Finalizada em ou Última atualização: 28/12/2022

Rio 2016

Rio de Janeiro, verão de 2016

Eu amo ser enxadrista do fundo do meu coração e todos já sabem disso, entretanto, das 41 modalidades de esportes na lista dos Jogos Olímpicos - Rio em 2016, nenhuma é o xadrez e isso foi um balde de água fria para mim. Contudo, nem tudo estava perdido já que meu segundo esporte favorito era o vôlei e mesmo não podendo jogar, eu poderia ser uma entre os milhões de voluntários que trabalhariam no evento. Como aconteceu? Graças ao amigo de um amigo, de um amigo, consegui minha vaga justamente como auxiliar nas partidas das seleções de vôlei, unindo o útil ao agradável sem precisar gastar uma grana com os ingressos e poder assistí-los de graça.

E meus pais concordaram com a ideia da filha de 17 anos em outro estado sendo voluntária? Na teoria, sim, na prática, mais ou menos. Contudo, para quem já viajou pela Europa em torneios de xadrez, passar uma média de 17 dias em outro estado não seria nada, e ainda teria a companhia e abrigo de minha madrinha Carol que morava na cidade. O pior que poderia acontecer seria não poder me voluntariar pela idade, porém graças a minha influência em inglês, italiano e russo, abriram-me uma pequena exceção. E ainda me perguntam o motivo de amar o xadrez, afinal, foram as revistas internacionais do meu esporte que me forçaram a aprender outros idiomas.
  
— Pronta para o primeiro dia? — perguntou Dara, a coordenadora da equipe responsável pelas partidas de vôlei.
— Sim. — dissemos todos em coral.
— Muito bem, os quadros com a escala da partidas estão atrás de vocês, quero que todos se certifiquem de confirmar com uma assinatura ao lado do nome de vocês em cada partida que foram selecionados. — informou ela, enquanto segurava sua prancheta — No mais, desejo a todos boas partidas e vamos torcer para uma medalha de ouro para o Brasil.

Todos assentiram animados e seguimos para as quadras. Era um fato que nem todas as partidas seriam nos ginásios da cidade do Rio, e algumas certamente seriam selecionadas para outras cidades como Belo Horizonte e São Paulo. Entretanto, por uma ajuda divina, minha primeira partida de assistente voluntária seria logo a do Brasil contra o México, finalmente eu veria meu levantador favorito do vôlei em ação, ao vivo e a cores.

— Bem que você poderia ser mais novo ou menos bonito, assim eu não iria criar fanfics em minha cabeça. — resmunguei num tom baixo, ao observar o Bruninho da seleção, enquanto de aquecia na lateral da quadra.
— Eu sei que a paisagem é bonita, mas não se esqueça da sua função. — brincou Fátima, uma voluntária que fiz amizade, ao se aproximar de mim — Soube que os coordenadores estão bem rigorosos hoje.
— Eu sei. — assenti voltando aos meus afazeres.

A boa notícia? Nossa seleção venceu a primeira partida. A má notícia? Nem mesmo consegui me aproximar dos jogadores, ao final da partida. Mas não me daria por vencida, pelo menos um Oi, eu ganharia dele. 

--

Os dias foram passando e a seleção brasileira jogou algumas partidas em outra cidade. Quanto mais eu trabalhava, mais eu ficava ansiosa para ser escalada mais uma vez para o jogo da seleção. Até que o dia da partida final chegou, Brasil contra Itália. Com o coração disparado, pude acompanhar o jogo sem interrupções, pois estava de folga e por ser voluntária tinha direito a escolher assistir duas partidas de qualquer modalidade que quisesse. E claro que minha escolha seria o vôlei e gastaria a segunda com o futebol, apenas por desencargo de consciência.

Duas horas antes da partida, descobri que alguns jogadores já estavam no espaço reservado de convivência do ginásio. Aproveitei a oportunidade para me infiltrar entre os voluntários que trabalhavam, assim poderia me aproximar dos jogadores. Assim que entrei com meu crachá de identificação, olhei superficialmente para reconhecer os rostos. Lá estava o levantador mais habilidoso que eu conhecia. Sentado em uma poltrona aos fundos, com fones de ouvido. Eu não sabia o que fazer, nem como me aproximar. E por incrível que pareça, eu soube lidar muito bem com os enxadristas famosos que tive o prazer de conhecer no torneio internacional do ano passado. Porém, aquela situação era diferente, não estava em meu habitat natural. 

— Vamos lá , você não se intimida diante de uma partida de xadrez absoluto contra os irmãos Koblova. — respirei fundo e ajeitei minha bolsa transversal no ombro direito — Não será agora que farei isso.

Com discrição, retirei meus fones de ouvido e fingi estar ouvindo música, então me aproximei do lugar onde ele estava e me sentei na poltrona que estava de frente a dele. Olhei de relance e notei que Bruninho estava com a cabeça apoiada no encosto de olhos fechados, provavelmente se concentrando para a partida. Eu não consegui pensar em nenhuma alternativa para chamar sua atenção e iniciar uma conversa, então apenas me dei por satisfeita de estar ali e para passar o tempo, pois em algum momento ele iria se retirar, peguei meu mini tabuleiro de xadrez e comecei a jogar sozinha, refazendo algumas das partidas de xadrez absoluto que acompanhei na Europa.

Por um momento, perdi a noção do tempo e espaço de tanta concentração, quando despertei para a realidade, tive uma leve sensação de estar sendo observada. O que de fato se confirmou quando levantei minha cabeça e olhei para frente, me deparando com o olhar de Bruninho atento para mim.

— Você parece estar se divertindo muito. — comentou ele, retirando os fones de ouvido.
— Ah, sim. — confessei meio sem graça, ao retirar os fones do meu — Quando jogo, esqueço que o mundo em minha volta existe.
— Entendo perfeitamente essa sensação, sinto a mesma coisa quando entro em quadra. — concordou ele, mantendo o olhar fixo em mim — E meus olhos costumam a brilhar quando vejo a bola, assim como os seus olhando para o tabuleiro. Pelo menos é o que meus amigos dizem sobre mim.
— Contra fatos não há argumentos. — brinquei rindo de leve — Então certamente eles não devem estar mentindo.

Eu tentei ser o mais normal e serena possível, pelo menos externamente, diante do meu coração já acelerado e minhas pernas meio trêmulas. Estávamos iniciando o que poderia ser uma conversa super casual sem nenhum esforço de minha parte. Mais uma vez o xadrez me dando uma ajudinha básica na vida.

— Você costuma jogar contra si mesma? — perguntou ele, demonstrando curiosidade.
— Na maioria do tempo em que estou praticando, sim. — revelei a ele — Mas agora estou refazendo uma partida que vi e tentando encontrar uma forma do perdedor vencê-la com outras jogadas.
— Que tal mover o bispo ao invés da torre. — disse ele, em uma sugestão inusitada.

Eu olhei para meu tabuleiro e fiquei pensativa por alguns segundos, realizando a jogada mentalmente e visualizando os movimentos que seguiram depois, ficando chocada com o resultado. Então movi o bispo como ele havia sugerido e olhei para ele com surpresa.

— Você sabe jogar xadrez? — indaguei admirada.
— Um pouco. — respondeu ele, dando um sorriso bobo, que me encantou.
— Sério? — por essa eu não esperava — Achei que gostasse somente de vôlei.
— Quando criança eu praticava badminton, futebol e voleibol, mas aprendi um pouco de xadrez com o amigo e um amigo que era Grande Mestre. — contou ele, com o olhar saudoso, parecia recordar a época.
— Hum. — eu continuei o olhando desacreditada, seria muita coincidência na vida.
— Não acredita em mim? — indagou ele — Podemos jogar uma partida, você pode se surpreender.

Socorro! Eu estava de voluntária nas olimpíadas para ver a seleção brasileira de vôlei jogar e acabo tendo uma partida inesperada com o melhor levantador do mundo. Eu definitivamente amo o xadrez!

— Tudo bem. — disse não me intimidando, ao ajustar as peças no tabuleiro — Serei legal com você só porque é meu jogador preferido da seleção, pode escolher com qual quer jogar.
— Pode ser as brancas. — disse ele, com um sorriso de canto — E já que está sendo legal, nada de fazer o gâmbito da rainha invertido comigo.
— Como sabe sobre isso? — perguntei a ele, sem reação aquele pedido.
— Não é a única que acompanha outros esportes, . — brincou ele, mantendo aquele sorriso bobo no rosto.

Esse garoto não para de me surpreender.

— Hum... — eu voltei meu olhar tímido para o tabuleiro — Você começa.
— Boa partida. — sussurrou ele, num tom que me permitisse ouvir.

Não era um campeonato, mesmo ainda uma partida oficial, porém, tive a mesma sensação de como se fosse. E para alguém que não sabia muito do assunto, fiquei perplexa quando seus primeiros movimentos denunciaram suas intenções de usar a jogada do gâmbito da rainha contra mim. O olhei rapidamente indignada e voltando ao foco, deixei meu peão secundário na c6, para iniciar minha Defesa Eslava, deixando meu cavalo na b8 e minha rainha a disposição para aniquilá-lo.

— Você é realmente habilidosa. — comentou ele, em um elogio após sua derrota — Como sabia minha jogada?
— Seu movimentos iniciais te denunciaram. — respondi com tranquilidade — Se você tivesse feito uma Abertura Inglesa, movendo o seu primeiro peão para c4, talvez eu não tivesse notado com tanta facilidade, e duas jogadas à frente você poderia ter movido o outro peão para d4.

Enquanto explicava a ele, fui refazendo as jogadas no tabuleiro e lhe mostrando as outras duas maneiras que eu tinha de vencê-lo, no final quando meu olhar voltou para ele, fiquei um pouco constrangida pelo singelo brilho de admiração.

— Estou impressionado. — confessou ele, meio sem graça.
— Eu juro que queria te deixar ganhar, porém, foi mais forte do que eu. — brinquei, tentando descontrair um pouco mais.

Por um instante ele voltou o olhar para a direção da porta, eu olhei junto e reconheci um dos integrantes da equipe técnica, que parecia estar acenando para que ele o seguisse. Então retornei minha atenção ao Bruninho.

— Bem, já que eu perdi... — ele voltou o olhar para mim — Acho que você tem direito a um pedido.
— Qualquer pedido? — questionei.
— Hum... Desde que não seja algo impossível. — brincou ele.
— Quero sua camisa da seleção. — pedi sem pensar duas vezes.
— Só isso? — ele pareceu surpreso.
— E quem sabe uma aula de vôlei no futuro. — continuei, pedindo o improvável agora.
— Tudo bem, mas vou querer minha partida de revanche na próxima vez. — concordou ele, com suas condições — E se eu ganhar, você terá que me dar algo especial para você.
— Se você ganhar, te dou meu tabuleiro de xadrez. — afirmei convicta de minha próxima vitória.

E sim, aquele pequeno tabuleiro era extremamente especial para mim.

— Fechado. — ele se levantou do sofá e estendeu a mão direita.
— Fechado. — assenti apertando sua mão, com um sorriso suave no rosto.
— Espero te ver na arquibancada, pois eu te darei a camisa após pegar aquela medalha de ouro. — ele piscou de leve e seguiu em direção a porta de saída.

Por alguns minutos me peguei toda boba derretida com aquela piscada, e a promessa de uma vitória olímpica. Confesso que meu coração passou por muitas aflições e emoções nos três sets que a seleção jogou, com um suspiro de alívio no final de cada uma com a vitória. Meus olhos brilharam ao ver o Bruno, capitão da seleção brasileira de vôlei, levantar a medalha de ouro e olhar diretamente para mim, dando uma piscada discreta.

— Cada um em seu esporte. — sussurrei, ao admirá-lo com moderação.

Ao final dos Jogos Olímpicos Rio 2016, encerrei minhas tarefas de voluntária com sucesso, obtendo um certificado para o currículo lattes e melhor, a camisa do capitão acompanhada de altas expectativas para um reencontro com mais uma partida inesperada, agora de revanche.

 

Smooth like butter
Like a criminal undercover
Gon' pop like Trouble
Breakin' into your heart like that (ooh).
- Butter / BTS

 

Coragem : A única forma de vencer é nunca desistindo.” - Pâms



FIM?!



Nota da autora:
Bom dia gente. E vamos de mais um pouquinho de xadrez, porque a maratona de TQG na Netflix vai demorar pra sair. Espero que tenham gostado desta maratona no desafio clichê, inicialmente não escreveria nossa enxadrista em todos os desafios, porém aqui estamos no último. Em breve quem sabe, a longfic.
Bjinhos...
By: Pâms!!!!
Jesus bless you!!!




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*as outras fics vocês encontram na minha página da autora!!

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