Finalizada em ou Última atualização: 12/01/2023

Minas Uai

Belo Horizonte, primavera de 2017

Morar sozinha não é um bicho de sete cabeças, até você chegar na prática. Pela primeira vez eu estava empolgada com algo na minha vida além do xadrez. E a insistência dos meus pais para que eu fizesse uma faculdade foi algo positivo após minha vaga na Escola de Design sair e eu me encontrar de malas prontas para morar em BH. Diferente do sul, eu viveria verão pleno o ano inteiro a partir de agora, o que animava ainda mais meus bons hábitos de jogar minhas partidas solos ao ar livre.

Não foi fácil convencer meus pais, menos ainda os avós a aceitarem o fato da única filha e neta morando longe. Mas eles é que tinham procurado com as próprias mãos e juro que não foi vingativo. E não tinha negociação, pois o melhor curso de gráfico no país era indiscutivelmente na Escola de Design da UEMG. Agora, estava eu saboreando minha primeira semana de casa nova, dividindo um apartamento na região da Savassi, com mais duas garota.

— Ainda acho que falta alguma coisa. — sussurrei a mim mesma, ao finalmente terminar de arrumar as coisas no meu quarto.

Três dias enrolando e minhas roupas ainda estavam nas malas, esperando minha boa vontade de guardá-las. Minha aulas só começariam na próxima semana, então eu tinha tempo o suficiente para conhecer a região, passear pela praça da Liberdade e curtir o término das minhas férias. Eu já tinha conhecido a Lola, filha dos donos do apartamento e universitária junto comigo, pertencente ao curso de arquitetura da PUC do Coração Eucarístico, mas ainda faltava a terceira integrante chamada Joyce, que viria direto da Bahia para o curso de jornalismo da Federal de Minas. A parte negativa é que a Escola de Design se localizava na avenida Antônio Carlos, bem longe de onde eu moraria, porém nada como um ponto de ônibus na porta de casa que não me resolveria, apesar do gasto com as passagens.

— Uau, que organização, . — comentou Lola, ao aparecer da porta do quarto, boquiaberta.
— Puxei da minha mãe, ri comentando com ela. — voltei meu olhar para o porta retrato na cabeceira ao lado da cama, a foto que me dava orgulho.
— Eu estou indo num encontrão de calouros da PUC, você quer ir também? — perguntou ela.
— Não obrigada, eu estou fugindo da calourada da minha universidade. — recusei em risos — Mas obrigada.

Ela assentiu de leve e retornou ao seu quarto, para terminar de se arrumar. Eu não estava animada com esses eventos universitários, não após uma sequência de viagens que tive do último torneio de xadrez premium que participei de última hora. E com a correria devido a mudança para Minas, agora só queria sombra e água fresca. Eu me espreguicei um pouco e voltei meu olhar para meu mini tabuleiro de xadrez, então pensei em aproveitar a deixa e dar uma volta pela praça para aproveitar o dia. 

Peguei minha bolsa transversal e conferi se minha carteira e os documentos estavam, encaixei o mini tabuleiro e o celular, saindo do quarto em seguida. Deixei um bilhete para ela, lembrando-a sobre a cópia da chave que seria para a Joyce, pois ela só havia conseguido fazer a minha. O dia estava bonito, mesmo com o céu nublado, e não parecia que iria chover naquele dia.

— Ahhhh… Chuva? — disse assim que atravessei a rua, e percebi a primeira gota cair em meu ombro — Sério? Não podia esperar até à noite?

Em um piscar de olhos, o que era apenas pingos aleatório foi crescendo e se tornando uma verdadeira tempestade com direito a ventania e alguns trovões no processo. Não me restou muita opção a não ser correr para debaixo de uma marquise e ficar encarando o mau tempo enquanto espero pela chuva passar. Foi quando reparei que estava escondida bem próximo ao novo prédio da Escola de Design que ainda passava por reformas. Um patrimônio tombado que foi conquistado com lágrimas pela UEMG.

— Que estranho. — sussurrei olhando em volta — Eu estou ouvindo coisas?

Tinha certeza que não estava ficando maluca, eu estava mesmo ouvindo um barulho, como se fosse o choro de um animal. Me esqueci por instantes da chuva e comecei a procurar, ouvindo o som cada vez mais nítido, até que encontrei dentro de uma caixa de sapatos, em meio aos entulhos da reforma da Escola, três filhotes de gato que pareciam com fome e bem desnutridos.

— Oh céus, que maldade, quem foi o covarde que deixou vocês aí? — eu peguei a caixa de imediato, não me importando se me sujaria ou não, apenas preocupada com eles.

Não sabia o que fazer, se eram filhotes, como eu cuidaria deles? E se estivessem doentes? Peguei meu celular e pesquisei no Google a clínica veterinária mais próxima de onde eu estava. Olhando para os nomes, endereços e as avaliações, escolhi uma mais confiável e chamei um Uber para me levar ao local. E quanto mais eu me aproximava, mais a chuva continuava caindo como se não houvesse amanhã.

— Boa tarde, em que posso te ajudar? — disse a recepcionista, assim que entrei pela porta praticamente toda molhada e carregando a caixa de sapatos com cuidado.
— Oi, eu encontrei esses filhotes jogados em meio aos restos de uma obra, mas não sei o que fazer, não sei se eles estão bem e… — eu estava mais perdida do que tudo, porém precisava ajudá-los — Um deles parece estar doente.
— Entendi, nós vamos cuidar deles. — disse ela, ao se afastar do balcão e se aproximar de mim — Somos uma clínica conveniada com o governo, fazemos atendimento gratuito aos animais acolhidos de rua, caso não queira se responsabilizar por eles.
— Não precisa, eu vou me responsabilizar por eles. — disse de imediato, sem pensar nas consequências, se as tivesse.
— Tudo bem, então. — a recepcionista sorriu gentilmente pegando a caixa das minhas mãos — Eu vou levá-los ao veterinário de plantão, enquanto isso, poderia, por favor, preencher a ficha de atendimento. — ela voltou o olhar para a outra funcionária — Carla, poderia, por favor, fazer o cadastro? Eu já volto para te passar mais informações sobre o estado deles.

Eu assenti com a cabeça e me aproximei do balcão. Não demorou nem cinco minutos para fazer o cadastro, mas passei longos minutos à espera de notícias, até que a tal Carla me pediu para acompanhá-la até o consultório do veterinário. A primeira surpresa veio quando meus olhos encontraram os olhos de , deixando visível que ambos não esperavam por aquilo.

— Koblova? — disse quase em sussurro.
— Boa tarde, Vescovi. — ele não parecia tão chocado quanto eu.
— O que faz aqui? — indaguei ainda confusa.
— O que te parece. — ele riu baixo, então voltou o olhar para Carla — Peça a Ingrid para aplicar as dosagens e mantê-los aquecidos.
— Sim, doutor. — assentiu ela, ao se retirar do consultório em seguida, um tanto curiosa por notar que nos conhecíamos.
— O que faz em Minas? — perguntei a ele, adentrando mais a sala, até a cadeira em frente a sua mesa.
— Acho que o mesmo que você. — respondeu ele, suavizando o olhar — Soube que passou na UEMG.
— Não sabia que notícias sobre mim corriam tão longe. — puxei a cadeira e me sentei de frente para ele — Menos ainda que se importava.

Ele sorriu de canto e voltou o olhar para os papéis em cima da sua mesa. Aquilo me deixou em choque e ao mesmo tempo com o coração acelerado. Eu tinha minha história de rivalidades com os irmãos Koblova, mais ainda com ele por ainda não tê-lo vencido em uma partida oficial.

— Vamos ao assunto principal, os filhotes que achou são aparentemente recém-nascidos, vão precisar de muito cuidado e amor. — disse ele, voltando o olhar para mim — Infelizmente um deles está machucado, não sei o motivo e não tenho muita esperança quanto a sua recuperação, talvez ele não passe de hoje…
— É tão grave assim? — perguntei tentando entender a gravidade.
— Sim, eles estão desnutridos, o que sugere que foram abandonado logo após nascerem, vai saber quanto tempo ficaram dentro da caixa na chuva até encontrá-los. — explicou ele, num tom mais sério — Acho que a Ingrid já te falou sobre nosso convênio com o governo, caso você não tenha condições de ficar com eles, podemos colocá-los para adoção assim que se recuperarem e tiverem o tempo certo para isso.
— Eu vou ficar com eles. — assegurei a ele, mantendo a minha palavra.
— Ok. — ele sorriu de canto novamente, me deixando impressionada com tamanho charme e beleza.

Filho da mãe. Ele voltou a anotar alguma coisa em um dos papéis.

— Mas… — ele parou de escrever, parecia pensar no que iria dizer — O que te fez escolher Bh?
— Me diz você primeiro. — retruquei — Ouvi boatos que estava morando em Lisboa com seu tio.
— Acho que não sou o único que se importa. — ele voltou o olhar para mim, numa intensidade incomum.

Aquilo sim me constrangeu um pouco.

— Foram palavras do seu irmão. — tentei me defender.
— Jogou novamente contra ele? — indagou com o olhar mais interessado no assunto.
— Ele não se cansa de perder para mim. — disse com o meu olhar confiante de sempre.
— Imagino que não. — concordou ele, disfarçadamente — E o que vai estudar aqui?
— Acho que você não está tão informado assim. — brinquei de leve.
— Só queria confirmar se minha informação está correta. — ele entrou na brincadeira.
— Design gráfico. — respondi — E de onde veio medicina veterinária?
— Um sonho antigo, mas ainda não sou formado e tento apenas sobreviver a este estágio. — explicou ele, objetivamente — Mas o xadrez sempre vai ser o número 1.
— Nisso eu concordo. — assentiu, tentando não encarar aquele olhar.
— Bem inesperado estarmos aqui e agora, não é? — comentou ele, me entregando um dos papeis com o prontuário do atendimento.
— Com certeza, nunca imaginei que isso pudesse acoontecer. — concordei — Ainda mais com tantas clínicas veterinárias na região. Mas… Obrigada por ter atendido os meus animais.
— Tem certeza que pode ficar com eles? — perguntou , com o olhar intrigado.
— Bem… — certeza eu não tinha.
— Você não sabe, não é? — indagou ele.
— Eu quero ficar com eles, só preciso descobrir se posso. — confessei minha situação.
— Bem, eles terão que ficar aqui por alguns dias, então você tem tempo para ajustar as coisas. — disse ele, como se tentasse me ajudar indiretamente.
— Obrigada. — disse com um sorriso singelo para ele.

Uma piscada discreta em recebimento ao agradecimento para fazer meu coração disparar. Mercenário. Mesmo com todo aquele tempo que não o via nos torneios regionais e no nacional, ele ainda me causava isso. Desde que ele havia se mudado para Lisboa, para morar com o tio, a única notícia que consegui. E nem mesmo sabia que ele havia retornado ao país e estava fazendo medicina veterinária.

Se esse encontro não era o destino, eu não sabia o que era.

Smooth like butter
Like a criminal undercover
Gon' pop like Trouble
Breakin' into your heart like that (ooh).
- Butter / BTS

Coragem: A única forma de vencer é nunca desistindo.” - Pâms



FIM?!



Nota da autora:
Bom dia gente. E vamos de mais um pouquinho de xadrez, porque a maratona de TQG na Netflix vai demorar pra sair. Espero que tenham gostado desta maratona no desafio clichê, inicialmente não escreveria nossa enxadrista em todos os desafios, porém aqui estamos nós de novo sem saber qual realmente será o último. Em breve quem sabe, a longfic.
Bjinhos...
By: Pâms!!!!
Jesus bless you!!!




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*as outras fics vocês encontram na minha página da autora!!

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