Última atualização: 14/04/2018
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Prólogo

Dezembro/2007

- Sabia que te acharia aqui.
subiu o último degrau da sua antiga casa na árvore, seu pai havia construído para ele antes mesmo dele nascer, costumava passar horas e horas brincando ali dentro, as marcas nas paredes de madeira mostravam o resultado de uma infância feliz, desenhos e mais desenhos eram a única pintura que aquela antiga construção já havia conhecido.
Ajeitou em seu corpo a blusa que usava, em seguida deu leves batidinhas nas pernas, limpando a poeira que se acumulou em seus joelhos enquanto subia pela árvore. Avistou a menina à sua frente, sentada no chão da casinha.
- Eu queria ficar sozinha um pouco – confessou.
O garoto se ajeitou ao lado da melhor amiga, sentando-se com as pernas esticadas e recostando na parede de madeira velha da casinha, o frio era quase que insuportável, mas não parecia ligar, seu olhar era vago, ela encarava um ponto fixo do lado de fora da única janela que aquela simples construção tinha.
- Seu primeiro beijo foi tão ruim assim?
riu pelo nariz, parecia conseguir ler seus pensamentos, e, mesmo que anos se passassem, ela nunca se acostumaria com a conexão que os dois tinham, era algo quase que sobrenatural.
- Não teve beijo nenhum – ela desprendeu o olhar da janela e olhou nos olhos de pela primeira vez desde que ele chegou ali. – Eu não fiquei com ele.
- Por quê?
- Porque eu travei! – exclamou, virando-se de frente para o amigo e cruzando as pernas – Eu estava lá, parada de frente para ele, ele parecia bem calmo, mas eu estava uma pilha de nervos, ele se aproximou, e, eu não sei, eu só senti como se aquilo fosse errado, eu não acho que o primeiro beijo deva ser assim, com data e hora marcados, algo mecânico e sem sentimento, sabe? Eu não esperei todo esse tempo pra agir como um robô.
O garoto ponderou, de fato tinha razão, com ele havia sido desse jeito, marcou, chegou, beijou, foi péssimo, mas é isso, bola para frente. Mas sabia que sua amiga era especial demais para se contentar com algo daquele jeito.
- Você fez certo, , se não estava se sentindo à vontade então é melhor que não faça!
- Mais um ano sendo a única da sala que nunca beijou ninguém – ela suspirou, desanimada.
- Ei – segurou o rosto dela e a obrigou a olhar para ele –, você nunca pareceu se importar com isso.
- É – riu baixo –, eu não sei o que está acontecendo!
- Deve ser aquela parada hormonal de vocês, como é mesmo o nome?
Ela deu um tapa no ombro do amigo, que reclamou de dor, os dois riram.
- Até isso está atrasado na minha vida!
- Relaxa, , as coisas acontecem da forma que tem que acontecer e no tempo certo, não adianta apressar nada.
Ela riu, seu amigo tinha razão, às vezes ele sabia exatamente o que falar.
- Cinco...
Os dois se entreolharam quando ouviram as pessoas lá embaixo gritarem em plenos pulmões a contagem regressiva, se levantaram em um pulo e correram até a janela.
- Quatro...três – agora os dois ajudavam na contagem – dois...
O “um” quase não pode ser ouvido, pois muitos fogos já cortavam o céu de Mullingar, abriu um sorriso daqueles que contagiam até o mais mal-humorado da face da Terra e abraçou .
- FELIZ ANO NOVO, BYRNE – gritou.
- FELIZ ANO NOVO, HORAN!
Os dois permaneceram abraçados enquanto assistiam à queima de fogos pela janela da casa na árvore, vez ou outra alternavam seus olhares para as pessoas espalhadas pelo quintal, elas comemoravam, se abraçavam, se beijavam e riam como se de fato apenas uma passagem de ano apagasse todo e qualquer erro anterior e fizesse tudo novo em folha.
e amavam aquele clima de final de ano, amavam aquela felicidade que se estampava no rosto de todos, mesmo que aquilo durasse só algumas horas.
- Sabe, acabei de reparar uma coisa – comentou. – Você é sempre o primeiro rosto que eu vejo todo início de ano.
riu e completou:
- Você tem muita sorte de me ter na sua vida, – bagunçou o cabelo dele. – Eu vou descer para dar um abraço nos meus pais, você vem?
- Acho que vou ficar aqui mais um pouco, sabe, fazer alguns pedidos, dizem que funciona.
A garota rolou os olhos, estava longe de ser a pessoa mais supersticiosa do mundo e não acreditava nesse tipo de coisa.
- Eu acho válido a ideia de ter mais trezentos e sessenta e cinco páginas em branco pela frente, mas, no fim das contas, a história só muda se escrevermos um enredo diferente – caminhou até a saída, mas parou novamente e se virou para seu amigo. – Quer alguma mudança, ? Aja e não só peça!
Nesse momento quase correu na direção da menina a sua frente, não entendia ao certo o porquê, mas sentia como se suas pernas se movessem sozinhas em direção à , parecia que ela o atraía como num campo magnético, era surreal.
Em um momento ele estava apoiado na janela com as mãos nos bolsos prestando a atenção no que sua amiga falava e no segundo seguinte ele já estava segurando a menina pela cintura, a última coisa que viu foram os olhos dela, brilhantes e intensos, encarando-o sem entender o que estava acontecendo, e então, ele simplesmente soube que aquilo era a coisa certa a fazer, ignorou todos os pensamentos contrários e decidiu fazer o que estranhamente desejava há algum tempo, beijar sua melhor amiga.
A garota se surpreendeu e pensou em afastar , mas tudo acontecia rápido demais e sua mente girava e girava, e ela parecia não ser capaz de pensar com clareza. Não podia se dizer que ela nunca havia cogitado beijar seu melhor amigo, queria que seu primeiro beijo fosse com alguém que ela amasse, que tivesse confiança e se sentisse à vontade, era o único que preenchia todos esses requisitos, então decidiu que aquele não era o momento mais indicado para ser racional, ela simplesmente embolou seus dedos entre os cabelos de seu amigo, deixando que os lábios dele afastassem qualquer pensamento que pudesse atrapalhar aquele momento.


Capítulo 1

- , acorda!
balançou o corpo do menino ao seu lado, acordá-lo era sempre uma missão quase impossível, ele tinha um sono extremamente pesado. Ouviu o garoto resmungar palavras desconexas e se virar para o outro lado, colocando um travesseiro sobre a cabeça.
- Certo, fica aí então, não sou eu que tenho que viajar para fazer uma audição em um programa de TV.
abriu os olhos e deu um pulo, sentando-se na cama.
- Eu tô muito atrasado?
- Não, graças a sua namorada linda aqui que madrugou na sua casa – riu. – Agora vai logo tomar um banho, sua mãe já preparou o café.
Ele andou de joelhos até a beirada da cama roubando um beijo de antes de descer e correr para separar uma roupa que julgava adequada para aquele momento, tomou um banho rápido, não queria correr o risco de se atrasar e perder a audição, vestiu-se rapidamente e saiu correndo do banheiro, vendo sua namorada deitada em sua cama mexendo no celular.
- Ei, essa roupa tá legal? – o garoto deu uma voltinha, ensaiando uma dança desajeitada.
- A roupa está ótima, mas, por favor, não dance lá, senão as minhas chances de namorar um pop star vão se reduzir a zero!
Ele gargalhou e foi até a cama, sentando-se ao lado de .
- Você realmente acha que eu tenho chance?
Ela viu a preocupação saltar dos olhos de , sentiu seu coração se apertar, sorriu levemente, tentando lhe passar confiança e disse:
- Eu sempre vi um potencial absurdo em você, , e você sabe! Eu acredito que você seja capaz de conquistar esse mundo todo com a sua música, eu queria que você se visse da forma que eu te vejo, pra mim, você tem um talento incrível, só falta você se descobrir dessa forma.
- Eu detesto ser tão inseguro em relação à isso, são tantas pessoas e...
o interrompeu:
- Se lembra daquela vez, no primário, acho que estávamos no primeiro ano, eu tive que substituir a Samantha na peça de final de ano, e você não pode ir porque estava com catapora e eu estava desesperada, você era o único que acreditava que eu podia fazer aquilo, por isso fugiu de casa e foi me dar uma força, mesmo podendo passar catapora para todas as crianças do colégio.
- A minha mãe quase me matou – observou.
- Pois é, a diretora também! – passou a mão no rosto do garoto a sua frente. – Eu acredito em você da mesma forma que você acreditou em mim, ver que pelo menos você pensava que eu era capaz fez toda a diferença pra mim naquele dia, então, , se você duvidar do seu potencial lembra que Byrne acredita mais em você do que nela mesma.
- E quem eu poderia querer além de Byrne, certo?
Ela riu e disse:
- Exatamente, meu amor. Você só se sente feliz na música, é isso que te move, é isso que você nasceu para fazer, então, corra atrás disso com todas as suas forças, e eu vou estar aqui para te apoiar sempre.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, seu irmão entrou repentinamente no quarto, ordenando que os dois descessem para tomar café, e eles nem discutiram, o dia seria agitado e todos alimentavam a esperança de que terminaria tudo bem.

********

ouvia a discussão dos pais no quarto ao lado, mas a sensação que tinha era que os dois estavam discutindo bem na sua frente, sua mãe reclamava que estava infeliz e seu pai, por sua vez, não parecia muito paciente por ter aquele assunto se repetindo.
“Você está podendo falar agora?”
Ela digitou a mensagem no celular, esperando que seu namorado pudesse responder, ultimamente, com as filmagens do programa, eles não tinham muito contato fisicamente, apenas por mensagens de texto e, às vezes, quando ela tinha sorte, por chamada de vídeo no Skype.
“Mais ou menos”
Foi a reposta que chegou no celular dela, abaixou o aparelho, pensando se não estaria atrapalhando . Ela sempre soube que, quando as coisas dessem certo para ele, seria difícil manter o contato e estava preparada para aquilo, mas não era só seu namorado, era muito mais que isso, era o cara que estava do lado dela o tempo todo desde que ela nasceu, literalmente, era difícil não poder contar com ele naquele momento em que os pais dela pareciam mais preocupados em se insultar que se amar.
, algum problema?”
digitou outra mensagem, vendo a demora da namorada para respondê-lo.
- Ei, , foco! Você é um dos que precisam de mais treino – um dos técnicos de canto falou, e ele guardou o celular, respirando fundo.
Ele sabia que não seria fácil, que teria muita coisa para aprender, de fato não esperava que cairia de paraquedas em uma boyband, mas os meninos eram legais e eles estavam se dando bem, e o importante é que aquilo ali era a porta para que ele realizasse seu sonho.
Mas sentia falta de casa, principalmente de , ela sempre mandava mensagens de ânimo para ele, dizia que estava acompanhando tudo pela TV, lembrava o quanto acreditava nele, e isso fazia uma grande diferença, porém ele havia notado que ela andava meio abatida, e isso não saía de sua mente, estava preocupado demais com sua namorada, mas só poderia voltar para casa no final do programa, ou até que a One Direction fosse eliminada, o que nem ele e nem ninguém queria.
Naquele dia ele só conseguiu ver a resposta de quando chegou no hotel, estava tão exausto que não conseguiu respondê-la, dormiu com o celular na mão, clareando aquelas palavras que fizeram seu coração ficar apertado:
“Só estou morrendo de saudades, mas isso é só o começo. Faça o seu melhor, , eu vou estar aqui quando você voltar”
No dia seguinte acordou com uma enorme dor nos ombros, ele não sabia dançar, e claramente nenhum dos outros meninos parecia capaz de fazer aquilo, “mas vocês precisam ter presença de palco”, sua mente reproduziu o que um dos técnicos costumava dizer e ele quase socou a cabeça na parede.
Achou melhor tomar um banho frio para não pirar, seria mais um dia daqueles no qual ele seria obrigado a aprender o que ele chamava de “coisas da indústria”, não sentia que alguém ali estava preocupado em formá-lo como artista e sim como um produto a ser comercializado.
“Mas se é preciso isso para eu realizar meu sonho, ok” – pensou.
- HORAN – ouviu uma voz em seu quarto e desligou o chuveiro para escutar melhor. – REUNIÃO EM DEZ MINUTOS.
Pela voz parecia Liam, gritou um “ok” de volta e terminou o banho voando para chegar a tempo na reunião.
Os garotos estavam sentados à mesa redonda, aguardando as outras pessoas que iriam preencher aqueles lugares vazios. Antes que mais alguém chegasse, se lembrou de responder , pegou o celular e digitou rapidamente uma mensagem:
“Ei, eu amo você, não esqueça disso nunca!”
Ele logo guardou o aparelho quando ouviu a porta se abrir e algumas pessoas entrarem, Simon Cowell foi o primeiro a aparecer, sendo seguido por mais quatro pessoas que foram devidamente apresentadas, mas ele não fez questão de guardar os nomes, além dos responsáveis legais de cada um dos meninos.
- Bom, nós não temos muito tempo, então eu vou direto ao ponto – Simon começou. – Vocês estão fazendo um sucesso que, sinceramente, depois de todos esses anos no comando desse programa, eu nunca vi nada igual. As pessoas estão hipnotizadas por vocês, e eu não sei muito bem o motivo, esse tipo de coisa não tem explicação, pessoas com talento aparecem e desaparecem da indústria toda hora, mas as pessoas que o público escolhe, essas permanecem, e, aparentemente, vocês foram escolhidos, e eu vejo um futuro maravilhoso para essa banda.
Os meninos trocaram sorrisos empolgados, bem como seus pais, todos estavam felizes em ouvir aquilo de um profissional como Simon Cowell.
O resto da reunião se desenrolou com negociações e contratos para depois do programa, Simon e sua equipe queria ter certeza que sairiam na frente na contratação daqueles jovens, mesmo que eles não ganhassem o programa. Veja, depois que se trabalha todo esse tempo nesse meio, você adquire uma visão diferenciada do que pode ou não dar lucro, e quando olhava para a One Direction, Simon via dinheiro e mais dinheiro saindo deles e ele não podia perder essa oportunidade.
Ofereceu todo gerenciamento de carreira necessário, visto que a parte técnica da coisa – musicalmente falando – eles já tinham acesso com o programa, portanto preocuparam-se com outras áreas: vestimenta, comportamento, influências que poderiam causar no público, foram assessorados em todas as áreas, da forma de comer até a de se sentar à mesa, de sorrir para a câmera e de tirar uma fotografia, tudo minimamente ensinado à eles.
Até então tudo estava muito bem para os garotos, todos estavam focados em realizar o sonho de construir uma carreira no meio musical, e quanto maior o sucesso, maior a distância entre e . Os dois não conseguiam nem mais trocar mensagens de texto, tudo estava uma bagunça.
- Nervoso? – Zayn perguntou, ele era o mais calado entre os meninos, e sempre se assustava quando ele puxava assunto.
- Um pouco – sorriu de lado. – Sabe como é, eu não sou tão bom quanto vocês...
- Deixa disso, , sem você não teria banda – Zayn sorriu. – Sua namorada vem hoje?
O programa estava na reta final, e os shows ao vivo haviam começado há duas semanas.
- Eu não sei se ainda tenho uma namorada – deu de ombros, triste. – Eu não sei se posso ter uma namorada – ironizou.
- Você também não concorda com toda essa intromissão na nossa vida, né?
O abaixou a cabeça, sentindo-se frustrado.
- Eu só queria poder ter minha carreira e a minha garota.
- Nesse meio, , não se pode ter tudo. Se quiser se dar bem, tem que dançar conforme a música.
Zayn deu um sorriso desanimado e se afastou, deixando perdido em seus pensamentos. Antes que ele pudesse se recuperar, uma assistente veio avisá-lo que eles seriam o próximo a se apresentar, logo ele caminhou para perto dos outros meninos.
acompanhava de casa mais aquela semana de eliminação com o coração na mão, apesar de estar morrendo de saudade ela desejava mais que tudo que os meninos levassem o prêmio máximo, quando viu os cinco entrarem no palco teve que conter a empolgação e a vontade de gritar. Atentamente observou cada movimento que fazia e percebeu que ele estava cada vez mais à vontade no palco, assistir a evolução dele era muito gratificante para ela.
No final da apresentação sempre tinha um momento em que os jurados falavam com os meninos, no máximo duas considerações sobre como eles estavam na competição e o que era preciso para melhorar o desempenho, porém, naquele dia, algo foi diferente:
- Uau, isso foi incrível! – Louis Walsh disse. – Garanto que todas as meninas do Reino Unido desejam se casar com vocês agora!
se remexeu no sofá, incomodada, não entendia o porquê de todo assunto relacionado a eles ser sobre namoro e garotas.
- Eu quero me casar com vocês agora – Cheryl brincou. – Qualquer um.
- Eles podem ter alguma garota em casa esperando por eles – Louis comentou.
- Na verdade, não – disse, sem pensar, e as meninas na plateia começaram a gritar.
Ela parou de rir assim que se deu conta do que ele havia feito, seu coração parecia que iria saltar pela boca, olhou para Zayn, e o moreno deu de ombros, e voltou seu olhar para os jurados, porém logo olhou de volta para quando ouviu a voz do garoto ao microfone.
- Cheryl, eu sou todo seu se você quiser!
A mulher achou graça da forma com que as bochechas de logo ficaram vermelhas, a brincadeira continuou por mais um tempo, mas o garoto não conseguia focar em nada que falavam para ele, sentia-se distante de tudo e todos, mas lembrava do que Zayn havia dito, ele estava dançando conforme a música. Lembrou-se também do que Simon disse na reunião dias atrás, “se vocês têm alguma namorada, aconselho que terminem, a imagem de solteiro vende muito mais”, mesmo sem perceber, desde aquele dia não mandou mais nenhuma mensagem para , óbvio que se sentia muito mal com isso, mas não tinha coragem de terminar com ela, acabar com algo que construíram por anos parecia muito errado para ele, então ele preferiu não falar mais com ela, pensava que quando voltasse para casa, poderia resolver as coisas entre eles e tudo ficaria bem.
- PELO AMOR DE DEUS, CHEGA – deu um pulo de susto ao ouvir sua mãe gritar em português, ela só falava em seu idioma nativo quando estava muito irritada. – EU NÃO AGUENTO MAIS!
A garota enxugou as lágrimas e desligou a televisão, indo até os pais, que agora discutiam próximo ao sofá numa mistura de inglês/português que ela parecia não conseguir entender, mal tinha tido tempo de digerir as falas do seu namorado e já era surpreendida novamente com mais uma das intermináveis brigas conjugais de seus pais.
- Gente, calma! – pediu.
- , vai arrumar suas coisas.
- Como assim, mãe? – falou em português também, mesmo sabendo que seu pai não gostava muito porque ele ainda tinha um pouco de dificuldade em entender o idioma.
- Nós vamos para o Brasil, filha – a mulher segurou o rosto da garota com as duas mãos, tentando sorrir, mas lágrimas escapavam pelo seu rosto. – Nossa família brasileira está esperando a gente.
O pai de passava férias no Brasil quando conheceu a esposa, eles se apaixonaram e se casaram como tinha que ser e logo foram para a Irlanda, onde ele já tinha sua vida estruturada. nasceu em Mullingar e tinha pouco contato com a família brasileira, apesar de ser fluente em português, graças à sua mãe que era uma excelente professora. Apesar disso, a menina nunca imaginou que teria que morar no Brasil, ela não queria isso, amava seu lado brasileira, amava o idioma e a cultura alegre do país da sua mãe, mas não achava que seria capaz de se sentir em casa lá.
- Mãe, como assim?
- Você não vai tirar minha filha de mim! – o homem esbravejou, e se encolheu, nunca tinha visto o pai daquela forma.
- Agora você se preocupa com a sua filha, né? Pois você não pensou na nossa família quando estava com outra!
arregalou os olhos e encarou o pai, incrédula.
- Pai...
- Foi um erro isolado, filha...
- Alguns erros – a mulher interrompeu. – , vai arrumar suas...
Antes que sua mãe pudesse dizer qualquer coisa, a menina já tinha saído pela porta da sala, precisava pensar, precisava refletir no que fazer da sua vida, se ao menos estivesse ali com ela...
, seu corpo todo estremeceu ao se lembrar do garoto que costumava pensar que era o homem da sua vida, lembrou-se que estava irritada com ele, mas ninguém poderia acalmá-la naquele momento além dele, então, quando se deu conta, estava sentada no chão da casa na árvore com o celular nas mãos ligando para o namorado.
Ligou uma, duas, três vezes e nada, ele não atendia, pensou em jogar o aparelho contra a parede, mas respirou fundo, precisava ser racional, ligou mais uma vez e esperou que caísse na caixa de mensagem e deixou o seguinte recado:
“Eu sei que você está ocupado demais aí e eu sei que eu posso estar te atrapalhando, mas eu não ligaria tantas vezes se não fosse realmente muito importante, ainda mais depois do que você acabou de dizer na TV, mas... Meus pais se separaram, eu acho, e ao que tudo indica minha mãe quer me carregar com ela para o Brasil. Eu sei que você acha que está solteiro, mas eu estou te implorando, , me dê um bom motivo para ficar, eu preciso ter certeza que ainda posso contar com você. Eu vou tentar enrolar por aqui o máximo que der para ter uma resposta sua. Eu ainda amo você, , eu ainda estou te esperando.”
Ela desligou o telefone em meio a soluços, sentia o peso do mundo em suas costas, e, por mais que aquele lugar trouxesse memórias maravilhosas, ficar ali era sufocante demais, se levantou pronta para ir para outro lugar, mas para onde iria? Cada canto de Mullingar lembrava , a praça que brincavam quando criança, as trilhas que faziam com os outros alunos da escola, as vezes que faltavam aula para ir ao cinema, ao teatro ou ao pub que frequentavam com sua turma de amigos, tudo ali era deles, tudo em sua vida foi dividido com ele.
- Aí está você!
Ela deu um pulo de susto e levou a mão ao coração, respirando pesadamente, tentando se acalmar quando percebeu que se tratava do irmão de .
- Quer me matar, Greg?
- Eu não – ele riu. – Mas você deve tá querendo matar seus pais, né? Estão os dois lá em casa desesperados, como você sai assim a essa hora sozinha?
- Ah, então os dois conseguem ficar no mesmo ambiente sem se agredir?
Greg fez uma careta.
- Do que você está falando, maninha?
- Eles estão se separando, Greg.
O rapaz olhou assustado para a menina a sua frente, caminhou até ela e a abraçou com força, desejando poder tirar dela toda aquela dor que ela carregava no olhar.
- É por isso que você está escondida aqui então? Achei que fosse pelo que o babaca do meu irmão disse na TV.
Ela se encolheu.
- Também – confessou. – Minha mãe quer me levar para o Brasil, eu estou tentando falar com o desesperadamente, mas ele não me atende, eu sinto que perdi ele também.
Greg arregalou os olhos e levou as mãos até o cabelo, dizendo alguns decibéis acima do recomendável:
- BRASIL? COMO ASSIM?
- Brasil – lamentou. – Eu amo minha família e seria legal vê-los, mas morar lá...
- De jeito nenhum – Greg interrompeu. – Eu vou falar com o , ele vai saber o que fazer, ele não pode deixar você ir sem...
- Greg – o cortou, seu tom de voz era baixo e ela parecia extremamente esgotada. – Acho que ele não está muito preocupado comigo, mas, de qualquer forma, eu não conseguiria ficar aqui sem minha mãe, ainda mais depois do que meu pai fez!
- Então você vai?
A garota suspirou, não sabia o que fazer, a Irlanda era seu lugar, se sentia em casa, foi onde ela cresceu, porém, tudo que contribuía para sua felicidade parecia estar desmoronando. Ela não podia deixar de considerar que um recomeço em outro lugar era tentador, superar tudo aquilo bem longe dali parecia uma boa ideia.
- Eu não sei, Greg, eu preciso de um tempo, ver como as coisas vão ficar, ver se eu ainda tenho motivos para ficar...
Greg entendeu exatamente o que ela queria dizer com aquelas palavras, era mais velho que e já havia passado por aquela fase, portanto, sabia como a cabeça de um adolescente pode ser confusa, ainda mais com tudo que estava acontecendo na vida de seu irmão.
Respirou fundo, sentindo-se de mãos atadas, não havia muito o que fazer, sabia que ele não poderia decidir pelos dois.
- Eu espero que você não vá, , você é como uma irmã para mim, mas, infelizmente, eu não posso te proibir, nem eu nem ninguém – tentou dar um meio sorriso antes de completar. – Independentemente de qualquer coisa eu vou estar aqui, talvez ele não esteja – referiu-se ao seu irmão –, eu não posso decidir por ele também, mas, falando por mim, você sempre terá alguém aqui em Mullingar.
sorriu entre as lágrimas antes de abraçar o rapaz à sua frente, Greg parecia ter a mentalidade de uma criança às vezes, mas sempre foi maduro e sensato quando precisava ser, ela sabia que ele era alguém que sempre estaria lá para ajudá-la, não só ele mas toda família , eles eram sua segunda família.
- Obrigada, irmão!


Capítulo 2

Dezembro de 2015

ouviu quando a porta de seu atelier se abriu, mas não se deu ao trabalho de verificar quem poderia ser, a música alta parecia ditar o ritmo do pincel em sua mão, cada movimento era preciso e perfeito, dando um resultado mais do que satisfatório na tela branca a sua frente, dando-a a vida que merecia.
- Hey, pra que manter o ar nessa temperatura? Você quer fazer nevar aqui dentro?
- Bem que eu queria que isso fosse possível, mãe – ela respondeu, abaixando um pouco o volume da música para manter uma conversa com mais facilidade. – Eu sou irlandesa e nunca vou me acostumar com o calor do Rio de Janeiro.
A mulher sorriu e perguntou ao apontar para a tela atrás da filha:
- Trabalhando em algo novo?
- Só praticando meus traços, encontrando meu próprio estilo antes de tentar algo mais profissional – deu de ombros. – Pretendo tentar alguma exposição ou bolsa em alguma escola de arte importante, é uma possibilidade remota, de qualquer forma já está valendo a pena apenas pela prática.
- Você é capaz de ganhar o mundo, filha – sorriu. – Enfim, eu vim te chamar porque tem alguém enchendo a minha sala de rosas, por favor, será que você pode dar um jeitinho no seu namorado?
sorriu enquanto limpava as mãos em um pedaço de pano que mantinha sempre por perto para ajudá-la com o excesso de tinta que ficava pela sua pele nas horas de trabalho, saiu correndo do estúdio, deixando sua mãe com um sorriso bobo nos lábios ao contemplar todo o trabalho que sua filha exercia ali dentro.
- Eu não acredito nisso! – a garota sorriu, vendo a sala de estar repleta de rosas vermelhas. – Você só pode estar ficando maluco.
- Surpresa – o rapaz exclamou, um pouco sem jeito – eu estava indo para o trabalho e passei por uma floricultura, não consegui comprar só um buquê, me desculpa.
Ela correu até ele, abraçando-o com paixão, mas ele logo a afastou, e ela entendeu o motivo, falando em seguida:
- Foi mal, Doutor Gabriel.
- É difícil ser advogado e namorar uma pintora, viu? – ele brincou. – Toda semana eu chego no escritório com pelo menos uma pintinha de tinta na minha gravata.
- Em quantos processos você obteve êxito? – ela estreitou os olhos.
- Cem por cento de aproveitamento – ele sorriu, beliscando levemente o nariz da menina a sua frente.
- Eu sou seu amuleto da sorte, baby, e minha tinta é só para certificar isso – sorriu. – Você fica para o almoço?
- Não posso, tenho uma audiência importante hoje – se desculpou. – Toma – tirou do bolso um molho de chaves –, vai para o meu apartamento, te encontro lá à noite. Comprei aquele vinho que você gosta e consegui aquele LP do Chico Buarque que estava faltando na minha coleção.
- Mentira! – os olhos de brilharam. – Por isso que eu te amo!
- Apesar de saber que o Chico é o amor da sua vida e que ele é o real motivo de você ir parar lá em casa hoje, eu também te amo.
Ela sorriu sapeca, havia mesmo se apaixonado perdidamente pela cultura brasileira, gostava de toda a riqueza cultural que aquele país oferecia, só não se adaptava de forma alguma ao clima, por isso o ar condicionado havia se transformado em seu melhor amigo.
Assim que seu namorado saiu de sua casa, ela voltou ao trabalho, não gostava de deixar nada pela metade, ainda mais depois de ter encontrado Gabriel, ele, sem dúvida, sempre a enchia de inspiração, apenas por estar na presença dele por alguns minutos já se sentia bem mais disposta a pintar.
Gabriel e se conheceram em uma festa em que ambos estavam contra sua vontade, os dois passaram a noite bebendo e reclamando daquele ambiente barulhento, descobriram diversas coisas em comum e quando viram já estavam namorando, e a química que eles tinham era notória a qualquer um.
O céu alaranjado já denunciava o fim do dia quando ela finalmente saiu de casa rumo ao apartamento do namorado, em sua mochila tinha roupas o suficiente para passar alguns dias por lá se fosse necessário, apesar de saber que mais da metade do guarda roupas de Gabriel era ocupado por roupas dela, como sua mãe sempre dizia, ela estava praticamente morando com ele e nenhum dos dois parecia se importar com isso.
Ela estava na sala conversando com Sebastião – o gato que resgataram da rua ainda filhote –, quando a campainha tocou, denunciando a chegada de Gabriel ao apartamento, já era noite, e ela estava um pouco impaciente com a demora.
- Finalmente! – deu-lhe um beijo rápido, abrindo passagem logo em seguida para que ele entrasse. – Como foi?
- Dessa vez eu não sei, amor, eu não acho que sairei vitorioso nesse litígio – respondeu, alargando o nó da gravata e abrindo alguns botões da camisa. – O juiz não estava muito bem humorado – lamentou.
- Noventa e nove vírgula nove por cento de aproveitamento não é tão ruim assim, né – ela tentou animá-lo, ajudando-o a se livrar do terno e da gravata. – Você é bom no que faz, amor, pode ficar tranquilo.
- Eu não sei – deu de ombros. – Enfim, não vamos falar sobre isso agora, eu vou tomar um banho e já volto, ok? Tem aquele chocolate que você ama dentro da minha pasta, comprei para você!
Ela sorriu em concordância, e ele fez um carinho em Sebastião antes de sumir pelo corredor em direção ao banheiro. abriu a pasta, pegando seu chocolate, e sentou-se novamente ao lado do gato, olhando seu feed no instagram para passar o tempo. Logo o aparelho vibrou em suas mãos, era um grupo no WhatsApp chamado “Happy New Year – 2015/2016”.
Assim que abriu o aplicativo viu que era um grupo criado por seu pai, e a mensagem enviada por ele dizia:
“Por muitos anos comemoramos esta data todos juntos, era um tempo de muita alegria e celebração. Por isso convido à todos para que, em nome dos velhos tempos, venham conhecer o novo sítio que comprei e comemorar a entrada deste novo ano juntos mais uma vez! Espero a confirmação de todos.”
Ela mais que depressa observou os membros do grupo, apesar da presença de toda família , não estava entre eles, pode respirar aliviada, porém, uma nova notificação apareceu:
“Só vou se a for!”
Era Greg, como sempre, cobrando uma visita dela.
“Já tinha planos para este ano novo, mas vou ver o que posso fazer.” – respondeu.
“Ele não vai estar, – Greg enviou uma nova mensagem, dessa vez, diretamente para ela no privado. – “Há muito tempo que ele não passa o ano novo conosco, no máximo o Natal e olhe lá”
“Eu não sei, Greg, vou ver com meu namorado, iríamos para uma cobertura em Copacabana com alguns amigos”
, eu não queria ter que jogar isso na sua cara, mas serei obrigado.”
A garota sentiu o coração apertar ao ler aquilo e rapidamente escreveu.
“Greg, por favor...”
Não adiantou, o rapaz logo enviou uma nova mensagem:
“Você não veio no meu casamento, , você sequer conhece o meu filho pessoalmente, se o seu pai não fosse aí te visitar você não teria o visto por todos esses anos. Agora eu te pergunto, vale a pena? Vale a pena nos abandonar desse jeito? Nós éramos uma família, e Byrne, sempre juntos, não era só você e o , éramos todos juntos e todos sentimos falta disso, todos sentimos sua falta.”
Ela só reparou que estava chorando quando ouviu Gabriel indagar em tom preocupado:
- Amor, o que houve?
Ela bloqueou o celular e colocou o aparelho sobre a mesa de centro, encarando o homem a sua frente. Respirou fundo antes de responder:
- Meu pai criou um grupo com as famílias dos amigos dele, tínhamos a tradição de virar o ano juntos. Ele comprou um sítio e quer juntar todos esse ano, pois desde que ele se separou da minha mãe nunca mais eles se juntaram – respirou fundo. – Enfim, o Greg me mandou mensagem me cobrando uma visita, e eu só... sei lá, acho que estou com saudade de Mullingar.
Gabriel abriu os braços para que sua namorada pudesse se aconchegar em seu colo, e ela mais que depressa se aninhou ali, sentindo-o massagear seus cabelos.
- Greg é o irmão do seu ex, certo? – perguntou, ele sabia toda a história de com e sabia também da relação dela com a família .
- Sim, ele está chateado e com razão, eu nunca mais voltei lá, sequer fui ao casamento dele, por Deus, Greg é como um irmão para mim, e eu nem conheço seu filho!
O choro dela aumentou, pois admitir seu erro em voz alta era realmente muito pior, Gabriel intensificou o carinho numa tentativa de acalmar a garota em seu colo, beijou o topo da cabeça dela antes de falar:
- Você sabe o que eu penso em relação à isso, né? Eu não concordo com o fato de você ter deixado tudo para trás por causa de algo que aconteceu há tantos anos. Vocês eram duas crianças, , eu entendo que tenha sido um choque para você, ele foi o primeiro cara por quem você se apaixonou e isso é marcante, ainda mais pelo tipo de relação que vocês tinham, mas não era sobre vocês dois apenas, era sobre duas famílias inteiras que se gostavam e se tornaram uma família só, então eu acho que você tem que ir sim, seu pai passou meses falando desse sítio, do quanto você iria gostar de lá... enfim, pense nisso.
- Você iria comigo? – ela perguntou, manhosa.
Ele pensou um pouco antes de respondê-la:
- O judiciário todo para em recesso no final do ano, e eu tenho algum dinheiro guardado – deu de ombros. – Eu acho que daria sim para eu ir, além do mais, eu tenho muita curiosidade em conhecer o local que você cresceu.
Ela sorriu e se levantou, pegando novamente o aparelho celular e mandando no grupo:
“Eu e o Gabriel estamos confirmados!”

********************

- BYRNE!
O grito de Greg ecoou pelo aeroporto, e ela não pôde evitar suas pernas de se moverem rapidamente em direção a ele, seu coração batia acelerado em seu peito, e, quando ela literalmente pulou nos braços do homem a sua frente, foi como se ela nunca tivesse saído dali.
- Eu nem acredito que você finalmente está aqui – ele disse, sorridente, colocando-a no chão e bagunçando o cabelo dela.
- Para com isso, Greg, eu não sou mais criança – reclamou, ajeitando os fios de cabelo.
- Você sempre será uma criança para mim, – ele sorriu. – E então, cadê seu namorado?
Ela se virou para apresentar Gabriel, que vinha espirrando incontrolavelmente pelo corredor, empurrando sem nenhum ânimo o carrinho cheio de malas.
- Quais as chances de um cara que nasceu e cresceu em um país tropical se dar bem na Irlanda? – ela fez uma pergunta retórica, e Greg riu.
- Me desculpe por isso – Gabriel disse assim que chegou perto deles. – Me desculpe pelo meu péssimo inglês também.
- Tudo bem, se fosse o contrário não teríamos sequer uma conversa normal, pois meu português se resume a “Neymar”, “Pelé” e “samba”.
- Bem típico – Gabriel riu pelo nariz. – Prazer, Gabriel.
- Greg – o rapaz apertou a mão do outro a sua frente, enquanto observava a cena um pouco sem jeito, aquilo era estranho para ela.
Greg e conversavam animadamente pelo caminho, Gabriel não se atrevia a se meter na conversa, na verdade, ele ficava ainda um pouco perdido, pois, para entender bem o inglês, ele precisaria que os dois falassem mais devagar, coisa que parecia impossível, visto que era tanto assunto acumulado que eles praticamente brigavam para ter a palavra.
Como prometido, e Gabriel ficariam hospedados na casa de Greg por duas noites antes de irem todos juntos para o sítio para passar a virada do ano, assim que chegaram estavam tão exaustos da viagem que mal puderam continuar o assunto e logo foram descansar.
Porém a garota levantou bem cedo no dia seguinte, estava ansiosa demais para mostrar a cidade para seu namorado, contar as histórias de sua infância, dividir com ele o lugar que cresceu, queria que ele sentisse o choque cultural que ela sentiu quando chegou ao Brasil e que ele visse o quão lindo é a diversidade que esse mundo tem a oferecer.
- Bom dia! – ela disse assim que chegou a cozinha, vendo Greg e Denise ainda preparando o café da manhã.
- Caiu da cama, é?
- Não, seu chato! Só estou animada para matar a saudade de cada cantinho desse lugar – respondeu. – Diz que hoje à noite a gente pode sair para beber, por favor!
- E quem disse que você vai beber perto de mim?
- Greg, não sei se você já reparou, mas a é uma mulher agora – Denise riu.
- Exatamente, Greg, eu sou uma mulher que precisa de uma cerveja.
Ele balançou a cabeça, achando graça daquele assunto, e respondeu:
- Tem aquele pub perto da escola, lembra?
- Não acredito que esse lugar ainda existe!
- Existe – Greg colocou algumas torradas sobre a mesa. – E está ainda melhor agora.
- Eu nem acredito! Marcado então?
Os três foram interrompidos por Gabriel, que apareceu na cozinha com o rosto inchado e Theo em seu colo, também com cara de sono.
- Esse carinha apareceu perdido no meu quarto – riu sem jeito, e o menino esticou os bracinhos em direção a mãe, que logo o pegou no colo.
- Me desculpe, não era para ele ter te acordado.
- Sem problemas – respondeu, indo em direção a sua namorada e dando-lhe um breve beijo de bom dia. – E então, o que faremos hoje?
- Vamos conhecer a cidade toda, meu amor!
A noite fria não impediu que os quatro fossem até o pub que já era tradição entre os jovens da cidade, Greg matava a curiosidade de sempre que ela perguntava sobre alguém dos tempos do colégio. Gabriel parecia bem mais à vontade entre os amigos de sua namorada e conversava um pouco com Denise sobre culinária que era um hobby seu.
O assunto ficou bem mais animado quando eles conseguiram um bom lugar para se sentar, o brasileiro percebia que, aos poucos, o novo idioma ficava mais fácil de compreender, mesmo com o sotaque carregado dos irlandeses.
- Nossa, eu me lembro que uma vez matamos aula e viemos para cá, o Ryan – fez uma pausa e bebericou sua cerveja antes de perguntar. – Lembra dele, Greg?
- Aquele ruivo gordinho, não é?
- Isso! – exclamou. – Ele conseguiu invadir o bar e pegar uma garrafa de cerveja escondido, aquele dia foi a primeira vez que eu experimentei cerveja!
- Depois disso nunca mais parou, né?! – Gabriel comentou, rindo. – Fomos a um festival de cerveja artesanal, e essa garota me deu um prejuízo gigantesco!
- Eu sou irlandesa, meu amor, eu bebo cerveja com gosto! – se explicou. – E naquele festival a cerveja era realmente boa, foi o mais próximo que eu cheguei disso aqui – ergueu sua caneca. – A melhor coisa do mundo.
Greg riu e acrescentou:
- Eu lembro quando você tomou aquele porre depois de uma prova – não percebeu o olhar apavorado de e nem o que estava prestes a falar. – O apareceu lá em casa desesperado com você nos braços, enquanto você só ria e falava coisas sem sentido.
Um silêncio constrangedor se fez na mesa, Denise bem que havia tentado alertar o marido, mas ele não reparou, só então Greg percebeu que qualquer assunto relacionado a seu irmão seria delicado demais para conversar, então clareou a garganta com um pigarro e disse:
- Bem, vou pegar mais cerveja, alguém mais quer?
- Por favor – ergueu seu copo para ele.
Greg saiu dali pensando o quão burro era por tocar no nome de seu irmão na frente de Gabriel, não que o rapaz parecesse se importar e, de fato, não se importava, sabia que era parte da história de sua namorada, mas parecia se importar e muito, e aquilo o deixava ainda mais culpado por ter tocado no assunto.
Estava ocupado demais enchendo as duas canecas de cerveja que nem reparou quando seu irmão entrou no pub. varreu o salão atrás de um lugar para sentar enquanto retirava a boina que lhe cobria a cabeça e o protegia do frio, retirou também a jaqueta preta de couro e ficou apenas com uma blusa fina branca que fez questão de erguer as mangas até a altura dos cotovelos, deu dois passos a mais para dentro do estabelecimento, quando seus olhos imediatamente reconheceram a garota sentada ao fundo do lugar.
Parte de seu coração não queria acreditar que, mesmo depois de tantos anos, teria Byrne diante dos seus olhos naquele lugar que tanto testemunhou o amor dos dois. Ela estava diferente, bem mais mulher, mesmo a uma certa distância ele conseguia perceber isso, que aquele ar de menina havia sumido, e ele não conseguia decidir se aquilo era bom ou não.
Reconheceu sua cunhada Denise e então confirmou que se tratava sim de , tentou se mover, mas era como se estivesse paralisado com a imagem daquele sorriso que tanto lhe agradava agora sendo direcionado à outra pessoa. Sentiu seu coração arder em seu peito, ela sequer se dava o trabalho de olhar para algo além daquele cara que tinha os braços ao redor dela e aquilo era tão difícil para ele, ele só queria ir até lá e dizer tudo que ensaiou para dizer a ela quando voltasse do programa, porém, quando pôde voltar, ela já tinha partido, e ele sabia que era o único culpado por aquilo.
- ?
Ouviu uma voz conhecida chamar sua atenção e se virou, vendo seu irmão parado bem na sua frente, segurando duas canecas cheias de cerveja e com um olhar preocupado.
- É ela? – fez uma pergunta em que ele já sabia a resposta, mas foi a única coisa que conseguiu dizer.
- Por favor, não vá até lá – Greg implorou.
- Ela parece feliz – voltou a olhar para a mesa em que seguia distraída com uma conversa animada e várias risadas. – Veio para o ano novo?
Greg limitou-se à dar um murmúrio em concordância.
- Mamãe comentou que esse ano passarão todos juntos de novo, como nos velhos tempos.
- Sim – o mais velho disse, no fundo, estava preocupado com seu irmão. – Você entende, não é? O porquê de não ter sido convidado...
- Sim, entendo – olhou para seu irmão. – Eu estarei em Dubai com o Tomlinson de qualquer forma – explicou. – Como ela está?
voltou seu olhar para a mesa, encarando novamente.
- Ela está bem – respondeu. – Eu preciso voltar lá, por favor...
- Não se preocupe, não vou atrapalhar a noite de vocês – ele se apressou em dizer e colocou a jaqueta novamente. – Provavelmente não vou te ver novamente, então, feliz ano novo, irmão, e cuide dela.
Greg não pôde responder, pois seu irmão se apressou em sair dali, não queria chorar em um local público, ainda mais considerando que, desde de sua fama mundial, havia se tornado uma espécie de realeza em sua cidade natal e caminhar pelas ruas aos prantos definitivamente seria um prato cheio para os paparazzi.
Por todos esses anos distante de , focou em apenas uma coisa: sua carreira. Pensava que deveria fazer valer a pena já que tinha pagado um preço realmente alto para conquistar tudo, não seria mentira se dissesse que de fato ele chegou, em alguns momentos, a esquecer todo sentimento que nutria por aquela mulher, mas a verdade era que, mesmo conhecendo diversos países, culturas, línguas e pessoas, nenhuma das mulheres que cruzaram seu caminho se comparava àquela que o fez entender o verdadeiro significado do amor.
Diversas vezes o fantasma de aparecia em sua vida, seja por um sorriso que lembrasse dela ou por alguém que usasse o mesmo perfume, até as ruas de sua cidade refrescavam sua memória sobre um tempo que era de fato feliz, mas sabia que não era justo ele ir atrás dela, havia procurado por seu nome em redes sociais, mas as pesquisas nunca eram bem sucedidas e, no fundo, se convencia de que seria melhor assim.
Mas agora era diferente, ela estava ali, na mesma cidade que ele, frequentando os lugares que contavam a história dos dois, e em seu interior misturavam-se diferentes sentimentos e, para sua tristeza, esperança não era um deles.
tinha alguém, alguém que parecia completá-la, alguém que se encaixava à nova , alguém que a conhecia e a fazia feliz, e ele tentava se convencer de que não deveria estragar isso, não tinha o direito de fazer isso com ela.
Dirigiu em modo automático até a casa de seus pais, mas naquela noite a última coisa que conseguiria fazer seria dormir, pegou seu violão e começou a dedilhar algumas canções que gostava e naturalmente uma nova melodia foi se formando, pegou um papel que achou em sua gaveta e uma caneta e, assim, começou a compor sobre sua história com , pela primeira vez em anos escreveu algo sem se preocupar se faria sucesso ou não, apenas transferiu para o papel o que estava em seu coração.
Over and over the only truth
Everything comes back to you.


***************

Era manhã do dia trinta e um de dezembro de dois mil e quinze quando o pai de abriu o portão do enorme sítio para que a filha entrasse junto com seu namorado e a família de Greg, os outros convidados só chegariam no fim da tarde. Como era de costume, todos tomariam chá juntos para ter um tempo agradável de conversa e nostalgia.
Ela passou o dia inteiro conversando com seu pai e conhecendo cada pedacinho daquele imenso lugar, de fato foi uma boa aquisição, e, apesar do tempo frio, eles poderiam aproveitar a área da piscina que era totalmente coberta e aconchegante, local que mais tarde seria o ponto de encontro para a virada do ano.
Já era quase noite quando resolveram se arrumar para o evento que aconteceria mais tarde. Greg ajudava Denise com seu filho quando seu celular vibrou sobre a cama do quarto em que ficariam hospedados, ele não precisou desbloquear o aparelho para ler o conteúdo da mensagem, soltou, sem pensar:
- Merda!
- GREG! – Denise o repreendeu. – O que eu já te falei sobre essas palavras perto do Theo?
- Desculpa, amor – pediu. – Mas olha isso.
Ele voltou a tela do celular para a esposa, que pôde ler a seguinte mensagem da sogra:
está indo conosco, não consegui convencê-lo do contrário e também não tive coragem de proibi-lo”
Denise fez uma careta e comentou:
- Uma hora isso iria acontecer, eles já estão grandinhos, não se meta nisso, ok? Apenas prepare a .
O homem concordou com a esposa e saiu do quarto para avisar a amiga, porém, ao passar pela grande sala de estar, pôde ver alguns convidados estacionando o carro que ele conhecia muito bem, foi em direção a varanda e observou atentamente enquanto seu irmão saía do veículo e dava um abraço apertado no pai de , que os recebia com alegria, antes que pudesse dizer qualquer coisa foi surpreendido pela voz da garota atrás de si:
- Hey, olha como eu estou maravilhosa com essa roupa – comentou assim que chegou à varanda, dando duas voltinhas. – Greg? – chamou a atenção do rapaz que estava um pouco nervoso.
- Eu estava indo te avisar, acabei de saber disso...
seguiu o olhar de Greg e viu , não estavam tão distantes assim, ela logo o reconheceu, observou atentamente enquanto ele conversava animadamente com seu pai até que olhou para a varanda e seus olhos encontraram os de , assim como no dia em que a viu no pub ele pôde sentir aquelas malditas borboletas ganharem vida, sua respiração ficou acelerada, e ele não sabia como agir.
A garota, por sua vez, estava em um conflito interno, seu lado racional a lembrava do nome “Gabriel” em letras garrafais, mas seu coração e todo seu corpo pareciam bem mais preocupados em descer aquelas escadas e abraçar com toda força ou dar um belo de um tapa nele, ela realmente não fazia ideia de como lidar com o que estava sentindo, mas tinha absoluta certeza de que se manter distante daquele homem seria impossível.
Ela sempre se perguntou se conseguiria ignorar a presença dele se um dia voltasse a encontrá-lo, também sempre imaginou o que sentiria se isso acontecesse, por vezes tentou se convencer de que seria impossível ainda sentir algo se fosse obrigada a encontrar , mas no fundo sabia o motivo de tê-lo evitado por tantos anos, ela ainda se sentia cativada por ele como se ele fosse o próprio show de luzes no céu em noite de ano novo, como se ele fosse a única pessoa no mundo capaz de tirar seu chão, roubar seu fôlego e fazê-la perder os sentidos.
era seu ponto fraco, ela ainda se importava demais, sentia demais e não sabia o que fazer, o sentimento ainda estava ali e era como se alguém tivesse despertado dentro dela algo que estava adormecido há tantos anos que nem mesmo ela própria se lembrava, mas que agora acordava faminto por um alimento que ela sabia bem o que era, reciprocidade.
Seu instinto foi de fugir dali o mais rápido possível, por isso se virou e voltou para dentro da grande casa, caminhando apressada pelos corredores até o quarto em que ficaria com Gabriel. Ele, que antes estava no banho e agora já terminava de vestir a camisa, a recebeu com um sorriso e disse:
- Adivinha só, acho que tem alguém querendo ficar resfriado de novo.
- Eu trouxe aquele remédio para você – ela respondeu, indo até sua mala e pegando o medicamento. – Quer?
- Agora não, isso me dá um sono surreal – abaixou-se para pegar os sapatos e caminhou até ela, sentando-se na cama para calçá-los. – Muito frio lá fora?
- Até pra mim – riu. – está aí.
Ela despejou em um só folego, Gabriel, que estava com a perna esquerda sobre a direita prestes a calçar seu sapato, ajeitou-se na cama e endireitou a coluna, como se estivesse ameaçado. Cuidadosamente perguntou:
- Como você está em relação a isso?
- Eu não sei, não falei com ele.
- Certo – respirou fundo. – Eu serei muito babaca se pedir que você tenha o mínimo de contato com ele?
encarou o homem ao seu lado, ele parecia se esforçar de verdade para não transparecer seus reais sentimentos, ela o conhecia o suficiente para saber que ele era um vulcão prestes a entrar em erupção e qualquer passo em falso faria todo aquele ciúme explodir.
- Não pretendo ter o menor contato com ele – respondeu, mesmo que todo seu íntimo desejasse o contrário. – Mas ele foi meu melhor amigo por muitos anos e faz parte dessa família, não posso simplesmente ignorá-lo.
- E eu não acho que você deva fazer isso – disse sinceramente, porém, com raiva de toda aquela situação. – Mas se avalie, , se seus sentimentos estiverem confusos não brinque com essa situação, não vamos causar mais sofrimento a ninguém, ok?
Ela sabia o que ele queria dizer com aquilo, Gabriel sempre teve que lidar com o fantasma de na vida de sua namorada, principalmente quando ele soube que se tratava de , não pôde evitar de se sentir vulnerável naquela situação, não se via bom o suficiente para competir com um cara que, além de ser parte importante da vida de , ainda era uma estrela do pop mundialmente famosa.
Mas não gostou do tom que ele usou, detestava se sentir mandada, ela realmente gostava de Gabriel, mas nunca tinha avaliado o que ainda sentia por , preferiu enterrar esse sentimento do passado. Com o passar dos anos, ele se encolheu em seu coração até quase se tornar imperceptível, mas vê-lo ali lembrava de tudo que ela, com muito esforço, tentou esconder.
Os dois ficaram em silêncio no quarto, ele terminando de se arrumar e ela ignorando as mensagens que Greg enviava.
Todos os convidados estavam presentes no sítio e reunidos na área coberta da piscina quando Gabriel e finalmente entraram de mãos dadas no local. observou os dois andarem até Denise, Gabriel ficou por ali, enquanto abraçava alguns convidados que não via por todos esses anos, inclusive os pais de , que pareciam hipnotizados pela mulher que ela havia se tornado. Os olhos de não se desgrudavam dela, era como um ímã que o atraía de forma surreal, ele analisava cada movimento que a garota fazia até que se deu conta que ela começou a andar em sua direção.
- Oi, , quanto tempo – ela disse ao se aproximar.
Por fora ela se esforçava para parecer fria e indiferente, mas por dentro ela estava em chamas e tinha quase certeza que as batidas do seu coração poderiam ser ouvidas.
a observou atentamente, percorreu seu olhar por todo corpo da garota até finalmente encontrar seus olhos, como sempre, intensos, olhando para ele com um sorriso leve nos lábios, ela se aproximou do balcão e pegou uma garrafinha de cerveja, abrindo-a logo em seguida e bebericando um pouco do líquido, tinha total certeza que só com bastante álcool no sangue conseguiria passar ilesa por aquela noite que estava fadada ao fracasso.
- Hey, Byrne – tentou cair no jogo dela e responder como se fosse indiferente àquela situação, mas ele era péssimo em esconder que de fato estava muito balançado com a presença dela ali.
riu ainda mais do nervosismo aparente do homem a sua frente, Greg se aproximou apenas para garantir que tudo estava sob controle, ela bebericou mais um pouco de sua cerveja e perguntou:
- Você está bem?
Ele estreitou os olhos, desconfiado com aquela situação e respondeu:
- Sim, estou ótimo, obrigado. E você?
- Estou ótima também – sorriu com os olhos, e ele simplesmente amava essa mania dela. – Espero que tenha uma boa noite.
Ela pretendia deixar claro que aquele seria o único contato que teriam, sua ideia era se fazer de educada logo para se livrar desse problema de uma vez, não podia passar a noite toda de conversa com e nem pretendia dar liberdade a vontade de tê-lo mais perto, se virou para sair dali, mas ele segurou o braço dela e disse:
- Todos esses anos sem me ver, e eu não mereço nem um abraço?
Ele estava um pouco inclinado na direção da garota que tinha uma visão bem próxima de todo o rosto másculo a sua frente, o perfume dele invadiu suas narinas trazendo a ela memórias que estavam estrategicamente perdidas no mais fundo possível de sua mente, todos os melhores momentos dos dois preencheram seus pensamentos sem sequer pedir licença, e ela não pôde evitar de pensar como seria estar de volta nos braços dele.
- Amor? Tá tudo bem? – Gabriel se aproximou, falando em português com ela, tirando-a drasticamente de seus devaneios.
soltou o braço dela bem irritado, não conhecia Gabriel e mal tinha olhado para ele ainda, mas já sentia uma raiva incontrolável da forma com que ele se comportava com .
- Sim – ela se limitou a dizer, também em português. – Foi ótimo te rever, , feliz ano novo – disse rapidamente e entrelaçou seus dedos ao de seu namorado, saindo apressadamente dali, deixando com os mesmos pensamentos que ela.
A noite passou rápido, e sentia os efeitos do álcool passeando por seu corpo, carregava dentro de si a culpa de desejar ter o beijo de à meia noite e não de seu namorado, ela estava a ponto de surtar com aquela situação toda e se manter longe dele estava ficando difícil, principalmente porque ele parecia se fazer presente em todos os lugares que ela ia.
- Tudo sob controle? – Denise perguntou, aproximando-se dela.
Já havia passado de meia noite, os fogos acabaram, algumas pessoas já tinham ido embora e apenas as que passariam a noite ali ficaram, Greg estava jogado em um sofá quase dormindo, Gabriel ao seu lado na mesma situação e andava com Theo em seu colo de um lado para o outro em uma tentativa falha de fazer o sobrinho dormir.
- Tudo certo – respondeu, ajeitando-se na cadeira. – Eu quero beijar o .
- Oi? – Denise riu. – Você está bêbada, eu acho melhor ir para o seu quarto!
- Olha pra ele – ela apontou para o homem do outro lado da piscina sem se importar se Gabriel poderia ver. – Ele tá maravilhoso, o que é essa barba por fazer? Desde quando ele tem barba? Ele até consertou os dentes! Isso não é justo comigo, eu me apaixonei por ele quando ele tinha dentes horríveis, eu mereço um beijo só por ter beijado uma boca com dentes horríveis, não mereço? Eu vou lá e vou falar “Ei, , deixa eu te beijar com dentes bonitos agora, por favor, você me deve isso”.
Denise não conseguiu segurar uma gargalhada alta que acabou chamando a atenção do seu filho que estava quase dormindo no colo de , ele olhou e gritou:
- Muito obrigado por acordá-lo, Denise! – reclamou.
- Perdão – ela gritou de volta e se voltou para , que já estava com outro copo na mão. – Chega, , você precisa parar de beber!
- Sabe o que eu imaginei para essa noite, Denise? – a menina perguntou e logo respondeu. – Sexo, muito sexo, sexo de ano novo, sabe? Sexo de comemoração, mas, você e Greg pegaram a única suíte com banheira e destruíram os meus planos com Gabriel, pois estamos nos apertando em uma cama de solteiro bem velha que vai acordar o sítio todo com o mínimo de movimento que fizermos sobre ela, eu não vou fingir que isso não foi um combinado entre meu pai e Greg porque eu sei que foi e eu sei que eles dois não queriam que eu dormisse com meu namorado, mas, adivinha só, nem eu quero dormir com ele agora porque ele está dopado de tanto remédio para esse resfriado maldito e além disso eu quero ir para o quarto do e dar na cara dele até os dentes dele ficarem tortos de novo – ela parou de falar subitamente e pareceu pensar por um tempo antes de perguntar. – Eu já comentei sobre os dentes dele?
Denise negou com a cabeça com um sorriso nos lábios, tirou o copo das mãos de e encarou a menina, dizendo:
- Eu acho que você não vai entender nada do que eu vou falar, mas eu vou falar assim mesmo, ok? Você e precisam resolver essa história, vocês dois nunca terminaram de fato, só se ignoraram por todos esses anos, antes de tudo vocês eram amigos, melhores amigos, eu lembro de vocês sempre grudados andando por aí, não é justo que essa relação seja esquecida dessa forma, mas, pelo amor de Deus, , não procure o hoje, pois nesse estado que você está, bater nele será a última coisa que você vai fazer e nós duas sabemos disso.
tomou seu copo das mãos de Denise e bebeu mais um pouco, sua mente latejava, e ela tentava de verdade levar em consideração o que Denise havia falado, ela tinha raiva de ? Sim, muita! Havia sido abandonada por ele, deixada sozinha quando mais precisava e ainda era uma menina, ele foi seu primeiro amor e foi intenso demais para duas crianças, mas, justamente por serem crianças, ela não via como estava vendo agora, e o desejo que percorria todo seu corpo fazia com que ela passasse por cima de toda raiva e senso de responsabilidade que tinha, ela era um vulcão prestes a entrar em erupção e não queria que isso acontecesse.
Resolveu seguir Gabriel assim que o rapaz foi até ela avisar que estava indo dormir, ele se ajeitou na cama pequena sem nem se preocupar em trocar de roupa, estava exausto e com muito sono devido aos remédios que tomara, enquanto estava ligada em seu turbilhão de pensamentos, levantou-se, pegou uma roupa confortável para vestir, sua toalha e produtos de higiene pessoal e caminhou pela casa silenciosa até o banheiro mais próximo.
Deixou com que a água quente que saía do chuveiro limpasse seu corpo e sua alma, clareando seus pensamentos, a tonteira estava passando e ela podia pensar com mais clareza dessa vez, mas seu corpo parecia se recusar a se acalmar, seu coração descompassado e seus pensamentos impróprios dominavam todo seu ser, e a única opção que tinha era pensar nos beijos de . Balançou a cabeça para afastar aquelas ideias erradas e se secou lentamente, passou um creme hidratante, escovou os dentes, vestiu apenas uma calcinha e uma camisa grande, pegou suas coisas e correu até seu quarto, entrando o mais silenciosamente possível para não acordar Gabriel.
Ele dormia um sono pesado e respirava com dificuldade devido ao resfriado, e ainda ocupava toda a cama, como ela não estava com o mínimo de sono, pelo contrário, estava agitada por conta de todo álcool ingerido, resolveu se sentar em uma poltrona que tinha no quarto e se distrair com seu celular, procurou o aparelho por todos os cantos e rolou os olhos aos se lembrar que havia deixado no banheiro, pensou duas vezes se valia a pena encarar o frio que estava fora do quarto para isso, mas bastou dois minutos em total silêncio e tédio para se convencer de que seria melhor passar o tempo conversando com sua mãe, por exemplo.
Saiu silenciosamente do quarto e correu até o banheiro, seu celular estava sobre a pia, ela nem precisou entrar totalmente no cômodo, se esticou um pouco, pegou o aparelho e logo se virou para voltar ao quarto, mas deu de cara com andando pelo corredor descabelado e sem camisa, exclamou:
- PORRA, HORAN, QUER ME MATAR?
- E você pelo visto quer acordar a casa toda – ele respondeu, levando a mão no peito. – Também me assustei, mas não precisa desse escândalo todo.
respirava pesadamente, tinha pavor de escuro e aquela casa era grande demais para ela se atrever a ficar perambulando sozinha, a última pessoa que imaginava encontrar era , podia jurar que ele já estava dormindo há muito tempo.
- O que você está fazendo andando por aí a essa hora?
- Ia pegar um vinho pra mim – deu de ombros. – E você?
- Vim pegar meu celular – ergueu o aparelho. – E, por Deus, não chega de beber não?
não respondeu, na verdade, estava bem difícil raciocinar com a mulher que estava habitando seus pensamentos parada bem na sua frente com aquela roupa, mesmo com a baixa iluminação ele pôde perceber o quão maravilhosa ela era.
- Para de me olhar desse jeito – reclamou.
- Que jeito?
- Como se eu fosse seu lanchinho da madrugada – estreitou os olhos. – Você perdeu todo direito de olhar para mim assim.
- Aparentemente eu perdi todo direito sobre qualquer coisa relacionada a você – lamentou.
- Eu não quero conversar com você agora, sei que precisamos, mas eu não quero, já faz muito tempo e acho que está tudo melhor assim.
Ela passou por ele decidida a ir para seu quarto, quando sentiu a mão dele em seu braço, impedindo-a de continuar, ele a puxou de volta, ficando frente a frente com a garota, e perguntou:
- Melhor para quem, ?
Ela respirou fundo, um arrepio percorreu sua espinha e ela sentiu todos os pelos de seu corpo se arrepiando, um pouco de luz iluminava os olhos a sua frente, e ela não conseguia entender o motivo, mas sentia-se presa à eles, incapaz de olhar para outro lugar. Sussurrou:
- Me deixa ir, , por favor.
- Me desculpa – ele pediu, e ela pôde ver toda dor por trás de seu olhar. – Eu fui um idiota, eu perdi você, perdi a pessoa que eu mais admirava em toda a minha vida, eu fui embora quando você mais precisou de mim, eu conquistei muitas coisas, mas nenhuma delas se iguala ao que eu tinha com você e, por isso, eu te peço perdão, eu não posso voltar no tempo, eu não posso apagar tudo que fiz, mas eu estou aqui, você está aqui, me deixa consertar isso, vamos consertar isso.
O coração de ambos batia tão forte que a sensação que tinham era que nada mais importava além daquele momento ali, não queria parecer vulnerável, mas por todos esses anos ela sonhou com isso, sonhou com o momento em que ele reconheceria seu erro e voltaria para ela, mas talvez fosse tarde demais para isso.
- Eu não posso, , eu...
- Eu ainda amo você – ele a interrompeu, e ela sentiu suas pernas vacilarem. – Eu sei, eu não devia estar falando isso, mas eu amo você e por todos esses anos tudo que eu tenho feito é tentar ignorar isso dentro de mim e esmagar esse sentimento e não te procurar e eu tenho certeza que seu namorado é um cara legal, mas no fundo você sabe que nada se compara a nós dois, no fundo você sabe que me ama de volta – ele soltou o braço dela, pois percebeu que ela não fugiria, passou a mão em sua testa em sinal de desespero e continuou. – Você está em mim, é como se fosse uma doença, como se eu estivesse infectado por Byrne e eu não consigo fazer nada, eu não consigo pensar em mais ninguém porque quando eu te vi aqui em Mullingar, quando eu olhei nos seus olhos depois de todos esses anos, eu vi o quanto eu estava enganando a mim mesmo, eu continuo te amando, eu te amei em cada segundo, eu procurei por você em cada lugar que eu estive e eu não vou cometer o mesmo erro novamente, eu não vou deixar você ir, eu vou lutar por isso, eu não sou mais uma criança, então, eu te peço, , se você está nessa comigo, vamos consertar isso.
Em um segundo de ousadia, ela puxou o rosto de com as duas mãos e encostou seus lábios nos dele, pegando-o de surpresa, nenhum dos dois esperava por aquilo naquele momento e daquela forma, mas se deram conta, assim que aprofundaram o beijo, que desejavam aquilo muito mais do que imaginavam. Ele a puxou pela cintura, colando seu corpo ao dela, sentindo a pele delicada sob seus dedos, desceu as mãos até a barra da camisa que ela usava buscando o máximo de contato possível entre os dois. prendeu o lábio inferior de entre os dentes, sugando-o lentamente logo em seguida, ele definitivamente não esperava por isso.
- Cadê toda aquela timidez, Byrne?
- Eu não tenho mais quatorze anos, – sorriu e se aproximou do pescoço dele, fazendo uma trilha de beijos apaixonados até chegar a orelha, mordendo levemente o local antes de sussurrar. – Eu cresci – deu mais uma mordida de leve. – Eu sou uma mulher, uma mulher que sabe o que quer, e eu quero você, nem que seja só por essa noite – passou a língua levemente por toda extensão do pescoço de , que em um ato de desespero apertou a cintura de , trazendo-a mais para perto – o que já era praticamente impossível –, ela sorriu ao perceber que ele ansiava por aquilo tanto quanto ela e terminou dizendo. – Pelo jeito seu corpo chama por mim também.
limitou-se a puxar a perna de para cima, e ela entendeu o recado, pegou impulso e se encaixou no colo dele, mordendo os lábios com força numa tentativa falha de segurar o prazer que aquele contato mais direto proporcionava, deixando que ele a conduzisse direto para seu quarto. Não houve espaço para arrependimentos, apenas para novas descobertas.
No passado eram apenas crianças, tudo era extremamente inocente, já ali, naquele quarto, era o extremo oposto, tudo era provocativo e excitante, podia ver traços daquela menina que ele conheceu em um corpo de mulher que ele estava descobrindo, o que parecia o equilíbrio mais afrodisíaco para ele.
Quando ouviu sussurrar que o amava um pouco antes de pegar no sono com a cabeça encostada em seu peito, ele teve a certeza de que nada mais importava, nada além do que eles tinham vivido ali dentro, nada além dos muitos momentos que foram só deles, e ele não pôde desejar outra coisa além de que ela não fosse embora novamente.
Brigou com o sono até o último segundo possível e, quando finalmente fechou os olhos, seu último desejo foi que aquela pequena faísca que eles viveram fosse o suficiente para reacender toda a chama do amor que tinham, porque, se antes ele não via esperança alguma, agora ele tinha muito ao que se apegar e ele tinha certeza de que não desistiria dessa vez.

************

foi acordada com uma pontada de dor em sua cabeça, remexeu-se no colchão, buscando uma posição mais confortável, o que parecia ser impossível, respirou fundo e esticou todo o corpo, sabia que quando despertava não conseguia voltar a dormir de forma alguma, abriu os olhos lentamente vendo que Gabriel não estava mais em sua cama, foi preciso um pouco de tempo até que sua mente se organizasse e flashes da noite anterior invadissem seus pensamentos.
A garota deu um pulo, ficando sentada em seu colchão, observou todo o lugar em que estava e ficou aliviada ao lembrar que conseguiu voltar para seu próprio quarto, montar uma cama improvisada no chão mesmo antes que Gabriel ou qualquer outra pessoa da casa acordasse, antes mesmo que o próprio acordasse.
, ao se lembrar dele o coração de se aqueceu em um desejo de ter ficado mais tempo com ele, observando-o dormir, sentindo sua respiração leve e despreocupada, parecia um anjo.
Perdida em seus devaneios, ela deu um pulo de susto ao ouvir batidas na porta, seu coração acelerou e ela pensou em todas as possibilidades de desastre, achou que Gabriel já havia descoberto tudo e que estaria morto a uma hora dessas.
- Quem é? – perguntou.
- Denise – ouviu a voz atrás da porta. – Posso entrar?
Respirou aliviada e resmungou em concordância, estreitou os olhos com a claridade que entrou no quarto quando a porta foi aberta, sua cabeça parecia que iria explodir.
- Deus, eu nunca mais vou beber!
- Tenho certeza disso – Denise ironizou e fechou a porta atrás de si. – Vim ver se você está viva, já são quase três horas da tarde, e o Gabriel estava preocupado.
apoiou os cotovelos na perna e escondeu o rosto em suas mãos, suspirando de forma derrotada, completamente perdida na bagunça que ela mesma tinha aprontado, e, pior, não se sentia nem um pouco arrependida, porém extremamente culpada.
- Denise, eu sou muito burra.
- Não é não, você só é... intensa – escolheu a palavra e percebeu o olhar desconfiado de sobre ela, sorriu. – Você acha que eu não sei? Por Deus, , eu tinha absoluta certeza de que vocês dariam um jeito de se encontrar, e disso sairia morte ou sexo, se ambos estão vivos, eu tenho minha resposta.
- Numa escala de zero a dez o quão óbvio é perceber que eu transei com o ?
- Se você quer saber se isso está claro para todo mundo a resposta é não – respondeu. – Eu e Greg conhecemos vocês e desconfiamos, Gabriel aparentemente não faz nem ideia, mas, eu acho que você deve contar a ele.
- Com toda certeza – confirmou. – Eu fiz a merda, eu vou arcar com as consequências, ele é um cara legal, não merece isso.
Denise deu de ombros e disse:
- Eu não sugiro que você conte agora, vocês vão embora amanhã e depois que ele souber não vai querer ficar aqui mais, ele está longe de casa, nessa época do ano ele não vai conseguir trocar passagem, enfim, a coisa vai ficar muito pior do que já está.
concordou, Denise tinha total razão, decidiu que contaria assim que eles chegassem ao Brasil, seria melhor para conversarem longe dali, sem causar nenhum constrangimento maior a seu namorado.
- Agora eu só preciso de um banho, água e um prato de comida, eu estou faminta – reclamou. – O já acordou?
- Já, mas está trancado dentro do quarto, disse ao Greg que não vai sair agora.
não entendeu o motivo dele ficar trancado no quarto, mas, óbvio, respeitou isso, afinal, o que mais poderia fazer? Apesar de seu desejo incontrolável em tê-lo por perto, não podia de forma alguma transparecer isso. Teve o cuidado de apagar as marcas que deixou em seu pescoço, mas as memórias, essas ela fazia questão de reviver.
Passou o dia inteiro distante, presa em seus próprios devaneios, pensando quando finalmente iria sair do quarto, já era noite, e ele ainda não tinha sequer ido comer, estava seriamente preocupada.
- Filha? – ouviu a voz de seu pai a chamar e se virou para ele, estava indo para seu quarto pela milésima vez, usando aquele percurso como desculpa para tentar descobrir o que tanto fazia dentro do quarto dele. – Acabei de acender a lareira, vamos todos para a sala de estar, fondue, um bom vinho, uma boa música... como nos velhos tempos.
- Estou indo – ela se animou, mas não pôde deixar de pensar que nos velhos tempos a música seria por conta de e seu violão. – Só vou chamar o Gabriel.
Seu pai sorriu em reposta e deu meia volta, dirigindo-se para a grande sala de estar, deu duas batidas rápidas na porta e entrou no quarto chamando seu namorado, ele, claro, a seguiu pelo corredor até que encontrasse todos na sala, inclusive , que segurava seu violão, não pôde segurar o sorriso e viu quando ele piscou rapidamente para ela.
- E então, o que eu perdi? – ela perguntou, sentando-se perto de Denise, Theo esticou os braços para ela, que pegou o menino no colo.
- estava nos contando sobre seus planos para sua carreira solo, não é, filho? – a mãe dele sorriu, orgulhosa.
Gabriel rolou os olhos e preferiu ficar de pé no fundo do cômodo, encostado na parede.
- Eu ainda não decidi se vou lançar alguma coisa sozinho – confessou. – Eu não me sinto seguro para isso ainda, sabe? Eu estou acostumado a dividir o palco com os outros caras; ter uma multidão olhando só para mim, ouvindo o que eu escrevi, conhecendo meus sentimentos através da minha música, isso é um pouco assustador.
- Por quê? – perguntou, e todos da sala ficaram meio tensos, ela percebeu, mas continuou. – Suas músicas são realmente boas, pelo menos as que eu me lembro, não vejo motivo para alguém não querer ouvi-las.
sorriu para ela, esse era o tipo de conversa que ele sempre tinha com ela, dividia seus medos e inseguranças, e ela sempre via nele um potencial que nem ele mesmo via, deu de ombros e respondeu:
- Por um bom tempo me foi dito o que eu devia cantar ou não, por diversas vezes cheguei com as minhas músicas para os caras da banda e todos gostavam, mas os produtores cortavam, ou porque não tinha um refrão chiclete, ou porque era lenta demais, ou porque não era muito comerciável, enfim, eles só estavam preocupados com dinheiro e não com o conteúdo, então eu fui parando de expor meus sentimentos nas letras e fui me programando para escrever ou cantar só sobre coisas superficiais – suspirou. – Acabei perdendo a prática.
- Eu duvido – comentou. – Duvido que você tenha esquecido como fazer música boa.
- Também duvido – Greg se pronunciou. – Você comentou que ultimamente tem escrito mais, não é possível que não tenha nada para nos mostrar.
ficou apreensivo, tinha acabado de passar o dia dentro do quarto compondo várias músicas, todas sobre , sobre a noite deles, sobre o que ela despertava nele, a princípio pretendia terminar a música que tinha começado quando a viu no pub dias atrás, mas sua mente viajou e ele se deu conta que ela era sua maior fonte de inspiração, pois provocava nele tantos sentimentos diferentes que ele tinha material mais do que suficiente para ter um álbum inteiro só sobre aquela garota.
- Na verdade eu escrevi algumas coisas hoje durante a tarde, por isso fiquei trancado no quarto – sorriu sem jeito. – Eu gostei bastante dessa, mas ainda não está terminada, se chama Slow Hands.
Ele começou a dedilhar o violão enquanto olhava a letra em seu celular, ainda não havia decorado tudo e teria que fazer alguns ajustes, a princípio ele estava focado em ler a canção, mas, sem perceber, durante o refrão, ele fixou seus olhos em , que o olhava atentamente, aquele simples olhar fez com que os dois sorrissem de forma a deixar claro que ambos sabiam exatamente do que se tratava cada palavra cantada por ele.
Mas eles não perceberam o quão óbvio aquilo tudo parecia para todos presentes na sala, inclusive para Gabriel que, assim que um silêncio se fez no local após terminar de tocar, começou a bater palma de forma sarcástica, todos olharam para ele, e só quando o rapaz começou a falar que percebeu a gravidade da situação:
- Realmente, , é maravilhoso ver o quanto você se preocupa com a indústria da música hoje em dia que só fala sobre sexo, você preferiu ir além dessa superficialidade – sorriu, debochado. – Resolveu cantar sobre sexo com a minha namorada.
Gabriel virou as costas e saiu dali, andando apressadamente, colocou Theo cuidadosamente sentado no chão e se levantou, correndo atrás de seu namorado, que ignorava as súplicas da mulher atrás de si.
- Gabriel, me escuta, por favor! – ela pediu.
- O QUE VOCÊ TEM PARA FALAR?
Virou-se abruptamente para ela, o frio castigou a pele dos dois, estavam dentro de casa que era devidamente aquecida para suportar o clima da Irlanda, não esperavam ir parar no meio do jardim àquela hora da noite.
analisou o rosto a sua frente, Gabriel queria chorar, mas tentava ao máximo não dar esse troféu a ela, se convencia que não valia a pena. Enquanto a garota queria sumir, sentia-se cada vez mais culpada por tudo que tinha feito e, principalmente, a forma que ela deixou que tudo transparecesse na frente de todos naquela sala.
- Ele sempre fez parte da sua vida, , sempre! Ele sempre esteve entre nós, eu tentei ignorar isso, eu tentei me convencer de que com o passar do tempo eu teria você por inteiro, mas eu estava enganado – respirou fundo. – Você querer estar com ele é uma escolha sua, eu convivi com essa sensação, o tempo todo achando que isso aconteceria, mas eu nunca imaginei que você faria isso sem nem ao menos se dar o trabalho de terminar tudo entre a gente antes. Como você pode ser tão baixa?
chorava silenciosamente, aquelas palavras cortando seu coração assim como o vento frio cortava seu rosto, ela suspirou e respondeu:
- Eu te amei, Gabriel, e eu sei que você não vai acreditar nisso e que não quer saber de mais nada, mas eu fui verdadeiramente feliz com você – confessou. – Eu só... – tentou reorganizar os pensamentos. – O foi o primeiro, eu não vou culpar a bebida, eu não vou tentar me justificar, eu sei que errei feio aqui, mas vamos conversar com mais calma, quando chegarmos em casa, eu...
- Eu não quero saber de você, – a interrompeu, contornou o corpo da menina indo em direção a casa novamente, falando por sobre os ombros. – Apesar de tudo, eu espero que a sua escolha tenha sido a escolha certa.
*************

nunca imaginou que depois daquele dia sua vida iria mudar radicalmente. De fato, insistir em estar com Gabriel era burrice, ela sabia que não seria inteiramente dele, porém, estar com não lhe parecia a melhor opção para o momento, ela precisava estar com ela mesma, se redescobrir, se entender, se amar e se bastar a ponto de desfrutar sua própria companhia com todo amor e cuidado.
Pediu esse tempo ao que, apesar de não concordar muito no início, respeitou a escolha dela, voltou para o Brasil e foi surpreendida quando sua mãe disse que havia fotografado seus quadros e esculturas e a inscreveu em uma escola de artes de Londres extremamente conceituada, passou meses na expectativa da resposta e quando recebeu o tão esperado “sim”, embargou naquela aventura, morar em outro país, sozinha, mas com o coração em paz, e a mente cheia de sonhos e realizações estava fazendo muito bem a ela.
Enquanto isso, encarava uma turnê de divulgação do seu trabalho solo, coisa que nunca imaginou que faria, apesar de toda saudade que sentia de , ele se sentia realizado por estar dominando palcos ao redor do mundo totalmente sozinho, e todo aquele sentimento que tinha por ela só o ajudava a compartilhar com seu público o que ele verdadeiramente queria: ser um artista transparente e verdadeiro quanto as suas emoções.
E ela se orgulhava disso, via pelas redes sociais o quão seguro ele parecia estar, vez ou outra passava por meninas nas ruas de Londres com camisetas e bonés com o nome dele, achava graça e às vezes estranhava o fato dele estar sozinho nas fotos, ainda não tinha se acostumado com aquilo.
Lembrou-se que quando lançou This Town – primeiro single do álbum de –, ela sentiu seu coração apertar dentro de seu peito, cada letra daquela música, cada palavra cantada por ele, era a vida deles dois, eram os detalhes que eles carregavam em suas memórias, era a chama que se mantinha dentro do coração de ambos e que eles não queriam apagar, era aquele amor de infância que se recusava a morrer, que se tornara uma flor forte que aprendeu a crescer e se desenvolver mesmo em solo hostil, tornando-se cada vez mais forte.
Ela sabia, nada destruiria aquilo.
O ano de dois mil e dezessete estava se findando quando chegou em sua cidade natal para passar as festas de fim de ano com a família, porém, naquele ano ele decidiu fazer algo completamente diferente, algo que sempre sonhou em fazer, um show totalmente gratuito em sua cidade com a presença de todos seus amigos e familiares, sob olhar daqueles que o viram crescer brincando por aquelas ruas e construindo quem ele era hoje.
Sabia que não seria totalmente da forma com que planejou, pois se recusou a ir, mesmo com todos insistindo pela presença dela, mas ele estava realmente muito feliz de estar alcançando mais aquela realização. Foi uma noite linda, sentiu como se estivesse cantando em sua casinha na árvore, quando ainda era uma criança e quase não sabia tocar seu violão; o clima, os rostos conhecidos, tudo fazia seu coração se alegrar com aquele sentimento bom de estar à vontade em casa.
- Para onde você pensa que vai? – sua mãe perguntou quando viu o filho abrir a porta de casa com o violão na mão. – Você acabou de sair de uma turnê, acabou de fazer um show para toda a cidade, ainda tem mãos para tocar esse negócio?
riu e deu um beijo estalado na bochecha de sua mãe, respondendo logo em seguida:
- Greg está meio nostálgico, acho que o show que acabei de fazer causou esse efeito nele – riu. – Me chamou para encontrá-lo na casinha na árvore para passarmos a noite tocando violão e conversando.
A mulher bufou, entre um sorriso discreto, negando com a cabeça e comentando:
- Vê se pode, seu irmão, um homem casado, inventando história a uma hora dessas – ela se virou. – Eu estou indo dormir, vê se não demora a entrar, está muito frio lá fora – alertou. – – chamou o rapaz que já estava com a mão na maçaneta da porta –, é muito bom ter você de volta, eu te amo.
Ele sorriu em resposta e sussurrou que também a amava, abrindo a porta logo em seguida e pisando na varanda, o frio da noite logo o fez considerar desistir de tudo, mas estava com saudade de ter um tempo a sós com seu irmão e ele havia insistido tanto que pensou que valeria a pena o esforço.
Pendurou a capa do violão nas costas e se concentrou em subir aquela árvore preocupado com sua segurança, afinal, aquelas madeiras estavam ali há muitos anos. Não pode deixar de pensar que, quando era criança, era muito mais fácil passar por aqueles obstáculos.
- Era bem mais fácil quando éramos crianças, né?
Seus pensamentos ganharam uma voz feminina, e ele sentiu um arrepio percorrer toda sua espinha, colocou seu violão cuidadosamente encostado na parede e olhou a mulher a sua frente, ela vestia um sobretudo vermelho, meias escuras e bem grossas que quase não podiam ser vistas devido a bota de cano longo que lhe cobria quase toda perna. assoprou as mãos numa tentativa falha de espantar aquele frio e esperou pacientemente, até que finalmente perguntou:
- O quê? Eu... – passou a língua pelos lábios levemente queimados por aquele clima gelado – eu não esperava por isso.
sorriu, e ele não pode deixar de sorrir junto.
- Eu assisti a parte do show, foi incrível – comentou –, mas vim correndo para cá, não queria que você me visse lá, pedi ao Greg para me ajudar com isso – deu uma piscadinha de leve, como se revelasse um plano secreto –, a gente precisa conversar.
- É só o que eu tenho pensado por todo esse tempo – ele comentou.
- Primeiro eu quero te agradecer por ter respeitado o meu tempo – ela deu de ombros – eu queria estar com você, mas eu aprendi a estar comigo mesma, sabe? E isso foi muito importante para colocar as ideias no lugar e perceber uma coisa.
- O quê? – ele sussurrou, pois, mesmo que sem perceber, seu corpo se moveu para bem perto dela.
- Percebi que mesmo que o mundo inteiro esteja assistindo, eu ainda dançaria com você – sussurrou em resposta, e ele abriu um sorriso ao perceber que ela estava falando da música que ele escreveu sobre os dois –, dirigiria rodovias e cruzaria atalhos para estar com você – levantou a mão direita e fez um carinho suave no rosto dele antes de terminar – e mais uma vez a única verdade é que tudo se resume à você.
repousou as mãos delicadamente na cintura da mulher a sua frente, olhando-a bem dentro dos olhos, perdendo-se em cada detalhe do rosto dela sem acreditar que aquilo ali era real, até que a voz dela o tirou de seus pensamentos:
- Há dez anos atrás nós estávamos aqui, nesse mesmo lugar, falando sobre a oportunidade de ter um ano inteiro pela frente, naquela noite eu te disse que se quisesse uma mudança você teria que fazer algo – ela sorriu com a lembrança e continuou –; você fez, você tomou uma atitude e me beijou, hoje eu estou aqui, , eu tomei a atitude de estar aqui, eu escolhi você – uma lágrima teimosa escorreu pelo rosto dela. – Não me faça me arrepender disso, eu preciso saber se você vai estar comigo nessa, se você está disposto a fazer isso acontecer, porque...
- Eu te amo, – ele a interrompeu –, eu fui um idiota no passado, mas éramos apenas crianças, eu me arrependo e estou disposto – ele deu um beijo na testa dela, que sorriu com o gesto –, eu estou disposto a te amar mesmo que eu esteja te odiando – outro beijo, dessa vez na bochecha –, estou disposto a me redimir todos os dias pelo babaca que eu fui – mais um beijinho delicado na outra bochecha –, estou disposto a dividir com você essa jornada louca que é a vida, estou disposto a abrir mão e fazer sacrifícios pelo que sentimos, estou disposto a correr atrás do que for por você – segurou o queixo dela delicadamente e terminou –, estou disposto a te amar cada dia mais por toda nossa vida.
Entre lágrimas e sorrisos os dois se beijaram de forma tão intensa, como se dois mundos diferentes colidissem, de fato, eram pessoas diferentes indo para lugares diferentes, mas seus corações resolveram fazer morada um no outro e tinham ciência de que aquilo não seria mudado, e, mesmo que pudesse ser, nenhum dos dois tinha a vontade de mudar nada.
- Posso te pedir uma coisa? – sussurrou entre o beijo.
- Qualquer coisa.
- Toca This Town para mim?
se afastou para olhá-la melhor, surpreso com o pedido. Ela continuou:
- Quando ouvi essa música pela primeira vez foi quando eu tomei a decisão de voltar – explicou. – Eu não estava aqui em Mullingar, eu não estava andando pelas ruas que contam nossa história, mas eu via sua sombra por cada lugarzinho que eu andava em Londres, foi quando eu percebi que você está em mim, e foi essa música que me lembrou disso – deu de ombros. – Eu quero ouvi-la agora, eu sei que é sobre nós dois e quero que ela seja tocada só para mim.
- Seu desejo é uma ordem!
Ele deu um selinho nela antes de retirar seu violão da capa e se sentar no chão da casinha, se sentou de frente para ele, ouvindo atentamente o som das cordas dedilhadas com cuidado e maestria enquanto aquela voz que ela tanto amava invadia o pequeno espaço em que estavam.
Nenhum dos dois sabia como seria dali para frente, mas, de fato, não queriam pensar nisso agora, tudo que importava era que eles estavam juntos e dispostos a enfrentar o que fosse para que aquele amor tivesse uma chance real de florescer dessa vez.
E agora, com todas as palavras ditas, sem o peso de pensamentos guardados e sentimentos enterrados, eles podiam recomeçar, entendo que, não importa a distância, o tempo ou qualquer outro fator que te impeça de ser feliz de verdade com alguém, quando é para ser, não tem jeito, mesmo que não coubesse a eles ditar o tempo certo, esse momento viria, de uma forma ou de outra, eles estariam nos braços um do outro. Para sempre.


Over and over the only truth
Everything comes back to you.



FIM



Nota da autora: Sem nota.


Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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