas corridas dele? O governo devia cassar a carteira de motorista dele. Ouviu, Crowley?
— Ah, sim, claro. Providencie isso, Kevin — o escocês respondeu sem ânimo, num tom que indicava que nada daquilo seria feito.
Chuck finalmente olhou para o grupo, intrigado. Mandou que Michael fosse conferir como Dick estava, e se dirigiu a Crowley mais uma vez.
— Fergus, eu imagino que você se lembre que essa é uma área reservada, certo? — Perguntou indicado a pequena estrutura privativa montada para abrigar o alto escalão da Aliança. — Eu nunca ouvi falar em nenhum Kevin. Quem é Kevin, Crowley?
Se forçando a não revirar os olhos, sem um pingo de paciência, Crowley indicou o garoto sino-americano com um aceno de cabeça.
— Kevin Tran. É um intrometido de QI elevado e mãe impertinente que tentou invadir um sistema secreto do governo e, de alguma forma, veio parar na minha equipe de corredores — encarou Rowena, acusador, e recebeu um sorriso inocente em retorno.
— Certo... — Chuck analisou o garoto, sem muita fé na história do político. Apontou, então, para o outro garoto. — E aquele ali, quem é?
— Aquele é J—
— Aquele ali está comigo — Nick interrompeu, assumindo a conversa novamente. — Mas acho que você não vai se interessar por dois garotos recém desfraldados quando eu tenho uma proposta muito mais interessante para você, não é, Chuck?
O rosto do agiota se iluminou com a insinuação de Nick. Chuck podia comandar uma das maiores alianças de corridas ilegais do Kansas, mas era, acima de tudo, apaixonado pela adrenalina do jogo.
— Que proposta é essa?
— Uma aposta interna. Só entre eu e você — o mafioso sorria sutilmente, como uma cobra que espreita um belo coelho na mata. — Eu fiquei com pena do rapaz, então resolvi dar um voto de confiança a Dean. Estou apostando nele, mas se ele perder, toda a grana que eu ganhei essa semana é sua.
— E se ele ganhar?
— Se ele ganhar, você me passa 5% das suas ações da Aliança — Chuck parecia ter sido pego de surpresa. Disfarçando o desconforto gerado pela proposta de Nick, ponderou, tentando ganhar tempo. — Ora, não é um risco muito alto, não é mesmo? Você mesmo disse que Dean tem ido mal nas provas. Eu tenho mais chances de sair no prejuízo, aqui, ganhei uma grana preta em apostas, essa semana. E então, o que me diz?
— O que te deu para estar tão generoso assim, Nick?
O mafioso deu de ombros.
— Acordei de bom humor, recebi algumas notícias boas, alguns rivais se ferraram... Qual é, Chuck? Você, melhor do que ninguém, deveria entender que um homem joga pelo prazer de jogar, não é mesmo?
— Hm, bom... Acho que você tem razão. De qualquer jeito, 5% não vão me fazer muita falta.
Chuck acenou para Michael, que carregava uma pasta com contratos de apostas pré-preparados. Usavam esses contratos para apostas mais significativas, como garantia de que ao final da corrida, nenhuma das partes terminaria com um tiro no meio da testa. Preencheram os termos e assinaram nas linhas pontilhadas.
Agora era só ganhar a corrida, mas Nick não parecia ter muito com o que se preocupar. Sorriu discretamente quando Chuck arregalou os olhos, surpreso de ver Dean guiando um Subaru. Lá se ia a vantagem óbvia de Dick. Com um aceno rápido, o mafioso cumprimentou seu irmão mais novo, loiro como ele e o filho, que mordiscava uma barra de chocolate ao lado do telão onde a corrida seria exibida.
01h58
Dean apertou o cinto, respirando fundo. Olhou para o grupo amontoado na entrada da Universidade do Kansas e encontrou Castiel e Bobby. Por um instante, imaginou ter visto Sam ali, também, mas a luz vermelha que se acendeu à sua frente o fez mudar o foco.
— Ei, Winchester? — Dick gritou de dentro do outro carro, à esquerda do Subaru. — Já contou para a garota que agora ela tem outro dono?
Dick riu, a boca escancarada como uma fera sombria pronta para abocanhar um pedaço de carne.
01h59
Ignorou o babaca e tentou se concentrar em vencê-lo.
Agora pensava na namorada, refugiada em Toronto, correndo um risco que ele criou.
Viu a luz ficar amarela.
Pensou no pai, e na promessa que fez a ele de que cuidaria de Sam e construiria com uma família tão bonita quanto a deles, se assim ela quisesse.
Respirou fundo mais uma vez.
5
4
3
2
1
...
02h00
A luz verde brilhou, e a garota de biquíni que tentava ascender na carreira de modelo acenou as bandeiras, dando a largada. Dean deixou que Dick tomasse a dianteira, focado na contagem mental que fazia. Sabia que os semáforos levavam 45 segundos para alternar as luzes, e usaria isso em seu benefício. Na verdade, por mais que os dois carros fossem potentes e equiparassem os corredores nesse aspecto, o Winchester tinha uma vantagem importantíssima sobre o adversário: Dick Roman podia ser excelente em corridas nos circuitos oficiais, disputados nos autódromos ilegalmente reservados para as Alianças, mas Dean se criou correndo nas ruas, e a habilidade com o volante não era suficiente ali.
Emparelhados, viraram a primeira esquina, à esquerda, onde Dean conseguiu uma certa vantagem. Estavam circulando a universidade, sem preocupação com sinais vermelhos, por enquanto. O trajeto total durava em torno de vinte minutos no trânsito normal, e o Winchester esperava concluir o circuito em dez ou menos.
Contornaram o Jayhawk Club, seguindo em direção à universidade novamente. De lá, seria basicamente uma única reta até o Brook Creek Park, e Dean ansiava por esse momento.
No canto da área reservada, os dois garotos lamentavam estar ali. O rapaz loiro mantinha os olhos no console que apitava a cada botão apertado, tentando aniquilar a maior quantidade de aliens que fosse possível sem perder vidas.
— Droga, jogo idiota! — Esbravejou quando não conseguiu desviar de um ataque a tempo.
— Calma aí, Mike TV, não adianta brigar com o jogo. Estatisticamente falando, é mais provável que a culpa seja sua, mesmo.
— Antes Mike TV do que Neo.
Kevin franziu as sobrancelhas, levemente surpreso com o comentário.
— Olha só, o neném conhece Matrix.
— O neném, que é só dois anos mais novo que você, nunca correu o risco de ser preso por ser viciado em jogos. Você, por outro lado...
Jack deu um sorrisinho irônico a Kevin e voltou a se concentrar na partida. O mais velho decidiu que não valia a pena continuar a discussão com, nas palavras dele, uma criança. Não passou muito tempo até que Jack se irritasse com o videogame novamente.
— Qual é, Samus? Qual a dificuldade em virar uma bola?
— Samus? Você está jogando Metroid? — O hacker se intrometeu, curioso.
O caçula levantou os olhos do console e encarou o garoto de olhos puxados.
— Você conhece Metroid?
— Tá brincando? Esse jogo é um clássico! Qual você está jogando?
Jack estendeu o aparelho para Kevin, mostrando a tela pausada.
— Metroid, mesmo, o primeiro. Eu consegui um emulador para os mais antigos, mas já joguei todos, e nenhum bate o...
— ...Super Metroid! — Os garotos responderam ao mesmo tempo, e explodiram em risada, como bons adolescentes.
— Eu sou Kevin — o hacker esticou a mão aberta ao gamer, que retribuiu apertando-a com leveza, mas entusiasmo.
— Jack!
À distância, a dupla escocesa assistia à interação dos jovens.
— É seguro deixar aquele filhote de cão se aproximar do garoto?
Rowena encarou Crowley, inexpressiva.
— E quem é quem? Honestamente, Fergus, não sei quem é mais perigoso ao outro.
Crowley revirou os olhos.
— Francamente, mulher, você e essa sua devoção pelo próprio Lúcifer encarnado e a prole... — o político bufou, irritado.
— Ora, Fergus, o que você chama de devoção, eu chamo de politicagem. Você devia saber.
Com os olhos quase cerrados, Crowley fitou a mãe. Aquela era só mais uma alfinetada que a mulher dava à sua vida política.
— Eu estou tentando me livrar daquela família há anos, Rowena, e você continua mantendo as boas relações com Nick. E agora ainda tenho que aguentar meu melhor corredor virando melhor amigo de infância da cria dele.
— A cria dele é a melhor forma de manter conexões favoráveis com Nicholas, Fergus. Mantenha Kevin por perto, seja a figura paterna dele, e deixe que ele e Jack façam o resto. Nicholas, como todo pai e mãe, moveria montanhas pela felicidade do garoto, e essa é a sua maior vantagem sobre ele, mas eu não espero que você entenda, é claro. Você precisaria ser pai para entender.
Crowley jogou as mãos para o alto, desistindo de conversar com a mãe. Voltou a atenção para a corrida, que se aproximava da reta final.
Passando pelo segundo semáforo verde naquela avenida, Dean começou a diminuir a pressão no acelerador. Mentalmente, fazia a contagem dos segundos, e já estava em 30s. Passaram pelo terceiro semáforo, e Dick seguia à toda velocidade, rindo, empolgado por estar à frente.
Quando passam o quarto, a luz ficou amarela.
No sexto, entretanto, a luz já estava vermelha, e Dean desacelerou. Dick, por outro lado, seguiu, e foi surpreendido no meio da travessia pela ambulância que vinha da avenida paralela em alta velocidade. Com um drift, desviou a direção do volante e virou à esquerda, saindo do circuito. Dean sorriu, aliviado. Aquela fora uma manobra arriscada: podia ter dado preciosos segundos de vantagem ao adversário a troco de nada. Acelerou novamente, aproveitando o tempo que tinha até que Dick se recolocasse na corrida.
Virou à esquerda, começando a subir em direção ao Brook Creek Park. Conferiu rapidamente o relógio no painel do carro, contando sete minutos de prova. Logo estavam emparelhados novamente, a um quarteirão da linha de chegada, e se Dean havia calculado bem o trajeto, aquele trecho seria sua cartada final.
Concentrado, desviou levemente para a esquerda, quase encostando o carro no Eclipse de Dick. Tentando recuperar uma distância confortável, o adversário de sorriso maníaco recuou, aproximando o carro ainda mais da calçada, encurralado. Dean apertou as mãos no volante, observou a que altura da rua estavam, e se preparou. Em menos de vinte metros, virou quase totalmente o volante, voltando para a pista da direita; estava desviando de um cano mal instalado sob o asfalto, que criou uma protuberância semelhante à uma lombada. Dick, pego de surpresa, freou bruscamente para não capotar o carro, dando os segundos finais do circuito de vantagem a Dean. O Winchester cruzou a linha de chegada, extasiado, e mandou um gesto bastante deselegante a Chuck pelas câmeras que registravam o resultado da corrida.
Estava, finalmente, livre daquele pesadelo.
De volta ao campus da universidade, o corredor encarava o agiota nos olhos.
— Essa foi a última vez, Chuck. Minha última corrida. Eu estou saindo dessa sua fantasia de carrinhos de criança, e espero que você cumpra a sua parte do acordo.
Chuck soltou um muxoxo de frustração e estalou a língua. Desviou o olhar, mas foi obrigado a responder quando Bobby, posicionado com Castiel atrás de Dean, como dois guarda-costas, balançou uma grande barra de ferro nas mãos. Michael se adiantou, mas foi barrado pelo chefe.
— Deixa, deixa, Michael. Eles estão certos. Você venceu, Dean, e eu te dei a minha palavra, está liberado da dívida — acenou com a mão, como se os estivesse dispensando, mas continuou a falar: — O que você fez hoje... eu nunca teria imaginado que venceria Dick desse jeito. Considere um milagre divino.
— Eu não acredito em milagres.
Sem dar a chance de resposta, o trio se afastou, indo em direção ao carro que Dean usou para competir. Estavam prestes a entrar no veículo quando foram abordados.
— Foi uma boa corrida — o homem parabenizou, segurando o pirulito já pela metade na mão.
Bobby e Castiel perderam a cor e o fôlego ao mesmo tempo. Dean analisou o indivíduo, e concordou rapidamente com a cabeça, abrindo a porta do carro.
— É, foi.
Levou uma cotovelada de Castiel, sem entender o que estava acontecendo, mas o estranho apenas riu, e sinalizou que estava tudo bem.
— Sabe, quando o meu irmão pediu que eu levasse o carro para uma revisão, ele me disse que tinha um pressentimento de que ele seria muito melhor aproveitado depois disso. E não é que ele estava certo? — O rapaz riu, colocando o pirulito na boca novamente. — Ora, não façam essas caras. Ou façam, são hilárias e parece que alguém me contou uma boa piada.
Dean, finalmente entendendo o desespero dos outros dois, tentou falar algo, sem sucesso. Entre balbucios e grunhidos que não podiam sequer ser chamados assim, estendeu as chaves do carro de volta para o dono, que fechou a cara, fingindo estar ofendido.
— Você não acha que eu vou aceitar esse carro de novo, sabendo que nem eu, e nem meu irmão, jamais vamos conseguir pilotar desse jeito, não é? Meu sobrinho, talvez, mas ele é mais chegado nos conversíveis, quando sai daquele videogame — balançou a cabeça, repreendendo as atitudes do garoto. — Não, não. Você fica com isso. Garanto que a garota vai gostar.
Com uma piscadela, o loiro (e possivelmente diabético) se despediu, deixando o trio em choque para trás. Voltando a si, Dean jogou as chaves no colo de Castiel, e abriu a porta do lado do passageiro.
— Me deixa em casa, — disse ao amigo — e fica com o carro.
O dono dos olhos azuis brilhantes riu e comemorou com Bobby, que ria também. Se ajeitaram dentro do veículo, e deram a partida.
Chuck estava pensativo. Repensava todas as palavras que tinham saído de sua boca quando fez a proposta da corrida a Dean, procurando alguma brecha que fosse favorável a si. Saiu do transe quando viu Nick se aproximar.
— Que dia!
— Ahn... — o agiota resmungou.
— Perder um corredor é duro, mas perder para um corredor, ah, isso é pior ainda.
Chuck não respondeu. Nick deixou o silêncio se estender por alguns segundos antes de voltar a falar.
— Aliás, você está fora.
— Fora do que?
— Da aliança.
— Que merda você está falando agora, Nick?
— Ah, não é nada demais. É que, agora que eu sou o maior acionista da aliança e o seu maior corredor foi completamente descredibilizado pelo azarão Winchester, você não tem poder e nem dinheiro para se manter na presidência. E, honestamente, Chuck, ninguém te quer mais aqui.
Irritado com o que parecia ser uma brincadeira de muito mal gosto, Chuck cruzou os braços e virou de frente para Nick. A diferença de altura era quase constrangedora, pensou Crowley, sentindo na pele o que Chuck devia estar sentindo naquele momento.
— Eu não sei que matemática de merda você aprendeu, Nicholas, mas eu ainda tenho a maior porcent—
— A minha matemática vai muito bem, Chuck, você é que ficou um pouco por fora dos acontecimentos da última semana — Nick sinalizou para Crowley, que entregou uma pequena pasta com alguns documentos assinados. O mafioso tirou um por um e deu a Chuck. — Nosso amigo escocês e alguns outros sócios minoritários estavam incomodados com o repasse injusto dos lucros e concordaram que euzinho aqui seria um presidente muito melhor do que você, e me cederam alguns títulos. E, agora que eu ganhei a nossa aposta, eu tenho 50% das ações da Apocalipse, e você, só 45. Como novo presidente, a minha primeira ordem é essa: você está fora.
Alguns acionistas que assistiram à corrida agora prestavam total atenção ao que ocorria dentro da área reservada. Com um sorriso cínico estampado no rosto, Rowena entregou um documento em branco e uma caneta a Chuck: assinando, ele passaria todas as suas ações a Nick, e, pressionado, foi o que ele fez. Devolveu o papel e a caneta à ruiva, e encarou Nick com ódio.
— Dick vai comigo, e Dean não vai mais correr. Como você pretende manter a Aliança lucrativa desse jeito?
O mafioso sorriu, como se estivesse esperando por aquela pergunta.
— Jack! — Sem tirar os olhos do game nem por um segundo, o garoto se adiantou, indo até Nick.
— Esse é o seu corredor? — Chuck apontou para Jack, rindo debochado.
— Não, esse é o meu filho — o novo presidente da Aliança lançou um olhar mortal a Chuck, que parou de rir imediatamente. — Jack estava morando com a mãe na Ásia, estava em um curso preparatório para a faculdade, ele é uma espécie de gênio da tecnologia. — Virou-se para Crowley, com uma expressão divertida e apontou para Kevin — Acho que ele vai se dar bem com o seu garoto.
O político sorriu, forçado, e revirou os olhos quando ouviu Rowena rir baixinho. Odiava quando a mãe estava certa. Nick continuou o discurso, ignorando o escocês.
— Jack vai liderar algumas mudanças importantes na Apocalipse. Essa é uma nova era, Chuck, uma era mais moderna. Estamos entrando nos fliperamas em tamanho real, grandes pistas de carrinho de brinquedo do tamanho e preço de uma Ferrari de Fórmula 1, guiados à distância pelos pilotos. Vamos ter circuitos novos, pistas mais elaboras, manobras mais arriscadas... Todo aquele carnaval que os fãs gostam de assistir. Toda a revolução que você se negou a trazer para nós, Chuck, agora está nas minhas mãos — Nick acenou novamente, chamando o irmão, que vinha acompanhado de um grupo de fortões mal encarados. — Gabe, você e os seus amigos podem acompanhar Chuck e Michael até a saída? Sabe como é, essa é uma área reservada.
A ameaça velada foi suficiente par que Chuck se desse por vencido e puxasse Michael para fora dali. Tomaria seu tempo para pensar, mas Nick estava muito enganado se pensava que aquela seria a última conversa dos dois.
A luz fraca do sol ainda nascente iluminava a mulher na varanda da casa. Segurava a familiar xícara de chá quente em uma das mãos, e um livro qualquer aberto na outra, mas estava longe de conseguir se concentrar. Dean não havia respondido nenhuma de suas mensagens desde a tarde anterior, antes da corrida, Bobby e Castiel também não. O único que respondeu foi Sam, que tinha tantas informações quanto ela.
Recostou-se na cadeira de balanço da tia, puxando uma manta felpuda sobre o colo, e fechou os olhos. Estava quase cochilando quando ouviu o som conhecido do motor do Impala, e não soube bem como reagir ao abrir os olhos e ver o carro preto estacionando na frente da casa. Dean estava bem, e estava ali.
O rapaz correu para abraçar , aliviado por estarem ambos em segurança, agora. Depositou um beijo no topo da cabeça da namorada antes de selar os lábios com os dela, cheio de saudade e carinho.
— Está tudo bem, agora — sussurrou, apertando os braços em torno dela. — Nós estamos bem.
Ficaram alguns segundos assim, aproveitando da presença um do outro, até que Dean teve uma ideia.
— ?
— Hm?
— O que você acha do Canadá?
— Tem... canadenses — a mulher responder, torcendo o nariz de brincadeira. Dean rolou os olhos, rindo de leve.
— Estou falando sério. Parece bom aqui, e eu quero sair de Lawrence.
levantou o rosto, encarando o namorado com certo sarcasmo.
— Eu te conheço, Dean Winchester. O Canadá é lindo, mas você seria preso em uma semana por rir da guarda montada — o homem tentou disfarçar, mas caiu na risada só de imaginar os policiais canadenses. se aninhou no peito do rapaz novamente, respirando fundo para absorver cada nota do perfume dele. — Nós podemos ir para o Texas. Você sempre quis morar lá.
Dean suspirou, pensativo.
— Texas! É, acho que nós podemos recomeçar no Texas.
se esticou, e deu um beijo na bochecha do namorado.
— Meu cowboy fora da lei.
— Howdy!
Fim!
Nota da autora:
Hello, boys!
Obrigada por ter lido até aqui!
Eu juro que tinha a menor pretensão de escrever uma AU de Supernatural, mas as histórias tomam vida própria, né? HAHAHA
Espero que tenha gostado! Para qualquer observação, crítica ou elogio, pode deixar um oizinho aqui, será muito bem vindo ♥
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See ya ♥
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