Última atualização: 13/02/2017
“Quem me olha pode ver que eu sou de matar,
Certo,
Eu nunca fico em segundo lugar,
Certo.”
- I Am The Best / 2NE1
Férias realmente são períodos monótonos para mim, principalmente porque gosto do meu trabalho e me divirto muito nele, não acreditava que já estava fazendo cinco anos que comecei a dar aulas de dança, na InH Dance Academy.
Tenho que admitir que foi a melhor decisão da minha vida, mesmo não sendo experiente, me formar no ensino médio e após um ano entrar para a InH como professora, foi pura sorte e muita confiança do diretor Francis em mim. Profissionalmente falando, aquela foi a oportunidade que precisava para evoluir muito minhas habilidades, e quem sabe me tornar a melhor coreógrafa do país.
Ainda faltava uma semana para voltar às aulas, meu tédio que durou toda a manhã, me levou a parar em frente ao prédio da InH, no final da tarde. Para minha sorte o porteiro era meu amigo e mesmo nas férias, ele abria o portão da entrada para mim, sem nenhum problema. Era estranho ver aqueles corredores vazios e sem alunos, mas o silêncio era maravilhoso para minha concentração, assim que entrei na sala de ensaios, onde eu dava minhas aulas, deixei minha bolsa em cima do puff que ficava perto da janela e coloquei a playlist do meu celular para tocar.
Me posicionei em frente ao grande espelho e comecei a me alongar, mesmo com a longa caminhada do meu apartamento até a academia, ainda sentia os músculos do meu corpo adormecidos. Aos poucos comecei a fazer movimentos mais precisos e um pouco sinuosos, seguindo o ritmo da música, foi traçando os passos formando uma nova coreografia, enfim estava fazendo o que gostava, dançar.
— Você não conhece o significado de férias? — perguntou uma voz masculino vindo da porta.
— Estava com tédio. — disse olhando para seu reflexo no espelho — E você? Por que está aqui, ?
— Fui no seu prédio, o porteiro disse que tinha saído, então deduzi que estava aqui. — ele sorriu de canto me olhando de baixo para cima.
— O que você queria em minha casa? — estava curiosa.
— Te convidar para um festival de dança, será daqui um mês, não tenho uma parceira melhor que você. — respondeu encostando na parede mantendo seu olhar em mim.
— Que bom que reconhece isso, eu realmente sou a melhor. — sorri para ele — Mas, não sei se quero participar de um festival.
— Está com medo de não conseguir me acompanhar.
— Ha, ha, ha. — foi num tom debochado de minha parte — Acho que é o contrário, você que não consegue me acompanhar.
— Hum. — ele deu alguma passos até mim e colocando com suavidade sua mão esquerda em minha cintura — Quer tirar a prova?
— Vamos lá. — olhei tranquilamente para ele.
Nós dois formávamos sim o melhor casal de dançarinos, que aquela academia já tinha contratado, donos de muitos troféus de concursos de danças, representando a InH. Porém, mesmo sendo os melhores, sempre tentava me superar de algumas forma, em algum movimento mais complexo, já que definitivamente eu era melhor que ele. Foram mais de duas horas dançando uma música após a outra sem uma pausa, ele estava tão em forma quanto eu, mesmo de férias não parávamos de dançar, era um fato.
— Então, o que acha? — perguntou ele ainda com seus braços envolvidos em minha cintura com nossos corpos bem próximos.
— Continua em forma. — brinquei me afastando dele e indo até minha bolsa — Esse festival é sobre alguma coisa? — perguntei pegando minha garrafinha de água.
— Dança latina. — ele riu baixo, caminhando até mim — Sua especialidade.
— Dança latina sempre foi a mais sensual de todas na minha opinião. — tomei um gole da água — Não danço com qualquer pessoa.
— Eu sei, mas já dançou comigo. — ele pegou minha garrafa e tomou um gole — Pode fazer de novo, ou está com medo de se apaixonar.
— Por você? — eu ri pegando minha garrafa de volta — Não seja tão presunçoso assim, não é qualquer passo da dança que consegue me impressionar.
— Só porque é a preferida dos alunos, acha que pode me desprezar assim. — resmungou ele — Aposto que não consegue transformar o pior em melhor.
— Olha que posso te surpreender. — meu tom estava mais firme, como se eu tivesse aceitado o desafio.
— Só estava brincando, não precisa levar a sério. — ele riu.
— Não se garante? — peguei meu celular e o olhei — Não é você que diz que sempre foi melhor que eu, agora está recusando?
— O que está me propondo? — ele segurou em minha cintura novamente com um sorriso de canto e um olhar curioso — Você ainda me deve um jantar senhorita.
— Não devo nada, eu ganhei nossa última aposta. — ri de leve mordendo meu lábio inferior.
— Não me lembro disso.
— Bem, que tal um desafio duplo. — disse de imediato — O último entre nós dois.
— E o que seria?
— Vamos transformar os piores nos melhores, e mostrar quem realmente é o melhor. — mantive meu olhar nele — No final do ano a InH sempre faz seu pequeno evento de despedida, juntamente com a premiação do melhor aluno e melhor professor.
— Quer mesmo fazer isso? — seu olhar parecia interessado — Se for, quero escolher seu aluno.
— Tudo bem, desde que eu possa escolher a sua aluna.
— Fechado, se eu vencer, quero minha chance.
— Mas se você perder, terá que admitir para todos que eu sou a melhor. — desviei meu olhar para porta — E nunca mais tentar ter algo comigo.
— Você realmente quer ferir meu orgulho.
— Devo admitir que sim. — toquei de leve no tórax dele — E nada de trapacear.
— Eu não trapaceio. — ele se afastou de mim — Foi só uma ou duas vezes.
— Cretino, e ainda admiti. — peguei minha bolsa — Me dá uma carona?
— Para onde vamos? Minha casa ou a sua?
— Vamos para o Moonlight. — respondi tranquilamente ao sair da sala.
Moonlight era uma casa noturna onde os professores gostavam de ir, tinha duas pistas de dança e muito espaço, muito frequentada até mesmo pelos alunos mais velhos da academia. Aquela era praticamente minha segunda casa, sempre que eu estava estressada, passavam duas horas no Moonlight dançando que tudo se resolvia dentro de mim. Assim que chegamos, reconheci alguns rostos, mesmo ainda sendo muito cedo, já estava bem movimentado para aquela hora da noite, talvez fosse pelas férias.
— . — disse ao se aproximar de mim um pouco animada — Pensei que viesse mais tarde.
— Uma certa pessoa estragou meu treino.
— Não estraguei nada. — reclamou atrás de mim.
— Não basta ser o melhor, ainda tem que atrapalhar a concorrência? — brincou Nalla se aproximando.
— Falou o fã clube. — retruquei não dando importância.
— Viu, ainda existe pessoas com bom gosto. — comentou se aproximando de Nalla.
— Não dê ouvidos a ele. — me puxou para a parte do bar — Então, o que anda fazendo nessas férias? Sempre que te ligo, não está em casa. — já perguntou ela se sentando na banqueta.
— Estou tentando não me entediar. — se sentei ao seu lado desviando meu olhar para o barman — Boa noite Joe, vou querer uma moon blank hoje. — aquela era o drink que eu mais gostava.
— Para você, até meu coração. — brincou ele começando a preparar o drink — Então, vai mostrar para todos como se dança hoje?
— Talvez, preciso me aquecer primeiro. — respondi rindo.
— E desde quando você precisa beber para dançar? — me olhou surpresa.
— Desde nunca. — eu ri dela desviando meu olhar para a pista de dança.
Como era de esperar, já estava mostrando todo seu charme e estilo sensual na pista de dança, a parceira da vez era a própria Nalla, ela até que dançava bem, para alguém que só conseguia criticar o estilo dos outros.
— Aqui está, do jeito que você gosta. — disse Joe me entregando o copo.
— Agradeço. — sorri pegando, o primeiro gole seria para esquentar.
— Olá garotas. — cumprimentou ao chegar já abraçando por trás, ambos ficavam bem juntos.
— Posso saber onde estava? — perguntou ela fazendo cara de triste — Demorou para chegar.
— Acredite, estava tentando arrastar um amigo para cá. — ele suspirou — Mas aquele não se anima para nada.
— Vou acreditar. — ela segurou as mãos dele mantendo envolvidas em sua cintura — Pensei que passaria nosso aniversário de dois anos de namoro sozinha.
— E o que a está fazendo aqui? — brincou ele rindo.
— Não sabia que esse relacionamento era a três. — ri junto e olhei para com a cara de séria.
— Não vejo graça. — resmungou ela fazendo careta.
— O que tem seu amigo? — perguntei curiosa.
— Está com bloqueio criativo, e para piorar entrou numa fase de mau-humor intenso. — ele riu de leve — Pensei que vir aqui e conhecer uma mulher bonita como você ajudaria.
— Agora sou distração de poetas incubados? — disse debochadamente.
— Vai me dizer que não gosta da ideia de ser a inspiração de alguém. — retrucou ele.
— Hum. — desviei meu olhar para o copo — Olhando por esse ângulo.
— Você vai mesmo tentar arrumar alguém para ela? — perguntou desacreditada — A sempre esnoba todos que se aproxima, eis aí uma prova. — ela olhou para a pista de dança — está na friendzone há séculos.
— Você me coloca como a mercenária da história. — dei de ombros chateada com as palavras dela — Eu só um pouco seletiva assumo, mas vamos combinar que alguém egocêntrico como o jamais me atrairia.
— Seria inusitado ver meu amigo com a . — riu — Ele é totalmente o contrário dela, sempre dizem que os opostos se atraem.
— Com amigos como vocês, nem preciso de cupido. — brinquei, levantando o copo tomei o último gole do drink — Vou me divertir um pouco.
— Traduzindo, você vai jogar seu talento na cara de todos. — riu.
— Sua boba. — eu ri junto e me afastei.
Era um fato, quando eu entrava na pista de dança, ninguém conseguia me acompanhar e o único que se arriscava era , como dizem no filme Step Up, eu era sim, nascida de um boombox. A dança para mim não era apenas uma profissão, era meu estilo de vida e nisso, eu não deixava ninguém ser melhor que eu. Sempre uma nova sensação a cada música que o Dj colocava, minha conexão com o ritmo e as batidas eram tão intensas, parecia que cada toque fazia sincronia com minha pulsação.
Foi preciso umas sete músicas para me deixar com sede, quando voltei para o bar, e já estavam aos beijos, me sentei na cadeira segurando o riso. Joe logo me deu um copo com água, ele sabia que era o que eu precisava naquele momento, hidratação era importante para uma pessoa que adorava gastar suas energias como eu.
— Hum, já se cansou? — perguntou ao ver que eu já estava de volta.
— Vim me hidratar, e vocês? Não tem vergonha de transformar o pobre Joe em castiçal. — ri da careta que fez para mim.
— Olha o recalque de quem está solteira. — retrucou dando de ombros.
— Estou porque quero.
— Nisso eu concordo. — disse se aproximando — Já está cansada?
— Não, não estou. — tomei um gole da água — E você? Se perdeu do fã clube?
— Isso tudo é ciúmes? — ele sorriu de canto.
— Presunçoso.
— Vocês ainda vão acabar juntos. — comentou rindo de nós — E cheio de filhos.
— Não seria um final ruim. — riu — Quero mesmo ter muitos filhos.
— Eu não concordo. — retrucou .
— Finalmente alguém do meu lado. — disse animada.
— Eu ainda acho que você deveria conhecer meu amigo.
— Porque será que me animei à toa. — eu ri um pouco — Vocês falam como seu eu fosse uma velha solteirona.
— Pelo contrário, você é uma jovem fechada para o mercado. — completou Joe rindo enquanto preparava um drink.
— Finalmente, o Joe me entende, só não fico com ele, por ser um homem casado. — conclui debochadamente.
— Cretina. — brincou nos fazendo rir.
— Mas, quem é esse tal amigo seu? Fiquei com ciúmes. — resmungou .
— Ele é tudo que vocês dois não são. — riu — Principalmente na parte da dança.
— Estou começando a me interessar. — sorriu de canto.
— Por que? Resolveu mudar de time e sair do armário? — brinquei fazendo todos rirem novamente.
— Ha… ha… ha… — ele me olhou sério — Muito pelo contrário, só estou interessado, porque temos uma aposta.
— Que aposta? — perguntou .
— Ah, não, mais uma daquelas apostas de vocês. — suspirou fraco — Não tinha parado com isso.
— Essa definitivamente será a última. — assegurei com firmeza.
— Até que o trapaceie e você faça outra. — retrucou .
— Viu, todos sabem da suas trapaças. — olhei para .
— Sou inocente. — disse segurando o riso.
— Como se a gente acreditasse. — Joe riu enquanto servia um homem que sentou ao nosso lado.
— Não acredito, até o Joe está tirando uma com a sua cara. — riu ainda mais.
— Yah. — fez careta.
— Hum, fiquei curiosa agora, o que tem o amigo do com nossa aposta?
— Acabo de escolher seu aluno. — ele sorriu mantendo um olhar de soberba.
— O que? Como assim, eu pensei que seria aluno da academia. — aquele filha da…
— Nós não estipulamos nenhuma regra quanto a isso querida. — seu olhar estava ainda mais superior ainda, queria estrangular — Ainda pode desistir e me chamar para o jantar.
— Jamais. — pensei um pouco em como poderia devolver na mesma moeda — Acho que tenho uma aluna perfeita para você.
— Essa eu até fiquei curiosa. — comentou rindo.
— Diga. — parecia não se importar muito.
— Josephine.
— A faxineira? — por essa ele não esperava.
— Como você disse, sem regras. — sorri de canto, o olhando.
Josephine era a pessoas mais sedentária que eu conhecia, tinha que admitir que ela estava um pouco acima do seu peso ideal e seu esporte favorito era comer pizza, ela era uma aluna perfeita para e seu ego. Por outro lado, eu não sabia nada sobre o amigo de , para ser mais realista, nenhum de nós sabia nada sobre ele, e eu teria que convencê-lo a ser meu amigo.
— Fechado. — ele sorriu novamente — E como selamos nossa aposta? Um beijo? — ele aproximou seu rosto do meu.
— Claro que não, vamos selar como sempre fazemos. — respondi empurrando de leve seu rosto para longe.
— Já estou vendo que essa aposta de vocês vai ser mais divertida que as outras. — riu desviando seu olhar para mim — Digo isso por conhecer meu amigo e a saber como é a Josephine.
— Hum. — segurei na mão de — Vem, vamos selar isso na pista de dança.
— E mais uma vez não vão destruir a auto estima de todos. — gritou rindo.
Quando o assunto era selar uma aposta na pista de dança do Moonlight, nem eu e nem nos seguramos, em algumas vezes nem mesmo o Dj conseguia acompanhar nosso ritmo. Era inusitado, tínhamos estilos diferentes de dança, mas nossos movimentos se harmonizavam ao longo das músicas formando uma boa sincronia, entre nossos corpos. Seria possível cogitar a ideia de que poderia ser o melhor parceiro de dança que já tive, mas a habilidade de uma pessoa na dança, não era tudo que contava para mim.
“Naega Jeil Jal Naga.”
“Eu sou a melhor”
- I Am The Best / 2NE1
“Yeah, eu sou o monstro feminino!
Você sabe disso
Todos vamos enlouquecer agora!
Vamos!”
- Crazy / 4minute
Foi uma longa e divertida noite, se tornou um pouco cansativa após meu sangue esfriar, e meu corpo se sentir meio cansado. Assim que cheguei em casa com o dia clareando, senti Boris passar por minhas pernas, de certo queria comida, meu lindo gato persa cinza, era o único que me mesmo me desprezando em alguns momentos, eu sabia que me amava de verdade.
— Oi Boris, está com fome? — perguntei indo até a cozinha — Vamos resolver isso, seu gato manhoso.
Como todos os gatos, ele era exigente e sempre miava para eu renovar a sua comida da vasilha, assim que resolvi seu problema, trocando até mesmo a água que estava na outra vasilha, caminhei até o banheiro. Precisava relaxar meu corpo para conseguir dormir, tomei uma ducha quente, coloquei o pijama e me joguei na cama, só levantaria dela à tarde.
Não demorei muito para pegar no sono, as horas se passaram até que fui acordada pelo toque do meu celular, era que me ligava. Tinha me esquecido que ele iria me apresentar seu amigo e me ajudar a convencê-lo a ser meu aluno, suspirei fraco ao atender a ligação.
— , eu estava dormindo. — fui direta nas palavras.
— Imaginei. — ele riu — Mas, temos assunto para tratar, consegui convencer meu amigo a tomar um café.
— E o que eu tenho com isso? — perguntei, meu cérebro estava meio parado naquele momento.
— vai passar na sua casa para te buscar.
— , não dá para adiar isso? Estou morta. — reclamei um pouco.
— Não. — ele riu de novo — Assim, não tem como meu amigo desistir, vou desligar agora.
Não demorou nem cinco minutos e a campainha toca, me levantei da cama arrastando e fui abrir, como previsto era , que sem esperar pelo convite, já foi entrando em direção ao meu quarto.
— Vamos amiga, já estamos atrasadas. — disse ela.
— Atrasadas? Eu acabei de acordar da pior forma possível. — reclamei indo atrás dela.
— Você não quer ganhar do ? — ela abriu meu guarda-roupa e começou a olhar entre os cabides — Seu primeiro desafio, conhecer seu aluno.
— Não é nada animador. — sentei na cama — O que está fazendo.
— Escolhendo uma roupa legal para você vestir. — ela pegou um vestido floral que eu não via a tempos — Percebi que você está usando muito jeans ultimamente.
— Com jeans ou sem jeans, continuo maravilhosa. — peguei o vestido da mão dela — Mas tenho que admitir que faz tempos que não coloco um vestido, mas não será hoje que vou usar.
— E por que não?
— Desde quando eu preciso de um homem como pretexto para usar um vestido? — a olhei tranquilamente.
— E como pretende ir? — perguntou ela.
— O mais confortável possível. — desviei meu olhar para as roupas do cabide — Não quero impressionar ninguém, só preciso de um aluno e não um namorado.
— Nunca se sabe, vai que rola um clima.
— Lá vem a cupido. — brinquei enquanto separava a roupa que vestiria.
Minhas fases na dança sempre refletiam em meu estilo de vida, isso já era normal, principalmente nas roupas que usava, naqueles últimos meses eu estava me envolvendo bastante com o hip-hop, isso explicava porque tinha parado de usar vestidos. Não podia reclamar, quando tive minha fase dança latina, meu guarda-roupa só tinha vestidos. Expulsei do meu quarto e fechei a porta, troquei de roupa, minha escolha do momento foi uma regata com jaqueta xadrez e um short jeans meio curto e rasgado na frente, após uma noite inteira dançando, era óbvio que minha escolha para os pés seria o all star preto, que comprei recentemente.
— Ainda se diz minha amiga. — reclamou ao me ver com aquela roupa — Não sei como pode ser tão popular.
— Deixo meu lado fofa e feminina com você, ainda não cheguei na fase femme fatale. — brinquei rindo dela.
— Vamos, antes que me ligue mais uma vez. — assim que ela fechou a boca seu celular tocou — Viu, falando nele.
Eu ri, a seguindo para fora do apartamento, enquanto ela falava no telefone com . Entramos no seu carro e seguimos para a tal cafeteria, foram alguns minutos até que estacionou em frente ao que seria a fachada do lugar, que para minha surpresa era uma cafeteria mexicana, chamada El Nacho Coffee.
— Por essa eu não esperava. — sussurrei olhando para a vidraça do lugar.
— Então, o que achou?
— Inusitado. — segurei o riso — Como descobriu esse lugar?
— Em dias de chuva, você entra em qualquer lugar para se esconder e acaba encontrando lugares fascinantes. — respondeu ela de forma poética.
— Parece ser um ambiente legal. — comentei indo com ela até a porta.
— E é, super acolhedor e descontraído, os donos são mais loucos que você, quando se trata de dança.
— Não brinca?! — a olhei.
— Em alguns momentos, ou datas comemorativas, eles tiram os clientes para dançar, é bem engraçado.
Aquele lugar estava se tornando ainda mais interessante ao meu olhar, assim como a fachada, toda a parte interna tinha cores vibrantes e alegres, fiquei olhando ao meu redor, até que meu olhar chegou a uma mesa mais no fundo do lugar. todo despojado, estava sentado com seu amigo ao lado, a primeira impressão eu estava certa, ele realmente parecia um poeta incubado, com seu terno cinza e óculos de nerd.
— Hello boys. — sorriu de leve já se sentando na ponta ao lado de — Demoramos?
— Não. — sorri e deu um selinho nela — Acabamos de chegar também.
— Para ser sincero, vocês demoraram cinco minutos. — disse o poeta incubado.
— O que? — estava estática com aquele comentário.
— É brincadeira. — tossiu um pouco — , esta é , e este é meu amigo que te falei, .
— Oi. — ele me olhou discretamente debaixo para cima, depois desviou o olhar para o cardápio.
— Oi. — sussurrei — Eu preciso.
Me virei de imediato, já planejava sair daquele lugar, o mais rápido possível, foi quando segurou no meu braço e deu a desculpas de que iríamos no banheiro. Foi uma estratégia legal para me tirar dali.
— Eu estou ferrada. — era a única coisa que consegui dizer ao entrarmos — Eu… Ele… Não dá.
— Ei, calma. — ela começou a rir — Onde está minha amiga super otimista, aquela que não se intimida.
— Não me intimido mesmo, mas ele não tem nada… — eu já nem sabia que palavra associar ao meu caso — Você viu, nós não combinamos, e existe uma coisa até mesmo na dança que se chama, química.
— E?
— Eu não vejo isso nele. — minha voz estava mais alta que o normal.
— Lembre-se que você tem uma aposta para vencer. — disse ela sabiamente.
— Ah. — quase gritei — Eu mato o .
Era um pouco decepcionante para mim, imaginar que teria que transformar uma pessoa que não tinha nem um pingo de química, era surreal para mim. Mas não podia perder o foco, me lembrou de algo importante, eu tinha uma aposta para vencer, e transformar aquele poeta incubado em um dançarino, era minha próxima meta profissional
— Voltamos. — sabia mesmo sorrir com naturalidade.
— Está tudo bem? — perguntou .
— Sim. — respondi de imediato sentando na outra ponta ao lado de — Eu ainda estava meio sonolenta.
— Nós realmente, exageramos desta última vez. — comentou me olhando, com aquele olhar de fala com ele.
— Hum. — eu juro que estava tentando pensar em algo.
— Então, eu estava dizendo ao que ele podia escolher a dança como uma atividade física. — me salvou.
— Oh, mesmo? — deu um sorriso falso de surpresa, olhei para — Você gosta de dançar?
— Não, exatamente. — ele parecia evitar me olhar — Tenho uma vida um pouco sedentária.
— Por isso deveria começar a se exercitar. — estava mesmo me ajudando, ou simplesmente queria ver o circo pegar fogo mesmo.
— Você acha que eu posso aprender? — me olhou, mesmo sério sua face estava suave.
— Qualquer pessoa pode aprender, mas são poucos que conseguem chegar à perfeição. — respondi tranquilamente — Estes são chamados de…
— Nascidos de um boombox. — completou rindo.
— Bem isso. — concordei de imediato.
— A conversa está muito boa, mas esqueci que eu e a tínhamos que ir a um lugar. — se levantou.
— Como assim? — se levantou também.
— O que? — dissemos eu e juntas.
— Mas vocês podem continuar aqui, o lugar é muito bom e vocês ainda não tomaram o café daqui. — bateu no ombro de o fazendo se sentar novamente e pegou na mão de — Nos falamos depois, vamos querida.
— Sim, vamos. — me olhou como se ela não soubesse daquela saída estratégica dele.
— Até. — sussurrei.
Eu não era tímida, mas não conseguia pensar em como me aproximar de uma pessoa tão diferente de mim, segundo o relatório de informações que me passou pelo caminho, ele era tímido e muito calado, era um dos poucos amigos que tinha e para terminar, a noiva largou ele quase no altar, esse era um dos motivos para seu bloqueio criativo.
— me disse que está com bloqueio criativo. — comentei tentando puxar assunto.
— Bem, acontece muitas vezes comigo. — o tom da sua voz não era baixa, tinha um toque de firmeza, mesmo para uma pessoa tímida.
— O que você faz? — agora estava curiosa.
— Faço aquilo que te acompanha. — resposta enigmática — Música.
— Música?! — me surpreendeu, jurava que ele era daqueles escritores que se trancavam em uma cabana nas montanhas.
— Sou compositor, mas não consigo escrever nada a mais de um ano. — ele deu um suspiro fraco, parecia frustrado.
— Lamento, nunca passei por isso. — acho que não tinha coisa melhor para falar.
— Hum. — ele desviou o olhar para frente, me fazendo olhar junto.
— Oh, sejam bem-vindos. — um senhor grisalho se aproximou de nossa mesa — Clientes novos.
— Obrigado. — dissemos juntos.
— Sempre que um cliente novo nos visita, o recebemos com muita festa. — uma senhora apareceu ao lado sorrindo, ela olhou para trás e acenou a cabeça, como um sinal para a música começar a tocar.
— E muita dança. — completou o senhor pegou em minha mão me levantando — Senhorita, nos dá a honra?
— A honra é toda minha. — disse me levantando.
— E o cavalheiro? — a senhora pegou na mão dele o levantando.
— Ah, não, eu não danço. — ele se encolheu meio sem graça.
— Não seja tímido. — a senhora o arrastou para o centro do lugar.
Eu acompanhei o senhor, um pouco animada e rindo de tudo aquilo, aos poucos comecei a me movimentar acompanhando o senhor em seus passos tradicionais. Algumas pessoas se juntaram a nós, ficou parado vendo a senhora se mover ao seu redor, em um momento um pessoa o empurrou para mim. Foi neste breve momento em que nossos olhos se encontraram, pude ver o quanto ele estava desconfortável e envergonhado, ele engoliu seco e sem saber o que fazer se afastou, voltando para a mesa.
Juro que queria ajudar, mas fui puxada por um dos garçons e comecei a dançar com ele, as pessoas se empolgaram ainda mais, quando trocaram as músicas mexicanas tradicionais para as latinas modernas. Me senti em casa, o garçom era um ótimo parceiro, tinha um estilo próprio e cheio de gingado, fiquei impressionada e motivada a dançar sem moderação. Os poucos momentos que consegui desviar meu olhar para , ele estava de pé perto da nossa mesa me olhando fixamente.
“As pessoas ao redor me chamam de louca
Você me olha e me chama de louca também
Eu entendo, também acho que sou louca
Eu danço no ritmo como se eu fosse louca!”
- Crazy / 4minute
“Vou me apresentar,
Eu prefiro jeans ao invés de saias,
Mas os caras ainda se enlouquecem comigo.”
- Piano Man / Mamamoo
Demoramos mais do que deveríamos na cafeteria, a culpa era minha, assumo. Mas os donos eram tão animadores e fazia muito tempo que não me divertia tanto sem me esforçar. Experimentamos o café mais famoso do cardápio, acompanhado de um pedaço de torta de frutas, até mesmo após pagarmos a conta, os donos da loja ainda me elogiaram por ter dançado tão bem. Saí daquele lugar aos risos e agradecendo os elogios, ficou calado todo o tempo, e deu um sorriso fraco quando a senhora lhe disse para aprender a dançar comigo.
— Pessoas animadas. — comentei enquanto caminhávamos pela rua.
— Sim. — concordou ele — Você parecia à vontade dançando com eles.
— É mais forte que eu. — ri um pouco — Não consigo ouvir uma batida que já me movimento como um ímã.
— Sei como é.
— Existe algo que te atrai na música?
— Sim. — ele desviou seu olhar para mim e depois voltou a olhar para frente — Piano.
— Piano?!
— Não consigo ver um, que já quero tocá-lo.
— Bem, me parece que enfim, temos um sentimento em comum.
Ao contrário do que eu pensava, eu e ele tínhamos algo que nos ligava indiretamente, a música. Conversamos um pouco mais sobre suas composições e seu amor pela música, descobri que além de piano, ele tocava violão, violino, guitarra, violoncelo e harpa. O caminho da cafeteria até minha casa era um pouco longo, foi proveitoso pois pude analisar de perto meu provável futuro aluno.
— Não precisava me acompanhar até aqui. — disse ao chegarmos em frente ao prédio onde morava.
— Não foi trabalho algum, para uma pessoa sedentária, preciso mesmo caminhar um pouco.
— Bem. — como eu poderia falar sobre a aposta com ele — Sobre hoje.
— me contou.
— O que?
— Ele me contou sobre sua aposta, e eu ser seu aluno. — ele desviou seu olhar para mim com naturalidade — Por isso me arrastou para aquele café.
— Então, você já sabe. — respirei aliviada — Bem, não se sinta obrigado a ajudar quem não conhece. — me fiz de moça necessitada.
— Dançar, eu nunca me vi fazendo isso, mas pensei que pudesse ser uma forma, de conseguir voltar a compor. — explicou ele.
— Então, você…
— Acho que posso tentar fazer isso. — ele sorriu, desviando seu olhar para a rua — Não somente por você, mas por mim também.
— Ok, te vejo amanhã, às sete da manhã. — eu me virei para entrar no prédio.
— Espera, como assim às sete?
— Temos três meses até o final do ano, precisamos começar o quanto antes. — respondi ao olhar para ele — E aproveitando que esta é a última semana de férias, terei mais tempo para me dedicar a você.
— Às sete. — concordou não querendo concordar.
— Ah, venha com uma roupa mais confortável. — olhei novamente para aquele terno — Mais informal.
Antes que ele pudesse fazer alguma reivindicação, entrei no prédio indo direto para o elevador, não conseguia deixar de rir da cara dele, quando disse que nosso treino começaria às sete. Assim que entrei no apartamento, olhei para o sofá e lá estava Boris, dormindo o sono dos justos, como se o sofá fosse só dele. Fiquei alguns minutos o olhando dormir, e depois caminhei em direção ao quarto, joguei minha bolsa na cama e troquei de roupa.
Quando voltei para a sala, Boris já estava se espreguiçando no sofá, enquanto se preparava para pular na mesa de centro. Não dei muita atenção para ele e me dirigi para a cozinha, abri a geladeira e peguei uma garrafa de água, despejei um pouco no copo, comecei a pensar como eu poderia iniciar uma pessoa que nunca dançou na vida.
Eu era sim uma professora de dança, mas não dava aula para turmas iniciantes, era que cuidava dos alunos novos, minha especialidade era dar aulas para os alunos mais avançados, principalmente aqueles que queriam refinar suas habilidades em dança latina e hip-hop. Dois estilos muito diferentes, que eu sempre conseguia unir em alguns momentos, fiquei pensando o que poderia ensinar primeiro para ele.
Clássico? Dança de salão? Ballet Moderno? Ajudaria um pouco se eu conhecesse mais seu estilo de vida. Tomei a água e depois me espreguicei um pouco, ainda sentia meu corpo cansado, como meu dia seguinte seria agitado, caí na cama e dormir novamente. Logo pela manhã meu celular despertou às cinco e meia, pensei por um momento em virar para o canto e dormir, foi o que fiz. Não me arrependi nenhum pouco, até que meu celular tocou, era . Como ele tinha conseguido meu número?
— Alô. — disse com uma voz sonolenta.
— Você está atrasada. — disse ele.
— O que? — tirei o celular do ouvido e olhei para o relógio dele — Me dê dez minutos.
Desliguei o celular e coloquei na mesa ao lado da cama, aqueles dez minutos era somente para trocar de roupa, joguei minhas coisas dentro da bolsa, troquei a comida do Boris e saí correndo. Quando cheguei na rua, ele estava parado em frente me olhando, seu olhar desceu até o relógio e depois voltou para mim, aquilo me fez respirar fundo, notei que estava segurando dois copos térmicos nas mãos.
— Bom dia, é para mim? — disse pegando um dos copos.
— Imaginei que precisasse. — disse ele com razão.
— Preciso mesmo. — tomei um gole do café, olhando para as roupas dele, estava com um conjunto de moletom de marca famosa — Vejo que está vestindo algo mais leve hoje.
— Não gosta de roupa social? — perguntou ele confuso.
— Nada contra, mas existem momentos que não são apropriados para ela. — ri de leve — E esse é um deles, sempre venha assim. — respirei fundo — Gostei do all star.
— Obrigado. — ele desviou o olhar para o lado envergonhado, será que não estava acostumado a ser elogiado?
Ele me seguiu até a academia, consegui convencer o porteiro a não deixar mais ninguém entrar na InH, principalmente , assim ele não poderia me atrapalhar, ou pior prejudicar meu aluno. Assim que entramos na sala, olhou um pouco admirado com o tamanho do espaço, fechei a porta e coloquei minha bolsa no puff.
— E como começamos? — perguntou ele.
— Com alongamentos, seus músculos precisam acordar. — disse o posicionando em frente ao espelho, me coloquei ao seu lado — Farei uma série de alongamentos, só seguir.
— Tudo bem.
Poderia dizer que foi tranquilo, mas logo no começo, percebi o quanto era sério aquela história de sedentarismo, e o quanto seria trabalhoso para mim, o que deveria ter sido dez minutos, acabou sendo quarenta pela falta de hábito dele em se exercitar. Quando terminamos, fui até minha bolsa e peguei meu celular, selecionei uma playlist de músicas mais lentas e com ritmo mais suave e fácil, para que ele pudesse começar a entender e sentir a batida da música.
— Eu sei que nunca dançou, mas isso é só uma forma de você começar a se soltar, então tente seguir a melodia com seu corpo.
— Seguir… Com meu corpo. — ele parecia tentar decifrar o que eu falava como se fosse um código.
— Simples, apenas movimente seu corpo, ok?
— Ok. — assentiu ele.
A primeira tentativa foi frustrada, ele não conseguia se mover, somente olhava para meu reflexo no espelho, passamos mais de cinco horas naquele método para iniciantes tímidos, até que ele conseguiu começar a se mover junto comigo. Eu já tinha percebido que precisava trabalhar um pouco com sua timidez, ou então poderia desistir de passar para a próxima etapa.
Fizemos uma breve pausa para o lanche, liguei para um disk fast food e pedi dois sanduíches caprichados com suco natural, vinte minutos após comer, voltamos para frente do espelho. Paciência era o que deveria reinar dentro de mim, mas a cada vez que tentava fazer ele se mover por conta própria, tinha que prender um grito de raiva, parecia que ele não queria fazer o que eu pedia.
E assim foi se arrastando ao longo da semana toda, já se faziam sete dias, passando o dia todo trancados na sala de ensaio e nenhum progresso da parte dele. As aulas começariam naquela segunda-feira, então nosso tempo junto seria reduzido pela metade, e pior só poderia dar aulas para ele à noite, já que tinha pegado duas turmas pela manhã.
— Assim não dá. — disse num tom meio alterado — Não estamos evoluindo.
— Me desculpe. — ele suspirou fraco olhando para o chão — Eu, pensei que conseguiria.
— Eu também. — concordei.
Assim que ele levantou seu olhar para mim, a porta se abriu, era meus alunos da primeira turma da manhã que tinham chegado. se virou e saiu sem dizer mais nada, fiquei um pouco indignada com a atitude dele, mas não tinha tempo para dar importância a ele, cumprimentei alguns alunos que já conhecia de outras turmas e dei boas-vindas aos alunos transferidos para a turma especial.
— Para os novos nesta turma, sempre começamos a aula com dez minutos de alongamento, após isso façam um círculo grande e se apresentem entre si mostrando seu estilo de dança.
Eles assentiram sem nenhum problema, saí da sala para ir atrás de , mas fui parada no corredor por , que me pegou pelo braço rodeando meu corpo, me fazendo para em frente a ele.
— Passo novo?! — brinquei.
— Só funciona com você. — ele piscou de leve e sorriu de canto — Se está atrás do seu aluno, ele já se foi.
— Como sabe?
— Porque o cara que passou por mim, era o único que não tinha cara de quem frequentava a InH. — ele riu debochadamente — Vejo que está com problema, ainda pode desistir.
— Nunca. — me afastei dele — Só me parou para isso?
— Não, para te lembrar do festival, temos só três semanas para ensaiar.
— E desde quando alguém tão bom quanto você precisa ensaiar? — essa foi com ironia.
— Não por mim, mas por você. — ele sempre devolvia na mesma moeda.
— Acho que tenho um tempo sobrando de manhã antes das aulas.
— Combinado então. — ele deu dois passos em direção a escada — Boa sorte com seu aluno.
— Guarde para você. — eu sorri — Não preciso disso para ganhar.
Voltei para minha sala e iniciei minha aula, todas as turma que tinha pegado naquele semestre, eram de alunos que estavam no seu último ano para se formar. Como sempre separaria primeiro por estilo de dança e ritmo, algumas pessoas nasceram para dançar com um parceiro, já outras nascem para brilhar solo. Minha tarefa era identificar e guiá-las da melhor forma possível.
Os dias foram se passando e não aparecia para as aulas, aquilo já estava me dando mais raiva ainda, pior do que uma pessoa que não consegui, é uma pessoa desistir sem tentar ao máximo. Por outro lado, meu tempo livre foi para ensaiar com , teve seu lado divertido, afinal nossas alfinetadas eram engraçadas, me faziam esquecer um pouco nossa aposta louca.
No dia do festival, fiquei um pouco ansiosa minutos antes da apresentação, felizmente deu tudo certo, e eu fomos harmoniosamente sincronizados em todos os momentos da coreografia. e estavam na plateia, a presença do diretor Francis era prevista, reconheci Joe da Moonlight acompanhado de sua esposa, até mesmo o fã clube, que dizer, a Nalla, foi nos prestigiar. Mas a surpresa mesmo, foi quando eu desci do palco e vi um rosto que não via há dias, mas queria matar.
— Ah, hoje você veio. — disse ao me aproximar dele e empurrá-lo de leve — O que está fazendo aqui?
— Vim pedir desculpas. — disse ele, olhando para o chão, daquele jeito tímido que já estava me dando raiva.
— Desculpas não vai resolver, muito menos compensar o que fez. — joguei o que estava entalado na garganta.
— É por isso que estou aqui, para compensar os dias perdidos. — reforçou ele.
— O que?
— Não quero desistir. — completou desviando o olhar para mim — Farei o que você mandar.
— O que te fez voltar? — ainda não estava convencida.
— Você.
— Eu?!
— Seu amor pela dança, me fez lembrar que eu amo a música, mais que tudo. — ele respirou fundo, como se pensasse em suas próprias palavras — E a música é o que nos une.
Ainda faltava dois meses para a festa de encerramento da InH, eu ainda poderia fazer o impossível acontecer, peguei ele pela mão e o arrastei para fora da área onde estava acontecendo o festival. Parei um táxi que passava na hora e entramos nele, peguei seu celular emprestado e liguei para Charlie, uma amiga da minha mãe, ela tinha um estúdio de ballet onde eu sempre ia para ensaiar minhas coreografias mais preciosas.
Seria naquele estúdio que eu ensinaria ele, tinha um valor sentimental para mim, e a dança era assim, uma onda de sentimentos que movia meu corpo ao som da música. Charlie já estava nos esperando na porta quando chegamos, ela me entregou a cópia das chaves, era um antigo, porém recém-reformado prédio de três andares na área mais nobre da cidade, tinha reservado a sala do último andar para mim.
Como era de se esperar, ela me desejou sorte antes de entrar no seu carro. Estar ali naquele estúdio, me fez recordar algumas memórias da infância, minhas aulas de balé foram com a própria Charlie. Mais uma surpresa nos aguardava na sala, Charlie havia deixado um piano de cauda, me lembrava daquele piano, talvez eu tenha comentado com ela que tocava.
— Que lugar é esse? — disse ele indo em direção ao piano.
— É aqui que vamos nos encontrar agora, será nossa sala de ensaio. — expliquei.
— Porque não mais na InH?
— Acho que precisamos de um lugar mais tranquilo, que possa inspirar a nós dois.
— Hum.
— Então todos os dias à noite, vamos ensaiar aqui, e como eu tenho a chave, nos finais de semana também. — fiquei o observando alisar o piano — Você quer tocar?
— Posso? — ele me olhou, seus olhos brilharam um pouco.
— Fique à vontade. — estava curiosa para vê-lo tocar.
Ele se sentou no banco e esticou um pouco seus braços, fazendo alguns movimentos com os dedos, parecia um alongamento ao meu ver. Suavemente o som das notas começaram a surgir, espalhando pela sala numa onda serena e tranquila, ele era preciso em seus movimentos com os dedos. Aos poucos fui reconhecendo a melodia, era Lacrimosa de Mozart, mesmo sendo um pouco triste, eu ouvia muito nos meus tempos de ballet.
“Um pianista que não se encaixa neste lugar
Quando os dedos deles tocaram nas chaves
Os meus olhos se abriram.”
- Piano Man / Mamamoo
“Eu estou pronta para alguma ação,
Você está pronto para a perfeição?
Hey piano man
Hello, hmm.”
- Piano Man / Mamamoo
— Me desculpe. — disse ele ao parar de repente — Acho que me empolguei.
— Não precisa se desculpar, acho que consigo de entender. — sorri espontaneamente o olhando, seu olhar estava fixo nas teclas do piano.
— Quando começo a tocar, sinto que posso fazer por horas sem me cansar. — ele riu de leve — Pode ser estranho, mas me sinto completo quando estou compondo algo.
— Acredite, compor uma música não é diferente de montar uma coreografia. — deu alguns passos até ele — Eu simplesmente finalizo o que você começa. — sorri de canto — Tocaria para mim?
— Com prazer. — ele voltou sua atenção para o piano e começou a dedilhar alguma coisa.
Não entendi, se estava se aquecendo ou ainda escolhendo o que tocar, porém aos poucos a melodia foi surgindo, após mais algumas notas reconheci, aquela música pertencia a trilha sonora de O Hobbit. Fechei meus olhos, sentindo cada nota que ele tocava, se estava voltando aos meus tempos de balé moderno, não sabia, mas cada músculo do meu corpo começou a reagir.
Aos poucos fui me movimentando de forma suave, leve e delicada como uma pena, mais que somente me mover, rodar ou até mesmo me jogar algumas vezes no chão. A cada instante que aquela melodia era tocada por ele, eu sentia como se não estivesse dançando sozinha, mas que dançasse comigo. Novamente ele parou de forma repentina, que estranho, estávamos indo tão bem, eu me virei para olhá-lo, estava me olhando fixamente, porém com serenidade.
— O que houve? — perguntei.
— Acho que perdi o foco. — ele riu envergonhado — Difícil não te olhar, enquanto está dançando.
— Vou levar como um elogio. — respirei fundo, aquilo era mesmo um elogio?
— Imaginei. — sussurrou ele se levantando.
— Hum, pelo menos agora eu sei como podemos começar.
— Já não começamos? Há algumas semanas atrás?
— Não, aquilo foi só um aquecimento, agora eu sei o que devo fazer. — caminhei até ele e segurei sua mão, o trazendo para o centro da sala — Vamos começar juntos, eu sempre digo que se uma pessoa consegue dançar com um parceiro totalmente diferente dela, ela consegue dançar sozinha.
— Juntos. — a timidez voltou a estampar no rosto dele.
— Acho que tive uma ideia. — fui até minha bolsa, retirei minha echarpe xadrez de dentro e voltei — Quando um casal está dançando, eles devem sempre manter contato visual, serve como uma declaração de confiança, um no outro. — eu coloquei a echarpe sobre os olhos dele e amarei — Então, até que você se sinta seguro o suficiente para me olhar nos olhos, terá que tentar confiar em mim, confiando em si mesmo.
— O que eu devo fazer? — perguntou ele.
— Encontre sua parceira. — deu alguns passos para longe dele — Movimente seu corpo em pequenos passos, dois para frente, dois para trás e um para o lado, faça isso repetidamente até me encontrar.
— Mas, essa sala é grande. — ele riu não acreditando.
— Eu sei, por isso te dei um movimento básico. — eu ri junto me distanciando um pouco mais dele — Quando me encontrar, avançaremos mais.
Mesmo tímido, ele começou a se movimentar, sem música, sem barulho, era somente nossas respirações e o barulho dos passos dele. Me sentei no chão perto da janela e fiquei o olhando, era uma ideia diferente do tradicional, mas para alguém tímido como ele, teria que conquistar sua confiança aos poucos e fazê-lo se soltar mais. Era interessante ver ele fazendo aquilo, às vezes sorria, às vezes ficava sério, às vezes perguntava se eu ainda estava na sala, eu tinha que segurar o riso, como uma forma de incentivo.
Com o passar dos dias, eu percebi que mesmo que levasse mais de dois meses, ele jamais conseguiria me encontrar, e só faltava vinte e cinco dias para o evento, então tinha que avançar um pouco mais. Foi em um movimento dele, que me sincronizei com seus passo segurando em sua mão, colocando a outra dele em minha cintura.
— Parabéns, você me achou. — disse o fazendo manter o ritmo dos passos.
— Mesmo? Ou foi uma trapaça sua?
— Eu sou a professora aqui, e estou afirmando que você me achou. — segurei o riso — Agora me guie.
— Como faço isso? — perguntou ele.
— Assim como no piano, apenas defina seus passos como uma nota musical, eu vou te seguir. — minha voz estava mais suave que o normal, acho que era proposital.
— Estou vendado, como vou saber que estou indo para o lado certo? — retrucou ele, parando.
— A questão não é saber para onde vai. — eu elevei minha mão do ombro dele até o echarpe e desamarrando retirei — Mas se pode me guiar até lá, agora olhe somente para mim.
— Isso vai dar certo? — seu olhar parecia inseguro.
— Apenas olhe para mim. — reforcei jogando a echarpe em cima do piano.
Ficamos ali parados por alguns instantes, nos olhando como se não tivesse mais nada ao nosso redor, eu esperava que desse certo, ele tinha que começar a confiar em mim e perder sua timidez. Então, depois de respirar fundo por umas três vezes, ele começou a me conduzir, foram alguns tropeços e quedas, ele pisando no meu pé, até começarmos lentamente a conseguir sincronizar nossos movimentos, como eu imaginei, a suavidade dele em me guiar, era sim, a mesma suavidade em que tocava.
Eu estava iniciando ali, o primeiro estilo, dança de salão. Até o momento, estávamos naqueles passos de forma seca e sem sentimento, isso me fez providenciar uma playlist especial para o momento, que foi de Time After Time da Cyndi Lauper a Divine das Girls’ Generation, com direito a movimentos complexos e alguns giros de minha parte. Ao decorrer dos dias, pude perceber que lentamente ele estava evoluindo, o que me deixou ainda mais motivada a experimentar novos estilos com ele.
— Está atrasada. — disse ele assim que eu cheguei na sala — Cinco minutos atrasada.
— Não diga. — relevei o comentário dele e joguei minha bolsa em cima do puff, já estava com o celular na mão — Hoje vamos tentar algo novo, vamos mudar de estilo.
— Ainda vamos continuar juntos? — perguntou ele se referindo a ser uma dança de casal.
— Sim, mas o ritmo será bem mais rápido e intenso, você irá evoluir para dança latina. — expliquei selecionando algumas músicas para a nova playlist.
— Bem, eu já vi alguns filmes de danças assim, mas. — ele parecia meio nervoso.
— Não se preocupe. — eu coloquei a primeira música para tocar e caminhei até ele — Bastar se mover um pouco mais rápido e não me apaixonar por mim. — brinquei um pouco, me referindo aos filmes de dança.
— Hum. — ele desviou o olhar, parecia meio desconfortável com minha brincadeira — Bem, dança latina é um pouco vasto, sei que tem muito ritmos nela.
— Olha. — estava surpresa — Vejo que alguém fez a lição de casa, vamos começar com a salsa, passamos para rumba, depois tango, te ensinarei o básico de lambada e no final, samba de gafieira.
— Tem certeza que preciso aprender tudo isso?
— O básico de cada coisa, é assim que um iniciante começa. — eu ri — No final, depois de ver todos os estilos mais conhecidos, você pode se especializar em algo.
— E qual é sua especialidade?
— Hum, eu sou a melhor em tudo. — respondi com naturalidade.
— Quanta modéstia. — comentou ele.
— Só disse a verdade. — eu ri novamente — Bem, eu geralmente tenho algumas fases no meu humor, que interferem na minha dança, atualmente minha fase está sendo hip-hop.
— E o que você gosta de dança?
— Dança latina, mais particularmente a salsa. — respondi — Mas recentemente me apaixonei pela dança do ventre, é algo mais solitário, porém complexo.
— Compor também é assim, solitário e complexo. — concluiu ele — Vamos começar então.
— Let’s go!
A concentração dele estava boa, a cada passo novo que mostrava ele fazia o máximo de esforço para gravar e praticar, descobri até com Charlie que estava praticando pela manhã, até a hora do almoço sem minha presença. Em todo aquele tempo de ensaios, já tínhamos passado por vários estilos, ballet clássico, ballet contemporâneo, salsa, rumba, tango, lambada, samba de gafieira, forró, bolero, foxtrot, sapateado, valsa, porém ainda faltava um, que eu insistia em deixar por último.
Fiquei impressionada em ver que sua dedicação só aumentava com o passar dos dias, mas uma coisa ainda estava me chateando nele, sua obsessão por pontualidade e hora, descobri que para ele tudo tinha que ser milimetricamente calculado com minutos.
— Está atrasada. — desta vez ele estava perto da janela, olhou para o relógio e depois olhou para mim — Quinze minutos.
— Já chega, vou te ensinar uma coisa. — caminhei até ele, retirei o relógio do seu pulso e sem remorso joguei pela janela — Eu não me atraso, simplesmente chego na hora que devo chegar.
— Você é louca? — ele me olhou sem reação — Esse relógio era novo.
— Tem algum valor sentimental? — perguntei aleatoriamente.
— Não, mas era meu.
— Se não tinha valor sentimental, não reclame. — peguei o celular da bolsa e a joguei no puff, voltando minha atenção para o celular — De agora em diante, sem cronômetros, horas estipuladas, seja um pouco mais livre.
— Livre? Ser pontual não é ser acorrentado. — retrucou ele.
— Eu só quero que você esqueça o tempo. — coloquei uma playlist nova para tocar e deixei o celular em cima da bolsa, depois e voltei para ele — Quando você dança, deve esvaziar sua mente e sentir o momento, aproveitar cada segundo como se fosse o último.
— Precisava jogar meu relógio pela janela, para depois me explicar isso? — ele ainda parecia chateado.
— Só assim você iria entender. — eu sorri querendo rir — Ficou até mais bonito assim sem relógio.
— Brincadeira. — ele resmungou um pouco, me fazendo rir.
— Pare de reclamar, hoje vamos radicalizar e mudar totalmente o ritmo. — disse me alongando um pouco.
— Acha mesmo que estou pronto para mudar?
— Sim, ontem você conseguiu dançar com a Charlie sem pisar nos pés dela. — respondi tranquilamente.
— Como sabe disso?
— Acha mesmo que não sei que anda praticando aqui pela manhã? — eu ri de novo — Ela me contou.
— Aish, ela não sabe mesmo guardar um segredo. — ele desviou seu olhar para o espelho, começando a se alongar junto comigo — E o que irei aprender hoje?
— Bem, estamos há alguns dias do evento da InH, então eu tenho pouco tempo para te ensinar o último estilo, e te ensaiar para a apresentação.
— Como assim, apresentação? Faz parte da aposta? — sua cara era de uma pessoa confusa que foi enganada.
— Digamos que sim, apesar da aposta ser transformar o pior no melhor, até o festival de conclusão do ano. — eu olhei para o reflexo dele no espelho por um momento — Como você não é um aluno da InH, tenho que te apresentar para a academia como o meu “projeto profissional pessoal” do ano, onde irei mostrar a fusão da minha capacidade de professora e coreógrafa.
— Eu… — ele desviou o olhar para o chão — Não sei se vou conseguir fazer isso, uma coisa é dançar com você, aqui sozinhos, outra é…
— Não fiquei nervoso antes da hora. — eu toquei de leve no ombro dele e brinquei com meus dedos, sobre a pele dele, como se estivesse tocando um piano — Agora vamos ao último estilo, hip-hop.
— Estarei solo agora? — perguntou ele voltando a olhar para meu reflexo no espelho.
— Não por muito tempo. — eu ri — Mas vamos começar com algo leve e fácil, você ainda tem dificuldades de sentir a música e se mover conforme o que ela transmite.
Eu tentei começar com algo básico, como a coreografia de Gimme That, do Chris Brown, mas só depois que ele trombou nas próprias pernas e caiu, que eu percebi que era muito avançado para ele. Foi então troquei para Killa, da Cherish, uma música que eu poderia deixá-lo sozinho e ao mesmo tempo dançar algumas partes junto com ele. Como era sexta-feira, eu não precisava me preocupar em dar aula no dia seguinte, então passamos a noite inteiro ali no estúdio praticando, logo pela manhã Charlie apareceu de surpresa, trazendo nosso café da manhã.
— Bom dia, para aqueles que passaram a noite acordados. — ela riu colocando as sacolas em cima do outro puff — Como estão as aulas?
— Boas. — eu disse.
— Ruins. — disse ao mesmo tempo que eu.
— Não. — eu o olhei meio ofendida — Estamos com muito progresso, ainda não confia na sua professora?
— Claro que confio. — respondeu ele desviando o olhar para Charlie — O que faz aqui?
— Vim buscar uns documentos, então o vigia me disse que ficaram trancados aqui a noite toda. — ela sorriu com gentileza — Aí, pensei em trazer o café.
— Você é maravilhosa. — disse caminhando até ela — Estava mesmo sentindo que deveria recarregar as energias.
— Ainda não acredito que já é manhã, não vimos a hora passar. — ele me olhou ainda remoendo o relógio perdido — Literalmente.
— Bem, bon appétit. — disse Charlie saindo pela porta enquanto ria, ela já sabia do episódio do relógio.
— Vamos para uma pausa então, quando voltarmos, começamos a praticar a coreografia para o festival.
— Já? — ele se sentou no chão ao lado do puff com a sacola de comida — Não está cedo demais?
— Não, se contarmos com hoje, só temos uma semana para praticar. — respirei fundo e o olhei — Em uma semana terei que fazer um milagre, com você.
Tinha que admitir que queria mais tempo, não por causa da aposta, mas porque já estava habituada a vê-lo todas as noites, mesmo que irritante, era divertido ter ele me dizendo que eu estava atrasada, mesmo sem relógio no pulso. Era a primeira vez que eu estava concordando com minha mãe, ela sempre dizia que a dança conectava corações, desde que eles realmente fossem compatíveis.
Me perguntava como uma pessoa tão diferente de mim, conseguia se encaixar nos meus defeitos e nas qualidades com precisão, mesmo que ele não fosse tão bom ainda dançando, meu corpo já conseguia senti-lo como se ele fosse uma música. A dança entre um casal é mesmo traiçoeira, consegue te fazer sentir atração por alguém, sem você nem perceber, e eu acho que isso estava acontecendo comigo, nesses dois meses praticando com ele todas as noites.
Nossa pausa para o descanso foi mais longa que imaginei, mas tinha um motivo, nossos corpos estavam cansados de praticar a noite toda. Enquanto ficou tocando no piano, eu comecei a pensar na nossa coreografia, tinha que ser algo complexo, bem finalizado, criativo, mas que tivesse nossa essência, foi então que uma luz se acendeu em minha mente.
— Tive uma ideia. — disse o fazendo parar de tocar.
— O que?
— Tive uma ideia, para nossa apresentação. — me levantei do chão e caminhei até ele.
— Qual?
— Preciso que você componha, melodia, arranjo, não precisa de letra. — fui direta — Algo que possamos colocar como introdução.
— Não vai dar. — ele desviou o olhar — Tem um ano que não consigo compor nada, não será agora que vou conseguir.
— Tenho certeza que vai. — eu peguei na mão dele e o levantei — Agora você tem a melhor de todas as inspirações, coisa que não tinha antes.
— E qual seria minha inspiração? — ele parecia não acreditar em mim.
— Eu. — minha resposta final, eu era a melhor inspiração de todas — Você sempre diz que não consegue focar em mais nada quando eu danço, então apenas olhe para mim e componha.
— Não entendo, como consegue confiar em mim.
— Da mesma forma que deve confiar em mim. — respirei fundo levando ele para o centro da sala — Como eu disse no início, duas pessoas só conseguem dançar juntas quando tem confiança.
— E se eu errar, mesmo que eu consiga compor, se eu errar algum movimento? — seu olhar inseguro ainda estava fixo em meus olhos.
— Apenas sinta a música como vem sentindo todo esse tempo, ela faz parte de você — meu olhar também estava fixo em seus olhos — E toque em meu corpo, como se eu fosse um piano.
"Quando os seus dedos roçam as chaves
Eu não paro de ter pensamentos perversos
Meus pensamentos cardíacos entram em staccato
Ei, sr. Ambíguo
Toque no meu corpo como se fosse um piano."
- Piano Man / Mamamoo
"Sempre cansada, por que os caras desprezíveis
Tentam falar comigo?
Vão embora, tão clichê
O mesmo charme e as mesmas palavras não me fazem sentir nada
Por favor, apareça agora.
Onde você está, meu amor?
Venha e me salve."
- Oh NaNa / KARD
Sete dias, era o que eu tinha para praticar com , e ao mesmo tempo coordenar as coreografias dos meus alunos que estavam se formando, além de ensaiar uma apresentação especial com os outros professores. Resumindo, aquela semana não foi uma tranquila, mas com muita agitação, poderia dizer que estava do jeito que eu gosto, mas eu estava com tpm, justo naquela semana.
Acho que por estar muito irritava, eu evitada conversar muito com , ironicamente eu não queria que ele conhecesse aquele meu lado. Mas ele percebeu que eu não estava no meu normal, foi fofo ele ter comprado uma caixa de bombons trufados e me dado no meio da semana, sua face transbordava vergonha quando ele me deu aquela caixa. Dentro, além dos bombons, tinha outra surpresa para mim, uma partitura com a composição que ele tinha feito para a apresentação.
Admito, meus olhos brilharam naquele momento!
Sexta-feira à noite, estávamos repassando a coreografia pela quinta vez, sempre errava na mesma parte, aquela que ele parava de tocar o piano e começava a dançar comigo. Em um movimento errado, tropeçou em minha perna e caiu me puxando junto, meu corpo caiu sobre o dele e por alguns segundo, nossos rostos ficaram bem próximos, senti até o coração dele acelerar.
— Uhhhllll, então é assim que vocês praticam? — comentou aparecendo misteriosamente da porta.
— Seria interessante se fizéssemos assim como eles, . — riu olhando para o amigo e depois olhou para mim — Eu não disse, os dois ficam bem juntos.
— Yah. — gritei me levantando — Parem de insinuações, nós caímos.
— Foi tipo uma queda proposital? — segurou um pouco o riso, mas acabou rindo.
— Idiotas. — eu olhei para , ele estava coçando a nuca, sua cara estava um pouco suspeita, respirei fundo e olhei para novamente — E vocês? O que fazem aqui?
— Viemos libertar vocês. — respondeu ela.
— Não entendi a metáfora. — retruquei.
— Vocês dois passaram os últimos dois meses trancados aqui todas as noites, tudo que tinham que fazer já foi feito. — explicou ela.
— Então, resolvemos libertar vocês nessa última noite. — completou — Que tal um pouco de diversão.
— Se estão pensando no Moonlight, perderam a vez. — já protestei.
— Claro que não, vai estar lá. — retrucou — Estávamos pensando no El Nacho Coffee.
— Agora me interessou, estou mesmo devendo uma visita a eles. — olhei para — O que acha da ideia?
— Bem, pelo menos agora eu poderei dançar com você. — ele sorriu de canto, disfarçando um pouco.
— Qual o lance dessa história aí? — perguntou .
— Não tem lance nenhum. — eu ri indo pegar minha bolsa — Aquela nossa primeira vez lá, ele não pode dançar, mas agora.
O olhar de estava em mim, talvez ele quisesse mesmo dançar comigo, e olhando pelo lado bom, seria uma ótima experiência para ele dançar no meio de outras pessoas. Assim que chegamos no El Nacho, os donos me reconheceram, eles ficaram felizes por terem me visto lá novamente, tão educados e gentis que nos convidaram para sentar na melhor mesa da cafeteria.
É claro que nossa presença não passaria sem uma grande comemoração, e lá fui eu para o meio do lugar dançar como na primeira vez, porém havia algo novo, não pela presença de e . Mas porque estava dançando no meio de todos, minha primeira realização estava concluída, ele havia controlado sua timidez, mesmo que para isso ele tivesse que olhar só para mim.
— Obrigada pela noite. — disse ele assim que chegamos em frente ao prédio do meu apartamento.
— Você poderia ter ficado mais tempo lá, com a e o . — comentei olhando para meu prédio.
— E virar um castiçal? — brincou ele rindo de leve.
— Olha, ele ri. — brinquei com ele rindo junto — É a primeira vez que te vejo rir com tanta naturalidade.
— Talvez, eu tenha motivos para isso agora. — explicou ele me olhando — Rir e sorrir, são méritos da minha inspiração.
Por um momento, senti meu coração parar, acho que foi na hora que me lembrei que eu era sua inspiração. Eu sabia que ele era tímido demais para tomar iniciativa, e minha sanidade estava um pouco comprometida pelas tequilas que tomei, mas tinha algo que eu estava pensando em fazer. Caso não gostasse, poderia colocar culpa na bebida no dia seguinte, então, não dei muito tempo para ele reagir a minha aproximação, eu o beijei!
Se tinha algumas pessoas passando na rua? Não sei, só conseguia me concentrar naquele beijo, que de algo simples, começou a ser um pouco mais doce e malicioso, acho que estava descobrindo uma parte bem interessante daquele aluno tímido, meu poeta incubado. Eu não podia brincar assim com os sentimentos da criança, mas beijá-lo era sim um pouco proposital, se eu era sua inspiração, aquele beijo lhe daria coragem para nossa apresentação.
— Boa noite. — disse já me afastando dele e indo em direção ao prédio.
Como toda pessoa tímida, ele ficou sem reação, estático me olhando entrar. Eu já estava em risos quando entrei no apartamento fechando a porta, joguei minha bolsa no sofá e caminhei até a cozinha, troquei a ração do Boris e fui para meu quarto. Troquei de roupa e assim que cheguei perto da minha cama, percebi que aquele gato fofo e folgado estava deitado lá. Não me importei muito e me joguei em meu cansaço e dormi.
Horas depois já estava me ligando, tínhamos combinado de ir juntas para a InH, a parte da manhã seria para os professores revisar todo o cronograma de apresentações e acompanhar o último ensaio geral dos seus alunos graduandos. O evento começaria às sete da noite, minha ansiedade aumentou um pouco, quando olhei no meu celular e só faltava dois minutos para começar.
O auditória estava cheio, nas duas primeiras fileiras, algumas pessoas influentes e importantes no ramo da dança, assim como o diretor da InH e os donos. Até aquele momento a pessoa mais pontual do mundo ainda não tinha chegado, eu não sabia se era ironia do destino, brincadeira da parte dele, ou se tinha acontecido alguma coisa séria com ele. Com o passar das apresentações, minha atenção deveria estar nas performances dos meus alunos, mas só conseguia pensar em , o que me deixava um pouco irritada.
— Preocupada com alguma coisa, ou alguém? — perguntou com tom de insinuação.
— Sim, estou preocupada em como vai ficar sua reputação quando eu vencer nossa aposta. — respondi à altura.
— Bem, a próxima é a minha. — disse olhando para o grupo de alunos que se apresentava no palco, estávamos atrás nos bastidores.
— Espero que tenha sido um cavalheiro com a Josephine, ela é muito fofa.
— Acredite ou não, foi a aluna mais dedicada que eu já tive.
— Posso dizer o mesmo do meu.
— E por falar nele, onde está? Sua performance é após a minha. — me lembrou ele propositalmente.
— Está preocupado com a derrota eminente? — eu ri — Acho melhor se preparar e preparar sua aluna.
Me afastei dele, indo em direção as escadas de saída, assim que abri a porta trombei em uma pessoa que parecia estar correndo.
— Ai. — disse levando a mão a cabeça.
— Me desculpa. — era .
— Está atrasado. — nunca imaginei que diria isso para ele.
— Não é você que diz que não se deve olhar o tempo? — ele sorriu com naturalidade — Eu apenas cheguei no momento em que deveria chegar.
— Desde quando rouba minhas falas. — sussurrei segurando o riso — Venha, precisamos nos trocar.
Eu tinha gostado daquele atraso, apesar de saber que seria uma vez em um milhão, quando se tratava dele, entreguei a roupa que ele vestiria e estipulei cinco minutos para ele se trocar não gostava de estipular tempo, mas era necessário. Tinha que agradecer a , por ter me ajudado a montar o figurino, ficaram lindos, algo formal com um toque casual, ele de terno preto com all star branco, e eu com um vestido vermelho de renda, meio curto e um pouco rodado para dar mais leveza aos meus movimentos, com um sapato preto de salto fino. Tenho que confessar, fazia tempo que não dançava de salto, bendita a fase hip-hop.
— Uau. — disse ele não me ver de vestido.
— Vou levar como um elogio. — sorri o olhando de cima para baixo — Hum, gostei do all star.
— Eu também. — concordou ele.
— Olha, e não é que o aluno chegou. — disse ao passar por nós.
— Acho melhor você sentar para não cair. — eu olhei para — Porque agora e vez da atração principal.
Senti meu ego lá no topo agora! caminhou até o piano que já estava preparado para nós, assim que as luzes apagaram e o lugar ficou todo escuro, ele começou a tocar. Aos poucos as luzes foram retornando em uma intensidade mais fraca, e com movimentos delicados e cautelosos, entrei no palco. Essa era a nossa introdução, onde ele tocava e eu dançava, um solo arrasador da minha parte.
Para a continuação, contaria com a ajuda de coordenando não somente o jogo de luzes, como também a mesclagem da composição de , com a música escolhida para ser nossa junção de estilos, Oh NaNa do KARD. Tanto seu ritmo como a melodia, ajudaria a apresentar com perfeição a coreografia que eu tinha planejado.
Assim que eu dei meu último movimento, me ajoelhado suavemente, parou de tocar com leveza e caminhou até mim, exatamente como praticamos, e ajoelhando atrás de mim tocando em meus braços, a música iniciou. Movimentos suaves e precisos, do ballet contemporâneo combinados a salsa em alguns trechos música, já nas partes de rap, vários passos sincronizados do hip-hop para complementar.
Poucos antes do final da música, fiz uma pose um tanto superior apontando para ele, aquele seria os 20 segundos que teria para seu solo tímido, que me surpreendeu. Suavidade, malícia e sedução, era uma mistura louca de três ritmos e muitos sentimentos entre eu e ele. Eu o sentia com tanta intensidade, como se meu corpo de fundisse ao dele, quando finalizamos, da forma mais impecável que poderia ser finalizada, algo surpreendente aconteceu na última nota.
me beijou!
Aquele beijo não foi planejado, disso eu tinha certeza, mas adorei o improviso! Não teve uma pessoa que não aplaudiu de pé. Olhei para , ele estava me olhando como sempre, como eu imaginava, toda sua concentração estava em mim, sua inspiração.
— Foi a melhor. — me abraçou assim que voltamos para os bastidores — Como sempre.
— É tenho que admiti, eu perdi desta vez. — disse se aproximando de mim — Meus olhos se prenderam em você.
— Cretino. — eu ri — Você sempre perdeu.
— Isso está oficialmente registrado. — disse com o celular na mão — Até eu fiquei sem fôlego vendo vocês dançarem.
— Acho que tenho que agradecer pela mesclagem das músicas e pelas luzes, efeitos também contribuem muito.
— Hum, odeio quando você fica modesta assim. — ele riu — E você, , estou impressionado, tem certeza que não sabia dançar?
— Sim, ele não sabia. — eu respondi, fazendo rir — Essa transformação foi eu, disso eu jamais terei modéstia para falar.
— Sim, foi você. — disse ele me olhando fixamente.
— Hum. — tossiu um pouco — Sinto um certo clima no ar.
— Acho melhor nos trocarmos, ainda temos a apresentação dos professores. — disse num tom amargurado.
Eu e fomos até o camarim improvisado para as professoras e nos trocamos, ela brincou um pouco fazendo insinuações sobre o beijo de finalização, tive que inventar aquela desculpa de algo combinado. Passou mais três performances antes do gran finale dos professores, podiam até achar que não, mas eu ainda tinha fôlego e animação para mais algumas apresentações, e no final da noite tudo deu certo. Como aquela era a última aposta, eu estava livre as investidas inoportunas de , mas graças a ele tinha encontrado o melhor aluno do mundo, mesmo que eu não assuma isso.
Aproveitamos o coquetel de despedida, após as apresentações acabarem, desta vez eu não exagerei tanto na bebida, queria terminar sóbria no final da festa. Nossa noite se alongou no Moonlight, cheia de animação, música e mais dança, foi quando me dei falta do e percebi que ele já tinha ido embora. Tão tímido que consegue desaparecer sem ninguém notar, e como eu, logo eu não notei a falta dele? Acho que tinha bebida além do que deveria, ou estava distraída demais para perceber.
Uma semana se passou sem que eu tivesse uma notícia dele, logo no sábado ao final da tarde, recebi uma mensagem de Charlie dizendo que ele estava no estúdio. Eu não iria correr atrás dele, mas sentia que deveria ir só para xingá-lo, ou jogar seu relógio novo pela janela, essa ideia era boa. Tomei uma ducha quente, coloquei um jeans básico, uma blusa de moletom e all star, algo bem básico.
Começou a chover no meio do caminho, minha sorte é que já estava próxima ao estúdio, cheguei na sala com o cabelo meio molhado, minhas roupa com respingos da chuva. Ele estava tocando o piano, e mesmo sabendo que eu estava na porta o olhando, ele continuou como se estivesse sozinho. Deu alguns passos entrando na sala, permanecendo com meu olhar nele.
— Está atrasada. — disse ele num tom de brincadeira, segurando o riso.
— Como sabia que eu viria? — perguntei parando ao lado do piano.
— Encontrei Charlie em uma restaurante na hora do almoço, pedi para praticar um pouco aqui, ela deixou na hora. — ele respirou fundo parando de tocar e me olhando — Então, pedi também que te mandasse uma mensagem dizendo que eu estava aqui.
— Hum. — desviei o olhar para o piano — Se queria me ver, era só ligar.
— Bem. — ele se levantou — Não achei que você quisesse me ver.
— Por que achou isso?
— Nós conhecemos por causa de uma aposta, então…
— Acho que tudo se resumiria a somente uma aposta? — retruquei — Não foi aquela aposta que nos fez entrar em harmonia, ajudou um pouco, mas temos algo bem mais forte em comum.
— O que seria? — perguntou ele.
— A música. — eu sorri de leve — Eu danço, você toca, juntos formando uma perfeita composição.
— Juntos. — ele me olhou — Define juntos.
Mais do que falar, minha definição seria mostrar, eu o beijei de forma doce e suave, deixando a malícia por conta dele. Aquela parte tímida que possuía, misteriosamente escondia o homem interessante que ele era, eu estava disposta a gastar mais algumas noites naquele estúdio descobrindo muito mais sobre ele. Além de o fazer praticar ainda mais tudo que eu tinha ensinado em dois meses, agora teria mais tempo para aperfeiçoar as habilidades do meu aluno e encontrar outras.
— Então, porque não começamos com você tocando para mim. — sugeri após o beijo.
— Com prazer, minha inspiração.
“Cante para mim todos os dias (oh na na na)
Me derreta com o seu olhar (oh na na na).
Mantenha essa chama em seu coração se você me quiser
Você vai estar comigo pra sempre, assim como essa noite.”
- Oh Na Na / KARD