Última atualização: 07/03/2024

Capítulo 01
California

A garota segurou firmemente a mochila contra as costas e suspirou assim que os pneus do carro avisaram que já estava partindo dali. O sol recém-formado da manhã iluminava o enorme colégio em sua frente e aquilo a assustou mais do que gostaria. Ser a garota nova no meio do semestre não era a coisa mais incrível que poderia acontecer e odiava todas aquelas apresentações, principalmente quando precisava fazer novas amizades no meio de tanta gente desconhecida. Sua vontade era voltar correndo para o aeroporto e dar um fim naquela baboseira toda.
— Ei! — Uma garota de cabelos ruivos acenou ao longe para ela. — Você deve ser a garota nova.
respirou fundo e concordou com a cabeça, aproximando-se da menina.
— Oi, prazer. — Ela estendeu a mão. — .
— Legal, eu sou Kadence. Fiquei responsável por te mostrar a escola. — Antes de aceitar a mão de , Kadence jogou os cabelos cacheados para trás e sorriu com todos os dentes que lhe era possível. — Vem, vamos. O sinal já tocou, mas estamos com aval para todo o tour antes de irmos para a aula.
apenas concordou e seguiu a garota pelo corredor de entrada da escola. A fachada do local dava a impressão de que era muito maior, mas agora que já estavam dentro, parecia muito mais com o colégio que costumava frequentar até um mês atrás.
— E, então, de onde você veio? — Kadence perguntou animada.
— De La Maddalena.
, de La Maddalena na Itália?
— Isso.
— Uau.
deixou escapar uma pequena risada.
— Eu sei, não é muito original.
— Na verdade, achei bem original. Não devem existir muitas s em La Maddalena.
A recém-chegada deu de ombros.
— E o que te trouxe para Laguna Beach? — A ruiva quis saber.
— Assuntos familiares. — foi categórica. — Como funcionam as aulas por aqui? — Ela mudou de assunto rapidamente, já avistando os famosos armários que parecia ter em todo colégio americano.
— As aulas são divididas por períodos, das sete da manhã até umas dez, temos cerca de duas a três aulas, depende da sua grade. Às dez temos quinze minutos de intervalo, depois mais duas ou três aulas, almoço e as matérias optativas, que só são chamadas assim por puro eufemismo, porque são obrigatórias, e acontecem às segundas, quartas e sextas. — Kadence gostava de tagarelar, pelo que havia percebido, e agradeceu por ela não perguntar mais nada sobre sua vinda repentina para os EUA. — Não sei se você pratica algum esporte, mas depois do almoço, normalmente, temos as aulas de natação, futebol americano, líder de torcida e atletismo.
— Existe outra coisa que possa ser feito?
— Você é das minhas! — Kadence fez uma comemoração estranha que, novamente, arrancou um pequeno sorriso de . — Algo que não envolva esporte, temos marcenaria, teatro, francês, alemão e italiano, e, também, aula de dança e música.
— Legal, acho que vou aprender uma língua nova mesmo. — comentou, já sentindo um pouco de intimidade com a garota ruiva.
— Eu ia sugerir para fazer italiano, já que teria uma conhecida na turma, mas acredito que deva ser fluente.
Mi dispiace. — A garota pediu desculpas em sua língua nativa.
— Eu supero essa. — A ruiva sorriu. — Bom, vamos lá, aqui desse lado temos a cantina. Eu gosto de recomendar que traga lanche de casa, porque não temos uma comida muito maravilhosa, mas se você gostar de salada, dá para manter o estômago cheio no horário do almoço. — Kadence apontava para o lado esquerdo, onde uma porta dupla guardava o ambiente de refeição que ainda tinha sua trava acionada. — Os armários ficam logo em seguida, nesse corredor. Seu código deve estar na secretaria junto com seu horário.
— Então vocês realmente deixam as coisas aqui? Não levam e trazem?
— Não! É muito cansativo trazer tudo todos os dias. Os livros costumam ficar nos armários, você só precisa carregar um caderno e caneta. Na Itália não é assim?
— Onde eu estudava costumávamos levar os livros para casa.
— Se não quiser responder, tudo bem, mas você tem um inglês perfeito, não é italiana desde que nasceu?
— Nasci na Itália, mas minha mãe é americana, preferiu me ensinar as duas línguas desde pequena.
— Faz todo sentido. — Kadence voltou a mexer no cabelo, jogando para o outro lado. — Logo mais na frente temos a porta da secretaria, vamos pegar sua grade de horários e você só usará esse lugar novamente se precisar falar com a diretora, mas acredito que seja bem difícil.
apenas concordava com tudo. Seguiu Kadence até a secretaria, onde pegou seu horário e, também, o código de segurança do seu novo armário, além de uma pequena instrução de como mudar a senha numérica caso fosse de seu agrado. Após os funcionários da escola a cumprimentarem e desejarem boa aula e toda essa formalidade, e Kadence voltaram até a área dos armários e já guardaram suas próprias coisas.
A italiana aproveitou a ajuda da ruiva para mudar a senha e em seguida andaram mais alguns metros para que pudesse ter noção de onde ficavam as salas de aula. Kadence afirmou que seria impossível mostrar tudo sem que perdessem parte das primeiras aulas e aquilo parecia fora de cogitação para ela e até mesmo para a diretora.
— Nossos horários são bem parecidos. — Kadence comentou, enquanto analisava o papel de . — Hoje temos algumas aulas juntas.
— Acabou nosso tour? — perguntou, insegura o suficiente para querer conhecer cada milímetro daquele local.
— Eu posso te mostrar o restante depois do almoço, temos uma hora antes das atividades extracurriculares, mas, por hora, é isso. As provas devem começar na semana que vem, então tenho bastante matéria para te passar e precisamos focar nas aulas!
riu e concordou. Kadence parecia ser estudiosa ao extremo. Não conhecia o método de estudo americano, não sabia se parecia um pouco com o que aprendia na Itália, mas se dava bem com bastante matéria, costumava manter suas notas na média sem se esforçar muito para isso, então não se assustou em saber que mal havia chegado e logo teria prova.
Seus problemas eram outros.
A primeira aula era história e aquilo aliviou a tensão que foi em receber dezenas de olhares curiosos em sua direção assim que pisou na sala de aula. O professor foi simpático e não pediu para ela se apresentar na frente da turma inteira, como costumava ver em filmes adolescentes, apenas avisou que ela era nova e que vinha da Itália, o resto ficou como curiosidade.
Anotou a grande parte da aula, afinal, o enredo do que estavam aprendendo ali era diferente do que aprendeu no antigo colégio e aquilo ajudou a ignorar o burburinho das pessoas ao seu redor, querendo saber de onde ela era e por que estava ali. Era difícil evitar, já que ninguém estava tentando ser discreto.

As outras duas aulas eram biologia e Kadence não estava na mesma turma para distrair a mente de , então parecia que o tempo corria de forma mais lenta que o normal. Não era muito favorável com matérias de ciência, mas gostou de saber que praticariam no laboratório nas próximas aulas. Tamanho foi seu alívio quando o sinal anunciou o intervalo.
Todos os alunos se levantaram no mesmo momento, ignorando a professora que tentou, inutilmente, terminar os avisos. apenas recolheu suas coisas em silêncio, não tendo certeza do que fazer nesse pequeno tempo livre.
, isso? — Um garoto se aproximou lentamente, seus óculos quadrados o deixavam com um ar específico de quem jogava o dia inteiro no computador e gostou daquilo. — Sou Cedric, prazer.
— Prazer. — Ela sorriu minimamente.
— Desculpe chegar assim, mas os primeiros dias são sempre tão chatos e estranhos, achei que pudesse gostar de uma companhia. — Ele era magro e alto, tinha aspecto de bom amigo, passou segurança para a garota. — E devo acrescentar que Kadence me enviou uma mensagem para garantir que você sentasse conosco no intervalo.
— Obrigada, o primeiro dia é realmente esquisito. — Ela falou, após rir com a colocação de Cedric. — E vou adorar sentar com vocês, afinal, não conheço ninguém.
— Ótimo, vamos lá, o tempo é curto. — Cedric saiu na frente, aguardando com que o seguisse até o refeitório.
E assim ela o fez, posicionou-se ao lado dele no corredor e atravessaram a multidão de alunos até o local em que poderiam se alimentar antes de voltar para mais uma remessa de aulas. Cedric ajudou-a com a fila da cantina, antes que pudessem seguir até a mesa em que Kadence já os esperava, ansiosa.
— Você arriscou seu café? — A ruiva questionou, apontando para o pacote plástico que segurava.
— É só uma barrinha de cereal, não tem como ser ruim. — Ela deu de ombros, sentando-se de frente para a garota.
— E então, você veio da Itália? — Cedric questionou, tirando um sanduíche embrulhado de dentro do bolso do casaco.
apenas concordou com a cabeça.
— Vocês, por algum acaso, são o grupo nerd da escola? — Ela mudou de assunto de forma sucinta, observando um pequeno grupo adentrar o refeitório e chamar a atenção de quase todos os estudantes.
Ah… — Kadence murmurou, olhando para o mesmo local. — Não somos divididos em grupos, mas se for considerar os estereótipos, sim.
— Eles são do time de futebol e elas, bom, você já deve imaginar. — Cedric explicou, não fazendo questão de virar a cabeça para olhá-los.
— Líderes de torcida. Confesso que estou me sentindo dentro daqueles filmes clichês que se passam na América, se alguém começar a cantar agora eu juro que saio gritando. — comentou, arrancando risinhos dos novos colegas.
Prestou um pouco mais de atenção naquele grupo tão chamativo. Ficou levemente impressionada como os garotos do time de futebol da nova escola pareciam jogadores profissionais, o porte atlético era realmente impressionante. E as garotas, lindas e bem-humoradas.
Será que seriam estupidamente chatas?
— E você já decidiu o que vai fazer de extracurricular? — Kadence chamou a atenção da italiana.
— Francês.
Cedric soltou um suspiro quase imperceptível. Além de linda, falava italiano, inglês e aprenderia francês. Estava demasiado encantado com a pouca troca que teve com a garota.
Foram mais alguns minutos até que o intervalo chegasse ao fim. aproveitou a companhia dos colegas e pegou os novos livros para as próximas aulas. Eles tentaram mais algumas vezes perguntar sobre a Itália, mas deu respostas breves, como o fato de ter ido para uma escola cerca de apenas um ano atrás, pois sua mãe lhe dava aulas em casa, e também deixou claro que seus pais eram divorciados.
Nada além disso.
Ainda não tinha conforto em conversar sobre as coisas que aconteceram apenas dois meses antes, muito menos com pessoas que acabou de conhecer. Dividir assuntos pessoais como a relação com a mãe ou, pior ainda, a relação com o pai, era algo que precisava de bastante tempo e confiança. Seu passado não era bonito para sair contando por aí.

Durante o restante das aulas passou a prestar atenção somente nos professores, os burburinhos ainda aconteciam, mas sendo aluna nova e tendo noção de que dali uma semana começariam as provas, não gostaria de ser tomada por fofocas colegiais. Seu pai mandou uma mensagem próximo ao almoço, convidando-a para que pudessem almoçar juntos, já que ficaria fora até tarde.
Ela apenas negou, educadamente, avisando que teria aula de francês em seguida e que não poderia sair da escola. Era uma mentira deslavada, mas não estava afim de sair com ele. Não o odiava, longe disso, mas não eram próximos. Não achava certo forçarem uma aproximação tão de repente, isso exigiria um pouco mais de calma da parte dele e um pouco mais de força de vontade dela.
— Vocês sabem se tem algum lugar em que eu possa imprimir alguns documentos aqui na escola? — perguntou após o último sinal avisar o fim de aulas do dia.
Sì, in segreteria. — Cedric respondeu, arriscando o italiano que acabou de aprender.
Grazie. — devolveu, sorrindo.
Eles só estavam tentando ser legais.
— O que vai fazer agora? — Kadence questionou, puxando a mochila de dentro do armário. — Além de imprimir papéis, é claro.
— Vou procurar emprego. — A italiana deu de ombros.
— Emprego? Você chegou em um carro blindado, precisa de emprego?
engoliu em seco. Não esperava que Kadence não tivesse reparado no carro, muito menos que ela soltaria a informação em uma conversa banal como aquela. Fechou a porta do armário em silêncio, virando-se lentamente na direção da nova colega. Poderia ficar chateada, mas não era daquela forma que gostaria de começar sua vida em Laguna Beach.
Talvez ficasse pouco tempo, mas não estava no clima de criar inimizades.
— O carro foi só um favor. — Omitiu.
— Desculpe por Kadence, ela costuma ser bem inconveniente. Se quiser podemos te acompanhar no centro, já que não conhece nada por aqui. — Cedric ofereceu.
— Não. — Ela negou rapidamente. — Obrigada, mas eu prefiro fazer isso sozinha. Vejo vocês amanhã?
— Claro, até amanhã. — Kadence sorriu, acenando para a garota, enquanto ela se afastava.
fez o mesmo e voltou a prestar atenção no caminho para a secretaria. Iria arranjar uma bicicleta e recusaria o motorista pela manhã, ou talvez pudesse fazer o caminho a pé. A casa do seu pai não ficava muito longe da escola, mas talvez do centro sim e precisaria de um meio de locomoção.
Não tinha mais certeza de nada. Só tinha em sua mente que deveria juntar dinheiro até que fizesse dezoito anos para poder ser livre de adultos responsáveis pela sua vida e então voltaria para Itália sem nenhum problema. Teria sua rotina de volta, seu diploma escolar e um futuro muito bem planejado, seguindo os passos da mãe.
Já na secretaria, ela conseguiu imprimir algumas vias do seu currículo. Não era algo extenso e lotado de cursos, mas tinha experiências como garçonete, isso talvez fosse um ponto positivo para algum restaurante que precisasse de ajuda e também já havia trabalhado em um museu, como guia de crianças, então tentar a sorte poderia ser seu maior benefício naquele momento.
A garota saiu do colégio alguns minutos depois, sacando seu celular de dentro da mochila e ativando seu GPS para conseguir chegar ao centro sem nenhum contratempo. Algumas mensagens chamaram sua atenção e deixaram seu coração em um estado levemente crítico. A saudade era como um tiro no escuro. Não sabia quando ela poderia aparecer ou até se apareceria, mas se a acertasse em cheio, era laceração em graus colossais.

» Giuseppe: Bambina, espero que seu primeiro dia de aula tenha sido bom. Estou apertado de saudades, em breve irei visitá-la. Baci.

respondeu brevemente sobre seu primeiro dia de aula, enquanto caminhava na direção que o GPS falava. Contou sobre Kadence e Cedric e sobre seu novo hobbie aprendendo francês. Suas palavras eram carregadas de empolgação, mesmo que não tenha vivenciado daquela forma, gostaria de transparecer que sim.
Estava virando uma ótima mentirosa e não sabia ainda se aquilo era bom.
Caminhou por mais alguns minutos, avistando o mar a cada passo que dava. O sol reluzia forte contra a água azul e um sorriso atravessou seus lábios sem que desse conta. Fazia muito tempo que não via a praia e aquela em específico era linda demais para não ser apreciada de perto. O GPS pediu para que ela virasse na rua do centro, mas ela o ignorou, fechando o mesmo, andando na direção da areia.
Um arrepio percorreu seu corpo assim que retirou a sandália e tocou a pele na areia macia. Sentiu como se estivesse pisando sobre nuvens e por um momento se imaginou sendo feliz naquela cidade. Olhou ao redor, enquanto caminhava para perto da água, alguns restaurantes davam acesso para a areia da praia e resolveu que deveria começar por ali, trabalhar olhando o mar não parecia uma ideia ruim. Evitou molhar o pé e andou decidida até o primeiro estabelecimento, desviando de algumas pessoas que tomavam sol.
Subiu a escada de madeira lentamente, parecia tão gasta que poderia romper ali mesmo. Voltou a colocar os sapatos quando chegou ao deque coberto. Teria tempo de ver o mar, talvez arriscasse entrar nele mais tarde, por hora precisava arrumar um emprego que lhe pagasse qualquer valor disponível, ainda tinha dez meses para completar dezoito anos e poder sair dali.
— Olá? — proferiu assim que passou pela porta dupla aberta do local. — Alguém aí?
O restaurante por dentro era incrivelmente fofo. As paredes de madeira eram pintadas de branco, enquanto as mesas e cadeiras tinham um azul celeste exuberante contrastando com o mar. Cortinas brancas e esvoaçantes deixavam o lugar com cheiro de verão, e os girassóis dentro de pequenos vasos sobre as mesas eram o toque de felicidade.
Barulhos de panelas podiam ser ouvidos pela garota, mas quando ameaçou chamar novamente, algo lhe chamou a atenção. Um quadro pendurado próximo a porta de entrada principal. A pintura era tão única que ela reconheceu no mesmo segundo. Com passos lentos foi até a arte, passando lentamente o dedo sobre o campo de girassol que estava desenhado ali. Era um detalhe perfeito. Assim que o campo de girassol acabava, o verde se encontrava com o azul do céu e uma pomba branca sobrevoava perdida do seu bando. Passarinhos perdidos em pinturas era a particularidade que encontrariam em qualquer obra dela.
— Posso ajudar? — Uma voz grave a fez pular de susto, virando-se rapidamente na direção da mesma.
— Oi, desculpe, eu… — ainda tinha o coração acelerado e precisou pausar a fala para colocar a mão no peito e respirar fundo. — Eu sou , tudo bem? — Em seguida, ela se aproximou do rapaz e estendeu a mão.
O rapaz olhou para a mão estendida e, em seguida, para o rosto da garota. Aquele rosto lhe parecia familiar, mas o sotaque o deixou confuso. Ficou alguns segundos tentando recordar de onde poderia conhecê-la que nem reparou o afastamento da mesma com alguns passos para trás.
— Foi mal. Parece que já vi você. — Ele recobrou os sentidos, pegando na mão dela que já não estava mais estendida e firmando o cumprimento.
quem fez a análise naquele momento: o porte de atleta profissional, com músculos que não eram da idade saltando junto da camiseta branca, a estatura de uma porta, os cabelos escuros e desgrenhados colados na testa por conta do suor, o maxilar trincado parecendo incomodado. Ela tentou imaginar uma camiseta azul com numerais na frente e confirmou a teoria que pairava em sua cabeça.
— Nós tivemos duas aulas juntos hoje de manhã. — Ela esclareceu a dúvida que antes era de ambos.
— Ah, claro, você é a garota nova! Desculpe os modos, sou . — A tensão do rosto dele se dissipou assim que recobrou os sentidos.
Enquanto era analisado minuciosamente, não deixou de notar as feições da garota.
— Prazer. — sorriu amarelo. — Então, você trabalha aqui?
— Sim, precisa de alguma coisa? Não estamos mais atendendo para o almoço, mas…
— Não! — Ela se apressou. — Na verdade, eu estou entregando currículo. — Rapidamente entregou um dos papéis de sua mão para . — Tenho uma pequena experiência com atendimento em restaurante e não tenho alta pretensão salarial.
— Olha, não estamos contratando no momento.
! — Uma voz feminina soou de dentro da cozinha. — Você já chegou, querido? — A voz foi ficando mais próxima e logo a silhueta de uma mulher apareceu ao lado dos adolescentes. — Oh, desculpe, posso ajudar?
— Ela estava entregando um currículo, mas como não estamos contratando… — coçou a nuca, estendendo o papel para a mulher.
— Como assim não estamos contratando? — A confusão no rosto da mais velha fez soltar um risinho baixo. — Desculpe, querida, meu filho é um pouco cabeça dura! Na verdade, estamos precisando muito de alguém para ajudar.
— Mãe, não temos como pagar muito. — Ele tentou um tom baixo, quase em forma de alerta.
Aquilo deixou ressabiada.
— Isso é verdade. — A mulher desamarrou o avental rapidamente e se aproximou de . — Prazer, querida, sou Amélia. A dona.
— É um prazer, Amélia, me chamo . — A mais nova aceitou a mão que lhe era ofertada e sorriu. — Na verdade, como eu disse para o seu filho, não tenho uma pretensão salarial alta, eu estou disposta a ouvir sua proposta.
— Como você fala bonito. — Amélia sorriu sincera, notando em como a garota era bonita. — Além de ser muito linda.
— Obrigada. — murmurou, sentindo as bochechas corarem.
— Você não acha, ?
— O quê? — A voz do garoto saiu quase esganiçada.
é muito bonita.
— Ah, sim… é, sim.
estava dividida naquele ambiente. Amélia era adorável, animada e falava pelos cotovelos, ao contrário de , que parecia quieto, reparador e terrivelmente incomodado com a forma que a mãe estava lidando com a “contratação” da garota. Mesmo sabendo que era encarada o tempo inteiro, ela preferiu engolir aquele incômodo e continuar a prestar atenção em Amélia, já que a mesma continuava falando sem parar.
— Conseguimos pagar cem dólares por semana, mas o turno é pequeno, você inicia apenas quando o restaurante abrir às seis da tarde e termina às dez da noite. Tenho certeza de que vamos conseguir pagar mais assim que o fluxo voltar ao normal, mas, por enquanto, é o que podemos oferecer, querida.
— Perfeito. — concordou prontamente. — Está ótimo para mim.
— Que bom, então se puder começar hoje, agradeço imensamente. — Amélia voltou a amarrar o avental na cintura. — vai te mostrar o restaurante e como funciona o atendimento.
— Obrigada, Amélia.
— Eu que agradeço. Agora preciso voltar para a cozinha.
Assim como apareceu, Amélia sumiu pelo pequeno corredor, enquanto tagarelava sozinha sobre suas receitas. tinha um pequeno sorriso no rosto e um alívio enorme dentro do peito. No primeiro restaurante que entrou conseguiu um emprego, mesmo pagando pouco, além de estar satisfeita com a chefe que teria. Amélia lhe lembrava muito sua mãe.
— Minha mãe é um pouco avoada, como pode ter reparado. — quebrou o silêncio, colocando as mãos no bolso da bermuda.
— Achei ela um doce. — foi sincera, tentando não reparar no músculo que reforçou em seu antebraço. — A temporada não tem sido boa?
— Tem sim. — O rosto que parecia suave, novamente ficou tenso e percebeu que o assunto poderia ser delicado.
— E como vai ser, vou ter uniforme? Onde ficam as bandejas? — Ela mudou de assunto rapidamente, ansiosa para o seu primeiro dia de trabalho. Levou tanta sorte que não iria desperdiçar.
deixou um pequeno sorriso brotar nos lábios e guiou a garota pelo local, apresentando os ambientes e explicando como funcionaria a rotina de trabalho. Não era nada extraordinário, apenas precisaria anotar os pedidos e depois entregá-los. Eles tinham mais um garçom que fazia a mesma coisa, mas o fluxo de cliente aumentava a cada temporada.
Mesmo com o dinheiro girando dentro do local, as dívidas de fora ainda exigiam muito de e Amélia. Oferecer cem dólares semanais para foi um risco da mulher, então precisavam batalhar para que esse valor não fizesse tanta falta no final do mês.



Capítulo 02

acordou mais cansada que o normal no dia seguinte. Chegou em casa por volta das onze da noite, pois ainda tinham clientes dentro do restaurante e insistiu que continuaria ajudando até o último ir embora. Amélia ainda implorou para lhe dar carona até em casa e mesmo pedindo para ser deixada na esquina, não obteve sucesso. A cara de surpresa de e Amélia foi algo que revirou seu estômago.
Laguna Beach era uma cidade pequena. Sua mãe adorava passar o veraneio na Califórnia e quando encontrou aquele lugar, não saiu mais dali. Pelo pouco que ela contava sobre suas histórias incríveis de como foi morar em uma cidade praiana, sabia que as pessoas costumavam saber tudo sobre a vida um do outro.
Não sabia se iriam comentar com alguém sobre a moradia dela, mas agradeceu mentalmente por não terem feito nenhuma pergunta, enquanto se despedia e saia correndo do carro. Explicar para as pessoas sua história de vida não estava categorizado como uma das melhores sensações que tinha. Ainda mais quando isso incluía ser filha do prefeito.
Prefeito pelo qual vivia uma vida perfeita, com uma esposa modelo, mas que até então não tinha filhos. Zelava pelo bem da cidade desde que se conhecia por gente, já que vinha de gerações intrigantes de prefeitos. Prefeito esse, que há dezessete anos havia se envolvido com uma garota que não poderia ocupar o cargo de primeira-dama.
Antes que saísse do quarto, enfiou mais uma muda de roupa dentro da mochila, juntamente com um biquíni. Entraria no mar naquele dia, no horário que tivesse disponível. Nasceu na Califórnia e morou em La Maddalena o restante da sua curta vida. O mar era como sua casa. A praia trazia para si o sentimento que ninguém conseguia mover e já estava há dois dias na cidade.
Era um pecado não ter entrado no mar.
— Bom dia, . — A voz firme de seu pai lhe assustou assim que adentrou a cozinha.
— Bom dia, achei que não estivesse mais em casa. — Ela falou, servindo-se de um copo de suco.
— Estava te esperando para te dar uma carona. — O homem estava com seu terno costumeiro, bebericando uma xícara de café, sozinho.
— Pensei em ir caminhando hoje. É perto. — deu de ombros, olhando para o relógio em seu pulso.
Ainda estava no horário e poderia comer antes de sair. Dessa forma, enrolava um pouco mais Quinton e talvez ele desistisse da ideia de levá-la até a escola. Na verdade, estava evitando toda e qualquer forma de aproximação que viesse do cara que havia a registrado e pago suas pensões.
— Eu tenho uma reunião com a diretora sobre alguns projetos para a escola. Não vai ser incômodo. — Ele tentou mais uma vez.
— Olha, Quinton… — respirou fundo, mordendo o lábio inferior antes de continuar. — Eu agradeço, mas não acho que todos precisem saber que a garota nova é filha do prefeito. Não no meu segundo dia de aula.
percebeu que Quinton ficou um pouco incomodado com a situação. Não sabia definir se era tristeza ou se cogitou sentir raiva da colocação dela, mas aquilo fez a garota sentir um aperto repentino no peito.
— Desculpe. — Pediu, antes que o homem pudesse falar alguma coisa.
Sentia-se mal por magoar alguém. Quem quer que fosse. Era algo dela: se percebia que as palavras tinham saído de forma equivocada, rapidamente tinha o costumeiro aperto no peito, como se apertassem seu coração até ele ficar pequeno. A vontade era de voltar no tempo e reformular, mentir. Mas agora já havia falado o suficiente.
— Tudo bem. — Ele concordou, largando a xícara sobre a mesa e levantando-se em seguida. — Tenha um bom dia.
— Você também. — murmurou, observando-o sair da cozinha em passos longos, enquanto mexia no celular.
Assim que se sentiu sozinha o suficiente, afundou-se na cadeira. Não esperava viver feliz e contente naquele lugar, também não esperava agradar Quinton. Mas o dia anterior tinha sido bom, Kadence e Cedric pareciam pessoas legais, a escola era suportável ao ponto de conseguir ignorar os burburinhos sobre sua chegada e tinha conseguido um emprego. Um emprego legal, onde sua chefe falava demais e seu colega de serviço de menos.
A única parte estranha era chegar em casa e não ter para quem contar aquelas novidades, era saber que a pessoa mais próxima que gostaria de ouvir com detalhes cada momento do seu dia estava a exatos dez mil cento e um quilômetros de distância, e uma chamada de vídeo não bastaria. O que aliviava a saudade era chegar em uma casa estranha. Se tivesse que entrar em sua casa vazia todos os dias, não sabia se aguentaria a pressão, cairia no choro mais vezes do que já fazia e, infelizmente, precisava seguir em frente.
Entendia que ter dezessete anos ainda requeria um adulto responsável para “comandar” a sua vida, isso não a faria ser a adolescente rebelde que decidiria fugir da noite pro dia para a cidade em que cresceu, sua mãe havia lhe educado bem. Seu pai tinha obrigação legal com ela até os dezoito anos, então juntaria um dinheiro bom até lá, para conseguir pagar os vôos necessários para chegar em La Maddalena e recomeçar para valer no lugar que amava.
Parecia fácil na teoria. Esperava que a prática não tornasse tudo impossível.
Saiu do transe quando a mulher que trabalhava na casa adentrou a cozinha e perguntou se poderia recolher a mesa. Passou tempo demais pensando, nem olhou a hora passar. Apenas pegou uma fruta qualquer para levar de lanche e pendurou a mochila nos ombros, saindo da casa rapidamente.
O caminho até a escola, com a ajuda do GPS, durou exatos seis minutos. O carro de Quinton, que no dia anterior havia a deixado ali, estava estacionado bem em frente à entrada. Poucos alunos ocupavam o corredor de entrada, então se apressou em guardar as coisas no armário e pegar o livro que usaria no primeiro horário de aula, conforme o papel pendurado na porta do armário indicava.
— Alunos, favor, comparecer ao ginásio. — Uma voz masculina reverberou pelo alto falante dos corredores.
logo imaginou que seu pai faria algum discurso para os alunos, juntamente com a diretora, e aquilo fez sua pele arrepiar involuntariamente. Quanto mais distância gostaria de manter, mais próximo ele ficava.
Não lembrava com precisão onde ficava o local em questão, então apenas seguiu os demais alunos.
O ginásio era o suficiente para comportar os alunos nas arquibancadas, enquanto a diretora e o prefeito estavam no meio da quadra, conversando alegremente. seguiu até um banco disponível, não avistando Kadence e Cedric. Ou eles ainda não estavam ali, ou, pelo pouco que conversou com eles, ambos estavam fugindo do compromisso.
Enquanto todos se acomodavam, retirou o celular do bolso e fotografou Quinton sem zoom, enviando com a legenda: conheça meu pai através de uma mensagem para Lúcia, a melhor amiga italiana da sua mãe.
— O prefeito é o maior gato! — Uma voz feminina logo atrás de chamou sua atenção.
— Não é? Uma pena que já é casado. — Outra garota respondeu e elas soltaram risinhos animados.
apenas revirou os olhos.
Quinton poderia aparentar ser novo, mas não tinha idade para ser namorado de nenhuma delas e aquilo parecia a coisa mais nojenta do mundo.
Seu celular apitando uma nova mensagem foi o que a fez desligar da conversa sem noção que ainda acontecia entre as garotas.

» Lúcia: Bambina, como ele é bonito! Sua mãe sempre teve muito bom gosto. Me ligue quando der, quero saber como está sendo a América.

Um sorriso descrente formou-se em seus lábios. Pelo visto, a beleza do seu pai seria posta à prova hoje.
Guardou o celular antes que se entretece demais na conversa com Lúcia e se atentou a porta de entrada do ginásio. Na verdade, ela acreditava que todos fizeram a mesma coisa: observaram o grupo que chamava a atenção em todo canto da escola entrar sorridente pelo local.
Eles eram três garotos e duas garotas. estava bem ali, abraçando uma delas pelos ombros, enquanto ouvia atentamente o garoto solitário falar sem parar. O outro garoto estava também abraçando a segunda garota e eles pareciam felizes demais. Todos usavam uniforme do time e eram perfeitos modelos de propaganda. Bonitos, bem arrumados e esbanjando sorrisos completos para quem quisesse ver.
permaneceu com seu pequeno sorriso e ergueu levemente a mão em cumprimento assim que seu olhar encontrou o de .
Mas que péssima ideia.
Seu estômago afundou quando ele desviou os olhos e fingiu que não a reconheceu.
baixou a mão rapidamente, enfiando-a no meio das pernas e virando o olhar para onde seu pai se preparava para as apresentações. Sua mente estava uma confusão só, tentando entender o que acabou de acontecer.
ficou quieto na maior parte da noite no dia anterior, mas conversaram algumas vezes e até riram de algumas brincadeiras, acreditou que poderiam se cumprimentar na escola, mas, pelo visto, tinha pensado errado. Como sempre acontecia.
Talvez ela até tenha imaginado demais.
— Bom dia, queridos alunos. — A voz de Quinton inundou o ginásio e tentou prestar atenção em cada palavra e ignorar o incômodo crescente no peito. — Como é do conhecimento de todos, com a chegada de outubro, a prefeitura custeia o campeonato de outono.
A maioria dos adolescentes vibrou na arquibancada.
— Esse ano teremos voleibol, corrida de stand up paddle, beach tennis e canoagem. — Quinton enumerou, sorrindo com a reação que recebia dos alunos. — A competição acontece entre alunos e esse ano os esportes escolhidos foram sorteados para serem feitos em duplas. Só poderão competir se tiverem um parceiro, combinado?
— Lembrando que os alunos que obtiverem a maior pontuação ganham dois pontos na média final! — A diretora roubou a cena e arrancou gritos empolgados.
— Assim a competição fica melhor. — Quinton brincou. — E todo dinheiro arrecadado com os ingressos e com as comidas e bebidas vendidas no dia, serão doados para uma instituição de crianças e adolescentes da Califórnia.
Pelo que reparou no pouco que prestou atenção, seu pai parecia ser um bom prefeito. Poderia considerar babação de ovo também por parte da grande maioria, já que era uma cidade pequena, mas promover competições entre adolescentes e arrecadar fundos para instituições de caridade, não era algo que todos os governantes faziam. Não em público, ao menos.
Sua mente entrou em um limbo depois de algum momento. Não participaria da competição, afinal, não tinha uma dupla para isso e também não sabia se lhe sobraria tempo, mas era uma iniciativa legal para animar os hormônios ferozes de adolescentes desocupados. E parecia divertido competir uma corrida de stand up paddle. Giuseppe iria adorar presenciar aquilo.
Foram poucos minutos que se seguiram até que o prefeito e a diretora dispensassem os alunos para poderem voltar às aulas. Isso fez com que só tivessem duas aulas até o intervalo, com muito conteúdo e a primeira prova marcada para a próxima semana.
, bom dia! — Kadence surgiu na frente da garota como um fantasma, antes que ela passasse pela porta do refeitório.
— Bom dia. — respondeu, colocando a mão no peito devido ao susto.
— Não vi você no ginásio mais cedo, chegou tarde?
riu com a afobação que Kadence apresentava e andou ao lado dela até encontrarem uma mesa vazia para se sentarem.
— Na verdade não, mas quando cheguei já estava lotado. — Ela deu de ombros. — Você e Cedric vão participar da competição?
— Acho que vamos jogar vôlei, você pensou em participar?
— Não. Não vou ter tempo. Quando vai iniciar? Quero assistir vocês jogando.
— Daqui três semanas. Faz assim, me passa seu número. — Kadence estendeu o celular para . — Assim eu te aviso dos eventos badalados da cidade.
riu e anotou o número do celular na agenda de Kadence.
— Você consegue me mandar suas anotações também? Ou me emprestar seu caderno. Temos prova de matemática na semana que vem.
— Com certeza! Por que não vamos lá em casa depois da aula e aí você já pega tudo que precisa?
— Pode ser. — concordou, dando a primeira mordida na maçã que pegou mais cedo.
Cedric não apareceu durante o intervalo, mas Kadence falou por todos eles juntos em todos os minutos disponíveis, dando mais informações sobre a escola e seus alunos para atualizar e deixá-la “enturmada”. Era uma garota legal, mas ainda não sentia que eram amigas ou que poderiam ser mais do que colegas, suas personalidades eram completamente diferentes e, às vezes, ela ficava incomodada com alguns comentários da ruiva.

As três últimas aulas antes do almoço, pela sorte, ou azar, de , foram divididas com em sala. Não ficaram sentados próximos um do outro, mas ela sentia seu olhar o tempo inteiro. Era como se quisesse falar com ela, mas evitasse qualquer tipo de constrangimento. E foi com muito prazer que ela o ignorou.
Ignorou porque já havia percebido que naquelas aulas ele não estava acompanhado dos amigos, muito menos agarrado na garota que tinha deduzido ser sua namorada. Então se era um erro apenas cumprimentá-la na frente dos outros, seria um erro ainda maior fazê-lo por trás.
O restante das aulas passou rápido demais para o cérebro cansado de . Pensou ter deixado seus problemas lá na Itália, mas seu segundo dia de aula já tinha provado que a Califórnia seria capaz de transformar sua ideia de vida mansa e pacífica em um turbilhão emocionado de sentimentos confusos.

Depois do almoço, acompanhou Kadence até a casa dela, a qual não ficava muito longe do colégio. Caminharam por cerca de cinco minutos, apenas. A maioria das residências em Laguna Beach eram de alto padrão, jardins com gramas verdes e aparadas, portas pintadas de branco e as janelas abertas com cortinas esvoaçantes.
— Você mora aqui perto? — Kadence perguntou, enquanto entrava no próprio quarto, jogando as coisas sobre a cama.
— Sim, na rua de trás. — Ela não mentiu.
Pela janela do quarto de Kadence ela conseguia ver a parte de trás da casa do prefeito.
Seu novo lar.
Três vezes maior que o local em que morava na Itália.
— E o que está achando da cidade?
— Não conheci direito ainda, mas tem o clima parecido com a cidade em que eu morava. — deu de ombros, sentando-se sobre a poltrona próxima à janela, enquanto Kadence separava suas anotações.
— Isso é ótimo. Podemos ir à praia no final de semana e durante a noite tem uns lugares bem legais para sair.
— Durante à noite não sei se vai coincidir com o horário do restaurante, mas a praia eu topo!
— Você já conseguiu um emprego? — Kadence parecia surpresa.
— Sim, no primeiro restaurante em que entrei fui contratada. — contou vitória, pegando os primeiros papéis que a ruiva lhe entregava para tirar fotos. — É o restaurante daquele garoto popular da escola.
— Bromélias? — Kadence perguntou e concordou. — é o grande mistério da High School.
— Por que diz isso?
Kadence suspirou, terminando de separar tudo o que já tinha anotado naquele período de aulas e sentando-se de frente para , sobre a cama.
— Quando ele está com o grupinho parece uma pessoa feliz, sociável, mas quando está sozinho se torna irreconhecível. Sempre quieto, com a cara fechada e o maxilar travado, pronto para a briga. — riu com a comparação, mas lembrou-se da noite anterior e a forma como ficava sério de repente.
— Ele namora aquela garota com quem vive abraçado? — tentou não demonstrar tanto interesse na pergunta, folheando o caderno de Kadence e fotografando tudo que achava necessário.
— Nala O'malley, sim. O grande casal popular. A garota rica e o garoto que não tem tanto dinheiro assim. Típico.
— Agora eu realmente acredito que vocês vivem um filme de Hollywood.
Kadence gargalhou, sentando-se de forma mais confortável sobre a cama, ajudando com as fotos das restantes matérias.
— Muitas coisas que acontecem na escola parecem saídas de um livro de romance adolescente, mas, na verdade, a maioria cresceu junto, cidade pequena, todos se conhecem de alguma forma.
— Você e Cedric são amigos há muito tempo? — se interessou naquele momento pelas coisas que a ruiva falava.
— Desde que nascemos. Nossos pais trabalham juntos no porto de Long Beach. Mas e você? Tem amigos de longa data?
sentiu um ligeiro aperto no peito, proveniente de uma repentina saudade.
— Mais ou menos. — Ela respirou fundo, antes de continuar.
Parecia uma boa hora para falar sobre alguns assuntos.
— Minha mãe fazia homeschooling desde que eu era pequena, só frequentei uma escola no ano passado e como sou uma pessoa que não se abre muito, não fiz muitos amigos.
Kadence encarou a garota por alguns segundos. Ela tinha o aspecto de uma garota popular da América, bronzeado em dia para cidades praianas e cabelos sedosos tão cuidados que eram de dar inveja, mas o que mais lhe chamou a atenção foi a confissão não comedida que soltou na frase.
Realmente, era quieta. Silenciosa. Muito querida, mas extremamente atenta a cada palavra que falava e que ouvia. Kadence era totalmente ao contrário. Não media palavras, falava mais do que o esperado, o que às vezes acarretava diversos bate-papos solitários.
— Bom, espero que possa ser diferente aqui. — A ruiva foi sincera, sorrindo abertamente.
— Pois é. — também sorriu.
Mas seu sorriso foi um pouco forçado.
Eram dez meses.
Dez meses para o fim das aulas.
Dez meses para a maioridade.
Se criasse laços seria sortuda, mas também dificultaria sua partida.
Todavia, aquele assunto não seria revelado agora. Não era momento, nem existiam possibilidades de confessar tanta coisa assim para Kadence. O pouco que falou na frase anterior foi o suficiente para um primeiro contato de aproximação.
não demorou muito mais do que o necessário na casa da nova colega. Quando terminou de fotografar tudo o que precisava para todas as matérias, pegou suas coisas e rumou em direção à praia. O sol já não queimava como o previsto, mas estava quente o suficiente para que um banho a refrescasse do pequeno percurso.
Encontrou um biombo, normalmente usado por surfistas, disponível bem próximo ao restaurante. Aproveitaria aquele espaço e ficaria perto para que pudesse passar mais tempo que o desejado no mar, antes que seu horário de trabalho iniciasse. Largou a mochila sobre a areia e correu na direção da água, afundando seu corpo aos poucos, deixando o mar gelado inundar toda sua pele.
Aquela sensação de pertencimento era o que fazia seu peito sentir as batidas descompassadas do próprio coração. Desde que sua mãe se foi, não havia tido tempo de se despedir do mar da Itália. Estar dentro da água depois de dois longos meses fez com que seus olhos se enchessem de lágrimas. Mas não poderia ser hipócrita e dizer que aquele início de choro era apenas por estar novamente no mar. Pelo contrário, o mar lhe trazia tanta saudade, que era impossível não lembrar de sua mãe e de todos os momentos que viveram amando a praia tanto quanto se amavam.
Ela sempre lhe dizia que o único mal que o mar poderia lhe trazer eram tubarões, de resto, era só aproveitar suas ondas e se refrescar com sua água cristalina. Sua mãe adorava retratar o mar em pinturas, sempre com tanta precisão que quase era possível sentir o cheiro da maresia.
Quando emergiu de um último mergulho, teve a ligeira sensação de estar sendo observada. Passou a mão no rosto para retirar a água dos olhos e virou-se em direção da areia, procurando quem quer que pudesse estar olhando para ela. Não encontrou ninguém. Pelo menos, não focado em si.

Depois de mais alguns minutos apenas curtindo a sensação da água tocando seu corpo, percebeu que o sol já não brilhava tão forte e sua posição já havia descido alguns pontos. Já era hora de sair. O vento de fim de tarde era sempre gelado e arrepiava a pele sem aviso.
recolheu suas coisas e voltou para o biombo que usava anteriormente. Secou a maior parte do corpo com a própria roupa, já que só percebeu que se esqueceu da toalha quando mais precisou dela e levou sorte de se lembrar de uma muda limpa para o trabalho. Penteou o cabelo com os próprios dedos e deixou para colocar o tênis assim que saísse da areia.
O restaurante era praticamente do lado de onde estava e aproveitou para se sentar na pequena escada de acesso ao deque e calçar seus sapatos.
— Renovando as energias? — A voz pesada de chamou sua atenção.
O garoto estava encostado no parapeito do deque, observando amarrar os cadarços. Os cabelos estavam alinhados naquele momento e ele já tinha o avental do restaurante cobrindo sua roupa, mas aquela peça ainda não conseguia esconder seus braços fortes, algo que a garota nunca conseguia deixar de reparar.
— Sim. — Ela foi breve, erguendo-se e subindo o restante de degraus.
suspirou, mordendo o lábio inferior, enquanto observava ela passar na sua frente com o semblante sério.
— Olha, me desculpe. — Ele pediu, segurando o braço de para que ela parasse o passo antes de adentrar o restaurante. — Eu fui um babaca. Mas é complicado, Nala é…
, você não me deve nada. — falou de forma suave, puxando o próprio braço de volta. — Nos conhecemos ontem.
— Eu sei, mas você ficou chateada.
— Fiquei, porque achei que tudo bem nos cumprimentarmos na escola. — Ela foi sincera. — Mas agora eu não vou mais ficar, entendi que não é legal você dar “oi” para garotas.
O sorriso que ela moldou no próprio rosto foi a mais pura falsidade, mas suas palavras eram verdadeiras. Não iria arranjar problemas para o relacionamento de . Longe disso.
, por sua vez, desistiu de tentar explicar. Tudo o que envolvia seu relacionamento com Nala não valia a explicação. Sua mãe mesmo já havia dito que se ele não gostava dela, não adiantava forçar nada, eles dariam um jeito com todo o resto, mas na sua cabeça teimosa, aquele era o único jeito e estava fora de cogitação estragar isso.
percebeu que ele não falaria mais nada e saiu depressa para dentro do restaurante. Deixou suas coisas na pequena sala ao lado da cozinha e prendeu seu cabelo, mesmo molhado. Aproveitou para também colocar o avental preto com uma enorme bromélia pintada à mão — ela tinha a impressão de já ter visto aquele desenho antes, tinha certeza de que sua mãe havia pintado algo parecido com aquela flor e o quadro estava pendurado na sala da casa em que moravam em La Maddalena.
— Você gosta de flores? — A voz doce de Amélia irrompeu seus ouvidos e ela se virou rapidamente para a porta.
— Eu tenho a impressão de que já vi essa pintura antes. Ela foi feita à mão? — perguntou, ignorando o susto que tomou.
— Foi. Por uma amiga. — Amélia adentrou o pequeno cômodo e suspirou. — E acho que você conhece muito bem ela.
deixou um sorriso escapar por entre os lábios. Elas se conheciam, então.
— Quando você chegou da Itália? — Amélia perguntou, sentando-se no único banco que tinha ali e admirou cada traço do rosto de , não entendendo como não reconheceu ela no minuto em que a viu.
— No final de semana. O quadro na entrada do restaurante também é dela, não é?
— Sim. Sua mãe tinha um dom natural para pinturas e enquanto eu sonhava com o meu restaurante, ela fazia quadros para embelezar o local. — A mulher mais velha se deixou sorrir com as lembranças.
— Eu trouxe alguns com a mudança, se você quiser expor eles. Tenho certeza de que ela iria adorar. — Falar no passado sobre sua mãe ainda era muito difícil, então preferia manter acesa a chama.
— Como ela estava? — A pergunta foi tão dolorida para sair da boca de Amélia que pareceu mais um sopro.
— Irreconhecível.
— Eu sinto tanto, querida. — Amélia ergueu-se do banco e puxou para um abraço sem aviso.
A mulher se deixou emocionar com grossas lágrimas recheadas de saudade. O lamento foi mais para confortar a si própria do que para confortar .
Quando Amélia e Penélope se conheceram eram apenas garotas sonhadoras. Uma vivia planejando seu restaurante, suas comidas e o cardápio perfeito, enquanto a outra trabalhava desde cedo em qualquer comércio que lhe desse vaga, vivendo um dia de cada vez, botando um pé na frente do outro de forma lenta. já havia escutado histórias sobre as aventuras de Penélope e sua melhor amiga, mas não sabia seu nome ou se ainda morava em Laguna Beach. Foi tão reconfortante saber que Amélia era aquela pessoa. Ter alguém que conhecia sua mãe melhor do que ela, trazia uma absurda sensação de alívio.
Ao se mudar para a Califórnia teve um único medo: esquecer as memórias de Penélope Rizzo. Saber que Amélia traria as lembranças de forma ainda mais vívida acalentou seu coração saudoso.
— A última vez que a vi estava no início do tratamento. Veio até aqui, pediu seu prato favorito e conversamos até de madrugada enquanto bebíamos vinho. — Amélia comentou, afastando-se lentamente da mais nova, enxugando as lágrimas. — Foi como voltar no tempo.
— Quando ela descobriu o câncer a primeira coisa que fez foi vir conversar com Quinton. Ela sabia que não iria resistir e… — tinha se mantido firme durante o abraço emocionado de Amélia, mas relembrar tudo o que havia escutado de sua mãe em seus últimos dias trouxe à tona todo choro entalado na garganta. — E queria garantir que ele não me deixaria desamparada.
— Ontem quando te deixamos em frente à casa de Quinton eu não raciocinei na hora. — Amélia ajudou a espantar as pequenas lágrimas que caíam de seus olhos. — Primeiro pensei que poderia ser uma sobrinha, prima, alguém da família que precisou vir para cá, porque é uma família bem grande. — Um riso contido foi dado pelas duas. — Mas depois eu lembrei de todos os seus traços, de como você usava palavras bonitas para se comunicar e de como tinha os cabelos mais sedosos que eu já vi na vida. Era como se Penélope estivesse esfregando na minha cara que sempre foi mais bonita.
Elas riram novamente.
— Você é linda também.
— Eu agradeço, querida, mas se você soubesse como sua mãe roubava corações nessa cidade… — o comentário foi jogado ao ar, deixando subentendido o quanto sua mãe era requisitada. — Quando eu entendi que você era filha dela tudo fez sentido. E aí eu entendi que a nossa falta de comunicação não era mais falta de tempo.
mordeu o lábio inferior, segurando mais lágrimas que ameaçavam cair.
Ela negou com a cabeça.
— Nunca foi falta de tempo, Amélia. Minha mãe não queria preocupar ninguém e também não queria que a vissem daquela forma.
— Eu sei que é tarde para se arrepender, mas eu deveria ter estado lá. Quando eu mais precisei, sua mãe largou tudo e veio me ajudar. Eu deveria ter feito o mesmo.
— Não. — negou novamente e puxou as duas mãos de Amélia para si. — Ela não teria deixado. Eu mal pude acompanhar ela durante o tratamento. Tudo o que eu tinha que fazer era continuar a cuidar dos aluguéis de stand up e garantir que as galerias continuariam vendendo suas obras, enquanto ela ia para o hospital. Mas era a vontade dela.
— Mãe? Podemos abrir? — A voz de cortou qualquer coisa que Amélia pretendia falar e logo a figura dele surgiu em frente a porta. — Tudo bem? — Ele franziu o cenho ao encontrar ambas as mulheres com os olhos vermelhos.
— Tudo ótimo, querido. — Amélia se afastou de e passou a mão no rosto, espantando os resquícios de lágrimas. — Mãos na massa para mais uma noite!
fez o mesmo, limpou o rosto e saiu da sala, passando por e caminhando até o salão para aguardar os primeiros clientes.



Capítulo 03

Com o ritmo constante de aula e trabalho, o final de semana chegou e só reparou quando seu despertador não anunciou a chegada do dia e ela acordou quando os raios solares que entravam pela janela começaram a incomodar sua vista. Não tinha noção nenhuma de como seria aquele dia, mas sabia que, dependendo da hora, iria para a praia.
Pegou seu telefone em cima da escrivaninha e deu de cara com uma mensagem de Kadence.

» Kadence: Praia depois do almoço?

Já passava das dez da manhã, então respondeu com um simples: com certeza.
Kadence enviou o endereço da praia que iriam e constatou que não era a mesma em que trabalhava. Ainda não teve tempo de explorar a cidade em todos os seus cantos, mas gostou de saber que naquele dia poderia conhecer um novo local.
Depois de deixar tudo combinado com Kadence, não desceu para tomar café. Provavelmente a mesa nem estaria mais posta. Ela aproveitou o tempo livre para passar a limpo as matérias que estavam atrasadas devido a mudança.
Era muita coisa, mas em duas horas conseguiu adiantar matemática, já que teria prova na próxima semana.

No horário do almoço, percebeu que Quinton não estava em casa e ao invés de mandar uma mensagem, deixou um bilhete em cima de um embrulho em cima da mesa da cozinha. Seus funcionários não trabalhavam no final de semana e ela agradeceu por ter a casa silenciosa naquele momento.
O bilhete de Quinton dizia que ele e sua esposa, Yanka, haviam saído para almoçar em um novo restaurante de um conhecido e dentro da sacola estava uma fritada de frutos do mar para que ela pudesse comer, já que ele imaginava que ela não gostaria de ir junto.
E não estava errado. Não era algo que parecia confortável o suficiente.
Já poderia até imaginar o que falariam assim que soubessem sua familiaridade com o prefeito. Talvez as pessoas próximas e a própria família de Quinton fizessem o cálculo básico e descobrissem de onde ela vinha, mas aqueles que não conheciam a história do homem ficariam curiosos o suficiente para fuçar toda a vida de .
E era aquilo que ela menos queria.
Gostava do anonimato. De não ser conhecida por um grande número de pessoas. O básico funcionava.
Aproveitou a comida sem pressa. A fritada era realmente gostosa e ela não deixou sobrar nada no prato. Para não parecer mal-educada ou mal-agradecida, enviou uma mensagem para o celular de Quinton agradecendo pelo almoço e elogiando o sabor dos frutos do mar. Foi uma mensagem simples, mas que ela sabia que massageava o ego do homem.
Depois de lavar as louças que usou, voltou para o quarto e separou uma bolsa de praia, guardando toalha, protetor solar, óculos de sol, itens de higiene e uma muda de roupa limpa para que pudesse ir direto ao trabalho depois da praia. Agradecia aos céus por Laguna Beach possuir biombos para possíveis trocas no meio da areia, além de chuveiros para lavar a água salgada.
Aquilo facilitava muito a vida de quem gostava do mar.
Após organizar todas as suas coisas, vestiu um biquíni e jogou um blusão por cima. Garantiu que não estava esquecendo nada e protegeu sua cabeça com um boné antes de sair da casa, trancando a porta principal e levando a chave consigo. Durante a semana não precisava fazer aquilo, mas naquele dia não sabia se Quinton gostaria de manter a porta aberta por tanto tempo sem ninguém na casa.
Enviou mais uma mensagem para o homem e o avisou da chave. Assim que ergueu a cabeça do celular, amaldiçoou-se completamente por ter aberto a boca no dia anterior: Kadence e Cedric estavam dentro de um jipe, encarando-a boquiabertos, enquanto ela dava passos receosos para fora do jardim da casa.
Maldição de cidade pequena que todo mundo sabia exatamente onde o prefeito morava.
— Por isso você chegou em um carro blindado! — Foi a primeira coisa que a ruiva disse assim que subiu o veículo, posicionando-se no banco traseiro.
— É, parabéns, descobriram o meu segredo. O que estão fazendo aqui?
— Você disse que morava na rua de trás, estava prestes a te enviar uma mensagem dizendo que estávamos por aqui.
— Até que vimos você saindo da casa do prefeito. — Cedric completou, dando partida no carro.
— Você quer nos contar ou vamos brincar de adivinha? — Kadence parecia bem empolgada em descobrir a nova fofoca quentinha.
respirou fundo, aproveitou a brisa quente batendo contra seu rosto para pensar alguns segundos sobre a decisão que tomaria.
Uma hora ou outra iriam descobrir seu parentesco com Quinton, não tinha muito para onde fugir. Por mais que quisesse esconder o máximo que pudesse aquela informação, Kadence e Cedric pareciam o tipo de pessoas que sabiam sobre a vida de todos em Laguna Beach, mas não compartilhavam com mais ninguém além deles.
Esperava do fundo do coração que eles guardassem segredo... mesmo que uma hora ou outra isso virasse notícia.
— Eu sou filha de Quinton. Meu nome completo não é Rizzo. É .
— De onde vem o sobrenome Rizzo? — Cedric cortou Kadence, prevendo a enxurrada de perguntas que ela faria.
— Minha mãe e eu adotamos de um casal de amigos da Itália.
— Será que você pode nos contar do início? Como você é filha do prefeito e como sua mãe não é Yanka? Isso está confuso demais. — Kadence virou o rosto para trás para observar melhor .
— Sendo filha de Penélope Rizzo e não de Yanka . — Ela tentou brincar, querendo evitar as perguntas, mesmo estando sem saída. — Minha mãe morou na Califórnia quando era mais nova. — contou, após receber uma careta de Kadence. — Conheceu Quinton e eles se apaixonaram, mas viveram um romance impossível. É isso.
— Isso? Não, não pode ser só isso. — A ruiva negou, revoltada com a escolha de palavras, ou melhor, com a escolha de tão poucas palavras.
— Como você aguenta ela, tão fofoqueira? — perguntou em voz alta para Cedric, tentando manter o tom brincalhão.
— Qual é! Você acaba de carregar meu estoque de novidades. Rende uma ótima matéria para o jornal da escola.
— Não, você não vai contar isso para ninguém. — A italiana foi categórica, não dando mais espaço para que levassem aquele assunto na esportiva. — Uma hora ou outra todos vão saber e vão começar a pesquisar sobre minha mãe, sobre seu passado e toda a história que foi se envolver com a família , e eu estou evitando isso o máximo que conseguir.
— Nós vamos respeitar seu espaço. — Cedric falou pelos dois, ignorando o olhar abismado de Kadence.
— Olha, respeito você por ter me apegado, mas é melhor garantir que isso não vá sair daqui ou de qualquer outro lugar que tenha contado. O prefeito Quinton é como uma celebridade, quando descobrirem vão cair em cima. — Kadence alegou, guardando toda a curiosidade que surgia em seu peito ao ver o semblante sofrido de .
— Eu sei. É por isso que evito tocar nesse assunto, evito ser vista com ele, entre essas coisas. Não quero que destruam o pouco de sanidade que ainda me resta para continuar morando aqui.
A fala de deu o assunto por encerrado. Além de Cedric também já estar estacionando o jipe e o barulho do motor não mais abafar suas vozes.
Kadence sentiu-se culpada após perceber que a nova colega estava chateada com o assunto. Ela sabia que deveria ter ficado um pouco mais de bico calado e evitado algumas perguntas, aceitando a simples explicação que recebeu, mas era mais forte que ela; queria saber mais, de preferência, tudo.
, por sua vez, permaneceu em silêncio durante todo o caminho até a praia. Pegaram uma escadaria de concreto com mais degraus do que estava acostumada, mas a vista compensou tudo.
O mar conseguia ser ainda mais bonito que a praia em que trabalhava, um azul cristalino tão vivo que parecia uma pintura. A areia fofinha era ocupada por vários adolescentes tomando sol, enquanto as pedras eram usadas para as usuais fotografias em redes sociais. E mesmo com o sol latejando em cima de suas cabeças, parecia o clima perfeito para aproveitar cada segundo daquela tarde.
Eles alugaram cadeiras de praia e sentaram-se um pouco mais afastados de todo o aglomerado afobado de garotas da escola.
— E como está o trabalho? Está gostando? — Cedric perguntou para , tentando dissipar aquele clima desconfortável devido a última conversa que tiveram.
— Bastante. A dona é incrível e descobri que ela foi amiga da minha mãe quando ela morou aqui. Além de que não parece nada com o filho. — riu da própria piada.
é enigmático, não é? — Kadence comentou de forma retórica, levantando os óculos do rosto para observar melhor quem estava na praia. — O que aconteceu com a sua mãe?
— Ela faleceu. Dois meses atrás. — A resposta foi robótica. — Câncer no esôfago.
— Eu sinto muito! — Kadence se apressou em dizer, ignorando o que acontecia entre as garotas mais a frente e voltando o rosto para .
— Tudo bem.
— Kadence, está na hora de parar com as perguntas, o que acha? — Cedric tentou usar um tom de voz brincalhão, mas não conseguiu e deixou parecer que estava dando um sermão na melhor amiga.
— Desculpa. Estou sendo inconveniente desde que nos encontramos.
— Tudo bem. — repetiu, deixando um sorriso transcender seu rosto, mas sabendo que na verdade não estava tudo bem.
Por mais que gostasse de Kadence, estava começando a ficar com receio dela. Não saberia dizer se a amiga era mesmo confiável, se manteria tudo em segredo. Pelo jeito que falava da vida dos outros e não mantinha papas na língua, temia que logo esse assunto pessoal sairia da boca de alguma pessoa que ela ainda nem conhecia.
Ao invés de continuar conversando com os amigos, ela pediu licença, ficando apenas de biquíni e caminhando até o mar. Era apenas aquela calmaria que ela precisava para relaxar e esquecer por um momento o olhar atento de curiosidade que Cedric e Kadence lançavam sobre si o tempo inteiro.
O primeiro mergulho arrepiou sua pele inteira. A água estava gelada e esfriou todo seu corpo, baixando a temperatura que tinha se elevado pelo sol. Mas a sensação que inundou seu peito, como sempre fazia, foi a melhor que poderia explicar. Não entendia a ligação de pessoas com lugares, mas sentia uma onda eletrizante atravessar seu interior todas as vezes que entrou no mar da Califórnia.
Quando virou o rosto na direção da areia observou seu colega de trabalho chegar sorrateiro na praia, provavelmente procurando sua namorada que estava no tão agitado grupinho de meninas falantes. pareceu sentir a encarada e procurou os olhos tão conhecidos dentro do mar.
Para a surpresa de , ele ergueu uma mão e depositou um discreto sorriso em seu rosto, cumprimentando-a. Ela fez o mesmo, tentando ser discreta, mas percebeu quando Nala a olhou e em seguida, procurou quem era a pessoa cumprimentada. Seu rosto se fechou no mesmo segundo.
apenas revirou os olhos e virou-se de costas para as pessoas na praia, observando o mar se mover e trazer as ondas para a orla.
Depois de ter sido franca com , ela o evitava sempre que conseguia na escola. Mas o garoto parecia bem determinado em mudar aquela situação, então se mantinha quase sempre acompanhado apenas dos amigos homens e quando passava por ela, fazia questão de acenar.
A garota, por sua vez, sabendo que seria injusta se não devolvesse o cumprimento, após se chatear com a falta dele, cumprimentava de volta, mas sempre de forma muito discreta. Não erguia muito o braço, nem mostrava muito os dentes. Achava bobagem deixarem de ser colegas para que Nala não ficasse brava, mas também não abusaria dos limites e não estragaria o namoro dele.
No restaurante a conversa começou a fluir depois do terceiro dia. começou a ser mais gentil, se oferecer para ajudar e prestar atenção nas conversas que e Amélia tinham quase todos os dias sobre Penélope. Ele nunca perguntou sobre a vida antes de Laguna Beach diretamente para . Talvez já tivesse tirado todas as dúvidas com Amélia, mas foi a pessoa mais sensata que conseguiu conhecer na cidade, depois da própria mãe.
O restante era enxerido demais.
Algumas garotas tentaram aproximação também na escola, talvez por perceberem que ela era inteligente depois de debater com o professor de história sobre a Segunda Guerra Mundial e os princípios que ainda pareciam vivos desde aquela época, ou porque a acharam legal quando discordou da professora de filosofia quanto ao pensamento de Platão e a alegoria da caverna, não sabia dizer, mas elas eram suas colegas na turma de francês também e até então só quiseram saber sobre como era morar na província de Sardenha.
Enquanto aqueles que queria considerar como amigos, na verdade a perguntavam demais.
Tentava não os culpar, afinal, a curiosidade poderia ser amiga na maioria das situações. Mas o medo continuava martelando sua cabeça, deixando-a sentir a insegurança crescer no peito.

Ela voltou para a areia depois de mais alguns minutos deixando a pele enrugada, Kadence e Cedric conversavam sobre alguma prova futura e ela preferiu não adentrar no assunto, então apenas se sentou na cadeira de praia e protegeu os olhos com os óculos para, enfim, poder olhar para o lado e descobrir o que acontecia por ali.
estava sentado diretamente na areia, enquanto conversava com um outro garoto que apareceu do seu lado. Nala estava do outro lado, segurando a mão dele de forma possessiva e, de vez em quando, conferindo se alguém os olhava. Não entendia o que passava dentro da vida daqueles dois, mas era algo que a deixava bastante intrigada. Nala era bem ciumenta pelo que os corredores falavam no colégio, enquanto era totalmente o oposto, não se importava com absolutamente nada que acontecia ao seu redor.
Ainda não fazia sentido ele ser um garoto popular.
Mas as coisas em Laguna Beach não estavam parecendo normais o suficiente para sua cabeça.
, isso? — Uma voz, até então desconhecida, soou do seu lado, fazendo a garota sair do transe que estava.
— Eu. — Ela disse, cuidadosa, olhando para o lado, onde agora um garoto estava sentado sobre a areia, observando-a sorridente.
— Sou Finn, prazer. — Ele estendeu uma de suas mãos.
aceitou, cumprimentando-o também.
Olhou brevemente para o grupo que antes encarava e constatou que aquele garoto era o mesmo que conversava com segundos atrás.
— Prazer. Com o que posso te ajudar? — Ele deveria querer alguma coisa, afinal, por qual motivo estaria conversando com ela naquele momento?
— Você é direta. — Finn riu, coçando a nuca.
Por um momento acreditou que ele pudesse estar envergonhado, mas então lembrou que na verdade todo garoto fazia aquilo.
Coçar a nuca.
Fingir que estava envergonhado para conseguir algo.
Mas ela sorriu mesmo assim. Ele era fofo.
— Você nunca conversou comigo antes. — deu de ombros.
Cedric e Kadence preferiram não ficar ouvindo a conversa que se desenrolava e rumaram em direção ao mar. Mesmo que Cedric quisesse ficar para escutar tudo o que estava acontecendo entre Finn e .
— Pode parecer besteira, mas eu tenho bastante vergonha desse negócio de primeiro contato. — Finn contou, dessa vez levando a mão para o cabelo, esse que estava molhado e caía sem parar sobre sua testa. — Mas achei que hoje era um dia propício para arriscar.
— Entendi. — O sorriso continuava preso nos lábios de , estava começando a se deixar levar pelo discurso dele. — E você tem algum motivo específico para isso ou só quer conversar sobre qualquer coisa? — Ela relaxou as costas no encosto da cadeira de praia, sem deixar de olhar para o garoto.
— Vim determinado. — Finn brincou, arrancando uma risada de e se deixando sorrir também. — Podemos conversar sobre qualquer coisa também, mas hoje vai rolar uma festinha na casa da Nala O'Malley e eu queria saber se você topa ir comigo.
— Olha, eu adoraria, mas… — mordeu o lábio. — Eu trabalho até às onze hoje. Acho que fica bem tarde para ir em uma festa.
falou que hoje vão ficar até mais tarde no restaurante, mas isso não é problema. As sociais na casa de Nala costumam começar tarde, sem hora para acabar. Eu posso passar no restaurante depois do seu horário… — ele deixou a frase no ar, juntando suas próprias mãos que estavam apoiadas sobre seus joelhos dobrados.
novamente mordeu o lábio inferior.
Só tinha ido em uma festa na sua vida inteira, festa de adolescente mesmo. Foi no ano anterior, quando já estava um pouco mais enturmada com o pessoal da escola em que estudava na Itália e sua mãe, em conluio com Lúcia e Giuseppe, insistiu tanto que foi impossível deixar de ir. Ela odiava parecer o tipo nerd demais que não se enturmava, mas festas eram assuntos delicados: adolescentes sem controle com álcool disponível para que pudessem fazer qualquer besteira, era algo que ela repudiava. Repudiava de forma tão colossal, que nunca havia colocado uma gota de álcool na boca.
Não sabia explicar por que existia aquele sentimento dentro de si. Acreditava que a maioria se dava por todas as notícias que escutava por aí, sobre garotas sendo estupradas por colegas de aula durante festas regadas a cerveja, ou então pelo fato de escutar muitas lembranças do tempo em que sua mãe tinha sua idade e curtia a vida adoidada.
Talvez um conjunto de tudo.
Além do fato de sempre preferir se manter reclusa.
Não era de conversa fiada, não gostava de grupos grandes em que cada um tentava falar mais alto que o outro para se sobressair com sua história mirabolante.
Gostava de coisas pequenas.
Simples.
Mas não queria ser antissocial com Finn...
Ele era bonito. Musculoso como um atleta prestes a se formar. Tinha até gominhos na barriga que pareciam uma pintura perfeita de Penélope, combinando com o sorriso carregado da fileira de dentes brancos e luminosos.
Talvez fosse isso que sua mãe quisesse também. Ou aquilo era uma frase que pessoas enlutadas usavam para se conformar em fazer o que desse na telha? Porque lembrava-se perfeitamente de Penélope lhe dizendo com todas as palavras: se solte, filha, a vida é uma só e o sonho americano não pode ser desperdiçado.
Aquelas palavras vindas de uma mulher que amava a Califórnia com todas as suas forças e que nunca deixou de fazer nada para agradar quem quer que fosse, a não ser a si própria. Então abusar da frase enlutada fosse a desculpa perfeita para cogitar aceitar a proposta de Finn.
— Certo… acho que pode ser. — Ela lhe deu um sorriso mínimo, sentindo um certo incômodo na barriga ao imaginar como poderia desenrolar sua noite.
— Perfeito. Passo no restaurante às onze. — Ele devolveu o sorriso de forma animada. — Mas, então, como tem sido a mudança? As coisas são tão diferentes aqui do que eram na Itália?
respirou fundo e enumerou algumas diferenças que já havia percebido nitidamente entre Laguna Beach e La Maddalena, mesmo as duas cidades sendo praianas.
Finn se interessou bastante por como era a vida na península de Sardenha e em momento algum perguntou o motivo de ter saído de lá. Algo que a deixou confortável em contar sobre seus dias corridos em solo italiano.
Kadence e Cedric voltaram em algum momento da tarde, incluindo-se na conversa e confirmando que também iriam à festa mais tarde. Foi uma tarde gostosa, conseguiram aproveitar o sol quente e a água gelada, assim como boas companhias e conversas leves.
na verdade agradeceu por Finn ter aparecido e feito Kadence focar em outra coisa que não fosse sua vida pessoal.

Quando o sol começou a baixar na orla, avisou que estava na hora de partir. Ainda precisava arranjar um biombo para tomar um banho rápido e seguir até o restaurante para mais um turno de trabalho. Naquela noite receberiam uma família que estaria comemorando o repentino casamento de seus filhos, então pagaram um pouco a mais para Amélia, solicitando que o restaurante ficasse aberto pelo menos até as onze. E se o assunto envolvia um pouco de dinheiro a mais, Amélia não negaria. Dessa forma, seus funcionários também não negariam.
Cedric lhe deu carona até a praia principal, onde ela se enfiou em um biombo, tomou um banho mais demorado para tirar bem a areia do corpo e enxaguou os cabelos. Naquele dia em específico não ficou chateada por não ter um uniforme, afinal, se tivesse, só teria trazido ele e não cogitaria ir à festa com a roupa. Agradeceu por só usarem o avental com a logo do restaurante e se sentiu bem ao usar camiseta e saia jeans.
Chegou ao trabalho bem em cima da hora, mal teve tempo de conversar com Amélia como estavam se acostumando em fazer, apenas guardou as coisas na sala específica e já se prontificou no salão para atender os convidados que iam chegando, bem como os clientes do dia.
— Boa noite, . — O cozinheiro passou por ela apressado, arrumando as vestimentas especiais, bem como seu chapéu comprido.
— Boa noite, Greg. — Ela sorriu, fazendo um joinha discreto quando viu ele sorrir amarelo ao se aproximar dos pais dos noivos.
Era impossível não gostar das pessoas que trabalhavam no Bromélias. Greg era o chef, junto com Amélia, e era um homem sensacional. Se ele não fosse casado, com certeza já teria feito um esquema para que ele e Amélia ficassem juntos. Não sabia o que tinha acontecido com o pai de , mas pelo pouco que descobriu, ele já não estava mais entre os vivos, e Amélia, assim como , não achavam aquilo tão triste assim.
Além dos chefs principais, ainda tinham Jane e Paul ajudando diretamente na cozinha. Eles deviam ter cerca de trinta e poucos anos e se candidataram juntos para uma única vaga que Amélia estava oferecendo. Mas como ela era coração mole, acabou contratando os dois e agora não sabia mais como comandar o local sem eles.
No salão, ela, e, às vezes, Henri atendiam os clientes. Henri era um homem mais velho, que estava mais como um faz tudo. Além de garçom, era o responsável pelas compras mensais, semanais e diárias do restaurante, basicamente ele sabia sempre quais bebidas tinham e quais estavam em falta. , por sua vez, quando não estava servindo o salão, estava cuidando das finanças para a mãe. Todo dinheiro que entrava e saía passava por ele. E ficava chocada com como ele era bom naquilo, além de ser muito rápido para resolver cálculos.
E, para finalizar o time, tinha Gali, a caixa. Ela precisou largar a faculdade para cuidar do filho que nasceu no meio do semestre e trabalhava durante a noite no restaurante, enquanto ele dormia com a avó. Não era uma vida fácil, mas admirava Gali, em como ela sempre estava feliz e nada tirava sua paz.
Como o restaurante não era luxuoso, os funcionários não eram muitos, mas o necessário para que sobrevivessem a cada noite com seus fiéis clientes. achava o clima muito melhor do que qualquer outro lugar que já conheceu, todos se davam bem e trabalhavam em harmonia.
— Fiquei sabendo que vai à festa com Finn. — murmurou ao seu lado, causando-lhe um pequeno susto, coisa que acontecia de forma recorrente.
Ele parecia adorar pegá-la desprevenida para receber sua voz falando baixo perto de seus ouvidos.
— É, vou sim. — sorriu amarelo. — Ele parece ser legal.
— Ele é. — respondeu de forma quase automática, como se fosse sua obrigação elogiar o amigo. — Só não sei se a festa tem a ver com você…
— Como assim? — Ela franziu o cenho, virando o rosto para olhá-lo.
— Sabe, muito barulho, bebida, pessoas aleatórias do colégio. — Ele deu de ombros. — Você não parece o tipo de pessoa que gosta de ambientes assim.
— E que tipo de ambiente você acha que eu gosto? — sentiu a raiva crescer em seu tom.
Que tipo de comentário era aquele?
— Não me interprete mal, é só que… — levou a mão na nuca, coçando-a.
Naquele momento entendeu o ato como farsa. É, exatamente daquele tipo em que o garoto finge uma situação para sair como o envergonhado.
Estava sentindo sua cabeça ferver com a ira que ia prevalecendo em seu peito.
— O que, ? Eu não faço o tipo dos seus amigos? É isso que está querendo dizer? — Ela tentou manter a voz branda, não gostaria de chamar a atenção dos clientes. — Ou você está insinuando que não sou popular o suficiente para frequentar a festa da sua namorada?
— Não, … — ele tentou o apelido que sua mãe usava, arrependendo-se amargamente por ter aberto a boca. — Não foi isso que eu quis dizer.
Ela ergueu uma sobrancelha, esperando que ele explicasse a verdadeira situação por trás de sua fala.
— É o contrário. Você é boa demais para se envolver com aquele tipo de gente. — Sua voz foi o mais baixa que podia, sendo soprada de forma pesarosa.
Antes que pudesse responder, saiu na direção de uma mesa que o chamava, colocando o sorriso no rosto e fingindo que nada tinha acabado de acontecer.
, por sua vez, estava atônita demais para reagir.
Boa demais para se envolver com aquele tipo de gente?
O que, exatamente, ele queria dizer com aquilo?
A cada vez que conversava com , ele aparentava ser ainda mais confuso. Era como se sua cabeça fosse um labirinto e a cada palavra trocada com o garoto o caminho se mexesse sozinho, levando-a de volta ao começo. Não sabia dizer se aquilo foi algo positivo ou se soou mais como uma forma negativa de proteção.
Não existiam meios de entender o que ele falou. era um poço de confusão. Enquanto tinham dias que passavam horas sem trocar uma palavra, apenas sorrisos educados, existia aquele dia. Especificamente aquele dia, em que ele a cumprimentou, enquanto Nala estava no mesmo local, depois de evitar andar com ela pelo colégio. Mesmo dia em que alegava que era boa demais para sair com Finn ou frequentar a festa que ele próprio frequentava.
preferiu voltar sua atenção para a realidade e jogar aquele sentimento para escanteio, visto que um cliente estava de braço erguido à espera de algum garçom. Outra hora pensaria no assunto.



Capítulo 04

A hora passou voando com o tanto de pessoas que precisaram atender. Quando se deu conta, Finn adentrava as portas de entrada do restaurante usando uma bermuda bege com uma camiseta azul marinho, os cabelos bem penteados e alinhados, e um sapato branco que parecia tão limpo, que era absurdo. Ele era extremamente bonito e Amélia precisou cutucar assim que passou por ela, para que parasse de encará-lo descaradamente.
A garota piscou algumas vezes e depositou um sorriso no rosto assim que foi avistada, erguendo a mão em um pequeno cumprimento. Finn fez o mesmo e caminhou na direção dela.
— Você já está liberada? — Ele perguntou, enquanto a cumprimentava com um beijo na bochecha.
— Sim, só preciso pegar minhas coisas! — apontou para a porta que a levaria até a sala onde guardava sua bolsa. — Volto já.
Ele concordou com a cabeça e ficou observando os convidados do pequeno casamento se despedirem do local e de Amélia, enquanto seguiu para dentro. Sua bolsa não parecia propícia para uma festinha e nem cogitou deixar dentro do carro de Finn, apenas retirou seu avental, pendurando-o no cabideiro.
Soltou o cabelo, penteando-os com os dedos, tentando deixá-los mais organizados e descontraídos, e ajeitou a roupa no corpo. Pegou apenas seu documento dentro da bolsa que trouxe e a chave da casa de Quinton. No dia seguinte, que seria sua folga, passaria ali para pegar o restante das coisas.
Quando voltou até o salão, e Finn conversavam de forma animada próximos à porta. também já não usava mais seu avental e tinha deixado o cabelo mais desorganizado, despojado. A roupa era a mesma que estava usando para atender: bermuda branca e camisa preta, como ele sempre usava. Odiava o fato de prestar tanta atenção naquilo. Mas quando ele não estava daquela forma, apenas estava com as cores invertidas.
— Estou pronta. — avisou, aproximando-se de ambos os garotos.
Já passavam das onze da noite, Greg agora ajudava Amélia a limpar e organizar as mesas que foram usadas pelos noivos e seus familiares, já que o restante já estava no seu devido lugar. Gali fechava o caixa, Jane e Paul já tinham ido embora, e Henri trancava as janelas, dissipando o vento carregado de maresia.
— Mãe, estamos indo nessa, precisa de mais alguma coisa? — perguntou em tom alto, chamando atenção de Amélia.
— Não, está tudo bem. Divirtam-se! — Ela acenou de forma animada.
também acenou para a mulher, seguindo Finn até o carro estacionado em frente ao restaurante. Ele fez a gentileza de abrir a porta do carona para que ela pudesse entrar, enquanto se acomodava no banco traseiro.
Preferiu manter-se em silêncio durante o trajeto, deixando com que ambos os garotos conversassem sobre os jogos e a temporada que estava por vir. Apenas sorria e acenava quando alguma pergunta era proferida em sua direção, afinal, nenhuma delas chegou a ser específica o suficiente para merecer uma resposta devida.
A casa de Nala não ficava muito longe do centro, o que já era de imaginar. A rua estava lotada de carros em ambos os lados e precisaram estacionar um pouco mais distante, fazendo com que os três caminhassem até a casa, a qual já tinha o jardim lotado de adolescentes à flor da pele.
— Uau, acho que estava esperando algo diferente. — comentou baixo, chocada o bastante com a quantidade de gente que tinha ali.
Era como se todo o colégio tivesse sido convidado.
— Em Laguna Beach nunca vai existir uma festa pequena. — Finn falou rindo, como se aquilo fosse normal o bastante para o espanto.
A porta dupla de madeira escura que dava acesso à entrada principal da casa estava aberta, deixando a visão ampla sobre a quantidade de pessoas dentro do local. Eles conversavam alto devido a música, riam exageradamente e viravam copos vermelhos como se bebessem água.
Os três adentraram a casa, enquanto empurrava algumas pessoas para que passassem. A sala era ampla e acomodava muito bem todo aquele pessoal, mas estava superlotado. O caminho para a cozinha era o mais apertado, então preferiram seguir para as portas abertas na outra extremidade, com acesso ao quintal.
A área da piscina estava com uma grande quantidade de pessoas também, algumas se jogavam na água com a maior naturalidade, enquanto o restante se divertia do lado de fora. Até mesa de beer pong tinha por ali, com um grupo de meninos jogando animadamente.
estava tentando pensar que aquilo poderia ser divertido. O tempo todo sua mente gritava o contrário, mas, mesmo assim, precisava se convencer de que aquele lugar era o ambiente certo para se estar em um sábado à noite.
— Vocês chegaram, até que enfim! — A voz de Nala se aproximou do trio e observou ela abraçar e ficar na ponta dos pés para beijá-lo. — Vejo que trouxe companhia, Finn. — A garota virou o rosto para e foi perceptível a tentativa dela não franzir o cenho em uma careta.
— Prazer, Nala. — sorriu de forma amigável, ignorando o desconforto em não se sentir bem-vinda.
Finn revirou os olhos para a amiga e puxou a mão de para dentro da sua, querendo confortá-la naquela situação constrangedora.
— Fiquem à vontade. — Nala falou puxando para qualquer outro lugar que não aquele.
— Ignora ela. — Finn pediu próximo ao ouvido de .
— Não me importo, na verdade. Só não entendo a rivalidade. — Ela respondeu sendo sincera, ainda sentindo sua mão ser segurada pelo garoto.
Era bem confortável, para ser sincera.
— Ela é extremamente ciumenta. Não só com , com os amigos também. Por eu ser o único solteiro do grupo, ela se sente ameaçada com qualquer garota que se aproxima.
— Desnecessário. — murmurou, arrancando uma risada fraca de Finn.
— O que acha de bebermos algo? Para espantar essa primeira impressão.
— Se tiver alguma coisa sem álcool, eu aceito.
! — A voz de uma garota chamou a atenção do casal.
Ambos se viraram para a direção que era chamada e Sadie, colega de classe em várias matérias com , se aproximava sorrindo.
— Ei, Sadie. — abraçou a garota assim que ela chegou perto o suficiente. — Que bom ver você aqui. — A frase soou como um alívio.
— E aí, Finn. — Sadie cumprimentou após se soltar de .
— Tudo bem? — Ele perguntou, sorrindo fraco. — Vou buscar algo para bebermos. — Finn avisou, não esperando resposta para sair dali.
— As pessoas são tão estranhas aqui. Vocês não se dão bem? — perguntou assim que o garoto se afastou o suficiente.
— Mais ou menos. — A garota deu de ombros. — Cidade pequena, lembra?
— Ah, vocês…
— É.
— Sinto muito. Eu não sabia. — mordeu o lábio, sentindo um ligeiro desconforto.
Elas eram apenas colegas, tinham se dado bem durante as aulas, mas jamais imaginou que tinha aceitado sair com o garoto que possivelmente já havia estado ali com Sadie.
Aquele dia estava cheio de surpresas.
— Não esquenta, eu não ligo, mas não nos falamos mais com tanta frequência, então antes que ele volte, vou dar uma volta. — A garota avisou, já começando a se afastar. — Depois vem ficar um pouco com a gente, Babs está aí também.
— Pode deixar. — acenou, sorrindo.
Enquanto Sadie saía do seu campo de visão, Finn aproximava-se segurando dois dos copos vermelhos. A música do lado de fora não era tão alta quanto dentro da casa, mas, ainda assim, as batidas eletrônicas começavam a incomodar seus ouvidos, então ela fingiu um sorriso quando o garoto se aproximou lhe entregando sua bebida.
— A única coisa sem álcool era refrigerante. — Ele alegou, após dar um gole da própria bebida.
— Está ótimo. — bebeu também, mas precisou fazer certo esforço em engolir. — Mas que tipo de refrigerante é esse? — Perguntou ao completar com uma careta.
Finn não segurou a risada.
— Era o único disponível, é tão ruim assim?
— Tem gosto de remédio. — entregou o copo para que ele experimentasse.
— Uou, péssimo. — Finn mal engoliu o conteúdo, cuspiu de volta no copo o pouco que tinha colocado na boca. — Vamos arranjar outra coisa para você.
— Tudo bem, não estou com sede. — deu de ombros depois de rir da reação do garoto. — E sempre tem água para emergências.
— Mas se quiser, pode me avisar, a gente dá um jeito. — Finn depositou o copo em cima de uma das mesas da piscina e aproveitou apenas o seu, lotado de cerveja. — Então… Não sabia que era amiga da Sadie. — Ele mudou drasticamente de assunto, fixando os olhos em .
— Ah, nós fazemos francês juntas. — Ela contou. — Conversamos pouco, mas ela e Babs são legais.
— É, são sim.
não sentiu firmeza naquelas palavras, mas preferiu ignorar.
— Mas então você fala italiano e francês?
não queria ter certeza de nada antes da noite acabar, mas parecia que Finn estava tentando forçar alguma conversa com ela ao invés de deixar o fluxo de palavras fluírem. Ele pareceu bem nervoso depois que encontrou com Sadie, como se cumprimentá-la estivesse sendo contra as regras, mas que adorava quebrá-las.
— Sim. Já arranho bastante coisa em francês, mas como odeio esportes, era melhor do que marcenaria. — brincou.
— Sem dúvidas. Ninguém nunca entendeu o mistério dessa matéria.
— Me falaram que não conhecem ninguém que faça ela. — Ela cochichou de forma alta, como se aquilo fosse um segredo e fez Finn rir.
Um casal atrapalhou a conversa estranha que estavam tendo para cumprimentar Finn. Era o casal que andava com o grupinho nos corredores do colégio. Finn apresentou-os como Cameron e Sophie, e por incrível que pareça, foram muito mais simpáticos do que a anfitriã.
— Você é a garota nova, não é? — Sophie perguntou após os garotos se entreterem em alguma conversa que não incluía elas.
— Isso. — sorriu.
— Quer pegar alguma bebida, enquanto eles combinam sobre o campeonato? — Ela ofereceu, parecendo extremamente gentil.
— Claro, por que não?
Sophie avisou ambos que estavam indo até a cozinha e puxou pela mão entre o emaranhado de gente que parecia crescer a cada minuto que passava. Levaram menos de cinco minutos para chegar no cômodo, mas para pareceu uma eternidade.
Algum garoto aleatório no percurso ainda tentou passar a mão na sua bunda e aquilo só a fez ter vontade de ir embora. Mas seu orgulho ainda falava mais alto. Não deixaria orgulhoso em ver que ela havia desistido daquele local, permaneceria e tentaria encontrar a diversão que todo mundo via.
— As festas aqui são sempre assim? — perguntou para Sophie, assim que conseguiram se encostar em um móvel da cozinha.
— Sim. Loucura, não? — Sophie preparava alguma bebida esquisita dentro do copo.
— Demais. Fico só pensando no trabalho que é limpar tudo e organizar depois. — riu, encontrando um fardo de garrafinhas de água parado sobre o balcão e se dirigindo até lá.
— Bom, quando se tem empregados para isso fica fácil. — A garota deu de ombros, virando-se para e tomando um gole da própria bebida. — Você quer? — Ela ofereceu.
— Não bebo, obrigada. — conseguiu pegar uma garrafinha e ergueu a mesma, sorrindo amarelo.
— Sério? Mas você já experimentou?
— Não. Não tenho vontade na verdade.
— Uau. Aqui é difícil algum adolescente que não beba a ponto de já estar enjoado de algum tipo de álcool. — Sophie riu da própria colocação.
— Eu percebi. Mas não costumava ir em festas na Itália, então não participei muito de costumes assim. — apontou ao redor.
— O que você fazia nos finais de semana?
— Saía para jantar, às vezes trabalhava na galeria de artes da cidade. Não tinha uma vida movimentada, não.
— Não consigo me imaginar tendo uma vida pacata assim. — Sophie falou rapidamente e logo arregalou os olhos. — Desculpa, não quis criticar.
— Tudo bem. — riu. — Eu entendo. Para alguém da minha idade é realmente difícil ficar em casa, mas estou acostumada assim.
A vida me acostumou assim, pensou, relembrando as noites em claro, enquanto a mãe passava mal depois de longas sessões de quimioterapia.
— Sophie, te procurei pela casa inteira! — Nala surgiu feito vento na frente das duas garotas, sorrindo abertamente para a amiga.
— Estou bem aqui. — Sophie sorriu de forma irônica; ou será que só achou que fosse daquele jeito?
— Por que não veio falar comigo quando chegou? — A garota tinha um tom de voz magoado, os olhos levemente arregalados.
— Vim pegar uma bebida primeiro. Como você está? — Sophie suspirou pesadamente, cedendo à pressão.
— Com ela? — Nala tentou falar baixo, desviando a atenção de .
Mas só quem fosse cego não veria os lábios dela se moverem naquela pergunta.
— Nala, eu ainda não tive tempo de te dar motivos para não gostar de mim. — não conseguiu se segurar. — Tudo bem ter ciúmes, mas não vou roubar seus amigos, muito menos seu namorado. Rivalidade feminina está fora de moda.
Sem esperar uma resposta, pegou mais uma garrafa de água e saiu da cozinha.
Opa, cuidado!
Os olhos de só faltaram sair de órbita ao rodá-los mais uma vez quando ouviu a voz de , enquanto a mão dele evitava uma colisão ainda maior.
— O que houve?
— Nada, com licença. — A garota desfez o contato e deu meia volta, espremendo-se por um grupo de garotos enormes, tentando achar a saída daquela casa.
Estava começando a criar um arrependimento profundo dentro de si, mas não queria dar o braço a torcer. Tudo o que menos queria era dar razão ao que falou, por mais que estivesse se sentindo mal por ter confrontado a dona da festa.
Conseguiu chegar ao quintal sem maiores danos. Assim que Finn a viu, caminhou depressa para perto dela.
— Tudo bem? Está com uma feição irritada. — Ele queria rir, imaginava que pudesse ser pela festa em si.
— Acabei de dar uma resposta atravessada para Nala, não me sinto totalmente bem, mas vou ficar. — tentou repuxar um pequeno sorriso, assim que Finn puxou uma de suas mãos para dentro da sua quentinha.
— Ela vai superar. Vamos jogar beerpong? — O garoto mudou de assunto, notando que tudo o que queria era esquecer o ocorrido.
E ela agradeceu mentalmente aquele gesto. Talvez eles não tivessem tanto assunto naquele dia, mas Finn era legal.
— Você está disposto a beber todos os copos?
— Pela diversão? Com certeza. Mas eu aposto que vamos ganhar. — Finn deu de ombros, guiando ambos para perto da mesa onde acontecia o jogo.
riu com a prepotência.

•••

O domingo iniciou tarde para . Depois de fazer Finn beber quase duas rodadas de beerpong, eles desistiram de arriscar a sorte e ficaram apenas sentados observando, enquanto o garoto se entupia de água para curar toda a cerveja quente que tomou. Eles conversaram mais do que quando haviam chegado ao local, mas quando se levantaram para poderem ir embora, o garoto passou muito mal — Finn ficou tonto e vomitou próximo à piscina. A sorte, ou talvez nem tanta assim, foi estar perto e ter ajudado a carregá-lo até o próprio carro, então quem levou Finn e para casa.
O garoto bêbado dormiu o caminho inteiro, o que não foi um problema para quando estacionou em frente à casa do prefeito. só se despediu e agradeceu, mas não falaram mais nada por todo o percurso. Quando se jogou na cama, o relógio do celular marcava três e alguma coisa da manhã.
E, naquele momento, já passavam das onze, quando o barulho insistente de uma ligação a tirou do sono profundo.
Bambina! — A voz entonada de Giuseppe fez com que seus olhos abrissem automaticamente. — Está acordada?
— Agora estou. — Ela respondeu de forma risonha, levantando-se e sentando sobre a cama. — Tudo bem por aí?
Bene e tu? — O sotaque carregado e o italiano arrastado de Giuseppe fez com que seu peito apertasse.
— Estou bem, acabei de acordar. Está tarde aí, não? — conferiu o relógio do celular.
Na Itália passavam das oito da noite.
Estamos na cama já. — A voz de Lúcia se fez presente na ligação e sentiu os olhos marejarem. — Saiu ontem? Vimos sua postagem.
— É, eu fui em uma festa.
E você gostou? — O inglês de Giuseppe era estupidamente difícil de entender, mas já estava acostumada e riu quando percebeu a entonação de surpresa dele.
— Mais ou menos. A dona da casa não vai muito com a minha cara, mas foi um garoto legal que me convidou e aceitei por querer sair com ele. — Enquanto segurava o telefone, se levantou da cama e foi até a janela, abrindo-a para deixar o sol e o calor adentrar o quarto. — Mas eu me diverti. E como vocês estão? Ainda está em alta os aluguéis? A galeria não recebeu mais nada?
Lúcia e Giuseppe estavam encarregados de manter os aluguéis de stand up na praia de Spargi, onde trabalhava quando não precisava estar estudando, mesmo com os compromissos com a galeria de arte que possuíam, a qual tinha alguns quadros de Penélope expostos.
Os aluguéis estão bons, mas precisamos contratar uma pessoa para cuidar. A galeria está recebendo bastante quadros novos e os artistas estão demandando muita atenção. Mas está tudo sob controle, como sempre. — Lúcia sempre tinha o tom calmo e escutar sua voz tão materna lhe enchia de saudade.
— Fico feliz. Eu estou de folga hoje, acho que vou levar o quadro da Califórnia para Amélia pendurar no restaurante.
E como está a routine? Estás esautos? — A pergunta de Giuseppe fez com que a garota parasse para pensar um pouco.
— Eu… estou bem. Só faz uma semana, então ainda tenho bastante para me adaptar. Estou um pouco atrasada em algumas matérias por conta das provas, mas hoje vou aproveitar para estudar. — Ela sentou-se diante da escrivaninha e apoiou o celular com o viva voz ligado sobre a mesa. — Estou com saudades.
Nós também estamos, bambina.
Ligamos para te ouvir e contar una sorpresa.
— Surpresa? Sobre o quê?
Giuseppe! — Lúcia chamou a atenção do marido, enquanto ele ria do outro lado da ligação e foi impossível não rir junto.
Tamanha saudade que sentia de ambos.
Você vai precisar conversar com seu pai antes, para saber se ele aceita hóspedes. Mas compramos passagens para o Dia de Ação de Graças!
— Estão brincando? — não conteve a energia que a atravessou e pulou da cadeira. — Vocês vêm para Laguna Beach daqui um tempo?
Bom, pretendemos.
Antes que conseguisse responder qualquer coisa, pulou e deu gritinhos animados pelo quarto.
Não tinham Ação de Graças na Itália, mas sua mãe sempre fez questão de manter o feriado vivo entre a família, pois era o único que amava de verdade. Então, no final de novembro, eles fechavam os aluguéis por um dia e iam jantar na galeria, com direito a mesa posta com velas e um peru assado. Era simples. Mas eles tiravam um tempo para agradecer as coisas das quais eram gratos e faziam bilhetinhos com objetivos para os próximos anos.
— Tenho certeza de que Quinton não vai se importar em receber hóspedes. Vou falar com ele hoje mesmo. Mas vai ser incrível!
Vai ser uma passagem rápida, mas estamos com muitas saudades.
— Eu também estou. — puxou o ar profundamente para poder acalmar os ânimos e voltou a se sentar. — Vocês vão adorar conhecer Amélia, ela é incrível e conhece histórias hilárias de mamma.
Tenho certeza que sim. Vamos desligar agora, tudo bem? Temos um dia cheio para amanhã.
— Tudo bem, estou feliz que ligaram. Amo vocês!
Nós também te amamos.
Ti amo, bambina!
sentiu o peito esvaziar assim que a chamada foi encerrada. Só fazia uma semana, mas parecia que já estava longe de casa há anos. Era como se sua mãe estivesse em uma longa viagem para a criatividade, enquanto Lúcia e Giuseppe ficavam no comando para que nada acontecesse com .
Mas, na verdade, Lúcia e Giuseppe estavam longe demais para garantir que ficaria bem.
E aquilo doía.
Doía. porque sua mãe não iria voltar com três quadros prontos, a mala lotada de souvenirs e a memória do celular esgotada com a quantidade de fotos que tirava. Penélope agora estava propensa a cair no esquecimento e ninguém além de tinha a projeção de mantê-la por perto com resquícios pequenos de memórias e dizeres.
Uma lágrima solitária rolou pela bochecha da garota, enquanto ela rolava sua própria galeria de fotos atrás de registros com sua mãe.
Uma batida leve na porta foi o que fez passar a mão no rosto e tentar espantar aquela tristeza, em tempo de ver a cabeça de Quinton atravessando a pequena fresta aberta.
— Bom dia, incomodo?
— Bom dia. Não, pode entrar. — A garota ajeitou a postura e virou o corpo na direção do pai.
— Nós pedimos comida para almoçarmos em casa. Quer se juntar a nós?
— Claro. Só preciso trocar de roupa e já desço.
— Perfeito. Estaremos na copa.
Quinton saiu do quarto com um sorriso satisfeito no rosto e voltou a encostar a porta para manter a privacidade de . A garota sorriu minimamente também. Aquela sensação de vazio parecia preenchê-la cada vez mais e agora reparando em seu quarto naquela casa, era como se não pertencesse àquele lugar.
Era um quarto de visitas.
Paredes brancas. Jogo de cama brancos. Armário branco.
Não existia vida ali.
E nem sequer sabia se queria deixar aquele lugar com a sua cara.
Eliminando qualquer resquício de desânimo dentro de si, a garota se ergueu da cadeira e abanou o rosto, espantando o ar ruim que lhe afetava. Caminhou até o armário e pegou uma muda de roupa limpa e fresca para lidar com aquele dia e abandonar o pijama.
Pelo menos a mala ela tinha desfeito. Odiava roupa amassada.



Capítulo 05

Depois de almoçar com Quinton e Yanka, enquanto eles tentavam se enturmar na vida da garota de forma sorrateira, Madeline passou o restante da tarde estudando. Tinha planejado levar o quadro de sua mãe para o restaurante de Amélia, mas aproveitou o dia de folga para garantir que todas as matérias estariam em dia para as provas que já estavam marcadas.
Foi uma tarde bem produtiva. Seus resumos ficaram sucintos e fáceis de gravar, e ela descansou o suficiente para acordar disposta e animada para a segunda-feira.
Para não acabar estragando o clima que tinha criado no dia anterior com o pai, Madeline aceitou a carona que ele lhe ofereceu até o colégio. Sentia um pouco que estava abusando da afetividade? Sim, mas queria muito que ele aceitasse Lúcia e Giuseppe no próximo mês, então precisava amaciar o terreno. Não o conhecia o suficiente para entender qual seria sua reação.
Quando chegou ao colégio, acabou tendo pouco tempo para guardar as próprias coisas e separar o material para os primeiros horários. Tamanha foi sua surpresa quando o professor de história anunciou uma prova surpresa para o segundo horário, enquanto faria revisões rápidas no primeiro para garantir que ninguém ficaria tão prejudicado assim.
— Não vi mais você na festa depois que nos encontramos. — Sadie murmurou atrás de Madeline, enquanto o professor explicava alguns conceitos da Revolução Bolchevique.
Ah. — Made gemeu virando-se rapidamente para a colega. — Finn e eu jogamos beer pong e ele acabou ficando muito bêbado.
— Entendi. — Sadie demorou em engolir a própria saliva, mas quando Madeline ameaçou voltar a prestar atenção na aula, ela perguntou: — Vocês ficaram?
— Não. — A garota apressou-se em negar. — Mas se ficássemos, isso seria um problema para você? — Era melhor garantir antes de qualquer coisa para evitar a explosão tardia de uma bomba enciumada.
Já lhe bastava Nala O’Malley.
— Não. — Sadie negou veementemente com a cabeça. — Nós não tivemos nada sério, fica tranquila.
— Tudo bem. — Made deu de ombros e voltou sua total atenção ao professor.
A garota tentou dissipar aquele ligeiro incomodo que surgiu no seu peito pela repentina preocupação de Sadie. Na realidade, Madeline achou que aquilo seria um problema para ela caso viesse a ficar com Finn e anotou mentalmente para ter uma conversa um pouco mais profunda com o garoto sobre a colega.
Seria melhor que as coisas ficassem esclarecidas caso eles resolvessem continuar saindo, sim? Ou se não saíssem também. Odiava criar um clima estranho entre pessoas que gostava e, definitivamente, Finn e Sadie eram uma dessas pessoas — ou estavam começando a ser.

Até a hora do intervalo, a única coisa que ficou no cérebro de Madeline eram as questões da longa prova discursiva de história e todas as revoluções que aconteceram antes de 1945. Não tinha certeza se tinha conseguido responder tudo corretamente, mas sabia que havia detalhado tudo com extrema cautela e se não acertasse a questão inteira, pelo menos metade o professor consideraria.
— Oi. — A voz envergonhada de Finn pairou ao seu lado no armário e Madeline terminou de guardar os livros para olhá-lo.
— Oi, como você está? — Ela perguntou com sinceridade.
Ele ficou bêbado de verdade e não tinham mais conversado depois da festa.
— Bem, mas extremamente envergonhado. Sinto muito pelo vexame. — Ele cruzou os braços fortes sobre o peito e encostou a cabeça em um dos armários, sorrindo amarelo.
— Ah, tudo bem! Acontece, não é? — Made riu e fechou a porta do próprio armário, ficando de frente para o garoto. — E eu tenho uma grande parcela de culpa sobre a sua bebedeira, então peço desculpas também.
— Eu quis te impressionar e acabei me ferrando. — Ele riu abafado e não percebeu que fez a garota ficar corada com a repentina transparência dele. — Espero não ter te passado uma primeira impressão muito ruim.
— Não passou. — Madeline garantiu, respirando fundo. — Mas talvez tenhamos aprendido que festas não podem ser consideradas o melhor ambiente para se conhecer. — Ela brincou, relembrando a tragédia que tinha sido a noite.
— Isso é verdade. — Finn respondeu depois de rir. — Quer comer alguma coisa no refeitório? — Ele apontou na direção que a maioria dos alunos seguia.
— Não estou com fome, mas posso te acompanhar… se quiser.
— Claro, vamos lá. — Ele se desencostou do armário e esperou Madeline se colocar ao seu lado para poderem caminhar juntos. — Como foram as primeiras aulas?
— Tivemos uma prova surpresa de história.
— Sério? Eu tenho história no próximo tempo, ferrou.
— Sim. — Madeline quis rir da cara de desespero que Finn apresentou, mas se segurou para não ser mal educada. — O professor passa um tempo dando uma resumida nos assuntos, mas é uma prova discursiva com dez questões.
— O quê? Mas que filho da… — Finn se segurou para não terminar o xingamento, visto que alguns professores passavam ao lado de ambos. — Eu sou um péssimo aluno em história. — Ele cochichou, passando a mão de forma nervosa pelo cabelo.
— Olha, eu posso te emprestar minhas anotações, acho que pode te ajudar com alguma coisa. — Madeline mordeu o lábio inferior, parando assim que Finn também parou, segundos antes de entrar no refeitório.
— Seria perfeito. Você consegue me explicar por cima as questões que ele pediu para vocês? Só enquanto eu pego um café. — Ele apontou na direção da máquina de café que tinha uma pequena fila de alunos. — Se não for um problema, é claro.
— Acho que posso fazer isso. — Made concordou e o seguiu até a fila, repassando as questões que lembrava, já que tivera uma aula de matemática logo em seguida e mais revisões para provas.
Finn prestou atenção em cada palavra que Madeline recitava. Ele era muito melhor em gravar algo que lhe explicavam do que se passasse metade do dia lendo resumos. Toda vez que alguém lhe anunciava uma prova surpresa, ele se amaldiçoava lentamente por nunca ser um aluno aplicado que gostava de sentar para estudar.
Era o famoso estereótipo de atleta popular.
Enquanto o garoto comprava um copo de café, Made continuava falando e relembrando aos poucos pequenas partes das suas respostas para complementar o resumo. Depois que Finn já estava com sua dose de cafeína, eles seguiram até uma mesa de concreto que ficava do lado de fora e sentaram-se de frente.
— E a última questão era basicamente para resumir a Revolução Bolchevique. — Madeline terminou sua rápida explicação, tomando fôlego em seguida, enquanto Finn bebericava seu café e não tirava os olhos do seu rosto.
— Revolução Bolchevique? — Ele repetiu, franzindo o cenho.
— Você não presta atenção em nenhuma aula de história? — A garota não quis ser grossa, por isso soltou uma risada no final da pergunta, mas ficou realmente preocupada com aquela questão.
Para Finn somente o futebol importava?
— Desculpe. — Ele também deu um sorrisinho envergonhado. — Eu presto, mas na maioria das vezes o professor me dá tanto sono.
— Vai precisar de mais cafeína então. — Ela brincou, levantando do banco em que ocuparam e caminhando na direção dos armários quando o sinal tocou anunciando o fim do intervalo. — Vou te emprestar meus cartões de resumos.
— Você é um anjo. — Finn falou, enquanto a seguia. — Sério, muito obrigado. Fico te devendo.
— Tudo bem. — Ela lhe devolveu um sorriso constrangido pelo primeiro elogio. — Se quiser ajuda para estudar nas próximas vezes, desde que seja muito tempo antes das provas, eu posso te ajudar.
— Vou me lembrar disso. — Finn agarrou os pequenos papéis com os resumos como se sua vida dependesse daquilo e sorriu de forma agradecida à Madeline. — Te vejo no almoço?
— Pode ser. — Made concordou, sentindo um enorme frio corroer sua barriga assim que Finn depositou um beijo singelo em sua bochecha. — Boa sorte na prova.
Finn acenou e se afastou em direção à sala de aula, enquanto Made fechava a porta do próprio armário. Sua mente parecia uma gelatina, ao mesmo tempo que lutava contra aquela baboseira que se passava. Foi só um beijo na bochecha. Na. Bochecha. Que situação mais boba para sentir o coração bater forte e a barriga dar um nó... mas era exatamente o que sentia!
Finn era bonito, gentil e até então tinha sido legal com ela o tempo inteiro. Claro que o que aconteceu na festa foi um pouco chato, mas ela realmente tinha sua parcela de culpa em não beber álcool e aceitar jogar um jogo que exigia exatamente aquilo. A outra parcela de culpa era somente dele, afinal, concordar em beber sozinho por duas rodadas, das quais eles perderam feio, só lhe restava apenas uma situação.
Ainda não haviam sinais de que poderiam passar da fase inicial de amizade. Mas seu coração queria acreditar que as intenções dele eram mais do que apenas conversas, enquanto sua mente lutava contra qualquer sinal de intimidade, morrendo de medo de quebrar a cara com um garoto americano que parecia o personagem perfeito para destroçar seu coração e sua imagem.
Assim que Kadence passou por ela, chamando alto por seu nome, Madeline saiu da zona de guerra que era seu estômago contra seu cérebro e seguiu a amiga até a próxima aula.
— Andem para os seus lugares. — A professora de literatura apressou os três que estavam atrasados, voltando-se para o quadro em seguida. — Como é de costume, todos sabem que temos um trabalho anual e a cada ano sorteamos um autor americano para representar.
Madeline murchou na cadeira. Odiava trabalhos longos e tinha certeza de que aquele seria um grande saco, afinal, a literatura em si não escolheria autores romancistas atuais e sim aqueles antigos que usavam palavras abonadas pelo dicionário e que envolviam tantos problemas sociais que era necessária muita cautela para não entender nenhum parágrafo de forma errônea.
— O trabalho será em dupla, afinal, eu preciso dividir as obras em três turmas. Vamos falar sobre Francis Scott Key Fitzgerald, mais conhecido como F. Scott Fitzgerald. — A professora a essa altura já tinha o quadro todo rabiscado com os nomes dos alunos em ordem alfabética. — A pesquisa abrange além da obra sorteada, vocês precisam fazer alusões do problema social descrito no livro com nossa sociedade atual e elaborar colagens, contos e slides para apresentar cada capítulo aos colegas.
— Por isso vai durar o ano todo. — Algum aluno murmurou ao lado de Madeline e ela foi obrigada a abafar o riso.
Estava longe de odiar aquela matéria, mas também não era uma de suas preferidas. Gramática lhe parecia muito mais interessante naquele âmbito, mas entendia o quão importante era ter o devido conhecimento sobre os autores mais bem representados pela América.
A senhorita Hence começou a fazer a montagem das duplas através da ordem que havia escrito no quadro e no momento em que a pessoa chamada dizia o nome da sua dupla, ela prontamente já sorteava a obra que eles ficariam responsáveis.
— Brent Nixon. — O garoto foi chamado e foi só então que Madeline se lembrou que eles faziam aquela matéria juntos, mas como se sentavam longe um do outro, não foi o seu rosto que percebeu enquanto entrava atrasada depois do intervalo.
Madeline.
Sem entender o que acabou de ouvir, a garota virou o rosto na direção dele e franziu o cenho. Como assim?
— Madeline Rizzo? — A professora questionou, já apagando o nome de Madeline do quadro para pôr ao lado do de Brent e ele apenas concordou com um rápido “sim”. — Ótimo, vocês ficarão com… O Grande Gatsby. Podem ir até a biblioteca.
Brent levantou-se do próprio lugar, agindo naturalmente, seguindo até o lado de fora da sala. Madeline, por sua vez, tentava processar o que estava acontecendo.
Que Brent era um grande enigma, todo mundo já sabia, mas ele conhecia o colégio inteiro, por que não se manteve longe? Quer dizer, eles conversavam como gente e se cumprimentavam depois de terem o pequeno problema no segundo dia de Madeline, mas não era como se fossem amigos o suficiente para trabalharem juntos em um trabalho longo e exaustivo de literatura.
Bufando baixinho, ela se levantou e seguiu os passos do garoto até o corredor.
— Tem certeza de que isso é uma boa ideia? — Foi a primeira coisa que a garota perguntou assim que encontrou com um Brent escorado na parede a esperando.
— Por que não seria?
— Porque sua namorada morre de ciúmes de mim e não é como se fossemos super amigos para concordarmos em diferentes aspectos de um trabalho em dupla. — Madeline deu de ombros, colocando a mão na cintura, enquanto o encarava duvidosa.
— Achei que nos dávamos bem. — Ele desencostou-se da parede, olhando-a fixamente nos olhos. — Quando isso mudou?
Olhos.
Bocas.

Foco, Madeline!
— Não… — a garota amaldiçoou-se internamente por estar tão concentrada naqueles olhos escuros que pareciam dois enormes blueberries do que na própria fala. — Não mudou, só achei que quisesse se manter longe de problemas. — Sua voz diminuiu alguns tons.
— Nala e o ciúmes dela não são problemas, aliás, o que você falou para ela na festa? Ela não está olhando na minha cara. — Brent falou como se conversasse sobre o tempo e quando percebeu uma outra dupla saindo da sala de aula, iniciou passos tranquilos na direção da biblioteca.
— Eu só falei que ela ainda não tinha motivos para não gostar de mim e que eu não roubaria os amigos, muito menos o namorado, dela. — Madeline o seguiu, continuando com a voz baixa para não atrair atenção dos curiosos.
Brent concordou com a cabeça e respirou fundo antes de falar qualquer coisa.
— Bom, parece que agora ela tem motivos para não gostar de você. — Ele riu logo em seguida, fazendo com que Madeline também sorrisse. — Mas não leva em consideração as coisas que ela fala ou faz, Nala tem uma vida complicada e acaba despejando nas pessoas ao redor.
— É, eu entendo, mas independente da vida que a gente leva, os outros não têm culpa. Se fosse assim…
— Teríamos motivos o suficiente para mandar todo mundo à merda. — Brent continuou a fala da garota, percebendo que ela ficou incomodada em terminar. — Realmente, mas é mais complicado que isso.
— Por quê?
Brent percebeu a ruga da inquietação na testa de Madeline e aquilo lhe provocou um sentimento esquisito. Sua vontade era de se abrir com a garota e explicar-lhe cada mínimo detalhe do que acontecia ou deixava de acontecer por causa de Nala, mas era impossível colocar em palavras para que outras pessoas entendessem o que se passava na sua cabeça.
Até Amélia já havia tentado, mas desistiu na metade do caminho dizendo que ele deveria ler mais o coração do que a própria mente. Mas para alguém que vivia um dia de cada vez como ela, era realmente difícil compreender a forma como o sistema operacional de Brent funcionava.
— Deixa pra lá. — Ele abanou o ar assim que passaram pelas portas da biblioteca. — O Grande Gatsby, não é?
— É. — Madeline respondeu desconfiada, não gostando nenhum pouco de deixar o assunto que tratavam para trás.
— Você já leu?
— Não. Minhas aulas de literatura eram mais baseadas em Umberto Eco, Dante Alighieri… — quem estava com cenho franzido no momento era Brent, confuso demais para associar os nomes que eram citados, enquanto andavam pelos extensos corredores. — Autores italianos. — Madeline concluiu e viu o rosto do garoto iluminar em entendimento.
— Eu esqueço que você é turista. Parece bem adaptada à Laguna.
— Cidades praianas são como minha casa. — Ela respondeu, deixando um largo sorriso aparecer em seus lábios, já com saudade da sensação do seu corpo no mar.
— Minha mãe contou algumas vezes que ela e… bom, ela e sua mãe fizeram uma pequena excursão pelas praias da Califórnia nas férias de verão do colégio. Parece que o gosto pelo mar é genético.
Madeline murchou levemente o sorriso, não querendo transparecer para o garoto que não havia gostado do comentário. Até porque gostou. Era sempre maravilhoso receber informação nova sobre Penélope e sua vida livre e leve antes da maternidade. O problema era ouvir Brent falando sobre isso. Ouvi-lo resumir uma história que muito provavelmente Amélia havia contado em momentos aleatórios da vida. Porque ele era sortudo por ainda ter isso. Por poder ouvir da boca da própria mãe peripécias que ela cometia quando era adolescente e de como foi mágico desbravar os mares californianos ao lado da melhor amiga.
— Sinto muito. Nunca sei como tratar sobre assuntos que envolvem sua mãe. — Brent preferiu seguir o caminho fácil da sinceridade, como foi acostumado a fazer, quando percebeu que Madeline ficara pensativa.
— Tudo bem. — Ela forçou um sorriso. — Nunca é fácil, mas mesmo que pareça que eu não tenha gostado de ouvir, eu gostei.
Brent concordou e adentrou o corredor que a maioria dos alunos estavam, afinal, era um só dedicado ao Fitzgerald. Ele foi o único que se embrenhou no meio dos colegas para poder conseguir alcançar dois exemplares de O Grande Gatsby, enquanto Madeline esperava na extremidade das prateleiras e percorria o local com os olhos para encontrar uma mesa vazia para que eles pudessem ocupar.
— Ninguém nunca tem coragem de falar comigo sobre ela. — Madeline comentou assim que o garoto voltou para o seu lado. — Nem mesmo Quinton.
— E você gostaria de falar?
— Sim. — Responder aquilo foi como tirar um grande peso das costas. — Quando sua mãe me reconheceu sem eu ter que falar foi tão bom! E ela não teve medo em perguntar sobre como ela estava nos últimos dias e nem mesmo como eu me senti… as pessoas pisam em ovos quando perdemos alguém, mas, às vezes, só queremos viver o luto falando sobre ele.
Não sabia de onde havia surgido aquela coragem para desabafar daquela forma com Brent, mas seu coração ficou tão aliviado, que nem parecia mais um prisioneiro dentro do peito. Suas costas estavam leves e sua cabeça aparentava pensar com mais clareza. Conseguia sentir até um pequeno ânimo em, talvez, contar para alguém — ou Brent — suas façanhas italianas ao lado de Penélope.
— Temos duas aulas inteiras para ficar na biblioteca. — Ele deu de ombros, encontrando um dos biombos de estudos vazio. — O que acha de estudarmos aqui?
— Pode ser. — Madeline sorriu.
Ambos se acomodaram lado a lado, afinal, era a única forma de ficarem ali, e depositaram os livros sobre a mesa, nenhum pouco interessados em falar sobre literatura naquele momento.
— Você está mais falante do que o normal hoje, tem certeza de que quer me ouvir por duas longas aulas? — A garota brincou, não querendo que ele voltasse a se transformar no Brent silencioso e observador.
Pelo menos não naquele momento.
— Engraçadinha. — Ele revirou os olhos, arrancando uma risada de Madeline. — O que sua mãe contava sobre a minha?
— Muitas histórias. Aliás, tenho uma favorita, ela virou até um quadro.
— Jura?
— Sim e eu o trouxe comigo, quero ver se consigo dar um jeito de levá-lo ao restaurante hoje, mas é praticamente impossível conseguir um Uber nesta cidade.
— É porque não tem Uber. — Brent fez uma expressão como se aquela informação fosse lógica.
— Oi? Como assim não tem Uber?
— Seu pai preferiu manter os bons e velhos táxis na ativa, do que trazer grandes concorrentes para a cidade. Longa perspectiva política.
— Achei que o Uber tinha virado algo universal.
— Não é? — Ele riu, percebendo o quão chocada Madeline estava. — Mas, olha, eu vim de carro hoje, se quiser posso te dar uma carona até a Casa Branca e levamos o quadro para minha mãe.
— Casa Branca? Que sacana que você é. — Madeline deu um leve empurrão no ombro do garoto, tentando fingir indignação, mas caindo na risada logo em seguida. — E seria ótimo. Sua mãe vai amar.
— Então combinado: nos encontramos no estacionamento depois das aulas da tarde. Agora me conte a história!
— Qual história? — A voz de Nala sobressaiu o que quer que Madeline estava pensando em falar.
— Sobre O Grande Gatsby. — Brent desconversou, levantando-se da cadeira para aproximar-se da namorada. — O que está fazendo aqui? — Ele precisou de um esforço descomunal para não ser grosseiro, afinal, tentou falar com ela desde a festa e foi ignorado com muito sucesso.
Mas era lógico que ela apareceria enquanto ele e Madeline conversavam sobre suas mães. Era o momento perfeito, não?
— O professor de história está fazendo resumo para a prova no próximo período e dei uma fugida para o banheiro, pensei que poderíamos conversar. — Nala deu um pequeno sorriso na direção do garoto, um sorriso chateado. — Vocês estão fazendo o trabalho juntos?
Madeline ficou levemente incomodada com a mentira de Brent, afinal, eles não conversavam sobre o livro de literatura, mas o responsável por aquilo era somente ele, então preferiu abrir a obra de Fitzgerald e a folhear, enquanto aguardava os pombinhos em sua mini DR.
— Estamos. — Ele respondeu, coçando a nuca.
Aquele maldito ato.
Os garotos faziam aquilo de propósito.
Madeline decretou que sim.
— Podemos ir até o corredor conversar?
— Claro.
E foi assim que Brent voltou a ser o enigmático garoto popular que namorava a capitã das líderes de torcida.
E também foi daquela forma que ele saiu e não voltou nas aulas seguintes.
Madeline não poderia negar que ficou levemente chateada. Talvez fosse um sentimento egoísta, já que finalmente estava conseguindo conversar de forma tranquila sobre sua mãe, não sabia ao certo, só que gostaria que ele ainda estivesse ali a escutando. Mas como não estava, iniciou a leitura de O Grande Gatsby e ficou ali até o horário do almoço, quando o sinal alertando o fim das aulas a tirou da concentração e a fez emprestar os dois exemplares que tinha em mãos.
Entregaria o outro a Brent mais tarde.
— Oi, onde você se enfiou durante a aula de literatura? — Kadence perguntou para Madeline assim que a garota colocou sua bandeja com o almoço sobre a mesa.
— Estava em um dos biombos da biblioteca lendo. Por quê?
— Porque Kadence quis matar aula no jornal da escola e pensamos que seria legal se você estivesse também, mas não te encontramos. — Cedric explicou, lançando um sorriso tímido para Madeline.
Ah, teria sido divertido. — Ela murmurou, tendo certeza de que seria bem melhor do que ser deixada de lado. — Qual livro vocês pegaram?
— Os Belos e Malditos.
— Que nome forte. — Madeline riu, concentrando-se na comida e em como estava com fome.
— Seu namorado está vindo aí. — Kadence falou baixo, sugerindo alguém logo atrás da garota com as sobrancelhas, enquanto remexia a comida em sua bandeja despreocupadamente.
— Quem?
— Oi, linda. — Foi Finn quem cumprimentou, alegremente, parando ao lado da mesa. — Posso me sentar com vocês?
Cla… claro. — Madeline concordou, lançando uma cara fechada para a amiga, enquanto o garoto se ajeitava ao seu lado.
Eles nem mesmo haviam ficado.
— Como foi a prova?
— Sobre ela, eu não te devo uma, eu te devo muitas! — Finn estava em êxtase, Madeline não conseguiu segurar um sorriso com a empolgação dele. — Algumas perguntas foram diferentes, mas por sua causa eu soube responder todas. Sério, você foi incrível.
— Eu só te dei um empurrãozinho. — Ela deu de ombros. — Você fez todo o resto.
— Somos uma boa dupla. — Ele brincou.
Uma brincadeira que acarretou a bochechas vermelhas e um tremendo frio na barriga. Madeline precisou morder o lábio com a vergonha que sentiu com a insinuação, mas também ficou feliz com ela. Foi uma frase carregada de segundas intenções e acendeu uma chama dentro do seu peito.



Capítulo 06

O almoço não durou muito tempo, logo Madeline se despediu de Finn, Kadence e Cedric, e seguiu para suas duas longas aulas de francês. As aulas pós almoço requeriam um esforço enorme da garota, afinal, o sono que vinha depois de tirar a barriga da miséria era descomunal. O professor não colaborava muito com sua aula mansa e pacífica, e seu tom de voz sempre mantendo o mesmo nível sonoro, mas sempre tentava colocar na cabeça que aprender francês era o primeiro passo para conhecer a Torre Eiffel, uma das coisas que sua mãe sempre quis fazer.
Assim que adentrou à sala, Madeline deu de cara com Sadie e Babs sentadas lado a lado, então aproximou-se das colegas e se acomodou na carteira da frente, virando-se para elas para engatar um assunto que estava incomodando.
— Oi. — Ela falou, chamando a atenção das garotas.
— Ei, italiana, senti sua falta na festa. — Babs comentou, após erguer o rosto do grosso livro de francês.
— É, eu acabei me enroscando com a dona da festa e preferi me manter isolada. — Madeline contou, revirando os olhos ao citar Nala.
— Como assim? O que aconteceu? — Sadie quem perguntou, cruzando os braços sobre a mesa e abandonando a carranca que também estava no seu rosto na parte da manhã, durante a aula de história.
Madeline conferiu que apenas as três ainda permaneciam na sala e empurrou a cadeira um pouco mais para trás, chegando mais perto das garotas.
— Quando eu cheguei com Finn, ela mal me cumprimentou. Eu não liguei muito, mas depois fui até a cozinha com Sophie e ela apareceu, me ignorando por completo, falando com a amiga como se eu nem estivesse lá. Me citou de forma bem irônica para ela em um momento e foi quando eu não aguentei. — Made deu de ombros, reparando em como as colegas riam com expectativa. — Falei que ela ainda não tinha motivos para não gostar de mim e que não roubaria os amigos e o namorado dela. Agora ela não deve gostar mesmo de mim, mas, sabe, achei que esse negócio de ciúmes e rivalidade feminina era passado.
— Nala é o ser humano mais desagradável que eu já conheci. — Babs revirou os olhos.
— Sem contar que você tem total razão. Ela nunca nem conversou com você e fica fazendo ceninha como se só ela importasse na vida das pessoas. — Sadie concordou. — Dizem por aí que isso tudo é oriundo da criação e da falta da criação dos pais dela, mas não sei…
— Talvez. — Madeline engoliu em seco, ignorando a vontade de falar a mesma coisa que Brent lhe dissera.
— Vocês acham que isso justifica? — Babs perguntou. — Sophie é uma coitada por suportar ela. Uma vez estávamos em muitas meninas no banheiro e Sophie estava enturmada na conversa, quando Nala chegou ela rapidamente ficou séria e quieta, e saiu do banheiro assim que Nala também saiu.
— Não justifica, mas é o único sentido. — Made disse. — Mas que é estranho, é sim. Sempre pensei que pessoas populares em colégio eram sociáveis e extremamente agradáveis. Julguei errado.
— Nós somos tudo isso aí. — Sadie brincou e arrancou risadas das colegas.
As três cessaram a fofoca sobre Nala O’Malley assim que mais alunos começaram a adentrar a sala de aula e foi ficando impossível que cada um não escutasse as conversas. Mudaram o assunto da água pro vinho, enquanto o professor ajeitava os materiais e o quadro branco para a extensa aula.
O assunto que Madeline gostaria de tratar com Sadie ficou para uma próxima hora, afinal, depois que o professor começava a falar qualquer tipo de conversa paralela o atrapalhava e transformava o monólogo dele insuportável de ouvir. Além do mais, Madeline não conseguia se concentrar enquanto alguém tentava lhe contar alguma coisa, precisava de concentração máxima.
E foi por aquele motivo que durante as duas aulas ela não deixou sua mente se desfocar do professor e das coisas que ele anotava no quadro ou perguntava. Ficou tão focada em não perder nenhum assunto, que não percebeu Sadie saindo mais cedo da aula e mandando embora sua oportunidade de conversarem sobre Finn.
Poderia enviar uma mensagem? Com certeza.
Se tivesse o número dela.
E se quisesse que fosse algo informal e não verdadeiro.
Precisava olhar nos olhos de Sadie e garantir que aquilo era uma boa ideia, porque já estava começando a gostar bastante da presença do garoto e odiaria se beijá-lo fosse causar algum problema com a mais nova amiga. Afinal, se tinha uma coisa que Penélope sempre gostava de falar para Madeline, era: amigos são mais importantes que homens; homens no primeiro problema desaparecem, amigos no primeiro problema te acolhem.
E por mais que estivesse certa que dali um ano voltaria para La Maddalena, não via motivos para não criar algumas raízes em Laguna Beach. Talvez no dia em que chegou estivesse certa de que aquilo seria provisório, mas depois de uma semana, não achava ruim criar memórias e deixar seu coração agraciado por novas experiências e conhecimentos.
Foi a última a deixar a sala, terminando de anotar a tarefa para a próxima aula. Após recolher o material e trancafiar os livros restantes no armário, Madeline caminhou em direção à saída do colégio e acabou dando de cara com o time de futebol no estacionamento. Garotos fortes e suados, rindo e brincando logo após um exaustivo treino.
Era uma visão e tanto. Impossível negar.
— Hey, Madeline!
— Madeline.

Duas vozes distintas a chamaram e sua mente se tornou um emaranhado de confusão.
De um lado, Finn acenava de forma sorridente e quando atraiu a atenção da garota, fez um gesto com a mão para a chamar para perto. Não muito longe, Brent coçava a nuca, o maxilar travado.
Madeline tinha certeza de que se um buraco se abrisse na frente dos seus pés, ele se jogaria ali sem pensar duas vezes. O capitão do time, com uma namorada ciumenta, chamando por outra garota? Renderia bastante comentários no vestiário.
A dúvida de onde deveria ir foi o que fez a garota estacionar os dois pés juntos, enquanto olhava de um para outro. O que deveria fazer naquele momento? Escolher um lado e seguir determinada, enquanto ignorava o outro? Brent havia a deixado plantada por duas aulas de literatura, sua resposta para a pergunta anterior era simples de resolver, caso conseguisse ser tão babaca quanto ele.
Era óbvio que não conseguiria.
Aprendeu a ser gentil com as pessoas.
Mas como se um anjo enviado do céu viesse pronto para solucionar sua vida, Brent a olhou quase desesperado, fazendo um pequeno sinal com a cabeça para que ela seguisse até Finn. Era a escolha óbvia.
Claro que era.
Sua mente deveria gravar isso para o resto do ano letivo.
Deveria também mandar embora aquela sensação esquisita no estômago ao ter criado uma pequena expectativa como quando ele chamou seu nome algumas aulas atrás. Na maioria das suas trocas depois da festa, Brent conseguiu ser esquisito e misterioso em pequenas escalas, aquilo não poderia significar boa coisa.
Balançando a cabeça, tentando espantar o mal estar repentino, Madeline botou as pernas para funcionar e caminhou até Finn, o qual ainda mantinha um sorriso lindo no rosto, mesmo tendo percebido o conflito interno da garota segundos atrás.
— Oi. — Ela cumprimentou assim que chegou próximo o suficiente, além de sorrir para o garoto e os amigos que o acompanhavam.
— Ei, linda, estava pensando em te oferecer uma carona, sabe, como um pedido de desculpas por sábado.
Ah, certo… — uma saliva dolorida arrastou sua garganta. — Na verdade, eu preciso buscar algumas coisas para Amélia antes de ir ao restaurante, então Brent meio que… já me ofereceu uma carona mais cedo.
— Brent? — Finn franziu o cenho e viu a garota concordar. — Entendi. Então deixa para outro dia.
— É, pode ser. — Madeline sorriu tentando dissipar o clima estranho que surgiu com a careta que Finn ainda não conseguia desfazer em seu rosto. — Te vejo amanhã?
— Faz assim, me passa seu número. Podemos combinar alguma coisa fora do colégio. — Finn rapidamente puxou o aparelho celular do bolso e o entregou para Madeline. — Talvez uma praia depois da aula.
— Isso é tentador. — Ela comentou, anotando o próprio número e devolvendo o celular para Finn. — Fico esperando sua mensagem, até mais. — Madeline depositou um beijo na bochecha do garoto e acenou, enquanto se afastava na direção do carro de Brent.
A carranca de confusão quando Madeline citou o melhor amigo do garoto já não estava mais em seu rosto, agora ele tinha um pequeno sorriso ao examinar cada passo que ela dava para longe. Seus amigos ao redor comentavam alguma coisa e riam, mas Madeline não estava ligando para aquilo.
Brent já estava acomodado no banco do motorista, o ar condicionado embaçando o vidro com a respiração dele, enquanto o mesmo mexia concentrado no celular. Madeline abriu a porta do carona e estremeceu quando sentiu a brisa gelada bater contra sua pele, sentando-se sobre o banco e chamando a atenção do garoto.
— Desculpe a demora. — Ela murmurou, puxando o cinto de segurança e acomodando sua bolsa sobre o colo.
— Tudo bem. — Ele respondeu somente e deu partida no carro.
Parece que voltaram à estaca zero.
Madeline sentiu um solavanco bem no meio da barriga e precisou revirar os olhos e respirar fundo para tentar dissipar o mal-estar que percorreu seu corpo. Eles estavam conversando como velhos amigos há algumas horas atrás, mas naquele momento era como se Brent voltasse para o primeiro dia de aula da garota e fosse uma mera desconhecida.
— É sério isso? — Madeline não segurou a indignação.
— O quê? — Brent virou o rosto rapidamente para encará-la e logo voltou a atenção para as ruas.
— Você vai voltar a ser sério e enigmático? Achei que já havia pulado essa fase.
— Não estou sendo sério e enigmático, só falei tudo bem. — O tom de voz dele dizia totalmente o contrário.
Não estava tudo bem.
— Olha, eu não sei o que acontece na sua vida, mas você mesmo disse que se fôssemos nos basear em todas as situações catastróficas seríamos completos cuzões, e é exatamente o que você está fazendo.
— Eu nunca falei isso. — O garoto prendeu uma risada, começando a achar graça da forma como Madeline estava exagerando e gesticulando com as mãos.
— Foi basicamente isso. — Ela pontuou, abanando a mão no ar.
— Não teve nada a ver com isso. — Brent teimou, ainda prendendo o riso.
— Tanto faz! — Madeline gritou, conseguindo com que Brent soltasse a gargalhada de forma histérica.
A garota o olhou abismada, sentindo o coração bater tão forte contra o peito, enquanto a raiva se espalhava por todos os seus poros.
— Do que está rindo? — Ela perguntou, com um tom de voz controlado.
— Da sua preocupação imaginária.
— Não entendi.
Antes de responder, Brent limpou as gotículas de água do canto dos olhos e virou o rosto para Madeline, aproveitando o sinaleiro fechado.
— Você se preocupa demais com a forma que as pessoas lidam com seus problemas.
Madeline desviou o olhar do garoto, prestando atenção no pequeno tempo em que o semáforo demorava em mudar de vermelho para verde. Sentiu a garganta fechar e arder, como se o choro estivesse prestes a alastrar por ali, liberando lágrimas pesadas dos seus olhos. Mas não faria aquilo.
Não choraria ali.
Não podia.

Por mais que seu peito agora estivesse oco e sua mente um turbilhão de lembranças, ainda estava acompanhada de Brent e demonstrar aquela pequena fraqueza faria com que ele sentisse culpa, e não era exatamente o que deveria acontecer. A frase em questão foi como um empurrão da calçada. Madeline teve a mesma sensação de estar em um perigo momentâneo no meio da rua, com carros atravessando o asfalto sem olhar para o lado.
Dentro do seu cérebro, as memórias jorravam imagens em flashes e deixavam sua respiração entrecortada, mesmo que inflasse o pulmão tanto fosse necessário, as paredes torácicas eram o suficiente para prensá-los. Realmente, era tremendamente preocupada em como as pessoas estavam lidando com suas merdas, incomodava-se quando algo saia do normal, porque sabia que quando algo saia do normal poderia significar o fim.
— Você está bem? — Brent parou o carro em frente à casa do prefeito e desafivelou o cinto, virando-se rapidamente para Madeline.
Ela parecia prestes a passar mal. Estava pálida e trêmula.
— Eu… me preocupo com as pessoas. — A garota engoliu em seco, não virando o rosto em momento algum. — Não me importo com os problemas delas.
— Madeline, eu não quis… — Brent estava confuso, achou que a garota tivesse entendido a brincadeira. — Não quis te julgar. Foi uma brincadeira. Para descontrair.
— Às vezes, Brent, as pessoas precisam ter certeza de que tudo está bem. — A voz dela era baixa. — Porque, de uma hora para a outra, o mundo pode desmoronar.
Quando uma pequena e única lágrima escorreu pela bochecha de Madeline, Brent quis desaparecer. Na verdade, quis voltar no tempo e apagar a estúpida brincadeira que havia feito. Foi o momento errado, o motivo errado e, principalmente, a pessoa errada.
Madeline não esperou por uma resposta, puxou a bolsa e saiu do carro sem, em nenhum minuto, olhar para o garoto. Queria chorar. Era a primeira vez, desde que pisou na Califórnia, que ela queria deitar em sua cama e chorar toda a dor que não parava de crescer dentro de si.
Para muitos o motivo poderia parecer bobo, afinal, as pessoas tinham o direito de ficarem esquisitas e não dar satisfação para ninguém. Cada um entendia do próprio calo. Mas desde que Penélope ficou doente, a única coisa que Madeline sabia fazer era se preocupar. Era garantir de que sua mãe estava confortável com o edredom ou de que a sopa não estava tão quente para o verão italiano. Madeline precisava medir sua febre, lhe dar os remédios em dias de crise e segurar sua mão quando o cateter saia do lugar.
— Você não pode descontar seus problemas nos outros. Eles não têm culpa. — A garota murmurou, enquanto subia as escadas em direção ao quarto.
Brent tinha seus próprios obstáculos na vida. Ser ou não uma pessoa legal com Madeline não deveria ser uma preocupação para ela. Entretanto, seu coração egoísta só conseguia se lembrar de como ele parecia animado em ouvir sobre Amélia e Penélope e em como ele foi cuidadoso em querer que ela se sentisse confortável para falar da própria mãe. Era sentimentalista demais. E odiava aquilo.
Odiava porque sempre acabava se entregando em suas relações de amizade muito mais do que o outro lado e era exatamente por isso que pisava em ovos com Kadence, Cedric, Sadie e Babs. Até mesmo Finn. Sabia que quebraria a cara uma hora ou outra e ter acreditado que poderia confiar em Brent como um amigo foi um erro gigantesco.
— Ninguém é obrigado a te tratar bem. — Madeline repetiu duas vezes, enquanto desembrulhava a moldura que havia trazido da Itália. — Ninguém precisa ser legal com você, só porque você é legal com ela.
Tentava acreditar nas próprias palavras, afinal de contas, era a verdade. Ninguém no mundo tinha a obrigação de devolver uma gentileza. Muito menos de estar afim de ouvir suas histórias ou de ser sempre legal. Cada um vivia uma realidade e aquela, no momento, era a sua.
Estava longe de casa.
Estava em um quarto com móveis e paredes brancas.
Um lugar onde ninguém sabia o que passava na sua vida.
Laguna Beach poderia ser considerada um recomeço, mas, na verdade, era uma pausa. Uma longa pausa de todas as turbulências que fora sua adolescência na Itália. E pausas deveriam ser boas.
— Eu queria entender o que tem de tão bom na Califórnia, mãe. — A garota murmurou, enquanto observava a pintura em sua frente.
Respirou fundo diversas vezes, tentando puxar para si a paz que sua mãe transmitia naquela obra de arte. Mentalizou que aquilo foi um pequeno surto e que não aconteceria novamente, porque estava ali para ser uma tela em branco e não uma folha de rabiscos.
— Precisa de ajuda? — A voz de Brent sobressaiu todo o silêncio que recaia pelo quarto.
Madeline ergueu os olhos da moldura, encontrando as írises indecifráveis do garoto, o qual se encontrava parado no batente da porta. A quanto tempo ele estava ali, afinal?
— Poderia ter me esperado no carro. — Ela falou simplesmente, voltando a embrulhar o quadro no plástico bolha e passando a mão nos olhos para ter certeza de que nenhum resquício de lágrima fazia morada em seu rosto.
— Você demorou, achei que poderia ter desistido. — Brent deu passos lentos para dentro do quarto, não sendo discreto em examinar o local. — Sem fotos?
— Estão guardadas.
— Esse quarto não se parece com a Madeline que eu convivo. — Ele quis brincar, tentando um sorriso pequeno nos lábios, não obtendo sucesso na correspondência da garota.
— Só me conhece há uma semana. — Ela deu de ombros, levando a moldura para perto de Brent e se afastando para guardar sua mochila.
— Mas é o suficiente para saber que está chateada. Olha… me desculpa. Fui um idiota com a brincadeira.
— Tudo bem.
— Madeline. — Brent soltou o ar e deixou seus braços caírem ao lado do corpo. — Eu não sei o que você passou e se você não falar, nunca vou saber. Assim como você também não sabe o que eu passei e passo.
— Saber o que ficou no passado não muda o fato de que você não pode ser duas pessoas diferentes em um dia, só porque não está contente com a própria vida. — Ela desabafou, voltando para perto do garoto. — Você não gosta da Nala.
— O quê? — Ele pareceu abismado por alguns segundos, confuso com a colocação tão direta de Madeline. — É claro que eu gosto dela.
— Mas não a ama.
— Madeline, o que você está falando?
— Sempre que ela aparece você começa a ser esquisito. Agindo como se só existisse sua carranca e nada mais. — A garota estava se amaldiçoando por dentro por estar sendo tão sincera, mas era impossível que ninguém além dela tenha percebido aquilo. — Por que continua num namoro que não é bom para você?
— Quando eu disse que não era bom para mim? — Ele desviaria de todas as perguntas enquanto fosse necessário.
— Não disse, mas também não negou quando eu falei que não a amava. — Com um sorriso triste nos lábios, Made passou por ele indo para a porta do quarto. — Não precisa me contar os motivos para estar com ela, são seus. Mas pare de agir como um babaca toda vez que ela nos vê juntos.
Sem falar mais nenhuma palavra, a garota saiu do quarto, caminhando na direção das escadas. Esperaria Brent recuperar a consciência no carro, além de não ter precisado organizar suas coisas, já que elas ficaram no restaurante desde sábado, apenas tirou o celular do bolso da calça quando se sentou no banco do carona e sentiu uma pequena felicidade genuína preencher seu interior quando leu a mensagem recebida há alguns minutos:

» Finn: Linda, leve biquíni e troca de roupa para a aula amanhã, vamos pegar uma praia depois do almoço.

Foi instantâneo, o que aconteceu alguns minutos antes já não incomodava mais seu estômago. Mesmo que Brent tenha voltado com a cara ainda mais fechada e sem dizer uma única palavra, dirigindo até o restaurante em um silêncio sepulcral.

Assim que chegaram ao Bromélias, uma ansiedade tomou conta do peito de Madeline. Brent retirou o quadro do banco de trás e apontou com a cabeça para que a garota fosse na frente. Ela assim o fez, nada de bom sairia em contradizer aquele maxilar duro e travado. Mas não deveria se preocupar mais com as reações do garoto, naquele momento só o que importava seria a forma como Amélia receberia a obra de sua mãe.
Quando ultrapassaram a porta dupla de entrada, Amélia estava estirada sobre uma das mesas do salão, rodeada de papéis e canetas, enquanto olhava para tudo de forma desolada. Tão longe estava que nem percebeu os adolescentes adentrando o restaurante.
— Mãe? — Brent apoiou o quadro em uma cadeira próxima e caminhou até a mulher.
— Oi, querido. Como foi o treino? — Ela ergueu-se graciosa, nem parecendo a mesma, rodeando os ombros do garoto para um abraço terno.
— Foi normal. Você está bem?
Madeline observou tudo silenciosamente, parada ao lado do quadro, enquanto Amélia que antes parecia prestes a um colapso, agora sorria tão naturalmente que era como se uma máscara cobrisse o seu rosto. Aquilo gerou um aperto repentino na garota, como se, junto com o vento coberto de maresia, um aviso lhe soprasse o ouvido informando que novos problemas estavam surgindo.
— Sim, só estava revendo algumas contas. — Só então Amélia virou o corpo, notando Madeline na entrada do local. — Made, meu bem, chegou cedo.
— Eu queria entregar algo para você antes do expediente. — Madeline explicou, apontando para o quadro, enquanto sorria e mordia o lábio. — Brent me ajudou a buscar.
Oh, é de Penélope? — Os olhos de Amélia não aguardaram uma confirmação para encherem-se de lágrimas.
— É o retrato sobre a excursão de vocês pela Califórnia. — Madeline não aguentou a emoção de Amélia e deixou com que seus olhos ansiosos também transbordassem.
A mais velha se aproximou o suficiente para retirar todo o plástico bolha do quadro, sem nem pedir permissão. Quando encarou a pintura, grossas gotículas de água escorreram por sua bochecha. Amélia sentou-se sobre as próprias pernas e admirou o talento que sua melhor amiga tinha, deixando com que as lembranças invadissem sua mente e escorressem por seus olhos.
Madeline sentou-se ao lado da mulher e apoiou sua mão sobre a coxa dela. Sabia que Amélia iria gostar daquele quadro, só não imaginava que os sentimentos inundariam seus corações e a saudade apertaria tão depressa e dolorida.
— Ela lhe contou sobre isso? — Amélia perguntou baixo, quase engasgando com a própria saliva.
Brent aproximou-se também, relativamente preocupado com a mãe e a forma como estava lidando com as próprias dores naquele dia.
— Brevemente. Mas deixou claro que era o quadro que mais representava a Califórnia.
— É o pôr do sol de Malibu. — Amélia disse, passando os dedos pelas cores disposta na tela. — Foi nosso último dia de viagem, ainda tínhamos algumas praias para percorrer, mas Quinton e Olive nos encontraram logo depois de assistirmos esse espetáculo da natureza.
— Foi o dia que meu pai fez o pedido? — Brent se interessou, ocupando o outro lado de Amélia.
— Sim. — Um sorriso repentino iluminou o rosto de Amélia e ela arrumou a postura, sentando-se de forma mais confortável. — Temos um pouco de tempo, deixa eu contar como foi o melhor dia das nossas vidas.

Era o verão de 1998, estávamos em uma maratona de praias californianas, já tínhamos passado por Santa Barbara, Los Angeles, Big Sur, San Diego, Santa Cruz e, enfim, Malibu. As férias eram curtas, já que trabalhávamos e dependíamos apenas do nosso próprio dinheiro, mas em todos os pontos turísticos mandávamos cartões postais para os nossos namorados e certificávamos de que tudo estava bem, e ali alguns dias estaríamos de volta à Laguna Beach.
Malibu foi um lugar incrível de conhecer. Os famosos que não encontramos em Los Angeles estavam todos escondidos em Point Dume. Era como passear pela calçada da fama na vida real. Penélope chamava tanto a atenção dos homens que alguns até tentavam alguns sorrisos pretensiosos para cima de nós, mas só queríamos aproveitar, curtir cada segundo.
Passamos o último dia inteiro em Surfrider Beach, almoçamos na areia, bebemos champanhe e comemoramos a vida com tanto afinco que era impossível não notar nossa empolgação. Próximo ao fim do dia, dois salva vidas se aproximaram e nos convidaram para observar o pôr do sol do posto. Mesmo com receio de que eles fossem tentar algo, aceitamos.
Era exatamente essa vista que tínhamos: o céu se tornando laranja, enquanto o sol descia para seu descanso, as madeiras gastas do parapeito do posto salva vidas que contrastavam com a areia clara e o mar batendo grosseiramente contra as pedras bem no ponto final da praia. Esplêndido!
Quando a noite se tornou escura e fria, agradecemos aos garotos pela experiência e nos despedimos fingindo que nos encontraríamos no dia seguinte naquela mesma praia. Era a maior mentira, já que nossa aventura seria outra. Nós voltamos para a pousada para tomar um banho e procurar algum restaurante barato para jantar. Tamanha foi nossa surpresa quando Quinton e Olive estavam nos aguardando sentados, impacientes, em frente à entrada da pousada.
Lembro de Penélope se jogar nos braços de Quinton e dissipar a preocupação dele para longe. Já Olive estava ansioso, suas mãos o tempo todo entrando e saindo do bolso da bermuda. A desculpa deles era que estavam com saudade, aproveitaram que era final de semana e usaram o carro dos Walsh para nos encontrar.

Amélia parou por um instante, recuperando um pouco do fôlego que lhe escapara. Seus lábios não paravam de sorrir e era como se ela estivesse realmente revivendo cada segundo daquela viagem.
— Você quer um copo d’água? — Brent perguntou, ameaçando se levantar para buscar.
— Não, estou bem. — Amélia segurou seu pulso, confortando-o. — Estou acabando.

Eles nos levaram para jantar em um restaurante caríssimo. Bebemos champanhe a noite inteira, comemos a melhor ostra que eu já provei na minha vida e depois fomos dar uma volta sozinhos. Penélope e Quinton para um lado, eu e Olive para outro.
Fomos até a praia. Não reparei nos detalhes enquanto conversávamos, mas um caminho de vela preenchia a areia até bem próximo à água. Olive claramente estava nervoso, a mão suava enquanto apertava a minha. Quando percebi o que estava acontecendo, ele já estava ajoelhado na minha frente, segurando um anel lindo.
Penélope não fazia ideia, mas Quinton o ajudou em tudo e ambos já nos esperavam na praia, cheios de expectativas para minha resposta. Era claro que era “sim”. Só tínhamos dezoito anos, mas eu tinha certeza de que passaria o resto da minha vida com Olive. Tão grande foi minha surpresa quando chegamos na pousada e Penélope também havia sido pedida em casamento.
Só que ela não gostava de extravagâncias. Foi em uma conversa sob a luz do luar que Quinton se declarou para ela e juntos decidiram que se casariam em breve.

— Vocês foram pedidas no mesmo dia? — Madeline sorriu com lágrimas nos olhos, imaginando o quão feliz poderia ter sido aquela noite para as duas melhores amigas.
— Agora você sabe porque o pôr do sol de Malibu foi tão inspirador para ela. — Amélia contou, depois de concordar com a cabeça. — Tínhamos uma conexão muito forte, mas as muralhas da família Walsh a levaram para longe daqui.
— Ela nunca entrou em detalhes sobre o que aconteceu… sabe, para que ela e Quinton rompessem.
— Talvez devesse perguntar a ele, meu bem.
— Não temos essa proximidade. — Madeline mordeu o lábio inferior e sorriu de forma triste. — E quanto a Olive?
— É história para outro dia. — Brent cortou de forma ríspida, erguendo o corpo rapidamente e mandando embora o sorriso que tinha no rosto enquanto ouvia a mãe.
Madeline sentiu um arrepio involuntário percorrer seu corpo e virou o rosto ao senti-lo queimar. Mas não era uma queimação de vergonha, não, aquilo era diferente. Parecia prestes a explodir. De nada tinha adiantado a pequena conversa com Brent em sua casa, afinal, ali mesmo ele estava flutuando durante a história de Amélia, mas no outro segundo, quando um botão imaginário foi apertado, ele extravasou e se tornou o babaca.
Talvez falar sobre o pai não fosse o que ele gostaria.
Madeline entendia.
Mas toda vez que algum assunto de que ele não gostaria de tratar surgia, ao invés de falar somente “não quero discutir sobre isso, obrigado”, ele se exaltava e a tratava como um nada.
Realmente, Madeline começava a acreditar que ela e Brent não formariam uma amizade promissora.
— Ignore-o. — Amélia puxou uma mão da garota para o próprio colo, forçando-a a virar o rosto na sua direção. — Falar sobre Olive é complicado, ele não consegue controlar a raiva que sente. — O tom de voz da mais velha era baixo, porque Brent ainda permanecia no salão, mesmo que afastado.
A garota apenas concordou com a cabeça.
Não haviam palavras para aceitar aquilo, então apenas colocou um sorriso no rosto e mandou para longe o espírito bom samaritano em favor de Brent.



Capítulo 07

As aulas do dia esgotaram até o último fio de cabelo. O professor de matemática os entupiu de exercícios para treinar o cérebro para a prova que aconteceria em dois dias, segundo suas próprias palavras, e a garota não aguentava mais olhar para números e sinais de multiplicação, divisão, soma. Fórmulas e expressões muito menos.
Depois de trancar seus livros no armário e pegar a mochila com as coisas que deveria levar para casa, caminhou até o refeitório torcendo para que o almoço do dia fosse algo tolerável e não cheio de sódio e gordura. Mas estava redondamente enganada: hambúrguer e bacon eram o carro-chefe do dia e uma reclamação escapou por sua língua. Resolveu pagar por um pote de salada com frango frio e fez uma anotação mental de sugerir um novo cardápio para o grêmio estudantil.
Os cardápios daquela escola iam de mal a pior.
— Ei, linda! — ouviu a voz de Finn lhe chamar pelo refeitório e sentiu as bochechas esquentarem quando ganhou atenção de muitos olhos curiosos.
Ela caminhou rapidamente até a mesa que o garoto ocupava juntamente de Cameron e Sophie. Estranhou o fato de e Nala não estarem por ali, mas desde que sua presença começou a ser mais notada pelo grupo, o casal magia resolveu afastar-se dos amigos e aquilo, no fundo, incomodava .
— Oi. — Ela falou, sentando-se ao lado do garoto e ganhando um beijo na bochecha.
— Oi, , não te vi mais depois do episódio da festa. — Sophie comentou, um sorriso leve preenchendo seu rosto. — Desculpe pela cena de Nala.
— Ah, tudo bem. Já superei. — também sorriu.
Sophie era legal demais para se desculpar pela melhor amiga.
— Como você consegue comer essa coisa gelada? — Cameron perguntou, apontando para o pote que a garota abria, enquanto abocanhava o hambúrguer.
— Como você consegue comer essa coisa gordurosa? — Ela devolveu, o ar zombeteiro preenchendo sua voz.
— Justo! — Finn falou, rindo.
Cameron e Sophie também riram.
— Vocês não sentem falta de comida de verdade durante o almoço? — questionou, perfurando uma alface com os talheres de plástico.
— Às vezes eles servem um mac and cheese, mas normalmente lanches rápidos e práticos são mais fáceis para alunos apressados. — Sophie explicou, dando de ombros, na sua frente apenas uma enorme maçã.
— Na Itália o almoço costumava ser mais bem servido? — Finn se interessou, sua bandeja já estava vazia e logo associou que talvez eles tivessem saído mais cedo para o almoço.
— Muito mais. O prato vinha com salada, legumes, arroz… coisas normais. Americanos comem estranho. — A garota fez uma careta como se desprezasse a forma alimentícia do local.
E, na verdade, não era muito fã. O melhor horário de comer por ali era durante a noite, onde todos realmente se alimentavam de forma mais saudável e comum, mas, durante o dia, ela reparou que as pessoas costumavam fazer lanches rápidos e práticos, mas nenhum deles era mesmo cheio de vitaminas e nutrientes. Ou então, potes de salada ao estilo Kim Kardashian — costumava ser sempre a escolha de quando sentia que seu corpo não aguentaria os níveis calóricos dos bacons com ovos ou do hambúrguer lotado de óleo.
E ela não era fresca para comer, jamais fora. Mas sua criação foi diferente em relação aos alimentos.
— Já está desdenhando nossos costumes. — Finn negou com a cabeça, fingindo um revirar de olhos exagerados. — Estrangeiros…
riu, empurrando levemente o ombro do garoto.
— Eu sou americana também, bobo.
— Jura? Você nasceu aqui? — Sophie quem se interessou, apoiando o queixo sobre a mão, focada na garota.
— Sim, nasci em San Diego, mas me mudei para a Itália ainda bebê.
— Sua mãe ou seu pai são italianos? — Cameron quem perguntou. — Meu pai nasceu em Nápoles, tenho descendência também.
— Nenhum dos dois. Minha mãe tinha alguns conhecidos lá que ofereceram uma grande oportunidade de emprego. — revirou seu pote com a salada, tinha comido uma boa parte já, mas naquele momento seu estômago revirou de forma lenta e torceu para que alguém mudasse logo de assunto.
— E o que ela faz? — Sophie questionou.
— Ela é pintora. — Foi uma resposta simples e não queria dar mais detalhes.
— O que acham de continuarmos essa conversa na praia? — Finn perguntou, notando que mudara de comportamento. — e eu vamos à Main Beach.
Por um momento, soltou o ar que nem percebeu que estava prendendo. Agradeceu mentalmente à Finn por ele ter percebido, mas não queria que eles se lembrassem o ponto onde pararam na conversa e a retomassem na praia, caso aceitassem ir.
— Acho uma ótima ideia. — Cameron concordou. — Vamos só pegar nossas coisas em casa e encontramos vocês lá.
— Isso. Leva o equipamento para treinarmos beach tennis. A competição logo tá aí. — Finn se animou, batendo em um high-five com o amigo, enquanto ele e a namorada se levantavam.
— Pode deixar.
finalizou sua salada em silêncio depois que o casal saiu. Pensava na melhor forma de falar sobre sua mãe, caso fosse questionada de novo, sem chorar. Enquanto a aguardava, Finn apoiou sua mão sobre a coxa esquerda dela e sorriu quando seus olhos se encontraram.

Foram alguns minutos até que seu almoço fosse finalizado e ambos pudessem seguir até o estacionamento onde o carro de Finn estava. Ele iniciou um diálogo tranquilo sobre a competição que iniciaria dali duas semanas e o costume do colégio em “forçar” os alunos a participarem com o prêmio sendo ponto na média.
— Você não vai participar? — Ele questionou, tirando o olho da estrada vez ou outra para conferir o rosto de .
— Não, sou péssima em todo tipo de esporte.
— Até stand up? — Finn franziu o cenho, sentindo vontade de rir.
— Acredite, até em stand up. Uma negação completa. — A garota soltou uma risada, fazendo com que ele ficasse confortável em rir também.
Main Beach não ficava muito longe do colégio. Era a praia central, bem onde o Bromélias estava localizado, então foi rápido chegarem ao destino. Tiveram um pouco de dificuldade em encontrar estacionamento, já que o dia estava bonito e a maioria dos alunos do Laguna Beach High School aproveitava a tarde de folga para relaxar na praia.
Eles caminharam juntos até um dos biombos vazios para poderem trocar a roupa que usavam por roupa de banho. foi primeiro e rapidamente trocou sua calça e camisa por um par de biquíni, guardou tudo o que não usaria dentro da mochila e saiu para que Finn pudesse ocupar o local. Enquanto o aguardava, aproveitou para passar protetor solar e separar a canga que foi uma das únicas coisas que coube na mochila além do biquíni.
Depois que Finn já estava com sua bermuda de banho, ambos procuraram um local mais espaçoso para abrirem a canga e depositarem as mochilas antes de caminharem juntos até o mar. O sol fervia em suas cabeças e mesmo que fosse logo após o meio dia, muita gente ocupava a faixa de areia e aproveitava a água gelada.
Laguna Beach era um ponto turístico maravilhoso entre San Diego e Los Angeles, e as praias pareciam sempre lotadas quando o dia rasgava um sol bonito e quente. O verão já anunciava sua partida conforme a água ia ficando cada vez mais fria, e mesmo que ainda no próximo mês conseguissem aproveitar a praia em dias iluminados, as chuvas se aproximavam assim como o outono.
— Eu só entrei em Thousand Steps e aqui, mas Main Beach tem o melhor mar que já conheci. — declarou depois de emergir de um mergulho e encontrar Finn bem em sua frente, os cabelos pingando água salgada, enquanto parte do peitoral que aparecia também mostravam gotículas finas de água; uma visão encantadora, ela diria.
— Então eu tenho uma missão importante. — O garoto falou, recebendo um cenho franzido de , enquanto passava a mão no cabelo para espantar aqueles fios que insistiam em cair sobre a testa. — Victoria Beach tem o melhor mar de Laguna Beach e eu aposto que você vai confirmar isso depois de experimentar.
— Só acredito vendo. — Ela deu de ombros, sorrindo.
— Nosso próximo encontro já está marcado, vou te levar no melhor mar da Califórnia.
— Próximo encontro? — questionou. — Estamos em um encontro? — O sorriso ainda brincava em seus lábios e a reação de Finn só a fez ter vontade de colocá-lo em um potinho.
Ele abriu a boca diversas vezes, rindo, enquanto suas bochechas avermelhavam levemente, mesmo que achasse que fosse a exposição frequente ao sol e a falta de protetor solar.
— Não é um encontro convencional, mas podemos considerar um encontro. — Ele pontuou, aproximando-se lentamente.
— E o que é um encontro convencional para você? — ergueu uma sobrancelha, gostando da forma atrevida que estava ressurgindo do seu interior, ainda mais quando ela o atraía para tão perto, com suas peles quase se tocando.
— Vamos ver… — Finn parou quando seu peito quase tocava o de e dedilhou o braço dela até que chegasse em sua mão. — Eu te buscaria em casa, não no trabalho. — Foi o primeiro argumento, o qual fez a garota rir fraco, recordando-se do final de semana. — Nós iríamos jantar no Rooftop Lounge, enquanto apreciaríamos o pôr do sol. E então eu…
Finn novamente subiu os dedos sobre o braço de e alcançou o queixo dela, segurando-o com leveza para que a cabeça se inclinasse na sua direção. Dessa forma, ele aproximou suas bocas, misturando suas respirações, mas sem contato.
— Você o quê? — soprou baixo, seus lábios entreabertos, seus olhos quase se fechando, enquanto o mar balançava seus corpos, mas não o suficiente para separá-los.
— Te beijaria. — Ele disse por fim, grudando suas bocas de forma suave.
Finn aprofundou o beijo sem delongas, explorando a boca de da mesma forma que suas mãos agora passeavam pela lateral do corpo dela. Um gesto calmo para que ninguém por perto observasse demais e se observasse entendesse que era apenas um carinho e nenhum ato obsceno. , por sua vez, passou as duas mãos sobre os ombros largos do garoto, entregando-se naquele momento.
Pouco importava o ambiente ou a situação. A forma como ele a olhava e recitava o encontro convencional estava amolecendo todo seu interior e se ele não tivesse tomado a atitude, ela o beijaria sem pensar duas vezes.
E a sensação foi incrível. O frio que percorria sua barriga agora tinha se dissipado e um conforto apaziguava as batidas do seu coração. Era como se o beijo de Finn lhe trouxesse a mesma paz que o mar de Main Beach oferecia. E experimentar a mistura dos dois lhe entregou um momento oportuno, extremamente californiano na linguagem de Penélope Rizzo.
Agora só lhe faltava o pôr do sol de Malibu.
— Minhas folgas são aos domingos. — A garota murmurou depois que se soltaram em busca de ar, fazendo com que ambos rissem alegremente.
— Anotado, linda.
Ambos ouviram seus nomes sendo chamados ao longe e viraram-se em busca do som. Sophie e Cameron acenavam da areia, largando suas próprias coisas sobre a canga aberta de e sorrindo de forma exagerada. Estava na cara de que haviam presenciado a cena em questão, assim como metade daquela praia.
Finn segurou pela mão e os guiou para fora do mar. Mas a sensação de estar sendo observada era frequente no peito de , era como se seu rosto pegasse fogo apenas pelo olhar fixo de alguém em algum lugar. À medida que se aproximava da faixa de areia, ela olhava ao redor procurando o dono da esquisita sensação que não saia de si.
Percebeu que no deque do Bromélias, Amélia e conversavam com um homem de terno preto. A mais velha concordava veementemente com a cabeça sobre algo que o homem falava, já tinha seus olhos fixos em . Por mais que a distância permitisse uma grande margem de erro, a garota tinha certeza de que era observada por ele. Da mesma forma que o ímã atrai metal, o olhar de puxava o de de forma sobrenatural. Ainda que sentisse a mão forte de Finn apertando a sua, desviar o rosto para olhar outra coisa estava se tornando missão impossível.
A garota queria entender quem era aquele homem e por que Amélia parecia tão nervosa em estar na presença dele. Também precisava entender por que não desviava o olhar nem para piscar. Aquele garoto era uma incógnita tão absurda que tinha medo de se afundar ao tentar salvá-lo, não que fosse tentar, era involuntário.
Quando franziu o cenho ao ver Nala se aproximando do homem, preferiu tirar os olhos do restaurante e focar em Finn e em como estavam chegando próximos à Sophie e Cameron.
Mas a sensação ainda continuava ali.
ainda os observava.
— A água está gelada? — Sophie perguntou, estendendo a própria canga para sentar.
— Deveria estar, lovely, eles estavam tão juntinhos. — Cameron caçoou e, naquele momento, quis se atirar na areia da vergonha.
— Engraçado você, Cameron. — Finn empurrou a cabeça do amigo. — Trouxe as coisas?
— Trouxe, quer dar uma treinada?
— Você se importa, linda? — Finn virou-se para que aguardava a água escorrer um pouco do corpo para também se sentar.
— Não. — Ela negou rapidamente, sorrindo. — Vai lá.
— Vai ser rápido. — Ele depositou um selinho demorado nos lábios da garota e se afastou para ajudar Cameron com as duas bolsas de raquete.
— Não vai ser, não. — Sophie falou alto, tapando parcialmente o olho por conta do sol. — Eles vão se entreter e esquecer de nós.
— Não sinta muita saudade. — Cameron falou rindo, aproximando-se da garota e agachando-se para também beijá-la.
Eles se afastaram em seguida, indo para longe da parte movimentada da areia, onde pudessem jogar sem machucar ninguém. se acomodou em sua canga, ao lado de Sophie e puxou os óculos de sol de dentro da bolsa, colocando-o sobre os olhos, para então virar-se de frente para a sua companhia e se arrepender no mesmo segundo, já que recebeu olhares sugestivos da garota.
— E então?
— Então, o quê? — Ela despistou de primeiro momento, sentindo que suas bochechas não teriam descanso da sensação de queimação.
— Como foi? Vocês ainda não tinham se beijado, não é?
— Não. — riu sem graça, contente por ter colocado os óculos e poder desviar o olhar para o mar. — Foi bom. Muito bom.
— Finn é uma pessoa incrível, você vai ver.
— Espero que sim.
A resposta de foi mais para si do que para Sophie. Não estava esperando engatar um namoro logo após o beijo que protagonizaram no mar, mas tinha uma certa ansiedade em saber como ambos lidariam com aquilo a partir daquele momento.
— Oi, sobre o que estamos falando? — O ar que tinha em seus pulmões foi todo para fora assim que a voz de Nala sobressaiu o que Sophie pretendia perguntar.
A garota, a qual havia visto minutos atrás, já estava com seu biquini sobre o corpo e parou bem em frente às duas garotas, olhando atentamente de uma para a outra como se sempre estivesse ali.
— Ei, Nala, o que faz aqui? — Sophie perguntou, sorrindo, sentando-se um pouco mais para o lado de para liberar espaço para a amiga. — Achei que seu pai estivesse na cidade.
Um alerta brilhou na mente de .
O homem de terno.
Só poderia ser o pai de Nala.
Mas o que ele tinha a ver com Amélia e , além, é claro, do namoro de sua filha com o garoto?
— Ele está, mas precisou ir para o escritório trabalhar um pouco. Vamos sair para jantar mais tarde. — Ela contou, sentando-se ao lado da amiga e pegando o próprio protetor solar para passar pelo corpo.
— E não quis vir com você?
— Não, disse que precisa ajudar a mãe. — Nala revirou os olhos de forma exagerada.
precisou segurar a língua dentro da boca para não a criticar. Respirou fundo e desviou o olhar para o mar. Sentia que nunca se daria bem com Nala. A forma como a garota lidava com algumas informações realmente a irritava e depois da reação com ajudando Amélia, não lhe restou dúvidas de que ela não suportava dividir atenção.
— Vou dar um mergulho, quer vir? — Nala se ergueu e olhou para Sophie, guardando o protetor dentro da bolsa.
— Não, vai lá.
Dando de ombros, a garota seguiu sozinha até o mar.
Sophie suspirou e aquilo chamou a atenção de . Ela tirou os olhos dos garotos que brincavam na beira da água com uma bola de vôlei e observou a garota atentamente. Parecia que Sophie tinha algo entalado na garganta e precisava soltar, mas sem um empurrão nada sairia.
— O que foi? — perguntou de forma lenta e baixa.
— Odeio a forma como ela te trata. — Ela desabafou, expulsando todo ar que havia prendido. — Nem mesmo dá a chance de te conhecer.
— Eu não ligo, não precisa se preocupar com isso.
— Você não liga, mas o restante das pessoas liga. Entende?
— Não. — riu, sendo sincera.
— Você não é a única que ela trata assim. Todos que se aproximam de nós são como uma ameaça. — Sophie tirou os olhos de e conferiu se Nala ainda continuava no mar para voltar a falar. — Ela praticamente me forçou a ficar com Cameron para que nenhuma outra garota entrasse para o grupo.
Os olhos de se arregalaram e a boca abriu ligeiramente em choque.
— Mas, calma, não pense o pior. Eu gostava dele. Foi tudo muito natural entre a gente. Eu só queria provar um ponto.
— Certo. — concordou lentamente.
— Finn estava começando a se tornar um problema estando solteiro.
— Ele namorava?
— Mais ou menos. Ele ficava com Sadie Hawins, não sei se você conhece, mas era sério. — Ela contou e, naquele momento, precisou segurar a reação que gostaria de ter. — Nala não gostava dela.
— Por quê?
— Não sei. — Sophie deu de ombros.
— Você sabe por que ela age dessa forma?
— Para ser sincera? Não. Porém, sei que a vida dela não foi, nem é, fácil. Os pais vêm para casa duas vezes no ano, é até um milagre que o pai dela esteja na cidade.
— O que eles fazem?
— São investidores imobiliários. Dos grandes. Praticamente a cidade toda é monopolizada por eles. Estão na França neste mês, alugando e vendendo prédios.
confirmou com a cabeça e deixou suas engrenagens trabalharem sozinhas. Se a cidade é toda dominada pela família de Nala, quais as chances do restaurante de Amélia ser um imóvel dele? Será que era por aquele motivo que o homem engomado estava conversando com a mulher de forma séria e parecia prestes a surtar? Aquilo era um ponto que deveria deixar guardado para ser questionado futuramente em alguma conversa casual.
— Olha, não se preocupe com a forma como ela me trata ou deixa de tratar. — riu, fazendo com que Sophie também risse. — Eu não ligo.
— Vou continuar ligando por você. — Ela garantiu. — Gosto de você e espero que se sinta à vontade com a gente.
não conseguiu responder. A pequena declaração de Sophie fez com que um bolo se formasse em sua garganta. Ela apenas sorriu, de forma bem aberta e clara. Sophie era uma pessoa boa, uma garota legal e que, realmente, parecia uma companhia incrível. Mas não sabia se conseguiria sentir-se confortável com ela, tendo Nala sempre por perto.
Não gostaria de causar mais confusão ainda para a cabeça de O’Malley. Já bastava ela sentir ciúmes de , pensar que roubaria sua melhor amiga com certeza a faria entrar em colapso e tudo o que mais queria era terminar o ensino médio sem nenhuma confusão.
— Água! — Cameron suplicou, enquanto se jogava de costas na areia na frente das garotas.
Ambas riram do desespero e exagero do garoto, e Sophie logo se prontificou em puxar uma garrafinha e entregar para o namorado.
— Nenhuma dupla será imbatível para nós. — Finn falou, fingindo um muque com o braço, que na verdade já era bem estruturado, para gracejar com o treino que fizeram.
— Aposto que Scott vence vocês. Ele tem uma quadra em casa! — Sophie brincou e mesmo que não soubesse quem era Scott, precisou rir com a reação que ambos tiveram.
— Retire o que disse. — Cameron pediu, segurando o riso e se levantando, aproximando-se da garota.
— Você sabe que tenho razão, lovely. — Ela permaneceu rindo, encolhendo as pernas contra o corpo para evitar qualquer tipo de ataque do namorado.
— Você sabe o que ela merece, Cam! — Finn acusou, cruzando os braços e estufando o peito, pronto para proteger o amigo.
só conseguia rir.
— Não tenho outra escolha, você precisa de uma lição. — Cameron acusou, continuando a se aproximar de Sophie, enquanto a garota ria e jogava a cabeça para trás.
— Você não faria isso, Cameron! — Ela falou de forma esganiçada, debatendo-se para que o garoto não conseguisse pegá-la no colo.
Um gritinho agudo saiu da garganta de Sophie quando Cameron conseguiu segurá-la nos braços. A essa altura, ele também já ria.
— É melhor fechar a boca, lovely. — Ele avisou, mas antes que pudesse sair correndo em direção ao mar, ergueu-se para tirar os óculos da garota.
— Achei que estávamos virando amigas! — Sophie resmungou, gargalhando das cócegas que agora recebia.
Cameron não esperou resposta, saiu em disparada para o mar, sob os protestos de Sophie sobre o quanto não gostava daquela água gelada. Ambos mergulharam quando chegaram em um ponto mais fundo da água e toda a atenção que estavam recebendo se esvaiu.
— Quem é Scott? — perguntou, assim que desviou os olhos para Finn, um sorriso ainda brincando em seus lábios.
— O capitão do time de basquete.
— Ela pegou bem na ferida!
— Sim, linda. Sophie mereceu o banho. — Ele riu, aproximando-se. — Vi que Nala estava com vocês, como foi?
— Fui ignorada com bastante sucesso. — continuou sorrindo, demonstrando que não se importava nenhum pouco e que ele não deveria se preocupar com aquilo.
Mas então lembrou-se da conversa com Sophie.
— Será que posso te perguntar uma coisa?
— Claro, o que houve? — Finn aproveitou a proximidade que conquistaram sorrateiramente e rodeou a cintura de com seu braço.
— Você e Sadie namoraram?
Finn reagiu. Ele fechou os olhos e engoliu em seco. O pomo de adão subiu e desceu de forma tão lenta que poderia jurar que era para ganhar tempo, enquanto pensava em alguma resposta boa o suficiente. Só esperava que não recebesse mentiras.
Por mais que beijar Finn naquele dia não lhe garantia lealdade em nenhum aspecto com ele, esperava que na cabeça dele as coisas funcionassem parecidas com a sua. Basicamente, era melhor dizer a verdade sempre, em qualquer ocasião que fosse. As pessoas sempre mereciam a verdade da boca de quem dizia do que uma opinião mal formada da boca dos outros.
— É complicado. — Ele respondeu após alguns segundos.
— Certo. — concordou com a cabeça. — Entendo se não quiser falar.
— Não é que não queira. Só é realmente complicado.
— Tudo bem. — A garota umedeceu os lábios com a língua e empurrou a saliva com um pouco de dificuldade.
Esperava o oposto daquilo.
Era óbvio.
Mas não poderia julgá-lo por não se sentir à vontade em lhe contar um assunto pessoal. Por mais que sua curiosidade ainda falasse muito alto, respeitaria Finn. Era o certo a se fazer, mesmo que a pulga atrás da orelha pulasse sem parar lhe avisando que ele e Sadie foram muito mais do que apenas ficantes.
Ignorando a sensação ardente em seu peito, se afastou do garoto quando Nala, Sophie e Cameron voltaram encharcados do mar, conversando animadamente sobre algum assunto que ela não se inteirou e nem quis. Pediu licença assim que todos se sentaram e foi para onde eles estavam anteriormente, dentro do mar. A água esfriaria sua cabeça e talvez mandasse embora aquele sentimento ruim de que estava fazendo algo errado.
Tomar controle sobre sua própria vida não deveria ser um problema para o seu coração, mas seu cérebro insistia em sabotar suas vontades. Era quase como se uma parte de si quisesse garantir que a Rizzo continuaria ali, mesmo sabendo que Laguna Beach era sua folha em branco, não queriam deixá-la assumir o posto de . Se isso era, de alguma forma, bom para si, então deveria continuar sendo assim. Sua essência valia mais a pena do que escrever uma nova história. Novas páginas em seu livro velho seriam o suficiente para satisfazer aquele ano californiano.
Mergulhou algumas vezes, afastando-se das pessoas que jogavam vôlei dentro da água e respirou fundo todas as vezes que emergia. Queria que o mar carregasse de dentro de si a sensação de estar se aproximando das pessoas erradas, mas queria, principalmente, que a água levasse embora aquela desconfiança que tinha de todas as pessoas que se relacionava. Sua mente gostava de criar empecilhos em todos que até agora conversaram com ela e a única livre de qualquer suspeita era Amélia.
Kadence parecia tão interessada em sua vida.
Cedric parecia fissurado demais em manter qualquer conversa com ela.
era sempre tão babaca.
Nala… não precisava de comentários.
Sadie parecia distante mesmo que presente, como se escondesse toda sua verdadeira faceta.
Babs era amiga de todo mundo. No mundo real, quem era amigo de todo mundo, na verdade não era amigo de ninguém.
Sophie e Cameron… eles eram incríveis, mas se a aproximação com Finn não tivesse acontecido, eles nunca parariam para conversar com .
E, por fim, Finn. Simpático demais? Não sabia ainda se aquilo era um problema, mas gostava de pensar que era para conquistá-la. Todavia, aquele pequeno empecilho com Sadie parecia um mistério sem fim em sua cabeça e tinha quase certeza de que daria muito pano pra manga.
Por isso detestava pensar demais. Todos até então tinham um problema para ela e só fazia uma semana que estava ali, não sabia quais seriam os piores adjetivos que conseguiria arranjar até o final da sua estadia na Califórnia.
Talvez fosse exatamente por aquilo que não conseguia manter uma amizade longa com ninguém, ficava o tempo todo tentando achar um problema na sua relação com as pessoas e, no fim, mesmo que não quebrasse a cara, ela se afastava receosa, não dando tempo de acontecer qualquer coisa.
Precisava mudar isso.
Estava cansada de ser solitária.
Não poderia contar apenas com para ouvi-la sobre sua mãe.
Não deveria tornar as coisas tão complicadas naquele novo capítulo. Só tinha dezessete anos e precisava aproveitar o melhor da vida antes que fosse tarde demais. Estava na hora de deixar a vida acontecer, escrever aquele novo pedaço da sua história deveria ser desafiador e extraordinário, assim como foi a passagem de sua mãe pela Califórnia.
— Ei, espero que não tenha ficado chateada. — A voz de Finn lhe tirou do transe.
A mão pesada do garoto foi apoiada em seu quadril e seu peitoral estava bem à frente dos seus olhos. Estava tão concentrada em suas desgraças pessoais que nem reparou ele se aproximando.
— Não. Não fiquei. — Ela sorriu minimamente.
— Nunca namoramos sério. — Finn contou, colocando uma mecha do cabelo de para atrás da orelha. — Sadie nunca quis. Tinha os motivos pessoais dela. Mas isso foi há dois anos, ficou no passado.
— Sinto muito. — Foi a única coisa que conseguiu pensar em dizer. — E desculpa ter perguntado, eu só não quero criar um clima com ela por ficar com você. Já me basta Nala, não quero ser ignorada por Sadie.
Finn riu fraco.
— Não vai acontecer. E Nala…
— Eu sei. Ela é assim, não vai mudar. Tudo bem. Eu, realmente, estou deixando de me importar. — Era verdade. decidiu minutos atrás que era a paz que deveria reinar em sua mente. — Mas ser nova é difícil! Parece que todos têm um pé atrás com a estrangeira na cidade pequena.
— Estão todos acostumados com a presença um do outro. Basicamente estudamos juntos desde pequenos.
— Isso deve ser estranho. Quer dizer, vocês conhecem a todos e sabem tudo da vida um do outro, as fofocas perdem a graça. — Ela riu com a própria colocação, fazendo Finn também rir.
— Alguém sempre rende um acontecimento novo. Vai por mim, logo acostuma.
— Será que vamos ser o assunto da semana? — fingiu sussurrar, arrancando mais uma risada do garoto.
— Pode apostar que sim.
— Desculpa por estragar sua reputação! — Ela brincou, erguendo as mãos em rendição.
Finn jogou a cabeça para trás ao gargalhar. Apreciava a ingenuidade de .
— Eu estou estragando a sua! Os garotos vão querer me bater por tirar você do radar tão rápido.
— Não me diga que isso já foi pauta em conversa de garotos, por favor.
— Não falei nada. Você deduziu.
— Espero que eu não seja uma aposta, Finn! — Ela acusou, tentando ficar séria.
— Clichê demais, você descobriria rápido. — Ele deu de ombros, puxando-a para perto assim que a mesma abriu a boca em indignação. — Estou te usando para conseguir cidadania italiana, quem sabe assim o Juventus me nota.
— Que abuso. — riu, tentando o empurrar, porém sem sucesso. Seu corpo era quase engolido pelo dele.
Finn também riu, mas ao invés de falar qualquer coisa, deixou com que suas bocas se aproximassem o suficiente para confundirem as respirações. prendeu o fôlego quando percebeu que faltava milímetros para se beijarem novamente, mas Finn iniciou uma provocação primeiro: o garoto encostou seus lábios diversas vezes, mas nenhuma delas foi em um beijo aprofundado, ele apenas deixava selinhos demorados e molhados, usando a língua para umedecer os lábios de — essa que estava ficando tonta com a provocação.
Sua pele inteira estava arrepiada e a mão firme de Finn não ajudava a acalmá-la, enquanto acariciava sua lombar ao mesmo que fazia seus corpos quase se fundirem de tão próximos que os mantinha. Quando ele tentou novamente somente brincar com a língua, segurou a nuca do garoto, mantendo suas cabeças próximas o suficiente para aprofundar o beijo.
Um frio inundou seu baixo ventre quando ele cedeu ao beijo sem delongas.
Seus corpos colados eram a desculpa perfeita para aquela sensação nova, mas sabia que a mistura do beijo era o que estava fazendo sua perna amolecer e se a mão de Finn a soltasse ela cairia dentro da água feito uma geleca. Naquele momento, nenhum dos dois estava ligando para a plateia ao redor. Estavam distantes dos curiosos, mesmo que ainda em público. Apenas estavam imersos o suficiente para deixarem todos os sentidos conectados naquela troca.
E mesmo com todo aquele emaranhado de efeitos sobre seu corpo, voltou a sentir o incômodo de estar sendo observada. Tentou de todas as formas prestar atenção somente no beijo e na forma como Finn a tocava, pois tinha certeza de onde vinha o olhar.
E não iria atrás dele.



Capítulo 08
California

não estava orgulhosa de matar a aula de francês daquele dia, mas também não era de todo mal. Aproveitou que o sol não deu as caras durante toda a manhã e, após o almoço, foi para casa colocar todo o restante de matérias em dia para que estivesse preparada para todas as provas que vinham acontecendo dia após dia. Babs garantiu que mandaria fotos das anotações do dia assim que a aula terminasse e não mentiu. Quando o relógio marcou o horário do sinal anunciando o fim do dia letivo, seu celular apitou diversas vezes com as notificações da garota.

» : Salvou meu dia, obrigada! Seguem fotos dos resumos que fiz hoje.

E como agradecimento, ela mandou fotos dos pequenos cartões com suas anotações das principais matérias que já tinham suas avaliações marcadas. Não era um combinado, mas achava justo recompensar de alguma maneira, afinal só cabulou aula para aquilo mesmo.
Enquanto guardava os materiais de estudo na mochila, uma batida suave na porta lhe chamou a atenção. Não a tinha fechado, afinal só estava ela e os funcionários da casa, tamanha foi sua surpresa quando olhou para o vão de entrada do quarto e deu de cara com Quinton em seu terno usual e seus sapatos lustrados.
— Você está bem? — ele questionou assim que conseguiu a atenção da filha.
— Estou… Por quê?
— A diretora me mandou uma mensagem porque você não foi à aula de francês. Achei que pudesse estar se sentindo mal.
Ah. — Foi o que ela murmurou.
não sabia que ser filha do prefeito lhe garantia aquela “vantagem”. Quinton ser amigo pessoal da diretoria não facilitava sua vida, mas de todo modo, preferia acreditar que ela fazia aquilo com todos os alunos.
— Eu só precisava adiantar algumas matérias para as provas. Alguns conteúdos não bateram com o que eu estava estudando. — apontou para seus cadernos e terminou de guardá-los, deixando a mochila sobre a escrivaninha.
— Entendi, que bom. Fiquei preocupado.
— Você veio para casa só para ver se estava tudo bem? — Foi inevitável a garota erguer uma sobrancelha com a pergunta. Seus braços se cruzaram em frente ao peito.
— Também. — Quinton concordou com a cabeça e apontou para a cama. — Posso entrar?
— Claro.
Ele se aproximou do móvel em passos lentos, enquanto também observava o quarto em si. Quinton sentou-se na beirada da cama, de frente para a filha, a qual continuava de pé, e apoiou as duas mãos no joelho.
— Eu queria conversar com você sobre algumas coisas também. É difícil te ver em casa.
— É, os turnos no restaurante começam cedo e terminam tarde, está um pouco corrido.
— Restaurante? Turnos?
suspirou.
— Estou trabalhando no Bromélias durante a noite.
— Por quê? — O homem já tinha o cenho franzido.
— Para ganhar dinheiro… — ela respondeu como se fosse óbvio.
Na verdade, um pequeno incômodo surgiu bem no meio do seu peito. Deveria ter contado a Quinton sobre seu trabalho bem antes, afinal morava com ele e ainda era menor de idade, o que será que ele pensava que ela fazia até tão tarde na rua? Céus, esperava que ele acreditasse apenas que ela estava estudando ou fazendo amigos.
, ouça. — Ele esfregou as pernas algumas vezes antes de voltar a olhá-la nos olhos. — Não acho que seja uma boa ideia. Além do mais, se você precisar de alguma coisa, pode me pedir. Não vejo problemas em te deixar à vontade com o que temos e podemos oferecer.
Ela engoliu em seco, descruzando os braços e baixando a guarda.
Não poderia esquecer que ainda precisava pedir hospedagem para Lúcia e Giuseppe.
— Eu não quero que me dê dinheiro, Quinton. E desde sempre trabalhei com a minha mãe, estou acostumada a correr atrás do meu próprio pão.
— Eu sei. Não quero que ache que estou desdenhando isso. — Quinton suspirou, batendo ao lado do corpo na cama, para que ela também se sentasse. — Venha cá.
Mordiscando o lábio inferior, se aproximou e se sentou ao lado do pai. Ainda era estranho demais ter a figura dele tão próxima. Não sabia se alguma vez eles foram tão próximos para que sua mente guardasse lembranças vívidas dele.
— Eu quero te oferecer conforto, mas também quero que você se preocupe com seu futuro. — Quando um vinco se formou na testa da garota, ele continuou: — Talvez esses turnos no restaurante estejam afetando seu desempenho na escola. Trabalhar toma o tempo em que poderia estar colocando a matéria em dia, por exemplo.
— Na verdade, tenho me virado bem com isso. Aposto que minhas notas não foram baixas nas provas que já fiz e… Como eu disse, estou acostumada. Me faz bem viver assim. Me sobra pouco tempo para pensar. — Era a primeira vez que estava sendo tão aberta com o homem, mas naquele momento ambos pareciam prontos para se abrirem, então aproveitaria antes que a oportunidade escapasse.
percebeu que Quinton engoliu saliva com dificuldade. Talvez até para ele tenha sido uma surpresa aquela simples frase, afinal era a primeira vez que conversavam de verdade desde que a garota pousara na América.
— Certo. Mas se isso começar a atrapalhar seu desenvolvimento na escola, vou pessoalmente pedir à Amélia que a demita.
A garota prontamente concordou com a cabeça.
Ele era seu guardião legal.
Ou melhor, seu pai.
Precisava respeitar as decisões que ele tomaria.
— Tem outra coisa que preciso falar.
— Sim?
— Tomei a liberdade de pedir seus horários para a diretora e, como amanhã não tem aula extracurricular, marquei um médico para você. Desmarquei algumas reuniões para te acompanhar até a clínica.
— Médico? Por quê? — Por um momento, ficou confusa.
— Por causa de Penélope. Ela me pediu pessoalmente quando veio conversar comigo que te levasse periodicamente ao médico para fazer alguns exames. — Parecia difícil para Quinton falar o nome da mãe de , mas ela preferiu ignorar a sensação que lhe percorreu. — Para garantir que…
— Que eu não tenho câncer ou não venha a ter — A garota completou a frase do pai, o coração batendo tão forte que parecia empurrar todo líquido do seu corpo para o canal lacrimal.
— Isso — Quinton concordou baixinho.
— Tudo bem.
Eles ficaram em silêncio por um momento. debatendo em sua própria mente o quão estarrecedor aquilo parecia, afinal só tinha 17 anos e, além de sua mãe, não conhecia nenhum parente que viera a ter câncer. Mas sabia o quão preocupada Penélope sempre fora. Quando descobriu a doença, a primeira coisa que fez foi levar ao médico para testar seu sangue em diversos exames desnecessários, mas que na cabeça dela faziam sentido, para que a filha não viesse a adoecer junto.
Foram momentos turbulentos, mas não conseguia ser grata por eles terem acabado. Afinal de contas, eles levaram sua mãe embora. E se precisasse passar por cada obstáculo novamente para tê-la ali, ela o faria.
No que Quinton moveu uma das mãos para voltar a falar, percebeu que seu rosto estava molhado. Lágrimas escorreram pela bochecha de forma inconsciente e ela tratou de limpá-las depressa, tentando, inutilmente, não as deixar à vista do pai.
Mas já era tarde.
— Eu sinto muito, . — Numa demonstração rápida de carinho, o homem segurou a mão da filha sobre as suas. — Sinto tanto. — O olhar dele voltou a vagar pelo chão. — Devo tantas desculpas à sua mãe, mas principalmente a você.
Ela negou com a cabeça, usando a mão livre para se livrar das novas lágrimas que surgiam.
— Não temos como mudar o passado — ela falou, a voz saindo rouca e entrecortada.
Sua garganta doía.
— Mas eu queria esse poder.
— É muito tarde, Quinton.
Quinton cobriu a boca com a única mão disponível. Em seguida, desafrouxou a gravata. Sentia que estava sendo sufocado pela peça.
— Espero que um dia eu consiga seu perdão. Não quero forçar uma aproximação, mas você é minha filha. — Ele virou o rosto para ela novamente, o coração despedaçado ao ver seu rosto tão vermelho e de uma expressão dolorida. — Eu a amo, , tenha plena certeza disso.
— Por que só agora? - - conseguiu perguntar em um fio de voz.
— Me deixe contar essa história um outro dia? Não quero te deixar ainda mais triste e… Ainda é muito difícil reviver.
Frustração foi o que percorreu o âmago de . Achou que o pai poderia se abrir naquele momento. Já estavam tão absortos na dor, que sofrer mais um pouco não mudaria o cenário. Além de que Penélope nunca lhe contara o que realmente havia acontecido para que Quinton permanecesse longe. Entendia que a mãe tinha as próprias razões e nunca a questionou para conhecê-lo ou saber sua história.
Era a vida dela. Se ela quisesse compartilhar, já teria preparado muito antes de ficar doente.
Mas algo dizia à que Penélope queria que ela descobrisse por si só tudo o que havia passado na vida dos pais. Penélope não gostava de causar intriga ou de fazer não gostar de alguém só porque a fizera sofrer. E era a sua única certeza sobre a história. Sua mãe não queria que ela sentisse raiva do pai.
Todavia, era impossível não sentir raiva.
Sabia que, quando ela era bebê, ele estava presente, mas depois que foram para a Itália, nunca mais vira o rosto dele. Não procurou por foto, por recordações. Apenas deixou que a vida acontecesse e acreditou que, talvez, nunca mais fosse saber da existência do homem que a colocou no mundo e a sustentou mesmo de longe. Mas a vida estava adorando pregar peças na garota.
Só que também não poderia forçá-lo a falar. Assim como respeitou a mãe com a privacidade do relacionamento de ambos, mesmo achando que merecia saber a verdade, não desrespeitaria Quinton que queria esperar para lhe contar. Aguardaria até que ele se sentisse pronto para compartilhar o que quer que tivesse acontecido.
Esperava que não demorasse muito.
— Tudo bem — ela concordou, baixinho, tirando, gentilmente, sua mão de dentro da do pai para usá-las para enxugar o rosto. — Quando estiver pronto, eu gostaria de ouvir.
— Prometo que vou contar. Lhe devo isso.
— Obrigada.
Quinton aproveitou que o momento já estava desfigurado e passou a mão pelos ombros da garota, aproximando o corpo dela do seu e beijando-lhe o topo da cabeça.
— Preciso voltar ao trabalho, você vai ficar bem?
— Sim, preciso me trocar e ir para o restaurante.
— Quer uma carona?
— Pode ser. — sorriu fraco e se levantou, caminhando até o guarda-roupa.
— Estou esperando lá embaixo.
Ela observou o pai ajustar o paletó e sair do quarto. Ainda tinha um aperto no peito, um sentimento intruso de angústia. Mas preferiu engolir e deixar de lado, buscando uma roupa limpa para o trabalho. O banho ficaria para quando voltasse, até porque o cheiro de fritura era inevitável tanto no cabelo quanto na roupa.
Depois de se trocar, pegou alguns pertences importantes e desceu, pegou uma maçã na cozinha e encontrou com o pai e o motorista do lado de fora. O ar-condicionado estava fazendo seu trabalho tão perfeitamente que a garota sentiu a pele arrepiar com o choque térmico. Quinton estava em uma ligação, então o motorista seguiu viagem e o único barulho que se ouvia era a voz do prefeito vez ou outra.
Um tremor no bolso da calça tirou a atenção de da janela do carro. Era a primeira vez que via o céu nublado em Laguna Beach, mesmo assim a cidade continuava impressionando. Em sua pequena pesquisa, ela tinha descoberto que fazia pouca chuva por ali, mas sempre vinham acompanhadas do outono, então talvez seria a primeira vez que veria água caindo do céu na Califórnia.

» Finn: Oi, linda. Fiquei te esperando depois da aula, mas Babs me disse que não ficou. Está tudo bem?

Um sorriso tímido preencheu seu rosto.
Finn era tão atencioso que aquecia seu coração.

» : Fui embora depois do almoço, precisava repor matéria. Estou mais do que bem, no momento a caminho do restaurante.

Digitou a resposta e voltou a guardar o celular, estavam se aproximando do restaurante e algumas gotas de água já molhavam os vidros do carro. não era muito fã da chuva. Enquanto alguns afirmavam que ela lavava a alma, acreditava que trazia melancolia. Pessoas reclusas e ruas vazias. Era, sem dúvida, o espetáculo natural que menos gostava.
— Como você tem ido embora? — Quinton perguntou assim que guardou o celular no bolso, antes que pudesse sair depressa.
— Amélia tem me dado carona.
— Entendi. Vamos deixar combinado que Gregor venha lhe buscar? O que acha? Assim, Amélia não precisa atravessar a cidade durante a noite.
— Atravessar a cidade? Ela não mora perto de nós? — franziu o cenho.
— Bom, que eu me lembre, não. Não é tão longe, mas…
— Sim, eu entendo. E pode ser. Meu turno costuma acabar às dez.
— Entendido, Senhorita. — Foi o motorista quem respondeu.
sorriu sem mostrar os dentes e acenou antes de sair do carro e dar uma pequena corrida até a entrada do restaurante. Respirou fundo antes de entrar. A pequena descoberta sobre a carona rotineira a deixou confusa. Sabia que Amélia era uma boa pessoa e se sentia grata por ela querer garantir que chegasse segura em casa, mas sabia que o corte de gastos existia e ela não precisava fazer um caminho tão fora de rota para ajudar a garota.
Novamente, engoliu o incômodo e o ignorou. Estava voltando a se preocupar com besteiras e a forma como o outro lidava com sua existência, então simplesmente entrou no estabelecimento para fugir da chuva que engrossava a cada segundo.
— Ganhou carona do prefeito? — A voz rouca de vinda por trás fez com que a garota pulasse de susto.
— Vai assustar sua avó — ela resmungou, apoiando a mão no peito numa falha tentativa de acalmar as batidas descompassadas do seu coração.
deu uma risadinha e passou pela garota, ajeitando o cabelo molhado pela chuva. observou o casaco largo do time de futebol, as cores bordô e branco contornando o desenho de uma onda nas costas. As costas largas e que pareciam perfeitamente desenhadas conforme os músculos iam surgindo. Em um abraço daquele garoto, ela sumiria em torno de tanta massa.
Balançando a cabeça, tentou espantar aqueles pensamentos sórdidos da sua mente e focar no que acontecia ao redor. Só ela e haviam chegado ainda, o garoto provavelmente viera direto do colégio, e, muito provavelmente, Amélia já estava enfiada dentro da cozinha deixando seus ingredientes prontos e separados para a noite.
Quando fez menção de caminhar na direção do pequeno corredor que levaria para a sala onde se arrumava, parou os pés ao dar de cara com o quadro de sua mãe pendurado acima da porta dupla que dava acesso ao deque. Um sorriso brotou em seus lábios e um sentimento típico de aconchego inundou seu interior. O pôr do sol de Malibu podia trazer alegria até para dias cinzentos e chuvosos.
Um poder que só Penélope Rizzo tinha.
— Só Penny conseguia espantar esses dias chuvosos de Laguna Beach — Amélia comentou, se colocando ao lado da garota para observar o quadro, um sorriso se alargando.
— Ela fazia isso em qualquer lugar — concordou, virando o rosto rapidamente para observar a mulher. — Conversei com Quinton hoje — ela confessou.
Já haviam ganhado aquela liberdade. Todos os dias, passavam longos minutos conversando sobre Penélope e até mesmo a nova vida de Amélia, adorava ter aquele tempo com a mulher que era capaz de lhe fazer amar ainda mais a mãe. Amélia trazia tantas lembranças novas e tão vivas que se sentia em casa toda vez que estava com ela.
— E como foi? — Amélia também deixou de observar o quadro e olhou .
— Estranho — riu. — Mas foi esclarecedor ao mesmo tempo.
— Isso é bom.
— É. Ele vai me levar ao médico amanhã…
— Médico? — A mais velha franziu a testa.
— Exames periódicos. Sabe…
Ah, é claro. Importantíssimo que você se cuide desde cedo. Não que necessariamente tenha, mas caso venha a ter… — A mais nova riu com o enrosco que Amélia fez para falar aquilo, claramente sendo um assunto que ninguém gostava de tratar de forma natural. — Fico feliz que estejam melhorando a conexão — ela falou acerca de Quinton.
— Todo mundo merece uma segunda chance. — deu de ombros. — Falando nisso, você não vai mais precisar dirigir o dobro todas as noites.
— Do que está falando, querida?
— Quinton pediu para que o motorista viesse me buscar, para evitar transtornos.
— Motorista? Não sei nem porque continua trabalhando aqui — Amélia brincou, virando-se de frente para e segurando uma de suas mãos. — E não é um problema lhe deixar em casa, meu bem. Gosto de saber que está segura.
— Eu sei. Mas é uma espécie de acordo silencioso que fizemos. Ele concordou que eu continuasse trabalhando, mas quer garantir que não vai me atrapalhar em nada.
— E ele está corretíssimo. — A mulher deu um jeito de puxá-la para um abraço rápido, deixando a garota sentir seu carinho pelo toque. — Você não tem noção de como me alegra saber tudo isso. Eu sempre soube que Quinton se tornaria um ótimo pai, uma pena que esse lado dele adormeceu por tanto tempo.
apenas concordou com a cabeça. Já tinha chorado demais para aquele dia, não gastaria mais nem um pouco do seu estoque de lágrimas, principalmente naquela hora. Precisava do rosto limpo para atender os clientes sem nenhuma vergonha. Entretanto, era impossível não sentir um amargor na garganta com aquele abraço tão materno.
A semelhança entre Amélia e Penélope era tanta que a diferença física nem parecia tanta. Ambas sempre tão cuidadosas, sempre com palavras sinceras e conselhos amorosos. Era incrível como sentia confiança naquela mulher que um dia fora a melhor amiga de sua mãe, mas que conhecia há tão pouco tempo.
— Mãe, chegou entrega! — gritou de algum lugar de dentro do restaurante e fez com que ambas se afastassem em busca da voz.
A tarde já havia sido tristonha demais para um dia só, poderia jurar que, junto com a chuva, as pessoas estavam tendo vontade de se abrir para ela, de serem sinceras com seus sentimentos, só esperava que tivesse acabado por aquele dia. Não sabia quanto mais de drama aguentaria antes de cair na cama e chorar feito um bebê por todas as coisas que conseguia lembrar.
Enquanto Amélia foi para a entrada do restaurante receber as bebidas que chegavam, foi até a sala onde estava pendurado seu avental e, prontamente, o colocou no corpo. Encarou o armário que ficava ali, a porta meio aberta, como se algo estivesse prestes a cair. Caminhou até o mesmo e o abriu com cuidado, praguejando quando um livro caiu direto no chão, aberto, amassando algumas folhas.
O Grande Gatsby.
Claro.
Ela mesmo que havia deixado ali para poder entregar a depois de toda turbulência da segunda-feira e acabou esquecendo-se do pequeno detalhe. Ele também precisaria ler a obra para que o trabalho fosse feito e detestou lembrar-se daquilo. No dia seguinte, teriam mais uma aula de literatura e nem sequer havia lido uma página do livro e agora tinha certeza de que também não. Um ótimo começo para passarem a aula toda em silêncio.
Segurando o livro em mãos ela voltou para o salão do restaurante, cumprimentando seus colegas de trabalho que já estavam chegando e se organizando para iniciarem mais um turno. Amélia já tinha recebido os engradados e Gali estocava tudo no freezer.
— Isso é seu — ela falou, esticando o livro na direção do garoto assim que o encontrou parado junto à porta do deque. — Esqueceu-se de fazer o empréstimo depois que saiu com Nala.
— Obrigado — ele respondeu de forma quase ressabiada, segurando o exemplar e o guardando no bolso do avental. — Você já leu alguma coisa?
— Ainda não, tinha esquecido desse trabalho por um momento.
— Curtir a praia é muito melhor — tentou brincar, mas suas palavras saíram com um tom de ironia que não passou despercebido.
respirou fundo. No dia anterior, eles mal haviam tido tempo de falar qualquer coisa um com o outro. Depois que saiu da praia com Finn e os amigos, tomou um banho rápido nos biombos e correu para o trabalho. O restaurante não parou de receber clientes e eles não conseguiram sentar-se por nem um minuto.
O que foi ótimo, não poderia negar. Já lhe bastava os olhares esquisitos que enviava, não suportaria ter que ouvir algum comentário maldoso sobre Finn ou qualquer outra coisa.
Mas era óbvio que ele não conseguiria segurar a língua dentro da boca. Já havia sacado aquele lado do garoto. Quando algo o incomodava, ele não conseguia guardar para si por muito tempo. Só ainda não sabia se era bom ou ruim. O tipo de amizade, se é que podiam chamar assim, que tinham era recheada de altos e baixos e precisava, com todas as forças, fugir o mais rápido possível dos problemas dele.
— Se você não acha, fazer o quê. — Ela deu de ombros, sorrindo.
Jamais lidar com fogo sendo fogo.
Seja água.
Sempre.
. — Ela estava pronta para voltar a atenção ao trabalho quando falou seu nome de forma branda.
— Sim?
— Nala descobriu que você é filha do prefeito.
Ela nunca havia levado um soco no estômago, mas a sensação que teve ao ouvir aquilo foi praticamente a mesma. Alguma hora alguém ia saber daquela informação, tinha plena capacidade de entender, mas não esperava que fosse tão rápido. Odiava ser o centro das atenções e sabia que ser filha do prefeito, a garota nova, que só havia aparecido 17 anos depois, não traria paz e calmaria para sua estadia.
— Então quer dizer que além de não gostar de mim, sua namorada passa tempo me investigando. Muito bom saber disso.
— Ela me contou hoje. Eu tentei convencê-la de que se você não havia falado era porque não queria que ninguém soubesse. Mas…
— Ela não te deu ouvidos. — concordou com a cabeça e mordeu a boca. Não iria surtar naquele momento.
— Sinto muito.
— Você não tem culpa — ela disse, erguendo um pouco a voz, mas se controlou quando percebeu que Henri os olhou, preocupado.
Quando voltou a olhar para , percebeu um misto de sensações passar pelos olhos dele. Era como se ele estivesse magoado, mas ao mesmo tempo com raiva. Mas também era uma grande incógnita. Nunca saberia o que se passava dentro da cabeça dele e tentar deduzir pela forma que ele a olhava estava longe de ser a forma que a levaria a compreender.
— Nada do que ela faz é culpa sua. — A raiva começava a borbulhar dentro da garota. — Que droga, . Por que você insiste nisso?
— Nisso o quê? — O garoto ficou confuso, mas se aproximou um pouco mais de para que ela pudesse parar de falar alto. O que menos precisava no momento era que sua mãe soubesse daquilo.
O cheiro inebriante do perfume amadeirado dele fez com que a mente de ficasse obscura por alguns segundos. Tê-lo tão perto parecia sugar o ar que a ajudava a respirar e odiava aquele sentimento, porque não era para o seu corpo gostar de senti-lo tão próximo. Era para seus sentidos repudiarem aquilo assim como sua mente repudiava.
— Em namorar uma pessoa que não tem nada a ver com você — ela falou, baixo.
— Os opostos se atraem, . — Ele usou o nome dela, forçando uma coisa que nem mesmo acreditava.
— Ela faz coisas que você repudia. Duvido que esse oposto seja tão atraente assim.
No fundo, se perguntava por que toda vez que eles interagiam alguma coisa saia do controle. Parecia que uma energia fazia com que eles trocassem farpas sem se importarem com a forma que atingiriam o outro e não sabia até quando aquilo seria bom para o convívio no trabalho.
A fala da garota acertou em cheio, afinal ele ficou sem palavras e o olhar que lançou para fez uma corrente de arrepios atravessar toda sua coluna.
— Por que se importa tanto com isso? — ele murmurou, não desviando seus olhos.
— Não me importo, você faz o que quiser da sua vida, mas suas ações não batem com suas crenças. — precisou de muita coragem para falar daquela forma, além de uma força descomunal para se afastar do garoto e daquele cheiro delicioso. — Espero que tudo o que faz não tenha a ver com o pai dela.
engoliu a saliva de forma dificultosa, mas não falou mais nada, apenas observou minuciosa e silenciosamente.
— E faça a contenção de danos. Eu não vou ser a garota bobinha que fica quieta enquanto é atacada.
Era aquilo. Estava decidida. Se Nala queria provocá-la ao limite, agiria de forma superior, mas antes garantiria que sua água seria sólida para desestabilizá-la antes de voltar a ser sua forma líquida e suave. Só fazia uma semana e sua cabeça já estava a mil com todo aquele tratamento vindo de Nala e seu ciúmes excessivo, não permaneceria quieta quando ela fizesse todos saberem sobre a vida pessoal dela.
Era um problema saberem a paternidade do prefeito sobre ? Não. Mas seria um tormento quando quisessem saber ainda mais sobre sua mãe, sobre o fato de ela só estar ali depois de todos aqueles anos… Sabia que muitas perguntas surgiriam e ainda mais críticas. Não queria a enxurrada de dúvidas e muito menos os olhares de estranhamento que os alunos do colégio lançariam para ela no dia seguinte.
Saiu de perto de e se posicionou próximo ao balcão de bebidas, respirando lentamente para acalmar o coração que nem havia percebido estar disparado. Uma ansiedade crescente subia pelo seu peito e emitia formigamento por seus braços. Só precisava praticar o exercício de respiração, mas conforme ia pensando no dia que viria assim que acordasse amanhã, sentia que era impossível se acalmar.
Sua página em branco para Laguna Beach estava começando a se tornar sua verdadeira história. Não estava pronta para contá-la ao mundo.
— Tudo bem, tesoro? — Henri aproveitou que nenhum cliente havia dado as caras ainda e se posicionou ao lado de .
Foi inevitável a garota não sorrir com o apelido. Ele havia aprendido aquela palavra quando descobrira que ela havia crescido falando em italiano, e ela achava uma graça como ele conseguia imitar perfeitamente o sotaque.
— Vai ficar. — Foi o que disse, abrindo e fechando as mãos atrás do corpo para espantar o pequeno ataque de pânico.
— Parecia que faíscas estavam explodindo ao redor de vocês. — O comentário foi em um tom amigável e, mesmo que Madelina tivesse rido, algo a incomodou lá no fundo.
— Nossa convivência é complicada.
— Tome cuidado, tesoro, quando as coisas são assim, o ódio vira algo bem diferente. — Henri piscou um dos olhos e se afastou para atender o primeiro cliente que se sentou no restaurante.
precisou engolir em seco. Não precisou pensar muito para entender o que Henri havia falado, mas repudiou cada imaginação que seu cérebro processou com aquilo. era um babaca, todos os dias agia como um estúpido e fingia que os problemas eram só seus, seu coração não seria idiota o suficiente para achar que era atraente ou que era promissor ter sentimentos por ele.
Era só o que faltava.


Capítulo 09

O sol voltou a brilhar lindamente, fingindo que nada havia acontecido no dia anterior e que uma chuva promissora de outono não tinha deixado a maioria das pessoas enfurnada em casa, não levando quase nenhum cliente para o restaurante. Foi uma noite difícil de engolir, e ter enviando olhares enigmáticos o tempo inteiro fez com que ficasse cada vez mais irritada em continuar dividindo o mesmo espaço que ele.
E mesmo que estivesse no caminho da escola pensando que poderia transformar aquele lindo dia em algo bom, uma pequena mosca soprou em seu ouvido que, muito provavelmente, toda a escola já sabia do seu pequeno mistério e chegar de carro com Gregor só confirmaria as suspeitas de todos. Mas que grande merda, era a única coisa que passava em seu cérebro naquele momento.
Com toda sua força de vontade reunida, respirou fundo e ergueu a cabeça para caminhar com tranquilidade pela entrada da escola. Olhares curiosos já examinavam o carro que se afastava depressa, um pedido carinhoso da garota para o motorista, mas ela estava se esforçando para ignorar, assim como os cochichos que se seguiam logo após sua passagem.
O perfeito filme americano.
Será que era sobre isso que sua mãe tanto falava quando mencionava os sonhos californianos? Porque, se sim, já odiava.
Mesmo ouvindo as perguntas indiscretas que os alunos faziam um ao outro quando a viam, engolia cada resposta atravessada que gostaria de dar. Não poderia transformar aquilo em um inferno, já bastava todos os problemas que sua mente enfrentava, não queria dar o gosto de vitória para Nala e muito menos estender detalhes da sua vida pessoal para curiosos fofoqueiros.
Agradeceu quando se aproximou do armário e pôde virar de costas para as pessoas. Guardou sua mochila com calma e, da mesma forma, retirou os materiais que usaria no primeiro horário. Assim que soasse o sinal, teria uma prova de matemática, e as distrações não estavam em seu checklist de matéria para estudar.
— Bom dia, . — Sophie surgiu ao seu lado, em sua beleza estonteante costumeira.
não poderia reclamar da genética do seu cabelo que recebeu da mãe, afinal ele era mesmo sedoso e brilhoso por sua natureza, mas Sophie tinha uma incrível capacidade de manter os fios sempre tão perfeitos que, mesmo que parecesse que ela levasse horas para deixá-lo daquela forma, algo também dizia que a garota apenas acordava exatamente daquele jeito.
— Bom dia, Soph. — sorriu para a colega, mas sem mostrar os dentes, ainda não havia adquirido paciência o suficiente para isso.
— É verdade o que estão falando? — ela perguntou, sem delongas, mordendo o lábio inferior.
suspirou.
— Sim.
— Parece que é algo que você não gostaria que soubessem…
— É uma história muito complicada.
! — Kadence apareceu como um vulto na frente de , cortando o que ela pensava em continuar falando. — Eu juro, por tudo o que é mais sagrado nesse mundo, que eu não abri minha boca em momento algum!
piscou algumas vezes, tentando se acostumar com a forma como Kadence chegou a ela e falou tudo sem parar e respirar.
— Kadence, tudo bem, eu sei que não foi você.
— Eu achei que havia falado sem querer para alguém, mas eu revisei tudo o que fiz nos últimos dias e tenho certeza de que não soltei nada, nenhuma palavra.
— Relaxa. — usou a mão livre, que não segurava cadernos e anotações, para apoiar no ombro de Kadence. — Eu sei quem foi, e não foi você.
Kadence finalmente parou para respirar e se acalmar, concordando freneticamente com a cabeça. Por um momento, sentiu que na verdade tudo o que já havia pensando sobre a garota ruiva pudera estar errado. Ela parecia tão preocupada em garantir que não havia soltado a bomba para outras pessoas que transmitia sinceridade, e isso, de alguma forma, aliviava o coração traumatizado de .
— Você sabe quem foi? — Sophie questionou, deixando de rir do desespero de Kadence para tornar sua feição preocupada. — Não me diga que…
— Exatamente quem você está pensando.
— Eu sinto muito. — Os ombros de Sophie caíram involuntariamente, como se estivesse recebendo a notícia de forma muito dolorosa.
— Soph, você é a pessoa que menos tem culpa sobre isso.
— Aposto que ela só quer extorquir a grana dos — um aluno passou por trás delas, falando propositalmente alto.
Com um revirar de olhos, empurrou a porta do armário com força, garantindo que todo ar necessário continuaria chegando ao seu pulmão ou ela poderia surtar a qualquer momento.
— Vai se foder! — Kadence gritou, mandando o dedo do meio para o garoto.
— Quer dar o fora? — Sophie perguntou, indicando o estacionamento com a cabeça.
— Não dá, tenho prova no primeiro horário — falou, quase em um lamento.
— Droga.
— Tudo bem, vou lidar com isso. Alguma hora eles serão obrigados a deixar isso de lado.
— Olha, não quero te desmotivar, nem nada do tipo — Kadence falou, olhando para os lados e garantindo que mais ninguém faria algum comentário maldoso com seus olhares raivosos. — Mas é bem difícil uma fofoca tão grande morrer tão cedo por aqui.
— Então eu vou superar e fingir que não estão falando comigo. — deu de ombros, tentando acreditar no que falava.
O sinal anunciou o início das aulas e as garotas bufaram juntas. Kadence se despediu rapidamente, afinal odiava chegar atrasada em dia de prova, mas precisou de mais alguns segundos para se recompor e decidir de que forma agiria a partir daquele momento.
, o segundo horário é literatura para todas as turmas, me encontra na biblioteca — Sophie pediu. — Nos escondemos por um tempo para você poder pensar no que fazer.
— Certo — ela concordou com a cabeça. — Obrigada, Soph.
A menina sorriu e seguiu rumo à sala de aula. E era aquilo que faria naquele momento, fingiria que estava tudo bem, que ninguém estava realmente comentando sobre sua vida, e seguiria para a prova de matemática. Precisava reunir seus neurônios para se concentrar nas questões exatas e não nas fofocas que começavam a criar a sua volta.
E foi o que aconteceu.
Quando chegou à sala de aula, o professor já havia iniciado a chamada. apenas se acomodou na carteira que restou e aguardou até que ele entregasse as provas em branco. Concentrou-se em cada questão como se dependesse daquilo, levando mais tempo que o normal para concluir cada uma delas. Pelo menos daquela forma conseguia escapar um pouco dos olhares curiosos e focar sua mente em resolver equações.
Levou tanto tempo para responder todas as perguntas que, quando finalizou a última, só restava ela em sala. Antes de recolher o material, se levantou e entregou a prova para o professor, em seguida voltou para sua mesa e guardou os lápis e canetas que havia utilizado.
Se sentia mais calma depois de receber um banho de matemática.
— o professor lhe chamou assim que notou que a garota estava abrindo a porta para sair.
— Sim, senhor? — Ela voltou alguns passos para trás e notou que ele analisava sua prova minuciosamente.
O coração da garota começou a palpitar de forma incoerente.
Será que toda a merda jogada no ventilador fez com que sua mente virasse gelatina e ela havia errado todas as questões da prova? Céus, se fosse aquilo, não saberia o que fazer.
— Você já ouviu falar dos matletas da escola?
— Não. O que eles fazem?
— São competidores em olimpíadas de matemática e física. Acontece internamente entre os colégios do Estado — o professor explicou, largando a prova sobre a mesa e se levantando. — Gostaria de te fazer um convite para assistir nossos treinos algum dia. Se estiver interessada.
— É… Mas o Senhor só olhou minha prova por cima e está me convidando para esse grupo? — ela ficou confusa com a intenção do homem.
— Bom, eu posso garantir que você foi a única que tirou dez nessa turma. Então não posso perder um prodígio tão fácil. Um dos nossos competidores se formou na última turma e nossa equipe está desfalcada. Seria interessante se você quisesse participar.
— Dez? — arregalou os olhos, obtendo um aceno rápido do homem em sua frente. — Uau, eu… Obrigada, eu acho.
O professor riu.
— Pense sobre isso, tudo bem? Nossas reuniões são todas as quintas-feiras, depois do almoço, no auditório.
— Vou pensar, pode deixar. Obrigada, novamente!
O homem apenas concordou com a cabeça, um sorriso amigável ainda em sua face. então saiu da sala, contendo a vontade de gritar de empolgação. Não pelo convite para os matletas, mas pelo dez! Havia valido a pena concentrar-se tão metodicamente durante a prova. E essa questão de competição não era algo que enchia seus olhos.
nunca fora uma boa competidora.
Odiava aquela tensão que criavam para descobrirem quem era melhor em algo.
Então, infelizmente, ignoraria o convite do professor, guardaria apenas a informação que havia sido uma extrema surpresa, sua nota.
O corredor permanecia em silêncio, o sinal ainda não anunciado o fim da primeira aula, mas já seguia na direção da biblioteca, quanto menos a vissem, menos comentariam. Nem se preocupou em pegar O Grande Gatsby para ler durante a aula de literatura, não tinha cabeça para aquilo no momento e agradecia imensamente à Sophie ter percebido, porque sabia que poderia dar uma pequena desabafada com a garota sobre seus sentimentos.
Estava começando a confiar nela.
Esperava que fosse bom.
? — a garota ouviu a voz de Finn e se virou, dando de cara com o garoto saindo do banheiro.
— Oi — ela sorriu, parando de caminhar para esperar que ele se aproximasse.
Vê-lo entregou um pouco de conforto para o seu coração. Finn estava com o cabelo penteado para trás naquele dia, a camisa do time acompanhava uma bermuda bege e seu tênis parecia tão branco quanto seus dentes. o achava incrivelmente bonito e não conseguia entender, ainda, como ele havia se interessado por ela.
— Tudo bem? — ele perguntou, observando o rosto da garota atentamente.
mordeu o lábio inferior.
— Indo… Pode perguntar — ela foi sincera, sabia que Finn queria saber.
— Desculpe, foi impossível não ouvir sobre você hoje. Quer conversar?
— Estou indo para a biblioteca esperar por Sophie, se quiser nos acompanhar, assim não preciso repetir a história.
— Vamos lá então. — Ele rodeou os ombros de com um dos braços e depositou um beijo carinhoso no topo da cabeça dela.
Ambos caminharam na direção da biblioteca e atraíram alguns olhares após o sinal tocar indicando o fim da primeira aula. Era praxe os alunos trocarem de sala, então foi impossível evitar mais um pouco de comentários desagradáveis. Vejamos só, a garota nova, filha do prefeito, abraçada com um dos garotos populares do último ano… A vida ia de vento em popa para .
Mesmo que todas as classes do último ano tivessem literatura naquele período, nem todos iam até a biblioteca para estudar ou ler. Na verdade, eram poucos os que iam. A grande maioria aproveitava para cabular a aula e perambular pelo colégio fingindo que discutiam sobre o projeto de Fitzgerald.
— Bom dia, Verônica — Finn cumprimentou a bibliotecária animadamente, se apoiando no balcão. — O que acha de me emprestar a chave da salinha de estudos? Precisamos falar sobre nosso projeto de literatura… Sabe, não é?
Ele parecia tão cativante que prendeu um riso na garganta. Era como se usasse do charme natural para agradar a mulher atrás do computador.
— Senhor Gunner, você acompanhado de uma garota acha mesmo que eu acredito que quer estudar? — Veronica ergueu uma de suas sobrancelhas grossas, a feição séria.
— O que mais eu faria? — ele fingiu-se ofendido.
— Sua reputação anda ruim até com a Verônica, cara. — Cameron surgiu atrás deles, batendo no ombro de Finn em um lamento. — Eu e Sophie vamos acompanhar eles, Verônica, pode ficar tranquila.
— Não é como se eu confiasse muito em você também, Senhor Ferrari. — O olhar agora fora desviado para Cameron e acabou soltando um riso anasalado que fora impossível segurar.
— Qual é, acha mesmo que eu gosto de orgias? — Finn permaneceu com um tom ofendido.
gostaria de saber como eles conseguiam manter um personagem por tanto tempo. Só de ouvir já sentia vontade de gargalhar e a forma como a bibliotecária reagia a tudo era tão cômica que já melhorara o dia da garota em cem por cento.
— Sumam — ela praguejou, estendendo a chave da tal sala de estudos e voltando a olhar concentrada para o próprio computador.
— Ela ainda vai reclamar de vocês para a diretora, anotem — Sophie falou ao chegar próximo dos três, caminhando junto com eles para a sala, a qual ficava afastada de todas as estantes de livros e mesas de estudos.
— Ela nos ama, jamais faria isso — Cameron garantiu, fingindo jogar cabelo para trás dos ombros.
— Eu adoraria ter a auto estima de vocês, juro — comentou, largando as próprias coisas sobre a mesa que tinha ali.
— Por que estamos aqui, afinal? — Cameron perguntou, se jogando em uma das poltronas, batendo na própria coxa para que Sophie se sentasse em seu colo.
— Eu e combinamos de conversar aqui durante a aula de literatura, você só está de intrometido mesmo. — A garota deu de ombros, fazendo o que ele pedira e se aconchegando sobre suas pernas.
Finn trancou a porta para que não recebessem visitas indesejadas e seguiu até o sofá duplo que estava encostado na parede. então fez o mesmo e se sentou de pernas cruzadas sobre o móvel, próxima o suficiente de Finn para que suas pernas se encostassem, mas sem que ficassem tão íntimos quanto Cameron e Sophie.
— É sobre o que estão comentando? — Cam questionou de forma branda, fazendo com que todos olhassem para .
— É — ela concordou.
— Você quer mesmo falar sobre isso? — Finn perguntou, levando uma mão até a coxa da garota e apertando levemente o local, como se dissesse que estava ali por ela.
— Na verdade eu não vejo problema em falar, só não gostei da forma que foi exposto.
— Foi Nala quem espalhou — Sophie contou aos garotos, não tirando o olho de .
— Garota inconveniente — Cameron murmurou, recebendo um beliscão da namorada.
— Ela está tentando se defender — relutou contra o próprio orgulho para falar aquilo, mas sabia que no fundo era a verdade.
— Se defender do quê? — Finn parecia indignado. — Era algo pessoal seu, se não quisesse que as pessoas soubessem, era para continuar em segredo.
— Olha, Nala tem ciúmes dos amigos. Esse é um meio dela me mostrar isso.
— Um meio extremamente ignorante — Sophie quem falou. — Ela é minha melhor amiga, mas não precisava desse circo todo para te mostrar que tem ciúmes da gente.
— Concordo — continuou. — E estou com raiva dela no momento, até mesmo ameacei revidar quando me contou ontem, mas eu não sou essa pessoa. Se ela acha que está jogando algo comigo, vai continuar sozinha nesse barco. Não era algo que eu queria que as pessoas soubessem agora, realmente, mas talvez ela tenha facilitado minha vida e eu não precise me explicar.
— Se você quiser, podemos tentar conversar com ela — Cam sugeriu, obtendo o aceno positivo de Finn e Sophie.
— Não precisa. Não quero causar problemas para o .
— O que ele tem a ver? — Finn pareceu ficar com ciúmes em sua fala, mas preferiu acreditar que era coisa de sua cabeça.
— Foi ele que me disse que ela havia descoberto que sou filha do prefeito, ou seja, se ela souber que eu sei, é óbvio que vai ligar os pontos e culpá-lo de me contar, afinal trabalhamos juntos todos os dias.
— Você tem razão — Sophie concordou.
— Mas vamos deixar Nala de lado. O estrago já foi feito. — deu de ombros, encostando as costas no sofá e olhando para o teto por alguns segundos. — Eu realmente sou filha do prefeito e não temos como mudar isso.
Ninguém na sala sabia o que falar sobre a informação. Estavam todos receosos com o tipo de pergunta que gostariam de fazer, por isso preferiram se manter em silêncio, deixando com que se sentisse pronta para confessar o que estava sentindo e passando nos últimos dias.
— História resumida: minha mãe morou em Laguna Beach quando mais nova e viveu um lindo romance com Quinton , mas algo, que eu ainda não sei, fez com que eles não pudessem ficar juntos, entretanto, todavia, porém, ela engravidou de mim e se mandou para a Itália quando eu tinha poucos meses. E eu nunca havia tido contato com meu pai… até agora.
— Por quê? — Finn perguntou baixo, voltando a apertar sua mão na coxa da garota.
— Não sei. Quinton está para me contar a verdadeira história, mas enquanto isso eu imagino que minha mãe tinha uma raiva muito grande dele para deixar com que se aproximasse.
— Tinha…? — Sophie foi delicada ao citar a palavra que a garota usara, engolindo a saliva com dificuldade.
respirou fundo e voltou a olhar os colegas.
— Ela faleceu há dois meses. Câncer no esôfago. Por isso estou aqui. — A vontade de chorar inundou o peito de , mas ela aguentou firme para que nenhuma lágrima viesse a cair. — Quinton é meu único parente.
— Sinto muito — todos falaram de alguma forma, e apenas concordou com a cabeça.
— Eu só não me sentia pronta para que todos soubessem, porque… nem eu consigo lidar muito bem com a situação ainda.
Era um alívio poder falar sobre aquilo. sentia que todo o peso que carregava desde que desembarcara na Califórnia saía aos poucos de suas costas a cada palavra que deixava sair de sua boca. Não sabia, porém, se poderia mesmo confiar neles, mas já que estava ali e eles pareciam tão dispostos a ouvir, deixou rolar e confessou sua verdade.
— Não deve ser fácil lidar com tanta coisa ao mesmo tempo — Sophie falou e negou. — Mas que bom que desabafou com a gente, aposto que tem guardado muito mais coisa aí.
— Tem sim, mas um drama por vez, por favor — brincou, espantando a atmosfera triste que havia trazido para dentro da sala. — E também, é bom falar a verdade para alguém, está horrível as deduções cabulosas das pessoas pelos corredores.
— Eu quase acreditei que você estava extorquindo o prefeito! — Cameron brincou, fazendo com que todos rissem.
sorriu verdadeiramente. O real motivo de estar ali já estava no ouvido deles, ficava feliz que estavam se esforçando para quebrar o clima ruim e deixá-la confortável na devida situação.
— O prefeito está em um momento complicado tentando aproximação com uma filha que não via há 17 anos, sem tempo para extorqui-lo.
— Mas vamos ser sinceros, podemos? — Finn perguntou, puxando para se aconchegar em seu abraço e obteve um aceno positivo da garota enquanto ela se ajeitava para deitar a cabeça no peito dele. - Por que você trabalha no restaurante da mãe do se… bom, se é filha do prefeito?
— Ótima dúvida, cara — Cameron colocou, fingindo seriedade, e fez todos rirem novamente.
Cameron era um ótimo quebrador de melancolias.
— Eu sempre trabalhei com minha mãe na Itália, tínhamos aluguéis de stand up e fazíamos freelancer em uma galeria de artes, então meio que fui criada para correr atrás do meu próprio dinheiro — contou, confortável o suficiente para falar sobre suas particularidades. — E mesmo que meu pai tenha dinheiro, é o dinheiro dele. Ele fez o papel dele pagando pensão enquanto eu morava fora, mas não tem obrigação de me dar uma mesada ou algo parecido.
— Caramba, garota, você é mais evoluída que a grande maioria desse colégio — Cameron falou e todos concordaram prontamente.
— Obrigada, eu acho.
— Escuta, espero que agora saiba que pode contar com a gente. Ignorando o fato de que Nala ainda vai ter ciúmes, estaremos aqui para o que você precisar — Sophie confessou, saindo do colo do namorado para ir se sentar ao lado de e Finn. — Me apeguei a você, então Finn, trate de não magoá-la.
— Sim, Senhora! — Finn levou uma mão à testa e riu para a garota.
sorriu para Sophie.
— Obrigada. É ótimo saber isso. E, Sophie… não se culpe pelas coisas que Nala faz, você é uma ótima amiga.
Sophie concordou, sorrindo, e se levantou novamente.
— Bom, agora eu tenho outros planos, se não se importam. — A garota andou até Cameron e o puxou pela mão. — Duas aulas livres de literatura, me perdoem, mas vou roubar meu namorado e vamos estar por aí.
Cameron sorriu abestalhado e seguiu Sophie para fora da sala, acenando repetidas vezes para e Finn, que riam alegremente.
, além de sentir-se mais leve, começava a se sentir em casa. Achava incrível a forma como estava se dando bem com aquelas pessoas e como achou seguro se abrir com eles. Não entendia como, mas sabia que a conversa havia morrido ali, ninguém levaria o assunto para outras rodinhas de fofoca e aquilo confortava sua mente de forma absurda. Além do mais, estar tão confortável com Finn ali, abraçando-a com um dos seus braços, parecia tão seguro que chegava a assustar a garota.
— Você acha errado eu entender o lado da Nala nessa situação? — perguntou, virando o rosto para encarar os olhos metálicos de Finn.
— Não. Mas isso diz mais sobre você do que sobre ela.
— Como assim? — A garota endireitou a postura, saindo do conforto dos braços dele para sentar-se de frente e ainda mais próximo.
— Não importa os problemas que Nala tem dentro da própria cabeça, afinal você também tem suas próprias merdas. Importa como escolhem agir com isso. Você prefere ficar na sua, já ela… — Finn deu de ombros.
— Prefiro sempre acreditar que as pessoas têm um lado bom, que são movidas pelo impulso ao invés da vingança.
— Você é boa demais para ser verdade, — o garoto baixou o tom, mudando de posição para que conseguisse ficar de frente para , com ela encaixada no meio de suas pernas.
— Sou cheia de defeitos, como qualquer outro ser humano — ela também falou de forma baixa, olhando atentamente para os olhos de Finn, deixando com que seus rostos se aproximassem o suficiente.
— Eles ficam minúsculos perto da grandeza dos seus atos — Finn murmurou, finalmente juntando seus lábios em um selinho demorado.
— Quanta palavra bonita — murmurou contra Finn, sorrindo antes de segurar firmemente em sua nuca e aprofundar o beijo.
Finn agarrou a cintura da garota, não conseguindo evitar a vontade de ficar ainda mais próximo dela enquanto a beijava. , por sua vez, deixou com que todas as sensações que seu corpo sentia quando beijava Finn a atravessassem com força. Estavam sozinhos ali naquela sala, ninguém os olhava de forma acusadora e, muito menos, observadora. Era um silêncio profundo e um desejo absurdo de se amassarem até a hora do almoço.
O arrepio era involuntário, o corpo inteiro reagia aos toques carinhosos de Finn enquanto seus dedos acariciavam a pequena parte de pele exposta de graças ao cropped que usava. Suas línguas se misturavam de forma tão natural que poderiam jurar que faziam aquilo a mais tempo do que verdadeiramente era.
Foram longos minutos que ficaram daquela forma, vez ou outra parando para respirar ou para trocarem a posição que estavam. Quando o sinal tocou, anunciando o final daquele período, eles pouco se importaram em sair da sala e voltarem para suas aulas, apenas se separaram por um período maior, captando todo ar necessário para encher os pulmões e voltarem ao que estavam fazendo.
— Vai ser muito ruim se eu me acostumar com isso — Finn falou, aconchegando-se com as costas no sofá e puxando para seu peito, deitados.
— Por quê?
— Porque vou querer faltar aula todo dia e ficar aqui com você.
riu.
— Meu lado nerd não deixará isso acontecer. Só não estou indo para a aula de física agora mesmo porque estou odiando a atenção que estão me dando.
— Achei que era porque meu beijo era bom — Finn fingiu uma voz triste.
— Isso também — a garota riu novamente, virando o rosto para olhá-lo. — Seu beijo é ótimo.
— Meu ego agradece — ele brincou, elevando a cabeça para alcançar os lábios de .
A porta da sala se abriu de forma lenta e, graças a visão periférica do sofá, ambos conseguiram perceber quando alguém começou a entrar no local e se ergueram rapidamente, sentando-se lado a lado como se fingissem que nada estava acontecendo, mesmo sabendo que a pessoa que entrava já poderia ter captado a situação. E quando perceberam quem era, não conseguiu evitar o revirar de olhos e o estranho pesar na barriga, como se seus intestinos se contorcessem dentro de si.
— Atrapalho? — perguntou, segurando a maçaneta da porta e olhando de para Finn algumas vezes.
— Depende, o que você quer? — a garota não conseguiu evitar o tom hostil.
Era óbvio que havia atrapalhado. também sabia daquilo, mas como se ignorasse , ele fechou a porta e caminhou tranquilamente até a poltrona, sentando-se e apoiando os cotovelos sobre os joelhos, olhando para o chão por bastante tempo antes de voltar os olhos ao casal em sua frente.
— Finn, será que você se importa em nos deixar a sós? — ele perguntou.
— Não, eu… — Finn ameaçou se levantar, mas colocou uma mão em sua coxa, fazendo-o parar no mesmo segundo.
— Ele pode ouvir o que você tem a dizer.
.

Ambos falaram ao mesmo tempo.
A mente da garota voltou ao dia em que aquilo havia acontecido no estacionamento da escola. Ela embaralhou-se da última vez, ficou confusa em quem deveria escolher para se aproximar, mas parecia que naquele momento ela tinha certeza da decisão a tomar, algo que, ultimamente, parecia bem difícil.
No que parecia prestes a gritar com ela por não ficarem sozinhos, Finn aparentava estar contente por não precisar sair dali e abandonar “sua garota” com seu melhor amigo.
— Não tenho nada a esconder de ninguém, então não vejo problemas em Finn ficar. Fim de história. O que você quer falar? — ela se direcionou a , prestando atenção nos sinais que ele emitia e em como parecia desconfortável com a decisão dela.
— Sobre o que está acontecendo — ele se deu por vencido.
— No fato de sua namorada ter dado um jeito de espalhar para a escola a verdade sobre minha vinda à Laguna Beach, entendi — concordou com a cabeça, claramente debochando da própria desgraça.
— Segundo Nala, ela contou para Cedric e foi ele quem espalhou por aí.
— É sério? — a garota tentou ficar séria, mas soltar uma risada foi inevitável. — E ela te convenceu com isso?
— Como assim? Você tem certeza que isso não aconteceu? — ergueu uma sobrancelha, a feição tão dura quanto era possível.
— Cedric sabe a verdade desde sábado. Se ele realmente tivesse espalhado isso, todo mundo saberia muito antes de hoje. Então, sinto muito, , mas ela está te enganando.
O silêncio recaiu sobre a sala e Finn levou a mão até a de , entrelaçando seus dedos suavemente, afinal percebera como a respiração dela estava acelerada. E abriu um pequeno sorriso para o garoto, agradecendo de forma muda, já que não conseguiria tirar a mente do problema maior para ser gentil com ele naquele momento. Era mais forte do que qualquer outra decisão, seu corpo respondia ao nervosismo quase que automaticamente.
— Ok, eu esperava outra coisa dessa conversa — foi sincero, respirando fundo e encarando as mãos dadas de e Finn descaradamente.
— Se você está preocupado que eu faça algo contra Nala, pode ficar tranquilo. O que eu falei ontem foi no calor da raiva, mas não sou essa pessoa, não vou me vingar ou qualquer coisa parecida — falou, também respirando fundo, começando a permitir que seu corpo relaxasse, porque percebera como o garoto baixara a guarda.
— Eu não estava preocupado com isso — a resposta veio rápido, assim como a forma que se ergueu da poltrona. — Só… deixa para lá. Desculpe por atrapalhar.
franziu o cenho e observou atentamente enquanto o garoto se afastava para a saída da sala e fechava a porta com um cuidado não tão delicado. Ainda não tivera dias de conversas normais com , mas aquela estava classificada em primeiro lugar como a mais esquisita. Ainda não havia entendido se ele tinha ido até ali para contar o que Nala inventou para ele ou se alguma intenção estava escondida naquele ato.
Mas precisava mandar embora qualquer pensamento intrusivo sobre , não fazia bem para si continuar naquela constante dúvida se eles eram mesmo amigos ou jamais conseguiriam atingir um nível maior do que estavam. E não era um nível bom. Ao mesmo tempo que queria que ele voltasse para falar o que quer que ficou subentendido, ela também queria que sumisse e nunca mais aparecesse na sua frente.
E quanto ódio tinha da sua própria mente.
Um parque de diversão de confusões e sentimentos delirantes.
— Não entendo como não enxerga a verdade — Finn comentou, chamando a atenção de .
— O quê? Que verdade? — ela questionou, atrapalhada nas palavras dele.
— Ele tenta defender a Nala mesmo tendo plena noção do quão errada ela está.
— Mas ele não veio defender ela — falou tão convicta que soou estranho até para o próprio conhecimento. — Quer dizer, não acho que tenha feito isso — se apressou em corrigir. — Pareceu mais que ele precisava acreditar no que ela dissera e tentou afirmar as palavras dela para garantir isso, mas não deu certo.
Finn não respondeu nada, apenas concordou com a cabeça e continuou observando . A pulga atrás da orelha pulsante.


Capítulo 10

A quinta-feira foi regida por muita paciência para . Depois de passar as aulas antes do intervalo trancada com Finn na sala de estudos da biblioteca, a garota voltou para o restante de matérias com um pouco mais de bom humor. E como combinado, logo após o almoço, o carro blindado e protegido por película escura a buscou na escola e a levou direto para a clínica onde Quinton já a esperava.
O médico foi tão atencioso que tinha certeza de que a presença do prefeito afetava isso, mas preferiu não dar bola para aquele pequeno detalhe, sua vida já estava tão bagunçada, assim como sua mente, que quesitos inúteis não se tornariam um tormento. Pelo menos não por mais alguns dias. Precisava deixar sua mente livre de pensamentos intrusivos.
Levaram quase a tarde toda dentro do consultório, repassando todo o histórico médico de , buscando pelos médicos que atendiam ela e a mãe na Itália e recebendo requisições de exames. Quando saíram de lá, o motorista a deixou direto no restaurante, e a noite foi movimentada. Naquela noite, Gali não conseguiu ir para o trabalho, então passou todo o turno no caixa, cobrando os clientes e dando entrada em alguns produtos que precisavam ser realocados no estoque.
No fundo, ela agradeceu imensamente por Gali não ir. Evitou o máximo que pôde, mesmo que seu coração se apertasse sempre que ele passasse para deixar a gorjeta que recebia na gaveta específica para aquilo, justamente com ela. Era inevitável não se sentir mal pela forma que o tratou naquela manhã, e se repudiava sozinha pelo ato, mas também não sabia como iniciar uma conversa pacífica com ele, então preferiu ficar quieta e se resguardar para uma melhor ocasião.
Na sexta-feira, por pedidos de Quinton, faltou às aulas. Foi acompanhada do pai na bateria de exames que precisava realizar, como ultrassom, tomografia, hemograma e mais algumas amostras que o laboratório colheu. A conversa entre eles estava fluindo muito melhor do que poderia imaginar há alguns dias atrás. No almoço, eles se encontraram com Yanka em um restaurante mais reservado, onde puderam comer sem serem incomodados por fotos e eleitores assíduos.
— Eu estive pensando, estou com a tarde livre, o que acha de irmos comprar algumas decorações para o seu quarto? — a mulher ofereceu, obtendo um sorriso sincero de Quinton.
— Claro, por que não? — concordou com a cabeça, sorrindo de forma contida.
Ainda não tinha uma opinião formada de Yanka, mas agradecia imensamente por ela não ser aquele tipo de pessoa que pede para ser chamada de mãe. Repudiaria receber aquela proposta e fugiria de casa. Mas Yanka parecia disposta o suficiente em criar um ambiente confortável para que Quinton e se relacionassem da melhor forma naquela enorme novidade chamada pai e filha.
Após almoçarem, Quinton seguiu para o carro com o motorista, enquanto e Yanka foram até o carro da mais velha, um conversível que nem parecia digno de primeira dama, mas sim de uma grande apostadora de rachas.
— Então, como você gosta de decorar? Qual o seu estilo? — Yanka perguntou, ligando o carro e dando partida nas ruas ensolaradas com a capota aberta.
— Acho que gosto de coisas básicas, que não chamem tanto a atenção, sabe?
— Sei sim, tenho a loja perfeita para isso.
sorriu e deixou o vento soprar seu rosto e seu cabelo como se levasse embora qualquer contratempo que pudesse atrapalhar seus pensamentos. Era um novo dia, uma nova chance de fazer as coisas darem certo e estava disposta a pensar daquela forma pelo resto de sua vida.
Se Penélope estivesse viva, falaria aquilo para . Que ela deveria levar a vida menos a sério, que os problemas sempre seriam problemas e que ninguém deveria correr para ajustá-los. A vida se encarregaria de mantê-los solucionados. Ela lembrava-se bem de como a mulher sempre estava serena nas torturantes sessões de quimioterapia, lembrava-se de como ficava aflita quando a mãe passava mal, mas também tinha suas palavras cravadas na mente: o processo de cura é doloroso, filha, mas é só mais um problema que a vida vai tratar de resolver.
Como ela queria que fosse verdade.
O celular de tremeu no bolso de trás da saia jeans e ela tratou de puxar o aparelho, espantando aquelas memórias tão marcantes e afiadas.

» Sophie: Oiiii, Finn me passou seu número, espero que não se importe. Está tudo bem? Não vi você na aula e Sadie me disse que não está no francês também, estou preocupada. Me dê notícias.

sentiu um conforto absurdo no peito ao ler a mensagem da garota. Talvez a pessoa que ela menos acreditou que poderia ser sua amiga naquele lugar era a única que se importava com ela. Ficou feliz por aquilo.

» : Oi, Soph, estava fazendo uma bateria de exames que o médico pediu, por causa daquilo, sabe… Enfim, está tudo bem!

O carro de Yanka estacionou assim que apertou enviar na tela do celular. Quando ela olhou onde haviam parado, deu de cara com uma loja que parecia caríssima só para respirar no interior. Tentou não demonstrar incômodo quando Yanka saiu confiante do carro e aguardou até que ela também saísse para poderem entrar, mas era quase impossível colocar uma expressão tranquila no rosto.
A vida que seu pai e sua madrasta levavam era o completo oposto do que estava acostumada com a mãe. Penélope no máximo ia até uma loja de departamento para comprar decorações mais baratas e até arriscava artesanato para inovar no ar da casa em que moravam, mas jamais comprou uma roupa de cama que custava mais do que a venda de apenas uma obra.
Aquilo era tão estranho que, quando duas vendedoras vieram atendê-las com chá e água, acreditou que sua mãe nunca tinha vivido aquela experiência e que Yanka estava muito mais do que acostumada com o tratamento. Elas viram diversos móveis para compor o quarto da garota, assim como quadros e almofadas para tirar a vista branca que o local oferecia.
Foi difícil aceitar a oferta de Yanka de todos os itens que ela achara que havia gostado. Na verdade, ela até tinha gostado, mas não queria verbalizar para Yanka que não precisava gastar todo o valor que aparecia na tela do tablet da vendedora. Foram escolhas simples como um espelho rodeado de adornos em corda, um abajur com conchas, almofadas em cores areia e um edredom no mesmo tom.
Mas foram escolhas de .
Yanka ainda enfiou roupas de cama novas que combinassem com o novo edredom, um mural para que pudesse colocar fotos e avisos, porta lápis para a escrivaninha (ainda sugerindo comprar um computador para a garota estudar melhor), uma poltrona para tirar a cadeira de rodinhas e algumas plantas com a desculpa de colocar um pouco de vida.
— Olha, tenho certeza de que não preciso de tudo isso — comentou com a mulher assim que a vendedora saiu com o cartão em direção ao caixa.
— Não se preocupe, querida, considere como um presente adiantado de Natal. — Yanka sorriu contente para . — E, para ser sincera, eu gosto de criar um ambiente novo em cima do que já temos. Parece que estou selando a paz mundial quando penso em um projeto assim.
— Você gosta de decorar? — perguntou, percebendo a declaração implícita na fala.
Yanka concordou com a cabeça.
— E por que não trabalha com isso?
— Ah, querida, não me resta tempo para fazer essas coisas. Estou sempre cheia de atividades com a prefeitura.
— Mas acho que deveria tentar investir no pequeno tempo livre que sobra. — A garota deu de ombros. — Você me deixou livre para fazer minhas escolhas e ainda assim conseguiu ornar com outras decorações para não sair do meu gosto. Você é muito boa nisso.
— Obrigada, meu bem, fico feliz que tenha gostado.
— Ainda assim, acho que foi coisa demais! E tão caro…
, escute, está tudo bem. — Yanka virou-se de frente para a garota e puxou sua mão. — Não sei como era sua vida antes de vir morar conosco, mas nós temos um grande poder de compra por aqui, sim? E gastar com você não é problema algum. Eu quero gastar meu dinheiro com isso, seu pai também quer gastar o dinheiro dele com você, não precisa se sentir culpada.
— Não é culpa, eu só… Só acho que não é certo, só isso.
— Por que não seria? Olha, vou lhe confessar algo, mas me prometa que não vai comentar com seu pai, tudo bem?
Mesmo receosa, concordou com a cabeça.
— Nós nunca quisemos ter filhos, foi algo consensual quando nos casamos, mas sempre faltou algo na nossa casa. Sempre tinha uma lacuna não preenchida que parecia afundar nossas emoções quando entrávamos naquele enorme muro de tijolos. — O tom baixo de Yanka denunciava o quanto ela não queria que as pessoas soubessem daquilo. — Quando eu soube que você viria morar conosco, uma pequena chama de esperança cresceu, porque eu tinha certeza de que você ocuparia um lugar que era importante para nós, mesmo que nunca tenhamos conversado explicitamente sobre.
— Eu mal paro em casa — comentou, tentando ser descontraída, mas o efeito foi contrário, quase melancólico, porque agora uma culpa percorria seu interior.
— Eu sei, mas só de saber que está lá, já é o suficiente. Não sei o que você passou ou como viveu antes de vir para cá, se um dia quiser me contar, estarei disposta a ouvir, mas agora que está aqui, tenha certeza de que queremos te oferecer o que achamos que é o melhor.
— Obrigada por isso. — A garota mordeu o lábio inferior e tentou controlar o aperto que surgiu na garganta quando reparou que a vendedora voltava contente com o cartão em mãos.
Yanka sorriu para ela e se voltou para a vendedora, combinando horário de entrega das compras e solicitando o envio da nota fiscal por e-mail. Após saírem da loja, não comentaram mais sobre a conversa breve que tiveram, Yanka apenas pediu se poderia acompanhá-la em algumas lojas que gostaria de passar, e tiveram uma tarde de compras bem divertida pelo centro de Laguna Beach.
As mulheres atraíram alguns olhares curiosos, mas evitaram todos o máximo que puderam para aproveitarem o dia lindo que fazia.

Gali novamente não pudera comparecer no trabalho naquela noite, então se encarregou de cuidar do caixa mais uma vez. A noite estava movimentada e tinham até alguns clientes aguardando em uma pequena fila do lado de fora para conseguirem uma mesa para jantar. Como seu trabalho dependia da saída de clientes, aproveitou para checar o celular, algo que não fizera desde que respondera Sophie durante a tarde e com isso descobriu que tinha algumas ligações perdidas da garota e de Finn, assim como várias mensagens de ambos, como também de Cameron.
Sorriu com aquilo.

» Sophie: Que bom que está bem, depois me conta o resultado dos exames. Estou pensando em dar uma festa lá em casa hoje, meus pais foram viajar e estou livre pelo fim de semana, o que acha?

» Finn: Oi, linda, tudo bem? Sophie me disse que foi fazer exames, espero que esteja tudo sob controle por aí, me dê notícias quando puder.

» Sophie: , está confirmado. Farei uma social lá em casa, às oito da noite. Vá depois do restaurante. Te espero.

» Finn: Linda, você está aí? Sophie vai fazer uma festa, vamos? Posso te buscar quando sair do restaurante.

» Sophie: Ok, estou preocupada, já faz algumas horas que você não dá sinal de vida. Me diz, por favor, que está tudo bem, mande um sinal de fumaça ou um oi.

» Finn: ? Estamos preocupados, você costuma responder rápido e não quero parecer pegajoso, mas nos dê notícias.

» Cameron: , por favor, se estiver viva, responda minha namorada e meu amigo. Eles estão me deixando maluco por aqui e agora estou verdadeiramente preocupado com você.

» Finn: Linda, me avisou que já está no restaurante, então deduzi que está tudo bem e que você só esqueceu de que existe um celular no seu bolso. Quando acabar por aí, me mande um oi que te busco.

precisou deixar o aparelho de lado para finalizar a conta de um casal que se levantava da mesa e caminhava para o caixa. Fechou a conta deles, agradeceu pela presença de ambos e a preferência ao Bromélias, voltando a pegar o celular assim que eles passaram pela porta para responder cada um dos que enviou mensagem.

» : Desculpe, Sophie, estive ocupada e cheguei em cima do laço no restaurante. Agora que consegui ver a mensagem de vocês, mas pode deixar que quando acabar o expediente vou até aí.

» : Ei, lindo, desculpa não ter respondido antes, estive bem ocupada. Não esquenta com a carona, meu pai manda o motorista todos os dias, então peço para que ele me leve, só me envie o endereço.

» : Cam, fico feliz com sua preocupação, estou bem para a alegria de todos. Te vejo em breve.

Após isso, guardou o telefone no bolso e o ignorou pelo resto da noite. Amélia saiu da cozinha algumas vezes para conferir se estava conseguindo lidar com o caixa e as comandas com as anotações inelegíveis de Henri, mas sempre que via a garota atendendo, afirmava para si que estava tudo sob controle. E ficava imensamente feliz com aquilo, gostava de trabalhar no restaurante e sair um pouco do salão, e o atendimento de pedidos ajudou a sua mente a relaxar e analisar tudo o que estava acontecendo em sua vida.
O último cliente saiu perto da meia noite e George já estava há duas horas esperando por no estacionamento, mesmo que ela tivesse saído pontualmente às dez para avisá-lo que iria atrasar e que ele deveria ir para casa. O homem trabalhava tanto para Quinton que mal sabia se ele tinha uma família para onde voltar quando o turno do dia terminasse.
— Você deveria ter ido embora, eu poderia pedir um táxi — a garota falou ao entrar na parte da frente do carro, sentando-se ao lado do motorista.
— Fique tranquila, Senhorita , meu dever é te levar para casa em segurança — o homem sorriu, dando partida no carro.
— Na verdade, não vou para casa — sorriu amarelo. — Pode me levar neste endereço? — Ela mostrou o celular para o homem. — É uma festa de uma amiga, já avisei Quinton.
— Certo, então te deixarei lá — George concordou prontamente.
— Sua esposa não se incomoda com seus horários de trabalho? — a garota perguntou, curiosa, notando a aliança dourada que havia no dedo do mais velho.
— Eu fico três semanas por mês fora de casa, mas sempre tenho uma semana para ir ficar com a família. Além dos feriados e finais de semana, é claro — ele contou. — Mas como moramos em Pasadena, acaba que não consigo ir todos os finais de semana. Meryl sabe que é o melhor.
— Pasadena é muito longe?
— Levo duas horas para chegar de carro.
— Entendi, que bom que ela entende. Você tem filhos, George?
— Tenho sim, dois. Um menino e uma menina. Mas já estão casados.
— E tem netos? — sentia-se uma interrogadora da polícia, mas estava adorando saber sobre a vida de George.
— Ainda não. Mas já avisei aos meus filhos que quero a casa cheia nos próximos natais! — o homem sorriu com tanta firmeza que foi impossível não sorrir de volta.
— Deve ser incrível.
O carro parou assim que terminou a frase. A casa de Sophie estava ao lado direito, e o que ela chamava de social, acreditava ser comparado a uma rave. Era praticamente a mesma coisa que ela vira na casa de Nala na semana passada, a única diferença era que o quintal de Sophie dava direto na praia e era possível ver uma grande movimentação para aquele lado.
— Você precisa que eu venha lhe buscar, Senhorita? — George perguntou, olhando com uma feição esquisita para o conglomerado de adolescentes que entravam e saíam da casa.
— Não, eu volto de carona. Boa noite, George. Obrigada. — saiu do carro rapidamente e acenou para o homem antes dele arrancar rua afora.
Com passos temerosos, ela andou pelo caminho de pedras que levava até a entrada da enorme casa. O som alto tocava algum remix de música famosa e várias pessoas transitavam para um lado e para o outro. conseguiu a grande proeza de atrair diversos olhares para si enquanto se espremia para conseguir chegar em algum lugar e encontrar alguma pessoa que fizesse parte do seu pequeno ciclo de amizade.
Ainda conseguiu ouvir alguns comentários sobre o prefeito de gente maldosa, mas ignorou com bastante força de vontade para não arranjar encrenca tão cedo. Não tinha visto mais Nala desde o fatídico episódio que ela causara, então imaginava que a garota estaria por ali e também tentaria arruinar sua noite, portanto, precisava manter a mente limpa e longe de confusão.
Quando conseguiu chegar ao quintal, notou algumas particularidades da casa. A grama verde e fofinha estava lotada de cadeiras e pessoas andando, além de uma mesa de ping pong próxima à entrada da cerca que dava para a piscina onde alguns alunos jogavam beer pong. Lá, ela também notou Finn concentrado para acertar a bolinha no copo dos adversários. Além de uma piscina imensa, perto da cerca que dividia a praia da casa, uma quadra de vôlei de areia era ocupada por alguns adolescentes que se divertiam em um jogo que em nada se parecia com o próprio vôlei.
Ela encontrou Sophie passando pela portinhola de acesso à praia, com Cameron e Nala ao lado. então resolveu cumprimentá-los depois e seguiu em direção à Finn, sorrindo quando seus olhares se encontraram.
— Você chegou — ele falou, enlaçando a cintura da garota quando ela chegou próximo o suficiente, e juntou seus lábios em um selinho rápido.
— Demoramos em fechar hoje — explicou e em seguida se desvencilhou para que Finn pudesse jogar novamente. — Já perdeu quantas? — ela brincou.
— Estou ganhando a terceira, acredita? — a fala enrolada dele denunciava que, muito provavelmente, para estar tanto tempo ganhando, ele já havia bebido uma grande quantidade de cerveja. — Você é muito ruim, Scott! — Finn gritou quando acertou o último copo e fez o capitão do time de basquete beber, emburrado.
notou o tal de Scott e se assustou com a altura do garoto. Aquele era o tal Scott que Sophie disse ter uma quadra na própria casa. Bonitinho. Mas uma garota pequena já o puxava para algum outro lugar, demonstrando sua possessividade (ou raiva em vê-lo beber tanto).
— Alguém pode me substituir? Vou dar atenção para a minha garota agora — Finn se gabou fazendo com que quisesse se esconder debaixo da grama.
— Sua garota? — ela murmurou quando dois garotos do time de futebol tomaram conta da mesa.
Ah… — Finn coçou a nuca. — Foi só uma forma de falar.
— Tudo bem, Finn — riu. — Será que Sophie comprou refrigerantes melhores? — ela mudou de assunto, notando como o garoto ficou desconcertado com a percepção dela.
— Eu garanti que sim. Vem, vamos lá pegar algo para você.
Entrelaçando seus dedos, Finn os guiou para dentro de casa novamente. Uma música latina agora preenchia os alto falantes e foi automático rebolar os quadris enquanto caminhava na direção da cozinha, adorava aquele ritmo e gostava da sensação que trazia para seu corpo, mas ainda não sentia-se solta o suficiente para dançar na frente de todas aquelas pessoas.
A cozinha não estava tão cheia, poucas pessoas faziam suas bebidas sobre o balcão e já saiam atrás do que fazer em outros ambientes. se recostou contra a enorme ilha e aguardou Finn buscar por algum refrigerante dentro da geladeira. E quando ele voltou, parando em sua frente, a garota pegou a latinha e com a outra mão tentou puxá-lo para mais perto, pouco se importando se alguém os olharia atravessado pela proximidade. Agradeceu quando ele entendeu seu gesto e grudou seus corpos por vontade própria, afinal não tinha força o suficiente para mover o corpo do garoto.
— Quando Sophie disse que queria fazer uma festa, achei que seria menos exagerado que a de Nala — comentou, abrindo a latinha e tomando um gole do líquido gaseificado e doce.
— Em Laguna Beach é impossível uma festa pequena, linda. Quando um descobre, todo o restante já está convidado automaticamente — Finn falou, apoiando os braços no balcão, um de cada lado do corpo de e baixando a cabeça para juntar seus lábios de forma mais demorada.
Não aprofundaram o beijo, apenas sentiram a presença um do outro.
— Acho que eu sou a velha rabugenta que não gosta de festas — a garota disse ao se separarem, apoiando a latinha atrás de si para poder impulsionar o corpo e sentar-se sobre a bancada, deixando Finn se aconchegar entre suas pernas. Daquela forma seus rostos ficavam na mesma altura e ela preferia quando conseguia olhá-lo nos olhos.
— Você não ia a festas na Itália? — ele questionou, puxando uma garrafa de vidro atrás da garota e derramando um pouco do líquido transparente em um copo, em seguida fez o mesmo com o refrigerante de .
— Fui em poucas, mas como não bebo, não parece que aproveito como as outras pessoas, além de que odeio a quantidade de adolescente que fica idiota por causa do álcool.
— Aí está você! — Sophie pulou alegremente quando entrou na cozinha e deu de cara com .
, na verdade, acabava de se arrepender da frase que falara. Finn já estava fora de si, Sophie mais ainda, então precisaria engolir o orgulho e aturá-los até sua paciência com bêbados esgotar. Agradecia por eles não estarem no ponto absurdo de fazerem besteiras e culparem a bebida por atos impulsivos, mas se sentia culpada por falar tão sinceramente num momento errado.
— Você demorou — a garota comentou, se debruçando no balcão ao lado de . — Eu já bebi tanta dose de tequila que briguei com Nala, isso é um ato absurdamente novo.
— Esse é o efeito em nossas vidas — Finn brincou, virando a bebida em um só gole.
— Eu não fiz nada. — negou com a cabeça. — Esse é o efeito do álcool na corrente sanguínea de vocês, isso sim. O que aconteceu? — ela se referiu a Sophie e sua última fala.
— Acho que ela e brigaram e ela quis descontar em mim, não sei direito — Sophie bufou, encostando o rosto no mármore do balcão e fechando os olhos. — Não me lembro mais.
— Isso só pode significar uma coisa — falou, tirando de forma delicada o copo que descansava na mão da amiga. — Está na hora de beber bastante água.
— Cameron me disse o mesmo, acredita? — Sophie ergueu o rosto rapidamente. — Falando nisso, vou atrás dele, não sumam!
Assim como chegou, Sophie saiu de forma animada da cozinha, mas agora o copo não fazia parte do seu acompanhamento e torcia para que ela não encontrasse nenhuma distração no caminho para encontrar Cameron. Álcool e nervos à flor da pele não eram boa coisa, não combinavam e só causavam estragos.
— Você não acha que é bom parar um pouco também? — perguntou para Finn, tentando usar o tom mais pacífico que tinha dentro de si.
— Tudo sob controle por aqui, linda — ele riu, mostrando o copo vazio. — Pode ficar tranquila que eu não vou fazer o mesmo da semana passada, prometo! — Ele puxou as mãos de e depositou um beijo em cada uma.
— Não acho que vá acontecer, só fico preocupada. Além do mais, você está dirigindo.
— Relaxa. — Finn segurou o rosto de e a beijou lentamente.
cedeu ao beijo e tentou dissipar um pouco da tensão que rondava seu corpo. Mas era claro que seria impossível, os moradores de Laguna Beach não estavam para brincadeira quando decidiram que atazanar a vida da garota nova era uma diversão e tanto. Palmas chamaram a atenção do casal e eles se separaram para olhar o que estava acontecendo. Não foi surpresa ver Nala parada bem próximo a eles, batendo as mãos e os olhando, irritada.
— Mas que inferno — murmurou, jogando a cabeça levemente para trás. — O que você precisa, Nala?
— Você quer mesmo saber o que eu preciso? — ela perguntou de forma cínica. — A única coisa que eu preciso é que você volte para o buraco de onde veio.
— Mas que merda, Nala — Finn resmungou, saindo da frente de para que ela pudesse descer. — não lhe fez nada.
— Nada? Você tem certeza? Porque eu acho incrível a forma como MEU namorado defende ela. Acho melhor abrir bem o olho com sua garota, Finn, ela pode estar prestes a nos enganar.
— Nala, seu ciúme não vai nos levar a lugar algum — falou, colocando uma mão no peito de Finn para que ele afastasse os passos que dera na direção da garota sem nem perceber. — E não acho que você está em posição de me cobrar alguma coisa. Podemos conversar em paz quando se desintoxicar da bebida.
— Não vamos conversar em nenhum outro momento. Estou de saco cheio da sua presença nessa cidade.
— Então é melhor engolir a raiva, porque eu não vou a lugar algum — alterou a voz, sentindo o coração palpitar tão forte que precisava segurar a língua antes de falar alguma besteira.
— Nala, é melhor você sair daqui — Finn pediu, tentando chamar a atenção de alguém para que o ajudasse a apartar qualquer briga que pudesse acontecer, mas quando mais precisava, ninguém parecia disposto a dar bola para o que acontecia na cozinha.
— Você só a conhece há uma semana e já está igual um tolo defendendo ela como se tudo o que fizesse fosse certo. — Nala revirou os olhos.
— Oh, por favor, me diga o que eu fiz de errado para conseguir tanto ódio gratuito vindo de você, Nala. — colocou uma mão no peito fingindo um drama. — Talvez Finn, SEU namorado e seus amigos me defendam porque sabem quem é a dissimulada por aqui — ela enfatizou o seu da mesma forma que Nala fizera ao se referir à .
Nala abriu a boca em choque.
— Muito corajoso da sua parte, . Mas ao invés de ficar explodindo migalhas com você, vou direto ao ponto. Como ousa mentir descaradamente para para colocá-lo contra mim?
— Eu não coloquei ninguém contra ninguém, Nala — a voz de não estava mais irritada, estava, na verdade, cansada.
— Você disse que Cedric jamais espalharia a tão escandalosa fofoca sendo que foi exatamente o que ele fez.
— Cedric já sabia que eu era filha do prefeito muito antes de você espalhar para a escola inteira. Então pode parar o show, você não consegue se aguentar na própria mentira. — segurou a mão de Finn e ameaçou sair da cozinha com ele, não suportando mais aquela cena que se desenrolava.
talvez tenha finalmente percebido que você não presta — Finn falou na direção da garota, recebendo um duro olhar de .
— Eu vou desmascarar você, — Nala ameaçou, ignorando o garoto. — E quando todos verem sua verdadeira face, vão se arrepender de terem ficado contra mim.
— Pode tentar o quanto quiser, Nala. Eu conheço minha história melhor do que ninguém e você está perdendo tempo. — deu de ombros e, antes que saísse por fim, afirmou: — Você vai acabar se afundando na própria lama, Nala.
E ignorando todos os protestos raivosos da garota, marchou para fora da cozinha, sendo seguida por Finn, que já tinha um novo copo de bebida em mãos e ela nem sabia como ele tinha conseguido tempo para fazê-lo. Mas aquilo era a última das suas preocupações, afinal sua cabeça parecia prestes a explodir com tamanha raiva que se alastrava por sua pele.
Não conseguia acreditar que Nala realmente havia perdido tempo para ir até ela falar tanta besteira. Era por isso que repudiava tanto o álcool, ainda mais para adolescentes descontrolados que se achavam os donos do mundo. Eles bebiam tanto que ficavam destemidos o suficiente para desafiarem qualquer pessoa a qualquer custo, e todo o autocontrole de estava indo para o espaço enquanto sua mente revivia cada palavra que lhe fora dita.
era um idiota por defendê-la. Mesmo que no fundo agradecesse por ele ao fazer isso, queria socá-lo por não manter a língua dentro da boca para a namorada ciumenta, sabendo que ela causaria uma cena assim que possível. E BOOM, adivinha? Isso mesmo, ela já havia feito o estrago necessário para que quisesse sumir daquele lugar o mais rápido possível. Ela não entendia o porquê. Nenhuma palavra de bondade conseguiria fazê-la entender o que Nala ganharia com aquela rivalidade idiota.
fora sincera quando disse que não roubaria ninguém para si. Estar se envolvendo com Finn era uma consequência da aproximação dele, Nala não tinha o direito de se meter naquilo e muito menos guiar cada passo dos amigos para que eles não saíssem da bolha que ela havia criado na própria mente. Ir atrás de naquela noite só provou o quanto ela precisava de horas de terapia para curar qualquer machucado interior que a fizesse agir de forma possessiva.
, você está bem? — Finn perguntou, forçando-os a parar quando estavam se aproximando da quadra de vôlei, que por um milagre estava vazia.
— Estou. Maravilhosamente bem — ela foi sarcástica, olhando para o céu tentando buscar calma de algum lugar celeste.
— Ei, você não tem culpa de nada. Nala é uma sem noção.
— Eu sei, Finn, por incrível que pareça, eu sei bem sobre isso. Aliás, obrigada por tentar me defender, mas não precisa brigar com ela por mim, de verdade. Preserve a amizade que vocês tinham antes de eu chegar — foi sincera, engolindo o aperto que fazia sua garganta arder.
— A gente nunca teve uma amizade, . Todos só a aturamos por , e por Sophie, é claro. Mas o que ela está fazendo é totalmente desnecessário. Vou conversar com ela.
— Não. Não faça isso — ela pediu, negando com a cabeça. — Deixe ela agir na verdade dela, uma hora ou outra tudo vai voltar ao eixo.
— Isso é absurdo, linda. Não posso deixar ela continuar te humilhando por nada — ele se irritou, bebendo de uma vez só a vodca do copo. — Nala precisa ficar na dela.
— Nada do que você fizer vai mudar isso, então, por favor, deixe pra lá. Eu só… Eu só preciso tomar um ar, sim? Volte lá para a festa, curta com seus amigos, eu vou andar um pouco e esfriar a cabeça. — apontou para o portal de madeira que dava acesso à praia.
— Sozinha?
— Sim. É tudo o que eu preciso agora. — Ela mexeu a cabeça em afirmação.
— Certo. — Finn ficou um pouco receoso, mas depositou um beijo no topo da cabeça da garota e deixou com que ela se afastasse até que a perdesse de vista na escuridão da praia particular.
Em passos lentos, deixou com que a maresia inundasse seus poros e trabalhasse para que seu coração e mente se acalmassem. O nervosismo tinha chegado ao limite e foi espontâneo que lágrimas escorressem por seu rosto quando ela percebeu que enfim estava sozinha e que nada, nem ninguém, poderia lhe arranjar adversidades naquele momento.
Tudo o que queria era que sua mãe estivesse ali. Penélope saberia o que dizer para acalmar sua ansiedade e ajudá-la a respirar fundo para poder raciocinar o que havia acontecido. Mas sozinha, tudo o que conseguia fazer era se deixar chorar e se afogar em lágrimas salgadas que tiravam pouco a pouco sua fraqueza. Que a mostravam que, na verdade, sua força era passageira, só lhe vinha em momento de muita raiva e ainda não conseguia saber se era bom ou ruim.
Quando ela chegou próximo ao mar, sentou-se onde a água ainda não batia e respirou fundo, deixando aquele característico cheiro de casa tranquilizar seu interior e fazer suas mãos pararem de tremer violentamente. Era horrível a sensação de querer ir embora para um colo conhecido e saber que, na verdade, esse colo não existia mais. Era angustiante ter que lidar com aquela aflição e toda a reviravolta de sentimentos sozinha. daria tudo para ter sua mãe ali, do seu lado.
Queria poder sair correndo de Laguna Beach e nunca mais ver nenhuma daquelas pessoas. Queria segurar Nala e chacoalhá-la até que ela caísse na real de que não estava ali para competir, só queria passar o último ano do colégio sem preocupações para que sua volta à Itália não fosse o pior drama da sua vida. Mas ela estava vivendo o contrário de tudo o que pudera imaginar para sua estadia na Califórnia.
— É, mãe, talvez a Califórnia tenha sido sua melhor experiência — ela falou para o mar, limpando as lágrimas que ainda caiam. — Mas eu estou achando que esse sonho californiano não pertence a mim. Meu lugar não é aqui.
— Não fale isso — a voz rouca de fez com que se assustasse, procurando-o pela escuridão. — Não permita que tirem sua vontade de recomeçar, .
Quando ela se deu conta, já estava sentando-se ao seu lado na areia, dobrando as pernas até que conseguisse sustentar os braços sobre os joelhos. Ela rapidamente enxugou o rosto, olhando para o céu para evitar que continuasse chorando.
— Eu nunca tive vontade de recomeçar. Eu só queria passar um ano terminando o colégio e voltar para a Itália — ela confessou, encarando o oceano para não precisar se perder nas írises escuras de . — Não sei o que tem de errado comigo. Não sei o que Nala acha que eu posso fazer para ameaçar a vida dela. Sei que, se eu pudesse, já estaria bem longe daqui.
— Não tem nada errado com você. Nala só não gosta de perder a atenção das pessoas.
— Por que ela precisa ser estúpida comigo então? Eu mal falo com você para que ela ache que eu vou tentar roubar o lugar dela. — A garota o olhou, os olhos voltando a marejar.
Odiava chorar na frente dos outros.
Mas sentia-se humilhada.
— Não sei, . — também levou seus olhos para , mas não conseguiu sustentar, logo os desviando para a areia.
— Se eu te fizer uma pergunta, você vai ser sincero comigo?
— Depende. — Ele deu de ombros.
— O que o pai dela tem a ver com o restaurante da sua mãe? — perguntou, resignada.
Ela queria saber outras coisas antes, como se ele a amava, se ele era feliz com o relacionamento que tinham, mas não sabia até onde estava disposto a ir com aquela conversa, então se contentou com uma dúvida mais concreta.
— Você quer a história completa ou a resumida? — desenhava na areia, sem erguer o rosto para encarar a garota.
— A que você quiser contar. — Ela estava aceitando qualquer coisa para tentar entender qual o fundamento do comportamento da garota.
— Meu pai e Natan, o pai da Nala, eram muito amigos, desde pequenos — o garoto começou a contar, tornando os olhos para o mar agitado. — Quando meu pai começou a namorar com a minha mãe, a amizade deles ficou estremecida, porque foi natural que meu pai se aproximasse de Quinton e começasse a sair de casal com seus pais. Natan não gostou muito disso.
— O sentimento de exclusividade é genético então — resmungou, obtendo um riso baixo de .
— Ele não fez nada para mudar aquilo, mas quando seu pai e sua mãe se separaram e Quinton começou a estudar para continuar na linha de sucessão da prefeitura, meu pai voltou a se aproximar de Natan. — Ele quis comentar sobre a fala de , mas não queria perder sua linha de raciocínio, então continuou. — Eu já tinha nascido quando eles fundaram uma empresa de investimento imobiliário.
— Então a empresa que os pais de Nala têm hoje… Ela era do seu pai também — a voz de falhou quando ela percebeu que o buraco era muito mais embaixo do que imaginava.
— Sim — concordou. — Mas Natan deu um golpe no meu pai, tomou a empresa e hoje é bilionário nas custas dele.
— E o seu pai? — a pergunta foi receosa.
— No Dia de Ação de Graças, vai completar 6 anos que ele tirou a própria vida — pronunciou a frase como se fosse um robô e logo imaginou que aquilo era um mecanismo de defesa.
Ela engoliu em seco.
— Você acha que o que o pai de Nala fez foi um meio de vingança? — perguntou, tentando pensar em uma forma melhor de abordar Olive sem magoá-lo.
— Sem dúvidas. Ele só não esperava que o resultado fosse a morte do meu pai.
— Eu sinto muito.
— Tudo bem, já superei — ele firmou as palavras, gostando de acreditar naquilo.
sabia que era mentira. Ninguém superava a morte de um familiar tão depressa ou, até mesmo, fingia que aquilo não doía mais do que arrancar seu próprio coração. Sabia que, no fundo, estava se remoendo e que sua única vontade era de esganar Natan até que ele parasse de respirar, mas que jamais teria coragem de tirar a vida de alguém, então viveria com aquela sensação confusa no peito para sempre.
— Você… — respirou fundo antes de continuar. Parecia errado perguntar o que estava em sua mente. — Você está com Nala…
— Por vingança? — ele completou a pergunta que ficou no ar. — Não. Eu me apaixonei por Nala de verdade, por mais que não pareça. Nosso relacionamento já foi real.
— Não é mais? — a pergunta veio em um sopro.
— Não sei. — procurou pelos olhos de naquele momento e a garota sentiu um choque quando seus olhares colidiram. — Depois que meu pai morreu, com o golpe pela empresa, fomos tomados por dívidas grotesca — ele confessou. — Natan se ofereceu para nos emprestar dinheiro… Minha mãe só queria manter o restaurante funcionando para poder nos garantir uma vida boa, então aceitou.
— Vocês ainda têm dívidas com ele?
— Os juros foram abusivos. — concordou com a cabeça. — Na época, minha mãe não tinha com quem contar, achou que estava fazendo a coisa certa e… Deu no que deu. O restaurante se ergueu por causa dele, mas depois da pandemia, precisamos pegar mais empréstimos. Então as coisas não têm sido fáceis.
— E sua mãe ainda assim me contratou — comentou, baixinho, mordendo o lábio. — Sinto muito por tudo o que aconteceu. Eu não imaginava que era tão complicado.
— Não tem como prever. — Um pequeno sorriso de canto pendeu no rosto de e ele respirou fundo. — Resumindo bem os fatos? Meu relacionamento com Nala tem prazo de validade, eu só tenho medo que o pai dela queira ferrar o restaurante caso ela aja da forma que está agindo se terminarmos.
… — se virou de frente para o garoto, buscando os olhos de jabuticaba dele que já tinham se perdido na imensidão do mar novamente. — Você não acha que pode existir outro meio? Digo, se você não gosta dela, não tem que ficar com ela por medo do que ela pode falar para o pai.
— Você já reparou como são as coisas com Nala, certo? — Ele a encarou, também virando o corpo para ficar de frente para a garota. — E a dívida termina no começo do ano que vem. São só mais alguns meses. Depois disso, Natan não poderá fazer nada para nos prejudicar.
— Então eu vou pedir demissão. Tenho certeza de que esse dinheiro que sua mãe está me pagando pode ser poupado para acabar com essa dívida o mais rápido possível.
— Não, . — negou com a cabeça, deixando que o sorriso voltasse para o seu rosto. Gostava da ingenuidade da garota e da forma como ela tentava solucionar as coisas. — Nós precisamos de você. Gali vai ficar afastada por um tempo. Além do mais, minha mãe ficou tão feliz quando descobriu que você era filha da melhor amiga, que não vai deixar você sair de lá.
sorriu verdadeiramente.
— Sua mãe foi o que me fez ter vontade de ficar — ela falou, brincando com os próprios dedos no colo. — Saber que tem alguém que liga a minha mãe aqui tão próximo me tranquilizou.
— Isso é bom.
O silêncio caiu sobre eles. o olhou algumas vezes, ainda com algumas perguntas presas na garganta, mas que pareciam pessoais demais para atrapalhar aquele momento que tiveram. não costumava se abrir de forma tão clara, a qualquer momento ele poderia levantar e fingir que nada daquilo tinha acontecido, então ela só queria aproveitar mais alguns segundos antes que a realidade voltasse a atingir eles com força.
, por sua vez, não devolveu os olhares. Ele sabia que era terreno perigoso. era boa demais para ser de verdade e tê-la tão perto, num momento tão sincero e pessoal, o estava deixando confuso com os próprios pensamentos. O garoto precisava evitar a catástrofe. A vida dela em Laguna Beach não estava sendo das melhores, estragar o restante dos dias que ela passaria ali não estava nos planos. Preferia se remoer com seus desejos do que fazê-la se afastar por completo.
— Obrigada por confiar em mim — murmurou, começando a ficar agoniada com a falta de assunto. — Espero que as coisas se resolvam logo. Nala não é uma pessoa ruim, eu sei disso, ela só…
— Precisa de atenção. — O garoto concordou com a cabeça e engoliu uma saliva com dificuldade, fazendo seu pomo de adão subir e descer lentamente. — Vou conversar com ela novamente e pedir para que ela pare de pegar no seu pé.
— Não. Não precisa fazer isso. Ela só vai ficar mais chateada com você por achar que está me defendendo. — Por mais que quisesse que ela mudasse de opinião, prejudicar estava fora de questão. — Só me desculpa por ter agido feito uma idiota ontem. Você não tem culpa pelas coisas que ela pensa.
— Você estava na sua razão. — Ele deu de ombros.
concordou levemente com a cabeça.
— Bom, eu vou voltar lá para dentro — ela avisou, erguendo-se da areia e tirando todos os grãos que ficaram preso em sua roupa. — Você vem?
— Daqui a pouco. — observou cada passo que dera, sentindo um desconforto ao vê-la pronta para sair.
— Certo, até mais. — acenou, se afastando devagar.
tinha muito mais coisa para falar. Ela sentia vontade de desabafar sobre tudo o que pensava desde que saíra da Itália e viera para a Califórnia. Mas sua preocupação com Finn e Sophie falavam mais alto no momento e, além do mais, odiaria que Nala iniciasse uma busca precisa pelo namorado e o encontrasse com a garota que ela odiava e achava que ia roubá-lo. Era melhor que, depois daquela conversa sincera, cada um fosse para um lado e voltasse a viver sua própria rotina.
Talvez aquilo tivesse ajudado a que não fossem mais grosseiros um com o outro e pudessem dar um passo a mais no que chamariam de amizade. Aquilo era um bom ponto e ambos acreditavam que era a verdade.
— Ei, . — Ela ouviu a chamar e virou-se, observando-o de pé. — Obrigado.
sorriu e acenou novamente. E mesmo que todo seu mundo tivesse desabado uns bons minutos atrás depois de ouvir uma enxurrada de coisas de Nala, aquele gesto de fez com que seu coração se acalentasse. Foi como um aviso repentino dos seus pedidos: o sonho californiano poderia ser seu também. Estava fazendo amigos de verdade e não se lembrava de como aquela sensação era boa.


Capítulo 11

encarava a parede enquanto o barulho da ligação enchia seus ouvidos. A decoração tinha chegado no dia anterior e Yanka garantiu que tudo estivesse em seus devidos lugares antes da garota chegar em casa. Definitivamente, seu novo quarto tinha mais a sua cara e se parecia com um verdadeiro lar. E ao mesmo tempo que aquilo confortava seu coração, a fazia sentir-se mais longe de casa.
Bambina! Mi scusi — a voz de Giuseppe reverberou pelo alto falante do celular e a garota sorriu, aliviada. — Acabamos de chegar.
— Sério? Mas está tarde aí. Estavam na galeria? — questionou, franzindo o cenho.
Sì, estava em um evento na galeria — ele concordou, se embolando com os idiomas como de praxe.
— É um horário ruim para conversar então? Onde está Lúcia?
Aqui, querida. Estou aqui — Lúcia se fez presente e sorriu. — Não é um horário ruim, jamais. Como você está?
— Bem, e vocês? — mesmo que tentasse soar animada, a voz de a entregava, além do fato de não conseguir mentir para nenhum deles.
Bene, bambina? Não me pareceu. Estás com aquela voce de quem precisa de um abbraccio.
A fala de Giuseppe ativou alguma lembrança no cérebro de que fez com que seus olhos se enchessem de lágrimas muito rapidamente. Era como se uma enxurrada de memórias a atingisse e não a deixasse ignorar aquela dor no peito que sentia desde a festa na casa de Sophie. E ela bem sabia que, se estivesse na Itália, Giuseppe a teria buscado e eles arranjariam um gelato para que ela pudesse relaxar e esquecer os acontecimentos, depois ele a abraçaria forte e a diria um conselho sábio que a deixaria contente de novo.
— São só desavenças. Nada para se preocupar. Que evento estava tendo na galeria? — tentou espantar as lágrimas, assim como a voz rouca do pré-choro.
Era uma exposição de um novo pintor das redondezas. Ele lotou a galeria. Vendemos pelo menos metade — Lúcia contou, empolgada.
— Isso é ótimo.
Sim, querida. Um quadro da sua mãe também foi vendido, depositamos o cheque na sua poupança, mas se quiser posso transferir.
— Qual?
O Bromélias. Um comprador anônimo. Pagou o dobro do que o quadro vale.
— Sério? Que esquisito. — A garota achou estranho as informações que recebeu, ainda mais dado todas as circunstâncias da sua vida e a exclusividade que aquela pintura oferecia.
Era um quadro focado na bromélia que Penélope havia desenhado para Amélia, mas desenhos abstratos preenchiam o fundo, junto com o urso que representava a bandeira da Califórnia. Alguns detalhes dele só fora entender depois que conhecera Amélia, e ele era extremamente único. Lembrava-se que sua mãe não podia olhá-lo muitas vezes, porque sentia vontade de riscá-lo e refazê-lo.
Também achamos, mas na mensagem ele deixava claro que era um eterno admirador das pinturas da sua mãe. Enfim, como estão as coisas por aí?
— Indo bem. Quero aproveitar que Quinton está em casa para falar com ele sobre o feriado. Vocês ainda vêm, não é?
Com certeza. E a escola? Conseguiu se adaptar?
— Isso ainda é um problema — foi sincera, tentando rir no final da frase para não preocupar Lúcia e Giuseppe. — Mas estou dando conta, tirei a maior nota da turma na prova de matemática essa semana.
Nosso pequeno genio! — a voz de Giuseppe foi como um grito distante, mas conseguiu fazer sorrir verdadeiramente.
E qual é o problema, meu bem?
— Ah… Uma garota está com ciúmes por eu estar me aproximando dos amigos dela. Mas já superei que isso não vai mudar tão cedo, então só estou vivendo. — A garota se revirou na cama, mudando a posição do corpo para ficar mais confortável. — Mesmo que eu esteja ficando com um garoto, ela acha que vou roubar o namorado dela.
Você está ficando com um ragazzo?
Por que ela acha isso?
As perguntas vieram ao mesmo tempo e Giuseppe agora parecia bem mais perto do telefone, algo que fez rir. Giuseppe era como um pai para ela, mas na Itália era difícil que conversassem sobre garotos e ficadas, sentia vergonha de compartilhar com ele essas coisas, Lúcia e Penélope estavam mais acostumadas com os desabafos dela sobre o assunto, por isso a reação dele a surpreendeu.
— Não sei por que ela pensa dessa forma, mas não tenho como fazê-la mudar de opinião, então estou tentando ignorar ela. E sim, estou ficando com um garoto, o nome dele é Finn. — Era a primeira vez que falava sobre Finn para alguém. Era uma sensação nova.
E como ele é? — Lúcia questionou.
— Ele é bonito. Joga no time de futebol da escola e… é uma pessoa incrível. Faz pouco tempo, não sei bem em que pé estamos, mas me trata muito bem — foi firme na última parte, querendo deixar claro para Lúcia e Giuseppe que tudo estava sob controle. — Tirando aquela garota que mencionei, todos estão me tratado bem e me deixado à vontade.
Eccellente, bambina — Giuseppe falou. — Quando formos para a Califórnia, quero incontrare Finn, sì?
— Sim, pode deixar — ela respondeu, rindo.
Vou te contar algo que sua mãe sempre me dizia, talvez isso alivie um pouco a tensão por aí — Lúcia começou a falar baixo, tomando cuidado com as palavras e aquietou-se para ouvir. — As pessoas em Laguna Beach podem ser cruéis, mas é ótimo saber filtrar o que é bom e o que não é. Existem pessoas boas, mas também existem pessoas ruins que vão fazer de tudo para te desgastar. Não caia na delas.
— Minha mãe… — engoliu em seco, sentindo os olhos marejarem novamente. — Alguém foi ruim com ela aqui?
Muitas pessoas, meu bem. Mas Penélope mostrou o poder da graça dela e conquistou muitos daqueles que a repudiaram tanto, porém sempre tem a fruta podre que vai preferir ignorar sua bondade. Tenha em mente isso, . Você é boa por você. Não espere que as pessoas queiram agir da mesma maneira.
Uma lágrima solitária rolou na bochecha da garota, e mesmo que Lúcia não pudesse vê-la, ela concordou com a cabeça. Sua mãe sempre tinha conselhos incríveis, mas nada superava as doces palavras de Lúcia Rizzo. Ela quem sempre ensinou a ser respeitosa com as pessoas por vontade própria, não porque era uma etiqueta que esperavam dela. Além do mais, Lúcia reforçava sempre que não era certo depositar esperanças nos atos dos outros. Na nossa cabeça, eles poderiam agir de mil maneiras, mas na deles, era só uma e nem sempre a que nos agradava.
Bambina, como tem sido com seu papà? — Giuseppe percebeu que a garota não respondera por longos segundos e escolheu mudar de assunto.
— Estamos nos aproximando aos poucos — respondeu com a voz rouca, a garganta doendo pelo choro que precisava ser libertado. — Ele me levou ao médico e fizemos alguns exames de rotina, para… Enfim, vocês sabem. A esposa dele é uma pessoa boa também, redecorou meu quarto e me levou para fazer compras. Eles têm sido legais.
Você não tem ideia de como nos deixa aliviados. Que bom que está tudo indo bem por aí, querida.
È fantástico — Giuseppe concordou.
— Estou com saudades — a garota confessou, soltando o ar devagar. — Não queria que tudo tivesse mudado tão rápido — a voz saiu em um fio.
Nós também não, . E também estamos com saudades. Foram 17 anos tendo você conosco, não é fácil vê-la voar.
Mas é para tu bene, bambina. Sabe disso, sì? Em alguns dias, estaremos aí.
— Eu sei — ela concordou, empurrando a saliva com dificuldade. — Vou deixar vocês descansarem, esta tarde aí. Ti amo. — A pronúncia em italiano falhou um pouco, mas tratou logo de erguer o tronco da cama e tentar espantar aquela tristeza repentina. — Se cuidem.
Você também, querida. Nos falamos por mensagens, sim? Te amamos muito e somos muito gratos por tê-la.
Muito gratos! — Giuseppe afirmou. — Aproveite seu dia.
puxou o ar com força assim que desligou a chamada. Por mais que as coisas — tirando Nala — estivessem dando certo na cidade californiana, era impossível não sentir saudades da sua verdadeira casa. Casa essa em que era sempre recebida por abraços e carinhos de todos os lados, uma cozinha cheirosa com muita massa fresca e sorrisos sinceros o tempo inteiro. Sentia falta do lugar onde ser ela mesmo não era uma grandeza, mas também não era um problema.
Era como ser transportada para longe da sua própria realidade. Em um dia estava acordando com a casa gritando músicas latinas, com sua mãe sentada no meio da sala, pintando um quadro novo. No outro, ela já estava sendo arrancada a forças da Itália por um avião que a deixou em ambiente perigoso e desconhecido. Era difícil aceitar que tudo aquilo que amou um dia, jamais iria voltar. Por mais que tivesse Lúcia e Giuseppe lá, da mesma forma, na mesma casa, as conversas não teriam mais a mesma leveza de antes, os jantares sempre teriam a falta de uma pessoa e os dias de praia não seriam mais tão intensos.
A mudança brusca que a partida de sua mãe causou não era algo que poderia ser diferente. A marca que Penélope deixou na vida de quem a teve por perto era gigante demais para ser esquecida. Sua essência sempre estaria ali, com suas frases reflexivas e sua risada escandalosa. sabia que sempre teria um pedaço faltando, que as lembranças precisariam de novos significados, que novas memórias precisariam ser criadas e que a saudade duraria eternamente.
retirou os lençóis de cima de si e sentou-se com as pernas para fora da cama. Espreguiçou o corpo para mandar embora a sonolência e olhou o celular novamente quando ele vibrou. Uma mensagem de Finn a fez sorrir. Finn deveria ter um sexto sentido, porque as palavras que enviou conseguiram mandar um pouco do desânimo que ela sentia embora.

» Finn: Linda, tudo bem? Se me lembro bem, hoje é seu dia de folga, Sophie e Cameron estão vindo aqui em casa para curtir a piscina, fazer algo de almoço e aproveitar o dia de sol. O que acha de vir também? Posso te buscar.

Talvez antes pensasse que ele poderia estar sendo grudento, pegajoso, mas estava gostando tanto da proximidade que vinham criando que não se importava nem um pouco em receber mensagens dele todo dia. Não sabia bem ao certo o que sentia por ele, se existia uma paixonite rolando por ali ou se estava apegada o suficiente para criarem um romance em suas próprias bolhas, apenas tinha certeza de que era bom o que acontecia e que deixaria a situação daquela maneira pelo tempo que fosse necessário.
Não forçaria nada.

» : Acho incrível. Hoje acordei nostálgica, estou com vontade de fazer massa caseira do zero. Vou me arrumar e te espero.

Depois de enviar uma resposta, a garota saltou da cama e seguiu até o roupeiro, separando itens necessários para levar dentro de uma bolsa, como protetor solar, óculos de sol, biquíni extra e duas trocas de roupa para qualquer eventualidade. Aproveitou para tirar o pijama e colocá-lo para lavar em seu cesto de roupa de palha, que combinava perfeitamente com a decoração cor de areia do quarto e que ela tinha certeza que Yanka havia comprado de surpresa, colocou uma roupa fresca por cima de um biquíni e seguiu até o banheiro para sua higiene matinal.
, está aí? — Uma batida na porta e a voz de Yanka fizeram a garota colocar a cabeça para fora do banheiro para encontrar a mulher bem vestida de pé no meio do quarto.
Ela acenou, escovando os dentes.
— Bom dia, o que achou do quarto? — Yanka perguntou, em expectativa.
riu e enxaguou a boca para poder voltar ao quarto e conversar com a mulher.
— Ficou lindo, de verdade. Obrigada.
— Que bom! Eu adorei também, sabia? Ficou clean e praiano. Você já está de saída? — Ela apontou para a bolsa em cima da cama desorganizada.
— Ah sim, um amigo me convidou para tomar banho de piscina, tudo bem?
— Claro, querida. Nós temos um compromisso da prefeitura agora no almoço. — Yanka deu uma leve revirada de olhos e riu da sutileza. — Não vou tomar mais seu tempo, termine de se arrumar. Se quiser comer alguma coisa, deixamos a mesa ainda posta para você.
— Obrigada, já vou descer. Preciso falar com Quinton sobre o Dia de Ação de Graças — comentou, mordendo o lábio, receosa com o pedido para o pai. — Ele ainda está em casa?
— Sim, vou avisá-lo que quer falar com ele.
confirmou e sorriu, observando Yanka se afastar elegantemente em seu salto enorme. A garota voltou para o banheiro e terminou o que precisava fazer para espantar a cara de sono e o cabelo desgrenhado. Em seguida, voltou para o quarto e arrumou a cama, pegou seus pertences e conferiu a mensagem de Finn.

» Finn: Topamos! Estou a caminho, passamos no mercado juntos.

Ela apenas guardou o celular dentro da bolsa e desceu as escadas com bastante paciência. Sua ansiedade estava voltando só de imaginar como falar com Quinton sobre a vinda de Lúcia e Giuseppe. Sabia que ele não reagiria mal, mas não tinha certeza se reagiria bem também. Tudo ainda era muito incerto entre a relação pai e filha que eles tinham.
percebeu que a casa estava em silêncio, então caminhou para o único lugar que sabia que poderia encontrar Quinton: o escritório principal da casa. Ela bateu na porta dupla com cuidado e esperou até que um entre se sobressaísse à madeira, para que então empurrasse uma das portas e encontrasse Quinton, com sua vestimenta usual, composta por um terno bem alinhado, sentado atrás da enorme mesa de mogno com alguns papéis em mãos.
— Bom dia — ela falou, entrando de forma receosa.
, bom dia! — O homem tirou os olhos dos papéis e sorriu abertamente para a filha. — Já está de saída? — ele perguntou, observando a roupa casual que ela usava e a bolsa que carregava.
— Sim, vou na casa de um amigo. Algum problema?
— Não, nenhum. Temos um evento da prefeitura hoje de qualquer maneira. — Quinton pareceu reagir diferente de Yanka, o sorriso que ele emanava era de empolgação. — Mas então, Yanka comentou que você queria falar comigo. Aconteceu alguma coisa? — Ele se ergueu da cadeira e caminhou até a parte da frente da mesa, onde apoiou o corpo.
-- Eu… Eu queria saber o que vocês vão fazer no Dia de Ação de Graças — disse, olhando para todos os cantos possíveis da sala, mas não diretamente para o pai.
Não sabia pedir favores.
Um péssimo defeito.
Mas era muito difícil pedir as coisas para alguém quando estava acostumada a fazer tudo sozinha.
— Não está bem definido ainda. A família de Yanka é de Los Angeles, então talvez iremos até lá no feriado. Por quê?
— Não sei se você conhece Lúcia e Giuseppe…
— Conheço sim, o que tem eles? — Uma sobrancelha do homem se ergueu no rosto.
— Eles compraram uma passagem para me visitar no Dia de Ação de Graças… E como os hotéis são tão caros nessa região, eu pensei que talvez, se não for um problema, eles pudessem ficar hospedados aqui. Vão ser só dois dias e muito provavelmente só usarão a casa para dormir e tomar banho. — As mãos da garota estavam inquietas em frente ao corpo, os dedos lutando uns contra os outros, enquanto seus olhos observavam aquele emaranhado confuso.
O coração de estava acelerado, algo que ela percebeu apenas pelo silêncio que Quinton deixou reinar pelo escritório antes que respondesse ao pedido dela. Não sabia que tipo de comunicação ele tivera com o casal italiano, se haviam se desentendido ou se Quinton não gostava deles por algum motivo pessoal, só tinha certeza de que poderia vomitar o suco gástrico a qualquer momento com a aflição que perpassava seu corpo.
Novamente, odiava pedir favores.
Era a coisa mais torturante que poderia passar na vida.
— Por mim, tudo bem. Como acredito que não estaremos na cidade, eles ficarão confortáveis no quarto de hóspedes. — Depois de soltar um longo suspiro, foi o que Quinton decretou.
— Ótimo — a voz de saiu mais animada do que gostaria, mas foi como se todo seu sistema nervoso tivesse entendido o recado e se animado com a ideia de passar dois dias com Lúcia e Giuseppe em Laguna Beach. — Muito obrigada, de verdade!
— Imagina, . — Quinton negou com a cabeça e agora um pequeno sorriso ocupava o lugar que antes era de um largo sorriso.
entendeu aquilo como alguma desavença do passado, mas preferiu não comentar ou perguntar, vai que ele mudava de ideia e todo seu planejamento para o próximo mês fosse por água abaixo, não é?
Uma buzina chamou a atenção de ambos e logo se empertigou, observando pela enorme janela se identificava o carro de Finn, mas como não conseguiu ver, deduziu que era o garoto por sentir o celular vibrar dentro da bolsa.
— Meu amigo chegou, obrigada de novo, vejo vocês mais tarde — sorriu e acenou, saindo da sala de forma apressada.
Quinton apenas acenou e observou a filha se afastar, com os pensamentos a milhões por hora.

— E então, o que vai precisar? — Finn perguntou, parando no primeiro corredor do mercado que haviam entrado, segurando um carrinho.
— Basicamente farinha e ovos, o resto é com vocês — ela avisou, já encontrando um pacote de farinha naquele local e o colocando dentro do carrinho. — Que tipo de molho vocês preferem?
— Qualquer um, linda. — O garoto deu de ombros, voltando a empurrar o carrinho para irem atrás de outros ingredientes. — Na verdade, talvez Sophie e Nala prefiram queijo.
— Queijo, certo… Espera — parou, absorvendo melhor a frase de Finn e franzindo o cenho. — Você disse Nala?
— É… — Finn levou uma mão à nuca e coçou o lugar.
Quantas vezes precisaria repetir para si que aquele ato era tão apavorante que a fazia revirar os olhos instantaneamente?
— A Nala também vai para a sua casa? — ela enfatizou a palavra sua ao falar, vendo o garoto engolir em seco e voltar para perto dela.
— Convidamos o e a Nala também — Finn contou, olhando fixamente nos olhos de para lhe passar sinceridade. — Eu sei que foi ridículo o que aconteceu na sexta-feira, mas Nala falou que queria te pedir desculpas, então…
— Me pedir desculpas? — a garota riu, afastando a mão assim que Finn ameaçou pegá-la. — Você estava lá enquanto ela gritava comigo e ouviu tudo, realmente acha que ela quer me pedir desculpas?
Ela sabia que deveria respirar e pensar melhor no que estava falando. Finn talvez nem tivesse culpa, mas não conseguia entender como ele achou que poderia ser normal estar no mesmo ambiente da garota que a acusou de estar roubando seu namorado. De uma garota que gritou com ela sem ter motivo real para tal e que espalhou para a escola toda sobre o seu pai.
puxou o ar com força e fechou os olhos. Esse não era o tipo de pensamento que tinha. Ela não gostava de excluir ninguém e sabia que não tinha culpa alguma para que Nala não gostasse de sua personalidade. Ok, precisava pensar que aquilo não era um problema. Ter Nala ao lado durante uma tarde não era um empecilho até porque elas nem tinham questões para resolver de verdade.
Só não tinha certeza de que ela realmente queria pedir desculpas.
— Foi mal, eu deveria ter falado antes. — Finn finalmente conseguiu pegar uma das mãos de e a firmou entre seus dedos. — Eu só acho que poderia existir uma chance de todo o grupo se dar bem.
— Eu… eu entendo. — o olhou e em seguida olhou para suas mãos. — Não quero ser o motivo do afastamento de vocês, só… só acho que se Nala quisesse mesmo se desculpar, já teria feito — ela foi sincera.
— Concordo com você, mas não faz mal tentar, sim?
— Sim — ela concordou com a cabeça e deu um meio sorriso.
Estava incomodada.
Não falaria para Finn, mas estava.
Não conseguia sentir que aquilo era mesmo real. Que Nala decidiu por vontade própria pedir desculpas para que seus amigos não se afastassem. Não era algo que entrava na sua mente com muita clareza, mas preferiu agonizar com aquela ideia sozinha enquanto colocava tudo o que precisava dentro do carrinho. Finn acabou pegando algumas bebidas e sorvetes, para que então pudessem ir até a casa dele.


Capítulo 12

e Finn já haviam separado tudo o que precisariam para fazer o almoço do lado de fora da casa, no espaço gourmet que dava acesso à piscina e possuía uma cozinha muito bem equipada. Os casais de amigos ainda não tinham chegado, mas como demoraria um pouco para que a garota preparasse tudo, além dos molhos, ambos já estavam, literalmente, com a mão na massa.
— Você costumava fazer isso na Itália? — Finn perguntou enquanto amassava a farinha e os ovos com os dedos, fazendo com que eles formassem uma coisa só.
— Sim. Giuseppe vem de uma família tradicionalmente italiana e ele achava um insulto comprar massa pronta no mercado — riu, lembrando o quanto ela, Penélope e Lúcia discutiam com ele pelo trabalho que era preparar macarrão e a sujeira que fazia. — Mas depois nos acostumamos. Sem dúvidas, quando você faz a própria massa desde o zero, o sabor fica muito melhor.
— E a esposa dele... Lúcia, isso? — a garota concordou com a cabeça. — Não é italiana?
— Não. Ela estudou com a minha mãe em um curso de artes aqui na Califórnia quando eram mais novas, mas sempre teve o sonho de morar na Itália, então se inscreveu para as faculdades de lá. Passou em Sassari e se mudou para o arquipélago da Sardenha antes dos 18 anos. — jogou farinha na bancada de mármore e colocou a massa, que já havia descansado por tempo o suficiente, em cima. — Eles vêm para o Dia de Ação de Graças aqui.
— Sério? Vão ficar na casa do seu pai? — Finn terminou de amassar e cobriu a vasilha com um pano para que aquela massa também descansasse.
— Vão. — tinha um sorriso genuíno no rosto, afinal faltava poucos dias para que Lúcia e Giuseppe chegassem e estava muito empolgada com isso. — Lá na Itália não costuma ter feriado para o Dia de Ação de Graças, mas nunca deixamos de comemorar — ela contou, não medindo o quanto estava se abrindo para o garoto.
Gostava de falar sobre a Itália, mesmo que não gostasse de falar sobre a situação que viveu com a mãe. E Finn parecia gostar de ouvi-la, não poderia negar que seu coração ficava contente com a forma que ele a olhava e prestava atenção nas suas palavras.
— Isso é legal, não é? Manter uma tradição familiar.
— Vocês têm alguma? — a garota perguntou, percebendo que Finn estava se aproximando.
já segurava o rolo e abria a massa com calma. Era a parte mais demorada do processo.
— Difícil. Tentamos todo ano passar o Natal juntos, mas meu pai acaba viajando muito pelo trabalho. Quando dá, deu, quando não dá, eu janto no Bromélias. — O garoto parou atrás de e depositou um beijo singelo no ombro dela.
— Você quer passar o jantar de Ação de Graças conosco? Tenho certeza de que Lúcia e Giuseppe vão adorar — o convite saiu sem que pudesse prestar atenção nas palavras que estava dizendo, mas não é como se fosse algo fora do comum, então ignorou a forma como seu coração batia rápido.
— Eu é que vou adorar, linda.
A presença de Finn logo se tornou distante e não mais sentiu o calor do corpo dele atrás de si. Quando ela ergueu a cabeça, percebeu que e Nala se aproximavam de mãos dadas. Um sorriso que parecia genuíno preenchia o rosto da garota e ela falava alguma coisa engraçada para o namorado, visto que esse também ria.
Por um momento, sentiu uma fisgada no peito e relembrou a conversa que tivera com na praia. Meu relacionamento com Nala tem prazo de validade, foi o que ele dissera sem remorso algum. Mas olhando eles se aproximarem de onde estava, as palavras do garoto pareciam invalidadas. O jeito que sorriam um para o outro e pareciam ter suas mãos tão bem encaixadas fez com que um buraco fosse criado bem no estômago de e ela jamais saberia dizer o porquê.
Era só como se mais uma mentira tivesse sido dita.
Como se não conseguisse ser uma pessoa verdadeira com ela em nenhum momento.
E odiava aquela sensação.
Odiava ter que olhá-lo com uma confiança que não existia de verdade para que pudesse acreditar em tudo que ouvira. Era uma repulsa da forma como ele a tratava e não parecia se importar nem um pouco com o resultado de suas ações, uma repulsa que sentiu bater contra o peito.
Quando reparou que eles já estavam perto o bastante e cumprimentavam Finn, ela voltou a atenção à massa e focou os olhos na faca em sua mão que a auxiliava a cortar as finuras do talharim.
— Bom dia, — a voz de Nala se sobressaiu à pequena caixa de música que tirava o silêncio do ambiente.
engoliu em seco e levou seus olhos até Nala.
A garota loira tinha os braços apoiados do outro lado da enorme bancada, óculos de sol pendurados na cabeça e a parte de cima de um biquíni colorido sobre o corpo. O sorriso ainda não tinha saído do rosto, mas agora não parecia mais genuíno, era algo que não conseguia decifrar.
E nem estava disposta para tal.
— Bom dia — ela respondeu, voltando a cortar as tiras de macarrão.
— Está precisando de ajuda? — foi quem perguntou, tentando quebrar o clima pesado que ambas criaram sem nem perceber.
— Não, obrigada.
— Por que vocês não preparam algo para bebermos? — Nala sugeriu, puxando uma banqueta para se sentar.
— Claro. — Finn se aproximou de . — Quer algo, linda?
— Só uma água está ótimo.
— Certo.
Finn e se afastaram, caminhando para dentro da casa onde as bebidas ainda estavam. sentia a atmosfera pesar ao seu redor cada vez que a imagem dos garotos ficava mais afastada, até que eles sumissem por completo. Uma saliva grossa ultrapassou sua garganta e, com um pouco mais de força, ela guiou a faca entre a massa.
Era a primeira vez que ficava sozinha com a garota. E começava a não ter certeza se era realmente um pedido de desculpas que sairia da boca dela, visto que sua feição parecia algo semelhante com deboche.
— Vou ser rápida — Nala falou em um tom um pouco mais baixo, para que só pudesse ouvir. — Se não fosse por , essa conversa nem existiria.
— Se estiver fazendo isso por ele e não por você, peço que não continue — usou o mesmo tom e não ergueu os olhos para ver a reação da garota.
— Vou continuar da mesma forma, afinal não me importa o que você pensa. Na cabeça do é o mínimo eu te pedir desculpas por tudo o que eu falei na festa de Sophie, mas eu não retiraria nada daquilo. Continuo achando que você está se aproveitando da atenção dos meus amigos.
segurou a vontade de rir que a atingiu sem aviso. Apenas soltou o ar com força e puxou a vasilha com a outra massa para poder começar a abri-la.
— E o que mais?
— Mais nada. Você vai fingir que eu pedi desculpas, que está tudo bem entre a gente e eu vou tolerar você nas nossas saídas em casal.
— Senão o que, Nala? - largou tudo no balcão e ergueu os olhos para o rosto da garota. — O que você vai fazer?
— Vou espalhar os podres que descobri sobre sua mãe. Penélope, não é? — O olhar gélido que Nala lançava na direção de até poderia ter a intimidado, mas era como se o coração de quisesse amortecer algo que ela sabia não ser o pior daquela garota.
— E você acha que alguém vai se importar com o que minha mãe fez ou deixou de fazer, Nala? Olha bem pro meu rosto e me diz, você acha que eu me importo que tipo de influência você tem? Eu não estou nem aí, pode falar o que quiser da minha mãe.
percebeu o choque ultrapassar cada músculo do rosto de Nala e era exatamente aquela reação que estava tentando obter. Era como se em um lapso sua mente entendesse que se ela desse à Nala o que ela quisesse, sairia de mãos atadas de um lugar que estava gostando tanto de participar. Foi rápido captar que, na verdade, tudo o que ela precisava era desafiá-la.
Mesmo que jogar aquele tipo de jogo não fizesse parte de quem ela era.
Ela tinha certeza de que Nala cansaria em breve, afinal ela precisava só de atenção, e era exatamente o que a daria. Atenção necessária para que a garota se colocasse em seu devido lugar antes que perdesse todos aqueles que considerava importantes, incluindo .
— Você vai precisar de muito mais para que eu ceda aos seus desejos. Se seus amigos me querem aqui, é exatamente onde eu vou continuar. Não ligo para o que você quer.
Uma dor terrível atingiu a garganta de e ela precisou engolir qualquer resquício de choro que viria a aparecer a qualquer momento. Não falava assim com ninguém, não desafiava nem uma formiga em seu habitat natural, mas sentia que, se não fosse daquela forma com Nala, aquilo nunca mudaria.
E tudo o que mais queria era que acabasse aquela guerra sem fundamento. Uma guerra que Nala criara na própria cabeça e que jamais faria sentido algum. Talvez considerasse essa posição como uma cartada final, era sua última tentativa de fazer Nala entender que estava errada e que tudo o que ela pensava não passava de um grande absurdo. Mesmo que não tivesse tentado outras coisas.
Não tinha disponibilidade para ficar tentando fazê-la gostar de si.
Finn e saíram de dentro da casa rindo alto, enquanto carregavam copos lotados de bebidas. Nala logo desfez a cara de tacho que ainda tinha após a declaração de e arrumou a postura, jogando um sorriso falso no rosto. , por sua vez, voltou a atenção para o macarrão que já estava esticado o suficiente para ser cortado.
Era nisso que focaria toda sua atenção.
Mesmo que quisesse largar tudo ali, correr para bem longe e chorar, não cederia aos caprichos ridículos de uma garota ciumenta. Bem-vinda ao sonho californiano, não é? Imaginava um filme americano naquelas terras tão hollywoodianas, e era exatamente o que estava recebendo.
Uma líder de torcida enciumada que faz de tudo para que o namorado capitão do time de futebol não acabe com a mocinha esquisita recém chegada na cidade.
A única diferença era que não estava nem aí para o namorado dela.
Alô, ela beijava Finn quando quisesse. O que tinha a ver com tudo?
Depois de tomar um longo gole da água gelada que Finn lhe entregou, terminou de cortar toda a massa e partiu para os molhos que decidira preparar. Queijo exclusivamente para Sophie e sugo para os demais. Duas coisas rápidas e práticas para que pudessem almoçar logo e curtir o restante do dia de sol na piscina.
Não prestou atenção em nenhuma conversa que seguia bem ao seu lado. Sophie e Cameron não demoraram em se juntar a eles e logo o grupo estava todo focado no campeonato que aconteceria dentro de dois dias, algo que não tinha energia para acompanhar. Sua carranca demonstrava facilmente isso, por isso evitou todos os olhares furtivos de Sophie e suas tentativas de descobrir o que estava acontecendo.
só queria acabar logo com tudo aquilo e ir para casa. Queria finalmente ficar sozinha e pensar com clareza o que era certo a se fazer. Não era possível que Nala fosse tão certeira assim em suas palavras para conseguir incomodar o âmago de . Ela foi sincera ao falar que não se importava com os podres que Nala havia descoberto sobre sua mãe, afinal o que mudaria em sua vida?
Sua mãe nem estava mais naquele plano.
A reputação dela já tinha sido criada e não eram fofocas que mudariam isso.
Muito menos o amor que continuaria a sentir por ela.
E, por mais que sentisse uma vontade absurda de desabafar com alguém sobre aquilo, só tinha uma pessoa que a ouviria com paciência e a ajudaria a aliviar. Mas era a última pessoa do mundo que deveria saber sobre tudo o que ela estava passando.
Quando ela terminou de preparar o almoço, serviu tudo sobre o balcão e deixou que eles escolhessem qual molho pegariam. Sorriu forçadamente em todos os elogios que recebeu e contou os segundos para que aquela interação chegasse logo ao fim. Todo o mantra que Lúcia repetia para ela parecia melodia em sua mente, mas nenhum efeito surtia em seu peito.
Você não tem controle sobre o que as pessoas pensam sobre você.
Tudo bem existir alguém que não goste de você.
Temos que lidar com a nossa verdade e os nossos princípios, jamais deixar que nos moldem sem nossa própria vontade.
Ouvia tanto isso na Itália que já tinha tomado como verdade para si. Mas não sabia mais se realmente sentia e pensava aquilo. Não estava conseguindo controlar a vontade de largar todos ali e se isolar como se nunca os tivesse conhecido. Dentro do peito, um aperto tão forte ultrapassava suas barreiras e considerava se afastar daquelas pessoas para que Nala vivesse em paz e a deixasse em paz.
Sabia exatamente o que sua mãe diria naquela situação. Uma única pessoa não pode dizer o que devemos ou não fazer, está nas nossas mãos traçar nosso destino. Mas o cansaço de lutar contra aquela maré tão alta que era Nala O’malley a tomava tão certeira que a consideração de acordar no dia seguinte fingindo que não era mais amiga deles era grande.
Pensava que Kadence e Cedric deveriam ter sido seus únicos amigos ali naquela cidade e se culpava por tê-los afastados. Por mais que sentisse desconfiança de Kadence, a garota não a perturbava por acreditar que a atrapalhava. Pelo contrário, Kadence era espalhafatosa e tagarela, mas pelo menos se importava com o sentimento dos outros.
— Vai me contar o que está acontecendo ou vou ter que insistir? — Sophie perguntou assim que conseguiu ficar a sós com , enquanto os garotos lavavam a louça e Nala tomava sol na espreguiçadeira.
desencostou o corpo da pilastra e guardou o celular no bolso do short para encarar a amiga.
— Não tem nada acontecendo.
.
— Estou falando sério.
Ela não iria contar à Sophie.
Na verdade, não contaria para ninguém. Faria exatamente o que Nala queria. Fingiria que ela havia pedido desculpas e que se davam bem para conviverem em grupo. Mas seria inevitável o afastamento.
não conseguiria evitar.
Seus planos iniciais estavam de volta.
Era só um ano.
Sua casa a aguardava.
— Aconteceu algo com Finn? — Sophie tentou.
— Não.
— Foi com Nala então, o que ela fez?
— Nada. Me pediu desculpas assim como falou que faria.
— Então por que você está estranha?
— Só pensativa. Vou ficar bem. — sorriu fraco e observou a desconfiança passar pelos olhos claros de Sophie, mas ignorou.
Sophie não engoliu bem a história, e se Cameron não tivesse sido brincalhão em tempo, pegando-a no colo e os jogando na piscina, teria aberto o jogo de uma vez. Ainda bem que não aconteceu. Sua cabeça não lidaria bem com mais intrigas.
— Vou buscar o sorvete — ela anunciou quando percebeu que Finn se aproximava sorrateiramente.
O garoto franziu o cenho, mas concordou, parando no lugar em que estava e observando se afastar rapidamente para dentro da casa.
Ela não queria enganá-lo. Não era uma cretina. Mas quando ele perguntasse o que estava acontecendo e a chamasse de linda, não conseguiria mentir. Com tudo o que passava em sua mente, percebeu que se abria fácil demais para as pessoas. Se Sophie insistisse, teria uma confissão. Se Finn a questionasse pacientemente, como ele sempre fazia, arrancaria dela a mais pura verdade.
Era por isso que precisava se afastar.
Evitar conversas.
Era mais fácil daquela forma.
Um curativo jamais deveria ser retirado lentamente. Ele deveria ser arrancado sem piedade.
— Ela não te pediu desculpas.
ignorou a batida forte que seu coração deu quando a voz grave de ressoou pela cozinha. Permaneceu decidida a encontrar potes de sobremesa para que pudessem comer os sorvetes que haviam comprado.
.
— ela repetiu, sem se dar o trabalho de virar o rosto e encará-lo.
— Olha pra mim — ele pediu, paciente.
Engolindo em seco, desistiu de achar os potes e foi até a geladeira. Tinha certeza de que os sorvetes estavam ali e era uma ótima distração para tentar fazê-lo desistir da ideia de conversar sobre a garota que estava logo ali, tomando um banho de sol, e que inclusive, era sua namorada.
— Por favor, olha pra mim.
Mais uma batida descompassada anunciou seu nervosismo.
A única coisa que conseguia agradecer agora era não ter o superpoder de ouvir seu coração.
— Por quê? O que vai mudar?
— Só vou saber quando olhar para mim.
Agora, além de sentir o coração bater forte contra o peito, também sentia ele bombear em sua cabeça. Aquelas malditas pessoas conseguiam arrancar a verdade dela, era muito fácil! era e sempre seria um livro aberto, não conseguia esconder o que sentia nem o que pensava. Tudo era transpassado bem em seus olhos, era só observá-la que decifrariam seus maiores desejos em alguns segundos.
E ela sabia que aquele sentimento era porque gostava e confiava neles.
— Eu não posso ser tão óbvia assim — murmurou assim que se virou e encontrou os olhos escuros de a encarando de volta.
— Você não é óbvia. Só não consegue esconder quando algo a incomoda.
— E o que está me incomodando agora, ? — sua voz era um sussurro e ela não estava conseguindo manter a conexão visual que faziam.
Algo dentro de si lhe avisava que aquilo estava muito longe de estar certo.
— Nala não se arrepender, de verdade, da forma como tem te tratado.
— Essa é a menor das minhas preocupações — foi sincera, baixando a guarda quando soltou todo ar que estava prendendo com lentidão.
— Então o que é? O que você estava pensando esse tempo inteiro?
— Eu… — Os olhos de seguiram até a janela quando um gritinho de Sophie chamou sua atenção.
Eles brincavam na piscina como se não tivessem acabado de se empanturrar de macarrão com molho e riam de alguma palhaçada que Cameron fazia. Aquilo fez um pequeno sorriso surgir no canto da boca de . Eles eram pura felicidade, o tempo inteiro. Era por isso que gostava tanto de estar na presença deles, porque os problemas desapareciam e viver a adolescência parecia o mais simples e necessário possível.
Mas o fato de sua presença estremecer a amizade que eles tinham só a fazia querer ir embora sem dar satisfação. Saber que estar ali incomodava alguém era motivo o suficiente para garantir que jamais deveria continuar se aproximando com afinco daquele grupo.
— Eu fiz você se afastar dos seus melhores amigos. Vocês. — A garganta da garota ardeu ao falar aquilo. — Era por isso que você falou para eu não me aproximar deles, não é? Sabia que isso poderia acontecer.
— Eu tinha uma ideia. — A verdade por trás das palavras de fez uma lâmina imaginária atravessar a barriga de . — Mas você não foi o motivo do nosso afastamento.
tentou dar alguns passos para se aproximar de , mas a garota rapidamente negou com a cabeça, se afastando novamente.
— Não dificulte as coisas — ela pediu. — Não podemos ser amigos, não mais.
— Você vai mesmo deixar o que ela te disse te afetar dessa forma?
O olhar duro de na sua direção a fez fechar os olhos e respirar fundo. Estava prestes a chorar. Sabia que a qualquer momento uma lágrima poderia cair por sua bochecha e dar espaço para que outras surgissem sem nem esperar. Mas, caramba! O que ele queria dela, exatamente? Que ignorasse a enxurrada de decepção que foi ouvir as palavras venenosas de Nala?
Ela só queria entender!
Entender o que fizera pessoalmente para aquela garota, para que ela a odiasse de forma tão idiota e severa. Entender qual era o problema em se relacionar com aquelas pessoas e o que de tão errado ela tinha para que não fosse digna de participar daqueles momentos tão incríveis com pessoas tão boas.
Será que o cara lá de cima queria tanto assim que ela fosse infeliz? Será que ela não era merecedora de uma vida alegre e constante? Porque só poderia significar isso. Perder a mãe com 17 anos, a única pessoa que era capaz de entender sua voz, acalentar seu choro e ouvir seus murmúrios ansiosos. Ser obrigada a sair da sua casa para se mudar para uma cidade em que não conhecia nem o próprio pai. Ficar longe de tudo aquilo que um dia confiou e amou para que pudesse recomeçar uma vida nova.
Até então, a culpa nunca a havia atravessado como estava acontecendo naquele momento. Talvez a entidade divina estivesse a punindo por abandonar o sofrimento que era perder a mãe, talvez não estivesse contente com a forma como estava lidando com sua nova rotina e o fato de estar gostando de morar naquela cidade. Deveria voltar ao plano original para que nada saísse dos trilhos. Não deveria se envolver com ninguém até que todo o valor necessário para comprar uma passagem só de ida para a Itália fosse arrecadado e nada a fizesse mudar de ideia.
— Eu já disse. Não quero afastar vocês mais ainda. Não é justo. — voltou a se virar para a geladeira e a abriu, buscando pelos potes de sorvete no freezer. — Não vou fazer cena, só vou… me afastar. Gradualmente.
Firmando os potes em suas mãos, fechou a geladeira e caminhou determinada na direção da saída. Já estavam levando mais tempo que o normal ali e logo alguém desconfiaria daquele bate papo não saudável e tudo o que ela menos queria era criar ainda mais problemas. Já bastava de intrigas.
. — tocou em seu ombros e uma descarga elétrica percorreu toda a pele da garota.
Mas ela não se virou para olhá-lo.
— Não vou mais insistir, mas se não quiser fazer por você mesmo, faça por Finn — a voz que era sempre grave e certeira agora parecia um fiapo —, ele merece alguém como você.
— Engraçado — também falou baixo. — Lembro de ouvir o contrário alguns dias atrás.
— Eu só queria… evitar o pior.
— Não sei que pior é esse, mas sabe de uma coisa, ? Eu sei me virar sozinha.
O peito da garota lutou contra aquelas palavras grosseiras, mas ela não via outra opção senão agir exatamente daquele jeito. Talvez alguém lhe dissesse que uma hora tudo isso passaria, que em algum momento Nala aceitaria sua presença e pararia de acreditar que era uma ameaça. Mas ela não estava disposta a lutar uma batalha da qual nem tinha certeza de que queria vencer.
Tudo o que fez foi se afastar das mãos quentes de e caminhar para fora da casa com um sorriso que nem sabia que conseguia dar. A decisão estava tomada. Depois de uma reviravolta mental árdua, sabia qual seria sua posição e como colocaria tudo em prática.
Muito provavelmente quando deitasse a cabeça no travesseiro naquela noite ela, se arrependeria amargamente de decidir aquilo, mas no momento, um ponto final estava prestes a ser colocado.


Capítulo 13

, tira uma foto minha aqui — Sophie pediu, estendendo o celular para a amiga e se apoiando no parapeito do deque do Bromélias.
tirou os olhos do caderno em sua frente e se ergueu, pegando o celular de Sophie e posicionando a foto perfeita para ela. O campeonato ocorria logo atrás delas em Main Beach, onde Finn e Cameron jogavam avidamente contra garotos do primeiro ano, enquanto aproveitava para pôr as matérias em dia e Sophie matava tempo até sua dupla chegar para o jogo delas.
— Tem alguma prova que eu não estou sabendo? — a garota perguntou quando saiu de onde estava para se sentar em frente à amiga, focada em editar sua foto para postar mais tarde nas redes sociais.
— Não, mas eu cheguei quase um mês depois do início das aulas, tem muita coisa em atraso — explicou, virando a página do caderno de Kadence para voltar a copiar no seu.
O dia estava bonito para o campeonato custeado pela prefeitura. O sol brilhava lindamente no céu, mas um vento gelado deixava claro que eles não estavam no verão e bagunçava as folhas dispersas em cima da mesa que usava. Amélia e tinham ido até Newport em busca de vegetais frescos para aquela noite, já que o carregamento que abastecia a venda que eles costumavam comprar havia tombado na estrada a caminho de Laguna Beach, então pediram para que ela vigiasse as coisas enquanto estivesse ali.
A garota sabia que Henri chegaria em menos de 5 minutos, mas sentiu-se importante ao obter a confiança de Amélia para cuidar do restaurante até que eles voltassem.
— Nala chegou. Vou lá me aquecer — Sophie anunciou, erguendo-se do banco de madeira e dando a volta na mesa para depositar um beijo na bochecha de . — Me deseje sorte.
— Já ganhou — fingiu empolgação e arrancou uma gargalhada da garota quando ela se afastou.
Por um momento, levou os olhos para a areia. Na quadra de beach tennis, agora outras duplas jogavam empenhados. Finn e Cameron já estavam em algum outro lugar, mal sabia se eles tinham ganhado, mas para ser sincera, naquele momento não se importava. Precisava focar sua mente nas aulas e matérias que ainda estava atrasada e com dificuldade para não pensar demais em como sua vontade de se afastar daquelas pessoas foi frustrada pela sua vontade de continuar perto delas.
Uma rajada de vento atravessou seu braço desnudo e viu a pele arrepiar. Buscou um moletom dentro da mochila e o vestiu, notando o quanto o mar parecia revolto naquele dia e como as pessoas que fariam provas aquáticas passariam frio assim que pusessem os pés na água.
O barulho de pessoas gritando e se apoiando no campeonato do dia abafava um pouco o som das ondas, algo que a garota sempre gostou de apreciar. Viver em cidades praianas sempre foi visto como um benefício para ela, aproveitar da água salgada para lavar a alma era algo que mudava seu humor e, se tivesse trazido um biquíni, com certeza já estaria dentro do mar, torcendo para que aquele mal estar se desfizesse junto às ondas.
Tesoro, já cheguei —- Henri avisou, botando a cabeça para fora na porta dupla que dava acesso ao deque. - Se quiser ir torcer por seus amigos, pode ir.
— Estou bem aqui — ela sorriu para o homem, voltando sua atenção aos estudos.
Mas não estava mais conseguindo focar. Seus olhos constantemente seguiam para a quadra que o colégio fizera para a competição e procurava nenhuma pessoa em específico. Sua mente vagava distante dali, pensamentos que nem ela conseguia organizar sozinha, quem dirá parar para analisá-los. A animação fervorosa dos alunos poderia ser contagiante se estivesse lá no meio, vibrando com cada vitória e rindo com amigos certos do lado.
Só que, naquele dia, aquilo estava longe de ser o que ela queria. Tinha medo do que seus sentimentos estavam fazendo com sua cabeça, mas escolheu ficar sozinha da mesma forma. Precisava escutar sua própria voz, curtir sua companhia e acreditar que aquilo era algo bom que poderia se tornar cada vez mais comum.
sentiu uma fisgada na barriga quando encontrou Finn no meio de todos aqueles alunos. Ele abraçava Sadie, a qual ria e devolvia o abraço, ao lado deles Nala segurava uma raquete em uma mão e entornava uma garrafa de água com a outra. Sophie e Cameron não estavam ali. Uma memória não tão recente invadiu a mente de e ela lembrou-se de como Sadie se esquivou dela e de Finn na primeira festa que ela fora na cidade, assim como também Finn lhe contou que ela não queria algo sério com ele a alguns anos atrás.
Uma reviravolta de sensações invadiu o peito de e ela ainda não sabia decifrar corretamente o que era real. Por um lado, estava apavorada de Finn perceber que ela jamais preencheria a lacuna que Sadie havia deixado em sua vida, e o outro lado era puro deboche, salientando que eles não eram namorados e que aquele afeto não deveria lhe magoar, afinal Sadie chegou primeiro.
E novamente, ali estava a culpa.
A culpa por ficar com um garoto que tinha um passado com uma colega. Um passado que parecia tão inacabado que seria impossível perfurar os tijolos e tentar entender.
odiava aqueles pensamentos ansiosos. Odiava o quanto se sabotava sozinha com suas próprias ideias, mas era inevitável. Quando parava para repor as opiniões constantes do seu cérebro, já era tarde demais e todo seu autocontrole tinha ido para o espaço viajar com os extraterrestres. A ansiedade já tinha lhe feito de palhaça e criado um mundo à parte onde todos estavam contra ela.
Desistindo de terminar seus resumos, juntou todas as coisas que estavam sobre a mesa e as colocou dentro da mochila de qualquer jeito. Seguiu para dentro do restaurante e guardou seus pertences no armário da pequena sala perto da cozinha. Iria distrair a mente sendo útil para o restaurante antes que entrasse em uma combustão de colapso.
Encontrou Henri puxando alguns engradados de bebidas que haviam descarregado mais cedo e o ajudou a guardar cada garrafa em seu devido lugar. A grande maioria dentro do freezer para gelar em tempo para a noite daquele mesmo dia.
— Chegamos — a voz de Amélia preencheu o local depois de longos minutos, e a mulher largou as sacolas de papelão que carregava sobre o balcão do caixa.
— Foi rápido — falou, fechando a porta do freezer para ajudar Amélia a separar os legumes em vasilhas da cozinha.
— Obrigada por ter ficado aqui, querida — a mais velha sorriu, verificando os pimentões. — Como foram as competições de hoje?
— Nem prestei atenção — riu, mas saiu quase esganiçado, afinal nem ela via graça na própria resposta. — Terminei alguns resumos da escola.
— Finn e Cameron venceram a primeira rodada — anunciou, adentrando o restaurante segurando duas caixas lotadas de verduras frescas. — Acabei de esbarrar com eles no estacionamento.
— Legal — a garota murmurou, não desviando sua atenção.
Amélia a olhou de cenho franzido.
— Deixe que eu termine isso, querida — a mais velha falou, tirando as vasilhas e sacolas de perto de . — Você pode tirar o lixo lá de trás, por favor?
— Claro.
bateu as mãos na calça e se afastou, caminhando de volta para o deque. A cabeça um turbilhão, mesmo que quisesse evitar. Se aproximou do latão de lixo e recolheu a sacola que já estava lotada, amarrando-a no topo. Com um pouco de esforço ela puxou o saco pesado na direção do restaurante, mas um pequeno pedaço de papel cruzou seu caminho, parando bem embaixo do seu tênis e a fazendo derrapar no deque.
— Ouch — ela murmurou, depois de um baque surdo avisar sua queda de bunda no chão.
? — logo surgiu entre as portas duplas, correndo até estar agachado ao lado da garota. — O que aconteceu?
— Escorreguei — ela respondeu como se fosse óbvio, desistindo de tentar levantar quando percebeu que sua lombar doía.
— Está se sentindo bem? Tem algum lugar doendo? — ele interrogou, empurrando a sacola de lixo para mais longe e verificando todos os lados possíveis da garota.
— O que foi? — Amélia e Henri apareceram na porta, as expressões preocupadas no rosto.
- Ela caiu, estou tentando descobrir se tem algum machucado. - respondeu antes que tivesse a chance de explicar.
— Estou bem — ralhou, forçando o pé no chão para se erguer. — Me ajuda aqui — pediu, estendendo a mão para que ele a impulsionasse para cima.
segurou a mão da garota e fez um pouco de força para que pudessem se levantar sem nenhum prejuízo. A careta de dor que fez quando ficou de pé o deixou alarmado.
— Você pode ter se machucado.
— Onde dói, querida? — Amélia se aproximou.
— Melhor ir ao hospital, tesoro. — Henri também chegou perto.
— Estou bem — repetiu, levemente irritada. — Doeu bater a bunda no chão, mas logo passa. — Os olhares que recebeu só a deixaram agoniada. — É sério.
— Eu vi a queda — Nala surgiu como uma heroína pela entrada do deque, a feição preocupada, ou melhor, fingindo estar preocupada. — Seria melhor ir ao hospital, , pode ter luxado.
— Não — a garota rosnou, se afastando sem nem olhar para o lado e caminhando em passos dificultosos até a cozinha.
— Acho que ela ficou com vergonha — ela conseguiu ouvir Nala falar.
Revirou os olhos.
Lavaria as verduras antes que virasse para Nala e a estrangulasse ali mesmo, na frente de todo mundo. Grande cara de pau daquela garota petulante em achar que daria ouvidos para seus conselhos bondosos que estavam longe de ser verdadeiros. Já lhe bastava a presepada de domingo na casa de Finn, o que mais ela queria? Provar para Amélia que era uma excelente nora?
— Eu vi a queda — murmurou, revirando os olhos novamente, enquanto jogava as gotas de produto para desinfetar as verduras.
— Amélia a chamou assim que entrou na cozinha, garantindo que as portas vai e vem permanecessem fechadas. — Está tudo bem?
— Está sim, Amélia — ela respondeu prontamente, tentando melhorar a expressão que fazia. — Não tenho dor nenhuma, foi só um susto.
— Não estou falando sobre a queda — a mais velha foi categórica, apoiando-se no balcão ao lado da pia e encarando atentamente a garota. — Você ficou incomodada com algo a mais, reparei quando cheguei ao restaurante. Quer conversar sobre isso?
— Quero, mas não posso — falou baixo, separando os tomates e as cebolas.
— Por que não pode?
— São assuntos que envolvem seu filho e a namorada, Amélia, e não quero te deixar com uma pulga atrás da orelha em suas relações familiares.
Amélia respirou fundo e cruzou os braços em frente ao peito, repensando as palavras que usaria para que confiasse nela.
— A relação familiar é única e exclusiva entre mim e . Além do mais, desde quando você começou a ficar com receio de me falar as coisas? — A mulher pegou um pano no balcão e foi para perto de , retirando as mãos dela de dentro da água e as enxugando. — Não estou surpresa, para ser sincera. Sua mãe agia da mesma forma. Mas tinha algo que a fazia falar, vou buscar.
engoliu com dificuldade a saliva e terminou de secar as mãos, observando Amélia se mover até a geladeira com cuidado, tirando de lá uma torta linda que fez as papilas gustativas da garota se atraírem instantaneamente. A mais velha apoiou a torta sobre o balcão ao lado de e buscou pratos e talheres para que pudessem comer.
— Cheesecake de blueberry. Era o favorito dela — Amélia contou, entregando o prato servido para .
— Ela comentou uma vez sobre uma torta saborosa que tinha gosto de infância — falou, cortando um pedaço e o enfiando na boca sem delonga.
— Ela falava isso. Dizia que eu conseguia recriar o sabor da vida dela na casa da avó, em Pomona. E quando ela estava angustiada com algo, eu sempre sabia que era exatamente isso que ela precisava, mordiscar um pedaço de torta e se libertar das amarras dos pensamentos. — O sorriso no rosto de Amélia demonstrava o quanto ela sentia saudades.
— Eu não sei como foi a infância da minha mãe em Pomona, mas sei que o gosto disso aqui me levou de volta à La Maddalena, sem dúvida. — A boca de estava cheia, mas ela pouco se importava, afinal a cada mordida e uma explosão de blueberry na língua era como se levasse seus problemas para bem longe dali.
— E quais são suas amarras, querida? — a voz doce e delicada da Amélia encheram os ouvidos de e ela largou o prato sobre o balcão de inox em sua frente.
— Nala não gosta de mim. Desde a primeira vez que botou os olhos em mim, criou um ciúmes imaginário sobre e seus amigos. — O olhar da garota foi para o chão e um sentimento estranho invadiu seu peito. — Ela acredita que quero roubar dela e que… sei lá, que sou uma ameaça constante à sua reputação e a sua rotina. Isso está me esgotando, porque eu não fiz absolutamente nada.
— Isso é complicado. — Amélia prendeu a língua para não falar o que gostaria de verdade. — Ela sempre foi muito ciumenta com , desde quando eram apenas amigos. Não sei se consigo te dizer que isso é porque ela o ama, pode até ser, mas acredito que seja mais por ela sentir uma posse sobre ele que a faz vulnerável.
— O que eu tenho a ver com isso? Digo, entendo ter ciúmes, acho que pode ser considerado natural até, mas logo de mim? e eu nem somos próximos!
— Mas você é a garota nova, a garota que está fazendo um trabalho anual com ele, que trabalha com ele! Na cabeça dela você é uma ameaça. As outras garotas não, afinal ele nunca passou tanto tempo com alguém que não fosse ela ou eu. Me entende? — a mulher falou com calma e paciência, tentando não tomar lado naquele problema. — Não estou dizendo que isso justifica as ações ou palavras dela, jamais vão ser justificadas, mas estou tentando te fazer entender o que pode estar passando pela cabeça dela, assim fica mais fácil de lidar.
— Eu tento me manter afastada de , mas esse cabeça dura fica tomando partido e pedindo para ela não ser rude comigo. — revirou os olhos e se serviu de mais uma fatia de torta, ignorando o sorrisinho que Amélia lhe deu. — E o problema é que o ciúmes não é só dele. Ela não quer que eu fique próxima de Finn, nem de Sophie, nem do Cameron. E… eu gosto deles. Não queria ter que me afastar.
A melancolia ultrapassou os olhos de e ela se apressou em mastigar um pedaço de cheesecake para que o lapso momentâneo de felicidade pura pudesse atravessar seu peito e a encher de nostalgia. Era cansativo ter aquela conversa, mas ao mesmo tempo parecia a coisa certa a se fazer. Amélia era tão boa com as palavras quanto sua mãe.
— Não acho que se afastar vai ser a solução. Quando a gente foge dos problemas dessa forma, eles dão um jeito de nos atormentar por muito tempo, principalmente em uma cidade como Laguna Beach — Amélia suspirou. — Deve existir algum meio termo para que se possa conviver com esse ciúme possessivo de Nala.
— Já desisti de procurar. Além do mais, não quero que eles tenham que escolher um lado, sabe? Ela chegou primeiro, deixa ficar. — A garota deu de ombros.
— Eles não precisam escolher um lado, . Eles só precisam enxergar a verdade e lidar com ela.
— E qual é a verdade?
— Que você é uma garota boa. Que não está querendo estragar vínculo algum, só está tentando se encaixar.
— Eu odeio ser a garota nova — murmurou, rindo fraco em seguida. — Ainda bem que tenho você aqui.
— Não me faça chorar a essa hora do dia, querida. — Amélia se aproximou e retirou o prato da mão da garota, rodeando os ombros dela com seu braço para um abraço reconfortante. — Você pode sempre contar comigo.
— Obrigada.

— Está se sentindo melhor? — se recostou no balcão do caixa após o expediente, observando contar pacientemente o dinheiro.
— Sim. Nenhuma dor. — Ela desviou os olhos das notas apenas para dar um sorriso pequeno para e voltou a prestar atenção no fechamento do dia.
— Quer uma carona para casa hoje? O motorista do seu pai ainda não chegou… — o garoto deixou a frase morrer no ar e ajeitou a postura quando a mãe passou atrás de para ir até o lixeiro do lado de fora.
— Não precisa, mas obrigada.
Talvez uma parte do cérebro da garota estivesse gritando com ela naquele mesmo momento por ela estar sendo tão sucinta. Mas acreditava mais em autopreservação do que autossabotagem, então tinha certeza de que a outra parte do cérebro estava sendo inteligente em continuar mantendo o mais longe possível.
— ele chamou, sério, dando um tapinha no balcão para conseguir atrair os olhos da garota para os seus. — Não adianta tentar me afastar dessa forma, eu vou continuar conversando com você.
— Mas não deveria.
— Por quê?
— Você sabe o porquê. — respirou fundo, guardando o dinheiro e focando totalmente em . — Só quero continuar minha estadia aqui em paz, sem desavenças. Não dificulta, por favor. E também, não toca mais nesse assunto.
— Tudo bem. Então vamos falar sobre nosso trabalho de literatura, já iniciou a leitura?
Um sorriso brincou no canto dos lábios da garota. Ela segurou o máximo que conseguiu para não deixar transparecer, afinal se ele estava insistindo assim, talvez não estivesse tão errada e, no fundo, gostou da intenção que ele teve em mantê-la em uma conversa amigável. Mais tarde, ela se arrependeria, muito provavelmente, mas naquele exato momento ela relaxou os ombros e tirou a carranca da testa franzida.
— Comecei, não é um livro muito fácil de engatar, mas a obrigação já me fez quase chegar na metade. Você leu?
— As primeiras páginas — ele confessou, esboçando uma careta em seguida. — Clássico demais para meu cérebro agitado.
riu.
Não prendeu.
Foi impossível.
— Você não é agitado. Muito pelo contrário.
— Minha rotina é. — revirou os olhos de forma dramática e arrancou mais uma risada de .
— Então pare de papo furado e vá ler o livro. Preciso ir para casa. — A garota se ergueu da cadeira em que ficava e deu a volta no caixa, caminhando na direção da sala onde estavam suas coisas.
— Querida, você quer uma carona para casa? — Amélia perguntou quando voltou ao salão principal, carregando sua bolsa.
— Não precisa, Amélia — ela negou rapidamente, já digitando o número do taxista que Quinton tinha lhe dado depois do almoço.
— Mas o motorista não está de folga? Como você vai para casa?
— De táxi.
— Não, querida, te leva rapidinho. Preciso terminar algumas coisas aqui ainda, mas ele te deixa em casa e depois volta para me pegar — Amélia insistiu e o garoto adentrou o salão já sem o avental de garçom, olhando fixamente para .
Aquilo fez um arrepio percorrer a espinha de e ela focou no celular, engolindo em seco. Maldição de feromônios masculinos de um garoto que jogava futebol e tinha o corpo em dia. Não entendia as sensações que atravessavam seu peito quando ele agia de forma tão… tão . Sabia e aceitava que ele era bonito, e também já tinha entendido que ele agindo de forma babaca era na verdade para manter afastada, mas ele namorava e aqueles pensamentos tinham que ficar bem longe da cabeça dela.
Oras, desde quando seu corpo entendia que estava tudo bem se atrair por uma pessoa comprometida?
Não que estivesse atraída por , não.
Apenas respeitava e concordava que ele era bonito e que tinha músculos em dia e braços que poderiam ser capazes de fazer toda sua ansiedade sumir em um só abraço.
Tentando tirar aquelas ideias da cabeça, negou e aproveitou o movimento para negar a carona novamente.
— Não precisa, de verdade. O taxista é conhecido de Quinton.
— Eu faço questão, minha mãe vai ficar mais tranquila se souber que você chegou em segurança — falou, se aproximando das mulheres.
— Ele está certo. — Amélia a olhou de forma carinhosa e ela quis morrer.
Não era pela carona. Não era pela companhia.
Ela só queria evitar conversas.
Sempre que eles ficavam sozinhos, pareciam ter muitos assuntos pendentes e mil coisas para falar um para o outro. E naquele momento, só queria fugir de tudo aquilo que estava virando problema em Laguna Beach. Além do mais, se virasse para ela e perguntasse como ela estava, a primeira coisa que faria era desabafar.
Mesmo não devendo.
Quando sabia que poderia confiar em alguém, sua língua parecia não ter controle e ultrapassava todas as barreiras comuns da conversa civilizada.
— Tudo bem — se deu por vencida, mas prometeu para si que não entraria em nenhum assunto pessoal.
deu um sorrisinho de quem sabia que tinha conseguido o que queria e depositou um beijo no topo da cabeça da mãe, avisando que logo estaria de volta para buscá-la, para logo em seguida caminhar na direção da saída do restaurante e parar na porta para esperar o acompanhar.
— Até amanhã, Amélia. — acenou para a mais velha e passou reto pelo garoto, andando para o estacionamento onde um único carro estava parado.
Ambos adentraram o veículo e permaneceram em silêncio enquanto dava partida e dirigia para as ruas quase vazias da cidade. Os moradores de Laguna Beach quase não possuíam vida noturna, quando saíam para jantar fora de casa, eles apenas iam até os restaurantes e depois voltavam para casa. Balada não era algo que a cidade oferecia, apenas alguns pubs no centro que fechavam cedo. Basicamente as únicas movimentações baderneiras eram as festas de finais de semana que algum aluno ou ex-aluno concedia em sua própria casa.
Daquela forma, se não fossem surfistas voltando da praia ou funcionários saindo dos restaurantes, a cidade ficaria quase um breu naquele horário.
Mas estava bastante adaptada àquilo. Em La Maddalena o processo era o mesmo, incluindo os turistas curiosos que observavam o sol se pôr na praia e se resguardavam em seus hotéis para o dia seguinte. Entretanto, era impossível não sentir uma melancolia com aquele cenário.
Por mais que gostasse e se acostumasse com a ideia de viver em cidades tão pacatas, ainda queria ter a oportunidade de conhecer Los Angeles ou então Nova York. Cidades em que as ruas viviam cheia de gente, cheia de vida, e que traziam uma sensação não tão aconchegante de pertencimento e correria.
Talvez uma cidade daquela forma a ajudasse a não pensar tanto. A não desejar loucamente uma pessoa confiável para não precisar abrir mão. Uma cidade em que ela não se sentisse sozinha em um ambiente tão familiar, afinal mesmo que sua mãe não estivesse mais ali, passear pelas ruas escuras e silenciosas de Laguna Beach fazia-a imaginar como eram as sensações que sua mãe tinha e vivia naquele lugar. Sua mente criava cenários e se preenchia de imaginações de como Penélope viveria as situações que estava tendo que viver.
— Você já foi para Los Angeles? — virou a cabeça para olhar enquanto fazia a pergunta.
— Uma vez, no primeiro ano, em um passeio escolar. Por quê?
— Às vezes fico me perguntando se essas cidades que nunca dormem trazem uma sensação melhor de pertencimento. — A garota deu de ombros e voltou a olhar para a janela.
Era óbvio que já tinha quebrado a própria promessa.
Estar com em um momento que fazia sua mente processar só faria acontecer aquilo.
— Acho que não. — tirou o olho da rua apenas para observar por alguns segundos e logo voltou a prestar atenção na direção. — Pertencer a algum lugar está mais dentro da nossa cabeça do que no próprio lugar.
— É… pode ser.
— Você não acha que pertence à Laguna Beach?
— Tenho certeza que não.
— Como? — O garoto diminuiu a velocidade, desejando demorar um pouco mais para chegar ao destino final.
suspirou e olhou para de novo.
— Não parece que eu tiro bom proveito daqui. É uma cidade ótima, mas sinto como se tudo ao meu redor me mostrasse que eu não deveria continuar. Tenho a sensação de que Laguna Beach é só um capítulo, bem longo, do livro da minha vida.
— Profundo — deu um risinho para quebrar o clima pesado que a garota tinha instalado sem querer. — Mas eu entendo. E me sinto responsável por essa sensação.
— Responsável por eu não me sentir em casa? — ela perguntou, confusa.
concordou com a cabeça.
— Não entendi. Você não tem nada a ver com isso.
— Eu não tenho sido gentil com você e, bom, Nala também não. Acho que isso pode te levar a pensar que não é bem aceita aqui. Peço desculpas.
franziu o cenho.
— Você está de sacanagem?
— O quê?
, você está falando sério? — ela perguntou mais uma vez, levemente indignada.
— Sim. Estou te pedindo desculpas por ter te tratado feito um moleque na imensa maioria das vezes e também por Nala estar sendo tão infantil. Qual o problema?
— O problema é que você não tem culpa — elevou um pouco o tom, achando que aquilo era óbvio. — Sim, você foi um babaca na maior parte do tempo, mas eu não acho que isso tenha colaborado para que eu não me sentisse bem-vinda aqui. E outra, você não pode pedir desculpas por alguém que não está a fim de se desculpar.
— Eu sei que por Nala não posso falar, mas pelo menos leva em consideração o meu pedido de desculpas. Não quero mais discutir ou tentar afastar você dos nossos amigos por motivos idiotas. — O sinal da rua principal fechou e conseguiu olhar por mais tempo para a garota, observando cada reação que ela tinha conforme ia falando.
— Talvez seus motivos não tivessem sido idiotas — murmurou, sentindo o corpo desligar a raiva momentânea que explodiu no peito. — Se eu tivesse feito o que você falou, nada disso estaria acontecendo.
— Não fale besteiras, . A culpa não é sua, tira isso de cima de você, por favor. — Os olhos escuros de pareciam tão pidões que por um momento até considerou começar a fazer o que ele falara. — Você… sabe, seria impossível que o pessoal não quisesse se aproximar de você depois de te conhecer.
— Eu gosto deles. De verdade. No meu primeiro dia de aula, quando vi vocês entrando no refeitório, logo pensei que viveria um filme americano adolescente, onde os jogadores e as líderes de torcida dominavam a escola e faziam da vida da menina nova um inferno. — Um sorrisinho tímido surgiu nos lábios da garota. — Mas depois de conversar com eles, minha concepção mudou totalmente. Só que a experiência de ter a vida transformada em um cenário de caos foi real e eu já nem sei se valeu a pena ficar com Finn e me aproximar de Sophie e Cameron. — brincou com os próprios dedos em cima do colo e mexeu a cabeça para dissipar a tristeza que a invadiu. — Olha, eu não quero ser dramática, vamos deixar esse assunto para lá, sim?
— Você não está sendo dramática. — arrancou com o carro e virou na rua da casa do prefeito, andando com lentidão já que era o único por ali. — É bem chato quando algo que você gosta muda de um dia para o outro. Eu queria que minhas conversas com Nala tivessem resolvido algo.
— Esse é o problema, . Cada vez que você tenta fazê-la não ter raiva de mim, ela vai sentir o oposto, afinal você está tentando mostrar para ela que eu não sou uma ameaça quando na verdade ela enxerga como se você estivesse ficando do meu lado.
— Mas eu estou do seu lado. — O coração de acelerou tanto que era capaz de fazer o carro andar mais rápido se ligado ao motor. — O que ela tem feito é errado e não tem como apoiar isso.
— Você não precisa apoiar, só precisa parar de me defender.
— Só se me prometer que não vai se afastar do pessoal.
— Eu não posso garantir isso. — puxou o ar e desviou a atenção para a casa iluminada do pai. — Eu sou assim, , quando não me querem por perto, eu não faço questão de ficar. É o meu jeito.
— Mas te querem por perto.
se obrigou a fechar os olhos quando percebeu que, assim que o garoto estacionou, aquelas jabuticabas eletrizantes procuraram seu olhar de forma fugaz. No fundo, sabia que tinha razão, talvez a grande maioria a quisesse por perto, mas saber que uma pessoa não queria já era o suficiente para que seu coração a mandasse para longe.
— Eu… as coisas estavam normais antes de eu chegar, não estavam? Vocês eram amigos, saíam juntos, se divertiam e estavam sempre grudados na escola. — A garota gesticulou, virando seu olhar para a rua vazia. — E agora você não fica mais com seus melhores amigos, você e Nala vivem isolados e eu me sinto completamente culpada por isso. Depois que eu… bom, depois que eu e Finn começamos a ficar, parece que vocês se distanciaram, que por eu estar passando os intervalos de aulas com ele e Sophie, vocês não podem mais estar junto.
Ela desabou em palavras que assolavam sua cabeça. Era por aquele motivo que havia apostado consigo que não deveria tratar de assuntos pessoais. Conversas sinceras com sempre eram sinceras demais. Desde o primeiro dia.
, eu não quero ser a pessoa que vai estragar o que vocês já tinham antes da minha chegada. Porque é exatamente assim que eu me sinto, a que avacalhou com a relação de amigos de anos.
observava atentamente. Seus olhos não conseguindo desviar da forma como ela mexia as mãos enquanto falava palavra por palavra sem parar para respirar.
— Não acho que tenha sido a sua presença, as coisas já estavam desandando muito antes. A recepção da Nala com você talvez só tenha aberto os olhos deles.
— Tá' vendo? É isso que você faz! — a voz da garota se elevou, ao mesmo tempo em que ela revirava os olhos. — Eu agradeço muito por você ainda tentar justificar as coisas e achar uma maneira de entender o que aconteceu, mas não precisa mais. Você só precisa aceitar a forma como sua namorada tem lidado com o medo de te perder e ficar do lado dela.
, eu não sou injusto — ele respondeu rapidamente, também sentindo uma pequena raiva com tudo o que acabara de ouvir.
— Não é questão de justiça. — esfregou o rosto com as duas mãos e virou o corpo para encarar olho no olho. — A questão é que, no ano que vem, Nala vai continuar aqui, do seu lado, te apoiando nas suas decisões. Ela vai estar disponível para Sophie, para poder tirar todas as fotos que ela pede e para ouvir todos os conselhos incríveis que ela dá. Nala vai continuar ouvindo as piadas de Cameron e vai poder apresentar todas as garotas maravilhosas que aparecerem na escola para Finn.
franziu o cenho com a rapidez e agonia que desabafava. Percebeu quando os olhos dela encheram de lágrimas.
— O que você está falando? — ele perguntou baixo, também virando-se para ficar de frente para ela.
— Você acha mesmo que, depois de viver minha vida inteira na Itália, eu vou simplesmente continuar aqui quando eu completar 18 anos? , eu vou embora depois da formatura. Então, por mais que eu goste muito dos seus amigos, tudo bem se eu precisar me afastar, porque uma hora ou outra isso vai ser inevitável — a voz de também tinha baixado algumas oitavas e admitir aquilo para alguém fazia com que sua garganta arranhasse.
O rosto de surpresa de foi automático. O garoto não esperava por aquela resposta. Não esperava que já tivesse aquela decisão tão acertada, mas não podia evitar entender. Se sua vida fizesse o mesmo percurso que o dela, voltar para um lugar onde se sentia confortável seria a primeira coisa que passaria pela sua cabeça assim que saísse. Ela não estava errada.
E aquilo sim o irritava. sempre sabia o que dizer.
Ele quem ficava sem palavras na maioria de suas conversas.
— E só porque você vai embora, sua estadia não pode ser memorável? — não sabia de onde tinha tirado aquela frase, mas sentiu que era o certo a dizer.
não conseguiu reagir de imediato. As palavras de a atingiram em um ponto que ela nem sabia existir. Foi como atravessar uma faca no coração e retirá-la lentamente, torturando-a com sensações novas e desconhecidas.
Pior foi quando a mão dele tocou na sua em um pequeno gesto de carinho. percebeu que ficou receosa, ansiosa talvez, por isso achou que acariciar seus dedos gelados pudessem ajudar de alguma maneira. Foi algo rápido, rápido o suficiente para que um choque percorresse todo o corpo da garota, mas também rápido demais para que os dedos quentes de transmitissem uma onda de calmaria para dentro do peito de .
O que aquele toque levou para o seu coração foi algo violento. Fez o coração de bombear tão rápido e forte que seria possível ouvir o baque contra o peito, algo que a deixou ainda mais confusa, ainda mais ansiosa.
Mas como um sinal divino, seu celular começou a tocar alto e quando ela buscou pelo aparelho, o nome de Quinton piscava na tela.
— Eu… preciso entrar. — virou o celular na direção de para mostrar quem ligava e se ajeitou para poder abrir a porta, tudo de forma muito acelerada. — A gente se vê amanhã. Boa noite.
— Boa noite, — ele respondeu enquanto observava a garota se retirar do carro e caminhar para dentro da casa com o celular no ouvido, fingindo que as mesmas sensações não tinham se instalado em seu corpo.


Capítulo 14

estava a manhã inteira se esquivando das pessoas. As primeiras aulas foram tão demoradas, mas pelo menos conseguiram fazer sua mente prestar atenção em cada segundo e não se comunicar com nenhum amigo. Durante o intervalo, ela se prendeu em uma conversa com Kadence e Cedric dentro da sala de aula e não precisou se dirigir até o refeitório.
Mas a hora do almoço havia chegado e seu estômago implorava por um pouco de comida, ou seja, seria impossível não esbarrar em ninguém. Todos os alunos tinham aula extracurricular naquele dia, o que fazia com que não fossem para casa almoçar. Foi por esse motivo que ela demorou mais do que o normal para caminhar até os armários, levou mais do que os segundos necessários para abrir o cadeado e enrolou da forma que conseguia para guardar os materiais.
— Oi, linda. — A voz de Finn fez fechar fortemente os olhos atrás da porta de alumínio e um suspiro frustrado soltar de seus lábios.
Torcia para que tivesse sido baixo, para que Finn não precisasse ouvir e estranhar aquela reação tão inesperada da garota.
— Finn, oi. — Ela estampou um sorriso médio no rosto e fechou a porta para dar de cara com o garoto.
— Como você está?
— Bem. Estou bem. E você? — engoliu em seco quando viu o garoto se aproximar e segurar uma de suas mãos.
— Bem, só estou um pouco preocupado. — A feição dele demonstrava exatamente o que falara e aquilo causou um arrependimento profundo em .
— Preocupado? Com o quê? — Sua saliva parecia ácido.
— Você parece distante. Eu fiz alguma coisa que possa ter te chateado?
prendeu o lábio inferior entre os dentes enquanto tentava ignorar toda aquela sensação dentro do peito em que se sentia culpada por estar magoando alguém tão legal quanto Finn. Queria muito ser um ser humano frio, que não se importava com a opinião e os sentimentos dos outros, mas seu coração mole era sua maior fraqueza.
Além de que, mesmo com toda a conversa que teve com Amélia e depois com na noite de ontem, ainda não tinha tido certeza sobre sua decisão. Na verdade, nem tinha tomado uma decisão. Seu coração não queria se afastar daquelas pessoas, e a frase de ainda ecoava em sua mente como um maldito mantra.
— Não. Você não fez nada. — Ela tratou de negar rapidamente com a cabeça. — Eu só estou um pouco distraída e atarefada. Como foi o campeonato ontem? — preferiu mudar de assunto para não alongar a sua desculpa tão esfarrapada.
Finn sorriu e aquilo aliviou o coração da garota.
— Vencemos a primeira rodada! — ele anunciou, mais empolgado.
— Que ótimo! — fingiu surpresa, como se não tivesse ouvido a informação no dia anterior. — E quando é o próximo jogo?
— Amanhã à tarde. Você deveria ir nos assistir, quem sabe não nos traz sorte? — A brincadeira fez sorrir verdadeiramente.
— Pode deixar, eu vou sim.
— Perfeito, então. — Finn se aproximou um pouco mais e depositou um selinho despretensioso sobre os lábios da garota. — Já almoçou?
— Não, mas estou morrendo de fome — ela respondeu, já se sentindo mais à vontade.
Naquele momento, que se danasse Nala.
— Então vamos matar o que está te matando, antes que a aula da tarde nos enterre definitivamente.
riu e aceitou a mão que ele ofereceu para os guiar em direção ao refeitório.
Mesmo em sua inquietude, Finn conseguia distrair-lhe a mente, e talvez precisasse se agarrar a isso.
O refeitório continuava lotado como se o sinal tivesse acabado de bater. As conversas altas dos grupinhos reverberava pelo ambiente e seria por pelo menos mais uma hora daquela forma. O casal se dirigiu até o buffet e se serviram do almoço do dia e, mesmo estando há alguns dias no estado americano, ainda não conseguia se acostumar com a alimentação daquele horário.
Depois de pegarem tudo o que desejavam, Finn os guiou novamente, caminhando por entre as mesas e cumprimentando a grande maioria das pessoas que conhecia, ou seja, praticamente a escola inteira. O destino final só ficou óbvio para assim que ela enxergou a mesa com seus amigos com duas cadeiras vagas. E naquele dia, apenas duas, já que Nala e ocupavam um lugar que andava vago nos últimos dias.
Ela deveria ter ficado feliz, não é? Eles estavam voltando a se aproximar do pessoal e aquilo deveria significar algo bom. Mas não foi um sorriso que ela conseguiu esboçar quando sentaram-se lado a lado, pareceu mais uma careta, e Sophie que estava bem na frente da garota não conseguiu fingir não reparar.
— Tudo bem? — ela perguntou, baixinho, evitando tirar o foco da conversa dos rapazes.
afirmou com a cabeça.
— Depois do almoço vamos à biblioteca — Sophie avisou, no mesmo tom, não engolindo a resposta muda da amiga.
Ela só conseguiu mexer a cabeça novamente.
não conseguia imaginar um cenário onde se sentiria confortável com Nala por perto, mesmo com todas as desculpas do mundo.
E foi só depois de engolir a comida com bastante dificuldade que conseguiu prestar atenção na conversa que seguia na mesa. A fome tinha ido embora quando eles chegaram com as bandejas e ela só comeu para não desmaiar de fome durante a aula de francês, visto que não havia comido durante toda a manhã e só colocaria algo na boca novamente perto do horário de ir trabalhar.
— A festa desse final de semana vai ser onde? — Cameron perguntou, se aconchegando na cadeira e puxando Sophie para seu abraço.
— Acho que na casa do Lancer — Nala respondeu, mesmo focada em seu próprio celular.
— Então quais são nossos planos? — Finn fez todos rirem com a pergunta e franziu o cenho.
— Todos os finais de semana têm festa? — ela perguntou de forma mais baixa na direção de Sophie, mas a mesa tinha acabado de ficar em silêncio e todos ouviram.
— É a única diversão da cidade. — Sophie deu de ombros. — Mas as festas do Lancer sempre acabam mal, então é a única que não frequentamos.
— Mal de que forma?
— De todas que puder imaginar, linda — Finn falou, também se encostando na cadeira da mesma forma que Cameron para poder introduzir na conversa. — O cara já está na faculdade, os convidados costumam ser o dobro do normal e tem algumas pessoas da pesada que fazem parte. Então não é só bebida que rola solto, o que faz a festa ficar bem desconfortável.
Ah, entendi.
— Talvez você e Lancer se dessem bem, . — O comentário de Nala veio com uma voz inocente, algo que fez todos ficarem em alerta. — A mãe dele é dona da galeria de arte aqui da cidade. Vocês devem ter bastante em comum.
— É sério, Nala? — Quem perguntou foi Finn, incomodado com as segundas intenções que a garota claramente apresentou.
— O cara é um babaca — falou, olhando com cara de interrogação para a namorada.
— Só achei que ela pudesse oferecer os quadros da mãe dela! Como vocês levam as coisas para outros níveis tão depressa. — A garota revirou os olhos de forma dramática e no fim ainda fuzilou , deixando claro que não havia gostado da fala dele.
— É, talvez você tenha razão — falou, mantendo a feição séria, sentindo vontade de responder de mil e um jeitos diferentes.
Mas não daria aquela atenção à Nala, afinal era exatamente o que ela queria. Queria que perdesse a cabeça e explodisse com ela, mas não daria esse gostinho, mesmo que sua cabeça fervesse com todas as palavras de baixo calão que queria proferir contra Nala.
— Ou talvez não — Sophie falou de forma leve, querendo mais que tudo quebrar aquele peso horrendo que estava bem em cima da mesa. — Se quiser oferecer os quadros da sua mãe, eu posso conseguir o contato direto da mãe dele. Se for pedir para Lancer, ele não vai medir esforços em te encurralar.
— Disso você sabe bem, não é? — Nala olhou com desgosto para a melhor amiga e se levantou, irritada.
— Puta que o pariu, Nala! — Cameron quem reclamou e aquilo chocou todo o grupo, afinal o garoto era o que mais preferia se manter distante de confusão. — O que você tem hoje?
— Essa é uma pergunta que eu gostaria muito de saber a resposta também — falou, cruzando os braços sobre o peito e analisando a namorada, a feição chateada.
Sophie ainda não conseguia pronunciar nenhuma palavra, parecia bem chocada com o comentário maldoso que a melhor amiga fizera. teve a impressão que seus olhos encheram de lágrimas em algum momento, mas ela deu jeito de espantar todas e erguer o queixo, cerrando os olhos para a garota de pé.
— Eu acho que tenho uma ideia do que deve estar acontecendo, Nala — Sophie tinha a voz levemente trêmula. — Mas você tem ultrapassado todos os limites ultimamente, então faça o favor de melhorar. Estou cheia das suas insinuações ácidas e sem fundamentos. Com licença.
Sophie empurrou a cadeira e saiu sem se despedir, marchando para fora do refeitório sem nem olhar para trás.
— Nala — chamou de forma calma.
Todos os olhares caíram sobre ela e Finn rapidamente procurou pela mão da garota, negando suavemente com a cabeça, como se dissesse para ela não falar mais nada. apenas sorriu reconfortante para o garoto e também apertou a mão dele.
— Você tem todo direito de não gostar de mim — ela reiniciou, assim que conseguiu atrair o olhar de Nala. — Pode continuar me provocando com suas palavras raivosas. Mas não faça isso com Sophie. Ela sempre esteve do seu lado, sempre deu um jeito de te defender, mesmo você estando errada.
— Você nem sabe o que está falando — Nala retrucou, mas sua voz não estava mais confiante como antes e percebeu quando ela engoliu a saliva com dificuldade.
— Eu sei, sim. Vou deixar bem claro, não quero me achar, mas eu sempre sei sobre o que estou falando. — lançou um último olhar para a garota, de forma dura e em seguida se voltou para os meninos na mesa. — Eu vou atrás de Sophie.
Sem esperar uma resposta, apenas se levantou de onde estava e tentou pensar para onde Sophie poderia ter ido. Será que ela se lembrou de que queria encontrar com na biblioteca e fora para lá? não fazia ideia, só tinha certeza de que a garota estava extremamente chateada naquele momento.
— Isso, vá salvar o dia, princesa. — A fala de Nala ainda conseguiu chegar aos ouvidos de , mas ela apenas ignorou e continuou andando.
Porém, foi impossível não dar um pequeno sorriso quando ela ouviu três cadeiras se arrastando e passos pesados aproximando-se dela, deixando uma Nala enfurecida para trás. Não deveria se vangloriar com a derrota de alguém, mas Nala ultrapassou tantos limites naquele almoço. Ela tentou de formas “sutis” cutucar , mas só conseguiu chatear a própria melhor amiga, além de irritar os amigos.
E gostava quando reparava que ao responder com tamanha educação, não estava se igualando, estava, na verdade, sendo superior, porque se tinha algo que prezava naquela vida, eram as amizades. Amizades como a de Sophie, que mesmo com coisas para resolver, dava um jeito de perguntar se estava tudo bem e se preocupava com detalhes que a grande maioria das pessoas não conseguia perceber.
— Cameron, você tem ideia de onde ela pode ter ido? — perguntou quando chegaram ao lado de fora do refeitório.
— Falta um tempo ainda para o treino, ou ela está na biblioteca ou no ginásio.
— Acho que pode ser a biblioteca, ela queria me encontrar lá depois do almoço — supôs e já voltou a andar naquela direção.
Quando os passos pesados dos garotos voltaram a segui-la, ela fez questão de parar.
— É melhor eu ir sozinha — ela disse, virando-se para observá-los.
— Mas Sophie também é nossa amiga — Finn advertiu.
— E minha namorada — Cameron usou um tom de voz óbvio.
— Estamos preocupados com ela — também falou.
— Eu sei de tudo isso, é só que… acho que precisamos de uma conversa de meninas. Eu passo o recado de que vocês estão preocupados e de que queriam estar conosco, fiquem tranquilos, só… deixem que eu resolva isso.
— Mas ela vai achar que eu não fiz nada para ajudar. — Cameron pareceu bem chateado com a própria colocação e aquilo apertou o peito de .
— Você fez, está dando espaço para ela não se envergonhar na sua frente com qualquer história que tenha rolado com aquele tal de Lancer. E eu vou falar que você quis muito ir, tudo bem? Se ela tentar ficar chateada com você, eu faço questão de fazê-la mudar de ideia.
— Salve o dia, princesa! — Finn fez o comentário engraçado, arrancando risada de todos.
— Eu aviso vocês — falou por fim, deixando os três para trás para, finalmente, ir até a biblioteca.
— Eu vou quebrar a cara daquele Lancer — Cameron disse um pouco alto, fazendo ainda ouvir a conversa deles no corredor.
— Cara, não vai não — aconselhou. — Ele é três vezes o nosso tamanho.
— E luta krav maga — Finn acrescentou.
— É, tem razão, melhor não quebrar a cara dele. — Cameron se deu por vencido e os três se afastaram.
riu.
Riu tão verdadeiramente, sem precisar forçar nada, que um certo alívio percorreu seu coração e a tomou em um abraço quentinho. Eles eram tão incríveis. Pessoas boas de verdade, sabe? Eles eram exatamente assim. Se sentiam confortáveis na frente um do outro, falavam besteiras o tempo inteiro e riam da palhaçada um do outro com uma intimidade tão grande que quem olhava de fora poderia invejar a cumplicidade deles.
E, por um momento, ela conseguiu se sentir pertencente àquilo. Uma parte de si sentiu aconchego em estar brincando e rindo com eles, mesmo depois de um episódio desagradável, além de conseguir passar confiança para aqueles três brutamontes preocupados. Foi como se uma amizade realmente pudesse vingar com ela por perto.
Eles ficaram do lado dela, não foi? Mesmo que não precisassem escolher um lado, claro. Eles viram uma Nala furiosa por ser contrariada e não a defenderam por saberem que estava errada. No fim, Amélia tinha razão, eles só precisariam ver a verdade e então, saberiam exatamente o que fazer.
não queria ser presunçosa com o que acontecera, afinal Nala tinha ficado para trás sem o apoio do próprio namorado, mas uma fagulha de esperança perfurava seu peito e ela não conseguia se preocupar com a outra garota no momento. Talvez mais tarde ela se arrependesse de ter falado algo, de ter feito uma pequena confusão na mesa e se culparia por ter trazido os garotos consigo.
Mas deixaria para se remoer mais tarde.
Estava determinada a deixar um pouco de felicidade entrar antes de deixar a ansiedade dominar novamente.
conseguiu encontrar Sophie em uma das salas de estudos da biblioteca. A garota tinha os olhos vermelhos e inchados, deixando claro que muitas lágrimas rolaram por ali antes de se transformarem em ira, já que o rosto dela dizia exatamente aquilo, que estava furiosa.
— Eu juro, , juro que em todos esses anos que conheço Nala, ela nunca foi tão baixa! — Sophie falou, ressentida, mas também irritada.
fechou a porta e fez questão de trancar antes de sentar-se ao lado da garota.
— Eu posso imaginar.
— Eu estava relevando, sabe? Tentando entender a situação dela, tentando ficar do lado dela. Queria me colocar no lugar dela, para poder conversar e ajustar essa situação toda. Mas olha o que ela faz! Ela usa algo que me machucou muito para tentar sair por cima. Que grande babaca. E na frente dos nossos amigos. Na frente do Cameron! O que ele vai pensar de mim agora?
— Na verdade, ele está bem preocupado com você, queria ter vindo até aqui, mas eu pedi para que fosse uma conversa de meninas. — virou o corpo, ficando de frente para Sophie no espaçoso sofá de couro. — E eu tenho certeza de que eles nem deram bola para o sentido da frase de Nala, estão todos muito irritados com a reação dela, só que…
— Não, , já basta de tentar arrumar uma desculpa para todas as burradas que ela vem fazendo — Sophie a cortou de forma grosseira, mas entendeu que não era para ofendê-la. — Nala escolheu agir assim, então todas as consequências que vem seguindo atrás disso também são culpa dela.
— Eu sei.
— Como que uma pessoa não consegue se colocar no próprio lugar? Aceitar que na verdade estava errada e que imaginou coisas que nem deveria ter imaginado? Eu juro que não consigo mais entender. — Sophie gesticulava sem parar. — Eu fiquei do lado dela esse tempo todo, , eu sei cada movimento dela, sei cada pensamento que ela tem só de olhar para ela, mas quando eu fiz menção de contrariá-la… — Um suspiro pesado saiu de seus lábios.
— Ela usou o que tinha de mais dolorido para tentar ofender — completou o que Sophie queria dizer e também suspirou. — Sophie, eu sei que não existem motivos para o que ela fez, mas seria bom não levar tanto para o coração. Quer dizer, eu sei que te magoou muito, mas se você deixar isso te afetar de verdade só vai dar munição para ela continuar agindo dessa forma.
— Eu acho que não importa mais o que façamos, . Ela já tomou uma decisão e está lutando para que tentem ver o quão certa ela acha que está, quando na verdade vai acabar perdendo todas as pessoas que ficavam do lado dela. — A garota relaxou os ombros, deixando a raiva se dissipar aos poucos e se encostou no sofá, deitando a cabeça. — Quando falou que Lancer era um babaca, eu achei que ela fosse morrer.
— Nala não suporta o fato de vocês continuarem sendo meus amigos.
— Não temos motivos para não sermos. Se ela desse uma chance para te conhecer de verdade, veria que está cometendo um erro.
— Na cabeça dela eu sou uma ameaça, vai ser bem difícil convencer do contrário. E olha, eu parei de me importar — mentiu. — Se vocês me querem por perto, então continuarei por perto, mas vai ser impossível Nala e eu convivermos.
— Vou te dizer o que vai acontecer e pode me cobrar daqui um tempo. vai terminar com ela, ela vai vir chorando para mim e eu não vou conseguir ajudar porque, depois de tanto tempo, estou com muita raiva para passar por cima da minha dor para curar a dela. E Nala não tem outras pessoas, então ela vai ficar sozinha e vai ter que aprender na marra que nem tudo é do jeito que ela quer — Sophie falou, sem parar para respirar, e parecia que aquilo já tinha passado pela sua cabeça em algum momento daquela manhã. — E eu não me sinto nem um pouco culpada por pensar dessa forma.
— E porque você deveria se sentir culpada?
— Eu sempre me senti, . Eu… não conseguia me imaginar em um mundo onde eu e Nala não éramos melhores amigas. Mesmo que meus problemas ficassem para depois, mesmo que eu não pudesse ter outras amigas, no final do dia eu tinha ela e isso bastava. — A voz da garota tremeu e a olhou, notando novas lágrimas surgirem no canto dos olhos de Sophie. — E tudo foi tão leve quando eu te conheci. Ninguém precisou forçar nada, sabe? A gente se deu bem de graça.
— Sim. — quis evitar falar, era o momento de Sophie desabafar, mas precisou concordar verbalmente com aquilo porque era a mais pura verdade e um sentimento tão genuíno a preencheu que foi impossível permanecer quieta.
— Acho que foi isso que me abriu os olhos. Eu já conhecia todo mundo dessa escola, já tinha conversado com a grande maioria e ainda assim, Nala era a única pessoa que parecia estar do meu lado. Então quando conversei com você, percebi que na verdade eu estava me fechando para os outros com medo do que Nala poderia fazer, mas isso fazia com que eu perdesse coisas incríveis.
— Não entendo como foi que fiz você abrir os olhos dessa forma, mas tenho certeza de que foi ótimo. Então fico feliz.
— Não entende? — Sophie voltou a se sentar de forma ereta, fazendo questão de virar-se de frente para . — , eu admiro como você vive a vida. Não me leve a mal, mas faz pouquíssimo tempo que você perdeu sua mãe e, mesmo tendo que mudar para uma cidade nova, morar com um pai que nunca tinha visto, você ainda sorri, ainda brinca, ainda aproveita cada segundo do dia e fica feliz com coisas que pessoas da nossa idade nem se importam. E não preciso nem reforçar que é louvável a forma como você sempre tenta ver o lado bom das pessoas.
— Eu… obrigada, eu acho. — ficou, momentaneamente, sem palavras.
Nunca recebera elogios tão sinceros que eram capazes de doer na alma.
Não uma dor de machucar, mas algo que fez entender que o caminho que estava percorrendo era o certo. E não era o que estava esperando receber. Sophie parecia ter adivinhado que estava vivendo um dilema interior e, mesmo sentindo estar na merda, fez questão de frisar o quão importante ela foi nesse processo.
Seus olhos marejaram e pensou em todas as vezes que sua mãe falou algo parecido para a animar em um momento de crise. Ela nunca levou tão a sério, afinal era sua mãe, ela faria qualquer coisa para vê-la feliz, então ouvir aquelas palavras de Sophie a deixaram embasbacada e grata.
Grata por ter conseguido passar sua verdadeira essência para a garota.
E embasbacada porque nunca imaginou que era capaz de fazer aquilo.
— Eu que agradeço, . Espero que você nunca mude, porque ter sua presença aqui já fez meu ano valer a pena.
— Para com isso. — As lágrimas rolaram pelo rosto de e Sophie sorriu, a puxando para um abraço. — Eu vim até aqui para falarmos de você, não para você ficar me bajulando — a garota tentou brincar, abafando a voz no ombro da amiga.
— Não temos muito o que falar sobre mim. Fiquei irritada com o que aconteceu? Sim. — Sophie se afastou alguns centímetros e ajudou a enxugar o rosto. — Mas sabe de uma coisa? Não vou deixar isso me abalar, você tem razão, não posso dar mais munição para que ela ache que consegue me manipular. Se Nala quer continuar a ser minha amiga, então ela vai precisar mudar, porque eu não vou me virar contra você só para agradá-la.
— Você está certa, não pode deixar ela achar que isso te afetou, mesmo que tenha machucado. E quanto a mim, eu prometo que não vou fazer você ficar contra ela, mas também não quero ser a responsável que vai fazer com que todos se afastem dela.
, por favor, isso não é culpa sua. Jamais vai ser. Nala vai ter que te engolir, quer queira, quer não. E se todos acabarem se afastando dela, foi uma escolha que ela tomou conscientemente.
concordou com a cabeça e abraçou novamente Sophie.
Tinham criado uma ligação depois daquela conversa. Ela sentia nitidamente. E por mais que estivesse certo na noite anterior, sabia que ainda tinha um pouco de razão em ter cogitado se afastar. Seria doloroso demais partir depois de tudo o que estava vivendo.
— Agora precisamos ir para a aula. Argh, ter que aguentar uma tarde de treinos com Nala não vai ser fácil — Sophie falou, ajeitando a roupa e se levantando do sofá.
— Você tira isso de letra! — brincou, acompanhando a amiga para fora da sala de estudos.
— E suas aulas de francês como estão? Sadie não está agindo de forma estranha? — A voz de Sophie era baixa, por estarem caminhando na biblioteca, e entendeu que a pergunta envolvia o fato de estar ficando com Finn e também o fato de que havia comentado com Sophie outro dia que queria conversar com Sadie e saber que estava tudo bem por ela.
— Mais ou menos, eu ainda não consegui falar com ela — também falou baixo. — Não sei como iniciar o assunto, e desde ontem tenho achado que ela está mentindo para mim, só não entendi o porquê.
— Como assim? Mentindo sobre o quê?
— No primeiro dia que saí com Finn, ela se afastou antes que ele chegasse, dizendo que eles não se falavam mais, só que ontem eu vi ela abraçando ele depois do jogo e ninguém parecia chateado naquela situação.
— Ela disse isso? — Sophie franziu o cenho e parou no corredor assim que saíram da biblioteca. — Por que ela diria isso? Finn faz questão de manter uma boa relação com ela, mesmo tendo levado um pé na bunda grotesco.
— Eu não sei, por isso estou receosa. Será que ela mentiu para fingir que estava tudo bem eu ficar com Finn ou será que ela mentiu porque ainda gosta dele? — mordeu o lábio inferior e grunhiu quando o sinal anunciou o início das aulas extracurriculares. — Se ela ainda gostar dele, não vou me perdoar.
— Não, acho que não deve ser isso. Eu preciso ir, nem troquei de roupa ainda. Nos falamos depois. — Sophie se apressou, depositando um beijo na bochecha de e se afastando. — Obrigada por hoje.
— Estarei sempre aqui — garantiu e acenou, caminhando para o outro lado, em direção à sala de francês.


Continua...



Nota da autora: Sem nota.

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