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Finalizada Em: 28/01/2019

Prólogo

― Olha só quem chegou, o coração congelado!
Quando null deixaria aquela tentativa de fazer graça morrer, afinal? Os olhos de null não poderiam ter sido mais revirados quando ele ouviu aquilo ao chegar no meio dos dois amigos que estavam sentados na mesa do pub. A primeira coisa que viu foram aquelas garrafas de soju vazias espalhadas pela madeira, e um suspiro de desânimo se desprendeu de seus lábios ao entender exatamente o que estava acontecendo.
― Pra quê você me chamou aqui? Eu tenho que descansar pro meu trabalho amanhã. ― questionou com o tom de voz tão entediado e preguiçoso que até mesmo vinha combinado com uma rouquidão extra em conjunto com a natural.
― Por que eu queria ver a sua pessoa! Faz exatamente seis meses desde a última vez que você saiu de casa pra alguma coisa que não fosse relacionada ao seu serviço militar. Como podemos continuar sendo amigos assim?! ― null dramatizou com uma expressão falsamente magoada, chamando com o dedo uma garçonete que passava por ali.
― Eu ainda respondo as mensagens, não respondo?
― Eu ainda acho que ele é gay. ― null provocou com um arquear de sobrancelhas para chamar a atenção de null para si, mas foi prontamente ignorado pelo mais novo.
― Por que?! ― a garçonete que se aproximou entrosou-se no assunto apenas para dar pano para seus clientes continuarem discutindo e, esporadicamente, bebendo também mais garrafas verdes como aquela que havia trazido consigo, afagando empolgadamente os egos de null e null abriu um sorriso na direção de null, que não desapareceu nem mesmo após encontrar a carranca infeliz que tomava os belos traços.
― Porque, minha querida, com vinte e um anos nas costas, ele nunca se apaixonou.
, EU VOU DESTROÇAR VOCÊ! ― apesar de aquele berro feminino chamar o nome do seu melhor amigo, null teve que virar para olhar quem era. Nunca antes na sua vida havia escutado aquela voz, mas isso não era muito chocante, uma vez que a única voz de uma mulher que conhecia relacionada a null era a da própria mãe dele.
null?!
null? null?! Não teve muita certeza, juntando as sobrancelhas no meio da testa para tentar forçar seu raciocínio. Talvez null fosse um apelido óbvio de null , mas talvez não fosse a null que estava achando que era?!
null tinha essa amiga dele, que ele sempre falava desde quando eram mais novos no internato masculino. Aparentemente, null era sua vizinha da frente, e seus pais eram amigos desde que ela tinha se mudado, consequentemente os obrigando a brincarem juntos e os fazendo virar amiguinhos também. Ela era a única garota que ele tinha contato e falava sobre constantemente.
nulltinha certeza que ele era apaixonado por ela, mesmo que nem acreditasse em paixão.
― Eu vou levar você pra casa. ― ela voltou a falar com uma das mãos amaciando a testa como se estivesse com dor de cabeça e os olhos fechados para ajudá-la a manter-se calma.
― Mas null…
― Mas NADA, null null. Você vai ouvir um sermão ENORME daqui até chegarmos na sua casa! Acho bom se preparar. ― e então ela passou por si sem nem mesmo desviar o olhar, ignorando completamente a sua presença e a de null que a encarava bem mais fixamente do que o decoro mandava. E, ele simplesmente ajudou o mais velho a levantar, fingindo que aquela cena nunca tinha acontecido na sua frente.


I


null acordou com uma respiração pesada incomum do seu organismo, mas ele não se surpreendeu com isso. Sempre quando sonhava com aquela lembrança, despertava daquela mesma forma, com o corpo suado e o ar entrando e saindo de seus pulmões de forma descompassada.
Ele não entendia porquê o seu cérebro gostava de repetir aquela cena pelo menos três vezes por semana há aproximadamente cinco meses, mas como em todas as outras, olhou para o relógio para confirmar o horário. Era sempre naquele mesmo intervalo de tempo, entre as sete e meia e oito horas da manhã, pouco antes de ter que se levantar para tomar banho e seguir sua rotina diária. Não era como se null acreditasse em muitas coisas além da lógica, mas estava se tornando praticamente impossível negar que havia mesmo algo de estranho acontecendo na sua cabeça.
― Bom dia. ― murmurou quando chegou na cozinha e encontrou seu pai lendo jornal e sua mãe terminando de colocar o café na mesa, ambos o respondendo com uma empolgação completamente alucinante, assim como a sua. Não era como se fosse obrigado a cumprir certos ritos tradicionais de família ali, mas esporadicamente ele e seus pais se encontravam no mesmo lugar e no mesmo horário, então acabavam fazendo as refeições juntos, mesmo que depois simplesmente voltasse ao quarto e dormisse de novo.
Não havia exatamente nada a ser falado entre eles. Alguns pais naquele pé de relacionamento ainda queriam, de alguma forma, controlar a vida do filho, como profissão ou que tipo de namoradas estava arrumando - seus pais com certeza não faziam ideia que a resposta era nenhuma, porque eles nem paravam pra pensar sobre -, mas eles, por algum motivo desconhecido, simplesmente não se importavam. Não olhavam, não sorriam, não conversavam. E sempre fora assim, mas nunca parecia se tornar menos torturante para null.
Seu celular vibrou algumas vezes no bolso do moletom, e não se importou de pegá-lo e olhar as mensagens ali mesmo, porque sabia que ninguém ia se incomodar também. Era null, dizendo que os pais de null queriam lhe parabenizar por ter cumprido com louvor o seu serviço militar e queriam fazer um almoço especial para comemorar com ele.
null até mesmo sorriu com aquela demonstração de carinho. Gostava dos pais de null, eles tinham uma aura de pais que nitidamente os seus não tinham, com uma mãe cuidadosa que queria saber de todos os lugares ao qual o filho ia e sempre se preocupara se ele estava indo bem nos estudos. Confirmou que iria até lá com ele e então se levantou para ir trocar de roupa. Ainda estava cedo, sabia, mas tinha certeza que null não ia se importar se ficasse lá desde de manhã, muito pelo contrário. Talvez isso o ajudasse a parar de reclamar que mal o via.
O armário de null era, em sua essência, formado de peças em preto, então não teve muita dificuldade em escolher alguma coisa que lhe fizesse ficar pronto rapidamente. Daquela vez, como raramente acontecia, ele nem mesmo reclamou de sair de casa, apenas porque sabia ser um bom motivo, e dirigiu calmamente até a casa de null que não era a mais de quinze minutos da sua. O carro de null já estava estacionado na frente do local e null observou por um instante a construção depois de ter parado do outro lado da rua.
Os pais de null tinham tanto dinheiro quanto os seus, mas a sua forma de viver era bem mais simplista. Apenas de observar o jardim frontal e a fachada branca da casa, ele tinha a sensação de que era assim que uma casa de família deveria se parecer, e já se sentia bem vindo, mesmo que não fosse muito comum para ele ir até ali.
Em todos aqueles anos, não havia tido muitas oportunidades de visitar a casa dos null. null e null haviam se conhecido em um internato apenas para garotos, então costumavam ficar juntos lá durante quase o ano todo, e null nas férias viajava por vários lugares com seus pais e sua melhor amiga. Aproximou-se superficialmente dos pais dele nas poucas situações as quais fora até ali para estudos e nas formaturas anuais que a escola proporcionava.
O caso não melhorou após terem terminado o ensino médio, porque null fora diretamente para o serviço militar obrigatório e, por ser um ótimo soldado, passou três anos e meio lá, sendo que no último ano praticamente não conseguia fazer nada que não envolvesse a reserva e ver os amigos durante a época se resumiu apenas em um jantar de comemoração no seu aniversário.
Fazia mais ou menos dois meses desde quando fora liberado, e null ainda não estava sabendo muito bem como lidar com a vida de pessoa normal. Era mais difícil do que se lembrava, principalmente porque não lembrava quando simplesmente fora um cara normal na sua vida. null e null diziam que agora era o momento ao qual ele podia fazer qualquer coisa que quisesse, mas null não sabia o que queria e nem por onde começar. Parecia que estava começando a viver agora, e não sabia fazer isso direito sem ninguém para pegar na sua mão e mostrar exatamente todos os passos que tinha que dar.
Ele só acordou quando alguém apareceu na frente da janela do seu carro, abaixando até a altura dela e levemente batendo duas vezes no vidro de leve no vidro. null arqueou uma das sobrancelhas de início, mas quando a garota mostrou o rosto a reconheceu sem dificuldades. Era null, o que ela queria consigo ali? Ela havia lhe reconhecido? Desceu o vidro da janela e sentiu a garganta queimar com o olhar que ela lhe desferia. Certamente não era dos mais amigáveis.
— Posso ajudar? — null perguntou confuso, entre a dúvida de ela ter o reconhecido ou não, achou melhor ser formal, porque ela não parecia estar muito feliz com a sua presença ali, mesmo que não fizesse a menor ideia do porquê.
— A frente do seu carro está bloqueando a passagem. — a voz de null saiu muito mais grave do que ela gostava que saísse. Havia acabado de acordar praticamente, e era a primeira vez no dia que estava abrindo a boca.
Estava terminando de se arrumar para ir até a casa de null quando o sua irmã lhe gritou, pedindo para que fosse ver porque tinha um carro parado na frente da garagem, porque ela ia sair logo para ir aproveitar o domingo longe e precisava da passagem livre. A irmã sabia que null detestava lidar com desconhecidos e exatamente por isso lhe mandava falar com algum sempre que tinha a oportunidade, para ver se com a insistência uma hora ela acabava se acostumando. Depois de vinte e dois anos, porém, não tinha dado certo.
— Ah sim, desculpe, eu não percebi. — null rapidamente olhou para a casa da menina pelo reflexo. Ela ficava exatamente na frente da casa de null, e era praticamente igual a ela, com a diferença de que a de null tinha o muro esverdeado e um ar mais descontraído e alegre. Levou a mão até a chave para girá-la e ligar o carro.
— Acontece. — null se sentiu solidarizada pelo fato dele ter sido educado, forçando um sorriso e então atravessando a rua para seguir seu dia como se aquela cena nunca houvesse acontecido. null, que se concentrou em encontrar outra vaga, acabou não vendo para onde ela havia ido, mas resolveu que também estava na sua hora de sair do carro após estacioná-lo, porque null sabia que estava indo e se demorasse muito poderia acabar ficando preocupado.
Arqueou uma das sobrancelhas ao ver que a porta estava aberta, talvez null já havia visto o seu carro pela janela enquanto estacionava?
— Era com um tonto desligado que estacionou na frente da minha garagem. — null respondeu null que havia questionado com quem ela estava falando no outro lado da rua, revirando os olhos em relembrar o quão intrometido ele era.
A garota foi empurrada pela porta logo depois, sendo obrigada a dar três passos para frente e então olhando para quem estava entrando na casa. Seus olhos se arregalaram levemente ao encontrar o tonto do carro ali, e null a encarou com um olhar que, de uma forma, parecia atravessar o seu corpo e encontrar a sua alma, com o agravante de que ele não parecia nada contente consigo.
— FINALMENTE ESSE DIA CHEGOU! — null berrou aparecendo do corredor, com um sorriso de orelha a orelha e interrompendo a troca de raios que eram disparados utilizando os olhos de null de condutores. — Eu espero já faz mais de sete anos pra apresentar vocês dois! O meu melhor amigo, e a minha melhor amiga.
― OBRIGADO PELA PARTE QUE ME TOCA! ― null berrou ofendido, iniciando uma discussão com null que logo percebeu a burrada que soltara e começou a tentar se explicar de alguma forma.
Tanto o rapaz quanto a garota, porém, haviam ficado chocados ao escutar as palavras de null, mas era verdade que nunca haviam conseguido ficar no mesmo lugar antes sem ser no dia que null ficara bêbado e ela fora buscá-lo, maa nem mesmo reparou na sua existência. Todas as poucas vezes que null fora na casa de null por conta de alguma comemoração, por algum motivo null não estava nela e vice e versa.
Fosse o fato dela estar estudando, trabalhando ou viajando, simplesmente nunca dava certo. Às vezes, ele chegava assim que ela havia saído, e também já havia acontecido ao contrário. E ele nunca pensou que null realmente queria apresentá-los porque o amigo nunca marcou algo especialmente para isso, então ninguém nunca nem mesmo se esforçou. E agora que estavam frente a frente, bom, ela ainda não sabia quem era, mas ele não podia dizer que a achara muito simpática.
null? Você é o tão falado null null? ― ela pareceu ficar petrificada assim que ligou os pontos, e se auto intitulou a pessoa mais burra daquele ambiente. Como não o reconhecera das fotos que null constantemente lhe mostrara, sendo que ele era idêntico as imagens? Como não percebeu antes de falar que ele era um tapado?! Não que podia imaginar que ele ia entrar na casa e lhe ouvir, mas sinceramente…
― Sim, sou eu, além de ser o tonto desligado também. ― ele não conseguiu controlar o comentário e o tom sarcástico, e, naquele momento, null parou tudo para observá-los atentamente, pedindo silêncio para null também. Aquilo havia acabado de ficar interessante. ― Mas não se preocupe, se você soubesse quem era antes, com certeza teria me achado menos tonto e menos desligado, não é mesmo?
― Na verdade, não…
― Crianças! ― a mãe de null surgiu da cozinha com um sorriso enorme e um avental bem amarrado à cintura. ― Vocês chegaram tão cedo! Não imaginava te ver aqui, null.
― Senhora null! ― a garota rapidamente mudou sua postura para uma menos defensiva e mais gentil, abrindo um sorriso largo na direção da mulher que revirou os olhos ao ser chamada assim. Não adiantava quantas vezes repreendesse null, ela sempre voltava a tratá-la formalmente logo depois. ― Eu só estava passando para falar com o null, eu tenho que trabalhar hoje.
― Trabalhar?! Mas hoje é domingo…
― Sim, sim, mas como eu vou sair de férias amanhã, quero ter certeza que deixei tudo arrumado no ateliê, então vou passar a tarde checando. ― explicou tranquilamente, e a senhora assentiu em concordância com um sorriso orgulhoso. Tão orgulhoso que, quem não a conhecesse, poderia imaginar que null era a sua própria filha e havia feito algo muito certo. ― Então, null, não se atrase amanhã! Eu comprei nossas passagens para as oito da manhã, então você já sabe.
― Se você não chegar pelo menos duas horas antes do vôo eu venho até aqui e te arrasto pelas orelhas, blábláblá.
― Olha como você repete o que eu digo, seu… Aish. ― só se controlou porque a mãe dele ainda estava na porta, os observando calmamente, e então ouviu a risada do rapaz que lhe fez revirar os olhos.
― Já está tudo certo, você não precisa se preocupar, amanhã vou estar no aeroporto às cinco da manhã porque nem vou dormir essa noite de ansiedade. ― ele exagerou como sempre fazia quando as coisas se tratavam de null, se aproximando para lhe apertar em um abraço que a tirou do chão por alguns segundos. E enquanto null forçava uma expressão de nojo, null, vendo-os tão próximos daquela forma, tinha cada vez mais certeza.
null era, sem dúvida alguma, apaixonado por aquela garota.
E agora começava a desconfiar que era recíproco.
― Eu acho bom! Agora eu tenho que ir. ― null estalou um beijo avermelhado na bochecha de null antes de se soltar dele, deixando uma marca bem delineada que o fez olhar para ela com a boca entreaberta em nojo em pensar que ela tinha mesmo feito aquilo. ― Sempre um prazer te ver, senhora null!
― Igualmente, minha querida! ― a mulher respondeu quando a menina virou de costas e iniciou uma caminhada calma até a porta ainda aberta da casa.
null. ― cumprimentou o rapaz com um sorriso ao passar do lado dele, e recebeu um abrir de lábios largo e empolgado como resposta. Então, seus olhos vagaram até encontrar null . Esperara anos para conhecer aquele ser humano que ainda estava parado perto da porta e lhe encarava de uma forma tão fixa e indiferente que fazia até mesmo o seu coração disparar pelo contato. Podiam ser seus olhos que eram azuis, mas eram os de null, mesmo sendo de tons escuros, que eram como o próprio gelo. ― Coisa lerda. ― não resistiu a provocação, um sorrisinho satisfeito desabrochando no canto do seu lábio quando viu a expressão de null vacilando para uma chocada pouco antes dela sair e fechar a porta atrás de si.
― O que eu perdi? Vocês se conhecem de algum lugar? ― null deixou a boca cair ainda mais, um dos braços erguidos e apontando para a direção a qual a melhor amiga tinha acabado de seguir.
― Não exatamente. ― null soltou um suspiro de desânimo ao ser encurralado pelo melhor amigo com o questionamento, em partes com preguiça de ser obrigado a justificar o que havia acabado de acontecer e em outras partes não muito feliz com o apelido que tinha acabado de ganhar.
null estacionou na porta da casa dela sem perceber. ― null fez as vezes ao perceber que o mais velho não estava muito inclinado em começar a falar, andando calmamente até o sofá da casa para se sentar e tirar o celular do bolso.
― Oooh, ela realmente detesta isso. ― null abriu um sorriso empolgado ao descobrir a motivação do talvez desentendimento…? Nah, não devia chegar nesse nível. null só gostava de brincar às vezes, e null não se importaria o suficiente para retrucar. ― Mas não se preocupe, tenho certeza que ela só estava brincando.
― Eu realmente não me preocupo. ― o null respondeu em seu tom tão normalmente frio que deixou até mesmo o melhor amigo frustrado de não ouvi-lo esboçar alguma reação, nem que fosse uma descontente. ― Então… Não sabia que você ia viajar.
― É minha viagem anual de primavera pra comemorar o aniversário da null! Fazemos isso todo ano, esse ano ela que escolheu aonde nós íamos, então eu não sei. ― explicou, falando tão rápido que null não pôde deixar de notar a empolgação que fazia os seus olhos brilharem e sua voz sair em tons mais altos do que normalmente sairia.
Não que isso fosse certo, mas depois de passar aquele dia divertido na casa do seu amigo e colocar a cabeça no travesseiro para dormir, ele chegou até mesmo a sentir inveja. null tinha uma família carinhosa, uma carreira como chef de cozinha promissora lhe esperando assim que terminasse a faculdade, dois ótimos melhores amigos e uma melhor amiga atenciosa que, posteriormente, se tornaria uma namorada atenciosa. null tinha a vida completamente nos trilhos, encaminhada para não dar nada errado durante o percurso. Estava feliz pelo amigo, mas sentia-se vazio ao pensar que eles estavam juntos naquele tempo todo, mas tomaram rumos tão diferentes.
O que havia feito de errado, no final…?
Suspirou, e então virou para o lado para tentar dormir depois de algumas horas refletindo sobre onde sua vida tinha perdido tanto o sentido. Não era hora de pensar nisso. Nunca era a hora de pensar nisso, porque era errado ter aquele tipo de sentimento em relação ao seu melhor amigo. Tudo que lhe restava era superar, para quem sabe, esporadicamente, sua vida entrar nos trilhos também.


II

O despertador agredindo seus ouvidos lhe fez pular de susto da cama. O quê…? null nunca usava despertador, nem mesmo quando estava no serviço militar! Seu corpo estava acostumado a acordar sozinho depois dos anos no internato, então… Talvez estivesse ouvindo o despertador dos seus pais no outro quarto? Arregalou os olhos, procurando o seu celular que normalmente, ficava embaixo do seu travesseiro, mas não encontrou-o com os dedos. De forma preguiçosa, ergueu a cabeça para procurá-lo, e o encontrou em cima do criado mudo que estava ao lado esquerdo da sua cama, apitando tão alto que a cada segundo fazia a sua cabeça latejar em um local diferente.
De início, por conta do sono ele não estranhou em nada, até que pegou o aparelho e desbloqueou a tela com a digital, desligando o despertador e revelando um plano de fundo bem diferente do que estava acostumado, com a figura de null com um avental preto amarrado ao quadril e atrás de um balcão, cozinhando em um lugar que nunca havia visto. Ótimo, quando fora que esquecera de ficar perto do seu celular e o deixara cair nas mãos dos dois amigos? Tinha certeza que eles acharam divertido trocar todas as configurações do seu celular na noite anterior, apenas para tentar deixá-lo irritado.
Por costume, acabou ligando a lanterna para se situar no ambiente e não tropeçar em nada. E, assim que o fez, seu rosto ficou completamente pálido e seu corpo quase caiu pra trás. Por que diabos estava no quarto de null?! Que merda era aquilo?! Se os amigos estavam fazendo uma pegadinha, sinceramente, estavam se superando e indo longe demais… Correu até o interruptor, e assim que ergueu o celular para mandar uma mensagem para as duas pragas, encontrou o seu reflexo na tela. E aí sim, ele entrou em completo choque.

❥❥❥❥❥

― Meu Deus, meu Deus, meu Deus…
― Eu nunca achei que eu fosse viver pra te ver surtando. ― null não resistiu em soltar o comentário porque null não conseguia parar de murmurar as mesmas palavras desde que o ligou e eles haviam entendido o que estava acontecendo.
Parcialmente entendido. Por que não era como se eles conseguissem explicar como diabos a mente de null estava no corpo de null e vice e versa.
― E VOCÊ ACHA QUE EU NÃO TENHO MOTIVO? ― nullnão conseguiu reprimir sua revolta, completamente descontrolado com a situação. Ele estava acostumado a tudo ser como planejava que fosse, e quando algo dava errado, sempre tinha controle o suficiente para consertar. Mas como iria consertar aquilo se nem sabia como tinha acontecido?
― Tem! Mas o que a gente pode fazer além de pesquisar isso na internet? ― null respondeu despreocupado, deslizando o dedo pelo celular de null como se fosse dele e encontrando apenas filmes que tratavam do assunto.
― Isso não pode ser real… Eu devo estar sonhando, não é possível que isso seja real…
― Relaxa, cara! Esfria essa cabeça, pensa que você está em um corpo maravilhoso de um metro e noventa e oito de pura beleza. Eu que deveria estar infeliz. ― o null resmungou a última parte para si mesmo, mas era óbvio que null havia escutado e apenas pela forma que sentiu sua nuca queimar por conta do olhar assassino do amigo, soube que não era a melhor hora para brincadeiras.
― O que nós vamos fazer? ― questionou desolado, deixando finalmente o corpo ceder e cair na sua cama. Sim, na sua cama, porque havia ido até a sua casa. Era bem mais fácil surtar e berrar em um local onde ninguém se importaria, porque se estivesse na casa de null, a mãe dele com certeza já teria percebido que havia algo errado.
Antes que o null respondesse alguma coisa, o telefone dele que estava no seu bolso começou a tocar. null reconheceu facilmente de quem era aquele toque, e sua expressão se contorceu em preocupação ao perceber que já eram oito e quinze da manhã.
― Atende.
null…
― Atende! Ela vai reconhecer a voz se eu atender com a sua! ― o rapaz sussurrava como se ele já tivesse atendido, mas na verdade o aparelho ainda fazia um escândalo na mão de null.
― E o que eu falo?! ― ele perguntou horrorizado, olhando para o celular como se fosse uma aparição na sua frente.
― Que já tá indo, ué!
― Eu não vou viajar com a sua amiga! ― inclusive, apenas aquela hipótese fez null ter um colapso mental e um ataque de pânico. Como assim, null realmente estava achando que eles iam trocar de vida?!
― ATENDE ISSO LOGO! ― gritou sem paciência, porque já era a terceira chamada e sabia que null não ia parar de ligar enquanto não atendesse. E se desligasse o celular, era mesmo capaz de ela aparecer na sua casa.
null obedeceu contrariado, mas não sabia exatamente por quê. Talvez só estivesse surtando demais para negar o pedido, e sabia que as coisas só piorariam quanto mais se sentisse pressionado.
, POR QUE VOCÊ AINDA NÃO ESTÁ NESSE AEROPORTO?! ― e então ele se perdeu na primeira frase ao ouvi-la chamando por null. Só não se desesperou porque o outro apontava para si, como se o mandasse responder logo.
― Er, eu… Eu perdi a hora! Mas já estou pronto e estou indo, juro!
― OLHA, EU ACHO BOM MESMO, eu te dou meia hora até aparecer ai na sua casa e te matar! ― e então ela desligou na sua cara. Sem mais nem menos, simplesmente desligou na sua cara, o deixando encarando o melhor amigo de olhos arregalados.
― Você vai ter que ir. ― null pronunciou as palavras que null temia ouvir, o fazendo começar a balançar a cabeça negativamente de forma frenética e amedrontada.
― Não, não mesmo!
null, pelo amor de Deus! Eu também vou ter que fazer tudo na sua vida. Enquanto você estiver lá, eu juro que vou dar um jeito nisso, caçar algum feitiço ou sei lá que destroque. Mas você precisa fazer isso por mim! Eu não posso aprontar uma dessas com a null. ― null segurou o melhor amigo pelos ombros, olhando fundo em seus próprios olhos. E foi só agora que null percebeu que tinha olhos muito expressivos, o suficiente para serem extremamente convincentes.
― Mas eu não vou saber o que fazer, o que falar! Eu não conheço nada, NADA dela, nem sei o que ela faz da vida! ― se desesperou outra vez assim que pensou um pouquinho naquilo. Não tinha como dar certo. Era impossível, a primeira vez que falara com null na vida fora no dia anterior e nem mesmo foi legal.
― A null é a garota mais normal que você vai conhecer na sua vida. Ela gosta de praia, comida, de ser escutada e ouvir elogios. Eu te mando até um manual no celular, mas pelo amor de Deus, faz isso por mim. ― implorou, fazendo null soltar um suspiro frustrado. Sem sombra alguma de dúvida, o jeito que ele falava sobre a garota era diferente, como a forma abobalhada que retratavam naqueles filmes idiotas da TV onde as pessoas se gostavam.
Afinal, como poderia dizer não? Do jeito que o amigo estava desesperado, era provável que se não fosse naquela viagem, a amizade dele com null implodisse. Quem acreditaria no argumento de “troquei de corpo com o meu melhor amigo” para perdoá-lo? Os dois estavam ferrados no mesmo estágio, afinal. E sabia que, se precisasse, null faria o mesmo por si.
― Ela normalmente grita tanto assim? ― questionou desanimado, e então se soltou do amigo para abrir o guarda roupa e pegar a sua mala na prateleira mais alta. Ao menos fora mais fácil alcançá-la. Não ia reclamar dos centímetros a mais que ganhara, mesmo que nem mesmo chegassem a ser dez.
― Só se você fizer algo errado. ― null sorriu aliviado ao ver que o melhor amigo resolvera concordar com a situação. Resolveu ocultar o fato de que muitas coisas podiam soar erradas na cabeça da garota, começando pela personalidade natural do null. Bom, seria melhor se ele descobrisse aos poucos, não é mesmo…? ― Suas roupas não servem, você vai ter que passar na minha casa.
― Como assim, minhas roupas não servem? ― null largou a mala aberta que já jogava metade do seu guarda roupa em cima, virando o rosto e o encarando com uma das sobrancelhas arqueadas.
― Bom, além da diferença desse aí ser o meu corpo e não o seu, eu tenho estilo, né. Um ótimo, diga-se de passagem, e que não inclui usar preto em sete dias da semana. ― explicou como se fosse muito simples, fazendo o outro lhe encarar como se não estivesse muito convencido ainda. ― E também… Ela me mandou levar o filtro solar, então nós provavelmente vamos pra praia.
null soube na hora a infelicidade ainda maior que atingiu null ao ouvir aquilo. Claro. Por que se já não bastasse tudo aquilo que estava acontecendo, ele seria obrigado a passar uma semana na praia fingindo estar feliz… Por que fora aceitar fazer aquilo sem antes saber dos detalhes?! Onde é que havia se enfiado?

❥❥❥❥❥

Enquanto ia buscar a “sua” mala na casa do amigo, null sentia que não fora apenas o detalhe da praia que null ocultara de início, e não estava errado de forma alguma, o que descobriu mais rápido do que o esperado. Bem mais rápido do que o esperado, na verdade.
A garota mais normal que você vai conhecer na sua vida…
Ah sim, claro. Se você considera ser praticamente espancado e ouvir um sermão de meia hora enquanto fazia check in uma coisa normal, sendo posteriormente ignorado durante a espera e mais da metade do vôo pelo motivo de um atraso de quarenta minutos, null era extremamente normal. Um doce de pessoa, assim como parecia com aquelas orelhinhas de coelho presas aos fones de ouvido, que balançaram incansavelmente durante toda a viagem, e null podia dizer que era no ritmo das músicas que ela estava escutando.
Ao menos ele já sabia pra onde estavam indo. descobrira durante a escala que fizeram em Manila que estavam nas Filipinas. Não que soubesse exatamente alguma coisa sobre o país, mas sabia por aquelas informações básicas que todo mundo conhece que o local tinha praias lindas. Esperava que ao menos a paisagem compensasse o desgosto de ter que torrar no sol aos trinta graus e sentir a areia cutucar todos os locais do seu corpo.
null, como você pretende levar essa viagem se nós simplesmente não conversarmos? ― ele, definitivamente não sabia como lidar com aquela situação, e a primeira coisa que fez quando desceram do segundo avião e pôde outra vez usar o celular foi mandar uma mensagem para null questionando em como deveria fazer para acabar com aqueles olhares infelizes dela na sua direção. Não ia ser nada agradável se eles perdurassem pela semana toda.
E então a resposta do amigo não ajudou em nada e ele decidiu ignorar e resolver do seu jeito. Que merda “Seja manhoso” queria dizer?! Ele lá tinha cara de criança pra fazer manha?
― Não sei, eu posso ir pra algumas festas na cidade e te largar no quarto.
Ok, aquela era uma opção maravilhosa aos ouvidos de null, e a frustração em não poder agir como si mesmo lhe atingiu ainda mais forte ao ter que fingir que não havia gostado da ideia, usando o fato de estar procurando a sua mala para disfarçar a expressão triste em ter que declinar a proposta. Seu celular vibrou no bolso, mostrando outra mensagem de null, que chegara com delay porque o sinal no lugar era péssimo. “Faça drama”.
Ok, nunca havia tentado isso, mas parecia ser mais fácil.
― Você não vai mesmo me deixar sozinho, não é? Eu larguei tudo pra vir pra cá pra nós passarmos um tempo juntos. ― não soube nem um pouco como aquilo ia soar aos ouvidos de null, mas aos seus soava péssimo, assim como quando ouvia casais conversando em filmes ou dramas. Era no mínimo vergonhoso.
― Talvez, quem sabe não é bom começar com um pedido de desculpas? ― ela fez um bico nos lábios rosados pelo batom, em conjunto com as bochechinhas levemente redondas que se inflaram de ar, e null agradeceu por no mesmo segundo outra mensagem ter chego no celular, porque era realmente difícil ter que encará-la com aquela expressão infantil. Aproveitou que a garota se distraiu por ter achado sua mala e a leu, arregalando os olhos no mesmo segundo.
“Peça desculpas e diga que a ama.”
Ah, não. Aquilo já era demais. Inicialmente, null já detestava pedir desculpas por si só, porque isso implicava em admitir estar errado e ele nunca fazia nada errado. E como se não fosse o suficiente ainda tinha que se declarar? Como diabos ia dizer que amava aquela garota se nem mesmo a conhecia?! Sinceramente, pelo pouco tempo de convívio, os seus sentimentos por ela estavam mais contrários ao amor. E, como se pressentisse isso mesmo estando há cinco horas de distância, null mandou outra mensagem para completar.
“Eu sei que você nasceu com defeito e não sente essas coisas, mas precisa mesmo dizer que a ama, ou não vai adiantar em nada. INCLUSIVE, pra ser convincente como um null , você precisa dizer que a ama o tempo todo!”
Ele realmente não acreditava nisso. Não era possível que ela só ia melhorar de humor se falasse aquilo! Se ainda fossem apenas as desculpas não doeria tanto no seu orgulho, afinal, null pedia desculpas praticamente o tempo todo e, teoricamente, estava falando como ele, não é mesmo? Mas ficar declarando amor aos quatro ventos… Isso nem mesmo sendo outra pessoa conseguia fazer.
― Tudo bem, desculpa pelo atraso. Juro que não foi por querer, eu só fiquei muito ansioso ontem a noite e demorei pra dormir, então acabei perdendo a hora. ― tentou usar a desculpa mais sentimental que conseguira pensar depois de guardar o celular no bolso da calça jeans, e ela pareceu gostar porque abriu um sorriso de canto ao mesmo tempo que revirava os olhos nas órbitas. ― Você sabe que eu não ia perder o vôo.
― Com certeza, e você claramente não lembra do que aconteceu em Paris, não é mesmo? ― ela revirou os olhos dramaticamente, e null entrou em pânico assim que ela iniciou aquela frase. Não só não lembrava, porque nem mesmo sabia. ― Vamos fingir que eu acredito em você, só porque eu não quero estragar a minha viagem. ― ele deixou sua postura relaxar e um suspiro de alívio escapar quando ela mudou de assunto, e foi só então que null percebeu que não só as duas malas dela estavam no chão, mas a garota também pegara a dele enquanto estava distraído com o celular, e começou a andar assim que terminou de ajeitar a mochila rosa nas costas.
Ele rapidamente fez o mesmo, mentalmente se perguntando porque diabos ela usava tantas malas. Tudo bem que iam ficar uma semana e esse era um tempo considerável, porém duas malas enormes e ainda uma mochila…? Soava meio exagerado para os parâmetros de null. Mas distraiu-se vangloriando-se por tê-la feito mudar de humor sem precisar falar que amava ninguém.
― Onde nós estamos, exatamente? ― questionou quando saíram do local, que não era nada mais do que uma avenida normal de carros passando como em qualquer centro de cidade. E, visto de fora, o aeroporto não parecia muito mais do que um enorme galpão pintado, ou um mercado Municipal muito grande, porém ainda pequeno para a estrutura que um aeroporto tinha que ter. Viu null mexendo nos bolsos do shorts para pegar alguma coisa. Era um papel, provavelmente com o endereço de onde estavam indo.
― Agora, nós estamos no aeroporto de Tagbilaran em Bohol nas Filipinas, e vamos pegar essa táxi ― ela apontou para o carro amarelo clássico que passava na frente deles, e parou para que entrassem. null rapidamente foi até o porta malas do carro, ajudando null a guardar as dela. ― pra estarmos na Ilha Panglao em aproximadamente meia hora. ― e então ela terminou de explicar assim que abriu a porta do automóvel e sorriu simpática para o motorista, entregando para ele o papel e voltando a encostar no banco de trás após o homem confirmar com um sorriso aberto.
― Continuo não fazendo a mínima ideia, mas estou feliz que algum de nós dois sabe o que está fazendo. ― ele comentou depois de sentar ao lado da menor, que desprendeu um riso harmônico das cordas vocais, curiosamente agradável e que null desconhecia até agora.
null, você sabe que eu estou planejando essa viagem desde o ano passado, acha mesmo que eu não ia saber o que estou fazendo?! ― ela questionou com as sobrancelhas se inclinando e formando duas linhas diagonais em sua testa. Um sentimento estranho lhe acometeu quando ouviu-a o chamando de null, e um desconforto fez um gosto ácido subir pelo seu âmago.
Certo. Era assim que tinha que se acostumar a se identificar agora. Era null null por tempo indefinido, mas esperava ser pouco.
― Certo, certo, às vezes eu esqueço o quão bem planejada você pode ser. ― ele cedeu, sabendo que precisaria fingir e se fazer de sonso muitas vezes naquela viagem para que as coisas não desandassem muito. Por sua sorte, null também costumava ser meio tapado às vezes, e aquilo não parecia destoar muito da personalidade original do amigo.
― Agradeço o reconhecimento. ― null murmurou como resposta com um sorrisinho convencido, e null achou melhor deixar o assunto morrer daquela forma. Era melhor eles ficarem com um silêncio agradável habitando entre os dois, do que correr o risco de acabar falando alguma besteira ou entrando no tópico onde conversariam sobre suas memórias, as quais ele não conhecia praticamente nenhuma, porque null quase nunca contava o que fazia com a garota.
Observou o quão feliz ela parecia estar admirando a paisagem do centro de Bohol com as feiras coloridas acontecendo entre algumas ruas e a massiva quantidade de resorts que evidenciavam que aquela era realmente uma cidade turística, a maior - e talvez a única? - que null havia visitado em toda a sua vida. Metade da cabeça de null estava para fora da janela do carro e os cabelos esvoaçavam com o vento da velocidade, os habitantes do local tendo a oportunidade de ver um belo e largo sorriso que enfeitavam seus lábios.
Ironicamente, podia ver que ela reluzia exposta a luz do sol das quatro da tarde, e seus olhos azuis pareciam refletir o céu cintilante que se estendia por toda a paisagem. Olhos esses completamente incomuns pelo sangue asiático provindo da mãe dela que, mesmo sendo normalmente tão forte, não fora o suficiente para vencer a pigmentação que os deixava tão nitidamente coloridos. null definitivamente era bonita, ele se deixou admitir. E também era, definitivamente, o tipo de null, constatou logo após.
Os traços femininos, angelicais e delicados que faziam qualquer um pensar que ela era mais nova que os vinte e um anos que tinha, eram um charme peculiar e contrastavam com o corpo desenvolvido e a altura acima da média. Exatamente assim como acontecia com null. Os dois combinavam bem com os tamanhos relativamente proporcionais e as carinhas fofas e por um segundo imaginou que, se estivessem estudado no mesmo Colégio, provavelmente seriam o Rei e a Rainha do baile com uma foto digna de capa de revista.
Se perdeu no tempo observando null e sua empolgação constante, mesmo enquanto a paisagem aos poucos mudava de um centro de cidade para uma estrada de terra entre árvores de copas bem verdinhas. Ela parecia não se importar em ser tão fervorosamente encarada, e null encontrou alguma outra vantagem aleatória em ser null ao invés de null. Sua expressão era muito mais fofa e simpática do que intimidadora, e duvidava que alguém se sentiria amedrontado com os olhos redondinhos e brilhantes do amigo, e o sorriso de dentes levemente tortinhos e caninos adoravelmente avantajados.
― Chegaaaamos! ― null anunciou empolgada quando a estradinha de terra simplesmente acabou em uma enorme clareira entre mais árvores, com uma pousada bem alternativa construída em meio a natureza. null teve certeza de ouvir o barulho do mar ao fundo de sua mente, mas não podia ver nada que indicasse a proximidade, então se limitou a observar o local de dois andares todinho em tons de marrom, construído em madeira. ― Seja bem vindo a nossa casa pelos próximos sete dias! ― ela desejou ao descer, abrindo bem os braços com um sorriso enorme nos lábios.
Não foi capaz de segurar um sorriso ao ver null fazer aquilo. Conseguia ver como ela estava sentindo-se plenamente livre naquele momento, e, por mais estranho que fosse estando preso em um corpo que não era seu, quando saiu do carro para ajudá-la com as malas e sentiu o vento acariciar sua pele como nunca sentiu antes, um sentimento de liberdade beijou seu coração e o aqueceu de uma forma que não lembrava de ter sentido antes, fazendo o seu sorriso se alargar inconscientemente enquanto abria o porta malas e null terminava de acertar os valores com o taxista. Pegou a mochila da garota, a jogando nos ombros, e as duas malas mais pesadas, já que não conseguiria carregar três.
― Como você arrumou esse lugar? ― aproveitou para questionar curioso quando ela logo veio para buscar a mala restante, tão saltitante e alegre que nem parecia a rabugenta que havia enchido a boca para lhe xingar no dia anterior.
― Pesquisei na internet. ― ela explicou como se fosse simples e óbvio, juntando as sobrancelhas na direção de null em dúvida no porque da pergunta. Afinal, as pessoas organizavam assim as viagens hoje em dia. Pela internet. Só que null não era muito adepto à tecnologia pra saber. ― E eu queria que ficássemos o mais próximo da praia possível, então essa aqui foi a melhor opção. Como não permitem que construam muitas casas por aqui para não acabar superlotado foi um pouco difícil, mas eu gostei. ― ela calmamente andou até a porta, a empurrando já que ela estava destrancada. ― Como estamos fora de temporada, não vai ter muita gente nem aqui e nem na praia, e essa é a melhor parte.
A forma que null sorriu de canto depois de falar isso não pareceu muito certa na cabeça de null. Qual era o problema de ter mais gente? Não que ele gostasse de muita gente no mesmo lugar, mas o que tinha eles ficarem sozinhos?!
― Boa tarde! ― um rapaz saiu de trás do cômodo desconhecido que ficava além do balcão assim que ouviu o sininho ligado a porta tocar, sinalizando a chegada dos visitantes. null deixou-se encará-lo por alguns segundos, sabendo que, novamente, aquilo provavelmente não iria soar muito assustador, Ele com certeza tinha por volta da idade e também um sotaque carregado e tão nítido no inglês que apenas precisou de duas palavras para percebê-lo, mas o importante era que conseguiu entender.
― Bom dia! Meu nome é null e esse é null, nós alugamos um quarto aqui, eu falei com a senhora… ― parou a apresentação para forçar bem a memória por alguns segundos, tentando se lembrar do nome da mulher que tinha conversado.
― Ah, eu sei! ― ele interrompeu delicadamente quando a viu com dificuldades, abrindo um largo sorriso tão brilhante e simpático que null até mesmo sentiu seus ombros relaxarem. ― Você conversou com a minha avó! Ela me deixou avisado, então está tudo certo. ― ele foi andando rapidamente na direção do balcão, e puderam perceber que ele tentava falar rápido, como se estivesse com pressa e tivesse que sair logo dali. Ele procurou uma das chaves no painel que estava completo, e null rapidamente contou que eram doze quartos, enquanto o rapaz respirou mais aliviado quando achou a chave certa. ― Essa aqui é a chave do quarto de vocês. Meu nome é Shane, e eu estou quase sempre aqui na cozinha, vocês podem me chamar se tiverem qualquer problema! Alguma dúvida?
Sim, null tinha uma dúvida enorme que caiu como um tijolo em sua cabeça e fez uma dolorosa enxaqueca se instalar no seu cérebro, forte o suficiente para torná-lo incapaz de se manifestar naquela situação, e não ter reação alguma enquanto Shane já sumia outra vez pela porta donde primeiramente aparecera, e null animadamente já começasse a procurar o caminho para o quarto.
E era exatamente esse o problema. O quarto. Não os.
O quarto.
― Um quarto só? ― deixou sair a questão em um suspiro quase inaudível, mas uma coisa que deveria começar a conhecer sobre null era que ela tinha uma audição assustadoramente evoluída.
― Algum problema? ― a menina pareceu murchar assim que ouviu seu murmúrio, os olhos azuis ficando foscos por alguns segundos quando foram direcionados para si, e ele não pode fazer muito além de se sentir culpado. ― Nós sempre fizemos isso, então não achei que fosse te incomodar. ― ela murmurou um pouco perdida com aquele tópico sendo trazido à tona, e null rapidamente tratou de abrir um sorriso largo, tentando tranquilizá-la da forma mais veloz que conseguia.
― N-Não, eu…. Eu… ― tentou pensar rápido em alguma desculpa que justificasse a sua insegurança, mas parecia que quanto mais pensava pior a situação ficava. null e null dormiam no mesmo quarto, e ainda, era um costume deles, céus! Não queria pensar coisas erradas da amizade entre os dois, mas ficava a segundo vez mais difícil. Será que eles mantinham algum tipo de relacionamento estranho e secreto? Mas por quê?! Será que os dois…
null? ― ela questionou, a sua tez se enrugando em dúvida. Era óbvio que o melhor amigo estava estranho e curiosamente calado e inexpressivo durante aquele dia inteiro, além de parecer fugir de tudo o que começavam a conversar, mas agora… Bem, agora estava ficando muito esquisito.
― Não me incomoda! Nem um pouco! Na verdade, eu… Eu até senti saudades…? ― tentou de uma forma não muito convincente, não sabendo bem como prosseguir naquela situação e se deveria tratá-la apenas como uma amiga ou uma amante, e em um tom de voz tão nervoso e apático que, mesmo se null quisesse, seria impossível pensar em alguma maldade saindo daquilo. Mas a expressão dela se contorceu ainda mais, sinalizando para null que aquele não era o caminho correto.
― Tá bom, né… ― null murmurou baixinho, ainda perplexa, mas virando outra vez para seguir o caminho até o quarto e ser seguida pelo rapaz.
De início, ele se sentiu aliviado por não ter mais o olhar da garota pousado em seu rosto, analisando suas expressões, deixando-o nervoso e estranhando suas falas sem sentido. Mas assim que pensou direito, o receio fez seu retorno em uma intensidade triplicada e o deixou praticamente paralisado. Principalmente quando entraram e, sem cerimônias null encaixou a chave na fechadura e a destrancou, abrindo a porta para revelar o local. E a bela, espaçosa e confortável cama.
Uma bela, espaçosa e aparentemente confortável cama. Para duas pessoas, em um quarto.
Tudo o que mais passava na cabeça de null era, afinal o que os dois faziam naqueles quartos que costumavam dividir…? O coração daquele corpo que estava chamando de seu acelerou, assim como as suas bochechas foram se avermelhando conforme null se virava para si com um largo sorriso… Apenas para dizer que estava tão cansada que queria dormir até o outro dia. Uma onda de alívio percorreu as veias do seu corpo, anulando por alguns momentos a adrenalina que estava tão forte, e depois de tomar banho e comer, ele e null passaram o tempo todo a partir das sete e pouco simplesmente dormindo.
Eles só dormiram. E null nunca poderia ter se sentido mais aliviado. Tudo bem que pra ele, fora um pouco complexo, porque estavam dividindo a cama. Só aquela ideia o incomodava e a prática só não fora pior porque estava extremamente cansado. Se ele e null haviam se tocado durante o sono, não sabia, e isso era ótimo porque ele também não sabia lidar com aquilo e nem qual seria sua reação se acontecesse.
Eram mais de sete da manhã quando despertou, sentindo os seus músculos completamente relaxados e satisfeitos com todo aquele período de repouso. Aquilo fora completamente chocante para null, porque a última vez que dormira mais de dez horas na sua vida, o seu corpo - o seu mesmo, de verdade - praticamente entrou em colapso. Não que ele não gostasse, apenas nunca tinha feito isso pela rotina que era obrigado a levar em todos os locais que viveu. O corpo de null, porém, parecia completamente habituado e feliz com doze horas de sono.
null levantou da cama o mais devagar e sorrateiramente que pôde para não correr o risco de acordar null, que estava encolhida do lado direito, abraçada a si mesma e virada para a porta camarão de duas dobras de vidro coberta de persianas grossas. Ele não olhou, mas rapidamente procurou seu celular e a primeira coisa que fez foi pegá-lo e sair do quarto na pontinha dos pés, descendo para o primeiro andar com a bermuda cinza e regata branca, escutando alguns barulhos estranhos vindos da cozinha aos quais ignorou para seguir seu caminho pela mesma entrada ao qual tinha usado no dia anterior.
Discou o número de null, e então colocou o aparelho próximo ao seu ouvido apenas para ouvir a famosa voz anunciando que estava sem sinal.
Ah, não podia ser…! Praguejou baixo e inconscientemente começou a andar pelo local, tentando encontrar algum sinal, nem que fosse um mísero.
null?! ― uma voz masculina chamou o nome, e sem perceber ou relacionar que era consigo que estava falando, null simplesmente continuou andando, até sentir uma mão pousar levemente no seu ombro. ― Senhor null?!
― Q-Qu- AH, oi! ― conseguiu consertar mais ou menos no desespero, com seus olhos arregalando e o rosto virando na direção do rapaz que reconheceu facilmente. Shane, o inglês intermediário e o sorriso resplandecente ainda estavam frescos na sua memória.
― Vou servir o café em alguns minutos. Não quer chamar sua namorada? ― ele perguntou com aquele mesmo sorriso do dia anterior, e null arregalou os olhos, sentindo todos os músculos ficarem rígidos com aquela afirmação.
No, no, no, no! ― negou de forma tão fervorosa que o rapaz se assustou, achando que ele estava falando sobre chamá-la e se afastando dois passos pelo medo. Talvez o casal tivesse discutido? ― Não somos namorados! Só amigos. Melhores amigos. ― explicou rapidamente para que não restassem dúvidas sobre aquilo, e percebeu como soava parecido com null que ficava desesperado todas as vezes que insinuavam que ele e null podiam vir a ter algum tipo de relacionamento amoroso.
― Ah, tá. ― o outro homem sorriu, mas agora de canto, e null perguntou para si mesmo o porquê a concordância dele não parecia ser deveras convincente. ― Bom, se vocês quiserem… É só descerem até o deque. Bom dia!
null soltou um suspiro de desânimo quando Shane simplesmente sumiu da sua frente, meio em choque, e não teve nenhuma opção se não se acalmar e conformar que não ia conseguir falar com null ali. Não soube dizer quando foi que perdeu o sinal no dia anterior, mas a última mensagem que conseguira enviar fora bem quando entraram no carro. Bom, não tinha escolha, afinal…
null? ― ele entrou no quarto depois de andar todo o caminho para retornar, e estranhou não encontrar a garota deitada na cama assim que abriu a porta, arqueando uma das sobrancelhas.
― O que foi que eu fiz de errado? ― a menina saiu do banheiro no mesmo segundo que o ouviu, escorando os dois braços um em cada lado do batente da entrada.
Seus cabelos estavam completamente bem arrumados, caindo como uma cascata por cima daquela peça de roupa verde com estampas florais na barra que ele nunca nem mesmo havia visto na vida. Parecia uma junção de vestido e casaco de pano mais comprido atrás do que na frente, e ele não entendeu porque ela estava arrumada daquele jeito se, eles, teoricamente, iriam pra praia. Só o bíquini que pode ver meio escondido por baixo daquele negócio já não era o necessário? Aliás, ela estava de maquiagem? Quem diabos ia pra praia de maquiagem? Ficara assim tanto tempo sem visitar o espaço que perdera completamente a noção de como se portar nele?
― Nada. Por que você acha que fez alguma coisa de errado? ― em seus anos no exército, null aprendeu a ser desconfiado. Principalmente quando a pessoa dava claros sinais de culpa como aquele nitidamente era.
― Não! Você me chamou de null. Por quê? ― ela ainda parecia meio chocada, null nem mesmo imaginava o quão estranho era para a garota ouvir o seu nome inteiro sendo pronunciado na voz de null. E foi só então que percebeu a besteira que fizera e automaticamente o apelido que ouvira tantas vezes voltara na sua cabeça. null, null, null, inferno! null só chamava-a assim para si, quem dirá então para ela mesma? Ele nem mesmo devia lembrar como pronunciava.
― É um nome bonito, senti falta de falar. ― mentiu da primeira forma que pensou, e foi péssima só pela cara que ela fez. Precisava de ajuda, estava vendo que ia surtar e não ia demorar muito. ― Então, pra onde nós vamos? ― e claro, usou o pior assunto que podia para desviar a atenção daquele seu pequeno erro.
― Pra praia, talvez…? ― agora ela estava estranhando ainda mais, e null podia sentir seus ombros começando a ficar a cada momento mais tensos por causa da pressão que sentia com aquele olhar intimidador bem demarcado por um delineador dela.
― Claro. ― sorriu de canto como se aquilo fosse um alívio enorme, e null saiu do quarto, ainda meio desconfiada. null estava meio estranho desde o dia anterior, mas ela achava que era só cansaço… Agora, já era meio que só loucura mesmo.
E então, assim que ficou sozinho no ambiente, null deixou todo o ar que se acumulou na sua garganta sair calmamente, e um pensamento massacrou sua cabeça. Por que estava tão em choque perto de uma mulher?! Nem mesmo quando os seus superiores se aproximavam, até quando era pra dar bronca, ele se sentia acuado daquela forma. Talvez a falta de coragem de null estivesse passando para si também…
Pegou a primeira roupa mais leve que encontrou e então saiu. Odiava se sentir exposto, mas odiava ainda mais passar calor, então preferia usar uma bermuda do que derreter, o que com certeza aconteceria de qualquer forma. Ainda não havia visto onde tinha que ir para chegar na praia, mas não foi um problema uma vez que Shane disse que null estava lhe esperando no deque que era atrás da porta esquerda assim que chegou no primeiro andar.
Foi quando deslizou a porta de correr para o lado esquerdo que o sol agrediu seus olhos e null descobriu. Ah sim, era daquele jeito que chegavam até a praia! Um enorme deque suspenso coberto por uma grossa camada de vidro os deixava a, no máximo, dois passos do meio da orla a partir da escada que tinham que descer. O astro de tons mesclados entre alaranjado e amarelo deixava o tom marrom mais charmoso, e ao menos a brisa forte que cortava todo o ambiente auxiliava para lhe refrescar um pouco.
― É linda, não é? ― só então null percebeu a presença de null, no canto extremo direito do local. Com um chapéu que ele não lembrava-se de tê-la visto saindo com e óculos escuros que ele lembrava menos ainda, null estava deitada em uma espreguiçadeira de palha bege, com aquele negócio que ainda era meio esquisito para ele aberto e revelando bem mais pele do que ele já havia visto em toda a sua vida.
null parou por um segundo para observá-la, o sol a iluminando naquela situação parecia deixá-la divina, tanto que o assustou… Já havia admitido no dia anterior que null era bonita, mas olhando daquele ângulo e daquela forma, era como se a beleza não fosse o ponto principal de todo o seu conjunto. Era como se ela emitisse algo… Não, não tinha nada nela. Era apenas o fato dela ser uma mulher, enquanto ele era um homem, e era normal ter aqueles tipos de sentimentos ao ver uma mulher bonita naquela situação, não? Principalmente quando estava dando seus primeiros passos.
― É sim, é um dos lugares mais bonitos que eu já vi. ― algo no orgulho de null não o deixou dizer que era o lugar mais lindo, e, como se ela soubesse exatamente que isso passara na cabeça dele, acabou rindo.
― Você passou protetor? ― perguntou com a sobrancelha arqueada, e mediu todo o corpo de null dos cabelos jogados para trás até os pés cobertos pelas sandálias romanas masculinas. null nem mesmo percebeu a cara feia que ela fez ao encontrar a última peça do conjunto, ocupado demais tentando não ficar sem graça com aquele olhar intenso. Não era nem mesmo seu corpo e ele havia se sentido complementarmente invadido! A cada minuto era mais difícil acreditar que a relação daqueles dois se limitava a apenas amizade.
― Sim…
― Não vai comer nada? ― ela mal esperou-o responder para questionar outra vez, e null instantaneamente deixou o corpo cair como uma bolinha de papel lançada por uma mira boa em cima da cadeira, em resposta a toda a tensão que sentia.
― Vou, claro. ― rapidamente procurou qualquer coisa que poderia ter algum efeito calmante no seu organismo, mas não encontrou nada. Muito pelo contrário, tudo ali exposto naquela mesa parecia ser milimetricamente pensado para fazê-los ter o máximo de energia possível. Não que não fizesse sentido, mas… Rapidamente ergueu as mãos até a jarra de café e escolheu uma das maiores canecas.
Não era exatamente um calmante, mas talvez ajudasse a anestesiar toda a ansiedade que sentia. Ou a fazia correr desenfreada de uma vez, o que era bem mais provável, mas enfim, qualquer coisa que lhe auxiliasse a ignorar a presença de null por algum tempo era útil.
null, você vai tomar café? ― a voz que tanto não queria ouvir soou outra vez, e ele reprimiu um suspiro. E também o provável surto posterior.
― O que tem…? ― fingiu que não tinha nada demais, e continuou enchendo a xícara do líquido até que ela praticamente transbordasse. Se fosse adepto do álcool, com certeza essas horas já estaria se esbaldando.
― Você sempre odiou e dizia que tinha gosto de terra.
Ah, pelo amor de Deus! Aquilo já estava começando a ser uma piada de mal gosto e null pensava se ela era um tipo de médium sensitiva que já tinha percebido e entendido a situação e estava fazendo de propósito só pra acabar com a sua sanidade que, vale ressaltar, não estava em um nível muito significativo com os acontecimentos mais recentes.
― Eu acho que não era acostumado com o gosto, só. ― ele precisou de um minuto pra se recuperar da notícia, e então balançou a cabeça e ensaiou um sorriso despojado.
― Acostumou depois de cuspir quantas canecas? ― e então a expressão perfeitamente estruturada de sobrancelhas erguidas e meio sorriso de null foi o suficiente para deixá-lo louco outra vez. Ela parecia saber exatamente como agir para fazê-lo sentir a insegurança e o medo no duro de seus ossos. Mas insegurança e medo de que, exatamente? ― Eu vou tomar um pouco de sol, me encontra quando terminar.
A mais nova se levantou assim que ele demorou alguns minutos para responder, ajeitando os cabelos e o deixando consigo mesmo. Assim que mediu que ela estava longe demais para ouvir seu grito de desespero, null largou a xícara de café em cima da mesa de vidro a qual estava praticamente se tornando uma arma em potencial e tirou o celular do bolso. Não. Era. Possível. Em algum lugar daquela praia TINHA que ter sinal!
― Nós temos uma antena!
― O-oi?! ― virou a cabeça para encontrar Shane, que sorria gentilmente para si encostado na porta depois de ver toda a cena. null ficaria irritado o suficiente por todo mundo estar adivinhando os seus pensamentos se não fosse o fato de que aquela notícia era boa demais para ser ignorada. Uma antena queria dizer sinal, e, esperava que null houvesse encontrado o ritual que fosse para fazer aquela tortura acabar.
― Você tem que ir andando pra esquerda. Quando ver o farol se aproximando, vai começar a ter sinal. ― explicou enquanto apontava para o lado do farol, que estava coberto pelas árvores que ajudavam a dar a impressão que aquele local era muito mais selvagem do que realmente era.
― Ah, ótimo! Obrigado. ― null tentou soar agradecido e simpático, mas estava tão tenso que mal conseguiu, enquanto a sua mente já pensava no próximo problema que iria ter que enfrentar. Como sair andando por ali sem chamar a atenção de null? Ela iria vê-lo e provavelmente segui-lo, não?
Até podia acontecer isso, mas não podia deixar de tentar, então resolveu levantar rapidamente e descer os sete degraus que levavam até a areia. Se esgueirou pela beirada e aproveitou para apertar o passo depois de ver que null estava concentrada em ler um livro virada de costas para si, com os óculos entrelaçados nos cabelos, torcendo para ela não desviar o olhar até que estivesse relativamente afastado, o suficiente para não ter ânimo de segui-lo ou nem mesmo reconhecer quem era.
Não conseguia ver nada além da imensidão do mar e da areia, e parecia que não tinha fim. Como uma hora ou outra ia acabar encontrando o farol, se simplesmente não havia nada além de árvores, areia e mar na sua frente?! O sol, pelo menos, não estava tão forte quanto parecia, e null estava tão focado na sua missão que não percebeu que as nuvens cobriam praticamente todo o manto antes azul e agora acinzentado para atrás dele. Quase como se sua aura houvesse se estendido também para o clima, quase.
― Finalmente, inferno!
Resmungou alguns quinze minutos depois quando viu, enfiado no meio de algumas árvores em uma elevação na planície, o farol enorme. null até mesmo conteve uma exclamação mais empolgada, mas se refreou para concentrar no objetivo principal: tinha que ligar logo para null, e, mesmo que fosse uma pessoa majoritariamente pessimista, a força do desespero lhe dava um pouquinho de esperança.
― Gelo seco falando. ― sua primeira reação foi esboçar um xingamento, e sua mente deu um giro de trezentos e sessenta graus quando ouviu a sua voz falando aquilo. Era exatamente um dos motivos pelos quais não fazia piadas! Até mesmo pelo telefone estava parecendo um idiota.
― Já resolveu? ― foi direto ao ponto antes que qualquer tipo de resposta sua soasse como um incentivo para o amigo continuar a palhaçada.
― Ah, claro, você nem sabe! É tão simples, minha médium me disse que é só falar “o null é o homem mais lindo do mundo” três vezes na frente do espelho que destroca.
null…
― O QUE É QUE EU POSSO FAZER? ― o berro do null do outro lado da linha fora tão alto que obrigara null a afastar o telefone do próprio ouvido, e foi só ao fazer isso que ele escutou o trovão que logo se materializou cortando o céu, mas não prestou atenção a ponto de identificar o que era que estava acontecendo. ― O que é isso? Onde a null tá, ela tá bem?
― Tá, tá, null, você precisa dar um jeito nisso logo, eu não posso fazer nada aqui, nem tem sinal no telefone! Ao menos me fala algumas coisas sobre ela, me manda por mensagem ou sei lá. ― implorou, começando a andar em círculos para tentar descarregar um pouco da ansiedade que estava sentindo.
― O que?
― O manual que você me falou sobre a null, me diz. Eu tô me ferrando demais aqui, null. ― explicou mais detalhadamente achando que o amigo havia esquecido, sem se atentar ao fato de que era a ligação que estava cortando e impossibilitando null de entender.
― Aaaah, isso! O mais importante agora, que você realmente não pode esquecer, é que hoje é…
Antes que null conseguisse completar a frase, null ouviu outro estrondo proeminente de mais um raio, e dessa vez, bem mais próximo do que o outro, acompanhado de grossos pingos de chuva que caíram de uma vez, como se houvessem aberto uma barragem bem em cima da sua cabeça. A ligação se encerrou sozinha quando o sinal se extinguiu como se nunca houvesse existido, o largando em uma chuva torrencial sem ao menos saber o que precisava.

❥❥❥❥❥

A risada que despontou do deque do local, diferente do que achava, não fora de null. O sorriso largo e brilhante de Shane parecia criar uma barreira de cores no meio daquele cenário tão cinzento, e aquilo irritava null ainda mais, porém se sentiu menos inclinado a xingá-lo quando viu que o rapaz segurava um roupão branco e felpudo, se levantando para abrir a porta assim que se aproximou e lhe jogando a peça na cara.
― Obrigado. ― agradeceu mais porque a lei da etiqueta mandava do porque queria, porque podia sentir a vontade que o rapaz estava de voltar a rir da sua cara de novo.
― Sem problema! ― ele respondeu muito mais empolgado do que deveria para uma situação como aquela, e null questionou a si mesmo se ele era normalmente assim ou se simplesmente estava se esforçando por ser um cliente. ― Conseguiu encontrar o sinal?
― É, consegui sim… ― antes não houvesse encontrado, null apenas servira para lhe atrapalhar ainda mais e deixar ainda mais ansioso, além de não ter servido exatamente pra nada, nem pra tentar descobrir alguma forma de resolver aquela situação.
― Bom, sua namo- É, a senhorita null disse que ia estar no quarto te esperando. Ela não parecia muito bem, então seria bom se você fosse rápido. ― fora a primeira vez que null vira o sorriso de Shane simplesmente sumir por completo, e uma pontada de preocupação fisgou seu coração com uma força tão grande que ele sentiu todo o seu corpo doer.
Primeiramente xingou o rapaz mentalmente por não tê-lo avisado antes, mas sua raiva logo passou para um segundo plano quando começou uma corrida na direção do segundo andar, seus pés descalços secando conforme andava e pisava nos tapetes leves que cruzavam seu caminho. Abriu a porta do quarto de uma vez só, e seus olhos se arregalaram quando viu que ele estava todo escuro e completamente silencioso, e, assim que ergueu a mão até o interruptor e ligou a luz, um trovão imponente fez com que ela piscasse algumas vezes.
Mas null conseguiu ver entre a queda de luz onde null estava. Deitada na cama, escondida debaixo do lençol e, ele podia jurar que tremendo como uma criança.
null? ― chamou, sem nem mesmo lembrar que aquilo a deixaria ainda pior, se aproximando dois passos após fechar a porta. Ela não respondeu e ele não entendeu nem um pouco primeiro momento, mas quando outro estrondo do desastre natural que era aquela chuva torrencial soou, a mão de null que segurava o pano fino estremeceu, e ele teve uma vaga ideia do que estava acontecendo.
Ela tinha medo?! Medo de chuva?!
Ele ficou paralisado daquele jeito, próximo a porta, sem saber como reagir quanto a fraqueza da garota. Ela não queria que ele soubesse? Mas null provavelmente sabia! Então ela talvez quisesse ser consolada?! Ou preferia ficar sozinha e não ser vista naquela situação?! A sua cabeça girou em tantas direções diferentes que uma dor pontiaguda começou a latejar por conta do estresse. Ele não fazia a mínima ideia de como reagir em uma situação daquelas.
null? ― a voz de null soou suave e assustada, levemente abafada por conta do lençol, e ele prendeu a respiração imediatamente ao ouvi-la pronunciando o apelido do melhor amigo, principalmente daquela forma.
― Eu estou aqui. ― murmurou, dando alguns passos em frente para se aproximar da cama até ficar na ponta dela. Ainda não tinha certeza se tinha que continuar ali, se ela queria algum contato.
― Por favor, não me deixa sozinha até a tempestade acabar… ― null teve de conter o suspiro de alívio ao perceber que, pelo menos, não estava fazendo exatamente tuuudo de errado e se aproximar tinha sido uma boa opção.
null desceu um pouco o lençol lilás que segurava firmemente com as duas mãos, e deixou os olhos azuis expressivos para fora, encarando null com eles. Foi então que ele cedeu, e sentiu algo o incomodando no fundo do seu âmago quando simplesmente se sentou no colchão e sorriu de canto. A sua mão tremeu durante todo o percurso e duas vezes regrediu a distância, mas logo estava a pousando entre os fios de cabelo da garota, em um carinho ao qual ele nunca nem mesmo sentira ou fizera em toda a sua vida.
― Não precisa se preocupar, eu não vou sair daqui. ― sorriu de canto, e então viu os olhos de null se tornando levemente fechadinhos, o suficiente para que soubesse que ela também estava sorrindo para ele.
Não soube bem quando foi que seus olhos se fecharam e ele caiu no sono com aquele barulho de chuva, assim como também caiu no colchão de um jeitinho meio torto, mas confortável o suficiente para proporcionar um sono agradável para null. Quando acordou, porém, sentiu que sua mão estava em algo fofo e assim que abriu os olhos encontrou o travesseiro que estava no lugar de null, lhe fazendo arquear uma das sobrancelhas, principalmente porque ainda chovia.
Os raios e trovões haviam desaparecido, mas a chuva continuava forte e não dava previsão de quando iria parar com aquele céu completamente cinzento. Passou seu olhar pelo ambiente para tentar encontrá-la, mas não havia sinal algum da mulher, e quando se levantou para tentar procurar alguma pista, acabou tropeçando na sua mala. null tinha certeza que ela não estava ali no meio do quarto antes, e mesmo que não fosse sua prioridade no momento, alguma vozinha distante e irritante no fundo da sua consciência sussurrava para abri-la. Talvez ali tivesse uma pista sobre o que null queria falar na ligação, e, null não poderia ter ido muito longe de qualquer forma por conta da chuva.
Soltou um suspiro de desânimo porque sabia bem que encontraria trezentas peças de roupa assim que a abrisse - não sabia como null havia enfiado tantas coisas em uma mala só, e nem queria saber como iria colocar tudo aquilo da mesma forma quando fossem voltar - e sentou na ponta da cama, a puxando para a sua frente. null abriu todos os bolsos pequenos que estavam com zíper, e, quando não encontrou nada, enfiou a mão por baixo das roupas para tentar ver se tinha alguma coisa ali antes de se dar ao trabalho de desmontar tudo.
Então seus dedos esbarraram em uma coisa, que null deu um jeitinho de puxar sem estragar a organização. E quase teve um infarto quando uma caixinha de veludo preto saiu de dentro da mala entre seus dedos.

❥❥❥❥❥

null não era uma pessoa surtada. Nem um pouco, na verdade, costumava ser calmo e tranquilo, sempre pensando de forma racional antes de qualquer coisa e de deixar seus sentimentos serem maiores que os fatos. Mas tudo o que estava acontecendo parecia querer testá-lo, afinal, como iria levar fatos em consideração quando a situação era ridiculamente irreal? Uma parte de si ainda tentava acreditar e se apegar na hipótese de que tudo aquilo não passava de um sonho, mas a cada minuto esse pensamento era esmiuçado com o peso de não acordar e viver naquela realidade paralela.
Era como se o universo inteiro estivesse conspirando para descobrir qual era a linha que levava ao seu limite, e, a principal peça que lhe empurrava em direção a tal se chamava null null, como descobriu quando encontrou aquela caixinha e, posteriormente, uma carta.
Não tinha tido coragem de abrir nenhuma das duas. Sentia que suas mãos ainda estavam tremendo apenas por tocá-las, e enquanto descia as escadas, aproximadamente meia hora depois daquele baque, só pensava que queria um copo d'água. Aquilo era surreal… Se fosse uma aliança, o que null estava planejando e nem mesmo se dignou a lhe contar?!
― Senhor null! ― quase derrubou o copo quando ouviu a voz de null surgindo do nada pela porta de uma sala que não fazia ideia do que era. Mas agradeceu ao susto porque ao menos assim se obrigava a entender que era o senhor null, não senhor null.
― Você sumiu. Fiquei preocupado. ― murmurou para tentar disfarçar todo o susto que passara apenas pela presença da mulher no mesmo ambiente que si.
― Desculpe, eu acordei quando a chuva tinha diminuído e não queria fazer barulho no quarto pra te acordar, então resolvi procurar alguma coisa pra fazer. ― ela explicou calmamente enquanto o rapaz assentia e tomava a água, se sentindo tranquilizar conforme o assunto ia distraindo a sua mente.
― E achou algo?
― Sim, eu fiquei na cozinha o dia inteiro com Shane. ― a forma que null deixou escapar uma risadinha doce ao lhe contar isso fez com que o âmago de null saltasse de um jeito incômodo e a água não hidratasse seu organismo como queria e esperava. ― Estávamos cozinhando!
― Ah, é mesmo…? E você se divertiu? ― algo no tom de voz que pertencia a null soou destonou da normalidade, e null ofendeu-se mentalmente. Aquele nuance rouco em um timbre tão normalmente brilhante evidenciava que algo estava errado, diferente da forma monótona que a voz de null se desenvolvia até mesmo nas piores situações, o deixando com fama de calmo pelo tom grave se manter até últimas instâncias.
null conseguia ser expressivo até mesmo na voz. E isso era péssimo.
― Sim…? ― claro que isso não ia passar despercebido em alguém com a cabeça tão esperta quanto null, e ela arqueou uma das sobrancelhas, sem entender. ― Mas eu estava ansiosa para quando você acordasse! O Shane é um chef amador e estava testando algumas receitas, então eu disse que você está no último ano da faculdade de gastronomia, prestes a se formar como o melhor da classe e que podia ajudá-lo com algumas coisas enquanto prepara um jantar especial pra mim. ― ela piscou os cílios pesados algumas vezes como se fosse a criança mais inocente do mundo, e null deixou o copo em cima do balcão para não correr o risco de quebrá-lo sem querer.
― Você… Não tinha planos pra hoje? ― ele questionou um tanto perdido, tentando não soar infeliz para que ela não estranhasse. Se havia algo que null amava fazer, isso era cozinhar, principalmente quando podia ensinar outras pessoas para provar o quão bom era.
― Eu tinha um horário marcado no restaurante do centro, mas como essa chuva não vai parar tão cedo, eu liguei e cancelei. Então meu melhor amigo chef vai me fazer uma lasanha maravilhosa de presente enquanto eu me tomo banho e me arrumo. ― ela deu de ombros como se fosse normal, e a sua mente parou de funcionar quando ela disse que tinha ligado. Como?! O celular dela tinha sinal?! COMO?!
― Você ligou…? ― balbuciou completamente perdido, os olhos arredondados de amêndoas piscando pausadamente conforme seus lábios proferiram as sílabas.
― Um plano simples de sinal por satélite, pega em qualquer lugar do mundo. ― Agora eu vou tomar um banho, até depois, meu bem!
null ficou alguns segundos paralisado, pensando sobre o que tinha acabado de escutar. E apesar de estar internamente muito bravo porque ela tinha contato com o mundo e ele não, respirou aliviado porque aquela informação lhe foi dada no melhor momento possível. Porque agora só precisava esperá-la ir tomar banho e então poderia pegar o aparelho. Finalmente dera sorte em alguma coisa, pelo menos.
null deixara o celular em cima da escrivaninha carregando e ele já tinha carga o suficiente para durar por algumas horas. Desceu até o deque praticamente correndo, decidindo que aquele era o melhor lugar para disfarçar, já que ninguém lhe ouviria falando com aquele barulho alto de chuva, Soltou um suspiro de alívio quando testou seu dedo na identificação e ele reconheceu, desbloqueando a tela sem muitos problemas.
null nunca fora uma pessoa curiosa, então digitou o início do numero do amigo que logo foi identificado. Quando o apelido de “Chefnull” apareceu na tela, null não teve dúvida de qual nome que deveria pressionar, ouvindo a ligação chamar três vezes antes de ser atendido.
null? ― ah, claro, mesmo que ele teoricamente não fosse null, assim que ele viu o numero da garota na tela não se segurou em denunciar que sabia quem era. Deve ter entrado em choque do outro lado da linha achando que haviam sido descobertos.
― Não, e você é um idiota. Como eu saberia quem era se não tenho o telefone dela salvo? ― revirou os olhos, agradecendo pelos três não estarem convivendo naqueles dias, caso contrário, tinha certeza que null estragaria qualquer discrição que tentasse ter em poucos minutos.
― Talvez eu tenha passado o número dela pra você pra caso precisasse em alguma situação emergencial? ― podia ouvir o quanto ele estava sorrindo amarelo, se é que isso fazia sentido. ― Qual é, não leva tão a sério. você ligou pro meu celular! Eu atendi com essa voz de desgosto, mas o nome dela tá escrito na tela. ― ah, é, não tinha pensado nisso! O certo seria eles também terem trocado os celulares, mas só de imaginar como null atenderia seu celular, acabou desistindo da ideia. ― Onde ela está e por que você está com o celular dela?
― Ela está tomando banho e eu roubei porque o meu não tem sinal, mas o dela sim. ― explicou rapidamente. Apesar de falar com null - mesmo que fosse extremamente estranho falar com null, mas ouvir a sua própria voz - lhe trazer um pouco de reconforto no meio daquela bagunça, ainda tinha uma coisa maior que estava tirando a sua paz.
― Temos uns quarenta minutos então.
― Ótimo. Então você vai usar esses quarenta minutos pra me explicar por que porque tem uma carta e uma caixa de veludo preta dentro da sua mala, e também como diabos eu vou fazer o jantar pra sua namorada?


III

Já podia começar a surtar de novo, não podia?!
Tudo bem que null havia lhe explicado passo a passo todas as coisas que tinha que fazer, e tinha anotado no bloco de notas do seu celular cada mínimo detalhe, mas null não sabia cozinhar. Simplesmente. Como uma pessoa que nem mesmo fazia miojo ia saber o que era pré aquecer o forno em cento e oitenta graus?! Ele nem o forno sabia ligar!
Respirou fundo quando entrou pela porta da cozinha, ainda com o celular de null no bolso para qualquer emergência que pudesse ter. E então um pequeno detalhe que esquecera entre tantos problemas abriu um sorriso enorme e empolgado na sua direção.
null me disse que eu podia te ajudar, e que não ia te atrapalhar se eu ficasse aqui na cozinha com você. ― Shane comentou, tentando disfarçar a empolgação na voz de um jeito que não era muito efetivo.
E apesar de não gostar de companhia, principalmente quando tinha certeza que ia fazer merda, null fez questão de abrir um sorriso.
― Claro. Eu estou com a receita no celular, você pode me ajudar. ― com certeza Shane deveria saber o que era untar uma forma, então ele deveria ser útil. E se era útil, podia ficar.
Conforme os minutos passavam, null chegava a conclusão que aquela fora a melhor ideia que tivera. Shane parecia familiarizado demais com aquele ambiente, então fazer qualquer coisa ali pra ele era simples e não tinha problema algum. null ao menos servira para lhe dar detalhes o suficiente para que não passasse vergonha e conseguisse enrolar um pouco o rapaz, e null agradeceu mentalmente por ele não puxar nenhum assunto sobre a faculdade ou o universo culinário.
― Agora nós só temos que esperar. ― desabou em uma banqueta após levar a forma até o forno, respirando fundo algumas vezes para se recuperar de toda a pressão que havia sentido naqueles momentos.
Estava tão cansado por conta da ansiedade de acertar em tudo, que agora parecia que seu corpo tinha corrido uma maratona inteira. E olha que null gostava de correr e tinha um ótimo condicionamento físico, mas não adiantava. A rigidez que vivia na mente de null seria capaz de tencionar qualquer corpo, até o mais bem preparado do mundo.
null - ah, posso perguntar uma coisa? ― o rapaz lhe chamou assim que chegaram ao final da saga, terminando de lavar alguns dos utensílios que haviam usado durante o processo.
― Sim… O que foi? ― null claramente não gostou nem do tom e nem da expressão facial desconfortável que Shane utilizava, sabendo que aquilo sinalizava que nada de bom ia sair daquela boca no próximo minuto. Mas se esforçou pra disfarçar, oferecendo um meio sorriso tão receoso quanto o dele para tentar incentivá-lo, mas que acabou o intimidando ainda mais.
― Você e a null,vocês dois realmente não são namorados, não é? ― ele soltou uma risadinha no final, apertando levemente a própria nuca para diminuir a tensão que sentia.
― Não. ― null respondeu calmamente, não entendendo o porque Shane havia ficado tão inseguro em questionar uma coisa que já havia respondido antes.
― Certo, certo! E ela também não é comprometida onde vocês vivem, não é? ― agora o tom de Shane era mais confiante, como se saber que os dois eram mesmo só amigos houvesse tido algum efeito nele.
― Onde, exatamente, você quer chegar? ― acabou perdendo a paciência, cruzando ambos os braços na altura do peitoral e arqueando as sobrancelhas.
Não, não era que null era burro ou lerdo aquele nível. Era só que ele estava enrolando e tentando deixar Shane constrangido o suficiente para ele não perguntar o que queria, por dois motivos bem simples. O primeiro era que não sabia realmente se ela não estava comprometida com outra pessoa - apesar de imaginar que não, e também porque sabia que Shane estava se interessando por null, e apenas dependia daquela conversa para ele decidir o que faria.
― É que eu…
― M-meu Deus, olha só que horas são! ― desviou o assunto rapidamente ao ver que ele não desistiria, se levantando em um sobressalto assustado e colocando uma mão no peito. ― Eu já estou atrasado, desculpa mesmo! Depois a gente continua, tá?
Não deu nenhum tempo para que o outro respondesse, saindo da cozinha por uma das portas dando passos para trás com um sorriso de canto sem graça. E assim que terminou de pronunciar sua desculpa, virou de costas e saiu correndo em direção ao quarto, tão concentrado que não viu null parada no hall, soltando risadinhas maldosas de quem havia acabado de ouvir tudo o que tinham conversado dentro da cozinha.

❥❥❥❥❥

Parecia que ele ia morrer do coração de assistir null levando aquele garfo lentamente até os lábios, com medo de ter acidentalmente feito uma combinação química que houvesse fermentado e envenenado a comida, se é que isso é possível. Era como se fosse uma tortura sem fim, e tentava se apegar ao fato de ter experimentado e ainda estar se sentindo bem por enquanto.
null, está uma delícia! ― a garota abriu um sorriso enorme depois de degustar a primeira garfada, e ele deixou até mesmo um suspiro de alívio escapar. ― Como sempre.
― Que bom. ― era engraçado como quando estava calmo e concentrado, conseguia transformar até mesmo a voz de null, que era tão naturalmente expressiva, em um murmúrio monótono que contrastava assustadoramente com o sorriso adorável do amigo que aparecia sem permissão até quando ele só queria repuxar o lábio discretamente.
― Então… Você anda tão quieto esses dias, o que está acontecendo?
null quase engasgou com o refrigerante que tomava quando a ouviu, não porque achava que ela não iria perceber - sejamos francos, qualquer um perceberia -, mas sim porque não esperava que ela fosse lhe questionar por aquilo, ainda mais daquela forma direta. Outra vez sentiu-se testado pelos céus e teve que respirar fundo algumas vezes. Vasculhou a sua mente até os confins, tentando encontrar algum assunto que fizesse sentido e que dominasse para ser convincente. Mas só veio um a sua memória…
null. ― murmurou a contragosto. Tentou fixar na sua mente que não tinha outra saída, aquela era a sua melhor opção. ― Desculpa falar dele na sua viagem, é que eu estou preocupado… Mas não é nada demais, não precisa ficar pensando nisso. ― e então quis dar o tópico como encerrado, o que claramente não deu certo.
― Como assim? Você não pode falar isso e depois não explicar! Eu vou acabar me preocupando também! ― o que? E ela tinha algum motivo para se preocupar consigo? ― O que está acontecendo?
― Ah, você sabe…
― Não, eu não sei…
null parou por mais alguns segundos para digerir aquela situação. Nunca fora uma pessoa de esconder o que sentia para quem era próximo de si, inclusive não entendia por que null tinha mania de falar que era alguém inexpressivo se costumava abrir toda sua vida para o amigo. Mas nunca havia sido tão difícil falar alguma coisa como estava sendo nesse momento e ele se perguntava se era a presença de null que lhe deixava tão nervoso, ou olhar naqueles olhos azuis como o mar.
― Bom, ele parece meio perdido depois da dispensa do exército, ainda não sabe o que fazer. No começo eu achei que ele só precisava de um tempo pra se encontrar, mas agora estou pensando se é isso mesmo… ― seus pulmões se contrairam e dilataram de forma demorada ao mesmo tempo que levava o copo para cima da mesa, olhando concentradamente para o prato a sua frente.
null, isso é péssimo! ― a forma natural e sincera que null falara aquilo fizeram null se sentir extremamente e estranhamente tocado. ― Você já conversou sobre isso com ele?
― Ainda não. ― respondeu desanimado. Naquele momento, resolveu se concentrar nos seus sentimentos e esquecer que detestava se sentir exposto para alguém que não conhecia direito. Tudo o que queria era desabafar todas aquelas inseguranças que estavam rondando sua mente naqueles últimos tempos. ― Eu ainda não sei o que falar pra ele.
― A verdade, ué! ― ele a olhou com a expressão confusa, se perguntando qual era aquela verdade. E como se lesse os seus pensamentos, ela abriu um sorriso confortador e continuou. ― Olha, eu sei que você não fala muito dele pra mim e eu quase não o conheço, mas quando aquilo aconteceu quando estávamos em Paris ― ah não, a história de Paris de novo não…! ―  Eu fiz minhas pesquisas e descobri que ele parece ser uma ótima pessoa. Pelo menos segundo a sua mãe. ― null riu, e ele não resistiu e acabou sorrindo também. ― Sabe, cada pessoa tem o seu próprio tempo pras coisas,null. Diga pra ele que ele não precisa se comparar com ninguém, porque as pessoas são diferentes umas das outras, e também que ele vai encontrar o que é o certo pra ele! Só precisa focar naquilo que gosta de fazer. Parece que é discurso barato, mas é a verdade! Ele tem que ser ele mesmo.
null riu da ironia que aquilo era. Ser ele mesmo… A única coisa que não estava sendo naqueles dias, era ele mesmo. Mas ao mesmo tempo, pela primeira vez não se incomodou em ser null. Sentiu que, de alguma forma, tivesse que estar ali e o destino soubesse disso. Por isso aprontara aquela fantasia desconexa. E ele estava até mesmo feliz por ela, mesmo que não acreditasse em destino.
― O resto vai vir naturalmente. Quem sabe ele até não volta pro exército? Você sempre disse que ele gostava bastante de servir… ― ela comentou com um sorriso, finalizando enquanto enchia mais um garfo com a lasanha.
― Obrigado…
null deixou um sorriso maior aparecer, e seu olhar timidamente se ergueu até a garota. Aquela gratidão era por muito mais do que null imaginava, e ele sinceramente desejou ter a oportunidade de agradecê-la pelo real motivo algum dia. O clima ameno se manteve daquela mesma forma por minutos, mas para null, alguma coisa estava errada. Havia alguma coisa ali no meio que ele não estava acostumada a sentir. E por isso quis acabar com aquela sensação o mais rápido possível.
null não entendeu que aquilo era um “jantar de gala” até ver null com um vestido do mesmo tom azulado da sua camisa e do mesmo tecido de seda, que abraçava bem o seu corpo curvilíneo em um decote coração com mangas ombro a ombro e um corte semi sereia que continha uma fenda na lateral esquerda. Em combinação com aquela maquiagem e o penteado lateral de seus cabelos, aquele sentimento queimando seu peito tornou-se mais e mais forte, e então sua mão deslizou por baixo da mesa, indo até a calça jeans preta que julgou ser aquilo que null separara para usar naquele dia, tirando rapidamente a caixinha de veludo preto do bolso e a esticando na direção de null .
― Feliz aniversário. ― murmurou baixo, sua garganta secando em pensar se deveria falar alguma coisa a mais que isso. Na verdade, ele tinha certeza que sim, mas não conseguia… Aquela carta de null que deixara em cima do travesseiro de null era o suficiente, não era?! Precisava mesmo discursar…? ― Eu te amo.
As três palavras saltaram de seus lábios tão sem permissão que seus olhos se arregalaram assim que se deu conta. null desprendeu um riso alto e divertido ao ouvi-lo, se levantando e abaixando para abraçá-lo apertado e deixar o coração de null ainda mais confuso e perdido.
Depois de anos trancafiado em lugares predominantemente masculinos, null não se lembrava de ter abraçado alguma mulher além de sua mãe, e com a ressalva de que era apenas em ocasiões raras. null tentava se manter calmo enquanto a apertava sem muita força entre seus braços, mas aquele mesmo nervosismo no fundo do seu coração não estava desaparecendo. E era isso que o preocupava.
― A chuva parou. Quer ir caminhar um pouco na praia? ― a mulher convidou com um sorriso empolgado, já segurando a sua mão para começar a puxá-lo.
― Vamos. ― ele meio que não tinha opção, uma vez que ela já andava na direção da escada que levava até a orla.
null não entendeu como ela conseguia descer aqueles degraus tão graciosamente usando um salto tão alto, mas quando chegaram na areia ainda molhada pela chuva, o apoio fino do sapato afundou e ela se deu conta de como estava vestida. Acabou rindo e, sem muita cerimônia, tirou o sapato e o deixou em um canto da escada para pegar quando voltassem, não se importando de pisar no molhado.
null… ― ele chamou um pouco baixo quando começaram a se afastar da casa, e no horizonte, refletindo no meio da água, ele pôde ver a luz do tão falado farol. Ela murmurou algo sem abrir os lábios como resposta, para incentivá-lo a continuar a falar. ― Acho que o Shane está interessado em você.
― Como assim, interessado? ― ela juntou as sobrancelhas em dúvida. Mesmo que houvesse entendido, aquilo fora muito aleatório para conseguir lidar tão repentinamente.
― Eu não acredito na paixão, mas ele disse que se apaixonou à primeira vista. ― balançou os ombros como se não estivesse falando nada demais.
― Como assim, null null, o ser mais romântico que eu conheço, está me dizendo que não acredita em paixão e amor à primeira vista? ― null até mesmo parou de andar para reforçar o efeito dramático que queria. Mais do que a informação sobre Shane surpreendeu-a, aquela parte chamou a sua atenção.
null percebeu a merda que havia falado naquele momento. Tinha que agir como null, e não expor seus pensamentos por ai como se fossem a mesma pessoa! Mordeu a parte interna da bochecha como autopunição e respirou fundo, enquanto ela começava a rir por tê-lo desconcertado.
― Não é beeem assim! ― tentou iniciar a explicação para amenizar a burrada, mas pareceu que só de falar isso as coisas pioraram. Ela tocou levemente na sua mão, entrelaçando os dedos e olhando debaixo para o seu rosto, com um sorriso de quem arquitetava algo.
― E no amor, você acredita? ― então, null segurou na sua mão, olhou bem em seus olhos e seu coração acelerou tanto que era assustador pensar que ela podia ouvi-lo.
Tirou bons cinco minutos inteiros para simplesmente refletir na questão, ficando em silêncio e passando todas as respostas possíveis pela sua mente.
null não acreditava, na verdade. Essas histórias comuns sobre ficar louco de amor que ouvimos pelo menos uma vez quando somos criança, era algo que ele sempre pensou que só acontecesse em filmes. Porém, continuava sentindo aquela coisa estranha, que começou como um raio que se ergueu e subiu, seus fogos de artifício de emoção. Ele percebeu que não consiguia controlar, falava qualquer coisa na frente de null. Esse sentimento que acelerava a pulsação, o fazia sonhar com ela e dançar internamente, mesmo que nunca houvesse dançado, desenvolvendo uma animação que nunca havia sentido.
E agora, quando ela estava falando sobre amor, era como se tudo piorasse ainda mais conforme os seus rostos se aproximavam lentamente, quase como em câmera lenta.
Como se tivesse caído em seus olhos azuis como o oceano. Ah, a cabeça dele estava inundada com a onda chamada null. Não conseguia parar o sentimento. Não consigo pará-la. Não consigo parar. Estava realmente louco por ela?

Ele não acreditava naqueles filmes antes, mas agora uma história digna de um longa metragem acontecera com ele também. Ele não entendia antes, mas estava começando a entender…

O gelo que um dia me congelou
Você é a única primaveira que pode me derreter

❥❥❥❥❥

Naquele dia, ele não dormiu. A chuva fora embora esporadicamente outra vez depois de atrapalhá-los na praia, mas uma ansiedade que nunca havia experimentado antes chegou e estava se apossando de si, principalmente porque aquela cama estava parecendo muito menor do que era na verdade, e a cada vez que null se mexia um pouco para o lado e esbarrava em si inconscientemente, a parte do seu corpo que fora tocada parecia sentir uma corrente elétrica que acelerava o seu coração.
Era difícil porém se manter tão próximo a uma garota, porque era uma coisa que ele nunca tinha feito antes. Era engraçado como ela era uma das poucas mulheres as quais estava realmente tendo algum contato… Primeiro aquele abraço, segundo o quase beijo que quase o enlouqueceu e agora senti-la próxima a si daquela forma. Respirou fundo algumas vezes, percebendo que os primeiros raios de sol já começavam a ultrapassar a barreira da cortina e a iluminar o rosto de null, serenamente dormindo de frente para a luz.
Inconscientemente mordeu seu lábio inferior, pensando na cena do dia anterior. Como seria beijar os lábios aparentemente tão macios dela? Qual seria o gosto, a sensação? E a dúvida que dilacerava o seu coração era se ela tinha aquela vontade de beijar null há muito tempo, antes de null ser, na verdade, null. Ela queria beijar null ou o que estava dentro do corpo dele? E ela saberia diferenciá-los?
Então, de forma rápida, resolveu que era melhor se levantar e sair dali o mais rápido possível. A presença dela estava se tornando tóxica para si, de uma forma que não entendia, nem mesmo sabia lidar. E como se tivesse sentido que estava se afastando, ouviu um gemido de reclamação vindo dela, assim como a mão delicada segurou seu pulso e quando virou o rosto para olhá-la, encontrou-a com um sorriso de canto e os olhos ainda fechados.
― Não esquece… Vamos pra cidade hoje. ― ela resmungou com voz de sono, e null apenas respondeu com uma sílaba sem nem mesmo abrir a boca.
Não sabia o que null havia planejado pra aquele dia, mas sabia que estava prestes a enlouquecer, então foi por isso que tomou um banho rápido, trocou de roupa, pegou seu celular e saiu pela praia, em um replay da cena do dia anterior, procurando o farol para que encontrasse sinal, e vendo as aproximadamente cem mensagens que haviam de null falando sobre null. Claro… Agora que nem precisava mais tanto.
Não dedicou muito tempo para lê-las depois de observar as informações principais, e então voltou a tela, vendo uma mensagem de null que chamou a sua atenção. Era uma foto sua. Ou de null. Tanto faz! De null no seu corpo em a merda de um pub! Retornou ao menu do celular com a velocidade da luz, digitando o número do celular do amigo com a força do ódio. Como ainda estava cedo, teve que o fazer três vezes antes que fosse finalmente atendido, bufando xingamentos que, no estado de sono que o null estava, ele com certeza não entendeu.
― Onde você está e o que você está fazendo com o MEU corpo? ― grasnou assim que teve a oportunidade, e como se acordasse pela força da vontade de infernizar a sua vida, ouviu a risada alta do outro lado da linha.
― Ok, eu admito. Talvez você não seja mais virgem. ― null sentiu até o sangue subir com aquela palhaçada, trincando o maxilar e mordendo o lábio inferior. ― É brincadeira, meu querido, eu só fui pra academia.
― Eu não preciso disso, sou lindo e tenho um corpo maravilhoso naturalmente. Para de me exercitar. ― agora era só implicância, mas estava tão irritado depois de ver aquela foto que null queria uma briga, mesmo se ela nem fizesse sentido mais.
― Você se exercitava no pelotão, eu só tô continuando a tradição. Imagina se a gente não destroca nunca?! Eu preciso fazer esse investimento em longo prazo, não vou ficar querer menos do que eu já tenho, null.
― Eu juro que vou voltar pra casa com cem quilos a mais nesse seu corpo ridículo, ai você vai ver…
― Nem você acredita nisso. ― ele outra vez começou a gargalhar no telefone, fazendo o null bufar de ódio e revirar os olhos para trás.
O problema foi quem ele viu pela sua visão periférica após fazer isso. Parada um pouco atrás de si, null piscava os olhos azuis arregalados continuamente, como se tentasse entender sobre o que estavam falando. Mesmo não estando no viva voz, pelo fato de não ter mais ninguém por ali, ele tinha certeza que ela conseguia escutar cada palavra pela cara que ela fazia. E, para não ajudar em nada em qualquer desculpa que pudesse arrumar para manter o disfarce, null voltou a falar.
― Como estão as coisas por aí? A null descobriu alguma coisa, notou que você é um cubo de gelo sem sentimentos? E a lista que eu te mandei ajudou?
O choque que acometeu null fora tão grande que ele esqueceu da opção de simplesmente desligar a chamada. E, conforme null chamava seu nome pelo telefone, estranhando a falta de resposta, as coisas apenas pioraram, com null saindo correndo de volta para a pousada.
Ele correu, tentando alcançá-la, mas não conseguiu e quase que a porta do quarto quebrou o seu nariz quando null a bateu com a força do ódio. Era isso, tinha dado ruim. null não sabia como ia fazer para consertar as coisas, se é que elas tinham conserto. E a próxima coisa que ouviu foi ela gritando com null no telefone.


IV

null não fazia ideia do que null estava fazendo naquele quarto, até que ela saiu de lá depois de escutá-la batendo as coisas por volta de meia hora enquanto ignorava seus chamados. Quando a mulher abriu a porta para sair do quarto, null arregalou os olhos ao vê-la com suas duas malas na mão e a mochila nas costas, descendo as escadas sem nem mesmo dar atenção para a sua existência.
Antes que a seguisse, viu que null também tinha feito a sua mala, e isso fez com que arqueasse uma das sobrancelhas em dúvida ao pegá-la e então seguir para o primeiro andar a tempo de ouvi-la falando com Shane que não precisavam devolver o dinheiro dos outros dias se hospedagem e então chamando um táxi. Durante o trajeto de mais ou menos uma hora, ficou claro que ela simplesmente estava o deixando ir com ele de volta, mas não era possível saber porque, mesmo que ele imaginasse que tivesse algum motivo.
null simplesmente não lhe olhava, parecia que havia se tornado um ser invisível. Enquanto ela adiantava o vôo se sentia um inútil, e depois no avião se sentiu ainda pior quando ela sentou praticamente do outro lado da aeronave apenas para não ter que ficar perto de si. Queria saber o que ela estava pensando, o que a estava deixando tão irritada e se ela estava entendendo o que estava acontecendo… Ou mais que isso, acreditando naquela história.
As mensagens de null chegaram, todas de uma vez só, e se obrigou a respirar fundo para olhar a sequência de desespero que ele tinha lhe enviado, falando que havia estragado tudo. Bom, não era mentira e realmente tinha, mas o que adiantava crucificar o amigo agora, não é mesmo?
Iniciaram aquilo juntos, e terminariam juntos também.
null subiu o histórico da conversa e então começou a reler todas as curiosidades que null havia lhe enviado sobre a garota para lhe ajudar a passar o tempo. Não era exatamente nada útil, o tapado esquecera até mesmo de dizer qual era a profissão dela, mas era verdade que de alguma forma, gostou de saber daqueles detalhes triviais e de compará-los com a pessoa que conhecera naqueles dias.
null era forte e doce, ácida e divertida, tudo ao mesmo tempo, e ele se perdia naquela mistura de características intensas que contrariavam toda a sua natureza tranquila e monótona. A voz do piloto soou pelos auto falantes anunciando que estavam chegando em casa e inconscientemente, seus olhos procuraram vê-la. Não sabia qual seria a próxima vez que a veria, nem mesmo se a veria uma próxima vez. Ela parecia tão infeliz com a situação que null tinha medo até mesmo dela nunca mais querer olhar pra cara de null… Ou falar com ele, no caso, porque a cara dele era a sua.
Teve que descer do avião sozinho e procurar sua mala sozinho, e todo aquele processo parecia muito solitário e doloroso após experimentar fazê-lo ao lado dela. Desbloqueou a tela do celular enquanto saia da área de desembarque, pronto para chamar um táxi, quando a viu encostada na pilastra ao lado de alguém que lhe fez arregalar os olhos.
null estava ali, com o seu corpo, e céus, um arrepio de horror passou pela sua coluna vertebral com aquela cena. Se ver assim era uma das piores sensações que sentira e aquele choque de realidade bateu na sua cabeça com tanta força que ficou pálido.
― Vamos tomar um café e conversar. ― ouviu apenas essa parte quando chegou ao lado deles, e como se sua mente estivesse no automático, ele simplesmente concordou e só foi andando atrás dos dois.
null não olhou nem para si e nem para null sequer uma vez. Ela estava focada em frente, e foi para o balcão da pequena cafeteria do aeroporto sozinha enquanto null a seguia. null estava tão chocado, que preferiu se manter sentado em uma das mesas e parado. Não conseguia pensar, simplesmente, era como se sua mente estivesse em branco. Já tinha visto null no seu corpo antes, no dia em que tudo aconteceu, mas agora era diferente… Agora tudo parecia mais real. E se nunca mais destrocassem?! Teriam que trocar totalmente de vida?!
― Por que você não senta um pouco também? ― null questionou desanimada para null, ao ver os traços tão sérios de null com um sorriso largo que caracterizava a pessoa a qual estava “ali dentro”. Era claro que ela sabia que tinha algo errado, mas eles esperavam que fosse idiota para acreditar que tinham trocado de corpo de verdade?! ― Eu consigo levar tudo.
― Ah, tudo bem. ― o rapaz deu de ombros, porque naquela situação ela podia pedir qualquer coisa que ele faria, e então começou a saltitar até o banco onde o outro estava.
O cérebro de null deu um nó quando observou null null andando como uma criança espevitada e alegre pela cafeteria, enquanto null null o observava em puro desânimo, como se pudesse aniquilá-lo apenas com o olhar. Senhor… Algo de errado não estava certo ali, e agradeceu a moça ter chamado o seu nome rapidamente para lhe acordar do ataque de ansiedade que estava prestes a ter apenas de ficar olhando para aqueles dois.
― Então… ― ela murmurou quando chegou perto deles, deixando as duas bebidas na mesa, a sua e a de null, já que null nada tinha pedido. Sentou-se de frente para os dois, observando-os atentamente e cruzando os braços como se fosse iniciar um interrogatório. ― Vocês dois esperam que eu acredite que vocês trocaram de corpo, simplesmente?
― Sim, porque foi o que aconteceu. Nós não teríamos porque mentir pra você. ― null começou tranquilamente com o argumento mais lógico e óbvio que conseguiu pensar. Mas era verdade, afinal, por que inventariam um absurdo daqueles?
― Então tá. Me convençam. ― null simplesmente cruzou os braços na frente dos seios depois de pegar o copo de plástico do local e levar o canudo até os lábios, observando os dois se entreolharem em dúvida.
null resolveu que tinha que ficar quieto. A única pessoa que provavelmente saberia como convencê-la e lidar com ela, com certeza não era si.
― Tudo bem. ― null sorriu de canto, um sorriso que já soava assustador e anunciava que alguma besteira estava por vir, algo que piorava ainda mais nas feições de null que combinava assustadoramente com aquele tipo de expressão facial. ― Nós já fomos pra Londres, Xangai, Veneza, Rio de Janeiro e Paris. ― ela não pareceu impressionada e continuou sugando o canudo com um olhar entediado. Aquilo podia ser muito bem algo que ele podia ter decorado. ― Em Paris, no seu aniversário de dezenove anos, eu te deixei plantada na Torre Eiffel no seu jantar festivo e depois te obriguei a pegar o primeiro vôo de volta pra casa… ― agora sim ela parecera se interessar, e ergueu uma das sobrancelhas para sinalizar que estava prestando atenção. ― Porque me ligaram dizendo que o null estava no hospital porque tinha levado um tiro em uma missão.
O próprio null arregalou os olhos quando escutou isso. Se lembrava tão bem daquela situação que era como se a estivesse vivendo outra vez. Era a sua terceira missão no esquadrão de elite do exército após ter sido aprovado no treinamento com méritos, e acabara se envolvendo em um tiroteio entre policiais e uma gangue. Ainda era um pouco inexperiente e acabou errando um pouco o seu posicionamento, o suficiente para o bandido ter ângulo para acertar a parte esquerda do seu abdômen.
Depois disso tudo apagou. null perdeu muito sangue, mas quando acordou, os pais de null estavam lá dizendo que tudo ia ficar bem e que o filho já estava a caminho. Não fazia ideia de que era isso que null estava fazendo quando aquilo aconteceu e por isso tinha demorado para chegar. Disseram que até a garota foi no hospital para levar null enquanto estava inconsciente. Ele estragou um dos aniversários de null inconscientemente, e não sabia como reagir sabendo que null havia feito aquilo por si.
― Tudo bem, o null está envolvido demais nessa história, ele pode muito bem saber disso. ― ela constatou quando o amigo terminou de falar, e, como se esperasse aquela resposta, ele sorriu de canto e continuou.
― E se eu disser que foi você que doou o sangue que ele precisava quando foi me levar até o hospital, porque não tinha estoque compatível com o dele no dia? ― null questionou com uma expressão vitoriosa e um sorriso satisfeito ao ver ambos, tanto null quanto null, com a expressão de puro choque.
― Você fez isso?! ― o null indagou, o tom saindo agressivo sem querer por conta da sensação de surpresa que percorria seu cérebro por estar conhecendo todos os detalhes daquela história. ― E-eu…
― Você sabe que sim! ― null interrompeu manhosa encarando o corpo de null, ainda querendo acreditar que ali estava o null por dentro e por fora, batendo com o copo na mesa e inflando as bochechas em manha. Mesmo achando que os dois já sabiam disso antes, ainda ficava encabulada de ouvir a situação sendo exposta assim em voz alta.
― Tudo bem então, se você não acredita, eu continuo. ― null balançou os ombros como quem não estava se importando e poderia continuar fazendo aquilo durante o dia inteiro. ― Nós também fomos juntos para o casamento da sua irmã. Você estava com um vestido de renda vermelho longo, o cabelo meio preso e um troço de pedrarias na cabeça. A sua prima deu em cima de mim e depois, acidentalmente, você colocou o pé na frente dela e fez ela tropeçar e cair na piscina. A sua mãe viu e te deu um sermão de três horas. ― ele contou com uma expressão divertida no rosto, contrária a surpresa e chocada de null que ergueu o corpo por coma da mesa para agredi-lo com mais facilidade.
― Eu NÃO estava com ciúmes! ― não era como se ele houvesse falado isso, mas ela sabia bem o que ele estava insinuando! Começou a estapear o braço de null sem nem pensar que aquele não era realmente o braço dele, arrancando gargalhadas do null. ― Eu juro, foi só um acidente!
― O seu irmão me odeia porque viajamos juntos e ele não acredita que nós não temos nada. Quando a sua irmã, sem querer falou que nós costumamos dividir o quarto, ele me ameaçou de morte. ― null ignorou o surto da melhor amiga e continuou falando como se estivesse desejando bom dia para alguém e aquilo fosse a situação mais agradável que tivesse passado na vida. ― Você ama decorações de Natal e o seu quarto é cheio de pisca piscas o ano inteiro. Você não consegue dormir com barulho e nem com luz ligada, e tem medo de chuvas muito fortes porque uma vez, quando você era criança, te deixaram sozinha em casa, teve uma tempestade e acabou a luz. ― se levantou e parou as agressões com um carinhoso abraço de urso, quase fazendo a amiga subir em cima da mesa.
― Tá, tá, chega! ― ela tentou quando percebeu que as coisas estavam vergonhosas demais para conseguir continuar aquilo.
― Então, você acredita em mim agora? ― null levou ambas as mãos até o rosto da melhor amiga para erguê-lo e fazê-la olhar nos olhos de null. Se havia uma coisa que sabia, mesmo constantemente dizendo que o null era uma pedra de gelo, era que os olhos dele eram extremamente expressivos. Eles brilhavam em veracidade de uma forma tão obstinada que ela ficou com a boca entreaberta, paralisada com aquela expressão.
Foi só então que null percebeu que não era null ali na sua frente, estava se sentindo presa, mas era ao olhar de null. Porém, se era mesmo null “ali dentro”, estava se sentindo atraída pelo seu melhor amigo?! Assim como na praia, quando estavam conversando e tivera vontade de beijá-lo, se aquela loucura estivesse mesmo acontecendo, estava se sentindo atraída por quem, afinal?!
null por sua vez, se sentia como um intruso próximo aos dois, mesmo que teoricamente ele que “fosse” null. Aquele ângulo dava o total desprazer de ver a cena completamente, e ele observou a interação deles atentamente se desenrolando à sua frente, mas não aguentou continuar mantendo o olhar quando eles se abraçaram e a viu olhando daquela forma tão intensa. Seu peito queimou de um jeito incômodo mesmo que os olhos que ela encarava fossem os seus, e, em um relance, se lembrou de como eles ficavam bem juntos e estava descobrindo que não eram só as aparências que combinavam, mas as personalidades também pareciam perfeitas uma para a outra.
― O seu primeiro beijo foi com o… ― null começou quando viu que ela ainda estava confusa, com um sorriso de canto arteiro que sinalizava que ele queria muito mais provocá-la do que expô-la.
― MALDITO, VOCÊ NÃO CONTOU ISSO PRA ELE, CONTOU?! ― no mesmo segundo a garota empurrou quem quer que fosse que estivesse na sua frente, e o copo de plástico voou na direção de null, porque ela ainda acreditava que ele era null e resolveu agredir o rosto conhecido, enquanto que só agora ele atualizou a mente para acompanhar o que acontecia. Ainda estava anestesiado com a situação anterior, o suficiente para nem mesmo ouvi-los falar, ocupado demais em remoer os seus ciúmes.
― E-eu não sei! Eu juro! ― respondeu no automático, erguendo ambas as mãos para cima em sinal de rendição.
― Espera, você ainda acha que eu sou ele e ele sou eu?! ― null questionou quando a viu agredindo null, arqueando uma das sobrancelhas. O que mais precisaria dizer pra ela acreditar em si?
― EU NÃO SEI, EU NÃO SEI DE MAIS NADA! ― null deixou o corpo cair outra vez no banco de estofado marrom, encanastrando os seus dedos nos próprios cabelos, com uma mão apertando cada lado da sua cabeça. Estava enlouquecendo! Não eram somente as coisas que null diziam que estavam a convencendo e deixando confusa, mas também a expressão cada hora mais chocada e perplexa que null fazia sempre que descobria mais alguma coisa sobre a garota. ― Se isso é verdade, você me deixou viajar com um desconhecido, null?! Por que vocês não me contaram antes, por que você não cancelou a viagem?!
null sentiu uma dorzinha no fundo do seu coração quando Victoria lhe chamou de desconhecido. Era realmente aquilo que eram?! Nem seu relacionamento com null era o suficiente para estabelecerem um grau de relacionamento superficial? Tudo bem, não podia mentir e sabia que ela estava certa em partes, mas é porque ele sentia que já a conhecia tão bem… Talvez porque null passara aqueles três dias sendo ela mesma, enquanto ele passou fingindo ser outra pessoa.
― Eu fiquei com medo de você não acreditar em mim. Nós também não assimilamos isso direito, é uma loucura! ― null deu a volta na mesa, sentando na frente de null para tirar as mãos dela do pequeno emaranhado de cabelo que ela fez e segurá-la entre as suas. ― Não queria repetir o que eu fiz em Paris. Me perdoa.
null ficou em silêncio por alguns minutos, pensando enquanto olhava da expressão emburrada que estava na cara de null para a expressão afável que estava na cara de null. Aquilo era tão confuso! Tudo parecia muito real, mas ao mesmo tempo era demais para acreditar.
― E agora? ― ela murmurou após refletir sobre a situação. Mesmo que no fundo não acreditasse, queria acreditar que o seu melhor amigo, estando no corpo que fosse, não iria levar uma mentira ou brincadeira a níveis tão alarmantes.
― Não fazemos ideia… A única opção que nos resta é esperar… ― null suspirou em desânimo, também se ajeitando no banco e ficando de frente para null, mas não foi o suficiente para que percebesse a expressão incomodada dele.
― Você não encontrou nada? ― finalmente o null resolveu abrir a boca outra vez para perguntar em um fio, não de esperança, mas sim de burrice, ainda com as bochechas levemente infladas de ar.
― Você está disposto a admitir que sou lindo? ― null abriu um sorriso galanteador que feu até enjoo em null. Aquilo, definitivamente, não ficava bem em si. O null deu risada, balançando a cabeça negativamente e voltando sua atenção a melhor amiga. ― Acho melhor irmos embora. Você deve estar cansada da viagem e de tudo o que aconteceu, não é?
― Eu vou pra casa. ― null concordou com o que ele estava sugerindo. Mal estava conseguindo aguentar sua cabeça com tudo aquilo que tinha escutado… Se levantou, ajeitando os cabelos.
― Eu te levo. ― null levantou também, colocando uma das mãos no ombro da mais nova, mas ela balançou a cabeça negativamente.
― Não, eu pego um táxi. Qualquer coisa me liga. ― null desfez o contato com mais alguns passos em frente, e null sentiu o quão irritada ela ainda estava pelo o que havia acontecido.
Sabia que ela acreditava que tinha colocado sua segurança em risco a deixando com null. Ou nem isso, sabia que ela estava extremamente magoada por ter sido enganada naqueles dias, provavelmente falando sobre coisas pessoais demais para que qualquer um ouvisse. Não tirava a razão dela, e era verdade que sabia que ela precisava de um tempo para engolir toda aquela história…
null… ― null o chamou quando ele ficou tempo demais parado na direção ao qual null tinha acabado de ir, e, o null virou com um sorriso assim que percebeu que estava desligado.
― Oi?
― Hm… Com quem foi o primeiro beijo dela?

❥❥❥❥❥

null acordou com o barulho irritante do celular de null tocando, e bufou já mal humorado logo pela manhã. Como detestava ser acordado daquela forma! Revirou os olhos, percebendo que sua coluna estava doendo pela noite que passara todo torto no sofá da sua casa, o melhor lugar para ficarem sem que ninguém mais falasse com eles, já que seus pais estavam viajando a trabalho, segundo o próprio null.
null esse que até agora não fizera o favor de desligar o alarme. Bufou, tateando todo o terreno ao seu redor para tentar encontrar seu celular e ligar a lanterna, já que o ambiente estava extremamente escuro pelas cortinas pesadas estarem fechadas. Encontrou o controle da televisão, uma pipoca que caira na noite anterior, e então, finalmente, o celular, encostando na pontinha do seu dedo bem em cima da mesinha de centro!
null, desliga esse negócio! ― reclamou enquanto tentava alcançar o aparelho, percebendo o amigo não parecia se mexer nem depois de cinco minutos com aquela merda tocando direto.
Finalmente puxou o celular e então percebeu que era ele o que estava tocando. Arqueou uma das sobrancelhas, confuso… Foi ai que uma epifania tomou conta do seu cérebro.
Não estava no sofá próximo a mesa de centro. Aquele celular, definitivamente, não era o seu. E a voz que escutou quando falou… Definitivamente era a sua!
A luz foi ligada, e então o olhar de null recaiu em quem estava ao lado do interruptor. A cor dos seus lábios sumiu em poucos milésimos, e ficou sem saber o que fazer quando viu que finalmente null era o null, e ele, era ele mesmo.


Epílogo

null respirou fundo duas vezes antes de descer do carro e observar o restaurante a sua frente com um sorriso orgulhoso dançando na expressão facial. Não conseguia disfarçar o quanto estava feliz por null, e observar o sonho realizado do amigo bem na sua frente fez com que tudo o que haviam passado surgisse em sua mente.
Todas as noites no internato que passavam juntos conversando sobre o futuro. Todas as vezes que null ligara para si quando estava no treinamento militar para saber como estava, e até quando foi o amigo por alguns dias.
null ainda queria acreditar que aquela história fora apenas um delírio da sua cabeça em um sonho. Ela lhe trouxera a maior bênção e a maior maldição da sua vida, e ainda era dolorosa de ser lembrada. Antes daquilo acontecer, letras que narravam coisas como "eu chorei muito por sua causa", não faziam sentido para null. Ele não entendia como uma pessoa realmente poderia chorar por conta do sentimento que tinha por outra. Mas depois daquilo…
Era verdade que null havia mexido profundamente com a sua cabeça, e estava sim acreditando no amor, e que era sim possível ficar louco de amor por alguma pessoa. Ele não podia negar, os dias que passou depois que finalmente voltou a ser si mesmo foram muito difíceis, porque tudo o que conseguia fazer era pensar nela, e, para piorar, ela não parecia muito inclinada em querer ver a sua cara tão cedo.
Afogou suas mágoas nos estudos, mas até hoje lembrar disso o deixava extremamente desanimado. Sabia que ainda estava apaixonado, porque só de imaginá-la e citar seu nome, seu coração acelerava… Acreditava que aquele amor permaneceria intacto, no passado, presente e futuro.
Para não continuar pensando muito sobre isso, estacionou o carro na frente da entrada do restaurante, sem se importar se estava bloqueando a passagem de um carro estacionado atrás do seu. Estava apenas querendo visitar o amigo e lhe dar os parabéns, então não iria demorar mais de cinco minutos com o automóvel ali, não devia ter problema.
null atravessou a porta principal que estava aberta, mas também viu que a entrada lateral também estava. Não pode evitar ficar impressionado em como o lugar era bonito por dentro. As bancadas de madeira escura e as lâmpadas em tons beges, tudo era sofisticado e a cara de null. Sorriu quando o viu saindo de trás do balcão para lhe cumprimentar, e, como acontecia apenas em datas comemorativas, abraçou o melhor amigo.
Como ainda não havia inaugurado oficialmente, não tinha mais ninguém ali, então estavam mais confortáveis.
― Esse lugar é ótimo, null! Parabéns. ― bateu com a mão no ombro dele duas vezes, e então se afastou a tempo de ver o sorriso enorme do melhor amigo se formando ao ouvir sua opinião.
― Obrigado! Agora estamos os dois bem encaminhados, você vai virar o melhor policial da cidade e eu o melhor chef!
! ― null sentiu um arrepio subindo na sua espinha quando ouviu aquela voz vindo do lado de fora. A reconhecia mesmo depois de tantos meses sem ouvi-la… Arregalou os olhos, sabendo que era null.
null?! ― null ignorou a sua figura completamente paralisada para ir atendê-la, e, não resistiu em segui-lo timidamente, mesmo que suas pernas estivessem vacilando.
Um homem formado, daquele tamanho, futuro policial, mas que se sentia completamente indefeso apenas com o som da voz de uma mulher… Se aquilo não era ser louco de amor, null não sabia o que era.
null, tem alguém aí?! Estacionaram na frente do meu carro. ― ela reclamou em um tom afobado, e null arregalou os olhos assim que percebeu.
O restaurante estava vazio, e o carro de null não era aquele que estacionara na frente…
― Tem sim, pera! ― o null olhou para si com um sorriso de quem já havia entendido tudo, e então, maldoso como era, soltou uma risada antes de gritar. ― Ele já tá indo tirar!
null não pode resistir em sorrir também. Aquela situação era tão absurda que chegava a ser hilária… Depois de tudo o que havia acontecido, mais uma vez o destino parecia querer brincar com os dois. Ele mordeu o lábio antes de sair do restaurante e riu para si mesmo.
É como dizem nos filmes, o amor sempre volta. E sempre da forma mais improvável que você possa pensar.

Fim.


Nota da autora: ACABAMOSSSSSSSSS, posso ouvir um amém?! E ainda com um final aberto porque eu não tinha condições – e nem páginas – pra continuar essa fic, NÃO TEVE COMO, tivemos que terminar assim! SUAHSUAHSAUHSA Eu sou apaixonada por esse plot, tirei ele de um vídeozinho que vi no Twitter que o Wonwoo tá todo animadinho e o Mingyu com cara de nada e pensei... HMMMMMM, POR QUE NÃO? AI DEU RUIM, ME EMPOLGUEI E ESCREVI ISSO AQUI SAUHSAUHSAUHSA Espero que tenha ficado divertido e que tenha sido uma leitura legal! Muito obrigada a quem leu até aqui, se puder me deixar sua opinião aqui embaixo na caixinha de comentários, eu vou ficar muito feliz!
Beijo ♥





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