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Última atualização: 06/10/2023
Music Video: DRAMARAMA - MONSTA X

TIME

Tudo tem o seu tempo determinado, 
e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.
- Eclesiastes 3:1

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Seoul, outono de 2015

O dia amanheceu sendo contemplado pelas folhas alaranjadas das árvores que caíam pelo chão da cidade, uma brisa suave do início da estação dos corações solitários, segundo alguns. Contudo, para o jovem que corria pelas estreitas ruas de Bukchon Hanok Village, cada segundo daquele dia era precioso, pois os homens de terno preto e óculos escuros que o perseguiam, tinham ordens expressas para caçá-lo e recuperar o objeto que não lhe pertencia.

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Bem distante dali, localizada ao sul da região de Hongdae, a cafeteria Miss Coffee já se encontrava bem movimentada, logo cedo. Após levar mais uma repreensão da gerente Kim, enteada do dono, por chegar atrasado mais uma vez, o atendente e barista Park , se apressou para colocar o avental e já iniciou seu dia de trabalho no preparo do primeiro café do dia, sendo considerado a especialidade da casa, o consagrado Macchiato de canela, com baunilha e essência de rosas. O pedido era para a mesa 4, em que uma bondosa senhora de cabelos grisalhos, mantinha o olhar distraído na vidraça observando os carros passando na rua. Ao terminar o preparo, o jovem rapaz seguiu para a mesa da senhora e a serviu com um sorriso agradecido no rosto.

— Bom apetite, senhora, se precisar de mais alguma coisa estarei perto para atendê-la. — disse ele, ao servir a senhora e se afastar da sua mesa.

Naquela sexta-feira, ele completava três anos trabalhando ali e se sentia abençoado por ter conseguido um emprego tranquilo, após todo o esforço que teve para se formar no ensino médio, afinal, a grande cidade de Seoul ao mesmo tempo que tinha oportunidades também tinha suas ruínas. Para um rejeitado de nascimento que passou parte de sua infância em um orfanato e outra parte em lares temporários, ter um emprego e uma kitnet para morar em sua vida adulta, foi mais do que pode imaginar ou ambicionar para si.

— Park. — o dono da cafeteria, chamou o rapaz pelo sobrenome.
— Sim, senhor Han. — ele se aproximou do homem com o olhar atento.
— Vi que chegou atrasado mais uma vez, já conversamos sobre isso. — disse o homem, no seu tom gentil e sereno — Sempre que precisar se atrasar, nos avise, assim a gerente Kim não fica louca estando sozinha com os novatos e te repreende por isso.
— Me desculpe, senhor Han. — ele manteve o olhar baixo, envergonhado por aquilo, pois não gostava de trazer preocupações ao chefe — Foi realmente uma urgência, mas garanto que irei avisar da próxima vez.

Realmente para Park não havia sido planejado o atraso, porém, logo ao amanhecer recebeu uma ligação estranha de seu amigo, Charlie, pedindo para que buscasse uma encomenda em uma relojoaria específica, cujo endereço ficava do outro lado da cidade. No final, ao chegar no local, havia descoberto que o amigo já havia resgatado o objeto, o fazendo perder seu tempo no deslocamento.

— Só lhe digo assim para que não crie problemas com a gerente Kim. — explicou o homem seu posicionamento.
— O senhor tem certeza que ela é da família? — resmungou , num tom baixo, ao voltar o olhar para a mulher discretamente — Ela não é gentil como o senhor.

O comentário arrancou uma gargalhada boba e espontânea de Han.

— Preciso sair mais cedo, para buscar minha filha na fisioterapia. — explicou o homem, antes de dar suas ordens — Ajude a gerente Kim a cuidar de tudo por aqui, e fique de olho nos novatos, não quero eles comendo as tortas de graça.
— Sim, senhor. — assentiu o rapaz, ao bater continência em brincadeira, arrancando mais risos dele, então o observando se afastar — Senhor Han.
— Sim?! — o olhou prontamente.
— Está tudo bem com a sua Hani? — perguntou ele, disfarçando sua preocupação.

Já se contavam duas semanas que o senhor Han JongHo se ausentava da cafeteria horas mais cedo para dar assistência à filha.

— Sim, são apenas exercícios de rotina, agradeço a preocupação, mas volte ao trabalho. — a voz dele soou um pouco mais séria e fria.
— Sim, senhor. — sussurrou o rapaz, abaixando o olhar.

Por mais que fingisse não notar, o senhor Han já tinha reparado no súbito interesse de seu funcionário do ano em sua filha, e vice-versa. Hani era sua filha única, do primeiro casamento com o grande amor da sua vida, sendo criada como uma princesa, com os melhores recursos para educação. E com o mesmo desempenho, ele também havia adotado sua enteada Kim , posteriormente, no segundo casamento. Como todo pai preocupado, ele sonhava com um bom casamento para ambas as garotas, e lá no fundo, mesmo admirando seu funcionário, ele rejeitava a ideia de acertar um relacionamento de sua princesinha com alguém que não tinha nem onde morar direito. Entretanto, a garota aparentemente não se importava com os preconceitos da família e se permitia viver aquele romance parcialmente proibido.

Por um infortúnio, no verão passado a jovem Hani havia se acidentado em uma de suas apresentações de balé, o que resultou em várias sessões de fisioterapia para fortalecer o tornozelo prejudicado. A raiz da preocupação de , que levou a perguntar sobre sua amada. Contudo, mesmo com a desaprovação do senhor Han e sua esposa, o romance escondido fluía entre o jovem casal.

! — uma voz conhecida soou do canto próximo a porta de entrada da cafeteria.

O homem com um moletom grafite com o capuz, que cobria parte do boné em sua cabeça, fazendo com que ambos escondessem parcialmente seu rosto.

— Charlie?! — o olhar confuso e inacreditável do rapaz reconheceu o rosto do homem que o chamou pelo nome, se dirigindo até ele — Que bom que está aqui, porque eu quero te matar… Ou melhor, só não te mato, porque posso ser demitido depois.
— É claro que não vai matar seu único amigo de infância. — ele riu de leve e adentrou mais o lugar, não se importando com os olhares que seguiam para ele.
— Primeiro você some no mapa por cinco anos, depois aparece do nada me pedindo um favor e quando eu chego no loja, você já tinha passado lá. — o tom de soou com repreensão, desconfiado do amigo — É estranho te ver aqui, depois de todo esse tempo.

Charlie, tentou se mostrar o mais natural possível, ignorando por instantes a apreensão pela perseguição de mais cedo que quase custou sua vida. Se aproximando de uma das mesas e puxando uma cadeira, sentou mostrando certa descontração, por fora parecia mesmo tudo bem, mas internamente o homem estava em nervos, morrendo de medo de ser pego pelos homens que o seguiam.

— Está tudo bem? — perguntou , percebendo a agitação no olhar dele, em seus olhares para todos os lados e pelo bater de sua perna esquerda consecutivamente ao chão.
— Sim, eu estou. — ele sorriu de canto e voltou o olhar para o lado disfarçando.
— Charlie, crescemos juntos e somos praticamente irmãos, eu te conheço melhor do que sua mãe que me acolheu. — insistiu ele, já se preocupando com o estado do amigo.
— Para ser honesto, preciso da sua ajuda. — confessou o homem, voltando a olhar para ele.
— O que?! Se for dinheiro, já adianto que não tenho. — foi honesto com ele e com sua realidade financeira.
— Não preciso de dinheiro, é outra coisa. — pediu Charlie, sentindo-se estranho e mais agitado ainda por dentro — Preciso esconder uma coisa importante.

De certa forma, ele conseguia sentir a aproximação dos homens que o seguia.

— Calma, Charlie, eu não posso esconder drogas, se for o caso. — retrucou , já temendo as roubadas do amigo.
— Não é isso, eu… — ele respirou fundo — Poderia me trazer um café?
— Você jura? — ele bufou um pouco, não conseguindo entender as variações de humor do amigo — O que está acontecendo?
— Nada, apenas me traga um expresso, por favor. — pediu Charlie novamente.
— Tudo bem. — assentiu, respirando fundo e se afastando da mesa, seguiu até o balcão para preparar a bebida.

No fundo, o jovem barista já imaginava que o amigo estava mais do que encrencado e temia que pudesse sobrar pra ele, o atrapalhando no emprego. Entretanto, ele não podia negar ajuda a quem tanto lhe ajudou no passado, mas também não queria colocar em risco o pouco que conquistou em sua vida. Principalmente pelos olhares atravessados da gerente Kim para ele, como se desejasse cortar sua cabeça fora.

— Aqui está, acho que um café forte pode clarear sua mente. — disse ao retornar à mesa e se deparar com ela vazia — Para onde ele foi?!
— Park?! — o som da voz da gerente Kim soou atrás dele, lhe causando um frio na espinha como de costume — Caso não se lembre das regras, é terminantemente proibido trazer amigo para a cafeteria, a menos que eles comprem e paguem.
— Eu sei, senhorita Kim. — ele assentiu com o olhar baixo, se controlando para não lhe dar uma resposta grosseira.
— Que bom, pois este expresso sairá do seu salário. — advertiu ela, com ar de satisfação pela consequência.

assentiu e de raiva tomou o expresso em uma golada, mesmo estando quente. Assim que a gerente se afastou, ele respirou fundo para voltar ao eixo da razão, e voltando seus pensamentos no amigo que havia desaparecido, voltando seu olhar para mesa, notou que uma caixa de relógio havia sido deixado com um bilhete.

— Esconda-o para mim. — sussurrou o rapaz ao ler o bilhete.

Pegando a caixa, abri-a com cuidado e observou com mais atenção os robustos botões na lateral, que pareciam ser os controladores dos ponteiros.

— Por que deixou isso, Charlie? No que se meteu? — sussurrou ele, ao colocar a caixa com o relógio dentro no bolso do avental.

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Yokohama, primavera de 1920

— Você está mais agressiva hoje. — comentou o homem, ao parar por um tempo para respirar e retomar o fôlego.

Ele sentou-se ao chão, colocando seu shinai, uma espada de bambu feita para se praticar aquela luta, do lado e observou-a o encarando por alguns instantes. A jovem mulher em sua frente estava com os olhos repletos de fúria, que precisava ser extravasada. Nada melhor que o habitual treino de Kendo com um velho amigo, para suprimir as inquietações e clarear os pensamentos, e assim conseguir cronometrar seu tempo e corrigir os erros cometidos por terceiros.

— Corrigindo, estou mais concentrada. — disse ela, dando alguns passos até a porta de passagem para o jardim — E você não deveria abaixar a guarda, Ichiro.

Seu olhar manteve-se fixo nas sequência de árvores que compunham o espaço, todas cerejeiras recheadas de flores das quais considerava suas favoritas, e que misteriosamente lhe transmitiam paz e serenidade. Um respiro fundo para sentir o doce aroma das flores que o jardim exalava, lhe trazendo outros pensamentos inoportunos em sua mente, principalmente tratando de seu passado, presente e futuro.

— Hum… — o homem sorriu de canto, ao levantar sorrateiramente em silêncio e pegando sua shani, se impulsionou para a direção dela.

Antes mesmo que a mulher pudesse ser acertada por ele, seu corpo se moveu com precisão com sua mão direita já erguendo o shani e cruzando com o dele. O pequeno barulho causado, deu início a mais uma sequência de ataques e defesa por parte de ambos.

— Você está mesmo mais atenta! — comentou ele, ao tentar aplicar o Tsuki, um golpe caracterizado por uma estocada na garganta do oponente.
— Não me deixarei mais enganar. — afirmou ela, segura de suas palavras ao se defender — Minha falta de atenção custou alguns artefatos e um dos meus relógios está desaparecido, o que me deixa mais irritada.
— Ele ainda não abriu a boca? — perguntou Ichiro, forçando algum ataque dela.
— Não, mas acho que mais alguns dias na Memory, fará ele dizer onde está meu relógio. — respondeu ela.

A jovem deu um giro rápido e com precisão deslizou as mãos para transferir o Dô contra ele, um golpe deferido contra o adversário atingindo a região do seu abdômen. Ao sentir o impacto do shani dela contra seu corpo, Ichiro deu alguns passos para trás sentindo um dolorido em sua musculatura. Seu olhar se voltou para ela, impressionado de como sua aprendiz estava ainda melhor do que ele.

— Minha malvada favorita, é assim que se faz. — comentou ele, ao sorrir de canto orgulhoso pela mulher que ela havia se tornado — Sempre impiedosa, tanto aqui como lá.

Sim, impiedosa e sem coração.

Adjetivos em que todas a classificavam. A jovem diretora, conhecida como Lady Sakura, era a mulher mais imponente que a Time After Time conhecia. A agência secreta, trabalhava anonimamente para seletos clientes e detinha a mais geniosa e inexplicável tecnologia, e atualmente seguia sendo controlada por ela que tinha sob vigilância todas as suas viagens e missões.

— Se ser impiedosa, significa expurgar as emoções, que seja, eu sou impiedosa e não vou voltar atrás — disse ela, dando seu golpe final, do derrubando ao chão — Sentimentos são para pessoas fracas.
— Se você diz. — concordou ele, retirando do seu rosto o Men, o equipamento de proteção para a cabeça.

Ele manteve o sorriso de canto no rosto, assim como seu corpo ao chão, sentando novamente. Um longo suspiro vindo por parte de Ichiro, fez seus olhos se voltarem para o braço dela, vendo nitidamente um relógio em seu pulso. Sakura retirou o Men de sua cabeça revelando seu rosto, os longos cabelos caíram sobre sua face, já tinha alguns meses que ela havia resolvido deixá-lo crescer. Entretanto, ainda não tinha revelado ao seu mestre.

— Terminamos por hoje? — perguntou ele, curioso pelos movimentos dela.

Ichiro a tinha salvo da morte no passado, após suas vidas se cruzarem repentinamente por uma missão que a jovem deveria cumprir. Uma rápida afeição surgiu por parte do homem, que logo a levou para o templo onde morava ao norte de Yokohama em meio às montanhas. Com isso, o lugar regado à tradição japonesa e sua reluzente arquitetura milenar, tornaram-se refúgio da mulher.

— O dever me chama. — disse ela, no seu tom firme e natural de falar, o olhar sereno porém seguro.

Internamente já se sentia mais equilibrada e pronta para voltar a rotina na diretoria, e externamente ela mostraria aos seus subordinados que quaisquer imprevistos não conseguiriam deixá-la abalada.

— Vejo você mais tarde? — pergunto ele, mantendo o olhar para frente, assim que ela passou ao seu lado seguindo para a outra porta de acesso ao corredor para o pátio central.
— Talvez amanhã, no café. — respondeu ela, precisamente.

Sakura continuou dando passos enquanto tocava com a mão esquerda no relógio em seu pulso direito. Ao apertar um dos botões laterais, um sutil soar rescindiu no lugar como o vento assobiando nos campos de arroz. Ichiro apenas virou com leveza a cabeça, se certificando que ela já havia desaparecido em um girar do ponteiro.

Ele sabia o que viria a seguir, afinal…

Ela era a Lady Sakura da Time After Time

E nenhum traidor iria roubar a agência e sobreviver à sua fúria, vivendo para contar a história.

I look at you and I see million stars
I am so glad you came and stole my heart.
- Beautiful Life / Now United




Continua...




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